PROCESSO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR CVM Nº 19957.004671/2020-21
PROCESSO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR CVM Nº 19957.004671/2020-21
Reg. Col. nº 2125/21
Acusados: Construtora Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxx xx Xxxxx
Assunto: Apurar a responsabilidade de incorporadora hoteleira e de seu administrador, por realização de oferta pública irregular de contratos de investimento coletivo hoteleiros sem a obtenção do registro (ou da respectiva dispensa) previsto no art. 19 da Lei nº 6.385/1976 e no art. 5° da Instrução CVM nº 602/18
Relator: Presidente Xxxxxxx Xxxxxxx
VOTO
I. Objeto
1. Trata-se de PAS1 instaurado pela SRE em face da Construtora, na qualidade de ofertante e de seu administrador, Xxxxxxxx Xxxxx, para apurar a suposta realização de oferta pública irregular de CIC hoteleiro sem a obtenção de prévio registro ou de sua dispensa perante a CVM, em inobservância do disposto no art. 19 da Lei nº 6.385/762 e no art. 5° da Instrução CVM nº 602/183.
II. Mérito
2. Em primeiro lugar, entendo serem suficientes os elementos reunidos pela Acusação para demonstrar a materialidade da irregularidade apurada neste PAS. Com efeito, a proposta de investimento era ofertada indistintamente ao público em geral, inclusive por meio de propagandas divulgadas na internet4, reunindo todas as
1 Os termos iniciados em letra maiúscula utilizados neste voto, que não estiverem aqui definidos, têm o significado que lhes foi atribuído no relatório (“Relatório”).
2 Art. 19. Nenhuma emissão pública de valores mobiliários será distribuída no mercado sem prévio registro na Comissão.
3 Art. 5º O pedido de registro de oferta pública de distribuição de CIC hoteleiro deve ser requerido pelo ofertante à Superintendência de Registro de Valores Mobiliários – SRE.
4 Constam dos autos cópias da página da internet “xxxxx://xxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxx/#xxxxxxxxxxxx” que anunciava o investimento no Empreendimento nos seguintes termos: “Você já pensou em ter um investimento com lucro superior ao aluguel residencial? O Minas Hotel tem o sistema pool de locação. Como funciona? Nós estamos vendendo
características de oferta pública de distribuição de valores mobiliários, mais especificamente de CIC hoteleiro5, a qual exigiria, por sua vez, registro ou dispensa de registro prévio ao lançamento da oferta junto à CVM.
3. No caso em apreço, o CIC era formalizado por meio do Contrato de Promessa, celebrado entre a Construtora, na qualidade de promitente vendedora, e o investidor interessado, na qualidade de promitente comprador6. Ao firmar o referido instrumento, o comprador declarava, dentre outros pontos, ter tomado conhecimento, aderido e se sub- rogado nos direitos e obrigações da Construtora constantes dos contratos celebrados com a operadora hoteleira7-8.
4. Além disso, o Contrato de Promessa previa, em sua Cláusula 4ª, a distribuição de parte dos rendimentos com base no resultado da operação hoteleira no pool de locação9. Inexistem, portanto, dúvidas quanto à realização de oferta pública de CICs.
5. Os fatos examinados neste processo, em seus aspectos fundamentais, se coadunam com os precedentes julgados pela CVM, restando, a meu ver, bem caracterizada a infração.
6. Demonstrada sua materialidade, passo para o exame da autoria do ilícito, motivo pelo qual analisarei a responsabilidade da Construtora, notadamente quanto à sua
flat mobiliado (apartamento), com o sistema pool de locação, ou seja, mesmo que o seu flat não seja locado, o lucro total do hotel será divi[di]do por todos os proprietários. (...) A escritura do flat já sai em seu nome. Estimativa de lucro de 1,2% após o início das operações” (Doc. 1051309, p. 7).
5 Como preceitua o art. 2º, I, da Instrução CVM nº 602/2018, considera-se CIC hoteleiro “o conjunto de instrumentos contratuais ofertados publicamente, que contenha promessa de remuneração vinculada à participação em resultado de empreendimento hoteleiro organizado por meio de condomínio edilício”.
6 Como se observa dos autos, as vendas do Empreendimento ocorreram no período correspondido entre agosto de 2019 e abril de 2020 (Doc. SEI 1046929), posteriormente, portanto, à publicação da Deliberação CVM nº 734/2015. Ao todo, 75 unidades autônomas teriam sido alienadas no referido período, a 66 investidores pessoa física, totalizando o valor de R$ 5.293.995,20 (cinco milhões, duzentos e noventa e três mil, novecentos e noventa e cinco reais e vinte centavos).
7 Nos termos da Cláusula 5ª, Parágrafo Terceiro, do Contrato de Promessa: “O ora PROMITENTE COMPRADOR declara, na melhor forma de direito que está de acordo, adere e se sub-roga integralmente nos contratos firmados pela PROMITENTE VENDENDORA com a empresa Administradora Hoteleira a saber: (I) Contrato de prestação de Serviços Técnicos e Pré-Operacionais de Natureza Condominial e Hoteleira; (11) Contrato de Prestação de Serviço de Administração Condominial de Natureza Hoteleira;
(IV) Contrato de Comodato de Áreas Comuns e Equipamentos.” (Doc. 1051309, p. 38).
8 Conforme previsto na Cláusula 3ª, Parágrafo Quinto, do Contrato de Promessa, a escolha da empresa responsável pela administração do pool hoteleiro era de livre escolha da Construtora (Doc. 1051309, p. 37). 9 “CLÁUSULA 4ª: Da receita advinda das locações das unidades imobiliárias será descontada todas as despesas, tais como contas de água, energia, gás, funcionários, porcentagem da administração do Pool Hoteleiro, bem como outras necessárias e o valor remanescente será igualmente dividido para todos proprietários do edifício a que se refere a CLÁUSULA 2ª.”
caracterização como ofertante na oferta pública de distribuição de CICs referente ao Empreendimento, e de Xxxxxxxx Xxxxx, seu administrador.
7. Neste âmbito, destaca-se que a Instrução CVM nº 602, de 27 de agosto de 2018, que dispõe sobre a oferta pública de distribuição de CIC hoteleiro, prevê que é considerada ofertante “a sociedade incorporadora ou qualquer outra pessoa que realize atos de distribuição pública de CIC hoteleiro” (art. 2º, II).
8. No caso concreto, não há dúvidas sobre a realização de atos de distribuição pública dos CICs pela Construtora. O Contrato de Promessa juntado aos autos deixa claro que a Construtora figura como proprietária dos imóveis vinculados ao Empreendimento e como construtora e vendedora das unidades autônomas10, atuando, dessa forma, como incorporadora do Empreendimento11. Afora isso, e conforme evidenciado nos já referidos anúncios em sua página na internet, a Construtora afirma que comercializa as referidas unidades e por meio de tais anúncios e site se configuraram os referidos atos de distribuição pública dos CICs 12.
9. Com relação ao acusado Xxxxxxxx Xxxxx, este era o sócio-administrador da Construtora à época dos fatos e a representou tanto no Contrato de Promessa13 como na resposta ao Ofício SRE nº 197/202014. Resta incontroverso, portanto, que cabia a ele a responsabilidade pelo cumprimento das obrigações impostas à ofertante, nos termos do art. 3315 da Instrução CVM nº 602/2018.
10 Doc. 1051309, pp. 35-43.
11 Nota-se que, apesar de a Construtora não ser expressamente qualificada como incorporadora no referido instrumento, tal condição lhe é aplicável por força do disposto no art. 29 da Lei nº 4.591/64, uma vez que a ela compete, nos termos do contrato, a venda das unidades autônomas: “Art. 29. Considera-se incorporador a pessoa física ou jurídica, comerciante ou não, que embora não efetuando a construção, compromisse ou efetive a venda de frações ideais de terreno objetivando a vinculação de tais frações a unidades autônomas, em edificações a serem construídas ou em construção sob regime condominial, ou que meramente aceite propostas para efetivação de tais transações, coordenando e levando a têrmo a incorporação e responsabilizando-se, conforme o caso, pela entrega, a certo prazo, preço e determinadas condições, das obras concluídas. Parágrafo único. Presume-se a vinculação entre a alienação das frações do terreno e o negócio de construção, se, ao ser contratada a venda, ou promessa de venda ou de cessão das frações de terreno, já houver sido aprovado e estiver em vigor, ou pender de aprovação de autoridade administrativa, o respectivo projeto de construção, respondendo o alienante como incorporador.”
12 “Nós estamos vendendo flat mobiliado (apartamento), com o sistema pool de locação, ou seja, mesmo que o seu flat não seja locado, o lucro total do hotel será divid[id]o por todos os proprietários” (Doc. SEI 1051309, p. 29).
13 Doc. 1051309, p. 35.
14 Doc. 1051309, p. 34.
15 Art. 33. Os administradores do ofertante, dentro de suas competências legais e estatutárias, são responsáveis pelo cumprimento das obrigações impostas ao ofertante por esta Instrução.
10. É bom esclarecer, conforme já afirmei em voto anterior16, que essa responsabilidade não se confunde com a de promover as ofertas em si. Como assinalado pelo então Diretor Xxxxxxx Xxxxx no voto que proferiu no âmbito do PAS CVM nº 19957.0003266/2017-9017, a CVM atribui responsabilidade aos administradores pelo cumprimento e fiscalização das normas legais e regulamentares que recaem sobre as pessoas jurídicas com o propósito de garantir que tais regras sejam cumpridas. Assim, na medida em que restar comprovado que tais administradores não asseguraram o cumprimento, pelas pessoas jurídicas, das disposições previstas na Instrução CVM nº 602/2018, eles deverão ser responsabilizados.
11. Em suas razões de defesa em conjunto, os Acusados limitaram-se a afirmar que os pagamentos das unidades vendidas (que somavam o montante de R$ 5.293.995,20) “eram realizados de forma parcelada e vários dos contratos celebrados foram rescindidos, sendo assim, o vultoso valor não encontra guarida na situação fatídica”.
12. No entanto, para os estritos fins de configuração da infração analisada no presente caso, não se faz necessária a existência de prejuízos para os investidores. Além disso, os Acusados não tiveram êxito em apresentar documentos ou informações que comprovassem a rescisão dos contratos e a restituição integral dos investimentos.
13. Portanto, considerando o exposto acima, entendo que a Construtora e Xxxxxxxx Xxxxx devem ser responsabilizados por realização de oferta pública de CICs sem a obtenção de prévio registro ou de sua dispensa perante a CVM, em inobservância do disposto no art. 19 da Lei nº 6.385/76 e no art. 5° da Instrução CVM nº 602/18.
III. Dosimetria e Conclusão
14. Para fins de dosimetria, lembro que a distribuição de CIC hoteleiro sem registro ou dispensa de registro da CVM configura infração de natureza grave, nos termos do art. 3818 da Instrução CVM nº 602/18. Ainda, levo em consideração, por um lado, a elevada quantidade de unidades autônomas alienadas – 75 no total, perfazendo um montante de
16 PAS CVM SEI 1957.010212/2017-81.
17 Destaco a seguinte passagem do voto: “Trata-se, por certo, de hipótese de criação de centro de imputação de responsabilidade, já reconhecida pelo Colegiado em outras oportunidades como parte de estratégia regulatória adotada pela CVM em determinadas situações com o objetivo de evitar a diluição da responsabilidade no âmbito da pessoa jurídica e estimular a adoção de conduta diligente pelos administradores designados para ocupar certas funções, atribuindo-se a estes últimos a responsabilidade pelo cumprimento e fiscalização das normas legais e regulamentares”.
18 “Art. 38. Considera-se infração grave, para os efeitos do § 3º do Art. 11 da Lei nº 6.385, de 1976: I – a distribuição de CIC hoteleiro: (...) b) realizada sem registro ou dispensa de registro da CVM; (...)”.
R$ 5.293.995,20 (cinco milhões, duzentos e noventa e três mil, novecentos e noventa e cinco reais e vinte centavos); e, de outro lado, o fato de que a Construtora é uma empresa de pequeno porte e de atuação local (Minas Gerais) e os bons antecedentes dos Acusados.
15. Assim, consoante os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade e em linha com padrões de dosimetria utilizados em jurisprudência do Colegiado da CVM19, ressalvadas as particularidades de cada caso, voto, com fundamento no art. 11 da Lei nº 6.385/1976, pelas condenações de:
(i) Construtora Marcones Ferraco Eireli, na qualidade de ofertante de CICs hoteleiros relacionados ao Empreendimento, à penalidade de multa pecuniária no valor de R$ 190.000,00 (cento e noventa mil reais); e
(ii) Xxxxxxxx Xxxx xx Xxxxx, na qualidade de sócio-administrador da ofertante, à penalidade de multa pecuniária no valor de R$ 95.000,00 (noventa e cinco mil reais), equivalente à metade da penalidade pecuniária acima referida20.
16. Por fim, proponho que o resultando deste julgamento seja comunicado à Procuradoria da República no Estado de Minas Gerais, em complemento ao Ofício nº 546/2020/CVM/SGE (doc. SEI nº 1097330), para as providências que julgarem cabíveis.
É como voto.
Rio de Janeiro, 09 de novembro de 2021
Xxxxxxx Xxxxxxx
Presidente Relator
19 Alguns exemplos: (i) PAS CVM nº 19957.008274/2018-11, de minha relatoria, julgado em 09.06.2020; e (ii) PAS CVM nº 19957.008371/2016-34, Dir. Rel. Xxxxxx Xxxxxxxxxxx, julgado em 20.12.2019.
20 Conforme os PAS CVM SEI 19957.008274/2018-11 e PAS CVM n° 19957.010628/2019-61 e a
manifestação de voto apresentada pelo Diretor Xxxxxxxx Xxxxxxx, e acompanhada pela maioria do Colegiado, no âmbito do PAS CVM SEI 19957.0003266/2017-90.