PARECER JURÍDICO Nº 265/2020
PARECER JURÍDICO Nº 265/2020
INTERESSADO: Departamento de Trânsito e Transporte – DTT, Município de Jaraguá do Sul/SC.
OBJETO: Contratos de prestação de serviços de transporte público coletivo e a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro em virtude da pandemia do Novo Coranavírus - Covid-19.
I. BREVE RELATÓRIO
Trata-se de análise do Procedimento Administrativo n° 130/2020, em virtude da solicitação do Departamento de Trânsito e Transporte – DTT do município de Jaraguá do Sul, solicitando “informações necessárias para a análise e sugestão de eventuais medidas a serem tomadas, consignando a responsabilidade do estado de Santa Catarina, que editou o Decreto nº 515/2020, de 17 de março de 2020, em virtude do pedido da Empresa Canarinho para que o Município de Jaraguá do Sul proceda com urgência estudos que possibilitem um aporte de recursos financeiros para evitar o colapso e que garanta a continuidade dos serviços de transporte coletivo, juntando planilhas demonstrando o valor pleiteado”.
O município através do Despacho nº 0032/2020/GABPREF, entendeu que para manifestação do Chefe do Poder Executivo faz-se necessária à adequada instrução determinando o encaminhamento à Secretaria Municipal de Planejamento e Urbanismo, por intermédio da Diretoria de Trânsito e Transporte e, encaminhe para a AGIR, solicitando análise e sugestão de eventuais medidas a serem tomadas, consignando a responsabilidade do estado de Santa Catarina, que editou o Decreto nº 515/2020.
Registra-se que a presente manifestação foi elaborada com base nos documentos encaminhados pelo Município de Jaraguá do Sul.
Página 1 de 6
II. ANÁLISE
Inicialmente cumpre-nos esclarecer que a competência delegada à AGIR através da ratificação do Protocolo de Intenções, delega a esta Agência o controle, a regulação e a fiscalização dos serviços públicos, nos termos e limites da legislação de cada ente consorciado, resguardando o poder discricionário do gestor público quanto à oportunidade e conveniência de acatar ou não as sugestões apresentadas, respeitadas as competências exclusivas do setor jurídico da municipalidade quanto a matéria em análise.
Isto posto, passamos a fazer uma breve e sucinta análise da legislação Pátria sobre a responsabilidade civil da Administração Pública nos termos do § 6º do art. 37 da Constituição Federal que assim estabelece:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
[...]
§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
O preceito acima transcrito, não exige que o agente público tenha agido no exercício de suas funções, mas na qualidade de agente público, porém o entendimento do Supremo Tribunal Federal, com relação a definição de “terceiro”, é no sentido que os danos sejam causados por seus agentes públicos contra qualquer vítima, seja servidor público ou não1.
Assim, um agente público, quando pratica um ato que causa dano a um particular, surge o dever da Administração Pública de reparar esse dano. Conforme disposto supracitado, surgindo ao Estado o dever de indenizar os danos que seus agentes causaram à terceiros investidos na função pública. Para esse tipo de ato comissivo, foi adotada como regra, a teoria do risco administrativo, cabendo ao Estado a responsabilidade pelos danos eventualmente causados por estes.
1 Vide: AgR-AI 473381, acesso em: 01/06/2020
Conforme se extrai da decisão do STF2, se faz necessária a presença dos requisitos abaixo relacionados para fazer surgir a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público:
a) consumação do dano a terceiro, servidor público ou não;
b) ação ou omissão administrativa;
c) nexo causal entre o dano e a ação ou a omissão administrativa;
d) a oficialidade da atividade causal e lesiva;
e) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal.
O STF em decisão em caso relacionado a atos emanados pelo Gestor Público no exercício de sua competência, assim se manifestou:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO: § 6º DO ART. 37 DA MAGNA CARTA. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. AGENTE PÚBLICO (EX-PREFEITO). PRÁTICA DE ATO PRÓPRIO DA
FUNÇÃO. DECRETO DE INTERVENÇÃO. O § 6º do artigo 37 da Magna Carta autoriza a proposição de que somente as pessoas jurídicas de direito público, ou as pessoas jurídicas de direito privado que prestem serviços públicos, é que poderão responder, objetivamente, pela reparação de danos a terceiros. Isto por ato ou omissão dos respectivos agentes, agindo estes na qualidade de agentes públicos, e não como pessoas comuns. Esse mesmo dispositivo constitucional consagra, ainda, dupla garantia: uma, em favor do particular, possibilitando- lhe ação indenizatória contra a pessoa jurídica de direito público, ou de direito privado que preste serviço público, dado que bem maior, praticamente certa, a possibilidade de pagamento do dano objetivamente sofrido. Outra garantia, no entanto, em prol do servidor estatal, que somente responde administrativa e civilmente perante a pessoa jurídica a cujo quadro funcional se vincular. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (STF - RE: 327904 SP, Relator: XXXXXX XXXXXX, Data de Julgamento: 15/08/2006, Primeira Turma, Data de Publicação: DJ 08-09-2006 PP-00043 EMENT VOL-02246-03 PP-00454 XXXX x. 0,
x. 00, 0000, x. 00-00) (Xxxxx nosso)
Seguindo a breve análise, com relação ao direito de ressarcimento o Código Civil (Lei nº 10.406/2002), assim estabelece:
Art. 934. Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz.
2 Vide: STF RE 130764, acesso em: 01/06/2020
Para melhor entender a responsabilidade do Estado de Santa Catarina no tema em tela, transcrevemos parte do artigo elaborado por Costa3, que ao nosso entender apresenta as informações necessária da embasar e orientar o Município nas medidas a serem adotadas:
Nos casos de responsabilização do Estado por culpa, será sempre exigida a presença do binômio dever de agir-possibilidade de agir. Nesse sentido, o caso fortuito ou força maior e a culpa exclusiva da vítima ou de terceiros são apontados, respectivamente, como causas excludentes e causas atenuantes da responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público. A caracterização de um fato como caso fortuito ou força maior decorre de um elemento subjetivo (ausência de culpa) e outro objetivo (inevitabilidade do evento), de forma que determinado evento pode até ser previsível, mas deve ser inevitável, mesmo diante de toda a diligência que empregue o poder público. É preciso considerar, para a imputação de responsabilidade ao ente estatal se existem meios materiais disponíveis, e a possibilidade efetiva de sua utilização. Não se reclama, para tanto, a imprevisibilidade do evento. Esse é o raciocínio comumente empregado nos casos de suicídio de pacientes internados em hospitais públicos (STF RE 318.725 AgR); acidentes rodoviários em que há colisão de veículos, com muitas vítimas fatais (STF AI 113.722 AgR); e de menores eletrocutados no teto de vagões ferroviários (STF RE 209.137).
Registramos que esta Agência de Regulação, sobre o reequilíbrio contratual devido a declaração de situação de pandemia global do novo Coronavírus, declarada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que fundamentou a instalação do regime de quarentena, nos termos do inciso II do art. 2° da Lei federal n° 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, em consequência a edição pelo Governo do Estado de Santa Catarina do Decreto nº 515, de 17 de março de 2020, que é objeto do pedido de análise no Parecer Conjunto Administrativo e Jurídico nº 095/2020 da AGIR, assim nos manifestamos:
Entende-se que a pandemia do Corona vírus – Covid-19, pode ser classificada como evento de “força maior” ou “caso fortuito”. Embora, as respostas dos Gestores Públicos para conter a disseminação da doença se deram através de medidas/Atos Administrativos que impuseram restrição de mobilidade das pessoas e mesmo de suspensão de atividades econômicas, podendo assim, serem eventualmente classificadas como “fato do príncipe”. Porém, necessário se faz reconhecer que a causa destas medidas ocorreu exatamente pelo risco potencial de disseminação do vírus e seus impactos sobre a saúde pública.
Cabe registrar que a 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca da Capital, nos autos nº 5034846-45.2020.8.24.0023, negou liminarmente pedido de indenização formulado pelo
3 Consta, Xxxx xx Xxxxxx, A responsabilidade do Estado no STF e no STJ. Disponível em: xxxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/0000-xxx-00/xxxx-xxxxx-xxxxxxxxxxxxxxxx-xxxxxx-xxx-xxx?xxxxxxxxx0. Ascenso em: 05/06/2020
Sindicato das empresas de Transporte Urbano da Grande Florianópolis (SETUF), por conta dos prejuízos que sofreu em virtude da suspensão dos serviços decretados pelo Governo do Estado, por considerar que a atuação do Poder Executivo em evitar a locomoção de passageiros de transporte público durante a pandemia, está em conformidade com o Estado Democrático de Direito, ao buscar a garantia dos direitos fundamentais à vida e à saúde. "Sendo assim, [...] não há como falar em ato ilegal a ensejar indenização".
Considerando que a suspensão da prestação do serviço de transporte público implicou na imediata e brutal queda de receita aferida pelas concessionárias do Estado de Santa Catarina em razão da decretação do Estado de Emergência, por força da pandemia reconhecida nacionalmente.
Tendo em vista que a retomada se dará mediante a readequação da logística referente à prestação do referido serviço público, observadas as recomendações sanitárias o que certamente implicará na necessidade de aporte financeiro para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão, viabilizando o reinício da operação pelas empresas, passivo este que eventualmente, até poderá ser arcado pelo próprio erário municipal.
Contudo, tratando-se de uma situação atípica e tomando como um parâmetro, a título de comparativo, a manutenção do Sistema Único de Saúde a nossa legislação e o entendimento jurisprudencial é no sentido que governo federal, estados e municípios, têm responsabilidade solidária no fornecimento de medicamentos e tratamentos de saúde e considerando ainda, o recente reconhecimento do transporte coletivo como serviço essencial pelo Estado de Santa Catarina, através da Lei nº 17.950 de 03 de junho de 2020.
Nesse sentido, a municipalidade poderá inicialmente pleitear administrativamente junto ao Governo do Estado, esse aporte financeiro através de estratégias e/ou auxílio, mediante a priorização de soluções extrajudiciais, tais como convênios e programas de mobilidade urbana. Tais ações já vêm ocorrendo, a exemplo do que já vem sendo adotado na área de saúde, inclusive com o entendimento da Justiça Estadual, como se extrai da Portaria nº 14/2015 do Poder Judiciário da Comarca de Ascurra/SC, que estabeleceu critérios para o ajuizamento de ações, em especial a negativa administrativa do Poder Público, conforme segue:
PORTARIA Nº 14/2015
A JUÍZA DE DIREITO XXXXXX XXXXX XX XXXXX BABY, TITULAR DA VARA ÚNICA DA COMARCA DE ASCURRA, NO USO DAS ATRIBUIÇÕES QUE LHE CONFERE O ARTIGO 3º DO CÓDICO DE NORMAS DA CORREGEDORIA-GERAL DA JUSTIÇA, E [...]
RESOLVE, disciplinar que:
Art. 1º; com a petição inicial das ações fundadas na negativa de assistência à saúde pelo Poder Público deverão ser juntadas os seguintes documentos, considerados indispensáveis para o pronto exame do pedido de tutela antecipada: (grifo nosso)
III. CONCLUSÃO
Diante de todo o exposto e considerando o entendimento do STF, sobre os requisitos necessários para a caracterização da responsabilidade civil do Estado em ações regressivas, esta subscritora entende, SMJ. e sugere que:
a) Inicialmente seja pleiteado administrativamente junto ao Governo do Estado de Santa Catarina o auxílio financeiro para atender a demanda da empresa, mediante a priorização de soluções extrajudiciais, tais como convênios, subvenções e/ou programas com recursos para a mobilidade urbana.
É o Parecer, resguardando o poder discricionário do gestor público quanto à oportunidade e conveniência de acatar ou não as sugestões apresentadas, devendo o mesmo, ser encaminhado e submetido à municipalidade, após despacho do Diretor Geral da AGIR.
Blumenau, em 10 de junho de 2020.
XXXXX XX XXXXXX XXXXXXX
Assessora Jurídica OAB/SC 35.127
(original assinado)