ABERRAÇÃO JURÍDICA DO CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DO SUBMUNDO DA CIBERCULTURA
ABERRAÇÃO JURÍDICA DO CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DO SUBMUNDO DA CIBERCULTURA
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Xxxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx
Contextualização: : O conceito submundo da cibercultura refere-se a bases tecnológicas, regidas por proprietários ocultos, organizados em regime de oligopólio cibercultural, estruturadas em sites de pornografia, webcamming e packs eróticos. Os efeitos danosos — no Brasil e no mundo — do mencionado submundo estão diretamente relacionados à violência contra a mulher. Até o presente momento, a investigação e a denúncia contra as negligências empresariais inaceitáveis deste modelo de negócios são escassas. Outrossim, as discussões sobre a temática focam no trabalho sexual na rede, isto é, reflexões sobre quem consome o conteúdo erótico e/ou de quem o produz. A violência sistêmica dos atores sociais (mandantes ocultos e capatazes) envolvidos na engrenagem não é capturada por este tipo de abordagem. É importante expor que o submundo da cibercultura opera a parti r de um modelo de negócios abandonado pelo sistema jurídico global cujo contrato de prestação de serviços condiciona a vítima à autorização — de forma gratuita e sem qualquer ônus, em caráter total, definitivo, irrevogável e irretratável — do uso da sua imagem, da coleta de dados e do compartilhamento de informações pessoais em websites eróticos, responsabilizando-se por qualquer dano moral, sexual, patrimonial e/ou existencial que sofra na plataforma2. Na comunicação publicitária, toda violência contra a mulher é propositalmente confundida com "empoderamento da mulher". A desinformação sobre o modus operandi desta indústria no ciberespaço espalha risco de confundir aprisionamento vitalício com liberdade sexual. A gravidade do fato está acima de qualquer questionamento.
Objetivo: Objetiva-se trazer as operações sigilosas do submundo da cibercultura para a alfândega universitária com a finalidade de leitura dos termos de prestação de serviços e dos discursos mediáticos do setor com a devida consciência. Entende- se que o submundo da cibercultura não foi previsto pelos institutos legais brasileiros. Todavia, os princípios que definem violência contra mulher, uso indevido de imagem e exploração do conteúdo pela mídia digital estão presentes na legislação brasileira. Portanto, há necessidade de se iniciar o debate sobre como responsabilizar os mandantes das empresas que detém o controle do submundo adulto na rede.
1 O submundo da cibercultura é objeto de estudo da autora desde 2016 e utilizado como conceito em publicações acadêmicas desde 2021.
2 As cláusulas referentes às afirmações estão descritas no item 5.8 e 24.2 do contrato de prestação de serviços do site em análise:<xxxxx://xxxxxx.xxxxxxxxxxx.xxx/xx/xxxxx/xxxxxxxx-xxxxxxxxx/xxxxx>. Última atualização em 11 jul. 2024.
Metodologia: Para realizar o estudo sobre a violência contra a mulher no submundo da cibercultura, a metodologia deste artigo envolve revisão da literatura acadêmica em associação à análise de conteúdo de mídia social à luz dos institutos legais brasileiros e tratados internacionais aos quais o Brasil é signatário: Constituição Federal Brasileira de 1988, Código Civil Brasileiro, Código Penal Brasileiro, Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), Lei Xxxxx xx Xxxxx (Lei nº11.340/2006) e Lei Geral de Proteção de Dados (LGDP/ Lei nº13709/2018). Objetiva-se identificar padrões, inconsistências e tentativas de dissuadir ou encobrir a irregularidade do contrato de prestação de serviços do site brasileiro Câmera Privê/OnCam/Transaciona 3 pela comunicação publicitária proposta no perfil da empresa no X (antigo Twitter) 4.
Resultados: Considerando a fração conhecida do fenômeno, percebe-se que a atual pesquisa tem feito descobertas de significativa relevância para o campo das Ciências Jurídicas a partir da investigação sobre como o submundo adulto atua no Brasil e no mundo. O percurso da dominação ideológica dos sujeitos por grandes oligopólios e sua relação com o cálculo frio de métricas de consumo, não é invenção do submundo. A novidade desta pesquisa debruça-se sobre o desvelar de uma engrenagem sistêmica violenta específica que até então não foi sequer mapeada. Tendo em vista que o avanço tecnológico é exponencial e inevitável, considera-se que a falta de legislação contribui para a ascensão dos vetores perversos da indústria adulta digital.
Palavras-chave: Submundo da cibercultura; violência contra a mulher; contrato de prestação de serviços ilegal; Defesa do Estado Democrático de Direito.
3 O estudo é parte do pós-doutorado da autora realizado entre 2022 a 2023.
4 Acesso ao perfil empresarial pelo link: <xxxxx://x.xxx/xxxxxxxxxxx>. Último acesso em 16 ago. 2024.
THE LEGAL ABERRATION OF THE SERVICE CONTRACT IN THE CYBERCULTURE UNDERWORLD
LA ABERRACIÓN LEGAL DEL CONTRATO DE SERVICIOS EN EL SUBMUNDO DE LA CIBERCULTURA
Contextualization: The concept of the underworld of cyberculture refers to technological bases, governed by hidden owners, organized under a cybercultural oligopoly regime, structured on sites of pornography, webcamming, and erotic packs. The harmful effects — in Brazil and worldwide — of this mentioned underworld are directly related to violence against women. To date, investigations and denunciations against the unacceptable corporate negligence of this business model are scarce. Furthermore, discussions on the subject focus on sex work online, that is, reflections on who consumes erotic content and/or who produces it. The systemic violence of the foreman system (hidden bosses and foremen) in the sector against women is not captured by this approach. It is important to note that the underworld of cyberculture operates based on a business model abandoned by the global legal system, whose service provision contract conditions the victim to authorize — free of charge and without any burden, in a total, definitive, irrevocable, and irretractable manner
— the use of their image, data collection, and sharing of personal information on erotic websites, holding themselves responsible for any moral, sexual, patrimonial, and/or existential damage suffered on the platform. In advertising, all violence against women is deliberately confused with "women's empowerment". Misinformation about the modus operandi of this industry in cyberspace spreads the risk of confusing lifelong imprisonment with sexual freedom. The seriousness of the matter is beyond question.
Objectives: The aim is to bring the secretive operations of the cyberculture underworld to the university customs with the purpose of reading the terms of service and media discourses of the sector with due awareness. It is understood that the cyberculture underworld was not foreseen by Brazilian legal institutes. However, the principles defining violence against women, misuse of image, and exploitation of content by digital media are present in Brazilian legislation. Therefore, there is a need to initiate a debate on how to hold the masterminds of the companies that control the adult underworld accountable on the network.
Contextualización del tema: El concepto de submundo de la cibercultura se refiere a bases tecnológicas, regidas por propietarios ocultos, organizadas en un régimen de oligopolio cibercultural, estructuradas en sitios de pornografía, webcamming y paquetes eróticos. Los efectos perjudiciales — en Brasil y en el mundo — de dicho submundo están directamente relacionados con la violencia contra la mujer. Hasta el momento, la investigación y la denuncia contra las negligencias empresariales inaceptables de este modelo de negocios son escasas. Asimismo, las discusiones sobre la temática se centran en el trabajo sexual en línea, es decir, reflexiones sobre quién consume el contenido erótico y/o quién lo produce. La violencia sistémica de la capatazia (mandantes ocultos y capataces) del sector contra la mujer no es capturada por este tipo de enfoque. Es importante señalar que el submundo de la cibercultura opera desde un modelo de negocios abandonado por el sistema jurídico global, cuyo contrato de prestación de servicios condiciona a la víctima a autorizar —de forma gratuita y sin ningún tipo de cargo, de manera total, definitiva, irrevocable e irretractable— el uso de su imagen, la recopilación de datos y el intercambio de información personal en sitios web eróticos, responsabilizándose por cualquier daño moral, sexual, patrimonial y/o existencial que sufra en la plataforma. En la publicidad, toda violencia contra la mujer se confunde deliberadamente con "empoderamiento de la mujer". La desinformación sobre el modus operandi de esta industria en el ciberespacio aumenta el riesgo de confundir el encarcelamiento de por vida con la libertad sexual. La gravedad del hecho está por encima de cualquier cuestionamiento.
Objetivos: El objetivo es llevar las operaciones secretas del submundo de la cibercultura a la aduana universitaria con el propósito de leer los términos de servicio y los discursos mediáticos del sector con la debida conciencia. Se entiende que el submundo de la cibercultura no fue previsto por los institutos legales brasileños. Sin embargo, los principios que definen la violencia contra la mujer, el uso indebido de la imagen y la explotación del contenido por los medios digitales están presentes en la legislación brasileña. Por lo tanto, es necesario iniciar un
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Methodology: To conduct the study on violence against women in the cyberculture underworld, the methodology of this article involves a review of academic literature in association with content analysis of social media in light of Brazilian legal institutes and international treaties to which Brazil is a signatory: Brazilian Federal Constitution of 1988, Brazilian Civil Code, Brazilian Penal Code, Universal Declaration of Human Rights (UDHR), Marco Civil da Internet (Law No. 12,965/2014), Xxxxx xx Xxxxx Xxx (Law No. 11,340/2006), and General Data Protection Law (LGPD/ Law No. 13,709/2018). The objective is to identify patterns, inconsistencies, and attempts to dissuade or cover up the irregularity of the service provision contract of the Brazilian website Câmera Privê/OnCam/Transaciona through the advertising communication proposed in the company's Twitter profile.
Results: Considering the known fraction of the phenomenon, it is observed that the current research has made discoveries of significant relevance to the field of Legal Sciences through the investigation of how the adult underworld operates in Brazil and worldwide. The path of ideological domination of individuals by large oligopolies and its relationship with the cold calculation of consumption metrics is not an invention of the underworld. The novelty of this research focuses on unveiling a specific violent systemic mechanism that has not even been mapped out until now. Considering that technological advancement is exponential and inevitable, the lack of legislation contributes to the rise of perverse vectors in the adult industry.
Keywords: Cyberculture underworld; Violence against women; Illegal service contract; Defense of the Democratic Rule of Law.
debate sobre cómo responsabilizar a los mandantes de las empresas que controlan el submundo adulto en la red.
Metodología: Para llevar a cabo el estudio sobre la violencia contra la mujer en el submundo de la cibercultura, la metodología de este artículo implica una revisión de la literatura académica en asociación con el análisis de contenido de medios sociales a la luz de los institutos legales brasileños y los tratados internacionales de los cuales Brasil es signatario: Constitución Federal Brasileña de 1988, Código Civil Brasileño, Código Penal Brasileño, Declaración Universal de Derechos Humanos (DUDH), Xxxxx Xxxxx de Internet (Ley nº 12.965/2014), Ley Xxxxx xx Xxxxx (Ley nº11.340/2006) y Ley General de Protección de Datos (LGDP/ Ley nº13709/2018). El objetivo es identificar patrones, inconsistencias y intentos de disuadir o encubrir la irregularidad del contrato de prestación de servicios del sitio brasileño Câmera Privê/OnCam/Transaciona mediante la comunicación publicitaria propuesta en el perfil de la empresa en Twitter.
Resultados: Considerando la fracción conocida del fenómeno, se observa que la investigación actual ha realizado descubrimientos de relevancia significativa para el campo de las Ciencias Jurídicas a través de la investigación sobre cómo opera el submundo adulto en Brasil y en el mundo. El camino de la dominación ideológica de los individuos por grandes oligopolios y su relación con el cálculo frío de métricas de consumo no es una invención del submundo. La novedad de esta investigación se centra en desvelar un mecanismo sistémico violento específico que hasta ahora ni siquiera ha sido mapeado. Dado que el avance tecnológico es exponencial e inevitable, se considera que la falta de legislación contribuye al aumento de los vectores perversos en la industria adulta digital.
Palabras clave: Submundo de la cibercultura; Violencia contra la mujer; Contrato de prestación de servicios ilegal; Defensa del Estado Democrático de Derecho.
INTRODUÇÃO
O presente estudo refere-se ao contrassenso entre as cláusulas contratuais do contrato de prestação de serviços do site adulto Câmera Privê e a comunicação publicitária dissuadida pela empresa em seu perfil do X (antigo Twitter). Objetiva-se demonstrar porque (i) o submundo da cibercultura configura-se como violência contra a mulher e o modo pelo qual (ii) o sistema de capatazia5 confunde o tecido social e as vítimas em suas articulações na rede (interativa6, mista7 e/ou de massa8).
No escopo desta pesquisa, o mencionado submundo refere-se ao oligopólio cartelizado dos sites adultos (pornografia, webcamming e packs eróticos), cujo arranjo contratual configura uma aberração jurídica. Tratam-se de grandes estruturas tecnológicas de poder, regidas por proprietários ocultos, organizadas em prol da produção, da circulação e da manutenção de performances sexuais hiper-reais, majoritariamente do gênero feminino, para reprogramação do imaginário9 do homem heterossexual. O contrato de prestação de serviços10, por sua vez, condiciona a vítima à autorização — de forma gratuita e sem qualquer ônus, em caráter total, definitivo, irrevogável e irretratável — do uso da sua imagem, da coleta de dados e do compartilhamento de informações pessoais em websites eróticos, responsabilizando-se por qualquer dano moral, sexual, patrimonial e/ou existencial que sofra durante a atividade laboral. Destaca-se a invisibilidade dos mandantes. Para tanto, os empresários utilizam-se de arranjos societários para se manterem em sigilo. Todavia, a relação entre sócio e empresa é uma informação pública. Todo nome de domínio de site adulto é um nome fantasia cujo titular pode ser identificado pela razão social e/ou CNPJ da empresa (aquele que está no contrato de prestação de serviço).
Para eficácia da engrenagem sistêmica, a capatazia do submundo é encarregada de dissuadir na rede uma enxurrada de publicidade na qual as intenções dos mandantes são
5 Compreende-se pelo sistema de capatazia os atores sociais responsáveis pelo curto-circuito do simbólico no tecido social. Tratam-se dos mandantes ocultos, equipes de marketing dos sites adultos, gerentes dos sites, coaches e influenciadoras digitais tipificadas do submundo (Magossi, 2023).
6 Tratam-se de casos envolvendo a parceria entre submundo e influenciadoras com perfil em redes sociais, tais como
Instagram, X, Facebook, TikTok, etc.
7 Tratam-se de casos envolvendo a parceria entre submundo e influenciadoras em meios híbridos, tais como Youtube, Podcasts, etc.
8 Tratam-se de casos envolvendo influenciadoras com participação em meios de comunicação de massa, tais como
reality shows na televisão (aberta ou a cabo).
9 Compreende-se a reprogramação do imaginário masculino pela alteração dramática, de porte corrosivo, potencialmente irreversível, na libido e no sistema afetivo do indivíduo do gênero masculino heterossexual oriunda do consumo exacerbado de imagens, textos e vídeos hiper-reais (Xxxxxxxxxxx, 1991) do submundo adulto.
10 As cláusulas referentes às afirmações estão no contrato de prestação de serviços do site em análise:
<xxxxx://xxxxxx.xxxxxxxxxxx.xxx/xx/xxxxx/xxxxxxxx-xxxxxxxxx/xxxxx>. Último acesso em 16 ago. 2024.
ofuscadas. Assim, a comunicação dos sites adultos produz simulacros11: a vítima é anunciada como protagonista do empoderamento feminino, confundindo, assim, “aprisionamento” com “liberdade”, “controle do outro” com “interação com o outro”.
Devido à natureza desta pesquisa (de crítica reflexiva) e da localização geográfica deste estudo (Brasil), a argumentação utiliza como referência o contrato de prestação de serviços do monopólio oligárquico Câmera Privê cuja razão legal atualmente intitula-se OnCam e Transaciona. O motivo da escolha por este contrato trabalhista desta empresa específica refere-se a fatores de ordem ética (no sentido de proteção à vida da pesquisadora12) e de ordem científica (em termos de impacto social da pesquisa13).
Diante do exposto, é coerente extrair anúncios publicitários da mesma plataforma: objetiva-se demonstrar o contrassenso entre a intenção do proprietário ao exigir do seu representante legal as respectivas cláusulas contratuais (que demonstram o retrocesso histórico do submundo contra os direitos das mulheres) e o cinismo empresarial (que apresenta a produtora de conteúdo adulto como uma mulher livre e protagonista do empoderamento feminino).
Vale, para efeito esclarecedor, destacar a sequência de fatos:
(i) A razão social da empresa estava registrada entre os anos de 2013 (seu surgimento) até setembro de 2022 como Dark Media Group. A alteração do contrato de prestação de serviços e da razão legal para OnCam e Transaciona foi feita em 1º.out.2022.
(ii) Ambas as empresas foram criadas exatamente no mesmo dia (06.set.2022) em que a revista de direito ABRACRIM foi publicada. Essa edição específica da revista contém o artigo da pesquisadora14.
(iii) A pesquisa de Pós-doutorado da autora foi finalizada em dezembro de 2023 e publicada em 04 de março de 2024.
(iv) No dia 14 de abril de 2024, a empresa alterou novamente as cláusulas contratuais.
11 O conceito de simulacro foi desenvolvido por Xxxx Xxxxxxxxxxx na obra "Simulacros e simulação" (1991) e diz respeito ao mundo-cópia formado entre o real e o irreal O conceito será aprofundado durante a argumentação.
12 Tendo em vista que o submundo é um segmento de mercado abandonado pelo sistema jurídico global, é prudente para a segurança da vida da pesquisadora citar um contrato que seja público.
13 No Brasil, há apenas um único sujeito na cadeia de comando do submundo da cibercultura. Isso significa que o mesmo proprietário invisível que rege a mencionada empresa, também é o associado invisível de todos os demais sites do país. O impacto social é evidente.
14 O artigo “Dossiê digital: Reprogramação algorítmica” foi publicado na Revista Acadêmica ABRACRIM MULHER (2022). Acesso disponível em: xxxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xx-xxxxxxx/xxxxxxx/0000/00/Xxxxxxx-XXXXXXXX-0000-0x- Edic%CC%A7a%CC%83o.pdf
(v) Assim que esta mudança foi percebida, a pesquisadora realizou as alterações necessárias em novo texto científico publicado em 19 de maio de 202415.
(vi) Em continuidade ao seu trabalho de pesquisa e denúncia, no dia 16 de junho de 2024, a autora realizou uma apresentação pública intitulada “O submundo delinquente da cibercultura” na Conferência Internacional sobre Cibercultura Delinquente — CICD.
(vii) Novamente, as cláusulas foram atualizadas pela empresa em 11 jul. 2024.
Observado esse cenário, importa comunicar o leitor que este é um trabalho de pesquisa em constante desenvolvimento, com publicações frequentes em periódicos científicos. Portanto, é provável que a empresa continue a reescrever as cláusulas contratuais. Entretanto, apesar das alterações semânticas, a aberração jurídica do contrato contra a dignidade da pessoa humana é a premissa estrutural do submundo.
O manuseio do objeto exige cautela, visto que o submundo da cibercultura é desregulamentado pelo poder judiciário internacional. Portanto, o estudo utiliza apenas dados públicos para demonstração da violência — estrutural do setor — contra a mulher. Para elaboração deste artigo, a apreensão da violência invisível é resultante da análise de 21 cláusulas do contrato público de prestação e serviços de acordo com 11 artigos da legislação brasileira. A violência simbólica da publicidade empresarial, por sua vez, resulta da discrepância entre a exigência dos termos de serviço e 12 anúncios publicitários da empresa selecionados como exemplo entre 16 set.2022 a 27 nov.202316.
No intuito de cumprir os objetivos delimitados, a argumentação aprofundou-se em prol da especificidade dessa temática mediante a seguinte problemática: Como os anúncios publicitários são utilizados para encobrir a violência sistêmica do submundo? A investigação norteou-se pela hipótese de que os sites adultos se apresentam como vetores da regressão histórica (no que se refere aos direitos sociais e civis das mulheres pelo contrato de prestação de serviços) pelo uso predatório do imaginário (por meio do simulacro publicitário na rede).
15 O artigo “Os atores sociais do submundo da cibercultura: Dissecação do sistema de capatazia” foi publicado na obra coletiva “O poder da comunicação na era da informação 3” pela Editora Atena. Acesso disponível em: xxxxx://xxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxx/xx-xxxxxx-xxxxxxx-xx-xxxxxxxx-xx-xxxxxxxxxxxx-xxxxxxxxxx-xx-xxxxxxx- de-capatazia
16 Durante o processo completo da pesquisa de pós-doutorado em Comunicação e Cultura Midiática (2022-2023), a pesquisadora analisou as 28 cláusulas do contrato e mapeou 14.200 anúncios publicados pela empresa entre o período de 21 nov.2021 a 21 ago.2023.
1. O CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS E A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
O compromisso deste estudo com a defesa dos direitos humanos permite identificar que a violência invisível do submundo contra a mulher apresenta-se logo nas cláusulas do contrato de prestação de serviços universal. Isto é, independentemente do mandante oculto contratar seu respectivo representante legal para reescrever as cláusulas a cada nova publicação científica, o teor — violento — continua o mesmo.
A violência invisível é conceituada por Eugênio Trivinho17 como um drama social silencioso que reveste o modelo de civilização propriamente mediática. Trata-se da mais implacável de todas as formas de violência atualmente existentes por não se deixar apreender em essência, pois não há ameaça direta e/ou contato físico entre a vítima e o agressor. A apreensão, por sua vez, é dedutível pelos rastros de degradação psíquica, social e cultural da violência sobre o indivíduo e sobre o coletivo. De acordo com o autor, todos os aspectos da vida cotidiana — da superfície ao submundo do ciberespaço — sofrem alteração dramática em decorrência da violência invisível e/ou simbólica.
Posto isso, a análise do fenômeno inicia-se pela cláusula que afirma que a assinatura do contrato digital é um vínculo irrevogável e irretratável entre a vítima e a empresa, e que tem a mesma validade do manuscrito. Ou seja, o primeiro passo da violência invisível contra a vítima é identificado logo na abertura criação do perfil da mulher no site adulto, visto que é necessário concordar com esses “termos de uso” para participar da plataforma digital. Segue demonstração das afirmações:
5.1. Para solicitar a prestação de serviços objeto deste Contrato, o Contratante deverá inicialmente criar uma conta no Site da OnCam. Para criar uma conta, o Contratante deverá concluir o processo de inscrição no Site, fornecendo à OnCam informações precisas, completas e verídicas, conforme solicitado no formulário de inscrição, acessível no seguinte endereço eletrônico: xxxxx://xxxxxx.xxxxxxxxxxx.xxx/xxxxxxxx. O Contratante também deve escolher uma senha e um nome de usuário (login) e um Apelido.
28.11. Os direitos e obrigações estabelecidos neste Contrato vinculam as Partes e seus respectivos sucessores de forma irrevogável e irretratável.
28.13. As Partes assinam o presente Contrato por meio eletrônico. As Partes consideram que assinaturas por meios eletrônicos têm a mesma validade e produzem os mesmos efeitos que assinaturas manuscritas.
28.14. O Contratante reconhece que o consentimento dado eletronicamente, por meio do clique em um ícone “Concordo”, “De Acordo”, ou outro “botão” ou campo de entrada redigido de forma semelhante, ou, ainda, por meio de mouse, teclado ou outro dispositivo de computador é o equivalente à assinatura manuscrita do Contratante e vincula o Contratante, de forma irrevogável e irretratável, aos termos deste Contrato.
17 XXXXXXXX, Xxxxxxx. A dromocracia cibercultural: lógica da vida humana na civilização mediática avançada. São Paulo: Paulus, 2007.
A eficácia do diagrama empresarial do submundo – produção, circulação e manutenção da engrenagem – depende da submissão das vítimas ao contrato de prestação de serviços. Considerando atualização de 14 de abril de 2024, a empresa não reivindica qualquer direito de propriedade sobre a imagem da vítima18. Contudo, apesar das cláusulas terem sido reescritas, a vítima ainda é condicionada à autorização vitalícia da sua imagem e do seu apelido para comercialização em websites eróticos, independentemente de considerar este uso obsceno, ofensivo ou de outro modo censurável. As cláusulas condicionam a vítima a aceitar o risco de uso ilícito da sua imagem por terceiros, responsabilizando-se por danos de porte sexual, moral, patrimonial e/ou que ofenda o seu interesse existencial.
5.8 O Contratante autoriza, de forma gratuita e sem qualquer ônus, em caráter total, definitivo, irrevogável e irretratável, a OnCam e a Transaciona a utilizar o Apelido e a imagem do Contratante em seus esforços de marketing do Site em websites que contém conteúdo sexual, utilizando-se de banners e/ou outras formas de peças publicitárias com o Apelido e a imagem do Contratante. Assim, o Contratante autoriza de forma expressa que seu Apelido e sua imagem sejam associados diretamente a conteúdo ou imagens sexuais. O Contratante, nessa hipótese, exime a OnCam e a Transaciona de responsabilidade com relação a qualquer dano moral ou patrimonial causado ao Contratante por essa relação direta de sua imagem e/ou Apelido com o conteúdo sexual.
16.3. O Contratante concorda e aceita que, ao conceder licença de uso de imagem e do Apelido à OnCam, à Transaciona e aos seus respectivos licenciados autorizou a divulgação na Internet da sua imagem e de seu Apelido pela OnCam, pela Transaciona e/ou por seus respectivos licenciados dentro e fora do Site e da Carteira Virtual. O Contratante também tem ciência de que é possível que terceiros utilizem sua imagem e seu Apelido de forma ilícita em qualquer jurisdição na qual serão divulgados (a imagem e Apelido do Contratante), ofendendo seu interesse existencial e/ou seus direitos da personalidade.
Por fim, o Contratante declara ter assumido o risco de suas imagens e de seu Apelido serem usados indevida e ilicitamente por terceiros ao disponibilizar o Conteúdo do Contratante no Site e na Carteira Virtual, e, expressamente, se compromete, de forma irrevogável e irretratável, a não propor ação em face da OnCam, da Transaciona e/ou de seus respectivos licenciados se terceiros utilizarem indevidamente as imagens e o Apelido do Contratante obtidos no Site e/ou na Carteira Virtual e causarem danos patrimoniais ou danos morais ao Contratante.
19.1. O Contratante presta em favor da OnCam, da Transaciona e de seus respectivos licenciados as seguintes declarações e garantias:
19.1.1. detém ou controla todos os seus direitos de imagem, Apelido e ao nome, além do direito relativos ao Conteúdo do Contratante disponibilizado no Site;
19.1.2. possui irrestritamente o direito de conceder a licença de uso de sua imagem, Apelido e do nome na forma deste Contrato.
O compilado de cláusulas revela a relação inextricável entre violência e submundo. Em termos jurídicos, a violência é inaceitável por ser ilegal. A Constituição Federal
18 A cláusula 16.2 aponta que “A OnCam não possui ou reivindica qualquer direito de propriedade sobre o Conteúdo do Contratante, disponibilizado por este no Site. Depois de disponibilizar Conteúdo do Contratante no Site, o Contratante continua a reter todos e quaisquer direitos de propriedade que o Contratante possa ter em seu Conteúdo, sem prejuízo da licença concedida nas cláusulas anteriores”. Disponível em:
<xxxxx://xxxxxx.xxxxxxxxxxx.xxx/xx/xxxxx/xxxxxxxx-xxxxxxxxx/xxxxx>. Última atualização em 14 abr. 2024.
Brasileira de 1988 consagra os direitos sociais para garantir a igualdade e a justiça social:
Artigo 226, § 8º: Estabelece a proteção do Estado à família, assegurando à mulher condições de trabalho digno, além de proteção do mercado de trabalho contra a desigualdade que possa provocar discriminação entre os cônjuges19.
A Lei Xxxxx xx Xxxxx 11.340/2006 refere-se especificamente à garantia dos direitos das mulheres no que tange a proteção contra a violência psicológica, sexual, patrimonial e moral:
Artigo 20: Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental, e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social20.
O artigo 12 do Código Civil brasileiro envolve a prática de atos da vida civil do cidadão brasileiro. Determina-se que todo indivíduo é capaz de direitos e deveres na ordem civil, desde que não seja declarado incapaz por lei. Nesse contexto, a Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002 do Código Civil informa:
Artigo 12: Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei21.
O Código Penal Brasileiro engloba questões relacionadas à violência contra a mulher na rede. As cláusulas supracitadas do contrato de prestação de serviços do Câmera Privê/OnCam/Transaciona nas quais a vítima é condicionada a aceitar o risco de que terceiros façam uso ilegal da sua imagem, violam os seguintes artigos:
Artigo 140: Dispõe sobre o crime de injúria, que ocorre quando alguém ofende a dignidade ou o decoro de outra pessoa, mediante palavras, gestos ou objetos. Isso pode incluir a divulgação de conteúdo ofensivo ou humilhante na internet22.
Artigo 147: Define o crime de ameaça, que consiste em ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, de causar-lhe mal injusto e grave. A ameaça também pode ocorrer através de meios eletrônicos23.
Artigo 218-C: Este artigo trata do crime de divulgação de cena de estupro, sexo ou pornografia, que pune quem oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio - inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática24.
Seguindo com a análise sobre o contrato de prestação de serviços, relembra-se que
19 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 2016. 20 BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Lei Xxxxx xx Xxxxx. Brasília, DF: Presidência da República, 2006. 21 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil Brasileiro. Brasília, DF: Senado Federal, 2002.
22 BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal Brasileiro. Brasília, DF: Senado Federal, 1940. 23 BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal Brasileiro. Brasília, DF: Senado Federal, 1940. 24 BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal Brasileiro. Brasília, DF: Senado Federal, 1940.
a indústria adulta não é regulamentada pelo poder judiciário internacional, tampouco há qualquer organização social ou sindicato para assegurar mínimas garantias de salubridade para o setor. Assim, os dominantes do setor estão completamente à vontade para exigir qualquer descalabro contra os direitos humanos em suas operações de mercado. Nesse sentido, o contrato de prestação de serviços é organizado de modo que as vítimas sofram ameaça de terem a sua intimidade exposta:
16.4. O Contratante assume total responsabilidade por todos os riscos, consequências e danos resultantes do Conteúdo do Contratante, incluindo os riscos associados com a publicidade de aparecer no Site e/ou na Carteira Virtual, o risco de gravação, pirataria ou difusão não autorizada do Conteúdo do Contratante ou o risco de publicação da identidade do Contratante, incluindo a publicação de informações pessoais do Contratante.
20.3. A OnCam e a Transaciona poderão divulgar a identidade do Contratante ou outras informações sobre o Contratante a pessoa que comprovar que o material publicado pelo Contratante viola seus direitos, incluindo seus direitos de propriedade intelectual ou seu direito à privacidade. A OnCam e a Transaciona poderão, ainda, tomar medidas judiciais buscando remédio jurídico para aplicação da lei, por uso ilegal ou não autorizado do Site e/ou da Carteira Virtual, ou ainda, para forçar o cumprimento das disposições deste Contrato.
24.2. O Contratante reconhece e concorda que, ao utilizar o Site e a Carteira Virtual, o Contratante dá o seu consentimento à coleta, uso e compartilhamento de dados e informações, conforme estabelecido na Política de Privacidade, Tabela de Cookies e Política de Cookies da OnCam e da Transaciona, o que inclui a transferência dessas informações e dados para os Estados Unidos da América e/ou outros países para armazenamento, processamento e uso de dados e informações pela OnCam e pela Transaciona. A OnCam e a Transaciona poderão, a qualquer momento, alterar as disposições destas Políticas e da Tabela de Cookies, dando publicidade por meio do Site ou da Plataforma. O Contratante se obriga a acompanhar tais mudanças e cumprir com tais disposições e alterações posteriores, durante toda a vigência deste Contrato.
Chama-se aqui a atenção para a violação da A LGPD25 (Lei Geral de Proteção de Dados), de nº 13.709, aprovada em 14 agosto de 2018, que entrou em vigor em 18 de setembro de 2020. Essa legislação estabelece diretrizes para o tratamento de dados pessoais, abrangendo tanto o ambiente digital quanto o físico, por indivíduos ou entidades jurídicas de direito público ou privado. Seus princípios fundamentais visam salvaguardar os direitos básicos de liberdade, privacidade e livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural.
Artigo 1º Esta Lei dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com o fim de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural26.
25 A LGPD é um modelo de lei inspirada na legislação europeia de proteção de dados, conhecida como GDPR — General Data Protection Regulation, em vigência desde 25 maio 2018). Atualmente, mais de 130 países possuem legislação e proteção de dados em vigor.
26 BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Brasília, DF: Presidência da República, 2018.
O artigo 12 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, estabelece o direito à privacidade, à proteção da família, do lar, da correspondência, à honra e à reputação, garantindo que ninguém seja sujeito a interferências ou ataques injustificados. Esses direitos são considerados fundamentais para a dignidade humana e a liberdade individual e estão sendo violentados pela empresa nas cláusulas acima.
Artigo 12: Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Todos os seres humanos têm direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques27.
O Marco Civil da Internet, oficialmente conhecido como Lei nº 12.965/2014, é uma legislação brasileira que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. As cláusulas do contrato do site adulto citadas acima são irregulares do ponto de vista do princípio da privacidade e do consentimento no contexto brasileiro de acordo com os seguintes artigos da lei:
Artigo 3º, inciso III: Estabelece a proteção da privacidade como um dos princípios fundamentais para o uso da Internet no Brasil28.
Artigo 7º, inciso VII: Garante a inviolabilidade da intimidade e da vida privada dos usuários da Internet29.
Artigo 7º, inciso VIII: Determina que o respeito à liberdade de expressão e o direito à informação devem ser assegurados, o que implica a necessidade de consentimento dos usuários para coleta e uso de seus dados pessoais30.
Neste momento, evidencia-se que todo o contrato é elaborado pelo representante legal da empresa com o cuidado necessário para que o proprietário oculto se esquive de qualquer represália jurídica. Fora todas as demais cláusulas abusivas, as vítimas também são condicionadas a isentarem a empresa — o proprietário oculto e todos os associados não informados — da investigação das autoridades públicas, bem como a concordam a testemunharem “de forma espontânea” a favor da empresa no caso de conflitos judiciais e a destruir provas confidenciais contra a capatazia.
18.38. O Contratante, desde já, renúncia e isenta a OnCam, a Transaciona e suas respectivas afiliadas, licenciadas e prestadores de serviços de quaisquer ônus ou responsabilidades resultantes de alguma ação tomada devido a investigações da OnCam, da Transaciona ou das autoridades públicas.
23.2. A Parte que receber as Informações Confidenciais: (i) deverá manter as Informações Confidenciais da outra Parte estritamente sigilosas; (ii) não deverá divulgá-las a qualquer pessoa, exceto com o prévio e expresso consentimento da Parte que as divulgar; (iii) deverá utilizá-las exclusivamente para
27 ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Paris, 1948.
28 BRASIL. Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Marco Civil da Internet. Brasília, DF: Presidência da República, 2014. 29 BRASIL. Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Marco Civil da Internet. Brasília, DF: Presidência da República, 2014. 30 BRASIL. Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Marco Civil da Internet. Brasília, DF: Presidência da República, 2014.
fins de cumprimento das obrigações e dos serviços previstos neste Contrato; e (iv) deverá, mediante solicitação da Parte que divulgar as Informações Confidenciais, entregar prontamente todas essas Informações Confidenciais que sejam escritas, eletrônicas ou de outra forma, incluindo cópias e resumos, ou, a critério da Parte que as divulgar, destruir tais Informações Confidenciais e fornecer à Parte certificado atestando tal destruição.
25.3. Em caso de um evento de responsabilidade que atinja ou possa atingir a OnCam e/ou a Transaciona, o Contratante deverá: (a) tomar as providências para manter a OnCam e a Transaciona, bem como seus respectivos representantes legais e diretores isentos de responsabilidade, e (b) efetuar prontamente o pagamento ou fornecer uma garantia ou depósito em montante suficiente perante a autoridade administrativa ou judicial competente, de modo que a OnCam, a Transaciona e seus respectivos representantes legais e diretores, de nenhuma maneira sofram quaisquer restrições de propriedade ou registro, ou sejam impedidos ou restritos em seu direito de firmar contratos com terceiros.
25.4. Em caso de evento de responsabilidade contra a OnCam, a Transaciona e/ou seus respectivos representantes legais e diretores, o Contratante ainda será responsável por todas as despesas que a OnCam, a Transaciona e seus representantes legais e diretores possam incorrer na defesa de seus interesses, tendo a OnCam e a Transaciona o direito de deduzir tais despesas de quaisquer montantes devidos ao Contratante.
25.5. No caso de a OnCam e/ou a Transaciona serem individualmente ou conjuntamente levadas a tribunal por qualquer causa atribuível ao Contratante ou relacionada às atividades do Contratante, o Contratante concorda em assumir de forma espontânea a responsabilidade exclusiva como réu, comprometendo- se, em qualquer caso, a fornecer informações e auxílio à OnCam e à Transaciona, assessorando-as na determinação dos fatos objeto da demanda.
25.6. A OnCam, a Transaciona e seus respectivos representantes legais e diretores terão direito de sub-rogação contra o Contratante por todos e quaisquer valores que desembolsarem por eventos de responsabilidade do Contratante.
25.7. O Contratante será responsável, nos termos da lei, perante a OnCam, a Transaciona e terceiros, pelos atos de seus representantes, funcionários, diretores e agentes, mesmo que não tenham ou não estejam diretamente relacionados aos serviços prestados de acordo com este Contrato.
Interpreta-se o contrato do submundo adulto como uma armadilha bem elaborada de aprisionamento das mulheres às empresas. Neste ponto da argumentação importa considerar fatores sociais e geográficos: as vítimas estão localizadas em países periféricos do capitalismo, sobretudo no Leste Europeu e na América Latina. Nada é por acaso. Os empresários invisíveis sabem que a hipervulnerabilidade financeira é o fator-chave para uma mulher adentrar o submundo e submeter-se a um contrato de prestação de serviços que a impede que questionar e/ou alterar qualquer cláusula.
28.2. Este Contrato poderá ser alterado unilateralmente pela OnCam e/ou pela Transaciona, a qualquer momento, devendo o Contratante ser notificado eletronicamente por meio do Site de tal fato, o que ensejará a possibilidade de rescisão unilateral do Contrato pelo Contratante, caso não concorde com as alterações realizadas.
28.3. Cada disposição deste Contrato será interpretada como exequível e válida de acordo com a legislação aplicável. Se, por qualquer razão, um tribunal considerar que qualquer disposição deste Contrato, ou apenas parte dele, é inválida ou inexequível, tal disposição deverá ser executada na extensão máxima permitida por lei, de modo a dar efeito à intenção das Partes neste Contrato, e o restante deste Contrato deverá continuar em pleno vigor e efeito. As Partes concordam, ainda, que, no caso de tal disposição inválida ou inexequível ser
uma parte essencial deste Contrato, as Parte iniciarão imediatamente negociações para substituição da disposição considerada inválida ou inexequível.
Ou seja, a empresa investe seus recursos econômicos para extensão máxima da violência invisível. A gramática dos fatos anula a hipótese de que o produto da indústria adulta digital seja a exposição do corpo feminino na rede sem maiores consequências. O levantamento detalhado e esclarecedor deste estudo constata o condicionamento à regressão dos direitos sociais e civis das mulheres para desempenho da atividade profissional.
2. A PUBLICIDADE EMPRESARIAL E O PODER SIMBÓLICO DO SUBMUNDO
Conforme demonstrado pelas cláusulas contratuais, a proposta do submundo da cibercultura é a submissão a um retrocesso histórico ilegal. O artigo 1º do Código Civil afirma que todo cidadão dispõe de direitos e deveres. A filósofa Hannah Arendt31 questiona o papel da mulher na sociedade, a violência e o poder. A filósofa defende que a massificação da sociedade fabricou uma multidão incapaz de compreender o processo civilizatório, de tal sorte que aceitamos cumprir ordens ilógicas e insalubres sem questionar o status quo. Aplicando o recurso teórico ao objeto de estudo, todos os monstros do submundo não são percebidos como mandantes e capatazes (ocultos e evidentes), mas como “funcionários zelosos”32. Vive-se, portanto, “a banalidade do mal”33, o que torna o direito a ter direitos uma zombaria34.
Neste ponto da argumentação, é fundamental questionar o modo como a empresa encobre a violência contraconstitucional, visto que o submundo opera sem chamar atenção do poder judiciário desde o surgimento dos primeiros sites adultos (em 1996), livre de escândalos mediáticos. Trivinho35 explica que a violência invisível e/ou simbólica é maquiada de modo que as vítimas fiquem confusas sobre a agressão a qual estão sendo submetidas. Em outras palavras, irradiar confusão é preceito fundamental para que o ciclo
— invisível — da violência se cumpra. Nessa linha, a violência acoplada aos avanços tecnológicos representa vetores que desorganizam relações e valores sociais, reescalonando — de modo permanente — a produção de sentido na sociedade vigente36.
31 XXXXXX, Xxxxxx. O sistema totalitário. Lisboa: Dom Quixote, 1978.
32 XXXXXX, Xxxxxx. Xxxxxxxx em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
33 XXXXXX, Xxxxxx. Xxxxxxxx em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
34 XXXXXX, Xxxxxx. O sistema totalitário. Lisboa: Dom Quixote, 1978.
35 XXXXXXXX, Xxxxxxx. A dromocracia cibercultural: lógica da vida humana na civilização mediática avançada. São Paulo: Paulus, 2007.
36 XXXXXXXX, Xxxxxxx. A dromocracia cibercultural: lógica da vida humana na civilização mediática avançada. São Paulo: Paulus, 2007, p.69.
No caso do submundo da cibercultura, a violência é encoberta pelo simulacro publicitário empresarial. O conceito de simulacro foi definido por Jean Baudrillard37 como o esvaziamento do conceito de realidade, de tal sorte que o próprio mundo em que se vive é substituído por um mundo-cópia. Xxxxxxxxxxx enquadra o submundo como domínio do hiper-realidade: “a pornografia é ficção hipertrofiada de sexo consumido na sua irrisão para a sua irrisão”38. Nessa chave de leitura, o submundo é “destruidor de intensidades e acelerador de inércia”, cujo “efeito de imaginário esconde que não há mais realidade além como aquém dos limites do perímetro artificial”39.
Seguindo com a reflexão, o exercício do poder simbólico das empresas do submundo passa pela manipulação — reprogramação — do imaginário social por meio dos simulacros publicitários. No arco de caracterização conceitual, o poder simbólico é definido por Pierre Bordieu40 pela ordem social estabelecida pela concepção homogênea do sentido do mundo social por valores e hierarquias. Já o imaginário social, por sua vez, é compreendido por Cornelius Castoriadis41 pelo referencial simbólico acerca do mundo objetivo por meio do qual o grupo social orienta seu modo de agir, pensar e sentir na vida cotidiana. Aplicando o recurso teórico ao objeto de estudo, os anúncios publicitários do submundo são simulacros que propositalmente confundem a sociedade civil por meio de desvios semânticos nos quais as intenções do contrato de prestação de serviços são dissimuladas. Em seu lugar, comunica-se o exato oposto do que é solicitado pelo proprietário oculto nos termos de uso do contrato. Seguem exemplos dessa manobra:
(1) No xxxx://XxxxxxXxxxx.xxx milhares de pessoas se conectam todos os dias com total segurança e privacidade. E encontram um espaço virtual para se despir... de preconceitos, julgamentos e todo tipo de pressão. Os chats ao vivo são lugares de conexão, conversa e muita interação42!
(2) Essa semana falamos sobre a mais nova atualização na plataforma e o xxxx://XxxxxxXxxxx.xxx é sobre isso! Conectar cammodels a usuários da melhor maneira possível a cada dia!43 ˇ£ ³
(3) Porque no Camera Prive é assim, cada interação gera uma conexão ainda mais profunda entre cammodels e usuários! Num espaço seguro, livre de julgamentos e delicioso!44
37 XXXXXXXXXXX, Xxxx. Simulacros e simulação. Lisboa: Relógio d'Água, 1991.
38 XXXXXXXXXXX, Xxxx. Simulacros e simulação. Lisboa: Relógio d'Água, 1991, p. 120. 39 XXXXXXXXXXX, Xxxx. Simulacros e simulação. Lisboa: Relógio d'Água, 1991, p. 23. 40 XXXXXXX, Xxxxxx. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Xxxxxxxx Xxxxxx, 2004.
41 XXXXXXXXXXX, Xxxxxxxxx. A instituição imaginária da sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
42 A publicação foi realizada pela empresa em 16 set.2022 e está disponível pelo link:
<xxxxx://x.xxx/xxxxxxxxxxx/xxxxxx/0000000000000000000>. Acesso em 21 maio 2023.
43 A publicação foi realizada pela empresa em 18.ago.2023 e está disponível pelo link:
<xxxxx://x.xxx/xxxxxxxxxxx/xxxxxx/0000000000000000000>. Acesso em 21 ago. 2023.
44 O tweet publicado pela empresa em 3 ago.2023 e está disponível para acesso pelo link:
<xxxxx://x.xxx/xxxxxxxxxxx/xxxxxx/0000000000000000000>. Acesso em 5 ago. 2023.
A sequência textos publicitários deixam claro que a intenção é confundir as vítimas sobre a potência da vida que está sendo entregue às empresas. Considerando que os conteúdos publicados pelas vítimas são permanentes45, a redação dos anúncios da empresa demonstra com nitidez o objetivo do mandante: disponibilizar a imagem vitalícia das vítimas sem remunerá-las a cada visualização (de vídeo e/ou foto).
(4) Você sabia? Ao clicar no Meu Prive e escolher a opção Favoritos, todos os vídeos e fotos de Crushes que você favoritou vão aparecer ali! De fácil acesso para você ver quantas vezes quiser. Você consegue ver os conteúdos favoritados numa timeline maneira!46
(5) Siiiim, quando você tá zapeando pela timeline do Crush, gostou de uma foto ou vídeo, é só clicar ali na bandeirinha na lateral direita que o conteúdo ficará salvo na aba Favoritos, dentro do Meu Privê. Assim você pode revisitar aquela foto ou vídeo quantas vezes quiser!47
(6) Nada melhor do que ter acesso aos melhores stories do seu Crush. Tudo isso assinando o XxxXxxx e liberando esses vídeozinhos curtos, mas de muito valor
- se é que me entendem! Stories tá on!48
(7) Esse ano vocês foram tão incríveis que quase dobramos as vendas do ano passado! . •ˆ ˆ .• 8,825 VÍDEOS VENDIDOS49
(8) Sim, acessar a timeline do menu Meu Privê significa uma imensidão de
conteúdos e uma maneira fácil e prática para que você possa curtir, comentar e salvar os vídeos e fotos que os cammodels que você seguiu postaram50.
(9) Sabe onde ficam os vídeos que você comprou o acesso? Basta clicar no Meu Prive e depois em Vídeos, lá você confere todos e pode assistir quantas vezes desejar!51
O objetivo da empresa é nítido: encorajar a vítima a publicar conteúdo erótico para visualização vitalícia dos usuários, remunerando-a apenas uma única vez. Para tanto, a publicidade empresarial utiliza-se de linguajar infantilizado apresentando a violência contra a mulher como “entretenimento da mulher”:
(10) Está precisando de um carinho? Você pode encontrar isso na sala de uma modelo. Elas adoram interagir com vocês52! ❤️
45 A afirmação está descrita na cláusula 17.6 do contrato de prestação de serviços e está disponível pelo link:
<xxxxx://xxxxxx.xxxxxxxxxxx.xxx/xx/xxxxx/xxxxxxxx-xxxxxxxxx/xxxxx>. Acesso em 23 abr. 2024.
46 A publicação foi realizada pela empresa em 5.out.2023 e está disponível para acesso pelo link:
<xxxxx://x.xxx/xxxxxxxxxxx/xxxxxx/0000000000000000000>. Acesso em 18 nov. 2023.
47 A publicação foi realizada pela empresa em 18.out.2023 e está disponível para acesso pelo link:
<xxxxx://x.xxx/xxxxxxxxxxx/xxxxxx/0000000000000000000>. Acesso em 18 nov. 2023.
48 A publicação foi realizada pela empresa em 10.out.2023 e está disponível para acesso pelo link:
<xxxxx://x.xxx/xxxxxxxxxxx/xxxxxx/0000000000000000000>. Acesso em 18 nov. 2023.
49 A publicação foi realizada pela empresa em 27.nov.2023 e está disponível para acesso pelo link:
<xxxxx://x.xxx/xxxxxxxxxxx/xxxxxx/0000000000000000000>. Acesso em 27 abr. 2024.
50 A publicação foi realizada pela empresa em 13 nov.2023 e está disponível para acesso pelo link:
<xxxxx://x.xxx/xxxxxxxxxxx/xxxxxx/0000000000000000000>. Acesso em 27 abr. 2024.
51 A publicação foi realizada pela empresa em 27 nov.2023 e está disponível para acesso pelo
link:<xxxxx://x.xxx/xxxxxxxxxxx/xxxxxx/0000000000000000000>. Acesso em 27 abr. 2024.
52 A publicação foi realizada pela empresa em 24 mai.2022 e está disponível pelo link:
<xxxxx://x.xxx/xxxxxxxxxxx/xxxxxx/0000000000000000000>. Acesso em 21 maio 2023.
(11) No xxxx://XxxxxxXxxxx.xxx é assim: pura diversão! Cada cammodel com seu jeitinho de seduzir e proporcionar ótimos momentos para cada usuário!53
(12) Aqui, pessoas incríveis fazem performances ao vivo na webcam — e de quebra mudam o que você pensava sobre o universo adulto. Esse é nosso lema! Essa é nossa missão! Vem para o xxxx://XxxxxxXxxxx.xxx!54
A infantilização da cultura é estratégia de manipulação ideológica do imaginário. O termo é conceituado pelo professor Xxxxxxx Xxxxxxxx:
O processo estrutural de infantilização da cultura, lastro lúdico recente da história ocidental, assumiu, ao que parece, estirão veloz e ad infinitum. Essa dissuasão risonha, que, como qualquer gargalhada, sempre nubla a tendência diuturna do ente à morte, tem se tornado cada vez mais robusta: há anos, perdeu todos os escrúpulos e se globalizou55.
Não há dúvidas de que a narrativa dos tweets da empresa apela para o infantilismo digital na tentativa de rebaixar a consciência crítica da vítima e do tecido social. Assim, a mulher é conduzida à falsa crença de que é protagonista do empoderamento feminino, quando, de fato, está sendo degradada por um contrato que violenta os direitos fundamentais ao eximir os seus agressores de todo tipo de violência prevista pela legislação brasileira contra a mulher.
A reflexão teórica dialoga com a reportagem da Revista Gama, “Da pornografia às camgirl: liberdade sexual ou novas prisões?”, publicada em 18.jun.2023, aborda a temática “você é livre? Plataformas que facilitam a disseminação de conteúdo sexual vendem liberdade e autonomia, mas estudiosos contestam essa visão". No corpo do texto, o jornalista, Xxxxxxxx Xxxxx, compara o contrato do submundo adulto com o enredo do primeiro episódio da nova temporada da série distópica da Netflix, “Black Mirror56”:
Na história, a protagonista Xxxx vê sua vida desmoronar ao descobrir que uma empresa de streaming muito semelhante à Netflix produziu uma série sobre sua vida. O pior: ao tentar processar a produtora, acaba descobrindo que autorizou o uso irrestrito de sua imagem quando assinou o serviço sem ler direito o contrato57.
Assim como ocorre na série distópica da Netflix, Black Mirror, as equipes de marketing do submundo adulto convidam as mulheres (para produzirem conteúdo erótico) e os homens (para consumirem este conteúdo) por meio de sequestros
53 A publicação foi realizada pela empresa em 27 mar.2023 e está disponível para acesso pelo link:
<xxxxx://x.xxx/xxxxxxxxxxx/xxxxxx/0000000000000000000>. Acesso em 12 maio 2023.
54 A publicação foi realizada pela empresa em 30 mai.2023 e está disponível para acesso pelo link:
<xxxxx://x.xxx/xxxxxxxxxxx/xxxxxx/0000000000000000000>. Acesso em 05 ago. 2023.
55 XXXXXXXX, Xxxxxxx. A pós-indústria da infantilização digital. Revista Cult, 18 out. 2021. Disponível em:
<xxxxx://xxxxxxxxxxx.xxx.xxx.xx/xxxx/xxxxxxxxx-xxxxxxxxxxxxxx/>. Acesso em 28 abr. 2024.
56 A série Black Mirror, criada pelo britânico Xxxxxxx Xxxxxxx, apresenta contos de ficção científica que refletem o lado sombrio das novas tecnologias em rede e o futuro devastado da humanidade.
57 A reportagem completa pode ser lida pelo link: <xxxxx://xxxxxxxxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxxx/xxxx-x-xxxxx/xxxxxxxxxxx- camgirls-liberdade-sexual-novas-prisoes-onlyfans/>. Acesso em 13 ago. 2023.
semânticos que propositalmente confundem “interação com o outro” com controle do outro. Sem surpresa, Trivinho58 explica a lógica dessa agressão comparando-a com o marketing de guerra aplicado à disputa — e preservação — de poderes. Para o autor, fake news e desinformação estrutural tornam-se suplemento majoritário de articulação, a ponto de atualmente dar as cartas nesta engrenagem sistêmica:
Ouça-se a potência autoritária do próprio fenômeno, traduzida literariamente em seu delírio de suposta autocrítica: a violência simbólica, se pudesse ser “democratizada” fora dos marcos da covardia, alegaria, em discurso ocluso, que as gentes devem rir não de inocentes e vulneráveis, mas de quem possui as mesmas armas de autodefesa, com possibilidade, ao menos, de igual riso, redentor em relação à agressão. Segundo esse princípio (tão hipotético quanto embaraçoso), quem escolhe voluntariamente frentes de batalha justifica a viabilidade de ser alvejado. Sorrateira, a violência simbólica, porém, escapa a qualquer condição similar de partida: a reificação de sua hierarquia incorpora, de fato, covardia; como em todo conflito bélico, ela alveja inocentes e vulneráveis, desprovidos dos mesmos recursos de revide.59
No submundo, o processo estrutural de infantilização da cultura e idiotização tecnocultural — pretensamente inofensivo — perdeu todos os escrúpulos. Práticas de violência simbólica em articulação com marcos de covardia em discurso ocluso definem com precisão a forma de agir dos mandantes ocultos em suas articulações na rede.
O modo sorrateiro como esse sistema opera depende da dominação de uma classe sobre a outra, de um discurso sobre o outro. A pesquisadora Marilena Chauí60 explica que a ideologia é um sistema de ilusões que desliza sobre a sociedade cujo objetivo principal é tornar a dominação invisível. A lógica em questão está no fato de que caso a dominação de uma classe sobre a outra for diretamente percebida há risco dos oprimidos se revoltarem contra os opressores. Portanto, é tarefa da ideologia ocultar suas intenções políticas e econômicas, promovendo uma narrativa homogênea de que todos os indivíduos são livres e iguais, e que se relacionam espontaneamente dentro de um sistema completamente abstrato. Para tanto, as ideias aparecem como se tivessem vida própria, e não como se estivessem sido estrategicamente embutidas. Essas “ideias sem autor”61 surgem como uma explicação da realidade, que orientam os atores sociais sobre a vida cotidiana. Esse conjunto articulado de ideias é encarregado de silenciar os discursos de oposição, implodindo sobre o social um único discurso: o dos mandantes ocultos do submundo da cibercultura. Como resultado, “mata-se a alteridade em vida ao se agredir
58 XXXXXXXX, Xxxxxxx. A pós-indústria da infantilização digital. Revista Cult, 18 de outubro de 2021. Disponível em:
<xxxxx://xxxxxxxxxxx.xxx.xxx.xx/xxxx/xxxxxxxxx-xxxxxxxxxxxxxx/>. Acesso em 28 abr. 2024.
59 XXXXXXXX, Xxxxxxx. A pós-indústria da infantilização digital. Revista Cult, 18 out.2021. Disponível em:
<xxxxx://xxxxxxxxxxx.xxx.xxx.xx/xxxx/xxxxxxxxx-xxxxxxxxxxxxxx/>. Acesso em 28 abr. 2024.
60 XXXXX, Xxxxxxxx. O que é ideologia? Aula magna com transmissão no dia 07 abr.2023. Disponível em:
<xxxxx://xxxxx.xxxxxxxxxx.xxx/x/xxxxx/x000xxxxx0x0x00xxxx0xxx0x0x00xx000xx.> Acesso em 07 abr.2023.
61 XXXXX, Xxxxxxxx. O que é ideologia? Aula magna com transmissão no dia 07 abr.2023. Disponível em:
<xxxxx://xxxxx.xxxxxxxxxx.xxx/x/xxxxx/x000xxxxx0x0x00xxxx0xxx0x0x00xx000xx.> Acesso em 07 abr.2023.
sua identidade, sua história e seu modus vivendi. Ela é abatida esfaqueando-se sua autoimagem e fazendo sangrar sua autoestima – numa palavra, arrasando-se sua potência”.62
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A argumentação mobilizou fontes bibliográficas interdisciplinares — das ciências jurídicas às ciências da comunicação — para demonstrar que o do submundo da cibercultura apresenta um diagrama de ameaça pública bem delineado contra o Estado Democrático de Direito. Trata-se de um modelo de negócios cujo modus operandi depende da violência invisível (dos contratos) e simbólica (da publicidade) para operar em sua estrutura de base. Enquanto isso, a legislação republicana e democrática mostra- se fragilizada e omissa no que tange a defesa da mulher.
Entende-se que deve existir legislação capaz de identificar os mandantes ocultos do submundo da cibercultura e de conter as inúmeras violências contra as mulheres cometidas por esses empresários. Não é nada razoável pressupor que cada mulher deva procurar, individualmente, contenção de danos, e que os causadores de danos (mandantes e capatazes) circulem impunes e invisíveis. Seguindo essa lógica, também é o caso de se iniciar o debate para que as referidas empresas sejam responsabilizadas pela publicidade empresarial dissuadida nas redes interativas. Tal perspectiva considera que a falta de legislação contribui para ascensão dessa indústria por meio da comunicação empresarial, visto que a vítima muitas vezes ingressa nesse submundo a partir dos anúncios publicitários, desconhecendo totalmente a engrenagem do oligopólio cibercultural dos sites adultos e as consequências nefastas da adesão ao modus vivendi deste modus operandi.
A gravidade dos fatos encoraja a investigação contínua por parte das ciências jurídicas sobre as condições (insalubres) de trabalho vigentes no submundo adulto. Chama-se, também, atenção de todas as áreas da ciência, que pouco se deram conta formalmente da violência (sobretudo invisível e simbólica) que envolve o fenômeno como um todo do ponto de vista psicossocial, político e cultural.
REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS
62 XXXXXXXX, Xxxxxxx. A pós-indústria da infantilização digital. In: Revista Cult, 18 out.2021. Disponível em:
<xxxxx://xxxxxxxxxxx.xxx.xxx.xx/xxxx/xxxxxxxxx-xxxxxxxxxxxxxx/>. Acesso em 28 abr. 2024.
ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Paris, 1948
XXXXXX, Xxxxxx. O sistema totalitário. Lisboa: Dom Quixote, 1978.
. Xxxxxxxx em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 2016.
BRASIL. Código Penal Brasileiro. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Brasília, DF: Senado Federal, 1940.
BRASIL. Código Civil Brasileiro. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Brasília, DF: Senado Federal, 2002.
BRASIL. Lei Xxxxx xx Xxxxx. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Brasília, DF: Presidência da República, 2006.
BRASIL. Marco Civil da Internet. Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Brasília, DF: Presidência da República, 2014.
BRASIL. Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Brasília, DF: Presidência da República, 2018.
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COMO CITAR:
XXXXXXX, Xxxxxxxx. Aberração jurídica do contrato de prestação de serviços do submundo da cibercultura. Revista Direito e Política. Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da UNIVALI, vº 19, nº2, 2º quadrimestre de 2024. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxxx.xxxxxxx.xx/xxxxx.xxx/xxx - ISSN 1980-7791. DOI:
xxxxx://xxx.xxx/00.00000/xxx.x00x0.x000-000
INFORMAÇÕES DOS AUTORES:
Priscila Magossi
Doutora em Comunicação e Semiótica (PEPGCOS/PUC-SP com bolsa de apoio CNPq, 2010- 2014). Pós-doutora em Comunicação e Cultura Midiática (PPGCOM/UNIP, 2022-2023). Diretora editorial da Associação Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura (ABCiber, Biênio 2024-2025). Pesquisadora do Centro Interdisciplinar de Pesquisas em Comunicação e Cibercultura (CENCIB/PUC-SP) e do grupo Mídia e Estudos do Imaginário (UNIP). Colunista do Portal Juristas. Autora da obra individual "Ritualidades e vida cotidiana na cultura digital" (Novas Edições Acadêmicas, 2020, 124p.) e do capítulo "Comunicação e velocidade: as ritualidades do ciberespaço e a aceleração da vida cotidiana ", parte da obra "A explosão do cibermundo: velocidade, comunicação e (trans)política na civilização tecnológica atual" (Annablume, FAPESP, 2017, 328p.), resultante de dois anos de pesquisa coletiva supervisionada pelo Prof. Dr. Eugênio Trivinho no CENCIB/PUC-SP, com apoio CNPq/FAPESP. Os estudos da pesquisadora situam posicionamento na confluência entre as teorias da comunicação, da cultura virtual e do imaginário, no que concerne às macrorrelações e às hibridações tipificadas entre superfície e submundo da cibercultura; modus operandi e modus vivendi do processo civilizatório em curso.
Recebido em: 10/05/2024
Aprovado em: 18/08/2024
Received: 10/05/2024
Approved: 18/08/2024