PARECER/CONSULTA TC-002/2008 PROCESSO - TC-4949/2007
PARECER/CONSULTA TC-002/2008
PROCESSO - TC-4949/2007
INTERESSADO - COMPANHIA DE MELHORAMENTOS E DESENVOLVIMENTO URBANO DE GUARAPARI - CODEG
ASSUNTO - CONSULTA
1. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO SUJEITO À ALTERAÇÃO UNILATERAL - ARTIGO 58, INCISO I, DA LEI N° 8666/93 – POSSÍVEL PARA ADEQUAÇÃO AO INTERESSE PÚBLICO – MOTIVAÇÃO ATRAVÉS DA DEMONSTRAÇÃO DOS FATOS SUPERVINIENTES OU CONHECIDOS POSTERIORMENTE – MODIFICAÇÃO PROPORCIONAL AO MOTIVO OCORRIDO; 2. ALTERAÇÃO DO ÍNDICE DE REAJUSTE - POSSIBILIDADE QUANDO SE DEMONSTRAR INADEQUADO PARA MANTER O EQUILÍBRIO DA EQUAÇÃO ECONÔMICO-FINANCEIRA PACTUADA.
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos do Processo TC-4949/2007, em que o Diretor Presidente da Companhia de Melhoramentos e Desenvolvimento Urbano de Guarapari - CODEG, Sr. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, formula consulta a este Tribunal, nos seguintes termos:
1. Poderia o contrato de prestação de serviços, objeto de concorrência pública, com base no artigo 58, inciso I, da Lei n° 8666/93, ser sujeito à modificação, com inclusão de serviços, materiais, equipamentos e mão-de-obra qualificada?
2. É possível a alteração de índice de reajustamento quando há previsão contratual de reajuste de acordo com índice determinado no contrato ou outro que venha melhor espelhar a realidade de mercado? Essa alteração do índice seria para a adequação da correção monetária a incidir sobre produto importado.
Considerando que é da competência deste Tribunal decidir sobre consulta que lhe seja formulada na forma estabelecida pelo Regimento Interno, conforme artigo 1º, inciso XVII, da Lei Complementar nº 32/93.
RESOLVEM os Srs. Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo, em sessão realizada no dia vinte e oito de fevereiro de dois mil e oito, por unanimidade, acolhendo o voto do Relator, Conselheiro em substituição Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxx, preliminarmente, conhecer da consulta, para, no mérito, respondê-la nos termos da Instrução Técnica nº 7/2007, da 8ª Controladoria Técnica, firmada pelo Controlador de Recursos Públicos, Sr. Xxxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxx, abaixo transcrita:
I. RELATÓRIO. Tratam os presentes autos de consulta formulada pelo Sr. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, Diretor Presidente da CODEG – Companhia de Melhoramento e Desenvolvimento Urbano de Guarapari, no sentido de serem respondidas as seguintes indagações, que transcrevemos in verbis: “[...] se poderia o Contrato de Prestação de Serviços, objeto de concorrência pública, ser sujeito a modificação, com base no Art. 58, I, da Lei n° 8.666/93 para inclusão de serviços e materiais, além de equipamento e mão- de-obra qualificada para a execução dos mesmos.” “Outro questionamento da consulente é quanto à possibilidade de alteração de índice de reajustamento, uma vez havendo previsão contratual de reajuste de acordo com índice determinado no contrato ou outro que venha melhor espelhar a realidade de mercado. Essa alteração do índice seria para a adequação da correção monetária a incidir sobre produto importado.” É o relatório.
II. REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE. Transpostas as fases preestabelecidas no art. 97, caput e § 2º, do Regimento Interno desta Corte (Resolução TC nº 182/2002) e tendo a autoridade competente se manifestado pela admissibilidade da presente
consulta, no que tange aos requisitos dos arts. 95 e 96 do referido instrumento normativo, passamos à análise do mérito das questões suscitadas pela consulente. III. MÉRITO 1. Alteração Unilateral de Contrato. O primeiro questionamento diz respeito à possibilidade de alteração unilateral de contrato de prestação de serviços, com base no art. 58, I, da Lei n° 8.666/93, para nele incluir outros serviços, materiais, equipamentos e mão-de-obra especializada para a sua execução. O dispositivo citado autoriza a modificação unilateral para melhor adequação do contrato às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado. Tal prerrogativa, segundo a lição de Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx, constitui um poder-dever concedido à Administração Pública. Assim, “verificados os pressupostos normativos, a Administração tem o dever de intervir no contrato e introduzir as modificações necessárias e adequadas à consecução dos interesses fundamentais”1. Destarte, observamos inicialmente que a alteração unilateral mencionada no referido dispositivo legal não somente é possível, mas também se constitui uma obrigação da Administração diante de situações supervenientes que demandem uma melhor adequação das cláusulas contratuais. Cumpre salientar, todavia, que tal discricionariedade encontra alguns limites. Ainda segundo o autor supracitado, não poderá o administrador alterar as cláusulas que assegurem a remuneração do particular, que são chamadas de econômicas. A prerrogativa em questão refere-se tão-somente à modificação de cláusulas que versem sobre o desempenho das atividades de prossecução dos interesses fundamentais, que são denominadas “regulamentares” ou “de serviço”. E mesmo com relação às últimas, a mudança só é cabível em razão da ocorrência de eventos posteriores à contratação ou somente conhecidos nessa oportunidade. Isso porque antes da contratação, cabe à Administração Pública uma série de procedimentos no sentido de delimitar o objeto pretendido, realizando-se o certame licitatório com base nesses critérios. Admitir a modificação posterior sem a presença desses pressupostos é reconhecer a inutilidade do procedimento licitatório realizado, bem como a incapacidade do administrador em planejar suas contratações de modo eficaz. Dessa forma, por ocasião da decisão de alterar unilateralmente o contrato, cabe ao Poder Público, por meio de seus agentes, verificar se era possível identificar, à época da realização do procedimento licitatório, a existência ou não dos fatores que atualmente ensejam a modificação. Se sim, a mudança é indevida. Se não, é devida a alteração de cláusulas regulamentares para adequá-las ao interesse público. É o que ressalta o professor Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx: Logo, a modificação unilateral do contrato pressupõe eventos ocorridos ou apenas conhecidos após a contratação. A Administração tem a faculdade de modificar o contrato, mas tendo em vista ocorrências subseqüentes à data da
1 XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. São Paulo: Dialética, 2005, p. 511.
contratação. Deverá ter ocorrido uma modificação das circunstâncias de fato ou de direito, motivando a necessidade ou a conveniência de alterar o contrato2. [grifo nosso] Por oportuno, merece destaque a questão relativa aos fatores preexistentes à contratação e conhecidos somente após. Não se trata aqui de desconhecimento em virtude de falta de planejamento adequado do administrador. Com efeito, o que se requer do agente público é um mínimo de diligência capaz de definir as necessidades existentes, conhecidas em razão de fatos passados ou mesmo de objetivos a serem alcançados. Nesses termos, entendemos, v. g., que se um Município realiza anualmente eventos por ocasião do incremento do turismo em alta temporada, é possível prever a demanda com equipamentos de sonorização, iluminação e mão-de-obra especializada para operá-los. Por outro lado, se o Município nunca realizou tal tipo de contratação, mas planeja realizar tais eventos naquele ano, é também passível de previsão, haja vista que um mínimo de diligência do agente público seria capaz de verificar tal necessidade. Não caberia, então, no exemplo citado, a alteração posterior do contrato, alegando-se necessidade de adequá-lo ao interesse público. Novamente buscando arrimo nos ensinamentos de Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx, encontramos o seguinte sobre as hipóteses autorizativas da alteração unilateral: A hipótese da al. “a” [art. 65, I] compreende as situações em que se constata supervenientemente a inadequação da concepção original, a partir da qual se promovera a contratação. Tal pode verificar-se em vista de eventos supervenientes. Assim, por exemplo, considere-se a hipótese de descoberta científica, que evidencia a necessidade de inovações para ampliar ou assegurar a utilidade inicialmente cogitada pela Administração. Também se admite a incidência do dispositivo para respaldar modificações derivadas de situações preexistentes, mas desconhecidas por parte dos interessados. O grande exemplo é o das “sujeições imprevistas”, expressão clássica no Direito francês e que indica eventos da natureza ou fora do controle dos seres humanos, existentes por ocasião da contratação mas cuja revelação se verifica apenas por ocasião da execução da prestação. O grande exemplo é o da falha geológica de terreno, que impede a implantação da obra tal como inicialmente prevista. [grifo nosso] Ora, se a alteração unilateral só pode ocorrer nas circunstâncias supramencionadas, cabe à Administração Pública motivá-la, sob pena de nulidade. E não poderá fazê-lo de forma genérica e abstrata, sem apontar dados concretos que justifiquem a modificação. Se for fundada em evento superveniente, p. ex., deverá demonstrar sua inexistência à época da contratação. Deve evidenciar que a solução localizada na fase interna da licitação não se revelou, posteriormente, como a mais adequada. Outro ponto relevante refere-se à extensão da modificação. Esta deverá ser proporcional ao motivo ocorrido, evitando-se a desnaturação do objeto originalmente contratado. Como é cediço, o contrato vincula-
2 XXXXXX XXXXX, 2005, p. 511.
se ao ato convocatório e as mudanças devem ser qualitativa e quantitativamente limitadas. É o que observamos ao analisar o art. 65, § 1°, da Lei n° 8.666/93: Art. 65. (...) §1° O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% (cinqüenta por cento) para os seus acréscimos. A preocupação do legislador em limitar as alterações quantitativas do objeto é não somente evitar a desnaturação do que foi previsto no edital da licitação, mas também resguardar o interesse do particular contratado. Vale observar que aquele que contrata com a Administração Pública analisa sua capacidade de atendê-la com base no instrumento convocatório. Modificações excessivas podem onerá-lo significativamente, a ponto de inviabilizar, inclusive, o cumprimento da obrigação a que se vinculara. A nosso ver, as alterações qualitativas, que são o objeto da presente consulta, devem seguir o mesmo raciocínio. Não encontram, porém, limites predefinidos na legislação por conta de suas características próprias. Contudo, devem pautar-se pelo princípio da razoabilidade. Daí a necessidade de uma fundamentação precisa e robusta por parte da Administração. Por fim, ao proceder às alterações, o administrador deverá zelar pela manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato (art. 58,
§ 2°, da Lei n° 8.666/93), ajustando-se o preço às novas
necessidades. Não custa lembrar que as cláusulas econômico- financeiras só podem ser alteradas com a concordância do contratado, que deverá se manifestar previamente sobre o assunto (art. 58, § 1°, do referido diploma legal). 2. Alteração de Índice de Reajuste. O segundo questionamento reside, em suma, na possibilidade de alteração de índice de reajuste previsto no contrato, a fim de adotar outro que espelhe melhor a realidade de mercado. A previsão de cláusulas de reajuste de preços nos contratos administrativos originou-se da consciência de que as relações econômicas não são estáveis, estando sujeitas a flutuações que podem afetar o equilíbrio econômico-financeiro inicialmente estatuído. Hodiernamente, as altas de preços assumem caráter de normalidade e busca-se com a fixação de índices de reajuste prever as alterações que podem ocorrer, a fim de garantir a mantença da equação econômico-financeira. Nesse sentido, encontramos ensinamento de Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx, que assim trata da questão: Parece claro a todas as luzes que nestes casos a intenção traduzida no ajuste é a de buscar equivalência real entre as prestações e o preço. Em suma: o acordo de vontades, no que atina à equação econômico-financeira, em interpretação razoável, só pode ser entendido como o de garantir o equilíbrio correspondente ao momento do acordo, de sorte a assegurar sua persistência, prevenindo-se destarte o risco de que
contingências econômicas alheias à ação dos contratantes escamoteiem o significado real das prestações recíprocas3. Os contratos administrativos reportam-se a índices oficiais que deverão reproduzir a real modificação deles. Admitindo-se por hipótese que tais índices não reflitam a realidade econômica, prejudicado estaria o equilíbrio pactuado e, portanto, o fim pretendido por tal tipo de cláusula. Assim sendo, mesmo já havendo previsão de índices de reajuste, se a situação econômica sofrer variações e essa realidade não se refletir no preço, de maneira a garantir a sua equivalência com as prestações, o contratado terá direito de revisão do contrato por força da teoria da imprevisão. A nosso ver, caberia inclusive a modificação do índice de reajuste, caso, fundamentadamente, seja demonstrada a sua incompatibilidade com as variações reais da economia. Isso porque a cláusula de reajuste é um meio estabelecido para se alcançar um fim e não se justifica a sua manutenção se este não é alcançado. É o que se depreende da exposição de Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx: Exatamente pelas razões aduzidas, se e quando os índices oficiais a que se reporta o contrato deixam de retratar a realidade buscada pelas partes quando fizeram remissão a eles, deve-se procurar o que foi efetivamente pretendido, e não simplesmente o meio que deveria levar – e não levou – ao almejado pelos contraentes. Não padece dúvida de que os índices são um meio e não um fim. A eleição de meio revelado inexato não pode ser causa elisiva do fim, mas apenas de superação do meio inadequado. Para que as partes cumpram devidamente o ajuste em toda sua lisura, boa-fé e lealdade, como de direito, cumpre que atendam ao efetivamente pretendido, respeitando a real intenção das vontades que se compuseram4. Sem embargo, não se pode olvidar que a mudança do índice de reajuste se presta a corrigir um descompasso entre as variações econômicas reais e a sua repercussão no que foi pactuado pelas partes. Não se trata de oferecer ao contratado uma melhor alternativa de lucratividade. Deve-se demonstrar, então, que a cláusula de reajuste não mantém o equilíbrio da equação econômico-financeira originalmente estatuída. Se assim não for, indevida será a sua alteração. IV. CONCLUSÃO Por todo o exposto, entendemos possível a alteração unilateral de contrato administrativo de prestação de serviços para adequá-lo ao interesse público, desde que haja demonstração de fatos supervenientes ou somente conhecidos posteriormente, evidenciando que a solução adotada na licitação não se mostrou a mais adequada posteriormente. Quanto ao segundo quesito, somos pela possibilidade de alteração do índice de reajuste previsto no contrato, quando este se demonstrar inadequado para manter o equilíbrio da equação econômico-financeira pactuada face às
3 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 627.
4 MELLO, 2006, p. 628 e 629.
variações econômicas reais. Respeitosamente, esta é a nossa manifestação.
Presentes à sessão plenária da apreciação os Srs. Conselheiros Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx, Presidente, Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxx, Relator, Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxx, Xxxxxxxx Xxxxxxx xxx Xxxxx e o Conselheiro em substituição Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx. Presente, ainda, o Dr. Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx, Procurador-Chefe do Ministério Público junto a este Tribunal.
Sala das Sessões, 28 de fevereiro de 2008.
CONSELHEIRO XXXXXX XXXXXXX XXXXXXXXX
Presidente
CONSELHEIRO XXXXXXXXX XXXXXX XXXXX XX XXXXXX
Relator
CONSELHEIRO XXXXX XXXXX XXXXXXX
CONSELHEIRO XXXXXXX XXXXXXX XX XXXXX
CONSELHEIRO XXXXXXX XXXXXXX
CONSELHEIRO XXXXXXXX XXXXXXX DOS ANJOS
CONSELHEIRO XXXXX XXXXXXX XX XXXXX
DR. XXXXXXX XXXXXXX XX XXXXXXXX
Procurador-Chefe
Lido na sessão do dia:
XXXXX XXXXX XXXXX XXXXX
Secretário-Geral das Sessões
tdrfp/jr