Noções Introdutórias e Fontes do Direito do Trabalho
Capítulo I
Noções Introdutórias e Fontes do Direito do Trabalho
1. Objeto e Âmbito de Aplicação do Direito do Trabalho
1.1. Objeto do Direito do Trabalho
É doutrinariamente pacífico que o objeto do Direito do Trabalho diz respeito ao trabalho subordinado1, é dizer, à prestação de uma atividade subordinada. Segundo o artigo 11.o do Código do Trabalho (CT), em que se estabelece a noção de contrato de trabalho, o trabalho subordinado corresponde à prestação de uma atividade, mediante retribuição, em proveito de outra(s) pessoa(s), no âmbito da organização e sob autori- dade desta(s).
Neste âmbito depreende-se facilmente que o objeto do Direito do Tra- balho, enquanto trabalho subordinado, não corresponde a todo o traba- lho humano, mas apenas àquele cuja prestação se realiza em proveito de outrem mediante a sua autoridade e direção.
Por outro lado, apenas cabem no objeto deste ramo de Direito as for- mas de trabalho prestadas voluntária e livremente afastando-se as formas de trabalho forçadas (por ex. trabalho a favor da comunidade enquanto sanção alternativa a pena de prisão2).
A liberdade subjacente ao objeto do contrato de trabalho é por um lado, reflexo do artigo 47.o da Constituição da República Portuguesa
1 Cfr. Xxxxxxx Xxxxxx, Xxxx, Direito do Trabalho, 7.ª ed, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pg. 11.
2 Cfr. artigos 58.o e ss do Código Penal.
(CRP) respeitante à liberdade de escolha de profissão, concretizando-
-se tais escolhas mediante um negócio jurídico – o contrato de trabalho e, por outro, do princípio da liberdade contratual ou autonomia privada (artigo 405.o do CC) mediante o qual as partes podem, dentro dos limites da Lei, fixar livremente o conteúdo dos contratos.
Por sua vez, do objeto do Direito do Trabalho exclui-se a prestação de trabalho gratuito, porquanto um dos elementos fundamentais do con- trato de trabalho é a retribuição.
No entanto, nem todo o trabalho subordinado constitui objeto do Direito do Trabalho. O critério para a inclusão ou exclusão do traba- lho subordinado, como objeto deste ramo de Direito, prende-se com os intervenientes da relação jurídica. Desta forma, a Lei n.o 35/2014, de 20 de junho, que estabelece a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, apesar da sua aproximação ao regime laboral comum, faz parte da esfera do Direito Administrativo e não do Direito do Trabalho. Os intervenien- tes da relação laboral comum são sujeitos de direito privado enquanto, na relação laboral em funções públicas, sendo uma relação jurídica da esfera do Direito Administrativo, um dos sujeitos é de direito público dotado de ius imperii3 (o empregador).
Tomando em conta o objeto do Direito do Trabalho pode concluir-se que este ramo de Direito regula as relações jurídicas de natureza privada de trabalho prestado livremente para outrem, mediante retribuição e sob sua autoridade e direção (subordinação jurídica)4.
1.2. Âmbito de Aplicação do Direito do Trabalho
O Direito do Trabalho regula fundamentalmente três aspetos:
– Relações individuais de trabalho;
– Relações coletivas de trabalho;
– Direito das condições de trabalho.
Na primeira aceção o Direito do Trabalho regula as relações individuais de trabalho que se fundam no contrato de trabalho celebrado entre um
3 O poder de autoridade e decisão unilateral, o de que goza o Estado.
4 Cfr. Xxxxxxx Xxxxxx, Xxxx, Direito do Trabalho, 7.ª ed, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pg. 12; Xxxxxxxx Xxxxxxxxx, Xxxxxxx, Direito do Trabalho, 20.ª ed. Xxxxxxx, Xxxxxxxx, 0000, pg. 22; Xxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxx, Xxxxxxx xx Xxxxxxxx, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, págs. 34 e ss.
determinado empregador e um determinado trabalhador, abrangendo as regras e princípios reguladores do contrato individual de trabalho. É de realçar a ampla intervenção do Direito do Trabalho nas relações indivi- duais de trabalho com o principal propósito de estabelecer um equilíbrio da relação entre empregador e trabalhador, enquanto parte mais débil5, resultante da celebração do contrato de trabalho.
Na segunda aceção o Direito do Trabalho regula as relações coletivas de trabalho. Por um lado, engloba a constituição das estruturas represen- tativas dos trabalhadores (associações sindicais6 e comissões de trabalha-
5 A principal função do Direito do Trabalho é “compensar a debilidade contratual originária do trabalhador, no plano individual”. Cfr. Xxxxxxxx Xxxxxxxxx, Xxxxxxx, Direito do Traba- lho, 20.ª ed, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pg. 33.
6 O artigo 55.o 1 da CRP declara: «É reconhecida aos trabalhadores a liberdade sindical, con- dição e garantia da construção da sua unidade para a defesa dos seus direitos e interesses». Os artigos 404.o, al. a) e 440.o n.o 1 do CT preveem a possibilidade dos trabalhadores consti- tuírem associações sindicais para a defesa e prossecução coletivas dos seus direitos e interes- ses. As estruturas de representação coletiva dos trabalhadores, nomeadamente as associações sindicais, são independentes do Estado, de partidos políticos, de instituições religiosas ou associações de outra natureza, sendo proibidos qualquer ingerência destes na sua organiza- ção e gestão, bem como o seu recíproco financiamento (artigo 405.o). As associações sindicais abrangem sindicatos, federações, uniões e confederações. Entende-se Sindicato, como a asso- ciação permanente de trabalhadores para defesa e promoção dos seus interesses sociopro- fissionais; Federação, a associação de sindicatos de trabalhadores da mesma profissão ou do mesmo setor de atividade; União, a associação de sindicatos de base regional; Confederação, a associação nacional de sindicatos, federações e uniões (artigo 442.o). Nos termos do artigo 443.o, as associações sindicais têm, nomeadamente o direito de:
– Celebrar convenções coletivas de trabalho;
– Prestar serviços de carácter económico e social aos seus associados;
– Participar na elaboração da legislação do trabalho (artigos 469.o e ss.);
– Iniciar e intervir em processos judiciais e em procedimentos administrativos quanto a inte- resses dos seus associados, nos termos da lei;
– Estabelecer relações ou filiar-se, a nível nacional ou internacional, em organizações de trabalhadores;
– Participar nos processos de reestruturação da empresa, especialmente no respeitante a ações de formação ou quando ocorra alteração das condições de trabalho.
No exercício da liberdade sindical, o trabalhador tem o direito de, sem discriminação, se ins- crever em sindicato que, na área da sua atividade, represente a categoria respetiva, no entanto o trabalhador não pode estar simultaneamente filiado, a título da mesma profissão ou ativi- dade, em sindicatos diferentes, podendo desfiliar-se a todo o tempo, mediante comunicação escrita com a antecedência mínima de 30 dias (artigo 444.o). As associações sindicais regem-
-se por estatutos e regulamentos por elas aprovados, elegem livre e democraticamente os
dores)7 e das entidades empregadoras (associações de empregadores8)
titulares dos corpos sociais e organizam democraticamente a sua gestão e atividade (artigos 445.o, 446.o e 447.o).
Os trabalhadores e os sindicatos têm direito a desenvolver atividade sindical na empresa, nomeadamente através de delegados sindicais, comissões sindicais e comissões intersindicais (artigo 460.o). Para o feito, os trabalhadores podem reunir-se no local de trabalho, mediante convocação por um terço ou 50 trabalhadores do respetivo estabelecimento, ou pela comis- são sindical ou intersindical:
– Fora do horário de trabalho da generalidade dos trabalhadores, sem prejuízo do normal funcionamento de turnos ou de trabalho suplementar;
– Durante o horário de trabalho da generalidade dos trabalhadores até um período máximo de quinze horas por ano, que conta como tempo de serviço efetivo, desde que seja assegurado o funcionamento de serviços de natureza urgente e essencial (artigo 461.o).
7 Os artigos 404.o, al. b) e 415.o n.o 1 preveem a possibilidade dos trabalhadores constituírem, em cada empresa, uma comissão de trabalhadores para defesa dos seus interesses e para o exercício dos direitos previstos na CRP e na lei.
De acordo com o artigo 443.o n.o 1: “A comissão de trabalhadores tem direito, nomeada- mente, a:
a) Receber a informação necessária ao exercício da sua actividade;
b) Exercer o controlo da gestão da empresa;
c) Participar, entre outros, em processo de reestruturação da empresa, na elaboração dos pla- nos e dos relatórios de formação profissional e em procedimentos relativos à alteração das condições de trabalho;
d) Participar na elaboração da legislação do trabalho, directamente ou por intermédio das respectivas comissões coordenadoras;
e) Gerir ou participar na gestão das obras sociais da empresa;
f ) Promover a eleição de representantes dos trabalhadores para os órgãos sociais das entida- des públicas empresariais;
g) Reunir, pelo menos uma vez por mês, com o órgão de gestão da empresa para apreciação de assuntos relacionados com o exercício dos seus direitos.
8 De acordo com o artigo 440.o os empregadores têm o direito de constituir associações de empregadores a todos os níveis para defesa e promoção dos seus interesses empresariais. As associações de empregadores abrangem associações, federações, uniões e confederações. No âmbito das associações de empregadores, entende-se por:
– Associação de empregadores, a associação permanente de pessoas, singulares ou coletivas, de direito privado, titulares de uma empresa, que têm habitualmente trabalhadores ao seu serviço;
– Federação, a associação de associações de empregadores do mesmo setor de atividade;
– União, a associação de associações de empregadores de base regional;
– Confederação, a associação nacional de associações de empregadores, federações e uniões (artigo 442.o n.o 2).
Tal como as associações sindicais, e nos termos do artigo 443.o, as associações de emprega- dores têm, nomeadamente o direito de:
e das relações que eventualmente se estabeleçam entre estas. Por outro lado, são abrangidos, igualmente, os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho (IRCT) negociais e não negociais e o seu processo de formação. São ainda incluídos nas relações laborais coletivas a parti- cipação dos trabalhadores na atividade da empresa, os conflitos coletivos de trabalho e a resolução destes mediante conciliação (artigos 523.o e ss, mediação (artigos 526.o e ss) e arbitragem (artigos 529.o, 506.o e 507.o).
Quanto ao direito das condições de trabalho, regula-se a intervenção do Estado na esfera laboral nomeadamente quanto a questões de higiene e segurança, tempo de trabalho e acidentes de trabalho. Este regime tem o propósito de assegurar a prestação da atividade laboral em condi- ções dignificantes e de proteger o trabalhador perante eventuais riscos laborais9.
2. Fontes do Direito do Trabalho
Em sentido técnico-jurídico, fonte do direito é o modo de formação e revelação de normas jurídicas10.
Para além da lei, enquanto fonte imediata do direito, há a considerar as fontes mediatas, que apesar de não vinculativas assumem relevância no âmbito das relações laborais: A jurisprudência, o costume e a doutrina. Enquanto fontes específicas do Direito do Trabalho há a considerar os IRCT e os usos laborais que não contrariem a boa-fé (artigo 1.o).
– Celebrar convenções coletivas de trabalho;
– Prestar serviços de carácter económico e social aos seus associados;
– Participar na elaboração da legislação do trabalho (artigos 469.o e ss.);
– Iniciar e intervir em processos judiciais e em procedimentos administrativos quanto a inte- resses dos seus associados, nos termos da lei;
– Estabelecer relações ou filiar-se, a nível nacional ou internacional, em organizações de empregadores.
Em analogia com as associações sindicais, as associações de empregadores regem-se por esta- tutos e regulamentos por elas aprovados, elegem livre e democraticamente os titulares dos corpos sociais e organizam democraticamente a sua gestão e atividade (artigos 445.o, 446.o e 447.o).
9 “Sobre os acidentes de trabalho Cfr. Xxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxx, Direito do Trabalho, Alme- dina, Xxxxxxx, 0000, págs. 845 e ss.
10 Cfr. Xxxxxxxx Xxxxxxxx, Xxxx xx, O Direito, Introdução e Teoria Geral, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pg. 231.
As fontes do Direito do Trabalho podem dividir-se em duas catego- rias: Fontes internacionais e fontes internas.
2.1. Fontes Internacionais
Quanto às fontes internacionais são de realçar as convenções interna- cionais gerais, onde se destaca: A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) de 1948, nomeadamente os artigos 23.o e 24.o que proclamam o direito ao trabalho, a liberdade de escolha de profissão, a igualdade de tratamento, a proteção no desemprego, o salário equitativo e suficiente, a liberdade sindical, o direito ao repouso e a limitação da duração do trabalho11.
Na sequência da DUDH, e reiterando alguns dos princípios aqui proclamados, surgem a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) de 1950, a Carta Social Europeia de 1961 e o Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais (PIDESC)12 de 1966, que revestem, ao contrário da DUDH, um carácter vinculativo para os Esta- dos que os ratificaram.
O Conselho da Europa, atualmente com 47 Estados membros (e 6 Estados com estatuto de observador), no qual Portugal é membro desde 22 de Setembro de 1976, é uma organização internacional pioneira em matéria de cooperação jurídica, desempenhando um importante papel na modernização e harmonização das legislações nacionais, no respeito pela democracia, pelos direitos do homem e pelo Estado de direito. Uma das suas linhas de atuação do consiste no lançamento de compro- missos internacionais a subscrever pelos Estados-Membros, numa pers- pectiva de aprofundamento da democracia e de desenvolvimento dos direitos humanos.
11 Esta Declaração assume o caráter de uma proclamação de princípios sem caráter vin- culante, constituindo no entanto um referencial básico para a determinação do conteúdo, extensão e limites dos direitos fundamentais constitucionalmente consagrados. O artigo 16,
n.o 2 da CRP, afirma: “Os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem”.
12 Explicita o conteúdo do direito ao trabalho e da liberdade do trabalho (artigo 6.o); Reitera os princípios da equidade e suficiência dos salários e do direito ao repouso (artigo 7.o); a liber- dade sindical e o direito a greve (artigo 8.o); a igualdade de género e a igualdade de oportuni- dades na evolução profissional (artigos 3.o e 7.o al c)).
No contexto do Conselho da Europa importa destacar a já mencio- nada CEDH. Trata-se de um instrumento vinculativo para os Estados ratificantes, instituindo um órgão jurisdicional específico para a aprecia- ção de eventuais violações das suas disposições das autoridades públi- cas nacionais, mediante queixas do cidadão – O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. O artigo 4.o estabelece a proibição da escravatura, da servidão e do trabalho forçado ou obrigatório; O artigo 11.o consagra a liberdade sindical, mas apenas no tocante à liberdade de constituição de sindicatos e de filiação individual.
Ainda em sede do Conselho da Europa urge recordar a Carta Social Europeia, adotada em Turim, a 18 de Outubro de 1961 e cuja entrada em vigor na ordem internacional se deu no dia 26 de Fevereiro de 1965. Trata-se de um documento ambicioso, no entanto, na prática, é prati- camente destituído de uma verdadeira aptidão regulatória e normativa. É possível, ainda assim, encontrar alguns preceitos que vinculam os Estados ratificantes, como por exemplo o artigo 4.o que intenta asse- gurar o direito a uma remuneração justa, levando ao reconhecimento de certos direitos específicos, tais como: O direito dos trabalhadores a “uma remuneração suficiente para lhes assegurar, assim como às suas famílias, um nível de vida decente”; o direito a “uma taxa de remune- ração acrescida para as horas de trabalho suplementar”; o direito “dos homens e mulheres a uma remuneração igual para um trabalho de valor igual”; o direito a “um prazo razoável de pré-aviso no caso de cessação do emprego”.
Importa abordar ainda a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Fundada em 1919 no âmbito do Tratado de Versalhes que assina- lou o fim da I Guerra Mundial, esta Organização passou a ser, após a II Guerra Mundial, uma agência especializada da Organização das Nações Unidas (ONU), onde têm assento representantes dos governos, das enti- dades empregadoras e dos trabalhadores dos Estados Membros, com o objetivo de preparar convenções (tratam-se de verdadeiras normas susceptíveis de integração nas legislações internas) ou recomendações (tratam-se de meras diretrizes ou princípios programáticos sem verda- deiro carácter normativo, no entanto, os Estados Membros têm o dever de diligência relativamente à transposição das diretrizes constantes de uma Recomendação para as respectivas legislações nacionais) referentes aos diversos problemas suscitados pelas relações laborais, com o intuito
de influenciar as legislações internas no sentido de uma melhoria pro- gressiva dos padrões existentes nesse domínio, garantindo, ao mesmo tempo, assistência técnica aos governos e desenvolvendo amplas ativida- des de pesquisa no domínio económico, social e técnico das relações de trabalho. As convenções da OIT são as principais fontes internacionais de Direito do Trabalho português.
Note-se que, em conformidade com o artigo 8.o n.o 2 da CRP, as regras constantes das convenções da OIT ratificadas por Portugal integram o direito interno independentemente da sua transposição (sistema de receção automática). A receção depende, não obstante, de três condi- ções: Entrada da convenção na ordem internacional, que se processa após a ratificação de pelo menos dois Estados membros da OIT; aprovação pela Assembleia da República ou Governo e ratificação pelo Presidente da República; publicação do texto em Diário da República.
Por outro lado, sendo modestas as fontes comunitárias de Direito do Trabalho há a referir no âmbito do Direito da União Europeia13 originário os artigos 9.o, 145.o, 147.o, 151.o e ss do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. No âmbito do Direito Comunitário derivado cumpre mencionar algumas diretivas que tratam de aspetos específicos das rela- ções de trabalho:
– Directiva 75/129/CEE do Conselho, de 17 de fevereiro de 1975, rela- tiva à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitan- tes aos despedimentos colectivos (alterada pelas Directivas 92/56/
/XXX xx Xxxxxxxx, de 24 de junho de 1992 e 98/59/CE do Conse- lho, de 20 de Julho de 1998);
13 A União Europeia é uma comunidade jurídica, dispondo de uma ordem jurídica própria, integrando órgãos competentes para a criação de normas que se destinam a serem acolhidas nos ordenamentos jurídicos internos dos Estados Membros. Esta ordem jurídica engloba um conjunto de disposições pertencentes ao âmbito do Direito do Trabalho, de onde se podem destacar os regulamentos (tem caráter geral, sendo obrigatório e diretamente aplicáveis em todos os Estados Membros) e as diretivas (caracterizam-se pelo facto de impor aos Estados Membros um resultado a alcançar, cumprindo a estes escolher os instrumentos adequados à sua obtenção. A diretiva assume natureza vinculante para os Estados Membros obrigando-
-os a concretizarem a orientação ali definida) a respeito da livre circulação de trabalhado- res, nomeadamente ao nível da proibição de discriminação no acesso ao emprego, igualdade de tratamento em matéria de condições de trabalho e sobre alguns aspectos específicos do regime das relações individuais de trabalho.
– Directiva 79/7/CEE do Conselho, de 19 de dezembro de 1978, relativa à realização progressiva do princípio da igualdade de trata- mento entre homens e mulheres em matéria de segurança social;
– Directiva 80/987/CEE do Conselho, de 20 de Outubro de 1980, relativa a aproximação das legislações dos Estados-Membros res- peitantes a protecção dos trabalhadores em caso de insolvên- cia do empregador (alterada pelas Diretivas n.o 2002/74/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de setembro de 2002 e 2008/94/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008);
– Directiva 89/391/CEE do Conselho, de 12 de junho de 1989, rela- tiva à aplicação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores no trabalho (alterada pela Directiva 2007/30/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de julho de 2007);
– Directiva 92/85/CEE do Conselho, de 19 de Outubro de 1992, rela- tiva à implementação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde das trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes no trabalho (alterada pela Directiva 2007/30/CE do Par- lamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2007 e Diretiva 2014/27/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de feve- reiro de 2014);
– Directiva 94/33/CE do Conselho, de 22 de junho de 1994, relativa a proteção dos jovens no trabalho (alterada pela Diretiva 2014/
/27/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014);
– Directiva 97/81/CE do Conselho, de 15 de dezembro de 1997, res- peitante ao Acordo-quadro relativo ao trabalho a tempo parcial celebrado pela UNICE, pelo CEEP e pela CES (alterada pela Direc- tiva 98/23/CE do Conselho, de 7 de abril de 1998);
– Directiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspectos da organi- zação do tempo de trabalho;
– Directiva 2006/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de Julho de 2006, relativa à aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e igualdade de tratamento entre homens e
mulheres em domínios ligados ao emprego e à actividade profissio- nal (reformulação);
– Directiva 2010/18/UE do Conselho, de 08 de março de 2010, que aplica o Acordo-quadro revisto sobre licença parental celebrado entre a BUSINESSEUROPE, a UEAPME, o CEEP e a CES14.
2.2. Fontes Internas
Relativamente às fontes internas há a considerar as comuns à maior parte dos ramos de Direito. Em primeiro lugar a CRP15, em particular os arti- gos 47.o e 53.o a 57.o, relativos a direitos, liberdades e garantias dos traba- lhadores e os artigos 58.o e 59.o, respeitantes aos direitos económicos. Em segundo lugar, as leis ordinárias comuns no âmbito laboral, princi- palmente o Código de Trabalho – Lei n.o 7/2009 de 12 de fevereiro e o Código Civil (CC), aplicado subsidiariamente, mais concretamente a parte respeitante ao regime dos contratos e das obrigações.
A elaboração das leis laborais obedece a um processo especial pre- visto pela CRP, que atribui às associações sindicais e às comissões de trabalhadores o direito de participação na elaboração da legislação do trabalho (artigos 54.o n.o 5 al. d) e 56.o n.o 2 al. a) da CRP). Quanto ao pro- cesso participativo na elaboração da legislação laboral, este encontra-se regulado no CT pelos artigos 469.o e ss. Desta forma, qualquer projeto
14 Cfr. Xxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxx, Direito do Trabalho, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, págs. 196 e ss; Xxxxxxxx Xxxxxxxxx, Xxxxxxx, Direito do Trabalho, 20.ª ed, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, págs. 94 e ss; Xxxxxxx xxx Xxxxxx, Sabina, Direito do Trabalho e Política Social na União Euro- peia, Principia, Lisboa, 1999.
15 Os preceitos constitucionais com direta incidência no âmbito do Direito do Trabalho encontram-se predominantemente nos Títulos II (Direitos Liberdades e Garantias) e III (Direitos e Deveres Económicos, Sociais e Culturais), usufruindo do regime dos direitos, liberdades e garantias por força do artigo 17.o da CRP, mais concretamente do princípio da aplicação direta, ou seja, da desnecessidade de intervenção mediadora da lei ordinária, já que vinculam imediatamente as entidades públicas e privadas (artigo 18.o n.o 1 da CRP). Não obstante a previsão constitucional sobre alguns aspectos da dimensão individual de tra- balho (por ex. Liberdade de escolha de profissão – artigo 47.o n.o 1 da CRP; Segurança no emprego – artigo 53.o da CRP; O direito ao trabalho e ao dever de trabalhar – artigo 58.o n.os 1 e 2 da CRP; Os direitos dos trabalhadores – artigo 59.o da CRP), o grande peso regu- lamentar da CRP faz-se sentir sobretudo na área do Direito laboral coletivo, assumindo um papel conformador sobre alguns temas específicos como o aspeto organizacional das comis- sões de trabalhadores e das associações sindicais e dos conflitos colectivos.
ou proposta relativa à legislação laboral, só pode ser discutido e votado depois de as comissões de trabalhadores, comissões coordenadoras e as associações sindicais e de empregadores se terem podido pronunciar sobre aquele(a) (artigo 470.o). Para o efeito, os projetos ou propostas são previamente publicados, estando sujeitos a um prazo de discussão pública que regra geral deve ter a duração mínima de trinta dias (artigos
472.o e 473.o). As posições das entidades que se pronunciem devem ser tidas em conta pelo legislador (artigo 475.o).16
Quanto às fontes internas específicas, o artigo 1.o refere os IRCT e os usos laborais que não contrariem o princípio da boa-fé.
Como resulta do artigo 2.o n.o 1, os IRCT distinguem-se em negociais, em que há uma típica autorregulamentação de interesses: A convenção coletiva de trabalho, o acordo de adesão e a decisão arbitral em processo de arbitragem voluntária (artigo 2.o n.o 2) e os não negociais que pressu- põem a intervenção de terceiros: A portaria de extensão, a portaria de condições de trabalho e a decisão arbitral em processo de arbitragem obrigatória ou necessária (artigo 2.o n.o 4).
2.2.1. Instrumentos Negociais de Regulamentação Coletiva
No que respeita à convenção coletiva de trabalho, esta constitui uma regu- lação das condições de trabalho que resultam de um acordo escrito entre as associações sindicais e associações de empregadores ou empregadores não associados. Segundo o princípio da filiação, previsto no artigo 496.o, as convenções coletivas vigoram exclusivamente para os trabalhadores filiados na associação sindical signatária e para os empregadores signa- tários. Nos termos do artigo 2.o n.o 3 a convenção coletiva pode assumir três formas:
– Contrato coletivo: Convenção coletiva celebrada entre associação sindical e associação de empregadores, sendo generalizada em Por- tugal;
– Acordo coletivo: São partes contratantes uma associação sindical e vários empregadores individualmente considerados para diferentes empresas;
16 Cfr. Xxxxxxxx Xxxxxxxxx, Xxxxxxx, Direito do Trabalho, 20.ª ed, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, págs. 97 e ss.
– Acordo de empresa: Celebrado entre associação sindical e um empregador para vigorar numa determinada empresa, sendo fre- quente no domínio das grandes empresas.
Há a considerar algumas exceções ao princípio da filiação:
Em primeiro lugar, a portaria de extensão, na medida em que se estende o âmbito de aplicação de uma convenção coletiva a trabalhado- res e empregadores não filiados nas associações signatárias (artigo 514.o). Em segundo lugar, o artigo 497.o estabelece que, caso sejam aplicáveis,
no âmbito de uma empresa, uma ou mais convenções coletivas, o traba- lhador que não seja filiado em qualquer associação sindical pode escolher qual daquelas lhe passa a ser aplicável, eventualmente mediante paga- mento de um montante nela estabelecido às associações sindicais envol- vidas, a título de comparticipação nos encargos da negociação (artigo
492.o n.o 4).
Por fim, em caso de transmissão da empresa, a convenção coletiva que vincula o transmitente é aplicável ao adquirente até ao termo do respe- tivo prazo de vigência ou no mínimo durante 12 meses a contar da trans- missão, exceto se outro instrumento de regulamentação coletiva de tra- balho passar a aplicar-se ao adquirente (artigo 498.o).
Na prática pode ocorrer que o empregador decida que as convenções coletivas se apliquem a todos os trabalhadores não filiados com o intuito de que todos os trabalhadores tenham estatuto semelhante.
Quanto ao acordo de adesão, previsto no artigo 504.o, trata-se de um contrato celebrado por uma entidade (associação sindical, associação de empregadores ou empregador(es)) que não foi outorgante na conven- ção coletiva e que pretende que esta se lhe aplique. A entidade inte- ressada celebra o acordo de adesão para obter a extensão do âmbito de aplicação da convenção coletiva. Como esclarece o artigo 504.o n.o 2, a entidade que pretende ser parte na convenção em vigor deverá cele- brar o acordo de adesão com o outorgante que na convenção coletiva se lhe contraporia, caso a tivesse celebrado. O processo negocial segue o regime geral estabelecido para as convenções coletivas e aplicam-se as regras referentes ao depósito e à respetiva publicação (artigo 504.o
n.o 4). Nos termos do artigo 504.o n.o 3 não há liberdade de estipulação no acordo de adesão porque as partes não podem modificar o conteúdo da convenção coletiva.
No que concerne à decisão arbitral em processo de arbitragem volun- tária, conforme estabelece o artigo 505.o n.o 3, tem os mesmos efeitos jurídicos da convenção coletiva, só que a regulamentação de interesses obtém-se, não diretamente pela vontade das partes, mas através da inter- venção de uma terceira entidade independente, mais concretamente por via da intermediação de árbitros. São as partes que decidem recorrer a este instrumento.
Portanto, para que possa ser proferida uma decisão arbitral é neces- sário que as partes acordem em submeter a arbitragem o conflito que resulta de celebração ou revisão de uma convenção coletiva (artigo 506.o). A convenção de arbitragem é um contrato onde há liberdade de cele- bração porque o recurso à arbitragem voluntária não é imposto. Verifica-
-se de igual modo uma liberdade de estipulação porque as partes podem decidir qual o âmbito de aplicação daquela.
A decisão arbitral substitui a vontade das partes. Os árbitros proce- dem a uma justa conciliação de interesses. A decisão, depois de profe- rida, será enviada no prazo de 5 dias às partes e ao serviço competente do ministério responsável pela área laboral (artigo 505.o n.o 2).
Na falta de acordo das partes sobre o funcionamento da arbitragem, esta rege-se pelo disposto no artigo 507.o. É realizada por três árbitros, um nomeado por cada uma das partes e o terceiro elemento pelos árbi- tros nomeados (artigo 507.o n.o 2). Os árbitros poderão ser assistidos por peritos e obter todo o tipo de informação nos termos do artigo 507.o
n.o 4.
2.2.2. Instrumentos Não Negociais de Regulamentação Coletiva
A lei prevê que em determinadas circunstâncias se supere o princípio de filiação por via legislativa (artigo 496.o), nomeadamente mediante a por- taria de extensão que determina que as convenções coletivas e as deci- sões arbitrais sejam aplicadas relativamente a quem não esteja filiado nas associações signatárias (artigo 514.o n.o 1).
Neste caso, deixa de estar-se perante instrumentos autónomos e negociais, para passar para o âmbito de instrumentos normativos ou não negociais de regulamentação coletiva de trabalho.
A portaria de extensão é emitida pelo ministro responsável pela área laboral ou conjuntamente por este e pelo ministro responsável pelo setor
da atividade quando haja oposição à sua implementação devido a motivos de ordem económica.
Como estabelece o artigo 514.o n.o 1, a emissão de uma portaria de extensão depende de alguns pressupostos: Em primeiro lugar, está limi- tada a empregadores e a trabalhadores do mesmo setor de atividade não filiados nas associações respetivas (artigo 514.o n.o 1); em segundo lugar, para a emissão da portaria de extensão terá de haver ponderação de circunstâncias sociais e económicas (artigo 514.o n.o 2). Por ex. uma determinada convenção coletiva que regule o setor X aplica-se, segundo o princípio da filiação, aos filiados nas entidades signatárias, no entanto, caso se constate que existem poucos trabalhadores e empregadores filia- dos, o âmbito de aplicação da convenção poderá ser reduzido. Caso se verifique que, em virtude desse motivo, os trabalhadores estão a ser pre- judicados pela não aplicação da convenção, o ministro responsável pela área laboral, por via de portaria de extensão, pode alargar a aplicação dessa convenção aos elementos não filiados através da emissão de uma portaria de extensão.
A portaria de extensão tem como destinatários quem não esteja filiado nas associações sindicais ou de empregadores signatários da convenção coletiva ou da decisão arbitral. Não se aplica por via de extensão uma con- venção coletiva ou decisão arbitral a trabalhadores sindicalizados noutros sindicatos ou a empregadores filiados em outras associações de emprega- dores, pois violar-se-ia o princípio de autonomia privada (artigo 515.o)17.
Relativamente à portaria de condições de trabalho, prevista nos arti- gos 517.o e ss, tem um caráter excecional sendo muito escassas ou quase inexistentes as situações em que o legislador recorre a este instrumento. Só se socorre da portaria de condições de trabalho se não for viável emitir uma portaria de extensão por não existirem associações sindicais ou de empregadores que tenham celebrado convenção coletiva passível de extensão e estiverem em causa situações sociais e económicas que o
justifiquem (artigo 517.o).
Este instrumento serve somente para suprir lacunas, enquanto não existirem outros IRCT baseados na autonomia das partes.
17 Nos termos do artigo 515.o-A: “Em caso de cessação de vigência de convenção coletiva ou decisão arbitral aplicada por portaria de extensão, é aplicável o disposto no n.º 8 do artigo 501.o
A emissão de portarias de condições de trabalho deve ser precedida de um estudo a efetuar por uma comissão, que poderá também ser integrada por representantes dos trabalhadores daquela profissão e de empregado- res daquele setor (artigo 518.o).
Têm competência para a emissão de portaria de condições de trabalho o ministro responsável pela área laboral e o ministro responsável pelo setor da atividade (artigo 518.o n.o 1).
Quanto à decisão arbitral em processo de arbitragem obrigatória ou necessária, a primeira encontra-se regulada nos artigos 508.o e ss e a segunda nos artigos 510.o e ss. A arbitragem obrigatória pode, segundo o artigo 508.o, ser determinada nas seguintes situações:
– “Tratando-se de primeira convenção, a requerimento de qualquer das partes, desde que tenha havido negociações prolongadas e infru- tíferas, conciliação ou mediação frustrada e não tenha sido possível dirimir o conflito por meio de arbitragem voluntária, em virtude de má-fé negocial da outra parte, ouvida a Comissão Permanente de Concertação Social (al. a));
– Havendo recomendação nesse sentido da Comissão Permanente de Concertação Social, com voto favorável da maioria dos membros representantes dos trabalhadores e dos empregadores (al. b));
– Por iniciativa do ministro responsável pela área laboral, ouvida a Comissão Permanente de Concertação Social, quando estejam em causa serviços essenciais destinados a proteger a vida, a saúde e a segurança das pessoas (al. c))”.
Por sua vez, a decisão arbitral em processo de arbitragem necessária pode ser determinada segundo o artigo 510.o sempre que “após a cadu- cidade de uma ou mais convenções coletivas aplicáveis a uma empresa, grupo de empresas ou sector de actividade, não seja celebrada nova con- venção nos 12 meses subsequentes, e não haja outra convenção aplicá- vel a pelo menos 50% dos trabalhadores da mesma empresa, grupo de empresas ou sector de actividade”.
Em conformidade com o artigo 505.o n.o 3, a decisão arbitral em pro- cesso de arbitragem obrigatória ou necessária produz os mesmos efeitos da convenção coletiva.
2.2.3. Usos Laborais
Para além dos IRCT, enquanto fontes específicas do Direito do Trabalho, cabe ainda fazer alusão aos usos laborais (artigo 1.o)18. Tal como o costume, o uso constitui uma prática social reiterada sendo no entanto destituído de convicção de obrigatoriedade19. No âmbito laboral e, como explica Xxxxxxx Xxxxxx, o uso consiste na “reiteração regular de comportamentos (ações ou omissões) por parte do empregador que, por não terem a opo- sição dos trabalhadores, acabam por delimitar a prestação do trabalho”20. O artigo 3.o do CC sustenta que os usos devem ser atendidos se não contrariarem o princípio da boa-fé desde que exista uma lei que o deter- mine. Desta forma e, uma vez previsto no artigo 1.o, o uso laboral é aten- dível tendo eficácia normativa sendo, no âmbito do Direito do Trabalho, fonte de normas jurídicas (por ex. os artigos 260.o n.o 1 al. a) e 272.o n.o 1
que aludem aos usos laborais21).
2.3. Hierarquia das Fontes
No que diz respeito à relação entre fontes internas e internacionais, a ques- tão só se levanta relativamente às leis ordinárias em virtude da primazia das normas constitucionais relativamente ao direito internacional recebido (artigo 8.o n.o 2 da CRP). A única exceção é prevista no artigo 8.o n.o 4 da CRP, caso em que prevalecem sobre a Constituição as normas constantes dos Tratados da União Europeia ou emanadas dos órgãos comunitários, uma vez que o Tribunal de Justiça da União Europeia não tem admitido que os Estados Membros, no sentido de obstar ao cumprimento das nor- mas comunitárias, invoquem as constituições internas. Estas normas ape- nas se submetem aos princípios fundamentais do Estado de Direito22.
18 Cfr. Xxxxx, Xxxxx, “Dos Usos da Empresa em Direito do Trabalho”, em Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano XLIX (XXII da 2ª série), n.os 1-4, 2008, págs 111 e ss.
19 Sobre a atendibilidade do uso laboral cfr. Ac. STJ de 9/3/2017. Processo 401/15.0T8BRG. G1.S1.
20 Cfr. Xxxxxxx Xxxxxx, Xxxx, Direito do Trabalho, 7.ª ed, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000 pg. 87.
21 Cfr. Xxxxxxxx Xxxxxxxxx, Xxxxxxx, Direito do Trabalho, Xxxxxxxx Xxxxxxxxx, António, Direito do Trabalho, 20.ª ed, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, págs. 121 e ss.
22 Cfr. Xxxxxxxx Xxxxxxxxx, Xxxxxxx, Direito do Trabalho, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, págs. 127 e ss.
Quanto à hierarquia entre as fontes internas do Direito do Trabalho importa ter em atenção o disposto no artigo 478.o n.o 1 al. a), que refere que o IRCT não pode contrariar as normas legais imperativas.
Relativamente à relação entre as fontes internas esta é generica- mente regulada pelo artigo 3.o n.o 1. Estabelece este preceito que as nor- mas legais reguladoras do contrato de trabalho podem ser afastadas por IRCT, quer em sentido mais favorável ao trabalhador, quer em sentido mais desfavorável a este, salvo se das referidas normas resultar o con- trário23. Por outras palavras, sempre que as normas legais reguladoras do contrato de trabalho proíbam o seu afastamento via IRCT, aquelas prevalecem sobre estes.
As exceções ao regime anteriormente referido estão previstas no artigo 3.o n.os 2 e 3. O n.o 2, a propósito das portarias de condições de tra- balho, que em nenhuma situação podem afastar as normas reguladoras do contrato de trabalho. O n.o 3, porque consagra o princípio do trata- mento mais favorável relativamente as matérias ali referidas (nomeada- mente no que respeita à protecção na parentalidade, trabalho de meno- res, trabalhador com capacidade de trabalho reduzida, com deficiência ou doença cronica, trabalhador-estudante, duração mínima dos períodos de repouso, incluindo a duração mínima do período anual de férias, entre outras), o qual determina que “as normas legais reguladoras de contrato de trabalho só podem ser afastadas por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que, sem oposição daquelas normas, disponha em sentido mais favorável aos trabalhadores”. Por outras palavras, as normas legais reguladoras de contrato de trabalho, que versem sobre as matérias referidas no preceito em análise, só podem ser afastadas por IRCT verifi- cados dois requisitos:
– Que a normal legal em causa não proíba a possibilidade de ser afas- tada via IRCT;
– Que o IRCT consagre um regime mais favorável ao trabalhador quando comparado com o consagrado pela norma legal que se intenta afastar24.
23 Cfr. Ac. Rel. Porto de 18/2/2016. Processo 167/15.3T8MTS.P1.
24 Cfr. Ac. STJ de 16/12/2010. Processo 2065/07.5TTLSB.L1.S1.
Por sua vez, do artigo 476.o, que consagra o princípio do tratamento mais favorável (numa outra perspectiva), resulta que as disposições dos IRCT podem ser afastadas por cláusula de contrato de trabalho desde que nesta se estabeleçam condições mais favoráveis para o trabalhador25. Quanto aos usos laborais importa referir que não devem prevalecer sobre disposição contratual expressa em contrário, nem sobre disposição do regulamento interno com conteúdo negocial (porque esta pressupõe que os trabalhadores sobre ela se tenham podido pronunciar, podendo tê-la afastado). Os usos laborais podem também ser afastados pelos IRCT. Relativamente à relação dos usos com as normas reguladoras de con- trato de trabalho, aquele pode afastar normas legais supletivas, mas não
valerá se contrariar uma norma imperativa.
Deste modo, nada impede que, através de prática de uma empresa, constante, genérica e aceite, se estabeleça, por ex., um uso relevante como fonte de direito, e por isso vinculativo, no sentido de remunerar como tempo de trabalho determinados períodos de intervalo na jornada de trabalho em que o trabalhador não se encontra a exercer as suas fun- ções nem se encontra à disposição do empregador26.
No que respeita à concorrência entre IRCT, o artigo 481.o expressa que “o instrumento de regulamentação colectiva de trabalho negocial de um sector de actividade afasta a aplicação de instrumento da mesma natureza cujo âmbito se define por profissão ou profissões relativa- mente àquele sector de actividade”. Por outras palavras, um IRCT que regule o sector de actividade (por ex. indústria têxtil) afasta o IRCT da mesma natureza que seja definido por profissão ou profissões “(por ex. assistentes administrativos da indústria têxtil) relativas àquele setor de actividade.
Quando se verifique concorrência entre IRCT negociais, o artigo 482.o, determina que sejam observados os seguintes critérios de preferência:
1 – O acordo de empresa afasta a aplicação do acordo coletivo ou do con- trato coletivo;
2 – O acordo coletivo afasta a aplicação do contrato coletivo.
25 Cfr. Xxxx Xxxxx, Xxxx, Contrato de Trabalho, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, págs. 33 e ss..
26 Cfr. Ac. STJ de 07/05/2007. Processo 06S2576.
Nos outros casos, os trabalhadores da empresa em relação aos quais se verifica a concorrência escolhem o instrumento aplicável, por maioria, no prazo de 30 dias a contar da entrada em vigor do instrumento de publi- cação mais recente, comunicando a escolha ao empregador interessado e ao serviço com competência inspectiva do ministério responsável pela área laboral.
Na ausência de escolha pelos trabalhadores, é aplicável:
1 – O instrumento de publicação mais recente;
2 – Sendo os instrumentos em concorrência publicados na mesma data, o que regular a principal atividade da empresa.
Nos casos em que se constate concorrência entre IRCT não negociais, o artigo 483.o determina que sejam observados os seguintes critérios de preferência:
1 – A decisão de arbitragem obrigatória afasta a aplicação de outro instrumento;
2 – A portaria de extensão afasta a aplicação de portaria de condições de trabalho.
Finalmente, sempre que se verifique concorrência entre IRCT nego- ciais e não negociais, o artigo 484.o determina que “a entrada em vigor de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho negocial afasta a aplicação, no respectivo âmbito, de anterior instrumento de regulamen- tação colectiva de trabalho não negocial”.
No que respeita ao confronto entre as normas legais reguladoras de contrato de trabalho e o contrato individual de trabalho importa referir o artigo 3.o n.o 4: «As normas legais reguladoras de contrato de trabalho só podem ser afastadas por contrato individual que estabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador, se delas não resultar o contrário». Por outras palavras, sempre que determinada norma legal reguladora de contrato de trabalho seja interpretada no sentido de não ser admitido o seu afastamento por contrato de trabalho, significa que essa norma legal prevalece independentemente do conteúdo deste.
Urge também referir a suma importância de relacionar o disposto nos n.os 4 e 5 do artigo 3.o. O artigo 3.o n.o 5 estabelece que sempre que uma norma legal reguladora de contrato de trabalho determine que a mesma possa ser afastada por IRCT entende-se que o não pode ser por contrato de trabalho. É dizer, se a Lei dispõe da possibilidade de uma norma regu- ladora do contrato de trabalho ser afastada por IRCT, em circunstância alguma poderá ser afastada por contrato de trabalho.
Portanto, as normas reguladoras do contrato de trabalho, só poderão ser afastadas por contrato de trabalho desde que:
1 – O contrato de trabalho estabeleça condições mais favoráveis;
2 – Se da norma não resultar a impossibilidade de afastamento por esta
via;
3 – Se a norma não referir a possibilidade do seu afastamento via IRCT.
ÍNDICE
nota à décima edição 5
abreviaturas 7
CAPÍTULO I – NOÇÕES INTRODUTÓRIAS E FONTES
DO DIREITO DO TRABALHO 9
1. Objeto e Âmbito de Aplicação do Direito do Trabalho 9
1.1. Objeto do Direito do Trabalho 9
1.2. Âmbito de Aplicação do Direito do Trabalho 10
2. Fontes do Direito do Trabalho 13
2.1. Fontes Internacionais 14
2.2. Fontes Internas 18
2.2.1. Instrumentos Negociais de Regulamentação Coletiva 19
2.2.2. Instrumentos Não Negociais de Regulamentação Coletiva 21
2.2.3. Usos Laborais 24
2.3. Hierarquia das Fontes 24
CAPÍTULO II – O CONTRATO DE TRABALHO 29
1. O Contrato de Trabalho – Noção e Elementos 29
2. O Contrato de Prestação de Serviço 34
3. A Presunção de Contrato de Trabalho 36
4. Situações Equiparadas ao Contrato de Trabalho 39
CAPÍTULO III – FORMAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO 41
1. Formação do Contrato de Trabalho 41
1.1. Processos de Formação 42
1.1.1. Contrato Oral e Escrito 42
1.1.2. Promessa de Contrato de Trabalho 43
1.1.3. Contrato de Trabalho por Adesão 44
1.2. Obrigação de Informação na Formação do Contrato de Trabalho 46
1.3. Pressupostos do Contrato de Trabalho 47
1.3.1. Capacidade e Limitações à Celebração do Contrato de Trabalho 47
1.3.2. Idoneidade ou Requisitos do Objeto 53
2. Cláusulas Acessórias – A Condição e o Termo 54
2.1. Contrato de Trabalho a Termo Resolutivo 55
2.2. Cláusulas de Limitação da Liberdade do Trabalho 64
2.2.1. Pacto de Não Concorrência 65
2.2.2. Pacto de Permanência 66
2.2.3. Pacto de Exclusividade 66
3. Invalidade do Contrato de Trabalho 67
4. Período Experimental 70
5. Obrigações a Cargo do Empregador 76
CAPÍTULO IV – DIREITOS E DEVERES DOS SUJEITOS LABORAIS 79
1. Direitos, Deveres e Garantias dos Sujeitos Laborais 79
1.1. Os Deveres Acessórios dos Sujeitos Laborais 79
1.2. O Direito do Trabalhador à Ocupação Efetiva 90
2. Direitos de Personalidade dos Sujeitos Laborais 91
2.1. De Ambos os Sujeitos Laborais 91
2.2. Do Trabalhador 93
3. Igualdade e Não Discriminação 100
4. Regime Jurídico da Parentalidade 110
4.1. Licença em Situação de Risco Clínico Durante a Gravidez 111
4.2. Licença para Deslocação a Unidade Hospitalar Localizada Fora
da Ilha de Residência para Realização de Parto 112
4.3. Licença por Interrupção da Gravidez 113
4.4. Licença Parental 113
4.4.1. Licença Parental Inicial 113
4.4.2. Licença Parental Exclusiva da Mãe 116
4.4.3. Licença Parental Inicial a Gozar por um Progenitor em Caso
de Impossibilidade do Outro 116
4.4.4. Licença Parental Exclusiva do Pai 117
4.5. Licença por Adoção 118
4.6. Dispensa para Consulta Pré-natal 120
4.7. Dispensa para Consulta de Procriação Medicamente Assistida 120
4.8. Dispensa para Amamentação ou Aleitação 120
4.9. Falta para Assistência a Filho 121
4.10. Falta para Assistência a Neto 122
4.11. Licença Parental Complementar 124
4.12. Licença para Assistência a Filho 125
4.13. Licença para Assistência a Filho com Deficiência, Doença Crónica
ou Doença Oncológica 126
4.14. Direitos Parentais Adicionais 128
5. Casos Especiais 128
5.1. Trabalhador com Capacidade de Trabalho Reduzida 128
5.2. Trabalhador com Deficiência, Doença Crónica ou Doença
Oncológica 132
5.3. Trabalhador Estudante 135
5.4. Trabalhadores Estrangeiros ou Apátridas 142
CAPÍTULO V – CONTEÚDOS E MODALIDADES CONTRATUAIS 145
1. Atividade Contratada, Flexibilidade Funcional e Ius Variandi 145
2. Categoria e Antiguidade 147
2.1. Categoria 147
2.2. Antiguidade 149
3. Modalidades de Contrato de Trabalho 150
3.1. Trabalho a Tempo Parcial 150
3.2. Trabalho Intermitente 152
3.3. Comissão de Serviço 153
3.4. Teletrabalho 155
3.5. Trabalho Temporário 158
3.6. Contrato de Trabalho em Regime Especial 163
3.6.1. Contrato de Serviço Doméstico 164
3.6.2. Contrato de Trabalho a Bordo de Embarcações de Pesca 169
3.6.3. Contrato de Trabalho dos Profissionais de Espetáculos 171
3.6.4. Contrato de Trabalho Desportivo 173
3.6.5. Contrato de Trabalho Portuário 180
4. Local de Trabalho 181
4.1. Determinação 181
4.2. Transferência de Local de trabalho 181
CAPÍTULO VI – DURAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DO TEMPO
DE TRABALHO 185
1. Tempo de Trabalho 185
1.1. Período Normal de Trabalho – Limites e Exceções 185
1.1.1. Período Normal de Trabalho 185
1.1.2. Adaptabilidade 187
1.1.3. Banco de Horas e Horário Concentrado 190
1.2. Horário de Trabalho 196
1.3. Isenção de Horário 198
1.4. Trabalho Suplementar 200
1.5. Trabalho por Turnos 203
1.6. Trabalho Noturno 205
2. Direito ao Repouso 209
2.1. Descanso diário e semanal 209
2.2. Feriados 210
2.3. Férias 211
2.4. Faltas 225
2.5. Retribuição em Período de Repouso 230
CAPÍTULO VII – RETRIBUIÇÃO E OUTRAS PRESTAÇÕES
PATRIMONIAIS 233
1. Retribuição 233
1.1. Conceito e Notas Introdutórias 233
1.2. Parcelas Retributivas 237
1.3. Determinação do Valor da Retribuição e Retribuição Mínima
Mensal Garantida 238
1.4. Cumprimento da Obrigação de Retribuir 239
1.5. Tutela da Retribuição 240
CAPÍTULO VIII– VICISSITUDES CONTRATUAIS
E INCUMPRIMENTO DO CONTRATO 243
1. Vicissitudes Contratuais 243
1.1. A Cessão da Posição Contratual 243
1.2. Transmissão da Empresa ou Estabelecimento 244
1.3. Cedência Ocasional de Trabalhador 256
1.4. Redução da Atividade e Suspensão do Contrato 257
1.4.1. A Suspensão do Contrato por Facto Respeitante ao Trabalhador 259
1.4.2. Redução Temporária do Período Normal de Trabalho
e Suspensão do Contrato de Trabalho por Facto Respeitante
ao Empregador 259
1.4.2.1. Crise Empresarial (Lay-Off) 259
1.4.2.2. Encerramento e Diminuição Temporários da Atividade 263
1.4.3. Licença Sem Retribuição 265
1.4.4. Pré-Reforma 265
2. Incumprimento do Contrato 266
2.1. Efeitos Gerais 266
2.1.1. O Não Cumprimento Imputável ao Trabalhador 267
2.1.1.1. Não Cumprimento Temporário 267
2.1.1.2. Não Cumprimento Definitivo 268
2.1.2. O Não Cumprimento Imputável ao Empregador 269
2.2. Garantias de Créditos do Trabalhador 272
CAPÍTULO IX – CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO 281
Introdução 281
1. Caducidade 284
2. Revogação 290
3. Despedimento Individual – Justa Causa Objetiva e Subjetiva 291
3.1. Poder, Procedimento Disciplinar e Despedimento por Facto
Imputável ao Trabalhador (Justa Causa Subjetiva) 293
a) Acusação 300
b) Defesa 301
c) Instrução 301
d) Decisão 302
e) Suspensão e Impugnação 303
3.2. Despedimento com Justa Causa Objetiva 304
3.2.1. Despedimento Coletivo 304
3.2.2. Despedimento por Extinção do Posto de Trabalho 311
3.2.3. Despedimento por Inadaptação 319
4. Resolução do Contrato de Trabalho pelo Trabalhador 328
5. Denúncia e Abandono do Trabalho 333
6. Ilicitude do Despedimento 335