UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIENCIAS JURÍDICAS
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIENCIAS JURÍDICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO - MESTRADO PROFISSIONAL EM DIREITO
Xxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxx
A possibilidade de celebração de compromisso de ajustamento de conduta entre a Corregedoria-Geral da Justiça e as Serventias Extrajudiciais
Florianópolis 2022
A possibilidade de celebração de compromisso de ajustamento de conduta entre a Corregedoria-Geral da Justiça e as Serventias Extrajudiciais
Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação de Mestrado Profissional em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do título de Mestre em Direito.
Orientador: Prof. Dr. Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxxxxx
Florianópolis 2022
Xxxxxxxx Xxxx, Xxxxxx xx Xxxxxxxx
A possibilidade de celebração de compromisso de Ajustamento de conduta entre a Corregedoria-Geral da Justiça e as Serventias Extrajudiciais / Xxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxx ; orientador, Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxxxxx, 2022.
98 p.
Dissertação (mestrado profissional) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências Jurídicas,
Programa de Pós-Graduação em Direito, Florianópolis, 2022.
Inclui referências.
1. Direito. 2. Direito Administrativo. 3. Direito Notarial e Registral. I. Xxxxxxxxxxx, Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx. II. Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Direito. III. Título.
A possibilidade de celebração de compromisso de ajustamento de conduta entre a Corregedoria-Geral da Justiça e as Serventias Extrajudiciais
O presente trabalho em nível de mestrado foi avaliado e aprovado por banca examinadora composta pelos seguintes membros:
Prof. Dr. Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxxxxx Instituição UFSC
Prof. Dr. Xxxx xxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxx Instituição UFSC
Prof. Dr. Xxxxxx Xxxx dos Anjos Instituição UNIVALI
Certificamos que esta é a versão original e final do trabalho de conclusão que foi julgado adequado para obtenção do título de mestre em Direito.
Coordenação do Programa de Pós-Graduação
Prof. Dr. Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxxxxx Orientador
Florianópolis, 2022.
Este trabalho é dedicado à minha esposa Xxxxxx e ao meu filho Xxxxxxxxx por todo carinho, amor e compreensão. Amo vocês.
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer a todos os amigos e colegas de trabalho por todo apoio e auxílio na elaboração deste. Ao meu orientador, Dr. Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxxxxx, por toda paciência nesses dois anos juntos, ao Dr. Xxxx xxx Xxxxxx Xxxxxxx e ao Dr. Xxxxxx Xxxx dos Anjos por todo apoio e contribuição na realização deste trabalho.
O presente trabalho busca avaliar a possibilidade de celebração de termos de ajustamento de conduta entre a Corregedoria-Geral da Justiça de Santa Catarina e as serventias extrajudiciais. Para tanto foi efetuado estudo de caso, utilizado o método dedutivo e a técnica de pesquisa foi a bibliográfica, feita a partir de documentação indireta. A pesquisa teve caráter qualitativo. Uma novidade inserida pela Lei n. 13.655/2018 à LINDB foi a admissão do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), a ser celebrado pelo Poder Público. Contudo, os notários e registradores possuem estatuto próprio (Lei n. 8.935/1994) sem tal previsão. A Lei n. 8.935/1994 não veda expressamente a possibilidade de da Administração Pública compor com as serventias extrajudiciais, porém, pelo princípio da indisponibilidade do interesse público (Lei n. 9.784/99, art. 11), tal vedação estaria implícita e, assim, teríamos uma aparente antinomia de normas: de um lado a obrigação da Administração Pública, pela Corregedoria-Geral da Justiça, de instaurar o processo administrativo disciplinar e, por outro, a possibilidade de se firmar um acordo para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público, com os delegatários do serviço extrajudicial visando à melhora do serviço prestado à sociedade. Porém, considerando que as prerrogativas que exprimem a supremacia do interesse público são conferidas à autoridade competente para propiciar o cumprimento do dever de buscar, no interesse da coletividade, o atendimento das finalidades legais, entende-se que a celebração do acordo substitutivo ao processo administrativo disciplinar, que visa à melhoria do serviço e, em alguns casos, a reparação do dano, alcançaria melhor finalidade do que a mera persecução disciplinar.
Palavras-chave: Celebração de termo de ajustamento de conduta. Administração Pública. Serventias Extrajudiciais. Art. 26 da LINDB. Art. 32 da Lei n. 8.935/1994. Aparente antinomia de normas. Supremacia do interesse público. Compatibilidade das normas.
This work seeks to assess the possibility of concluding terms of conduct adjustment between the Public administration and the extrajudicial services, for which a case study was conducted, used the deductive method and the research technique was the bibliographic, made from indirect documentation. The research had a qualitative character. A novelty inserted by Law n. 13,655/2018 to LINDB was the admission of the Conduct Adjustment Term, to be concluded by the Government. However, notaries and registrars have their own statute (Law n. 8.935/1994) which does not provide for such a possibility. Law n. 8.935/1994 does not expressly preclude the possibility of the Public Administration to compose with the extrajudicial services, however, by the principle of unavailability of the public interest (Law n. 9.784/99, art. 11) such a prohibition would be implied and, thus, we would have an apparent antinomy of norms: on the one hand the obligation of the Public Administration, by the Internal Affairs General of Justice, to initiate disciplinary administrative proceedings and, on the other, the possibility of signing an agreement to eliminate irregularity, legal uncertainty or contentious situation in the application of public law, with delegates of the out-of-court service aimed at improving the service provided to society. whereas, however, the prerogatives that express the supremacy of the public interest are conferred on the competent authority to facilitate the fulfilment of the duty to seek, in the interests of the community, compliance with legal purposes, it is understood that the conclusion of the substitute agreement to the disciplinary administrative procedure, which aims at the improvement of the service and, in some cases, the repair of the damage, would take better account of such a principle than the mere disciplinary prosecution. Keywords: Signing of a conduct adjustment term. Public administration. Extrajudicial Services. Art. 26 of LINDB. Art. 32 of Law n. 8935/1994. Apparent antinomy of norms. Supremacy of public interest. Standards compatibility.
CNJ Conselho Nacional de Justiça
CGJ/SC Corregedoria-Geral da Justiça de Santa Catarina
CDOJESC Código de Divisão e Organização Judiciárias do Estado de Santa Catarina LINDB Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro
LPA Lei de Processo Administrativo MP Ministério Público
PAD Processo Administrativo Disciplinar
2 O Caso do Registro de Imóveis da comarca de Santa Cecília 17
2.1 Processo administrativo disciplinar (2010.900063-8) 17
2.2 Processo administrativo disciplinar (2013.900024-5) 23
2.3 Processo administrativo disciplinar (0001861-02.2015.8.24.0600) 35
3 O Serviço Extrajudicial e o Processo Disciplinar 44
3.1 O Serviço Extrajudicial 44
3.1.2 Infrações disciplinares 45
3.1.2.1 Penas disciplinares 47
3.2.2 Supremacia do interesse público 50
3.2.3 Princípio da legalidade 52
3.2.4 Princípio da finalidade 54
3.2.5 Impossibilidade de renúncia 55
3.3 O procedimento adotado para apuração disciplinar em Santa Catarina 56
3.4 A Coerência do ordenamento jurídico 57
3.4.1 Os critérios para eliminar as antinomias 57
3.4.2 Conflitos entre dois critérios 59
3.4.3 Inaplicabilidade dos três critérios. 60
3.4.4 O problema das lacunas da lei. 61
3.4.5 Os meios de interpretação extratextual 63
3.4.6 A identificação de lacunas da lei 65
4 A Compatibilidade do art. 26 da LINDB com a Lei dos Cartórios 66
4.1 O Compromisso de Ajustamento de conduta 66
4.1.1 Conceito e Natureza jurídica 66
4.1.2 O Compromisso de Ajustamento de conduta no art. 26 da LINDB 67
4.1.3 Natureza, Abrangência e Operacionalização do art. 26 da LINDB 69
4.4 Análise do caso do Ofício de Registro de Imóveis de santa cecília 82
1 INTRODUÇÃO
A Constituição Federal, ao determinar que o exercício da função notarial e de registro fosse delegado a particular com qualificação técnica (art. 236), desincumbiu o Estado de desempenhar diretamente essas funções. Todavia, cabe ao Estado o dever de intervir e garantir que os delegatários cumpram de modo adequado suas atribuições, de forma a assegurar a satisfação do interesse público e das necessidades da coletividade. Tal atividade compreende a fixação de regras de conduta, a aplicação e execução de normas, a fiscalização de seus cumprimentos e a cominação de sanções disciplinares.
Essa incumbência é partilhada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) (art. 103-B, § 4º, III, da CRFB), com atuação geral e de âmbito nacional, e pelos Tribunais de Justiça, por meio das Corregedorias-Gerais de Justiça, mais diretamente ligados aos delegatários. Assim, o processo disciplinar em face de delegatários do serviço extrajudicial no âmbito da Corregedoria-Geral da Justiça de Santa Catarina (CGJ/SC) segue o rito estabelecido no art. 370 e 375 do Código de Divisão e Organização Judiciárias do Estado de Santa Catarina (CDOJESC) admitida a aplicação subsidiária da Lei Complementar estadual n. 491/2010, conforme estatui o art. 439 do CDOJESC.
Entretanto, existem casos menos graves em que a deflagração de processo administrativo disciplinar não parece a melhor alternativa, pois não visam a uma melhora do serviço, mas tão somente a punição administrativa do delegatário. Como exemplo, tem-se o caso do Registro de Imóveis de Santa Cecília, em que a delegatária foi punida por 3 (três) vezes às penas de: 1) suspensão por 30 (trinta) dias, 2) repreensão e 3) suspensão por 90 (noventa) dias.
Observa-se que, apesar das punições aplicadas à delegatária, o problema persistiu, uma vez que a condenação em processo administrativo disciplinar não visa a medidas preventivas para auxiliá-la na melhoria do serviço prestado, mas à punição do responsável pelas infrações cometidas.
A Lei Complementar estadual n. 491/2010, em seus arts. 9º, 10 e 11, prevê a possibilidade, como medida alternativa ao procedimento disciplinar, firmar o termo de ajustamento de conduta. A Corregedoria-Geral da Justiça de Santa Catarina, por sua vez, pacificou o entendimento de que a aplicação subsidiária da Lei Complementar n. 491/2010 não poderá desnaturar a arquitetura trazida pela lei de regência, isto é, deve ser compatível ao desenho normativo apresentado pelo CDOJESC.
Entretanto, uma novidade inserida pela Lei n. 13.655/2018 à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) foi a admissão da celebração do Termo de Compromisso, a ser celebrado pelo Poder Público, independentemente de participação obrigatória do Ministério Público (MP). O art. 26 da LINDB autoriza a Administração Pública a celebrar acordo para “eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público, inclusive no caso de expedição de licença”. Trata-se, portanto, de uma regra geral autorizando tal celebração. Todavia, os notários e registradores possuem estatuto próprio (Lei n. 8.935/1994) que não prevê tal possibilidade e, considerando o princípio da legalidade que rege o direito administrativo, haveria uma aparente antinomia normativa.
Assim, o presente trabalho visa à análise da possibilidade de celebração de compromisso de ajustamento de conduta entre a Administração, representada pela Corregedoria-Geral de Justiça de Santa Catarina, e as serventias extrajudiciais.
Para responder o questionamento, será efetuado estudo dos processos administrativos disciplinares instaurados contra a antiga titular do Ofício de Registro de Imóveis da comarca de Santa Cecília.
Na sequência será efetuado um estudo das normas que regulam o serviço extrajudicial, em especial sobre a natureza jurídica do delegatário, suas espécies e as infrações disciplinares. Depois, será efetuado um estudo sobre o processo disciplinar, seus objetivos e os princípios da supremacia do interesse público, da legalidade, finalidade e sobre a impossibilidade de renúncia da competência da autoridade competente para instaurar o processo administrativo disciplinar. Também será abordado o tema da coerência do ordenamento jurídico, os critérios para eliminação de aparentes antinomias, eventuais conflitos entre os critérios, os problemas das
lacunas da lei, os meios de interpretação extratextual e a identificação da lacuna.
Para concluir a pesquisa será abordado o tema do compromisso de ajustamento de conduta, seu conceito e natureza jurídica, bem como a abrangência do art. 26 da LINDB e a possibilidade de Corregedoria-Geral da Justiça celebrar compromissos de ajustamento de conduta com as serventias extrajudiciais.
Por fim, será proposta norma administrativa com a finalidade de regulamentar a possibilidade de fixação de termo de compromisso entre a Corregedoria-Geral da Justiça e as serventias extrajudiciais e auxiliar a autoridade competente na tomada de decisão.
2 O CASO DO REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE SANTA CECÍLIA
A requerida foi investida como delegatária do Ofício de Registro Civil e de Títulos e Documentos da comarca de Maravilha em 9 de julho de 1968. Em 28 de agosto de 1986 foi removida para o Ofício de Imóveis da comarca de Santa Cecília.
Durante sua atuação como titular do Ofício de Registro de Imóveis da comarca de Santa Cecília, a requerida respondeu a 4 (quatro) processos administrativos disciplinares, sendo condenada em 3 (três) deles. O presente estudo de caso abordará o ocorrido nos últimos 3 (três), uma vez que este pesquisador não teve acesso ao primeiro processo.
2.1 PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR (2010.900063-8)
Em 2008, foi instaurado processo administrativo disciplinar, por meio da Portaria n. 08/2008, de Direção do Foro, convalidada pela Portaria n. 43, de 30-4-2008, do Excelentíssimo Senhor Desembargador Xxxx Xxxxxx Xxxxx, Vice-Corregedor-Geral da Justiça, com a finalidade de se apurar as irregularidades narradas nos autos CGJ-E n. 292/2008, em que a pena sugerida foi a perda da delegação1.
A referida portaria imputava à antiga delegatária os seguintes atos:
1) O reclamante compareceu à serventia no dia 10-1-2008 para registrar uma escritura pública de compra e venda de um apartamento; que foi atendido pela oficial substituta e que esta, sem olhar em nenhuma tabela, estabeleceu o valor dos emolumentos devidos em R$ 277,00; que olhando a tabela em outra serventia constatou que o valor estava errado; que ligou para a serventia no dia seguinte, pedindo um recibo do que havia sido pago e informando que valor correto para o registro seria de R$ 227,69; que o recibo foi negado e que foi restituído no valor de R$ 50,00. Salientou que voltou para registrar um lote e a oficial substituta recusou-se a fazê-lo; que retornou no dia seguinte e, agora, a registradora não aceitou o preço da tabela da prefeitura; que o fizeram assinar uma declaração concordando com a avaliação do valor real do imóvel feita por elas;
1 BRASIL - TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA. Conselho da Magistratura. Processo Administrativo Disciplinar nº 2010.900063-8. Ré: Xxxxx Xxxxxxxxxx. Relator: Des. Xxxxx Xxxxx. Florianópolis, SC, 18 de outubro de 2010, pg. 2.
2) O reclamante esteve na serventia em 7-1-2008 para registrar uma escritura pública de compra e venda de uma casa no valor de 30.000, sendo informado pela oficial substituta que o registro custaria R$220,00. No dia seguinte, a registradora informou que lhe eram devidos R$320,00; e
3) O reclamante compareceu ao cartório no dia 19-12 2007 para registrar uma escritura pública de compra e venda de um lote no valor de R$ 4.500,00 e pelo registro pagou R$ 204,77; que questionando a oficial, ela respondeu que se ele "realmente precisava do registro o valor seria aquele mesmo ou então ficaria sem registrar".
Em sua defesa, a representada sustentou que a cobrança acima do valor estipulado em lei se deveu a um lapso na visualização da tabela de emolumentos, e que, tão logo percebeu o erro, e devidamente alertada pela parte, o valor excedente foi imediatamente restituído. Argumentou, também, que nunca se recusou a registrar novos atos, apenas impugnou os valores apresentados, pois "as transações dos imóveis situados no Município de Santa Cecília, constantes das Escrituras ingressas em Cartório, estão muito abaixo da realidade, em clara dissonância com o valor real ou de mercado, gerando transtornos para a serventia". Disse que tem, ainda, o dever de fiscalizar a arrecadação do FRJ e dos seus próprios emolumentos. Afirmou que age de acordo com o disposto no art. 16, § 2° do RCE e que essa informação foi repassada ao reclamante2.
Por fim, alegou que o denunciante retornou para o registro de um terreno em região privilegiada da cidade, negócio com valor declarado em apenas R$12.500,00 e que, quando alertado sobre a necessidade da impugnação judicial, questionou sobre a existência de um procedimento mais célere, ocasião em que a requerida consultou a Associação dos Notários e Registradores de Santa Catarina (ANOREG/SC) e sugeriu uma alternativa legal para o problema que permite que a parte interessada declare o valor do negócio e efetue o respectivo recolhimento dos tributos incidentes3.
No voto, acolhido por unanimidade pelos membros do Conselho da Magistratura, o Des. Relator afastou a prescrição e acolheu parcialmente a portaria. Nele, restou confirmado que, de fato, o reclamante adquiriu um apartamento, no Município de Santa Cecília, e que o
2 BRASIL - TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA. Conselho da Magistratura. Processo Administrativo Disciplinar nº 2010.900063-8. Ré: Xxxxx Xxxxxxxxxx. Relator: Des. Xxxxx Xxxxx. Florianópolis, SC, 18 de outubro de 2010, pg. 2.
3 BRASIL - TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA. Conselho da Magistratura. Processo Administrativo Disciplinar nº 2010.900063-8. Ré: Xxxxx Xxxxxxxxxx. Relator: Des. Xxxxx Xxxxx. Florianópolis, SC, 18 de outubro de 2010, pg. 3.
documento foi apresentado a registro no Ofício de Registro de Imóveis em 10-1-2008, entretanto. A emissão do respectivo recibo não ficou comprovada.
Também restou consignado no voto que, nos termos do art. 30, IX, da Lei n. 8.935/1994 é dever dos notários e registradores "dar recibo dos emolumentos percebidos". A mesma obrigação está contida no art. 389, § 2º, g, do CDOJSC e no art. 540 do CNCGJ, independentemente da solicitação e que o § 3º deste último, estabelece, ainda, que "o recibo será emitido em duas vias, arquivando-se a segunda na serventia". Assim, a comprovação da respectiva emissão seria facilmente demonstrável.
Foi reconhecido que o valor inicialmente cobrado pelo registro da escritura (R$ 277,00) de compra e venda de apartamento no valor de R$ 28.000,00 (fl. 25), efetivamente foi excessivo, haja vista a aplicação do Anexo 3 do RCE (conforme Tabela II, item 1, "I" e nota 1ª) que à época (atualização dada pela Resolução n. 7/2007-CM), previa para atos com valor entre R$ 27.750,01 e R$ 29.173,08, os correspondentes emolumentos no montante de R$ 227,69. O selo de fiscalização possui o valor unitário de R$ 1,00 (LC 365/06). Por conseguinte, o total devido era de R$228,69. Como foram devolvidos, no dia seguinte, R$50,00 ao requerente, segundo depoimento de fl. 103, pagou ele a menor o valor de R$ 1,69.
Quanto ao registro de um terreno cujo valor (R$12.500,00 - fl. 19) foi impugnado pela serventuária, o Conselho da Magistratura entendeu que tal procedimento encontrava respaldo no Oficio n. 40/08-FRJ e na Resolução n. 04/2004-CM. In casu, conforme reconhecido pela requerida, não foi adotado o procedimento da impugnação judicial. Apenas alertou à parte sobre a possibilidade/necessidade de impugnação e convenceu-a a declarar o valor real para fins de recolhimento do FRJ e dos seus emolumentos. Observou que, conforme parecer do Juiz- Corregedor, Dr. Volnei Xxxxx Xxxxxxxx (processo n. CGJ-E 1601/2009, no qual foi amplamente discutida esta questão), "a impugnação referida pelo art. 16, muitas vezes, é dispensada em razão da concordância dos interessados em ajustar o valor do negócio após provocação do registrador imobiliário, procedimento este ainda não regulamentado por esta Corregedoria, embora ACEITO" (fl. 28). O mencionado regulamento, ressalta-se, veio com a edição do Provimento n. 12/2010, que "Altera o artigo 522 o inclui os artigos 522-A e 522-B no Código de Normas da Corregedoria-Geral da Justiça, referentes à impugnação, pelos notários e registradores, de valor atribuído a imóvel para fins de cobrança dos emolumentos e dos valores devidos ao FRJ".
O voto reconheceu que caberá a impugnação judicial apenas quando a parte não concordar com o valor indicado pelo Oficial Registrador (entendido por adequado),
expressamente, em nota de exigência (art. 198 da LRP c/c art. 768 do CNCGJ). Havendo concordância, basta lançar e assinar o "de acordo" na referida nota e recolher as respectivas diferenças, a partir do que fica o registrador autorizado a lançar no ato registral o valor admitido para efeito de complementação dos emolumentos e do FRJ.
Afirmou que o procedimento não se afasta daquele adotado pela requerida e que o interessado foi orientado a firmar uma declaração (fl. 24) sobre o valor real do terreno e a proceder a complementação do FRJ bem como dos emolumentos com fulcro no novo valor declarado. Destarte, entendeu não ser possível responsabilizá-la por tal fato.
Em relação aos outros dois fatos descritos na portaria, e segundo os depoimentos (fls. 105 e 107), não houve nenhuma impugnação formal ao valor dos negócios apresentados a registro. Com efeito, a requerida não demonstrou que adotou algum procedimento que originou a cobrança dos emolumentos em valor superior ao do RCE. Reconheceu que não basta, para eximi-la de sua responsabilidade, a alegação de que os referidos usuários do serviço seriam deliberados sonegadores de tributos, sobretudo porque é seu o dever de fiscalizar tais práticas determinando, se for o caso e, principalmente, a complementação dos valores devidos ao Fundo de Reaparelhamento da Justiça.
Assim, para o registro de um negócio com valor declarado de R$ 30.000,00, em 7-1- 2008, seriam devidos R$ 239,08 referentes aos emolumentos acrescidos de R$ 1,00 (selo de fiscalização), e não o valor cobrado de R$ 320,00 (recibo de fl. 14, não impugnado). O mesmo ocorreu com o registro do lote no valor de R$ 4.500,00 (na realidade, R$ 4.638,00, conforme reconhecido pelo interessado no depoimento), para o qual seriam devidos R$ 56,92 referentes aos emolumentos acrescidos de R$ 1,00 (selo de fiscalização) e não o valor de R$ 204,77 (recibo de fl. 17, não impugnado), ainda que neste esteja incluída a averbação da alteração do estado civil que à época correspondia à R$ 56,85 (item 2, II, nota 2ª da Tabela Il do RCE, com redação dada pela Resolução n. 7/2007-CM) + R$ 1,00 (selo de fiscalização aplicado na respectiva certidão).
Concluiu que, quanto ao aspecto formal, a cobrança dos emolumentos, de fato, foi excessiva, em razão da ausência de um procedimento de impugnação dos valores declarados, porém, quanto ao aspecto material da cobrança, não haveria irregularidade tendo em vista que há prova nos autos de que os valores constantes das escrituras levadas a registro estão em dissonância com o valor real ou de mercado. Segundo o depoimento constante nos autos, o interessado reconhece que pagou R$ 40.000,00 pelo imóvel, cuja escritura saiu por R$
30.000,00. Dessa forma, a requerida não foi condenada à devolução de valores, conforme previsto no art. 41 do RCE.
Por outro lado, a decisão reconheceu que a delegatária deixou de fiscalizar os valores devidos ao FRJ e, por conseguinte, foi condenada ao pagamento da importância não recolhida, nos termos do art. 8º da Resolução n. 04/04-CM:
"Art. 8° Não comprovado o recolhimento do Fundo de Reaparelhamento da Justiça, correspondente ao ato praticado, cabe ao notário ou registrador o pagamento do valor devido, acrescido de multa de 50%, juros de mora de 1% ao mês ou fração, calculados sobre a quantia atualizada monetariamente.
Parágrafo único. A multa a que se refere o caput deste artigo é reduzida à metade se o valor total do débito for recolhido no prazo de 30 dias, a contar da data da intimação".
Foram tomados por base os valores cobrados a título de emolumentos (R$320,00 e R$ 145,92 = R$ 204,77 subtraídos R$56,85 + R$ 2,00 relativos aos selos de fiscalização) e, assim, tem-se que a requerida teria estimado o valor real dos imóveis (ainda que não impugnado formalmente) em, pelo menos, R$ 40.557,69 (valor, aliás, aproximado daquele reconhecidamente pago) e R$18.500,00 (segundo valores estabelecidos pela Resolução n. 7, de 25-7-2007, do Conselho da Magistratura).
Assim, caberia-lhe determinar a complementação do FRJ, no primeiro caso, no valor de R$ 21,11, haja vista que já haviam sido pagos R$ 60,00 (fi. 10) e que o valor devido para uma escritura com valor real de R$ 40.557,69 seria de R$ 81,11 (0,2% conforme art. 1º da Resolução n. 04/2004-CM, percentual só alterado em 14-1-2008 pela Resolução n. 01/08-CM, posterior, portanto, à lavratura da escritura e do respectivo registro-7-1-2008).
No segundo caso descrito na portaria que instaurou o PAD, não houve a incidência do FRJ quando da lavratura da escritura, em razão do disposto nos arts. 1° e 5º da Resolução n. 04/2004-CM:
"Art. 1° As receitas do Fundo de Reaparelhamento da Justiça - FRJ, originárias dos atos e serviços notariais e de registro, são aquelas constituídas de recursos oriundos de cálculo incidente à razão de 0,2% (zero virgula dois por cento) do valor do ato ou serviço.
§ 1° 0 recolhimento dar-se-á nos atos ou serviços notariais e de registro de valor superior a R$ 8.400,00 até o teto máximo de R$ 280,00.
Art. 5° Não é devido o valor ao Fundo de Reaparelhamento da Justiça sobre: I - atos notariais e de registro com valor igual ou inferior a R$ 8.400,00”.
Os valores foram alterados por meio da Resolução n. 01/05-CM, nos seguintes termos: “§1º O recolhimento dar-se-á nos atos ou serviços notariais e de registro de valor superior a R$ 9.900,00 até o teto máximo de R$ 330,00”.
Todavia, considerou-se que a delegatária deveria determinar o recolhimento de R$ 37,00 (0,2%), haja vista o valor real no montante de R$ 18.500,00.
Tampouco foi localizado documento nos autos hábil a comprovar a satisfação das importâncias referidas. Demais, em consulta ao Fundo de Reaparelhamento foram extraídos os relatórios de pagamentos realizados nos meses de dezembro/2007 e janeiro/2008 (fls. 152-153), não havendo indicativo de recolhimento dos valores referidos (nem aproximados), nas datas nas quais as escrituras foram levadas a registro, ou seja, 7-1-2008 (1° caso) e 19-12-2007 (2° caso).
Dessa forma, o relator votou pela condenação da oficial ao pagamento de R$ 58,11 (R$ 21,11 + R$ 37,00), observado o art. 8° da Resolução n. 04/2004-CM.
O voto, acolhido por unanimidade, concluiu pela responsabilização da delegatária pelos seguintes atos: a) não emissão do recibo no valor de R$ 277,00, obrigação expressa no art. 30, IX da Lei n. 8.935/1994; b) cobrança excessiva de emolumentos em seu aspecto formal (em duas oportunidades), vedação contida no art. 30, VIII da Lei n. 8.935/1995; c) ausência de fiscalização dos valores devidos ao FRJ (Provimento n. 14/1999 - impugnação deve ser lida como obrigatoriedade e não faculdade).
Praticou, portanto, as infrações disciplinares previstas no art. 31, 1 (inobservância das prescrições legais ou normativas), III (cobrança indevida ou excessiva de emolumentos, ainda que sob a alegação de urgência) e V (descumprimento de quaisquer dos deveres descritos no art. 30) da Lei 8.935/1994. Considerou, por fim, o depoimento de fl. 108, segundo o qual "nunca tinha visto falar de problemas em relação a custas no Registro de Imóveis", bem como as informações de fls. 118, 119 e 126 (declarações da Comarca, do Conselho da Magistratura e da Corregedoria-Geral da Justiça sobre eventuais processos instaurados contra a serventuária), a boa conduta e o bom conceito em sua comunidade, uma vez que recebeu uma única penalidade (suspensão por 30 dias em 22-8 1990 - fl. 122) em mais de 40 anos de atividade (nomeada por concurso em 9-7-1968) para fixar a pena administrativa:
Assim, tem-se por razoável e proporcional a aplicação da pena de REPREENSÃO (art. 32, I c/c art. 33, I, da Lei n. 8.935/1994), além do pagamento da importância de R$ 58,11, nos termos já expostos.
III - DECISÃO
Diante do exposto, por votação unânime, o Conselho da Magistratura decidiu acolher parcialmente a Portaria inaugural n. 43/2008 para aplicar à serventuária a pena disciplinar de REPREENSÃO, prevista no art. 33, I, da Lei n. 8.935/1994, e determinar o pagamento da importância de R$ 58,11, ao Fundo de Reaparelhamento da Justiça, nos termos do art. 8º da Resolução n. 04/04 - CM4.
Note-se que o processo administrativo disciplinar teve origem a partir de uma reclamação de usuário do serviço e que não houve ações da Corregedoria-Geral da Justiça em relação à melhora do serviço, mas tão somente a apuração disciplinar.
2.2 PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR (2013.900024-5)
Após a condenação da delegatária do Ofício de Registro de Imóveis de Santa Cecília à pena de repreensão, o então Vice-Corregedor-Geral da Justiça determinou a realização de Correição Ordinária Geral na serventia, que ocorreu nos dias 28 a 31 de março de 2011. Na ata de correição foram apontadas 60 (sessenta) irregularidades a serrem sanadas pela então delegatária5.
Em seguida foi oportunizada a manifestação da Oficial do Registro de Imóveis da comarca de Santa Cecília, ocasião em que a delegatária afirmou ter sanado todas as irregularidades apontadas na ata correicional. Na sequência, foi realizada nova correição, pela
4 BRASIL - TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA. Conselho da Magistratura. Processo Administrativo Disciplinar nº 2010.900063-8. Ré: Xxxxx Xxxxxxxxxx. Relator: Des. Xxxxx Xxxxx. Florianópolis, SC, 18 de outubro de 2010, pgs. 6-11.
5 BRASIL - TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA. Conselho da Magistratura. Processo Administrativo Disciplinar nº 2013.900024-5. Ré: Xxxxx Xxxxxxxxxx. Relator: Des. Xxxxxxx Xxxxxx. Florianópolis, SC, 12 de maio de 2014.
Direção do Foro da comarca, em que restou consignado na ata de vistoria o cumprimento das determinações efetuadas na ata anterior6.
Contudo, novamente foi instaurado processo administrativo disciplinar pela Portaria
n. 93, de 18 de setembro de 2012, em que foram imputadas à delegatária as seguintes infrações7:
1 - QUANTO AO LIVRO DE PROTOCOLO:
A registradora não adotava, como procedimento padrão, a conduta de lançar, de forma imediata, no livro de protocolo a entrada do pedido na serventia, em total dissonância com o art. 743 do CNCGJ, que determina o apontamento de todos os títulos para que seja observado o número de ordem de sua apresentação.
Ressalte-se que a ordem de lançamento do protocolo determina a preferência no registro e na aquisição.
[...]
Xxxxxxxx, a conduta em questão atenta substancialmente contra a segurança jurídica, pilar do sistema registral, expondo à lesão o direito de preferência do interessado, fato reprovável a merecer atenção do Estado.
Esta prática impossibilita, outrossim, a verificação do prazo para o registro e para o cumprimento das exigências, pois inviabiliza o controle de entrada e de saída dos títulos para as respectivas providências (art. 188 da Lei n. 6.015/73 e arts. 763 e 768 do CNCGJ).
Não bastasse isso, a registradora também não realizava o encerramento diário do protocolo, em afronta ao art. 184 da Lei n. 6.015/73 e 761 do CNCGJ. Tal práxis restou demonstrada pelo fato de a registradora realizar apenas mensalmente a impressão do aludido livro. Atente-se que o objetivo desses procedimentos é evitar eventual prática fraudulenta, preservando, também, a prioridade do registro, pois, havendo diariamente o encerramento, não abre oportunidade para qualquer inserção, dando maior segurança à precedência do direito real a ser registrado.
2 - QUANTO AO CÁLCULO DE EMOLUMENTOS
6 BRASIL - TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA. Conselho da Magistratura. Processo Administrativo Disciplinar nº 2013.900024-5. Ré: Xxxxx Xxxxxxxxxx. Relator: Des. Xxxxxxx Xxxxxx. Florianópolis, SC, 12 de maio de 2014, pgs. 11-28.
7 BRASIL - TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA. Conselho da Magistratura. Processo Administrativo Disciplinar nº 2013.900024-5. Ré: Xxxxx Xxxxxxxxxx. Relator: Des. Xxxxxxx Xxxxxx. Florianópolis, SC, 12 de maio de 2014.
No que tange aos títulos apresentados somente para cálculo dos respectivos emolumentos, a registradora não exigia requerimento firmado pelo interessado, em contraposição ao parágrafo único do art. 743 do CNCGJ, [...].
3 - QUANTO À ESCRITURAÇÃO
A escrituração também não atendia às exigências do art. 744 do CNCGJ: [...]
A ausência da especificação da Unidade da Federação em que tenha sido lavrada a escritura impossibilita a fiscalização do Fundo de Reaparelhamento da Justiça FRJ (Provimento n. 19 de 2009).
A escrituração também não estava em consonância com a boa técnica e o comando do art. 232 da Lei n. 6.015/73. Utilizou-se "Registro 1/8265", quando deveria ser apenas R-1-8265, etc. (fl. 19).
[...]
A registradora afrontou, igualmente, o disposto nos artigos 746 do CNCGJ e 176 da Lei n. 6.015/73, ao não cumprir os requisitos formais estabelecidos em lei para escrituração do Registro Geral, a saber: a) não identificar o imóvel com a indicação de suas características e confrontações, localização, número e de sua designação cadastral; b) declinar o domicilio dos proprietários laconicamente (nesta cidade de Santa Cecília-SC); c) não constar no ato o regime de casamento e; d) não identificar a assinatura aposta naquele (fl. 29).
É consabido que os quesitos apresentados são imprescindíveis ao registro geral, porque são eles que dão publicidade, credibilidade e segurança aos Registros Públicos, possibilitando a especificação da localização dos imóveis e individualização do proprietário.
4 - QUANTO À INDICAÇÃO DO COMPROVANTE DE RECOLHIMENTO DO TRIBUTO E DAS CERTIDÕES NEGATIVAS
Os requisitos exigidos pelo art. 793 do CNCGJ não foram observados, uma vez que os comprovantes de recolhimento de tributo incidente sobre o ato praticado e as certidões negativas exigidas por lei não foram mencionados de maneira sucinta nos registros.
5 - QUANTO À COMUNICAÇÃO DE ABERTURA DE MATRÍCULA
O procedimento adotado pela registradora era absolutamente temerário, com total displicência ao previsto no § 3º do art. 782 do CNCGJ, visto que as comunicações de abertura de matrícula às serventias de origem ocorriam a cada três meses, por intermédio de carta simples (ECT), sem comprovante de recebimento, em razão do baixo movimento.
A ausência de comunicação no prazo estabelecido pelo referido dispositivo normativo traz insegurança jurídica aos usuários do serviço, inviabilizando, assim, um meio hábil para certificar a real propriedade do bem e salvaguardar direitos.
6 - QUANTO AOS INDICADORES REAL E PESSOAL
A serventia não possuía indicador real, em afronta ao inciso IV do art. 741 do CNCGJ e inciso IV do art. 173 da lei federal 6.015/73 (fl. 07).
O indicador pessoal não era repositório dos nomes de todas as pessoas que, individual ou coletivamente, ativa ou passivamente, direta ou indiretamente, figuraram nos demais livros, pois só constam as pessoas que figuraram no Livro 2 Registro Geral, em absoluta infração ao disposto no inciso V do art. 741 e art. 750 do CNCGJ e inciso V do art. 173 c/c art. 180 da Lei Federal n. 6.015/73. Assim mesmo, o cartório não mantinha atualizado o registro, eis que não fazia as anotações de venda dos imóveis ou baixa da titularidade neste indicador.
7 - QUANTO AO LIVRO CAIXA
O Xxxxx Xxxxx estava em contraposição aos comandos dos arts. 546-A e 1.051, XIV, do CNCGJ, eis que era escriturado manuscritamente e nele foram lançadas apenas as informações relativas ao tipo do ato praticado, à data da lavratura e ao valor cobrado pelo ato lavrado. Os recibos eram emitidos pelo sistema informatizado, porém, não armazenadas as segundas vias em meio físico (CNCGJ, art. 540, § 3º). Nos recibos falta o número dos selos de fiscalização empregados aos atos praticados (CNCGJ, art. 540, IV) (fl. 56). Ademais, a Registradora Substituta informou que não discriminava nos recibos emitidos quando se tratava de antecipação ou complementação dos emolumentos cobrados pelos atos praticados (CNCGJ, art. 540,
§§ 1º e 2º).
Ora, as informações a serem preenchidas no livro caixa são necessárias para as deduções de impostos, fiscalização e para a segurança da serventia, evitando o desconto de valores que lhe são de direito. Logo, devem ser observados atentamente os requisitos exigidos.
8 - QUANTO AOS SELOS DE FISCALIZAÇÃO
Os selos eram armazenados dentro da gaveta de uma das mesas da serventia, inexistindo controle individualizado da utilização daqueles (CNCGJ, art. 571), o que impossibilita a vinculação do ato praticado ao selo correspondente (fl. 09).
É cediço que os selos devem ser utilizados sequencialmente, não sendo recomendável o início da utilização de um lote sem o término da utilização do anterior (CNCGJ, art. 573).
Outrossim, trata-se de prática indevida a aposição de carimbo e/ou assinatura do responsável de forma a ocultar parte de seus caracteres de segurança (CNCGJ, art. 575), como se observa do documento de fl. 59.
(DOI)
9 - QUANTO À DECLARAÇÃO SOBRE OPERAÇÕES IMOBILIÁRIAS
Referente à DOI, observou-se que foram transmitidos tardiamente dois
relatórios no dia 23 de março de 2011 (fl. 57) para a Receita Federal, um referente aos atos praticados nos meses de janeiro e fevereiro e outro relativo apenas aos atos do mês de fevereiro do corrente ano. Questionada a respeito, a registradora substituta informou que o atraso no envio das informações relativas ao mês de janeiro ocorreu porque a serventia ainda não tinha, no mês de fevereiro do ano em curso, o serviço de recepção e emissão de documento eletrônico com uso de certificação digital (CNCGJ, art. 526). Ressalta-se que a Receita Federal, por meio da Instrução Normativa n. 1.036, tornou obrigatória a utilização da certificação digital para o envio da DOI a partir de janeiro de 2011.
10 - QUANTO AOS ATOS QUE REFLETEM INSEGURANÇA JURÍDICA E PODEM ENSEJAR ANULAÇÃO OU AÇÃO JUDICIAL
Com relação ao presente item, tem-se o seguinte:
a) a serventia descerrou matrícula contendo mais de um imóvel (Lei n. 6.015/73, art. 176, inciso I). Houve reimpressão de algumas matriculas a partir de dados constantes no sistema, mesmo quando o seu descerramento ocorrera bem depois da implantação deste, como por exemplo: M-5371 (abertura em 17.01.92 e reimpressa em 05.05.2010 quando do lançamento da Av. 5-5371 fls. 27/28) e M-1714 (abertura em 14.12.78 e reimpressa em 23.07.2008 quando do lançamento da Av. 7 1714 fls. 29/30). Vê-se, aqui, consolidada a insegurança jurídica perpetrada no registro imobiliário da comarca de Santa Cecília, cuja repercussão, por evidente, dispensa maiores anotações.
b) a M-7545, datada de 16.06.2008 (fl. 31), trata-se de matrícula com registro anterior M-3957 (fls. 32/34), que foi objeto de sucessivos desmembramentos. Da leitura da M-3957 (Av. 4-3957 datada de 29.10.1986), ato praticado pela atual registradora de imóveis, é flagrante a realização do parcelamento de lotes e de áreas remanescentes de desmembramento sem qualquer das formalidades previstas na Lei
n. 6.766/79, não se permitindo, sequer, aferir se as áreas que foram destacadas e descritas para individualização nas novas matrículas pertencem ao todo anotado, eis que sem perimetrais (Lei n. 6.766/79, art. 18).
Ressalta-se, ainda, que o art. 19, § 4º, da Lei n. 6.766/79 dispõe sobre a aplicação de multa equivalente a dez vezes os emolumentos regimentais fixados para o registro, sem prejuízo das sanções penais e administrativas cabíveis, no caso de o oficial do Registro de Imóveis efetuar o registro em desacordo com as exigências da referida lei.
c) atos indevidamente subscritos pela registradora quando havia impedimento para sua atuação (Lei federal nº 8.935/94, art. 27) (fls. 40/42).
[...]
d) no Registro n. 2.166 (pacto antenupcial fl. 55), a registradora não qualificou as partes, elemento indispensável para o ato, que necessita do maior número de informações possíveis. Além disso, utilizou-se da expressão "neste município", vedada pelo art. 530 do CNCGJ. Ainda, o pacto antenupcial deveria ter sido registrado no fólio imobiliário da comarca de Casca/RS e não no de Santa Cecília, visto que os nubentes, à época do casamento (03.06.1994), residiam na cidade gaúcha. Por derradeiro, não há cotação dos emolumentos e do valor do selo de fiscalização, em
desconformidade com o disposto nos arts. 1° e 31 do Regimento de Custas e Emolumentos do Estado de Santa Catarina (RCEESC).
11 - QUANTO AOS ASPECTOS GERAIS
No tocante aos aspectos gerais, cita-se alguns pontos que a registradora incorria em erro, os quais, segundo ela, foram corrigidos. São os casos de ausência de:
a) aviso, visível ao público, da proibição do uso de produto famígero em recinto coletivo fechado (Lei Federal n. 9.294/96 e Lei Estadual n. 14.874/09);
b) registro na carteira de trabalho da registradora substituta;
c) identificação de todas as assinaturas lançadas nos atos lavrados pela serventia (art. 528 da CNCGJ);
d) qualificação dos intervenientes no ato e dos dados passiveis de identificação destes, como nacionalidade, profissão, idade, CPF/CNPJ, documento de identificação, estado civil, domicilio e endereço (art. 530 do CNCGJ);
e) menção do regime de bens adotado no casamento;
f) diplomas legais para consulta (art. 539 do CNCGJ);
g) segunda via de recibos arquivados em meio físico (art. 540, § 3º do CNCGJ);
h) indicação de exigências legais (art. 39 do CNCGJ);
i) cópia de segurança diária do sistema informatizado (art. 1054, I e II, do CNCGJ);
j) exigência do reconhecimento de firmas de todas as partes envolvidas na emissão de cédula de crédito bancário;
l) modelo descrito na Lei n. 6.015/73 para o Registro Auxiliar; e
m) autorização do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária nos registros de aquisições de imóveis rurais por estrangeiros, cuja área seja igual ou superior a 3 MEI (Decreto n. 74.965/74, art. 7°, § 2º)8.
Em sua defesa, a oficial sustentou, em síntese, que: a) embora alguns atos praticados à frente da serventia não se revestissem do estrito cumprimento da legislação vigente, foram praticados de maneira involuntária, por mero descuido; b) não houve qualquer prejuízo às partes
8 Optou-se pela transcrição da portaria pela fidelidade das informações, uma vez que eventual citação indireta poderia omitir alguns detalhes da acusação.
envolvidas; c) após a inspeção correicional na serventia, informou todas as providências adotadas no sentido de corrigir as irregularidades apontadas, situação posteriormente confirmada em nova inspeção; d) não há falar em punição quando do saneamento das irregularidades; e) a pena de suspensão seria incompatível com os apontamentos da ata de inspeção correicional; f) não é reincidente na prática de faltas disciplinares.
Novamente houve condenação da delegatária, desta vez pelo cumprimento da pena de suspensão por 90 dias, nos termos do voto do desembargador relator, acolhido por unanimidade pelos integrantes do Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça de Santa Catarina.
O relator entendeu que, de acordo com as infrações elencadas, houve atuação temerária da indiciada e de extrema gravidade, criando diversos riscos aos usuários, porquanto consistem em atípica insegurança jurídica, situação esta incompatível com a prestação de um serviço público, razão pela qual se determinou a instauração do competente processo administrativo disciplinar.
Entendeu que a correção ulterior das irregularidades, no mais, não afasta o cará ter de infração disciplinar da conduta e, consequentemente, a respectiva punição. Como bem salientou o douto Procurador de Justiça em seu parecer (fls. 281 284)
[...] mesmo em defesa, a demandada em momento algum negou a inexistência das irregularidades apontadas, confirmou todas as afirmativas feitas pela comissão que realizou a inspeção no cartório, vindo posteriormente a apresentar as devidas alterações [...] Não houve defesa fundamentada, a demandada apenas se limitou a clamar pelo reconhecimento da inexistência de dolo e pela consideração do fato de ter atendido as determinações, como suficientes a ensejarem a improcedência [...]
Ainda que os vícios tenham sido corrigidos apenas por determinação da Corregedoria-Geral da Justiça, não podem servir como fundamento para este Conselho ignorar as infrações frequentemente praticadas pela serventuária.
Além disso, o fato de os atos irregulares terem sido praticados sem qualquer intenção por parte da registradora não é argumento suficiente para excluir sua culpabilidade, isso porque, ao ocupar relevante função de titular do Oficio de Registro de Imóveis, a indiciada tem a obrigação de conhecer a legis lação de regência, bem como todas as orientações provenientes deste Tribunal relativas às serventias extrajudiciais, não consistindo escusa suficiente a alegação de ausência de dolo na prática de infrações.
[...]
Para melhor ilustrar a gravidade dos atos, analisou as irregularidades constatadas na inspeção que mais revelam violação aos princípios básicos que regem as atividades das serventias extrajudiciais.
Em relação ao Livro de Protocolo, observou que a delegatária não lançava, como procedimento padrão, a entrada do pedido no cartório, em total dissonância com o art. 743 do Código de Normas da Corregedoria-Geral da Justiça, que determina, em seu teor, o apontamento de todos os títulos para que seja observada a sequência rigorosa da ordem de sua apresentação. Destacou que a ordem de lançamento do protocolo determina a preferência no registro e na aquisição dos diremos reais, possibilitando, ainda, a verificação do prazo para o registro e cumprimento das exigências (art. 188 da Lei n. 6.015 de 31-12-1973 e arts 763 e 768 do CNCGJ).
Além disso, verificou, também, que não era realizado o encerramento diário do protocolo, em afronta ao art. 184 da Lei n. 6.015/1973 e art. 761 do CNCGJ. Tal irregularidade foi, inclusive, confirmada pela registradora, que afirmou realizar a penas uma vez ao mês a impressão do livro, ou seja, sem o devido encerramento diário abria-se oportunidade para qualquer inserção.
Já em relação aos emolumentos, observou que, quanto aos títulos apresentados somente para cálculo dos emolumentos, a serventuária não exigia requerimento firmado pelo interessado, destoando do exposto no parágrafo único do art. 743 do CNCGJ.
Em relação à escrituração, o relator asseverou que a indiciada não observou os requisitos formais estabelecidos nos arts. 746 do CNCGJ e 176 da Lei. 6.015/1973 para escrituração no Registro Geral, pois, conforme se observa dos registros apontados na portaria inaugural, não identificou o imóvel com a indicação de suas características e confrontações, localização, número e sua designação. Ademais, declinou o domicílio dos proprietários laconicamente (nesta cidade de Santa Cecília-SC), não constou no ato o regime de casamento e nem sequer identificou a assinatura aposta naquele, o que impossibilita a perfeita localização dos imóveis e a individualização do proprietário.
Outra irregularidade apontada no voto, foi em relação à comunicação de abertura de matrícula, uma vez que em desrespeito aos §§ 2º e 3º do art. 782 do CNCGJ, a delegatária realizava as comunicações de abertura de matrícula às serventias de origem somente a cada três meses, por meio de carta simples (ECT) e, ainda, sem comprovante de recebimento diante do baixo movimento na serventia, inviabilizando ao usuário um meio hábil de certificação da real propriedade do bem e, assim, a salvaguarda de direitos.
Também em relação ao indicador real, se verificou a sua ausência na serventia, fato confirmado pela indiciada, em dissonância com o inciso IV do art. 741 do CNCGJ e inciso IV do art. 173 da Lei n. 6.015/1973. Quanto ao indicador pessoal, constatou-se o registro de pessoas que figuraram apenas no Livro n. 2- Registro Geral, inexistindo qualquer registro das pessoas que figuraram nos demais livros. O indicador, no mais, não era nem sequer atualizado regularmente, em contraposição ao disposto no inciso V do art. 741 e art. 750 do CNCGJ e inciso V do art. 173 c/c art. 180 da Lei n. 6.015/1973.
Sobre o livro caixa, não foram observados os requisitos exigidos pelo art. 546-A e art. 1.051, XIV, do CNCGJ, tendo em vista que, além de escriturado manuscritamente, eram lançadas apenas informações sobre o tipo de ato praticado, a data da lavratura e o valor cobrado. Já os recibos eram emitidos pelo sistema informatizado, porém, não armazenadas as segundas vias em meio físico, como determina o § 3º do art. 540 do mesmo diploma legal. Além disso, nos recibos, contata-se a falta do número dos selos de fiscalização empregados aos atos praticados, conforme verifica-se do documento de fl. 56 (art. 540, IV, do CNCGJ). Em inspeção, como bem relata à fl. 8, a Registradora Substituta informou, por fim, que não discriminava nos recibos emitidos a antecipação ou complementação dos emolumentos cobrados pelos atos praticados (art. 540, §§ 1º e 2º do CNCGJ).
Em relação aos selos de fiscalização, observou-se desacordo com o art. 571 do CNCGJ, uma vez que a indiciada armazenava os selos na gaveta de uma das mesas da serventia imobiliária, sem segurança e controle individualizado de sua utilização, impossibilitando a vinculação do ato praticado ao selo correspondente (fl. 9), pois, como bem dispõe o art. 573 da aludida legislação, devem ser utilizados sequencialmente, não sendo recomendável o início da utilização de um lote sem o término da utilização do anterior. Além disso, é indevida a aposição de carimbo e/ou assinatura do responsável de forma a ocultar parte dos caracteres de segurança do selo, como bem preceitua o art. 575 do CNCGJ, norma esta inobservada, conforme se percebe no documento de fl. 59.
Nos documentos de fls. 57-58, o relator comprovou a transmissão tardia de dois relatórios referente à Declaração sobre Operações Imobiliárias (DOI) para a Receita Federal, realizada no dia 23-3-2011. O primeiro refere-se aos atos praticados nos meses de janeiro e fevereiro, e o segundo apenas aos atos do mês de fevereiro daquele ano, em afronta ao parágrafo único do art. 543 do CNCGJ.
Também, não foi observada a Instrução Normativa n. 1.036 da Receita Federal, que tornou obrigatória a partir de janeiro de 2011 a utilização de certificação digital para o envio da DOI.
Por fim, além destas, foram constatadas irregularidades que refle tem insegurança jurídica e podem ensejar anulação ou ação judicial, tais como: a) matrícula contendo mais de um imóvel, como se observa dos documentos de fls. 27-30 (art. 176, I, da Lei n. 6.015/1973);
b) a realização do parcelamento de lotes e de áreas remanescentes de desmembramento sem qualquer das formalidades previstas da Lei n. 6.766 de 19-12-1979 (fls. 31-34); c) atos indevidamente subscritos pela registradora quando havia nítido impedimento para sua atuação, conforme se percebe nos documentos de fls. 40/42 (art. 27 da Lei n. 8.935/1994); e d) a ausência de qualificação das partes no pacto antenupcial de Registro n. 2.166 à fl. 55, elemento este indispensável para a validade do ato, ocasionando grave insegurança jurídica entre as partes (art. 178 do CNCGJ).
Em relação aos aspectos gerais da serventia, o relator, para fundamentar a condenação administrativa, transcreveu parecer da Corregedoria-Geral da Justiça (fl. 27), enumerando as infrações cometidas:
a) aviso, visível ao público, da proibição do uso de produto famígero em recinto coletivo fechado (Lei Federal n. 9.294/1996 e Lei Estadual n. 14.874/1909);
b) registro na carteira de trabalho da registradora substituta;
c) identificação de todas as assinaturas lançadas nos atos lavrados pela serventia (art. 528 do CNCGJ);
d) qualificação dos intervenientes no ato e dos dados passiveis de identificação destes, como nacionalidade, profissão, idade, CPF/CNPJ, documento de identificação, estado civil, domicílio e endereço (art. 530 do CNCGJ);
e) menção do regime de bens adotado no casamento;
f) diplomas legais para consulta (art. 539 do CNCGJ);
g) segunda via de recibos arquivados em meio físico (art. 540. § 3º do CNCGJ);
h) indicação de exigência legais (art. 769 do CNCGJ);
i) cópia de segurança diária do sistema informatizado (art. 1054, I e II, do CNCGJ);
j) exigência do reconhecimento de firmas de todas as partes envolvidas na emissão de cédula de crédito bancário;
1) modelo descrito na Lei n. 6.015/73 para o Registro Auxiliar; e m) autorização do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária nos registros de aquisições de imóveis rurais por estrangeiros, cuja área seja igual ou superior a 3 MEI (Decreto n. 74.965/74, art. 7°, § 2°) (fl. 27).
Destas, destacam-se a mantença da registradora substituta sem registro funcional - Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) - por mais de 10 (dez) anos, conforme item I da Ata de Inspeção Correicional à fl. 2 (art. 20 da Lei n. 8.935/1994); bem como o registro de escrituras públicas de imóveis de propriedade da indiciada, no próprio nos documentos de fls. 6, 43-47 (art. 27 da Lei n. 8.935/1994). Considerou que tais atos escapam a simples indolência ou mesmo ato involuntário para serem classificados como conduta dolosa, típica de má-fé.
Considerou que, embora a registradora afirme que os atos irregulares não teriam causado prejuízo a qualquer usuário do serviço registral por inexistir reclamação neste sentido, o risco a que estavam expostos foi de extrema gravidade, consistindo a violação às normas descritas na Portaria como fator crucial para a aplicação de sanção, não apenas de feição punitiva, mas também de caráter pedagógico, conforme extrai-se do próprio texto legal, conforme se observa do art. 31, I, II e V da Lei n. 8.935/1994:
Art. 31. São infrações disciplinares que sujeitam os notários e os oficiais de registro a penalidades previstas nesta Lei:
I - a inobservância das prescrições legais ou normativas;
II- a conduta atentatória à instituições notariais e de registro; [...]
V- o descumprimento de quaisquer dos deveres descritos no art. 30".
Assim, concluiu que basta que a serventuária deixe de observar qualquer das hipóteses para estar sujeita à punição.
Concluiu, por fim, que não restavam dúvidas que os fatos apresentados na Portaria n. 93/2012 exigem a aplicação de uma sanção a eles condizentes, até porque nem sequer refutados pela representada. Observou, que a dimensão das faltas imputadas à registradora deve ser analisada com base nas consequências gravosas que podem gerar os atos realizados de forma irregular.
Ao considerar as infrações verificadas, o relator concluiu que, por afrontarem os princípios norteadores da função registral, rompem a relação de confiança entre Estado e delegatário, devendo a registradora ser responsabilizada por sua atuação temerária, a qual criou diversos riscos aos usuários do serviço.
Dessa forma, sopesou os critérios de razoabilidade e proporcionalidade, bem como a prática reiterada das aludidas infrações pela registradora, concluiu pela aplicação da pena de suspensão, hipótese de penalidade para condutas graves como a mantença de servidor sem registro funcional por mais de 10 (dez) anos e atuação em situações de claro impedimento.
Além disso, considerou que, apesar de negado em defesa prévia, verificou-se a existência de penalidades administrativas anteriores, conforme certidão de antecedentes funcionais acostada à fl. 263 (Lei n. 8.935/1994, arts. 32, III; e 33, III) sendo a última aplicada pelo colendo Conselho da Magistratura em 11-10 2010 - razão pela qual aplicou, conforme disposto nos arts. 32, III; 33, III c/c art. 34, todos da Lei n. 8.935/1994, a pena de suspensão por 90 (noventa) dias, com perda da remuneração.
A parte dispositiva do acórdão ficou assim: [...]
Enfim: comprovadas a inobservância das prescrições legais ou normativas, a conduta atentatória à instituições notariais e de registro e o descumprimento de quaisquer dos deveres inseridos no art. 30 da Lei n. 8.935/1994, a aplicação da suspensão pelo prazo de 90 (noventa) dias, segundo os arts. 32, III; 33, III c/c art. 34 da aludida legislação, mostra-se medida imperativa. Em face do que foi dito, acolhe- se a Portaria n. 93/2012 e, consequentemente, aplica-se à Titular do Registro de Imóveis de Santa Cecília a pena de suspensão pelo prazo de 90 (noventa) dias.
Novamente, nenhuma providência adicional para melhorar o serviço prestado na serventia foi tomada pela Corregedoria-Geral da Justiça, apenas a aplicação da sanção disciplinar.
2.3 PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR (0001861-02.2015.8.24.0600)
Pouco mais de um ano após a condenação da Oficial do Registro de Imóveis de Santa Cecília ao cumprimento da pena de suspensão por 90 (noventa) dias, foi realizada nova
correição ordinária geral, nos dias 03 e 04 de novembro de 2015, da qual foram apontadas 40 (quarenta) irregularidades.
Sem uma definição sobre a correição anterior, foi realizada outra, nos dias 14 e 15 de setembro de 2017, resultando em 10 (dez) constatações de irregularidades.
No ano seguinte, entre os dias 16 e 18 de abril de 2018, em decorrência das irregularidades encontradas nas correições anteriormente indicadas, foi realizada Correição Extraordinária no Ofício de Registro de Imóveis da Comarca de Santa Cecília.
Tais correições resultaram na instauração de um novo processo administrativo disciplinar, deflagrado pela Portaria n. 24, de 15 de agosto de 2019, que elencou os seguintes fatos tidos como infracionais:
GRUPO I: procedimento preliminar autuado sob n. 0001861- 02.2015.8.24.0600 (correção ordinária realizada nos dias 3 e 4.11.2015)
1. Registro de loteamento com projeto aprovado pela Prefeitura caducado
A representada efetuou o registro de loteamento depois de o projeto aprovado pela prefeitura ter caducado. A caducidade da aprovação equivale a sua não aprovação, podendo configurar o crime previsto no art. 52 da Lei n. 6.766/79, atentando contra as instituições notariais e de registro.
O projeto de parcelamento sob Protocolo n. 26.828 foi apresentado depois do prazo de 180 (cento e oitenta) dias de sua aprovação pela prefeitura (págs. 21 a 23). O decreto que aprovou o loteamento foi publicado em 9.6.2014 (pág. 22); o protocolo foi efetivado em 15.5.2015 (pág. 23) e o registro, em 26.5.2015 (pág. 23).
[...]
2. Ausência de prorrogação do prazo de prenotação
O requerimento do processo de loteamento (Protocolo n. 26.828) foi objeto de “reprotocolo” (págs. 7 e 8), olvidando-se que, na hipótese de loteamento, os efeitos da prenotação são prorrogados. A irregularidade foi confirmada pela delegatária em sua resposta (págs. 46 e 48, itens 50391 e 50405, respectivamente).
[...]
3. Inexistência de lançamento da nota de exigência no Livro de Protocolo e de prorrogação da prenotação
A nota de exigência referente a um título judicial (Protocolo n. 27.108), não foi lançada no Livro de Protocolo (págs. 5 e 7). Além disso, o protocolo foi cancelado após o decurso de 30 dias, sendo que para essa hipótese também há previsão normativa
para prorrogação dos efeitos da prenotação. A irregularidade foi confirmada pela delegatária em sua resposta (pág. 42, item 50328, e pág. 48, 50398).
[...]
4. Inexistência de identificação de documento de anuência da Fatma (atual Instituto do Meio Ambiente – IMA) no edital de publicação de processo de loteamento No edital de publicação do processo de loteamento (Protocolo n. 26.828) a registradora não identificou o documento de anuência da Fatma, atual IMA (pág. 7).
A irregularidade foi confirmada pela delegatária (págs. 46, item 50619). [...]
5. Falta de confirmação de autenticidade e eficácia do instrumento de representação em requerimento de retificação de área
No requerimento de retificação de área anexado às págs. 26 e 27, o qual originou a AV-1-9130 de Protocolo 27.155 (págs. 30 a 33), em que os interessados foram representados por procurador, o instrumento (págs. 28 e 29) não teve sua confirmação de autenticidade e eficácia verificado, e devidamente mencionado no ato (termo).
[...]
6. Cédulas de crédito rurais hipotecárias protocoladas sob um único número de ordem
Duas cédulas rurais hipotecárias, registradas sob n. 2621 e 2622, foram protocoladas sob o mesmo número de ordem 27.018 (pág. 5). A irregularidade foi confirmada pela delegatária, que informou ter passado a individualizar os protocolos depois da constatação (pág. 42, item 50342).
[...]
7. Cobrança indevida ou excessiva de emolumentos
Na matrícula n. 9130 (págs. 15 a 18), duas averbações (AV-1-9130 e AV-2- 9130) relativas à identificação do imóvel (especialidade objetiva) tiveram os emolumentos cobrados como atos isolados, sendo que deveriam ter sido cobrados como ato único.
[...]
8. Irregularidades na escrituração do Livro de Protocolo
A representada cometeu erro na escrituração do Livro de Protocolo, ao apontar o órgão judiciário como apresentante de título judicial e não o autor ou o requerente, bem como ao não indicar sua natureza jurídica e espécie (págs. 4 e 5).
Alegou a registradora (pág. 40, itens 1014 e 1015) que realiza a escrituração do Livro de Protocolo observando as normas de regência. Contudo, os documentos apresentados pela titular (págs. 52 e 72) não são cópias do Livro de Protocolo e parte dessa irregularidade foi constatada em novas correições realizadas nos anos de 2017 e 2018, como se verá adiante, o que evidencia a prática da irregularidade apontada.
[...]
9. Não indicação, no documento usado como comprovante de protocolo, da data limite para qualificação do título
O documento que é entregue à parte interessada não contém a data limite para a qualificação do título (pág. 4). A registradora negou a irregularidade apontada (pág. 42). Contudo, os documentos que apresentou indicam apenas o prazo de validade do protocolo e não o de qualificação (págs. 52 e 72). Aliás, referidos documentos não são hábeis a servir de comprovante de protocolo de títulos apresentados na serventia, por não preencherem os requisitos exigidos.
[...]
10. Falta de indicação do domicílio do transmitente/devedor e do adquirente/credor no registro
Os domicílios do transmitente ou devedor e do adquirente ou credor não foram mencionados no registro R-16-2950 (pág. 19).
[...]
11. Inobservância das regras de escrituração nas fichas de matrícula
Não constam nas fichas de matrículas as expressões “continuação da matrícula”, "verso" (ou abreviação "v.") e “continua na ficha”, a exemplo da matrícula n. 9130 (págs. 30 a 33).
[...]
12. Inexistência de cartaz do Selo de Fiscalização, bem como de serviço de ouvidoria ou atendimento pessoal para o recebimento de dúvidas, críticas, elogios ou sugestões
O cartaz do Selo de Fiscalização não está exposto na serventia, bem como não há indicação de serviço próprio de ouvidoria ou atendimento pessoal para o recebimento de dúvidas, críticas, elogios ou sugestões (pág. 2).
[...]
13. Lançamento de documento não registrável no Livro de Protocolo
Foi lançado pedido de certidão pelo Banco do Brasil (Protocolo n. 27102) no Livro de Protocolo; contudo, por não se tratar de título registrável, o lançamento foi irregular (pág. 2), o que foi reconhecido pela delegatária (pág. 40, item 1008).
[...]
GRUPO II: procedimento preliminar autuado sob n. 0000064- 83.2018.8.24.0600, em apenso (correção ordinária realizada nos dias 14 e 15.9.2017)
1. Inexistência de identificação da espécie do título judicial no Livro de Protocolo
A registradora, a exemplo do que havia sido verificado na correição realizada em 2015, não identifica a espécie de título judicial quando do apontamento no Livro de Protocolo. É o que se observa no título sob Protocolo n. 27.833 (pág. 29), em que foi apontado apenas como “mandado judicial”.
A representada reconheceu a falta administrativa e a imputou ao sistema informatizado utilizado pela serventia (pág. 7, item 50326).
[...]
2. Ausência de verificação quanto à informação sobre a intermediação de corretor de imóveis ou de declaração apartada nesse sentido
No registro referente ao imóvel matriculado sob n. 6005 (Protocolo n. 5515) não foi verificado pela registradora se na escritura pública constava a informação sobre a intermediação de corretor de imóveis, assim como não exigiu declaração apartada nesse sentido (pág. 21). A irregularidade foi confirmada pela delegatária na resposta aos itens 50485 e 50484, sustentando tratar-se de caso isolado (págs. 3 e 4).
[...]
GRUPO III: correição extraordinária realizada nos dias 16 a 18.4.2018 (autos n. 0001861-02.2015. 8.24.0600, págs. 156 a 164)
1. Formulação de exigências de forma informal e aos poucos e, em alguns casos, antes mesmo de o título ser protocolizado (pág. 160 – Item 1102)
Verificou-se que a serventia recebia documentos de usuários, seja para registro, seja para complementação de título anteriormente apresentado, sem entrega de comprovante de protocolo. Ademais, a exigência de documentos faltantes para a prática dos atos era efetuada de forma avulsa (não de uma só vez) e verbal (informalmente). E, mais, em determinadas situações, antes mesmo de o título ter sido protocolizado. Em outras palavras, a delegatária, ao realizar a qualificação dos títulos, não esgota todas as exigências necessárias em um único momento. À medida em que as partes apresentam os documentos exigidos, novos vão sendo solicitados informalmente sem a necessária vinculação ao protocolo.
Além disso, a delegatária, por vezes, não protocola o título e faz exigências sem apontar no Livro de Protocolo. Nesse caso, os prazos de registro são sempre “cumpridos” com prejuízo dos efeitos da prenotação, já que o título não é protocolizado quando ingressa na serventia, o que impede o controle dos prazos nos serviços atendidos pelo ofício registral.
Tal conduta não implica tão somente em erro procedimental, mas, no dizer de Xxxxxxxxxx Xxxxxx xxx Xxxxxx, “esse costume contra legem cria uma situação de insegurança jurídica incompatível com a instituição registral e com os importantes efeitos que resultam do lançamento do título no Protocolo" (Algumas linhas sobre a prenotação. In: DIP, Xxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxx (Org.). Registro imobiliário: dinâmica registral. São Paulo: XX, 0000, p. 564), causando danos aos interessados que, sem o ingresso formal do título, não têm garantido seu direito de preferência para o registro.
Nessas hipóteses, fica inviabilizada a conferência do prazo para o registro do título, porquanto só são protocolizados depois de atendidas todas as exigências formuladas pela serventia.
Essa prática da registradora não é novidade. Com efeito, na correição realizada entre os dias 28 e 31 de março de 2011 (ata de inspeção de págs. 193 a 205) já havia sido registrado que ela fazia “coincidir a data de registro com a data do protocolo” e, realizava a “entrega da documentação à parte para dar cumprimento às exigências de registro [...] muitas vezes feitas oralmente” e “sua protocolização ocorrerá somente após a prática do ato”. Essa infração foi reconhecida pelo Conselho da Magistratura no Processo Administrativo Disciplinar n. 2013.900024-5 (págs. 115
a 128) e confirmada pelo Órgão Especial nos autos do Recurso de Decisão n. 2014.033291-7 (págs. 130 a 140).
Destaca-se excerto do relatório correicional que deflagrou aquele PAD: “os títulos apresentados tomam o número de ordem na sequência rigorosa de sua apresentação, até porque, conforme narrado pelo Escrevente designado, quando o título apresentado demanda maior tempo de estudo para sua análise (período de qualificação registral), sua protocolização ocorrerá somente após a prática do ato) ” (pág. 196).
Veja-se que não se está a falar de reincidência ao mencionar essa infração da qual a registradora já cumpriu pena, apenas para demonstrar sua falta de zelo e preocupação em corrigir sua conduta incompatível com o ordenamento jurídico.
Essa conduta viola um dos principais pilares do sistema registral, porque o título, ao não ser prenotado, não garante sua prioridade e, por consequência, a preferência dos direitos reais sobre o imóvel. Além de constituir verdadeira fraude na escrituração e não permitir o controle dos prazos para registro ou de prorrogação da prenotação, quando for o caso.
O procedimento de recepção de títulos no Registro de Imóveis possui regramento próprio.
Exceto o título apresentado apenas para exame e cálculo (Lei n. 6.015/73, art. 12, parágrafo único), todos os demais devem ter ingresso no Livro de Protocolo juntamente com os documentos que lhe acompanham, em uma única vez, salvo expedição de nota de exigência posterior à qualificação.
[...]
2. Violação ao prazo de qualificação
A registradora não respeita o xxxxx xx 00 xxxx xxxx xxxxxxxxxxxx xx xxxxxx (xx
g. 160, item 1103), como no caso do protocolizado sob o n. 28.723, apontado em 21.2.2018 (pág. 179, n. de ordem 9226) e devolvido ao interessado com exigência somente em 20.3.2018 (pág. 180, n. de ordem 9355).
[...]
3. Inobservância à prorrogação do prazo de prenotação no registro de parcelamento do solo urbano
A representada não prorroga o prazo de prenotação no registro de parcelamento do solo urbano (págs. 160 e 161, item 50405), como no caso de pedido
de desmembramento pela Câmara Municipal de Santa Cecília, protocolizado sob o n. 28.160, em 7.6.2017 (pág. 182, n. de ordem 7892), devolvido com exigências em
20.6.2017 (pág. 183, n. de ordem 7925); cancelado em 10.7.2017 (pág. 184, n. de
ordem 8026); reprotocolizado sob o n. 28.381 em 18.9.2017 (n. de ordem 8403); apontado no mesmo dia (n. de ordem 8404); reprotocolizado novamente no dia 19.9.2017 (n. de ordem 8410 – a ocorrência é repetida e manteve o mesmo n. de protocolo gerado no dia anterior n. 28.381), e, por fim, registrado em 27.2.2018 (n. ordem 9245) fazendo referência, apenas, ao número de ordem anterior (8404).
[...]
4. Ausência, no documento entregue ao interessado, da data em que cessam automaticamente os efeitos da prenotação
No documento utilizado pela registradora como comprovante de protocolo (denominado “recibo de antecipação”) não consta expressamente a data em que cessarão automaticamente os efeitos da prenotação (pág. 159, item 50338). É o que se verifica nos comprovantes dos títulos protocolizados sob n. 28.715 e 28.701 (págs. 177 e 178, respectivamente).
[...]
5. Negligência na fiscalização dos valores devidos ao FRJ
A registradora não fiscaliza o montante devido ao FRJ, conforme se observa nos registros de compra e venda cujos valores declarados nos atos, consideradas as áreas negociadas, são incompatíveis com o valor de mercado (pág. 158, item 50483). São exemplos: a) imóvel de matrícula n. 9436, terreno rural com área de 32.870 m², vendido conforme R-1-9436 (págs. 165 e 166), pelo valor declarado de R$ 27.163,76, FRJ recolhido no valor de R$ 81,49; b) imóvel de matrícula n. 9403, terreno rural com área de 39.572 m², feita a divisão amigável conforme o R-3-9403 (págs. 168 e 169), com valor declarado R$ 23.507,21, FRJ recolhido no valor de R$ 572,39; e, c) imóvel de matrícula n. 4502, terreno com área vendida de 15.089,66m² pelo valor declarado de R$ 15.000,00, com “FRJ-não incide”, conforme R-12-4502 (pág. 171).
[...]
6. Ausência de índice em processo de incorporação imobiliária:
No processo da incorporação protocolada sob n. 28.680 e registrada na R-1- 9407 observou-se que os documentos não estão na ordem constante no art. 32 da Lei
n. 4.591/64 e que não possui índice (pág. 159, item 50665).
[...]
7. Não indicação da espécie dos títulos judiciais no Livro de Protocolo
Na correição realizada em 2018, observou-se, mais uma vez, que a delegatária não identifica a espécie de título judicial quando do apontamento no Livro de Protocolo (pág. 159, item 50326). É o que se observa no título sob Protocolo n. 28.480 (pág. 176), em que foi apontado apenas como “mandado judicial”.
[...]
Na instauração do processo administrativo disciplinar, houve o afastamento da delegatária e o acervo da serventia foi transferido, em 5 de setembro de 2019, para a interventora nomeada para responder pela serventia até o julgamento.
Em sua defesa, a titular afastada alegou: a) que, apesar de haver precedentes penalizações impostas à delegatária, elas não têm o condão de lastrear o agravamento da desobediência aos comandos legais e normativos inerentes ao exercício de suas atividades; b) após os devidos esclarecimentos da delegatária e realizada a competente avaliação por parte da autoridade competente, resultou comprovado que muitas das constatações efetuadas na correição, sequer eram atos irregulares; c) a delegatária exerce a atividade por longo período e possui moral ilibada; d) sempre buscou a satisfação dos usuários com os serviços prestados; e) não auferiu qualquer vantagem indevida para si ou para outrem decorrente das imputações; e f) não houve qualquer prejuízo causado as terceiros. Por fim, pugnou pela absolvição das acusações e, subsidiariamente, que lhe fosse aplicada penalidade mais branda dentre aquelas elencadas no art. 32 da Lei nº 8.935/94.
A instrução do processo foi concluída e os autos entregues ao Des. Relator, contudo, antes do julgamento, a delegatária faleceu e o julgamento foi extinto sem julgamento do mérito.
3 O SERVIÇO EXTRAJUDICIAL E O PROCESSO DISCIPLINAR
3.1.1 O Delegatário
O responsável pela serventia extrajudicial exerce função pública delegada e é denominado titular. Xxxx titulares integram a categoria geral de agentes públicos, que abarca toda e qualquer pessoa que desempenhe, ainda que episódica e eventualmente, atos da alçada do Poder Público9. Os registradores e notários são considerados particulares em colaboração com o Estado, pessoas físicas sem vinculação com a estrutura do funcionalismo público que exercem atividade notarial ou registral por delegação do Poder Público10. A atividade é regulamentada pela Lei n. 8.935/1994 que dispõe sobre serviços notariais e de registro, conhecida também como a Lei dos cartórios.
Quando existe a necessidade de afastamento cautelar do titular da serventia (Lei n. 8.935/1994, art. 35, II, § 1º e art. 36, § 1º) a autoridade competente (em Santa Catarina, é o Corrergedor-Geral do Foro Extrajudicial) nomeia um interventor para responder pela serventia. O interventor não se confunde com o interino que, apesar de também ser nomeado pela autoridade competente, este responde pela serventia de sua vacância até a realização de novo concurso. Assim, a diferença basilar é que enquanto o interventor administra patrimônio privado (do titular afastado), o interino é um mero preposto estatal, nomeado para manutenção do serviço público até a realização de novo concurso e, dessa forma, administra patrimônio público.
O art. 5º da Lei n. 8.935/1994 estabelece as espécies de titulares segundo a natureza das funções por eles exercidas. São eles: tabelião de notas; tabelião e oficial de registro de contratos
9 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx de. A competência para criação e extinção de serviços notariais e de registro e para delegação para provimento desses serviços. Revista de direito imobiliário. São Paulo, n. 47, p. 197-212, jul- dez, 1999, p. 198.
10 XXXXXX, Xxxxxxx. Registros Públicos. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2020. 9788530987909. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 28 Feb 2021.
marítimos; tabelião de protesto de títulos; oficial de Registro de Imóveis; oficial de registro de títulos e documentos e civis das pessoas jurídicas; oficial de registro civil das pessoas naturais e de interdições e tutelas; e oficial de registro de distribuição.
Eles podem ser divididos em dois grandes grupos: notários e registradores. A classe de notários é formada por tabeliães de notas, tabeliães de protesto de títulos e tabeliães e oficial de registro de contratos marítimos. Os demais titulares estão inseridos na classe de registradores11.
3.1.2 Infrações disciplinares
Como inexiste personalidade jurídica nas serventias, é o titular (delegatário) que responde administrativamente pelos atos praticados no âmbito da serventia extrajudicial. O delegatário titular da serventia da época do fato apurado na esfera administrativa responderá subjetivamente
– ou seja, só haverá responsabilização disciplinar do delegatário extrajudicial no caso da prática de comportamento (ativo ou passivo) doloso ou culposo com aptidão lesiva12. A infração disciplinar decorre de conduta omissiva ou comissiva, praticada no exercício de emprego, função ou mandato, violadora dos deveres constitucional ou legalmente estabelecidos13.
A atuação do Estado de Direito está pautada no princípio da legalidade estrita, que baliza o modo de agir estatal aos parâmetros fixados por lei em sentido formal (CRFB, arts. 5º e 37, caput). Dessa forma, não se admite a atipicidade, por constituir violação aos princípios da legalidade e do devido processo legal, uma vez que o tipo, circunscrito ao âmbito do Direito Penal, representa uma garantia da esfera individual, pois delimita a conduta proibida e as respectivas consequência jurídicas14.
Conceitos ou termos jurídicos indeterminados e cláusulas gerais serão instrumentos comumente utilizados no Direito Administrativo Sancionador, especialmente nos casos em que há relação de sujeição especial envolvendo agentes públicos. Assim, uma norma proibitiva de comportamento de agente público resulta indissoluvelmente ligada à norma permissiva, vale dizer, ao princípio da legalidade positiva, visto que o agente público somente pode atuar com
11 XXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxxx xx. Notários e registradores: Lei n. 8935, de 18.11.1994. São Paulo: Xxxxxx xx Xxxxxxxx, 2009, p. 44.
12 XXXXXX, Xxxxxxx. Registros Públicos. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2020. 9788530987909. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 28 Feb 2021.
13 XXXXXXXX XXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Processo administrativo disciplinar. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 36. 14 XXXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx. O processo administrativo disciplinar dos notários e registradores no Estado do Paraná. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 44.
suporte em comandos legais. Não é raro, portanto, que, em casos como esses, o legislador utilize tipos proibitivos bastante amplos, genéricos, sem vulnerar a garantia da tipicidade, da lex certa, porque o Direito Administrativo Sancionador pode apanhar relação de sujeição especial em que se encontrar envolvido um agente público. No terreno disciplinar, tais relações assomam em importância e intensidade, diante dos valores protegidos pelo Estado e da especialidade intensa das relações15.
Essa indeterminação dos conceitos não confere discricionariedade ao órgão disciplinar. Pelo contrário, exige-lhe uma atuação integrativa voltada ao preenchimento das lacunas legais segundo os postulados da proporcionalidade e razoabilidade16.
O princípio geral da legalidade do artigo 5º, inciso II, da CF/88 deixa claro que o exercício do Direito Administrativo Penal ou Sancionador não comporta, verificada a infração, discricionariedade na imediata sotoposição da conduta à regra. Assim, diante do viés garantista da CF/88, o Direito Administrativo Penal deve ser exercido de acordo com a mais absoluta legalidade, não havendo falar mais em inexistência de vinculação à previa definição da lei sobre infração funcional17.
A Lei Complementar estadual n. 639/2015, que define o regime disciplinar aplicável aos servidores do quadro do Poder Judiciário de Santa Catarina e estabelece outras providências, prevê, no seu art. 5º, a aplicação do regime disciplinar previsto na Lei n. 8.935/1994 aos delegatários. Dessa maneira, os notários e os oficiais de registro se sujeitam às penalidades previstas na lei dos cartórios, na hipótese de prática das infrações disciplinares definidas no rol do seu art. 31: a) inobservância das prescrições legais ou normativas - há “infração disciplinar” quando a conduta do servidor ou agente público não observa norma hierárquica ou de comportamento, determinada em lei ou regulamento. A caracterização para efeitos punitivos se assemelha à tipificação penal; b) a conduta atentatória às instituições notariais e de registro: “atentatória” é a ação que, por sua gravidade, envolve atos contra normas legais e preceitos éticos, resguardados por lei. Não se trata, portanto, de ação culposa; c) a cobrança indevida ou excessiva de emolumentos, ainda que sob a alegação de urgência: “indevida” é a cobrança de custas ou emolumentos não previstos em lei para o ato praticado ou
15 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Direito administrativo sancionador. 2.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 284-285.
XXXXX, Xxxxxxxx. Curso prático de processo administrativo disciplinar e sindicância, 2ª edição. São Paulo: Atlas, 2014. Pg. 29-30. 9788522485147. Disponível em:
xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 06 Mar 2021
16 XXXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx. O processo administrativo disciplinar dos notários e registradores no Estado do Paraná. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 48-49.
17
previstas em montante inferior ao cobrado; d) a violação do sigilo profissional: o ato de violar o sigilo profissional consiste em ofensa legal e ética, pois revela a terceiro, que não o diretamente interessado, fatos que a parte ou a lei querem manter alheios ao conhecimento geral; e e) o descumprimento de quaisquer dos deveres descritos no art. 30: a ofensa de algum dos deveres do delegatário pode caracterizar infração disciplinar.
Os notários e registradores estão sujeitos às seguintes penas disciplinares, previstas no art. 32 da Lei n. 8.935/1994: repreensão; multa; suspensão por noventa dias, prorrogável por mais trinta; e perda da delegação.
A repreensão tem gradação e significado mais grave que a advertência (prevista no art. 129 da Lei n. 8.112/90), pois, geralmente, escrita e acompanhada da indicação dos preceitos legais violados, os quais, na hipótese de reiteração, podem resultar em pena mais grave18.
No que concerne à multa, cuida-se de pena pecuniária, cujos critérios de fixação do respectivo valor foram silenciados pela lei dos cartórios, incumbindo à lei estadual preencher essa lacuna19.
Em relação à pena de suspensão, os efeitos por ela gerados resultam no afastamento do delegatário por tempo determinado, período em que ele não recebe remuneração nem tem autorização para praticar atos20.
Por fim, a pena da delegação, a mais grave de todas. Ela extingue qualquer resquício da delegação e das atribuições de funções a ela pertinentes21.
Apesar de não se aplicar diretamente os dispositivos da LPA (Lei n. 9.784/1999) aos processos administrativos disciplinares envolvendo delegatários do serviço extrajudicial,
18 XXXXXXXX, Xxxxxx. Lei dos notários e registradores: (lei n. 8.935/94). 8.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 263.
19 XXXXXXXX, Xxxxxx. Lei dos notários e registradores: (lei n. 8.935/94). 8.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 263.
20 XXXXXXXX, Xxxxxx. Lei dos notários e registradores: (lei n. 8.935/94). 8.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 263.
21 XXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxxx de. Notários e registradores: Lei n. 8935, de 18.11.1994. São Paulo: Xxxxxx xx Xxxxxxxx, 2009, p. 220.
entende-se que os objetivos são os mesmos, quais sejam, a proteção dos direitos dos administrados e o melhor cumprimento dos fins da Administração. Assim, busca-se compatibilizar, dentro do espírito exigido pelo Estado Democrático de Direito, prerrogativas da Administração Pública, que foram engendradas para o melhor cumprimento de suas finalidades (como, por exemplo, a autoexecutoriedade dos atos administrativos), com o imprescindível respeito às garantias constitucionais que, por outro lado, protegem direitos e interesses dos administrados, dentro do preceito que impõe que ninguém será́ privado da liberdade ou dos bens sem o devido processo legal, assegurando-se, por conseguinte, aos litigantes em processo administrativo, o contraditório e a ampla defesa (cf. art. 5o, LIV e LV, da CF)22.
O processo administrativo rompe com a exclusividade da direção do Estado no exercício da atividade administrativa e representa a contenção do poder pessoal das autoridades públicas. Nesta perspectiva, ele surge para reequilibrar a mais primordial equação do Direito Administrativo, qual seja, aquela que relaciona: autoridade e liberdade23.
A lei geral trouxe princípios e regras que afetam três dimensões imprescindíveis à afirmação de existência de um Estado Democrático de Direito: (1) a dimensão de garantia, à medida que cria diversos mecanismos aptos a resguardar a observância dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório; (2) a dimensão de controle dos atos, a partir de múltiplos expedientes, como, por exemplo, a obrigatoriedade de motivação de atos e decisões administrativas; e (3) a dimensão de participação dos administrados no iter de formação da vontade estatal, que se torna mais transparente, sendo que a lei faculta, ainda, a realização de audiências e consultas públicas quando houver questões relevantes ou de interesse geral nos processos administrativos24.
Em relação à divergência doutrinária quanto à sua natureza, pode-se utilizar o termo “processo” em sentido desvinculado com o restrito exercício das funções típicas do Poder Judiciário, uma vez que a Constituição Federal o denomina como “processo administrativo” devido a suas afinidades com o exercício da jurisdição, porque em relação às três dimensões normalmente apontadas na Teoria Geral do Processo, o exercício do processo administrativo
22 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxx. Processo administrativo: Lei nº 9.784/99 comentada. São Paulo: Atlas, 2009, p. 3. 9788522467211. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 06 Mar 2021
23 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxx. Processo administrativo: Lei nº 9.784/99 comentada. São Paulo: Atlas, 2009, p. 5. 9788522467211. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 06 Mar 2021
24 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxx. Processo administrativo: Lei nº 9.784/99 comentada. São Paulo: Atlas, 2009, p. 6. 9788522467211. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 06 Mar 2021
pode também ser enfocado dessa perspectiva: (a) poder, relacionado com a capacidade da Administração impor e executar de ofício suas decisões, desde que assegure a ampla defesa; (b) função, que visa à aplicação do direto na consecução dos interesses públicos; e (c) atividade, conjunto de atos realizados pelas autoridades e órgãos competentes para o exercício do poder e cumprimento da função25.
Considerando, ainda, que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (CRFB, art. 5º, LIV), o processo administrativo revela-se uma garantia constitucional que “possibilita a regulação do exercício da competência (...) e age como instrumento de proteção do indivíduo perante a ação daquela competência”26.
3.2.1 Os objetivos da LPA
São duas as finalidades precípuas afirmadas no caput do art. 1º da LPA: 1) a proteção dos direitos dos administrados; e 2) o melhor cumprimento dos fins da Administração. Dessa forma a lei busca compatibilizar, dentro do espírito exigido pelo Estado Democrático de Direito, prerrogativas da Administração Pública, que foram engendradas para o melhor cumprimento de suas finalidades (como, por exemplo, a autoexecutoriedade dos atos administrativos), com o imprescindível respeito às garantias constitucionais que, por outro lado, protegem direitos e interesses dos administrados, dentro do preceito que impõe que ninguém será́ privado da liberdade ou dos bens sem o devido processo legal, assegurando-se, por conseguinte, aos litigantes em processo administrativo, o contraditório e a ampla defesa (cf. art. 5o, LIV e LV, da CF)27.
Além de reafirmar princípios contidos nos arts. 5º e 37º, caput, da CF, a lei enunciou outros antes não expressos, mas criteriosamente extraídos da evolução doutrinária e jurisprudencial do assunto pelos grandes administrativistas que participaram da elaboração do anteprojeto acolhido, sob a presidência de alguém que reunia unanimidade acerca de sua
25 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxx. Processo administrativo: Lei n. 9.784/99 comentada. São Paulo: Atlas, 2009, p. 22.
26 XXXXXXXX XXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Processo administrativo disciplinar. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 61- 62.
27 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxx. Processo administrativo: Lei nº 9.784/99 comentada. São Paulo: Atlas, 2009, p. 3. 9788522467211. XXXXXXXX, XXXXXX,. I.; XXXXXX, XXXXXXX,. Processo administrativo
: Lei nº 9.784/99 comentada. [Digite o Local da Editora]: Xxxxx XXX, 0000. 9788522467211. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 03 dez. 2021.
contribuição para o Direito Administrativo, em especial, no combate ao abuso do poder estatal, bem como na proteção aos direitos difusos28.
A LPA contempla, portanto, uma estrutura de normas básicas ao processo administrativo em âmbito federal que, em apertada síntese: enunciam princípios, direitos e deveres; padronizam minimamente requerimentos e atos para a proteção do princípio da informalidade (ou formalidade moderada); cunham definições esclarecedoras; fixam regras sobre competência; orientam sobre locais onde devam ser praticados os atos; delimitam impedimentos e suspeições para a garantia da imparcialidade nas decisões; determinam prazos para a prática de atos; protegem o conhecimento dos atos praticados, obrigando a intimação daqueles que atinjam interesses de administrados; facultam a realização de consultas e audiências para o debate público de questões relevantes; tratam de forma abrangente da atividade instrutória; disciplinam a anulação, revogação e convalidação de atos e fixam parâmetros para os recursos administrativos29.
3.2.2 Supremacia do interesse público
Supremacia do interesse público é postulado que alicerça todas as disciplinas do direito público, que partem de uma relação vertical do Estado em relação aos cidadãos. A supremacia do interesse público deve orientar o legislador e o aplicador da lei. O legislador, quando da discussão de projetos de lei ao medir as restrições que os interesses sofrerão em nome de benefícios coletivos; e o aplicador da lei – juiz ou administrador –, na aplicação do direito público30.
O problema maior do debate acerca da supremacia do interesse público não se encontra na noção em si de que, em uma vida em sociedade, é justo que os interesses coletivos tenham prioridade em relação aos interesses individuais, pois neste ponto existe unanimidade. As
28 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxx. Processo administrativo: Lei nº 9.784/99 comentada. São Paulo: Atlas, 2009, p. 133 e 134. 9788522467211. XXXXXXXX, XXXXXX,. I.; XXXXXX, XXXXXXX,. Processo
administrativo : Lei nº 9.784/99 comentada. [Digite o Local da Editora]: Xxxxx XXX, 0000. 9788522467211. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 03 dez. 2021.
29 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxx. Processo administrativo: Lei nº 9.784/99 comentada. São Paulo: Atlas, 2009, p. 4. 9788522467211. XXXXXXXX, XXXXXX,. I.; XXXXXX, XXXXXXX,. Processo administrativo
: Lei nº 9.784/99 comentada. [Digite o Local da Editora]: Xxxxx XXX, 0000. 9788522467211. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 03 dez. 2021.
30 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Direito Administrativo. Editora Atlas: Xxxxx XXX, 0000. 9788597025262, p. 59. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 27 dez. 2021.
controvérsias surgem justamente quando se questiona: (1) qual a medida adequada da restrição de direitos individuais em prol de um ideal coletivo; ou, ainda, (2) o que é “interesse público”. O princípio da supremacia do interesse público nas atividades legislativas, como qualquer outro princípio, não é absoluto, e seu uso em cada regulação do Estado deve ser ponderado em conjunto com os demais princípios e garantias fundamentais. Porém, a medida adequada para a restrição dos interesses privados não pode ser fornecida abstratamente, mas
apenas em função de cada caso concreto analisado31.
Segundo Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx, as prerrogativas que exprimem a supremacia do interesse público não são manejáveis ao sabor da Administração, que detém tão somente poderes instrumentais, isto é, poderes que são conferidos para propiciar o cumprimento do dever a que estão jungidos. Como a atividade administrativa caracteriza-se pelo exercício de função, que abrange o dever de buscar, no interesse da coletividade, o atendimento das finalidades legais, o jurista acredita ser mais conveniente inverter os termos do binômio, de poder-dever para dever-poder, para “vincar sua fisionomia”32.
Defendia Xxxxxxxx que o conceito de vontade geral não se confunde com a simples soma das vontades individuais, mas representa a síntese delas, pois enquanto a vontade de todos tem em vista as vontades particulares, a partir da soma dos interesses privados, a vontade geral atende ao interesse comum, da perspectiva da reta consecução das utilidades públicas. É importante que a categoria também não se afaste demasiadamente daquilo que a sociedade em um determinado tempo valora como de interesse geral, para evitar que a positivação das regras do ordenamento seja feita sem o mínimo de consenso social. Inúmeros regimes autoritários fizeram uso de cláusulas gerais, do tipo “interesse público” ou “proteção da segurança nacional”, para impor decisões que eram reiteradamente tomadas “de cima para baixo” e que, por diversas ocasiões, não refletiam os anseios da coletividade33.
Em uma sociedade de massas em que o Estado está se retraindo na prestação de serviços públicos, o mercado “abocanha” prestações que envolvem atividades de interesse público, cujas violações acarretam males indiscriminados, isto é, de dimensões alastradas. A doutrina reconhece, então, a existência de direitos transindividuais, que ficam em uma zona intermediária entre o interesse particular e o interesse público do Estado. Dessa forma, nota-se
31 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Direito Administrativo. Editora Atlas: Xxxxx XXX, 0000. 9788597025262, p. 63. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 27 dez. 2021.
32 BANDEIRA DE XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 98.
33 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Direito Administrativo. Editora Atlas: Xxxxx XXX, 0000. 9788597025262, p. 63. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 27 dez. 2021.
que a categoria interesse público já não mais se relaciona exclusivamente com as atividades desempenhadas pelo Estado, sendo desdobrada progressivamente em: direitos sociais, individuais homogêneos indisponíveis, difusos e coletivos34.
Mesmo diante da necessidade de repensar os conceitos, tendo em vista a modificação das relações entre o Estado e os particulares (havendo interesses sociais desempenhados pela iniciativa privada, com o fomento estatal, ou mesmo interesses de caráter transindividual), a existência do Estado se justifica pelo fato de que ele atua na consecução de interesses públicos primários ou do bem-estar comum, sob pena de, na prática, o Estado, que possui o poder de impor com coercitividade as condutas sociais, servir meramente de palco de realização de interesses particulares35.
3.2.3 Princípio da legalidade
A legalidade é princípio basilar do Estado de Direito. Tem previsão genérica no art. 5º, II, da Constituição Federal, pela máxima: “ninguém será́ obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Representa uma das maiores garantias dos cidadãos, que não poderão ser obrigados a fazer ou serem coagidos a deixar de fazer algo, senão em virtude de lei, exigência que vale tanto para os particulares como para o Estado36.
A vinculação do Estado à lei, todavia, sofreu modificações ao longo do tempo. No Estado Liberal de Direito se reconhecia à Administração ampla discricionariedade no espaço livre deixado pela lei, significando que ela, tal qual os cidadãos na atualidade, poderia fazer tudo o que a lei não proibia. Esta situação foi denominada pela doutrina alemã de vinculação negativa (negative Bindung) da Administração37.
Posteriormente, com a influência kelseniana, a noção de legalidade administrativa distanciou-se da legalidade genérica dos cidadãos. A ação administrativa passou a ser analisada sob o prisma de sua relação com o ordenamento, ou seja, enquanto antes a Administração podia
34 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Direito Administrativo. Editora Atlas: Xxxxx XXX, 0000. 9788597025262, p. 66. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 27 dez. 2021.
35 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Direito Administrativo. Editora Atlas: Xxxxx XXX, 0000. 9788597025262, p. 66. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 27 dez. 2021.
36 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxx. Processo administrativo: Lei nº 9.784/99 comentada. São Paulo: Atlas, 2009, p. 46. 9788522467211. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 07 Mar 2021
37 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Direito Administrativo. Editora Atlas: Xxxxx XXX, 0000. 9788597025262, p. 67. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 27 dez. 2021.
fazer tudo o que a lei não vedava, com o Estado Social de Direito ou o Estado Legal à Administração foi permitido atuar apenas dentro dos limites permitidos pela lei38.
Surge, então, a ideia de vinculação positiva, segundo a qual a Administração somente pode fazer o que a lei permite. Passa-se, portanto, da noção mínima de legalidade, ou da não contrariedade ou compatibilidade, para a noção máxima, que abrange uma relação de conformidade. O caráter de conformidade inclui em si o de compatibilidade, mas aquele é muito mais rigoroso do que este, pois enquanto a compatibilidade significa apenas não infringir nenhum dispositivo legal, a conformidade significa que a Administração só pode atuar se houver previsão para tanto no ordenamento jurídico39.
Inerente ao Estado de Direito, o princípio da legalidade norteia o órgão regulador no cumprimento de sua função, delimita os poderes a ele conferidos e assegura a proteção aos direitos individuais dos acusados40.
O agir administrativo está condicionado tanto ao princípio da legalidade (atuação segundo a lei em sentido formal) como ao princípio da juridicidade, extraído do ordenamento jurídico como um todo, aí inseridos direitos humanos e princípios constitucionais implícitos41. De acordo com o corolário da reserva legal - que se divide em reserva legal absoluta, quando certo assunto só́ pode ser regrado por lei em sentido estrito, e reserva legal relativa, quando se admite que ato infra legal, como decreto, regulamente determinada matéria contida em lei, desde que não inove na ordem jurídica - não é valido que um decreto, que é norma secundária, regulamente normas básicas sobre determinados processos administrativos, porquanto estes, se ocorrerem em âmbito federal, dependem de lei específica para afastarem a incidência da Lei no 9.784/99, que é lei em sentido estrito, isto é, espécie normativa primária
que haure diretamente da Constituição o permissivo de inovar a ordem jurídica42.
Note-se que pelo conteúdo mais atualizado da legalidade, especialmente a partir do pós- positivismo e da nova hermenêutica, a moldura do Direito não abrange apenas as regras
38 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Direito Administrativo. Editora Atlas: Xxxxx XXX, 0000. 9788597025262, p. 67. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 27 dez. 2021.
39 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Direito Administrativo. Editora Atlas: Xxxxx XXX, 0000. 9788597025262, p. 67. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 27 dez. 2021.
40 BRAZ. Petrônio. Processo administrativo disciplinar. Campinas: Servanda, 2007, p. 58-61.
41 XXXXXXXX XXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Processo administrativo disciplinar. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 167. 42 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxx. Processo administrativo: Lei nº 9.784/99 comentada. São Paulo: Atlas, 2009, p. 46. 9788522467211. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 07 Mar 2021
jurídicas previstas, sendo também ilegais ações administrativas que se desviem dos princípios, uma vez que, conforme exposto, estes também possuem caráter normativo43.
Assim, na ausência de lei em sentido formal que trate do assunto, aplicam-se integralmente, conforme dito, as normas básicas da lei geral. Isso não impede que seja possível que determinada lei, que regulamenta certo procedimento administrativo, seja complementada por decreto, mas este não pode traçar normas básicas, isto é, normas de inovação do ordenamento, que, no caso do processo administrativo, criam ônus, deveres, direitos e faculdades, sem violar a reserva legal, corolário da legalidade44.
3.2.4 Princípio da finalidade
Apesar do princípio da finalidade não estar, expressamente, no rol do art. 37 da Constituição Federal, existem diplomas normativos que a elencam como princípio, tais como: a Lei de Processo Administrativo Federal (Lei no 9.784/99, art. 2º).
No caso dos processos administrativos, que são conjunto de atos encadeados na direção da prática de atos finais e permeados por diversas garantias, há finalidades específicas claras como, por exemplo, na licitação, a adjudicação do objeto concorrido ao licitante vencedor; no tombamento, a inscrição do bem no livro do tombo, para a sua preservação; e, no processo administrativo disciplinar, a apuração da ocorrência de ilícito administrativo45.
A observância das garantias dos administrados é imprescindível para a manutenção de diversos dos princípios processuais previstos na Constituição. São critérios específicos de realização do princípio da finalidade: o “atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total o parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei” (art. 1º, parágrafo único, II), sendo que o art. 51, § 2º, da lei determina que “a desistência ou renúncia do interessado, conforme o caso, não prejudica o prosseguimento do processo, se a Administração considerar que o interesse público assim o exige”; e “a interpretação da norma administrativa da forma
43 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Direito Administrativo. Editora Atlas: Xxxxx XXX, 0000. 9788597025262, p. 69. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 27 dez. 2021.
44 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxx. Processo administrativo: Lei nº 9.784/99 comentada. São Paulo: Atlas, 2009, p. 46-47. 9788522467211. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 07 Mar 2021
45 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxx. Processo administrativo: Lei nº 9.784/99 comentada. São Paulo: Atlas, 2009, p. 47. 9788522467211. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 07 Mar 2021
que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação” (art. 1º, parágrafo único, XIII)46.
3.2.5 Impossibilidade de renúncia
A competência em Direito Administrativo requer texto legal expresso e é de exercício obrigatório, sendo irrenunciável, pelo princípio da indisponibilidade dos interesses públicos. Trata-se de poder instrumental da autoridade pública, ou seja, de atribuição obrigatória para os órgãos e agentes públicos, não sendo questão entregue à livre decisão de quem a titulariza se deve atuar. Tal competência é irrenunciável, pois o titular não pode abrir mão dela, que lhe é conferida pelo ordenamento. O que ele pode fazer é transferir o exercício de certas atribuições, nos casos de delegação e avocação legalmente admitidos, conforme determina o art. 11 da LPA, mas a transferência do exercício não retira a competência titularidade47.
Nesse norte, não se admite que os agentes públicos renunciem às competências que lhes são conferidas pela lei, porquanto, na explicação de Xxx Xxxxx Xxxx, diferentemente do direito privado, a instituição de direito público “não tem direito subjetivo à competência”. Enquanto, naquele ramo do direito os poderes recebidos pelas pessoas atribuem-lhes direitos subjetivos. No direito público, por exemplo, ter poder de punir determinado servidor que pratica ilícito administrativo não significa ter faculdade, ou seja, diante da verificação da ocorrência de infração, há o correlato e irrenunciável dever (no sentido de obrigação, expressão de direito objetivo e não de direito subjetivo ou facultas agendi) de a autoridade competente instaurar sindicância ou processo administrativo disciplinar para que ocorra a devida punição48.
Em suma, a competência é irrenunciável, pois os poderes atribuídos por lei aos agentes públicos são meios para a consecução de interesses públicos indisponíveis, isto é, são deveres que obrigatoriamente devem ser exercitados, jamais direitos subjetivos de exercício
46 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxx. Processo administrativo: Lei nº 9.784/99 comentada. São Paulo: Atlas, 2009, p. 48. 9788522467211. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 07 Mar 2021.
47 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxx. Processo administrativo: Lei nº 9.784/99 comentada. São Paulo: Atlas, 2009, p. 133 e 134. 9788522467211. XXXXXXXX, XXXXXX,. I.; XXXXXX, XXXXXXX,. Processo
administrativo : Lei nº 9.784/99 comentada. [Digite o Local da Editora]: Xxxxx XXX, 0000. 9788522467211. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 03 dez. 2021.
48 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxx. Processo administrativo: Lei nº 9.784/99 comentada. São Paulo: Atlas, 2009, p. 134. 9788522467211. XXXXXXXX, XXXXXX,. I.; XXXXXX, XXXXXXX,. Processo
administrativo : Lei nº 9.784/99 comentada. [Digite o Local da Editora]: Xxxxx XXX, 0000. 9788522467211. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 03 dez. 2021.
facultativo49.
3.3 O PROCEDIMENTO ADOTADO PARA APURAÇÃO DISCIPLINAR EM SANTA CATARINA
O procedimento segue o rito estabelecido no art. 370 e 375 do Código de Divisão e Organização Judiciárias admitida a aplicação subsidiária da Lei Complementar estadual n. 491/2010, conforme estatui o art. 439 do CDOJESC. Ressalte-se que a aplicação subsidiária da Lei Complementar n. 491/2010 não poderá desnaturar a arquitetura trazida pela lei de regência, isto é, deve ser compatível ao desenho normativo apresentado pelo CDOJESC. De qualquer sorte, à vista dos princípios constitucionais, é de se afirmar que toda e qualquer pena a ser cominada a notário ou a registrador dependerá de prévio processo que assegure ao acusado o exercício do contraditório e da ampla defesa.
A portaria é a peça que inaugura o processo administrativo disciplinar e possui como requisitos: a) a identificação do provável delegatário responsável (CDOJESC, art. 370 e art. 439 c/c LC n. 491/2010, art. 36, II e parágrafo único); b) resumo dos fatos (CDOJESC, art. 370 e art. 439 c/c LC n. 491/2010, art. 36, III); c) capitulação legal, caso seja possível (CDOJESC, art. 370 e art. 439 c/c LC n. 491/2010, art. 36, III); indicação da pena disciplinar aplicável, para fixação da competência (CNCGJ, art. 64); e d) deliberação a respeito da necessidade de afastamento preventivo.
É de 10 (dez) dias úteis, a contar da citação, o prazo para apresentação de defesa prévia e do rol de testemunhas, até no máximo 5 (cinco), conforme estabelece o art. 370, § 1º, do CDOJESC. Caso o réu deixe de apresentar defesa, será nomeado defensor (CDOJESC, art. 370,
§ 3º). Não obstante o silêncio da lei, para assegurar o direito à defesa técnica, coerente que o defensor seja advogado.
O Corregedor-Geral do Foro Extrajudicial50 poderá delegar ao juiz diretor do foro atos de instrução processual (CDOJESC, art. 370, “caput”). O Conselho da Magistratura já afirmou que a autoridade delegada possui competência para dirimir questões próprias da instrução, a
49 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxx. Processo administrativo: Lei nº 9.784/99 comentada. São Paulo: Atlas, 2009, p. 133 e 134. 9788522467211. XXXXXXXX, XXXXXX,. I.; XXXXXX, XXXXXXX,. Processo
administrativo : Lei nº 9.784/99 comentada. [Digite o Local da Editora]: Xxxxx XXX, 0000. 9788522467211. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 03 dez. 2021.
50 A Corregedoria-Geral da Justiça, órgão de orientação, controle e fiscalização disciplinar dos serviços judiciais de primeiro grau e das serventias extrajudiciais, com atribuição em todo o Estado, será representada pelo Corregedor-Geral da Justiça e, no âmbito extrajudicial, pelo Corregedor-Geral do Foro Extrajudicial. (Resolução CM nº 6, de 13 de agosto de 2018, art. §1º).
exemplo do indeferimento de provas consideradas inúteis ou protelatórias. Afirmou, também, que a delegação da instrução, prevista no art. 370, não configura violação ao princípio do juiz natural e atende ao princípio da razoável duração do processo.
Feitas as diligências que se tornarem necessárias para a apuração do fato, o acusado terá vista do processo por 5 (cinco) dias, ou seu defensor, para alegações finais (CDOJESC, art. 370, § 5º). Se, ao final da instrução, entender que os elementos probatórios arrecadados modificaram o cenário analisado por ocasião da expedição da portaria, a ponto de a pena prevista ser, em tese, de suspensão ou perda da delegação, o juiz diretor do foro remeterá os autos ao Corregedor-Geral do Foro Extrajudicial.
De acordo com o Enunciado n. 17 da Procuradoria-Geral da Justiça51, "Os processos administrativos de natureza disciplinar instaurados pela Corregedoria-Geral da Justiça, como mera manifestação do poder sancionador do Estado, não ensejam a intervenção do Ministério Público Estadual".
Concluída a instrução, será o processo submetido à autoridade competente para julgamento. De acordo com a pena sugerida, poderá ser o juiz diretor do foro ou o Conselho Disciplinar da Magistratura. Se a competência for do órgão colegiado, o Corregedor-Geral do Foro Extrajudicial funcionará como relator (CDOJESC, art. 370, § 6º e Ato Regimental TJ n. 44/2001). O acusado defende-se da imputação de fatos ilícitos, portanto a autoridade administrativa poderá adotar capitulação legal diversa da constante da portaria, sem que implique cerceamento de defesa (CDOJESC, art. 370 e art. 439 c/c LCe n. 491/2010, art. 57, § 4º).
Por fim, cumpre informar que tramita no Tribunal de Justiça de Santa Catarina o Procedimento Administrativo n. 538559-2014.8, que tem por objeto estudo para elaboração de anteprojeto de lei de apuração da responsabilidade disciplinar de delegatários de notas e registro. O referido procedimento foi autuado o SEI sob o n. 0044854-45.2020.8.24.0710.
3.4 A COERÊNCIA DO ORDENAMENTO JURÍDICO
3.4.1 Os critérios para eliminar as antinomias
51 xxxxx://xxx.xxxx.xx.xx/xxxxxxxxxxxxx-xx-xxxxxxx/xxxxxxxxxx, pesquisado em 30/01/2022.
Como o Estado Democrático de Direito objetiva proteger interesses de variados grupos sociais, fica patente que o anseio pela realização completa de determinados esbarra por vezes no núcleo essencial de outros. Não rara é a situação de colisão entre princípios, e o juízo de proporcionalidade/razoabilidade oferece importante parâmetro para sopesar a aplicação de cada qual em função do caso concreto, lembrando que, enquanto a colisão dos princípios se resolve por meio do dimensionamento do peso ou importância na circunstância concreta, a colisão entre regras resolve-se, em geral, por meio da dimensão da validade52.
Assim, não se pode admitir, em tese, a existência simultânea, em um mesmo ordenamento, de uma regra que proíba algo e de outra que permita fazer a mesma coisa na mesma abrangência, devendo, em geral, ser invalidada uma delas para evitar antinomias jurídicas. Entretanto, pode e deve haver em um Estado de Direito minimamente democrático o convívio de inúmeros princípios de conteúdos diversos, sendo que a aplicação de um deles em determinado caso concreto não afasta a validade genérica do outro. Por exemplo, a aplicação da supremacia do interesse público para determinado caso não afasta a validade genérica do princípio da autonomia da vontade que, mesmo diante da aplicação da supremacia, continua a ser igualmente válido no mesmo sistema jurídico para outras circunstâncias que veiculam interesses disponíveis, apesar de possuírem conteúdos divergentes53.
O que varia é o peso que o intérprete confere num dado tempo, numa dada sociedade, na circunstância concreta, a cada um dos princípios. Pode-se dizer que o conteúdo significativo dos princípios, por ter elevada carga valorativa, varia em função do espaço e do tempo, daí por que o sistema é chamado de “aberto” e “flutuante”. Note-se que o fato de o sistema ser aberto não é mais perigoso do que o sistema fechado de regras, pois este permitiu a proliferação de interpretações extremistas, que posicionaram a sociedade a serviço do Direito, e não o contrário. Melhor que a humanidade nunca se esqueça de que o Direito serve para regular comportamentos humanos, ou seja, que é produto de natureza mais teleológica, isto é, orientada pragmaticamente para certas finalidades sociais, do que lógica pura54.
O princípio, sustentado pelo positivismo jurídico, da coerência do ordenamento jurídico, consiste em negar que nele possa haver antinomias, isto é, normas incompatíveis entre si. Tal princípio é garantido por uma norma, implícita em todo ordenamento, segundo a qual
52 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Direito Administrativo. Editora Atlas: Xxxxx XXX, 0000. 9788597025262, p. 55. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 27 dez. 2021.
53 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Direito Administrativo. Editora Atlas: Xxxxx XXX, 0000. 9788597025262, p. 55. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 27 dez. 2021.
54 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Direito Administrativo. Editora Atlas: Xxxxx XXX, 0000. 9788597025262, p. 56. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 27 dez. 2021.
duas normas incompatíveis (ou antinômicas) não podem ser ambas válidas, mas somente uma delas pode (mas não necessariamente deve) fazer parte do referido ordenamento; ou, dito de outra forma, a compatibilidade de uma norma com seu ordenamento (isto é, com todas as outras normas) é condição necessária para a sua validade55.
A doutrina formulou três critérios para a solução das antinomias: o critério cronológico, o critério hierárquico e o critério de especialidade. Dadas duas normas incompatíveis: a) segundo o critério cronológico, a norma posterior prevalece sobre a norma precedente (lex posterior derogat priori); b) segundo o critério hierárquico, a norma de grau superior (isto é, estabelecida por uma fonte de grau superior) prevalece sobre aquela de grau inferior (lex superior derogat inferiori); e c) segundo o critério de especialidade, a norma especial prevalece sobre a geral (lex specialis derogat generali)56.
Estes três critérios não chegam, porém, a resolver todas as antinomias. Existem realmente casos em que eles não podem ser aplicados, a saber: 1) quando há um conflito entre os próprios critérios, no sentido de que a uma mesma antinomia se possa aplicar dois critérios, cada um deles levando a um resultado diverso; 2) quando não é possível aplicar nenhum dos três critérios57.
3.4.2 Conflitos entre dois critérios
Podemos ter um conflito entre o critério hierárquico e o cronológico, entre o critério de especialidade e o cronológico, entre o critério hierárquico e o de especialidade58:
a) existe um conflito entre o critério hierárquico e o cronológico quando uma norma precedente e de grau superior é antinômica em relação a uma norma sucessiva e de grau inferior. De fato, se aplica o critério hierárquico, prevalece a primeira norma; se aplica o cronológico, prevalece a segunda. A doutrina é concorde em sustentar que no caso de conflito entre o critério hierárquico e o critério cronológico, prevalece o hierárquico.
55 XXXXXX, Xxxxxxxx. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito; compiladas por Xxxxx Xxxxx; tradução e notas Xxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxx Xxxx, Xxxxxx X. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 2006, p. 203.
56 XXXXXX, Xxxxxxxx. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito; compiladas por Xxxxx Xxxxx; tradução e notas Xxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxx Xxxx, Xxxxxx X. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 2006, p. 204-205.
57 XXXXXX, Xxxxxxxx. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito; compiladas por Xxxxx Xxxxx; tradução e notas Xxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxx Xxxx, Xxxxxx X. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 2006, p. 205.
58 XXXXXX, Xxxxxxxx. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito; compiladas por Xxxxx Xxxxx; tradução e notas Xxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxx Xxxx, Xxxxxx X. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 2006, p. 205-206.
b) existe um conflito entre critério de especialidade e critério cronológico quando uma norma precedente e especial é antinômica em relação a uma norma sucessiva e geral. Também neste caso o critério de especialidade prevalece sobre o cronológico e a norma precedente e especial prevalece sobre a posterior e geral.
Entretanto, mesmo no caso da especialidade, são necessárias, por vezes, considerações mais sutis para responder à questão do concurso. Assim, pode-se ligar à norma mais geral determinados efeitos anexos (por exemplo medidas de correção e segurança) que ainda não estão completamente abrangidos pelo estatuto indicado na disposição especial e que são compatíveis com esta. Tais efeitos anexos são depois possivelmente aplicáveis a par da estatuição da norma especial59.
c) existe um conflito entre critério hierárquico e critério de especialidade quando uma norma geral e de grau superior é antinômica relativamente a uma norma especial e de grau inferior. Neste caso é mais difícil saber qual dos dois critérios prevalece (e consequentemente se é válida a primeira norma, porque de grau superior, ou a segunda enquanto especial). Estamos realmente diante de uma antinomia entre os dois critérios fortes.
3.4.3 Inaplicabilidade dos três critérios.
A segunda dificuldade ocorre quando nenhum dos três critérios é aplicável, visto que há duas normas antinômicas que são contemporâneas, paritárias e gerais (por exemplo, duas normas gerais contidas num código: todas as disposições nele estabelecidas têm, com efeito, o mesmo valor hierárquico e são consideradas emanadas no mesmo momento). Neste caso, para não deixar subsistir a antinomia que negaria o requisito da coerência, recorre-se a um outro critério: a prevalência da "lex favorabilis" sobre a "lex odiosa". Considera-se lex favorabilis aquela que estabelece uma permissão e lex odiosa aquela que estabelece um imperativo (comando ou proibição), visto que se parte do pressuposto que a situação normal do súdito é o status libertatis e, portanto, a norma imperativa tem natureza excepcional e, como tal, deve ceder se entrar em conflito com uma norma permissiva.
Este critério pode talvez servir quando se trata de uma antinomia entre duas normas de direito público, que regulam as relações entre o Estado e os cidadãos; mas não serve mais
59 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Série IDP – Teoria do método jurídico. São Paulo: Editora Saraiva, 2016, p. 75 9788547209032. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 02 dez. 2021.
quando o conflito é entre duas normas de direito privado, que regulam as relações entre os cidadãos particulares, visto que a permissão de um cidadão comporta sempre o dever de um outro cidadão e vice-versa. Portanto, não importa qual tenha sido a norma eliminada, cria-se sempre uma vantagem a favor de um sujeito e um ônus em desfavor de um outro60.
Há, ademais, um outro caso não solúvel pelo critério da lex favorabilis, que é aquele no qual ambas as normas são imperativas, no sentido de que uma comanda e a outra proíbe o mesmo comportamento. Neste caso, todavia, a antinomia é solúvel por outra via, uma vez que estamos diante de duas normas contrárias. Como com esta última categoria de normas tertium datur, as duas normas contrárias se eliminam reciprocamente e nenhuma das duas é válida, será válida a norma resultante do tertium, da terceira possibilidade, vale dizer a norma que nem comanda, nem proíbe, mas permite o comportamento em questão61.
As questões de concurso dentro do direito positivo estão em grande medida interligadas com problemas de interpretação. Saber se as normas entram em contradição entre si depende muitas vezes também do modo como são interpretadas. Já́ as regras clássicas da interpretação da lei impõem que as normas sejam tanto quanto possíveis interpretadas de modo a que se evitem contradições. Entre elas contam-se, em especial, os esforços para se conseguir uma interpretação das leis conforme à Constituição e uma interpretação dos regulamentos conforme à lei62.
3.4.4 O problema das lacunas da lei.
Das três características nas quais se baseia a teoria do ordenamento jurídico, a da completitude é a mais importante, visto que é a mais típica e representa o ponto central do positivismo jurídico. A característica da completitude é estreitamente ligada ao princípio da certeza do direito, que é a ideologia fundamental deste movimento jurídico. Tal ligação, que é particularmente evidente na escola da exegese, é posta em evidência por Radbruch na sua “Propedêutica à filosofia de direito” (trad. it., Turim, 1959), onde ele observa que o princípio da completitude do direito se apresenta necessário para conciliar entre si dois outros temas
60 XXXXXX, Xxxxxxxx. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito; compiladas por Xxxxx Xxxxx; tradução e notas Xxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxx Xxxx, Xxxxxx X. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 2006, p. 206-207.
61 XXXXXX, Xxxxxxxx. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito; compiladas por Xxxxx Xxxxx; tradução e notas Xxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxx Xxxx, Xxxxxx X. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 2006, p. 207.
62 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Série IDP – Teoria do método jurídico. São Paulo: Editora Saraiva, 2016, p. 77, 9788547209032. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 02 dez. 2021.
juspositivistas fundamentais: aquele segundo o qual o juiz não pode criar o direito e aquele segundo o qual o juiz não pode jamais recusar-se a resolver uma controvérsia qualquer63.
Afirmar que o ordenamento jurídico é completo significa, pois, negar a existência de lacunas na lei. A demonstração da inexistência das lacunas diz respeito a duas teorias diversas, que podemos chamar respectivamente de teoria do espaço jurídico vazio e teoria da norma geral exclusiva64.
A teoria do espaço jurídico vazio tem o seu maior expoente em Bergbohm e foi sustentada na Itália principalmente por Xxxxx Xxxxxx. Estes autores afirmam que não faz sentido falar de lacunas do direito, porque, dado um fato qualquer, ou existe uma norma que o regule e, neste caso, não há evidentemente lacuna alguma, ou não existe nenhuma norma que o regule, e nem também neste caso se pode falar de lacuna, visto que o fato não regulado é juridicamente irrelevante, porque pertence ao "espaço jurídico vazio" (isto é, ao espaço que está além da esfera jurídica). Em outros termos, o fato não previsto por nenhuma norma é um fato situado fora dos limites do direito. Para esclarecer o conceito, podemos comparar o direito a um rio que flui entre duas margens: como não faz sentido dizer que além das margens há uma lacuna do rio (visto que na realidade há algo diverso do rio, a terra firme), também não faz sentido dizer que onde cessa a disciplina jurídica há uma lacuna do direito. Na realidade, onde a norma está ausente estamos fora dos limites do direito, numa esfera diversa da jurídica65.
Por sua vez, a teoria da norma geral exclusiva tem o seu maior expoente em Zitelmann e foi retomada na Itália principalmente por Xxxxxx. Segundo este último autor, não existem fatos juridicamente irrelevantes e não existem lacunas, porque cada norma jurídica particular que submete a uma dada regulamentação certos atos é sempre acompanhada de uma segunda norma implicitamente nela contida, a qual exclui da regulamentação da norma particular todos os atos não previstos por esta última e os submete a uma regulamentação jurídica antitética (por isto a segunda norma é dita geral e exclusiva). Se, por exemplo, existe uma norma que diz: "É proibido importar cigarros", tal norma contém implicitamente em si uma outra norma que diz: “É permitido importar todas as outras coisas que não sejam cigarros"; assim, se uma norma estabelece que para realizar um dado ato jurídico são necessárias certas formalidades, tal norma
63 XXXXXX, Xxxxxxxx. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito; compiladas por Xxxxx Xxxxx; tradução e notas Xxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxx Xxxx, Xxxxxx X. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 2006, p. 207.
64 XXXXXX, Xxxxxxxx. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito; compiladas por Xxxxx Xxxxx; tradução e notas Xxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxx Xxxx, Xxxxxx X. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 2006, p. 208.
65 XXXXXX, Xxxxxxxx. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito; compiladas por Xxxxx Xxxxx; tradução e notas Xxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxx Xxxx, Xxxxxx X. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 2006, p. 208.
é acompanhada, como se fosse sua sombra, por uma outra norma geral exclusiva, que estabelece que para todos os outros atos tais formalidades não são necessárias66.
Os juristas citam as lacunas da lei muitas vezes para indicar normas jurídicas nas quais se verifica um desajuste entre a letra e o espírito da lei (a mens legis), ou, em outros termos, entre a vontade expressa e a vontade presumida do legislador, no sentido de que a formulação da norma não abrange todos os casos que o legislador pretendia disciplinar (lex minus dixit quam voluit). O positivismo jurídico admite a existência desses casos, mas observa que não representam lacunas, visto que as normas podem se completar a partir do interior do sistema (auto-integração do direito) mediante o recurso à analogia e aos princípios gerais do direito, recurso que não é um ato criativo, mas puramente interpretativo e, mais exatamente, integrativo do direito67.
3.4.5 Os meios de interpretação extratextual.
A jurisprudência tradicional havia conservado sua tarefa: tornar claro o conteúdo das normas jurídicas postas pelo legislador, e integrar o ordenamento jurídico no caso em que este apresentasse lacunas. Como vimos, o positivismo jurídico admite a existência das lacunas compreendidas em certo sentido como formulação incompleta da vontade do legislador. Assim ele admite, além da interpretação em sentido estrito, a integração do direito por parte da jurisprudência, destacando, no entanto, que tal integração não é uma atividade qualitativamente diferente da interpretação (não é, portanto, uma atividade criativa), mas, ao contrário, é uma espécie particular do gênero interpretação. Neste sentido se fala de interpretação integrativa, para indicar que a integração ocorre no interior do ordenamento, com meios predispostos pelo próprio ordenamento (auto-integração)68.
Com a interpretação integrativa estende-se a situações não expressamente previstos a mesma disciplina estabelecida por uma norma que prevê casos similares. Isso, porém, significa que o problema das lacunas não é tão simples como pretende a teoria da norma geral exclusiva, segundo a qual são permitidos todos os comportamentos que não são obrigatórios (que não são,
66 XXXXXX, Xxxxxxxx. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito; compiladas por Xxxxx Xxxxx; tradução e notas Xxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxx Xxxx, Xxxxxx X. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 2006, p. 209.
67 XXXXXX, Xxxxxxxx. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito; compiladas por Xxxxx Xxxxx; tradução e notas Xxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxx Xxxx, Xxxxxx X. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 2006, p. 210.
68 XXXXXX, Xxxxxxxx. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito; compiladas por Xxxxx Xxxxx; tradução e notas Xxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxx Xxxx, Xxxxxx X. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 2006, p. 215.
portanto, nem comandados, nem proibidos). Na verdade, a experiência histórica aqui demonstra que a norma geral que fecha o sistema normativo assim dispõe: “São permitidos todos aqueles comportamentos que não são obrigatórios, exceto aqueles que podem ser considerados similares aos obrigatórios" - o que significa que temos aqui duas normas gerais de clausura: a norma geral exclusiva, que qualifica como lícitos os comportamentos não expressamente regulados, e aquela que podemos chamar de norma geral inclusiva, que submete os casos não expressamente regulados, mas similares aos regulados, à disciplina destes últimos. Quando o intérprete funda o seu raciocínio em argumentum a contrario, está apelando para a norma geral exclusiva; quando, em lugar disto, o funda em argumentum a simili, está apelando para a norma geral inclusiva69.
A capacidade de expansão lógica do ordenamento jurídico, de que fala a doutrina, encontra o seu fator de propulsão precisamente na ratio legis: é a ratio de uma norma que a torna capaz de disciplinar outros casos, além daqueles expressamente nela previstos. A afirmação de que a extensão analógica de uma norma não é uma atividade criativa, mas puramente interpretativa do direito, funda-se na concepção do raciocínio por analogia como procedimento puramente lógico. Esta concepção é hoje posta em dúvida por muitos estudiosos que, consequentemente, negam a natureza interpretativa da extensão analógica70.
A analogia juris (a saber, o recurso aos princípios gerais do ordenamento jurídico), por sua vez, é uma forma de interpretação diferente da analogia legis, pois não se baseia no raciocínio por analogia, mas num procedimento duplo de abstração e de subsunção de uma species num genus. O processo de abstração consiste em extrair os princípios gerais do ordenamento jurídico: de um conjunto de regras que disciplinam uma certa matéria, o jurista abstrai indutivamente uma norma geral não formulada pelo legislador, mas da qual as normas singulares expressamente estabelecidas são apenas aplicações particula res: tal norma geral é precisamente aquilo que chamamos de um princípio do ordenamento jurídico. Uma vez formulada esta norma geral, o jurista a aplica àqueles casos que, não sendo disciplinados nas normas singula res expressas, são, no entanto, abrangidos no âmbito dos casos previstos pela mesma norma legal. Nessa segunda fase, o jurista executa precisamente um trabalho de
69 XXXXXX, Xxxxxxxx. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito; compiladas por Xxxxx Xxxxx; tradução e notas Xxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxx Xxxx, Xxxxxx X. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 2006, p. 215.
70 XXXXXX, Xxxxxxxx. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito; compiladas por Xxxxx Xxxxx; tradução e notas Xxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxx Xxxx, Xxxxxx X. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 2006, p. 219.
subsunção de uma species (os casos não regulados pelas normas singulares) num genus (a categoria dos casos aos quais se refere a norma geral)71.
3.4.6 A identificação de lacunas da lei
A complementação e a correção da lei tem o seu instrumento mais eficaz na teoria da integração de lacunas. É possível distinguir dois tipos: lacunas que se tornam reconhecíveis já́ na formulação da lei (para as quais uso a designação breve de “lacunas de formulação”) e lacunas identificáveis por avaliação (para as quais emprego a designação breve e imprecisa de “vícios por avaliação”)72.
Há uma lacuna de formulação quando a lei, já́ pelo seu teor, não fornece nenhuma diretiva completa de conduta73.
Por sua vez, falamos de vícios por avaliação nos casos em que uma norma jurídica que, embora pelo seu teor seja, sem complemento, aplicável sem contradição, exige uma correção por razões de justiça. As lacunas sujeitas a esta condição são identificadas pelo juiz sobretudo nos casos em que as normas jurídicas estão formuladas de modo demasiado restrito ou demasiado amplo, nas quais não incluem casos que precisam de regulação ou então abrangem aqueles casos que seriam de excluir da regulação. Por outro lado, pode afigurar-se como injusto aplicar uma regra a determinados tipos de casos, que também são abrangidos pelo seu teor. Como exemplo, pode-se citar a norma relativa ao aborto (que no passado não previa quaisquer exceções) também contra aqueles médicos que interrompiam uma gravidez para salvar a vida da mãe74.
71 XXXXXX, Xxxxxxxx. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito; compiladas por Xxxxx Xxxxx; tradução e notas Xxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxx Xxxx, Xxxxxx X. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 2006,, p. 220.
72 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Série IDP – Teoria do método jurídico. São Paulo: Editora Saraiva, 2016, p. 110, 9788547209032. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 02 dez. 2021.
73 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Série IDP – Teoria do método jurídico. São Paulo: Editora Saraiva, 2016, p. 110, 9788547209032. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 02 dez. 2021.
74 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Série IDP – Teoria do método jurídico. São Paulo: Editora Saraiva, 2016, p. 111, 9788547209032. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 02 dez. 2021.
4 A COMPATIBILIDADE DO ART. 26 DA LINDB COM A LEI DOS CARTÓRIOS
Inicialmente cumpre delimitar a análise do presente caso em etapas, em que o primeiro ponto a ser analisado seria o termo de ajustamento de conduta, depois a possibilidade de aplicação do art. 26 da LINDB, ou seja, se é possível a substituição dos processos administrativos disciplinares sofridos pelos delegatários por um acordo de compromisso com a Administração Pública.
Assim, a análise se iniciará pela aplicabilidade, ou não, do referido dispositivo, uma vez que a Lei n. 8.935/1994 não previu a possibilidade de acordo substitutivo. Caso passe por esse primeiro obstáculo, a análise seguirá no sentido do cumprimento dos requisitos do art. 26 da LINDB e, por fim, será sugerido um procedimento que poderá ser editado pela Corregedoria- Geral da Justiça regulamentando o instituto.
4.1 O COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA
4.1.1 Conceito e Natureza jurídica
Xxx Xxxxx Xxxx define o termo de ajustamento de conduta tal como transação híbrida, lavrado por documento público ou privado, celebrado entre o interessado e o poder público, por seus órgãos públicos, ou por seus agentes políticos, legitimados à propositura da ação civil pública, por cuja forma se encontra a melhor solução para evitar-se ou para pôr fim à demanda judicial que verse sobre ameaça ou lesão a bem de natureza metaindividual75.
A definição da natureza jurídica dos acordos substitutivos suscita controvérsias na doutrina devido ao fato de que não se enquadram integralmente em nenhuma das figuras administrativas já consolidadas no direito administrativo, pois não é evidente a sua unilateralidade (típica dos atos administrativo) ou sua bilateralidade (típica dos contratos administrativos)76.
Tais acordos são desenvolvidos no bojo de competências tradicionalmente autoritárias e unilaterais da Administração Pública, mas que cedem espaço à participação do particular. Em um processo administrativo o poder decisório é única e exclusivamente da administração, que
75 XXXX, Xxx Xxxxx. Teoria geral do termo de ajustamento de conduta. 3. ed. São Pailo: Editora Revista dos Tribunais, 2017. pag. 186.
76 XXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Os acordos substitutivos e o termo de ajustamento de conduta (Lei n. 7.347/1985). Revista de Direito Administrativo, v. 277, n. 1, jan/abr. 2018. Pag. 104.
o instrumentaliza por meio de um ato administrativo decisório. Isto implica dizer que apesar do conteúdo do acordo ser resultado de um consenso, a “fonte de validade e eficácia” é a manifestação de vontade unilateral da administração77.
4.1.2 O Compromisso de Ajustamento de conduta no art. 26 da LINDB
Uma novidade inserida pela Lei n. 13.655/2018 à LINDB foi a admissão do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), a ser celebrado pelo Poder Público, independentemente de participação obrigatória do Ministério Público. O TAC está previsto no art. 26 e exige a presença dos seguintes requisitos: (a) serve para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público (inclusive no caso de expedição de licença); (b) participação obrigatória do departamento jurídico, em que o Advogado Público responsável pelo caso deverá emanar Parecer Jurídico proferindo opinião pautada na legalidade e na indisponibilidade dos bens e interesses públicos; (c) realização facultativa de consulta pública, quando o caso exigir; (d) presença obrigatória de relevantes razões de interesse geral;
(e) publicação no diário oficial para a produção de seus efeitos78.
Os objetivos do TAC são: 1) buscar solução jurídica proporcional, equânime, eficiente e compatível com os interesses gerais; 2) não conferir desoneração permanente de dever ou condicionamento de direito reconhecidos por orientação geral; 3) prever com clareza as obrigações das partes, o prazo para seu cumprimento e as sanções aplicáveis em caso de descumprimento. Uma das consequências do TAC será a imposição da compensação por benefícios indevidos ou prejuízos anormais ou injustos resultantes do processo ou da conduta dos envolvidos. Esse tipo de medida é bastante conhecido no Direito Ambiental, e a Administração Pública vem exercendo bem o seu papel nesta seara79.
A decisão sobre a compensação será motivada, uma vez ser a regra a atuação motivada do Poder Público, devendo ser ouvidas previamente as partes envolvidas sobre pontos
77 XXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Os acordos substitutivos e o termo de ajustamento de conduta (Lei n. 7.347/1985). Revista de Direito Administrativo, v. 277, n. 1, jan/abr. 2018. Pag. 105.
78 XXXXXXX, Xxxxxxxx.Xxxxxx. D. Manual de Direito administrativo. São Paulo: Editora Saraiva, 2020. 9788553618422, pg. 35. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 26 nov. 2021.
79 XXXXXXX, Xxxxxxxx.Xxxxxx. D. Manual de Direito administrativo. São Paulo: Editora Saraiva, 2020. 9788553618422, pg. 35. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 26 nov. 2021.
relevantes, como o seu cabimento, a sua forma e o seu valor. Nesse ponto, estabelece o Decreto n. 9.830 de 2019:
Art. 10. Na hipótese de a autoridade entender conveniente para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situações contenciosas na aplicação do direito público, poderá celebrar compromisso com os interessados, observada a legislação aplicável e as seguintes condições:
I - após oitiva do órgão jurídico;
II - após realização de consulta pública, caso seja cabível; e III - presença de razões de relevante interesse geral.
§ 1º A decisão de celebrar o compromisso a que se refere o caput será motivada na forma do disposto no art. 2º.
§ 2º O compromisso:
I - buscará solução proporcional, equânime, eficiente e compatível com os interesses gerais;
II - não poderá conferir desoneração permanente de dever ou condicionamento de direito reconhecido por orientação geral; e
III - preverá:
a) as obrigações das partes;
b) o prazo e o modo para seu cumprimento;
c) a forma de fiscalização quanto a sua observância;
d) os fundamentos de fato e de direito;
e) a sua eficácia de título executivo extrajudicial; e
f) as sanções aplicáveis em caso de descumprimento.
§ 3º O compromisso firmado somente produzirá efeitos a partir de sua publicação.
§ 4º O processo que subsidiar a decisão de celebrar o compromisso será instruído com:
I - o parecer técnico conclusivo do órgão competente sobre a viabilidade técnica, operacional e, quando for o caso, sobre as obrigações orçamentário- financeiras a serem assumidas;
II - o parecer conclusivo do órgão jurídico sobre a viabilidade jurídica do compromisso, que conterá a análise da minuta proposta;
III - a minuta do compromisso, que conterá as alterações decorrentes das análises técnica e jurídica previstas nos incisos I e II; e
IV - a cópia de outros documentos que possam auxiliar na decisão de celebrar o compromisso.
§ 5º Na hipótese de o compromisso depender de autorização do Advogado- Geral da União e de Ministro de Estado, nos termos do disposto no § 4º do art. 1º ou no art. 4º-A da Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997, ou ser firmado pela Advocacia- Geral da União, o processo de que trata o § 3º será acompanhado de manifestação de interesse da autoridade máxima do órgão ou da entidade da Administração Pública na celebração do compromisso.
§ 6º Na hipótese de que trata o § 5º, a decisão final quanto à celebração do compromisso será do Advogado-Geral da União, nos termos do disposto no parágrafo único do art. 4º-A da Lei nº 9.469, de 1997.
4.1.3 Natureza, Abrangência e Operacionalização do art. 26 da LINDB
O dilema da definição da natureza dos acordos substitutivos encontra-se na real dificuldade deles se amoldarem com facilidade às categorias tradicionais do direito. Assim, independentemente da solução adotada, será sempre necessário promover algumas adaptações nos conceitos tradicionais para que possam se ajustar a essa nova realidade dialógica. Dentre todas as possibilidades apresentadas pela doutrina, a que se posta mais coerente é aquela conferida por Xxxxxxxx Xxxxxxx, para quem os acordos substitutivos têm natureza jurídica de negócio jurídico processualizado, permeado pelo consenso, que deve ser praticado com base em juízos pragmáticos e prospectivos80, nos termos da própria LINDB, nomeadamente de seu artigo 2081.
No mesmo sentido, a Portaria no 742/2018 do Ministério da Fazenda, para disciplinar os critérios para equacionamento de débitos em sede de execução fiscal, dirige-se aos acordos como negócio jurídico processual. Nesse sentido, Xxxxx Xxxxxxxx e Xxxxxxx Xxxxx aduzem que, se o processo consiste no local de desenvolvimento dos diálogos e conflitos que servem de
80 XXXXXXX XXXX, Xxxxxxxx xx Xxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx xx. Comentários à Lei no 13.655/2018. (Lei da Segurança para a inovação Pública). Belo Horizonte: Fórum. 2019, pg. 107
81 XXXXXXX, Xxxxxxx. Acordos Administrativos: uma leitura a partir do art. 26 da LINDB. [Digite o Local da Editora]: Grupo Almedina (Portugal), 2021. 9786556272818, pg. 64. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 29 nov. 2021.
transferência das demandas sociais ao corpo político, os instrumentos consensuais de tomada de decisões e de composição de conflitos constituem efetivos atos de natureza processual e esta seria a razão explicativa da preferência do estudo dos mesmos pela ótica processual82.
Os acordos integrativos levam as partes ao experimentalismo, quando então assumem a natureza de autorização administrativa temporária e processualizada, emitidas pelo Estado após percorrer procedimento com capacidade de explorar a aptidão da atividade para os virtuosos propósitos que objetiva mediante o alinhamento de interesses num acordo, conquanto ainda remanesça margem de risco ou mesmo incerteza em relação aos resultados alvitrados, o que é amenizado pela temporariedade da medida83.
O art. 26 da LINDB soterrou a dúvida sobre a possibilidade de a Administração Pública acordar e celebrar compromissos, fora dos aludidos microssistemas legais que já contemplavam esta via consensual. Criou um novo regime jurídico geral que autoriza o administrador público a promover negociações com particulares, visando a dar cabo de irregularidade, incerteza jurídica e situações contenciosas, inclusive no caso de expedição de licença84.
Sobre a abrangência do dispositivo, cabe a análise de duas ordens de problemas vincadas no mérito da transação. Uma delas trata-se de questão um tanto superada, correlacionada à denominada indisponibilidade do interesse público. Na prática, tem-se que a Lei no 6.938/81, ao legislar sobre a política nacional do meio ambiente, isto é, sobre interesse público altamente sensível e caro à sociedade, desde sua edição, em 1981, já conferia aos órgãos ambientais a possibilidade se valer de medidas compensatórias em substituição aos clássicos tipos de sanções administrativas. A importância da LINDB, neste aspecto, foi o de sepultar qualquer ordem de discussão sobre a tal “indisponibilidade do interesse público” e o decorrente entendimento esposado por parte (minoritária) da doutrina no sentido de que os assuntos públicos são indisponíveis85. Qualquer prerrogativa pública pode ser objeto de transação (e.g., a prerrogativa
82 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxx; PALMA, Xxxxxxx Xxxxxxxxxx de. Consenso e legalidade: vinculação da atividade administrativa consensual ao direito. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, ano 7, n. 27, out./dez. 2009.
83 XXXXXXX, Xxxxxxx. Acordos Administrativos: uma leitura a partir do art. 26 da LINDB. [Digite o Local da Editora]: Grupo Almedina (Portugal), 2021. 9786556272818, pg. 65. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 29 nov. 2021.
84 XXXXXXX, Xxxxxxx. Acordos Administrativos: uma leitura a partir do art. 26 da LINDB. [Digite o Local da Editora]: Grupo Almedina (Portugal), 2021. 9786556272818, pg. 66. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 29 nov. 2021.
85 XXXXXX, Xxxxxx; e XXXXX, Xxxxxxx X. Art. 26 da LINDB. Novo regime jurídico de negociação com a Administração Pública. In: Rev. Direito Administrativo, Rio de Janeiro, Edição Especial: Direito Público na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro – LINDB, p. 135-169, nov. 2018. p. 150.
sancionatória, fiscalizatória ou adjudicatória), desde que não haja lei expressa em sentido contrário86.
O outro problema correlacionado ao mérito do compromisso viceja do veto do inc. II do
§ 1º do art. 26 da LINDB, uma vez que pontuava que a administração “poderá envolver transação quanto a sanções e créditos relativos ao passado e, ainda, o estabelecimento de regime de transição”. Na sua motivação afirma-se que a elaboração de compromisso com os interessados “não pode, em respeito ao princípio da reserva legal, transacionar a respeito de sanções e créditos relativos ao tempo pretérito e imputados em decorrência de lei”. E acrescenta: “Ademais, poderia representar estímulo indevido ao não cumprimento das respectivas sanções, visando posterior transação”. Certo é que o veto (e suas razões) do inciso II do § 1o do art. 26 da LINDB são praticamente ignorados, ao se celebrar o art. 26 da LINDB como um permissivo genérico para a celebração dos acordos, sem prever restrições quanto ao seu avanço sobre as exatas questões aventadas no aludido inciso vetado. Se bem observado, o conteúdo deste inc. II mais era uma redundância do que uma necessidade ante a abrangência declamada no caput do art. 26 da LINDB. Ainda que se repute verdadeira a máxima de que “Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza”, fato é que o caput do art. 26 da LINDB, por ser aberto, tanto autoriza como não restringe o seu vasto campo gravitacional de incidência, outorgando este papel para a legislação esparsa quando anuncia que os acordos devem ser realizados desde que observada a legislação aplicável87.
Assim, tem-se como norte que as funções administrativas do Estado (serviço público, fomento, poder de polícia e regulação) relacionam-se com a aplicação do direito pelo agente competente, que, mais precisamente, indica a atividade de editar um ato para disciplinar uma situação concreta, tendo por fundamento as normas de hierarquia mais xxxxxxx00.
Para compreender melhor o trecho legal: “eliminar irregularidade na aplicação do direito”, é preciso remeter ao passado. Desde 1990, é válido o compromisso de ajustamento em casos de danos e nulidades gravíssimas, tuteladas pela Lei de Ação Civil Pública. Em 1999, a
86 XXXXXXX, Xxxxxxx. Acordos Administrativos: uma leitura a partir do art. 26 da LINDB. [Digite o Local da Editora]: Grupo Almedina (Portugal), 2021. 9786556272818, pg. 73. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 29 nov. 2021.
87 XXXXXXX, Xxxxxxx. Acordos Administrativos: uma leitura a partir do art. 26 da LINDB. [Digite o Local da Editora]: Grupo Almedina (Portugal), 2021. 9786556272818, pg. 73 e 74. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 29 nov. 2021.
88 XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Art. 20 LINDB: Dever de Transparência, concretude e proporcionalidade nas decisões públicas. In: Rev. Direito Administrativo, Rio de Janeiro, Edição Especial: Direito Público na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro – LINDB, p. 135-169, nov. 2018. p. 151.
Lei de Processo Administrativo determinou que a administração, sempre que possível, convalide seus atos ao invés de os tornar nulos. Também a Lei de Controle de Constitucionalidade definiu que, “em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social”, o STF pode restringir os efeitos da declaração e, desta maneira, preservar atos praticados à luz da legislação inconstitucional. Boa parte do racional por detrás destas medidas é, pois, o de que as nulidades na aplicação do direito administrativo não mais são tão absolutas e podem, sim, gerar algum direito a depender da situação, em especial quando o particular confia, de boa-fé, na administração e na estabilidade de seus atos. Sob as luzes destes entendimentos, o dispositivo afirma a plausibilidade de se superar evento, a priori, hostil à atividade administrativa medrada na letra da lei ou contrato, por meio de remédio outro que não aqueles mais amargos nesses prescritos. Este é, em específico, um dos campos de ação dos denominados acordos substitutivos. Através deles, o que mais avulta é a necessidade de se obrar para, senão remediar por completo, ao menos para minimizar os efeitos deletérios passados e futuros vinculados à conduta89.
Depois, a letra do artigo descreve a necessidade de prévia oitiva do órgão jurídico. Nesta fase, o que parece ocorrer é a necessidade do jurídico decifrar se os objetivos colimados na legislação estão presentes e se há elementos formais e materiais mínimos para justificar a opção da via consensual. Inclusive, o próprio jurídico é quem poderá encomendar a necessidade de realização de consulta pública. Repare-se que, no caso dos acordos administrativos, a tarefa do órgão jurídico será verdadeiramente exigente do ponto de vista intelectual, pois a sua atuação gravitará em torno de questões que digam respeito à real ou potencial não observação da legislação (ou contrato) ou ao âmbito de incertezas latentes sobre a conformação de determinado comportamento à determinado tipo legal de viés aberto90.
Quanto aos demais requisitos formais dispostos no art. 26 da LINDB e parágrafos são autoexplicativos, muito semelhantes àqueles consignados no art. 4º-A da Lei no 9.469/1997 que descreve os requisitos formais mínimos a serem observados nos termos de ajuste de conduta (TACs) envolvendo entes públicos federais. Descrição das obrigações das partes, descrição do prazo para o seu cumprimento, descrição das sanções pelo descumprimento e impossibilidade de desoneração permanente ou condicionamento de direito conservam o particular de uma
89 XXXXXXX, Xxxxxxx. Acordos Administrativos: uma leitura a partir do art. 26 da LINDB. [Digite o Local da Editora]: Grupo Almedina (Portugal), 2021. 9786556272818, pg. 79. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 29 nov. 2021.
90 XXXXXXX, Xxxxxxx. Acordos Administrativos: uma leitura a partir do art. 26 da LINDB. [Digite o Local da Editora]: Grupo Almedina (Portugal), 2021. 9786556272818, pg. 84. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 29 nov. 2021.
objetividade latente, a não merecer maiores digressões, tampouco margens de interpretações. A publicação oficial, a seu turno, característica que se encontra fora do conteúdo formal dos acordos, é em verdade uma condição de eficácia91.
Por fim, é preciso que o compromisso firmado entre a Administração e o interessado se desenvolva sobre uma metodologia séria e estável, isto é, sobre certos standards que permitam a flexibilização das decisões administrativas de acordo com as peculiaridades do caso concreto, mas evitam o mal reverso, que é a incerteza jurídica total provocada por juízos de ponderação discricionários produzidos caso a caso92. Neste ensejo de identificação de parâmetros é que se delineia os achados de índole processual presentes no Direito posto (ainda que, parte dele, não cogente em todas as esferas da Administração Pública), na certeza de que, dada a vasta abrangência meritória do art. 26 da LINDB, eles poderão servir de contenção para uma apropriada e coerente edificação da medida final, sem prejuízo da observância dos elementos formais que parecem se encontrar objetivamente delimitados no próprio art. 26 da LINDB. Dentre eles, destacam-se93:
•A medida deve ser excepcional, interditando-se, pois, o atendimento de interesses particularíssimos, sob pena de deterioração das situações legais dos destinatários da norma interpretada;
• Toda a trajetória dos acordos deve ser definida em processo a ser desenvolvido por escrito, com objetividade, ordenação, publicidade, indicação clara dos pressupostos de fato e de direito, além de focado em interpretação da xxxxx xxxxxxxx ao fim público a que se dirige;
• Para justificar a pontual derrotabilidade da regra (que não poderá conferir desoneração permanente de dever ou condicionamento de direito reconhecidos por orientação geral, segundo o art. 26, §1o, III, da LINDB), como para lidar com o conteúdo de conceitos jurídicos indeterminados como gatilhos em prol da celebração da transação, implica-se a consideração, pela Administração Pública, das consequências práticas da decisão;
91 XXXXXXX, Xxxxxxx. Acordos Administrativos: uma leitura a partir do art. 26 da LINDB. [Digite o Local da Editora]: Grupo Almedina (Portugal), 2021. 9786556272818, pg. 87. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 29 nov. 2021.
92 XXXXXXXXX, Xxxxxxx. Da Supremacia do Interesse Público ao Dever de Proporcionalidade: um Novo Paradigma para o Direito Administrativo. In: Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, 239: 1-31, Jan/Mar. 2005, p. 20.
93 XXXXXXX, Xxxxxxx. Acordos Administrativos: uma leitura a partir do art. 26 da LINDB. [Digite o Local da Editora]: Grupo Almedina (Portugal), 2021. 9786556272818, pg. 128. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 29 nov. 2021.
• Necessária intervenção da área técnica junto ao processo, cujas competências não devem se circunscrever à verificação da presença formal dos critérios no instrumento de acordo, mas principalmente para auxiliar, sempre que possível, na efetiva operacionalização enquanto partes estruturantes da escolha final; e
• Necessidade de criação de mecanismos de vinculação para a solução de casos futuros à luz dos precedentes criados, os quais impõem à autoridade o dever de auto referência a ser conduzido por meio de processos discursivos transparentes, com resultados controlados intersubjetivamente.
Esse é o tema central do presente trabalho, uma vez que os notários e registradores possuem estatuto próprio e a Lei n. 8.935/1994 silencia em relação à possibilidade de a Administração Pública firmar termo de compromisso como substituto à persecução disciplinar. Contudo, o art. 26 da LINDB, incluído pela Lei nº 13.655/2018, trouxe tal possibilidade.
Note-se que a lei de regência (Lei n. 8.935/1994) determina que os notários e os oficiais de registro estão sujeitos, pelas infrações que praticarem, às penas de repreensão, multa, suspensão e perda da delegação. Assim, a persecução administrativa é de exercício obrigatório e irrenunciável, pelo princípio da supremacia do interesse público. Trata-se de atribuição obrigatória para os órgãos e agentes públicos, não sendo questão entregue à livre decisão de quem a titulariza.
Dessa forma, não se admite que os agentes públicos renunciem às competências que lhes são conferidas pela lei, uma vez que, diferentemente do direito privado, a instituição de direito público não tem direito subjetivo à competência, ou seja, no direito público, a autoridade competente deve punir determinado delegatário que pratica ilícito administrativo diante da verificação da ocorrência da infração. Há o correlato e irrenunciável dever (no sentido de obrigação, expressão de direito objetivo e não de direito subjetivo ou facultas agendi) de a
autoridade competente instaurar processo administrativo disciplinar para que ocorra a devida punição94.
Note-se que apesar da Lei n. 8.935/1994 não vedar expressamente a possibilidade de a Administração Pública compor com as serventias extrajudiciais, pelo princípio da indisponibilidade do interesse público (Lei n. 9.784/99, art. 11), tal vedação estaria implícita e, assim, teríamos uma aparente antinomia de normas: de um lado a obrigação da Administração Pública, pela Corregedoria-Geral da Justiça, de instaurar o processo administrativo disciplinar e, por outro, a possibilidade de se firmar um acordo para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público, com os delegatários do serviço extrajudicial visando a melhora do serviço prestado à sociedade.
Pelas regras clássicas de resolução de antinomias, tampouco seria possível a aplicação do novo instituto, haja vista que o critério cronológico é fraco e o da especialidade, forte, portanto prevaleceria a obrigação da Administração Pública em instaurar o devido processo administrativo disciplinar, nos termos do art. 32 da Lei n. 8.935/1994.
Contudo, no presente caso qual seria o interesse público? A mera punição da titular do Ofício de Registro de Imóveis ou a celebração um acordo cuja finalidade seria a melhoria do serviço prestado à sociedade?
Considerando que as prerrogativas que exprimem a supremacia do interesse público não são manejáveis ao sabor da Administração, que detém tão somente poderes instrumentais, isto é, poderes que são conferidos para propiciar o cumprimento do dever de buscar, no interesse da coletividade, o atendimento das finalidades legais95, entende-se que a celebração do acordo substitutivo ao processo administrativo disciplinar, que visa a melhoria do serviço e, em alguns casos, a reparação do dano, atenderia melhor a tal princípio que a mera persecução disciplinar do delegatário.
Note-se que só haveria uma possível antinomia se entendermos o princípio da legalidade de forma restritiva, ou seja, que a possibilidade de transação deveria estar expressa na Lei 8.935/1994, uma vez que a Administração só pode agir conforme a Lei. Mas observando o princípio da legalidade por uma lente mais progressista, entende-se que a previsão legal não necessariamente precisa estar no microssistema a que o instituto pertence, uma vez que o caráter
94 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxx. Processo administrativo: Lei nº 9.784/99 comentada. São Paulo: Atlas, 2009, p. 134. 9788522467211. XXXXXXXX, XXXXXX,. I.; XXXXXX, XXXXXXX,. Processo
administrativo : Lei nº 9.784/99 comentada. [Digite o Local da Editora]: Xxxxx XXX, 0000. 9788522467211. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 03 dez. 2021.
95 BANDEIRA DE XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 98.
de conformidade inclui em si o de compatibilidade, pois enquanto a compatibilidade significa apenas não infringir nenhum dispositivo legal, a conformidade significa que a Administração só pode atuar se houver previsão para tanto no ordenamento jurídico96.
Além disso, como bem asseverou Xxxxxxxx Xxxxxxxxx, mesmo que considerássemos a existência de uma aparente antinomia, no caso da especialidade são necessárias, por vezes, considerações mais sutis para responder à questão do concurso, ou seja, pode-se ligar à norma mais geral determinados efeitos anexos (por exemplo medidas de correção e segurança) que ainda não estão completamente abrangidos pelo estatuto indicado na disposição especial e que são compatíveis com esta97. Utilizando-se tal raciocínio, fica evidente que a Lei n. 8.935/1994, apesar de plenamente aplicável ao caso em comento, deixou de prever algumas situações, que no ensinamento de Xxxxxxxxx tal lacuna é classificada como “vício por avaliação”, ou seja, quando uma norma jurídica pelo seu teor, sem complemento, é aplicável sem contradição, mas exige uma correção por razões de justiça. São identificadas sobretudo nos casos em que as normas jurídicas estão formuladas de modo demasiado restrito ou demasiado amplo, nas quais não incluem casos que precisam de regulação ou então abrangem aqueles casos que seriam de excluir da regulação, como por exemplo aplicar a norma relativa ao aborto também contra aqueles médicos que interrompiam uma gravidez para salvar a vida da mãe98.
Como anteriormente visto, a observância das garantias dos administrados é imprescindível para a manutenção de diversos dos princípios processuais previstos na Constituição. São critérios específicos de realização do princípio da finalidade: o “atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total o parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei” (art. 1º, parágrafo único, II) e “a interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação” (art. 1º, parágrafo único, XIII)99.
Além disso, a doutrina vem se manifestando no sentido de que o art. 26 da LINDB soterrou a dúvida sobre a possibilidade de a Administração Pública acordar e celebrar
96 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Direito Administrativo. Editora Atlas: Xxxxx XXX, 0000. 9788597025262, p. 67. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 27 dez. 2021.
97 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Série IDP – Teoria do método jurídico. São Paulo: Editora Saraiva, 2016, p. 75 9788547209032. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 02 dez. 2021.
98 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Série IDP – Teoria do método jurídico. São Paulo: Editora Saraiva, 2016, p. 110, 9788547209032. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 02 dez. 2021.
99 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxx. Processo administrativo: Lei nº 9.784/99 comentada. São Paulo: Atlas, 2009, p. 48. 9788522467211. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 07 Mar 2021.
compromissos, fora dos aludidos microssistemas legais que já contemplavam esta via consensual. Criou um novo regime jurídico geral que autoriza o administrador público a promover negociações com particulares, visando dar cabo de irregularidade, incerteza jurídica e situações contenciosas, inclusive no caso de expedição de licença100. Desde a Lei n. 6.938/81, o legislar já conferia aos órgãos ambientais a possibilidade se valer de medidas compensatórias em substituição aos clássicos tipos de sanções administrativas. A importância da LINDB, neste aspecto, foi o de sepultar qualquer ordem de discussão sobre a tal “indisponibilidade do interesse público” e o decorrente entendimento esposado por parte (minoritária) da doutrina no sentido de que os assuntos públicos são indisponíveis101.
Parece claro que o art. 26 da LINDB abriu a possibilidade de a Administração Pública compor com o interessado, contudo, não de forma indiscriminada, ou “quando a legislação não proibir”, como ocorre no direito privado. Entende-se que o instituto deve ser aplicado em substituição ao processo administrativo disciplinar contra delegatários do serviço extrajudicial quando a medida se mostrar mais eficaz na reparação do dado e na melhoria do serviço extrajudicial. Note-se que no caso do Registro de Imóveis de Santa Cecília, a antiga delegatária respondeu a 4 (quatro) processos administrativos disciplinares e, conforme se observou, sem melhora na prestação do serviço, uma vez que cada nova correição da Corregedoria-Geral da Justiça, mais irregularidades eram localizadas.
4.2.1 Atos irregulares
O caput do art. 26 da LINDB autoriza a celebração de termo de compromisso com os interessados para eliminar “irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público, inclusive no caso de expedição de licença”. Mas o que seria uma irregularidade?
Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx, ao abordar a invalidade dos atos administrativos, os categoriza como: nulos, anuláveis e inexistentes. Alega que os atos nulos não são convalidáveis, ao passo que os anuláveis o são. Os atos nulos, em juízo, podem ser fulminados
100 XXXXXXX, Xxxxxxx. Acordos Administrativos: uma leitura a partir do art. 26 da LINDB. [Digite o Local da Editora]: Grupo Almedina (Portugal), 2021. 9786556272818, pg. 66. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 29 nov. 2021.
101 GUERRA, Xxxxxx; e XXXXX, Xxxxxxx X. Art. 26 da LINDB. Novo regime jurídico de negociação com a Administração Pública. In: Rev. Direito Administrativo, Rio de Janeiro, Edição Especial: Direito Público na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro – LINDB, p. 135-169, nov. 2018. p. 150.
sob provocação do Ministério Público, ou ex officio pelo juiz, ao passo que os anuláveis dependem desta arguição pelos interessados. Os atos nulos só prescrevem longi temporis, enquanto os anuláveis prescrevem brevi temporis102.
Já a gravidade do ato inexistente é de tal ordem que jamais prescrevem e jamais podem ser objeto de "conversão". Consistem em comportamentos que correspondem a condutas criminosas ofensivas a direitos fundamentais da pessoa humana, ligados à sua personalidade ou dignidade intrínseca e, como tais, resguardados por princípios gerais de Direito que informam o ordenamento jurídico dos povos civilizados103.
Aponta por fim, uma categoria diferente dos atos inválidos, os chamados atos "irregulares". Atos irregulares seriam aqueles padecentes de vícios materiais irrelevantes, reconhecíveis de plano, ou incursos em formalização defeituosa consistente em transgressão de normas cujo real alcance é meramente o de impor a padronização interna dos instrumentos pelos quais se veiculam os atos administrativos. Assim, as regras atinentes a tal aspecto não têm relevância jurídica externa, mas puramente interna, razão pela qual a violação delas só pode acarretar sanções administrativas para os agentes que as desatenderam, mas em nada interfere com a validade do ato104.
Entretanto, entende-se que o legislador não adotou uma abordagem tão restritiva à possibilidade de celebração de compromisso de ajustamento de conduta entre a Administração Pública e os particulares, haja vista que possibilitar tal acordo apenas nos casos de vícios materiais irrelevantes, reconhecíveis de plano, ou mesmo defeitos formais que contrariam padronização interna, inviabilizaria a utilização do instituto. Entende-se que todos os atos viciados, dependendo de sua gravidade, que na classificação de Celso Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx estariam inclusos os nulos e os anuláveis, poderiam ser objetos de tais acordos, afastando- se apenas os atos inexistentes.
Deve-se observar que na apuração disciplinar, a imputação da irregularidade possui dois momentos, primeiro verifica-se o ato contrário ao ordenamento jurídico praticado pelo agente e no segundo momento a sua motivação. Ou seja, caso o agente tenha praticado um ato nulo ou anulável, contudo destituído de qualquer dolo e sem causar qualquer prejuízo ao erário ou a terceiro, tal prática poderia ser classificada como de gravidade pequena ou média.
102 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx de. Curso de Direito Administrativo. 35. Ed. Revisada e Atualizada até a Emenda Constitucional 109. São Paulo: Malheiros, 2021, p. 384.
103 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx de. Curso de Direito Administrativo. 35. Ed. Revisada e Atualizada até a Emenda Constitucional 109. São Paulo: Malheiros, 2021, p. 385.
104 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx de. Curso de Direito Administrativo. 35. Ed. Revisada e Atualizada até a Emenda Constitucional 109. São Paulo: Malheiros, 2021, p. 386.
Enquanto que a prática de um ato irregular, mas doloso e que tenha causado prejuízo ao erário ou a terceiro poderia ser classificado como uma infração grave. Pode-se dar como exemplo do primeiro caso o registrador de imóveis que registra, por desatenção, título de compra e venda de seu irmão (Lei n. 8.935/1994, art. 27), ou seja, ato que ele estaria legalmente impedido de praticar e, no segundo caso, o registrador de deixa de atualizar endereço encaminhado por credor para notificação de devedor em alienação fiduciária (Lei n. 9.514/1997, art. 26, § 1º) para consolidar a propriedade em nome do credor e prejudicar seu desafeto. Nesse último caso, a irregularidade consiste em não respeitar ato normativo que visa a atualização dos dados cadastrais dos detentores de direitos reais, e mesmo possuindo a informação de troca de residência, deixa de utilizá-lo com a intenção de prejudicar o devedor.
De tal raciocínio, denota-se que a irregularidade por si não é determinante para apurar a gravidade do ato praticado pelo agente e, assim, forçoso admitir que o termo “irregularidade” presente no caput do art. 26 da LINDB restringe-se à classificação acima indicada. Entende-se que o termo “irregularidade” foi empregada de forma genérica e engloba todos os atos viciados.
O art. 26 da LINDB fixa condicionantes que devem ser observadas pela Administração Pública para celebrar compromisso com os interessados, a saber: a oitiva do órgão jurídico, a realização de consulta pública (quando for o caso), que estejam presentes razões de relevante interesse geral e não desonerar permanente dever ou condicionamento de direito reconhecidos por orientação geral.
No caso de sua aplicação ao serviço extrajudicial, a oitiva do órgão jurídico seria personificada pelo Juiz Corregedor (em outros estados chamado também de Juiz Auxiliar), ou por assessoria técnica especializada, que emitiria parecer expondo os motivos que levaram a opinar pela celebração de compromisso em substituição à apuração disciplinar. Tal parecer seria submetido à autoridade competente (em Santa Catarina é o Corregedor-Geral do Foro Extrajudicial) que poderia acolher ou rejeitar o referido acordo.
Por sua vez, a realização de consulta pública seria necessária apenas em casos pontuais, quando as irregularidades praticadas pelo delegatário afetassem direito de interessados indeterminados, como por exemplo um registrador de imóveis que deixa reiteradamente de exigir a participação dos proprietários tabulares nos procedimentos de
usucapião. Por outro lado, entende-se que nos casos em que as partes afetadas pela irregularidade possam ser identificadas e notificadas, não haveria a necessidade de sua realização.
As “razões de relevante interesse geral”, apesar de se tratar de termo vago e extremamente amplo, enquanto condição formal, serviria para reduzir a banalização do uso de um acordo administrativo, potencialmente em vista do reconhecimento de todas as tensões que ele gera, ou seja, a transação administrativa deve possuir viés excepcional, caso contrário poderia repercutir uma indesejada expectativa de impunidade. Note-se que todas as irregularidades devem ser entendidas como abarcadas por alguma contenção dentro do Direito posto. Xxxxxxx, contudo, comprovados interesses gerais envolvidos, que caminhem em clara ou potencial contraposição à aplicação de tal direito, estará autorizada a empreitada pela alternativa da transação105.
Tendo como norte que celebração de acordo entre a Administração e o interessado deve ser medida excepcional, utilizada apenas nos casos em que se mostre mais efetiva na obtenção dos objetivos almejados, principalmente visando à melhora do serviço prestado, a gravidade da infração poderia ser um elemento norteador para a autoridade competente.
Mas como mensurar a gravidade da infração? Diante da inexistência de parâmetros legais para determinar a gravidade da infração administrativa, pode-se fazer um paralelo com as outras esferas do ordenamento jurídico, ou seja, quando uma infração administrativa também for tipificada como crime, ou mesmo improbidade administrativa, poderíamos considerar que se trata de uma infração grave e, assim, afastar a aplicabilidade do instituto por ausência de relevante interesse geral. Note-se que um elemento comum, tanto nos crimes, quanto nas improbidades administrativas é a presença do dolo do agente. Assim, um norte possível para que a autoridade competente avalie a possibilidade de celebração de acordo, visando à melhora do serviço e evitando a banalização do instituto (celebração do termo de ajustamento de conduta) poderia ser a ausência de dolo.
Tendo-se tal premissa como norte a ser observado, no serviço extrajudicial a utilização do acordo substitutivo se justificaria pela necessidade de melhoria na prestação do serviço, como por exemplo com a qualificação do delegatário, melhorias nas instalações da serventia, além de medidas reparatórias em caso de dano.
105 XXXXXXX, Xxxxxxx. Acordos Administrativos: uma leitura a partir do art. 26 da LINDB. [Digite o Local da Editora]: Grupo Almedina (Portugal), 2021. 9786556272818, pg. 85 e 86. Disponível em:
xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/0000000000000/. Acesso em: 29 nov. 2021.
Em relação à vedação de “não desonerar permanente dever ou condicionamento de direito reconhecidos por orientação geral”, poder-se-ia dar como exemplo o caso de um delegatário que deixou de enviar determinada informação requerida pela Corregedoria-Geral da Justiça. Eventual acordo firmado, poderia desonerar o referido titular de encaminhar os relatórios atrasados, mas não o desonerar definitivamente do encargo.
Em Santa Catarina a Lei Complementar estadual n. 491/2010 (Estatuto Disciplinar no âmbito da Administração Direta e Indireta) possui também como requisitos para a autoridade transacionar com o servidor, são eles: a) que a pena imputada seja de repreensão verbal ou escrita, advertência ou suspensão de até 00 (xxxxxx) xxxx (xxx. 0, “xxxxx”); b) inexistência de dolo ou má-fé na conduta do servidor infrator (art. 10, I); c) inexistência de prejuízo ao erário ou às partes, ou uma vez verificado, ter sido prontamente reparado (art. 10, II); d) que possua histórico funcional que abone a conduta precedente (art. 10, III); e) que não esteja em estágio probatório (art. IV); f) que não tenha sido beneficiado anteriormente, no prazo de 3 (três) anos, com a medida alternativa de procedimento disciplinar e de punição (art. 10, p.u.). Contudo, tal norma legal não se aplica diretamente aos notários e registradores e, assim, temerário aplicar tais regras analogicamente, uma vez que claramente restringem a norma geral mais benéfica ao delegatário.
Os demais requisitos do art. 26 da LINDB, listados no inciso I, estão mais relacionados com aspectos formais do documento e não à condicionantes para a celebração do acordo. Ademais são autoexplicativos e não demandam maiores digressões.
4.4 ANÁLISE DO CASO DO OFÍCIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DE SANTA CECÍLIA
Voltando ao caso objeto do presente estudo, algumas considerações são necessárias. Primeiro que, com exceção do último processo administrativo disciplinar instaurado contra a titular do Ofício de Registro de Imóveis de Santa Cecília, o art. 26 da LINDB não estava em vigor. Contudo, será analisada a sua viabilidade como se o estivesse, em todos eles.
Feita tal observação, pode-se constatar que em nenhum dos processos sofridos pela referida delegatária existiu uma infração que chamasse a atenção por sua gravidade. Aqui necessário abrir um pequeno parêntese, uma vez que a Lei n. 8.935/1994 não traz qualquer critério para auxiliar a autoridade competente na valoração da gravidade da infração, ou seja, ela apenas vincula a pena à pratica de determinada infração (Lei n. 8.935/1994, art. 33): 1) leve para repreensão; 2) moderada ou reincidência de falta leve para multa; e 3) reiterado descumprimento dos deveres ou de falta grave para a pena de suspensão. Tampouco há a vinculação da gravidade da infração para a pena de perda da delegação. Assim, a valoração da gravidade fica sujeita à subjetividade da autoridade competente que, a rigor, não precisa respeitar a ordem de gradação das penas, ou seja, dependendo da gravidade do fato, o juízo competente poderá aplicar a pena de perda da delegação mesmo que o titular não possua qualquer condenação anterior (Lei n. 8.935/1994, art. 34). Tal subjetividade ficou evidente no Processo administrativo disciplinar (2010.900063-8) em que a pena sugerida na portaria foi a perda da delegação e no julgamento, apesar do Conselho da Magistratura reconhecer que a delegatária cometeu as infrações descritas na portaria, aplicou a pena de repreensão.
Deve-se ressaltar que não se quer aqui restringir a possibilidade de se firmar termo de compromisso apenas com infrações menos graves, pois como visto anteriormente, não se pode restringir um direito sem previsão legal, mas tal fato pode auxiliar a autoridade competente na análise de um dos pré-requisitos para a celebração do acordo, qual seja, que estejam presentes razões de relevante interesse geral.
Como a celebração de acordo entre a Administração e o interessado deve ser medida excepcional, utilizada apenas nos casos em que se mostre mais efetiva na obtenção dos objetivos almejados, principalmente visando à melhora do serviço prestado, a gravidade da infração, conforme visto anteriormente, deve ser um elemento norteador para a autoridade competente, considerando-se graves as infrações tipificadas também como crimes ou improbidades administrativas.
Voltando novamente ao caso de Santa Cecília, nos autos n. 2010.900063-8 foram imputados os seguintes fatos infracionais à delegatária do Ofício de Registro de Imóveis:
1) O reclamante compareceu à serventia no dia 10-1-2008 para registrar uma escritura pública de compra e venda de um apartamento; que foi atendido pela oficial substituta e que esta, sem olhar em nenhuma tabela, estabeleceu o valor dos emolumentos devidos em R$ 277,00; que olhando a tabela em outra serventia constatou que o valor estava errado; que ligou para a serventia no dia seguinte, pedindo um recibo do que havia sido pago e informando que valor correto para o registro seria de R$ 227,69; que o recibo foi negado e que foi restituído no valor de R$ 50,00. Salientou que voltou para registrar um lote e a oficial substituta recusou-se a fazê-lo; que retornou no dia seguinte e, agora, a registradora, não aceitou o preço da tabela da prefeitura; que o fizeram assinar uma declaração concordando com a avaliação do valor real do imóvel feita por elas;
2) O reclamante esteve na serventia em 7-1-2008 para registrar uma escritura pública de compra e venda de uma casa no valor de 30.000, sendo informado pela oficial substituta que o registro custaria R$220,00. No dia seguinte, a registradora informou que lhe eram devidos R$320,00; e
3) O reclamante compareceu ao cartório no dia 19-12 2007 para registrar uma escritura pública de compra e venda de um lote no valor de R$ 4.500,00 e pelo registro pagou R$ 204,77; que questionando a oficial, ela respondeu que se ele "realmente precisava do registro o valor seria aquele mesmo ou então ficaria sem registrar".
Aparentemente, a autoridade competente vislumbrou extrema gravidade nos atos acima transcritos na medida em que a delegatária estaria, deliberadamente, cobrando emolumentos acima dos valores estipulados em lei. Tal conduta também poderia ser enquadrada no tipo penal de excesso de exação (CP, art. 316) e improbidade administrativa (Lei n. 8.429/1992, art. 9º). Contudo, no decorrer da instrução processual, tal suspeita não se confirmou, uma vez que ficou evidente que a intenção da ré seria de adequar o valor dos emolumentos ao valor de mercado dos imóveis.
Dessa forma, entende-se que seria plenamente possível a celebração de termo de compromisso entra a Corregedoria-Geral de Justiça e o Ofício de Registro de Imóveis daquela comarca. Veja-se.
Tal processo foi instaurado devido a reclamações de que a titular do Ofício de Registro de Imóveis de Santa Cecília estaria cobrando emolumentos acima do valor fixado na lei de regência. Como visto, tal infração foi considerada gravíssima, uma vez que tal fato pode também ser enquadrado como improbidade administrativa (Lei n. 8.429/1992, art. 9º) e crime (CP, art. 316). Contudo, em sua defesa, a delegatária afirmou que assim procedia em virtude do baixo valor atribuído aos imóveis negociados, ou seja, como o valor dos emolumentos é calculado sobre o valor atribuído ao imóvel, caso este esteja abaixo do valor de mercado, os valores dos emolumentos pagos também seriam reduzidos. Note-se, portanto, que a intenção da titular não era de auferir vantagem indevida, mas tão somente receber os emolumentos de acordo com o valor de mercado do imóvel.
Assim, a infração da delegatária seria a de não observar o procedimento adequado para impugnar o valor declarado, ou seja, já existia naquela época, e existe até hoje (CNCGJ/SC, art. 502), um procedimento específico para esses casos, que consiste em uma tentativa do oficial em esclarecer ao apresentante sobre a necessidade de declarar o valor real ou de mercado do bem ou do negócio. Caso o apresentante insista no valor apresentado, o oficial encaminha ao juiz de registros públicos da comarca como impugnação do valor declarado, que, por sua vez, nomeia um avaliador para dirimir a questão.
No acórdão que condenou a delegatária à pena de repreensão, o Des. Relator reconheceu a ausência de dolo:
[...]
In casu, conforme reconhecido pela requerida, não foi adotado o procedimento da impugnação judicial. Apenas alertou à parte sobre a possibilidade/necessidade de impugnação e convenceu-a a declarar o valor real para fins de recolhimento do FRJ e dos seus emolumentos.
Ora, conforme parecer do Juiz-Corregedor, Dr. Volnei Xxxxx Xxxxxxxx (processo n. CGJ-E 1601/2009, no qual foi amplamente discutida esta questão), "a impugnação referida pelo art. 16, muitas vezes, é dispensada em razão da concordância dos interessados em ajustar o valor do negócio após provocação do registrador imobiliário, procedimento este ainda não regulamentado por esta Corregedoria, embora ACEITO" (fl. 28).
O mencionado regulamento, ressalta-se, veio com a edição do Provimento n. 12/2010, que "Altera o artigo 522 o inclui os artigos 522-A e 522-B no Código de
Normas da Corregedoria-Geral da Justiça, referentes à impugnação, pelos notários e registradores, de valor atribuído a imóvel para fins de cobrança dos emolumentos e dos valores devidos ao FRJ".
Quanto ao registrador, caberá a impugnação judicial apenas quando a parte não concordar com o valor por ele indicado (entendido por adequado), expressamente, em nota de exigência (art. 198 da LRP c/c art. 768 do CNCGJ). Havendo concordância, basta lançar e assinar o "de acordo" na referida nota e recolher as respectivas diferenças, a partir do que fica o registrador autorizado a lançar no ato registral o valor admitido para efeito de complementação dos emolumentos e do FRJ.
O procedimento não se afasta daquele adotado pela requerida. O reclamante foi orientado a firmar uma declaração (fl. 24) sobre o valor real do terreno e a proceder a complementação do FRJ bem como dos emolumentos com fulcro no novo valor declarado.
Destarte, não há responsabilizá-la por tal fato. Sustenta a serventuária, por fim, que procedeu da mesma forma em relação aos fatos narrados pelos reclamantes.
Segundo os depoimentos (fls. 105 e 107), entretanto, não houve nenhuma impugnação formal ao valor dos negócios apresentados a registro. Com efeito, a requerida não demonstrou que adotou algum procedimento que originou a cobrança dos emolumentos em valor superior ao do RCE.
E não basta para eximi-la de sua responsabilidade a alegação de que os referidos usuários do serviço seriam deliberados sonegadores de tributos, sobretudo porque é seu o dever de fiscalizar tais práticas determinando, se for o caso e, principalmente, a complementação dos valores devidos ao Fundo de Reaparelhamento da Justiça.
Nesse passo, para o registro de um negócio com valor declarado de R$ 30.000,00, em 7-1-2008, seriam devidos R$ 239,08 referentes aos emolumentos acrescidos de R$ 1,00 (selo de fiscalização), e não o valor cobrado de R$ 320,00 (recibo de fl. 14, não impugnado).
O mesmo ocorre com o registro do lote no valor de R$ 4.500,00 (na realidade, R$ 4.638,00, conforme reconhecido pelo reclamante, no depoimento de fl. 107) em 19-12 2007, para o qual seriam devidos R$ 56,92 referentes aos emolumentos acrescidos de R$ 1,00 (selo de fiscalização) e não o valor de R$ 204,77 (recibo de fl. 17, não impugnado), ainda que neste esteja incluída a averbação da alteração do estado
civil que à época correspondia à R$ 56,85 (item 2, II, nota 2ª da Tabela Il do RCE, com redação dada pela Resolução n. 7/2007-CM) + R$ 1,00 (selo de fiscalização aplicado na respectiva certidão).
Pelo exposto, quanto ao aspecto formal, a cobrança dos emolumentos, de fato, foi excessiva, em razão da ausência de um procedimento de impugnação dos valores declarados.
Quanto ao aspecto material da cobrança, entretanto, não há falar em irregularidade tendo em vista que há prova nos autos de que os valores constantes das escrituras levadas a registro estão em dissonância com o valor real ou de mercado. Segundo o depoimento de fl. 105, por exemplo, o reclamante reconhece que pagou R$ 40.000,00 pelo imóvel, cuja escritura saiu por R$ 30.000,00.
Diante do exposto, deixa-se de condená-la à devolução de valores, conforme previsto no art. 41 do RCE.
Por outro lado, deixou a serventuária de fiscalizar os valores devidos ao FRJ, impondo-se, por conseguinte, a sua condenação ao pagamento da importância não recolhida, nos termos do art. 8º da Resolução n. 04/04-CM:
[...]
Assim, caberia-lhe determinar a complementação do FRJ, no primeiro caso, no valor de R$ 21,11, haja vista que já haviam sido pagos R$ 60,00 (fi. 10) e que o valor devido para uma escritura com valor real de R$ 40.557,69 seria de R$ 81,11 (0,2% conforme art. 1º da Resolução n. 04/2004-CM, percentual só alterado em 14-1- 2008 pela Resolução n. 01/08-CM, posterior, portanto, à lavratura da escritura e do respectivo registro-7-1-2008).
No segundo caso, não houve a incidência do FRJ quando da lavratura da escritura, em razão do disposto nos arts. 1° e 5º da Resolução n. 04/2004-CM:
[...]
Impõe-se, por conseguinte, a sua condenação ao pagamento de R$ 58,11 (R$ 21,11 + R$ 37,00), observado o art. 8° da Resolução n. 04/2004-CM, já mencionada.
Pelo exposto, a serventuária deve ser responsabilizada pelos seguintes atos:
a) não emissão do recibo no valor de R$ 277,00, obrigação expressa no art. 30, IX da Lei n. 8.935/1994; b) cobrança excessiva de emolumentos em seu aspecto formal (em duas oportunidades), vedação contida no art. 30, VIII da Lei n. 8.935/1995; c) ausência
de fiscalização dos valores devidos ao FRJ (Provimento n. 14/1999 - impugnação deve ser lida como obrigatoriedade e não faculdade).
Praticou, portanto, as infrações disciplinares previstas no art. 31, 1 (inobservância das prescrições legais ou normativas), III (cobrança indevida ou excessiva de emolumentos, ainda que sob a alegação de urgência) e V (descumprimento de quaisquer dos deveres descritos no art. 30) da Lei 8.935/1994. Não obstante, o depoimento de fl. 108, segundo o qual "nunca tinha visto falar de problemas em relação a custas no Registro de Imóveis", bem como as informações de fls. 118, 119 e 126 (declarações da Comarca, do Conselho da Magistratura e da Corregedoria-Geral da Justiça sobre eventuais processos instaurados contra a serventuária), dão conta da sua boa conduta e do bom conceito em sua comunidade, tendo recebido uma única penalidade (suspensão por 30 dias em 22-8 1990 - fl. 122) em mais de 40 anos de atividade (nomeada por concurso em 9-7-1968).
Assim, tem-se por razoável e proporcional a aplicação da pena de REPREENSÃO (art. 32, I c/c art. 33, I, da Lei n. 8.935/1994), além do pagamento da importância de R$ 58,11, nos termos já expostos.
III - DECISÃO
Diante do exposto, por votação unânime, o Conselho da Magistratura decidiu acolher parcialmente a Portaria inaugural n. 43/2008 para aplicar à serventuária a pena disciplinar de REPREENSÃO, prevista no art. 33, I, da Lei n. 8.935/1994, e determinar o pagamento da importância de R$ 58,11, ao Fundo de Reaparelhamento da Justiça, nos termos do art. 8º da Resolução n. 04/04 - CM106.
Assim, entende-se que seria muito mais interessante para o serviço extrajudicial que, ao invés de imputar uma pena de repreensão, fosse proposto à delegatária a possibilidade de firmar um termo em que ela se comprometesse em aprimorar a sua qualificação técnica e de seus prepostos. Deve-se observar que a comarca de Santa Cecília é um tanto isolada, localizada no interior do estado e carente de instituições de ensino hábeis a qualificar a titular e sua equipe.
106 BRASIL - TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA. Conselho da Magistratura. Processo Administrativo Disciplinar nº 2010.900063-8. Ré: Xxxxx Xxxxxxxxxx. Relator: Des. Xxxxx Xxxxx. Florianópolis, SC, 18 de outubro de 2010, pgs. 6-11.
Entretanto, a Associação do Notários e Registradores de Santa Catarina poderia fornecer o apoio necessário para superar tal obstáculo, seja cedendo temporariamente funcionários de outras serventias extrajudiciais para treinamento da equipe, ou mesmo exigindo-se a participação da delegatária nos encontros promovidos pela instituição para viabilizar a troca de experiências e aprimoramento técnico. Inclusive, consta do referido processo que a titular requerida, no decorrer da apuração disciplinar, consultou a Associação dos Notários e Registradores de Santa Catarina (ANOREG/SC), que sugeriu uma alternativa legal para solucionar o problema, qual seja, que a parte interessada declare o valor do negócio e efetue o respectivo recolhimento dos tributos incidentes107.
Em relação aos demais processos administrativos disciplinares, entende-se que se analisados isoladamente, poderiam também serem substituído por acordos. Contudo, a celebração de acordos substitutivos dentro da sequência cronológica é medida complicada, haja vista que as infrações imputadas nos demais processos demandariam também um aprimoramento técnico, que justamente seria o objeto do primeiro acordo. Assim, pode-se afirmar que, caso fosse proposto um termo de compromisso entre a Corregedoria-Geral da Justiça e o Ofício de Registro de Imóveis da comarca de Santa Cecília, tendo como objeto o aprimoramento técnico da titular e seus prepostos, haveria uma melhora considerável na prestação do serviço e, provavelmente, não seriam necessárias as instaurações dos demais processos administrativos disciplinares, ou, caso a medida não surtisse efeito, o resultado seria o mesmo, qual seja, a instauração e condenação da titular. Note-se que, mesmo no pior cenário, haveria uma ação afirmativa da Corregedoria-Geral da Justiça no sentido de buscar efetivamente a melhora do serviço, enquanto que afastada a possibilidade de acordo, restringimos a atuação da Administração ao dever de apuração da irregularidade sem o compromisso de se buscar uma solução definitiva para o problema.
Nesse caso parece evidente que a propositura de um termo de compromisso seria a melhor solução para o caso em análise, uma vez que a pena aplicada não seria a perda da delegação e que o acordo seria a medida mais eficaz na busca pela melhora efetiva do serviço. Contudo, deve-se observar que a pena sugerida na portaria foi a perda da delegação, uma vez que a autoridade competente entendeu que os fatos descritos na reclamação eram de extrema gravidade. Apenas após a instrução do processo que restou clara a ausência de dolo da
107 BRASIL - TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA. Conselho da Magistratura. Processo Administrativo Disciplinar nº 2010.900063-8. Ré: Xxxxx Xxxxxxxxxx. Relator: Des. Xxxxx Xxxxx. Florianópolis, SC, 18 de outubro de 2010.
delegatária e que a cobrança excessiva seria para corrigir o baixo valor declarado dos imóveis objeto de registro. Dessa forma, importante salientar que a propositura do acordo poderia ser feita no decorrer do processo administrativo disciplinar.
Deve-se observar também que o Regimento interno da Corregedoria-Geral da Justiça enumera no inciso I do art. 5º que é atribuição do Corregedor-Geral do Foro Extrajudicial “exercer a orientação, o controle e a fiscalização das serventias extrajudiciais delegadas e das unidades judiciárias que atuam no âmbito extrajudicial, bem como disciplinar e promover correições”. Ou seja, seguindo-se a ordem do referido dispositivo normativo, a orientação deve preceder o controle e a fiscalização. Assim, parece lógico que sempre que possível, e presentes os requisitos, seja proposto o acordo de compromisso em substituição à apuração disciplinar.
Como visto anteriormente, o art. 26 da LINDB fixa requisitos que devem ser cumpridos para viabilizar a propositura do termo de compromisso com os interessados e um deles possui um alto grau de subjetividade. Assim, buscando uma padronização, faz-se necessário fixar algumas balizas para auxiliarem a autoridade competente na tomada da decisão.
Cumpre salientar que não se quer criar novos requisitos que visem limitar a aplicação do instituto, pois como já dito anteriormente, para isso seria necessária a edição de uma lei. Contudo, diante da amplitude do requisito presente no “caput” do art. 26, qual seja: “presentes razões de relevante interesse geral”, fazem-se necessárias algumas balizas para otimização da aplicação do instituto e evitar a sua banalização.
Conforme também já discutido anteriormente, entende-se que a celebração do termo de compromisso deve ser uma medida a ser adotada apenas quando sua aplicação se mostrar mais eficiente para a coletividade, ou seja, para aqueles que usufruem dos serviços extrajudiciais. Assim, um norte a ser seguido seria a melhora do serviço e, dessa forma, poder- se-ia afastar a sua aplicação nos casos em que devido à sua gravidade, a pena sugerida fosse a perda da delegação, mas se teria de abrir a possibilidade para que nos casos em que, após a instrução processual, se verificasse que tal pena é exagerada, fosse possível a sua propositura antes do julgamento.
Além disso, um fator importante para possibilitar a utilização da medida alternativa, seria o histórico funcional do delegatário. Não que a simples existência de prévia condenação inviabilize a propositura do acordo, mas é um ponto a ser analisado. Não se vislumbra como fato impeditivo a existência de prévia condenação à pena de repreensão ou multa, enquanto que eventual condenação à pena mais grave, ou mesmo mais de duas condenações, poderia indicar que a celebração do termo de compromisso não seria a medida mais adequada, pois como já dito anteriormente, geraria uma sensação de impunidade.
Outro marco a ser fixado seria em relação a um tempo mínimo que autorizasse a Administração Pública a fixar um novo termo de compromisso, pois seria necessário primeiro o cumprimento dos termos fixados. Portanto, entende-se que 3 (três) anos seria um prazo razoável para averiguar a melhora no serviço e durante tal período não seria possível a celebração de novo compromisso de ajustamento de conduta.
Contudo, note-se que, no caso em análise, o problema principal da serventia seria a falta de técnica no desempenho de suas funções, portanto o acordo a ser fixado obrigatoriamente passaria por uma qualificação da titular e seus prepostos e, assim, após um determinado período seria esperado uma melhora significativa na qualidade dos atos praticados. Assim, também se entende desaconselhável que mesmo depois do prazo fixado seja efetuado novo termo de compromisso quando as infrações encontradas forem similares àquelas do primeiro acordo.
Outro ponto importante seria a possibilidade de celebração de acordo nos casos em que houve dano aos usuários do serviço. Note-se que mesmo que a cobrança excessiva de emolumentos seja uma infração grave, uma vez que dependendo da situação pode também configurar o crime de excesso de exação (CP, art. 316), a possibilidade de transição poderia alcançar usuários que, por motivos de desconhecimento, não buscam a repetição do indébito. Explica-se.
A Lei Complementar estadual n. 755/2019 (regimento de emolumentos do Estado de Santa Catarina) não autoriza a autoridade competente a requerer de ofício a devolução de emolumentos baseado em alegada cobrança indevida ou excessiva (art. 20); remete tal obrigação ao interessado. Assim, eventual interpretação equivocada do notário ou registrador sobre o regimento de emolumentos que causar uma cobrança indevida a vários usuários, apenas será ressarcida para aquele que efetuar o pedido administrativo endereçado ao juiz de registros públicos da comarca. Dessa forma, vários usuários acabam não requerendo tal devolução, seja pelo pequeno valor, por não residirem na comarca ou qual quer outro motivo.
Nesses casos a possibilidade de celebração de acordo entre a serventia e a Corregedoria-Geral da Justiça deverá incluir a obrigação do delegatário de ressarcir a todos os interessados independentemente de requerimento, justificando assim a sua propositura mesmo nos casos em que houver prejuízo aos usuários do serviço.
E, por fim, deve-se oportunizar a participação da entidade de classe na elaboração do termo. Tal participação será essencial principalmente nos casos em que as infrações praticadas sejam em decorrência da falta de técnica na elaboração dos atos, pois as associações disponibilizam aos seus associados variados cursos de capacitação e atualização, bem como podem auxiliar no intercâmbio de prepostos, ou seja, uma serventia reconhecida pela qualidade na prestação dos serviços cederia um ou mais colaboradores, por tempo determinado, para auxiliar no treinamento dos funcionários da serventia deficitária.
Feitas essas considerações, entende-se essencial a inclusão de uma norma no Código de Normas com a finalidade de regulamentar a possibilidade de fixação de termo de compromisso entre a Corregedoria-Geral da Justiça e as serventias extrajudiciais e auxiliar a autoridade competente na tomada de decisão. Assim, sugere-se a seguinte redação:
Art.. O órgão competente, com vista à reeducação e melhoria do serviço, pode propor ao investigado ajustamento de conduta, desde que sejam atendidos os seguintes requisitos:
I – inexistência de dolo ou má-fé na conduta;
II – inexistência de dano ao erário ou de prejuízo aos usuários; e III – histórico funcional do infrator que abone a conduta.
§ 1º A celebração do termo de compromisso poderá ser realizada no curso do procedimento preliminar, do procedimento administrativo preparatório ou do processo administrativo disciplinar.
§ 2º Não se admitirá a propositura do termo de compromisso caso o investigado tenha sido beneficiado anteriormente, no prazo de 3 (três) anos, com a medida alternativa.
§ 3º Poderá ser proposto o termo de compromisso, em decisão fundamentada, quando o infrator reparar espontaneamente o dano ao usuário ou se comprometer no respectivo termo a fazê-lo.
§ 4º O órgão competente poderá convidar entidade representativa a participar da elaboração do termo de compromisso entre o investigado e a Corregedoria-Geral da Justiça.
5 CONCLUSÃO
Sim. É possível a celebração de termo de compromisso entre a Administração Pública, representada pela Corregedoria-Geral da Justiça e as serventias extrajudiciais.
A lei de regência (Lei n. 8.935/1994) determina que os notários e os oficiais de registro estão sujeitos, pelas infrações que praticarem, às penas disciplinares. Assim, a rigor, a persecução administrativa é de exercício obrigatório e irrenunciável. Contudo, considerando que as prerrogativas que exprimem a supremacia do interesse público são conferidas à autoridade competente para propiciar o cumprimento do dever de buscar, no interesse da coletividade, o atendimento das finalidades legais108, entende-se que a celebração do acordo substitutivo ao processo administrativo disciplinar, que visa à melhoria do serviço e, em alguns casos, a reparação do dano, atenderia melhor a tal princípio que a mera persecução disciplinar do delegatário.
Caso seja adotada uma interpretação mais conservadora pelo fato de a Lei n. 8.935/1994 não autorizar expressamente a possibilidade de da Administração Pública compor com as serventias extrajudiciais e, dessa forma, tal vedação estaria implícita na medida em que a punição pela infração seria uma medida obrigatória, haja vista que a competência em Direito Administrativo é irrenunciável, teríamos uma aparente antinomia de normas: de um lado a obrigação da Administração Pública, pela Corregedoria-Geral da Justiça, de instaurar o processo administrativo disciplinar e, por outro, a possibilidade de se firmar um acordo para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público, com os delegatários do serviço extrajudicial visando à melhora do serviço prestado à sociedade.
Pelas regras clássicas de resolução de antinomias, não seria possível a aplicação do novo instituto, haja vista que o critério cronológico é fraco e o da especialidade, forte, portanto prevaleceria a obrigação da Administração Pública em instaurar o devido processo administrativo disciplinar, nos termos do art. 32 da Lei n. 8.935/1994. Contudo, segundo a teoria de Xxxxxxxx Xxxxxxxxx, mesmo no caso da especialidade, são necessárias, por vezes, considerações mais sutis para responder à questão do concurso, ou seja, pode-se buscar na norma geral determinados efeitos anexos (por exemplo medidas de correção e segurança) que ainda não estão completamente abrangidos pelo estatuto indicado na disposição especial e que
108 BANDEIRA DE XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 98.
são compatíveis com esta. Ou seja, como o termo de compromisso é compatível com a norma especial, no caso a Lei n. 8.935/1994, na medida em que possibilita mais que a mera punição do titular infrator, mas também a melhoria do serviço em si e a possibilidade de reparação do dano aos interessados, atendendo melhor ao interesse público e à finalidade pretendida com o referido estatuto, entende-se que, em determinados casos, é aplicável aos notários e registradores.
Além disso, a doutrina vem se manifestando no sentido de que o art. 26 da LINDB soterrou a dúvida sobre a possibilidade de a Administração Pública acordar e celebrar compromissos, fora dos aludidos microssistemas legais que já contemplavam esta via consensual. Para esta corrente, a referida norma criou um novo regime jurídico geral que autoriza o administrador público a promover negociações com particulares, visando a dar cabo de irregularidade, incerteza jurídica e situações contenciosas, inclusive no caso de expedição de licença. Nesse norte, entende-se que o instituto deve ser aplicado em substituição ao processo administrativo disciplinar contra delegatários do serviço extrajudicial quando a medida se mostrar mais eficaz na reparação do dado e na melhoria do serviço extrajudicial.
Os requisitos para a celebração do acordo são aqueles fixados pelo art. 26 da LINDB, a saber: a oitiva do órgão jurídico, a realização de consulta pública (quando for o caso), que estejam presentes razões de relevante interesse geral e não desonerar permanente dever ou condicionamento de direito reconhecidos por orientação geral. Contudo, como a celebração de acordo entre a Administração e o interessado deve ser medida excepcional, utilizada apenas nos casos em que se mostre mais efetiva na obtenção dos objetivos almejados, principalmente visando à melhora do serviço prestado, devem ser considerados, também, a gravidade da infração, a existência de dolo ou má-fé na conduta, a ocorrência de dano ao erário ou prejuízo aos usuários, bem como, o histórico funcional do infrator, para que a autoridade competente possa avaliar a conveniência na celebração do acordo.
Sugeriu-se, também, a inclusão de uma norma no Código de Normas da Corregedoria- Geral da Justiça com a finalidade de delimitar a possibilidade de fixação de termo de compromisso e auxiliar a autoridade competente na tomada de decisão:
Art.. O órgão competente, com vista à reeducação e melhoria do serviço, pode propor ao investigado ajustamento de conduta, desde que sejam atendidos os seguintes requisitos:
I – inexistência de dolo ou má-fé na conduta;
II – inexistência de dano ao erário ou de prejuízo aos usuários; e III – histórico funcional do infrator que abone a conduta.
§ 1º A celebração do termo de compromisso poderá ser realizada no curso do procedimento preliminar, do procedimento administrativo preparatório ou do processo administrativo disciplinar.
§ 2º Não se admitirá ajustamento de conduta caso o investigado tenha sido beneficiado anteriormente, no prazo de 3 (três) anos, com a medida alternativa.
§ 3º Poderá ser proposto o termo de compromisso, em decisão fundamentada, quando o infrator reparar espontaneamente o dano ao usuário ou se comprometer no respectivo termo a fazê-lo.
§ 4º O órgão competente poderá convidar entidade representativa a participar da elaboração do termo de compromisso entre o investigado e a Corregedoria-Geral da Justiça.
Assim, entende-se que foram alcançados os objetivos propostos e que o presente trabalho poderá contribuir para um aprimoramento na função fiscalizatória da Corregedoria- Geral da Justiça, dando prioridade à orientação e abandonando a ideia, um tanto arcaica, de que a mera punição seria suficiente para a melhoria do serviço. Por fim, a possiblidade de utilizar um acordo substitutivo ao PAD deverá buscar sempre o aprimoramento dos serviços extrajudiciais prestados à sociedade e, em determinados casos, a reparação de eventual dano de forma mais rápida e eficiente.
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