O Trabalho Doméstico Remunerado e a Luta por Reconhecimento: Estudo do Paradoxo entre o Contrato Afetivo e Contrato Constitucional
O Trabalho Doméstico Remunerado e a Luta por Reconhecimento: Estudo do Paradoxo entre o Contrato Afetivo e Contrato Constitucional
Palavras Chave: Trabalho Doméstico; Reconhecimento; Gênero
Introdução
A presente comunicação investiga o emprego doméstico na atualidade a luz da Teoria do Reconhecimento de Honneth. Tem como objetivo apreender a natureza do trabalho doméstico na atualidade, através do estudo das relações intersubjetivas elaboradas neste. Tem-se em vista que, com os processos de formalização da profissão de empregada doméstica, que acontecem desde meados de 2006 e com a incorporação do trabalho doméstico numa agenda de Trabalho Decente no ano de 2011, abrem-se outros campos desconhecidos na natureza do trabalho doméstico remunerado. Este, parece situar-se numa zona cinzenta na qual a natureza da organização e das relações de trabalho atuais não estão claras e necessitam ser conceitualizadas.
A partir dos novos fenômenos que acompanham essa mudança do trabalho, conjectura-se um cenário paradoxal do trabalho doméstico, situando-o entre o contrato constitucional, de acordos e normativas jurídicas e formais, e o contrato afetivo, de acordos normativos, éticos e morais. Ambos indispensáveis para a efetividade deste trabalho.
Busca-se verificar como um sujeito histórico atrelado a reificação, como o da empregada doméstica, poderia, atualmente, ter outras configurações profissionais, inclusive virtuosas. Para tanto, propõe-se debruçar sobre este cenário de mudanças, buscando perceber as novas relações de trabalho que podem nele existir, bem como qual é a caracterização do trabalho doméstico remunerado na atualidade. A verificação empírica é composta de entrevistas em profundidade com trabalhadoras domésticas de regiões brasileiras do sul, sudeste, norte e nordeste.
Discussão e Conclusões
A teoria sociológica empreendida até então sobre o trabalho doméstico remunerado, geralmente possui um sujeito histórico reificado, ao qual pode-se dizer que o reconhecimento não somente foi negado, mas foi esquecido. Nesta medida, muitos estudos sociológicos na área analisaram e permanecem analisando as empregadas domésticas como sujeitos atrelados a escravidão, a servidão e a figura do agregado social. No entanto, as mudanças que se apresentam para o trabalho doméstico remunerado com o processo de formalização, fazem com que essas perspectivas teóricas mereçam ser revisitadas com outras óticas sociológicas.
Não se perde de vista, entretanto, que o trabalho doméstico (remunerado e não remunerado) parece não estar numa hierarquia ética social na medida em que possa ser valorado como um trabalho capaz de dar a sua contribuição social. Acredita-se que pode haver aí um pano de fundo normativo fazendo este trabalho não ser reconhecido plenamente. Xxxxxxxxxx advoga que há uma “interseccionalidade de gênero, raça e classe” no trabalho doméstico remunerado (FIGUEIREDO, 2011: 102). A autora define
1 Doutoranda em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Bolsista Capes.
a trabalhadora doméstica como o resultado do entrecruzamento das três categorias sociais, que seriam naturalizadas e formariam diferentes eixos de subordinação que normatizam as históricas desigualdades sociais (FIGUEIREDO, 2011: 103).
Xxxxxxxxxx-Xxxxx demonstrou em sua pesquisa três fatores que, segundo a autora, permitem entender o “déficit de reconhecimento profissional” do trabalho doméstico (2001: 176). Primeiro, a percepção do trabalho doméstico como um trabalho naturalizado e reprodutivo. Segundo, o fato de este trabalho ser uma atividade racializada e feminizada. Xxxxxxxx, o fato do trabalho doméstico ser desempenhado no interior dos lares, sem o contato com os pares.
Este peso nas relações morais, mostra-se também na contratação das empregadas, que passa por uma rede de capital social, visto que é mobilizado o conhecimento pessoal (XXXXXXX, 2000: 111). Para a contratação, parece ter mais importância valores como confiança, índole, dedicação, resignação, capacidade de ser carinhosa, educada, etc., do que outros, característicos da contratação do mercado de trabalho como qualificação, experiência, criatividade, liderança, etc. Segundo demonstra Xxxxxxxxxx, há um esteriótipo de que a empregada doméstica é mais trabalhadora se possuir menos estudo (FIGUEIREDO, 2011: 95).
Entende-se que é preciso caracterizar sociologicamente a linha tênue e paradoxal entre o contrato constitucional e as relações afetivas que, na sua complexidade, podem vir a ser acordos inclusive com mais peso e importância nas relações que os direitos formais e significar na construção do que é o emprego doméstico hoje. Para tanto, questiona-se: De que maneira as relações contratuais contemporâneas do trabalho doméstico remunerado, constitucionais e afetivas, incidem nas relações de reconhecimento e não reconhecimento, para as empregadas domésticas?
Ao que parece, o quadro teórico de Xxxxxxx, fornece elementos para seguir essas experiências de sofrimento e reconhecimento negado na trajetória das trabalhadoras domésticas, a fim e perceber que mudanças elas impulsionaram na vida das trabalhadoras. Para Honneth o capitalismo produz sistematicamente patologias que se expressam no sofrimento humano e em experiências de lesões às identidades. A experiência que mobiliza os atores sociais envolvidos em uma esfera de luta é a de injustiça social, originadas através da vivência de sentimentos de desprezo e desrespeito social, ou seja, negação do reconhecimento.
Com a gramática da luta por reconhecimento Honneth quer demonstrar que a experiência de desrespeito social é afetiva: “[...] a experiência de desrespeito está ancorada nas vivências afetivas dos sujeitos humanos, de modo que possa dar, no plano motivacional, o impulso de resistência social e para o conflito, mais precisamente, para uma luta por reconhecimento” (HONNETH, 2003: 214).
A prática do trabalho tem uma função de integração social na sociedade segundo Honneth, o trabalho é assim possuidor de uma dimensão moral. A organização e a evolução do trabalho social desempenham papel central para a estrutura de reconhecimento de uma sociedade segundo o autor, visto que a definição cultural da hierarquia das tarefas de ação estabelece o grau de valorização social que o indivíduo poderá obter por sua atividade e as propriedades associadas a esta. As propriedades de formação da identidade individual através da experiência de reconhecimento dependem de forma direta da disposição e atribuição social do trabalho (HONNETH, 2009: 270).
Honneth aponta que, para traçar uma análise futura da conexão que reside entre trabalho e reconhecimento há um debate importante sobre o problema do trabalho doméstico não remunerado. Tem ficado evidente neste debate, para o autor que, o
trabalho doméstico está ligado de maneira muito estreita com as respectivas normas éticas que regulam o sistema de valoração social.
Para concluir, considera-se que a fim de contribuir teoricamente para as mudanças no plano do trabalho doméstico, bem como para a teoria crítica, é preciso percorrer a discussão do trabalho doméstico remunerado e não remunerado e o lugar valorativo do serviço doméstico nas sociedades. Ademais, considera-se necessário seguir as experiências do reconhecimento negado, típicas do emprego doméstico, a fim de perceber em que medida elas podem ensejar lutas por reconhecimento e mudança nas trajetórias profissionais e de gênero das trabalhadoras em questão. Nesta medida, este trabalho se propõe a este percurso através do quadro teórico exposto e da pesquisa qualitativa realizada com trabalhadoras domésticas de diversas regiões do Brasil.
Referências
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