Guiasobre o Novo Regime Jurídico do Contrato de Seguro
Guiasobre o Novo Regime Jurídico do Contrato de Seguro
Advertência
O presente guia tem como mera finalidade a divulgação de alguns aspectos do Novo Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril. As informações e co- mentários que aqui se reflectem têm um cariz genérico e não cons- tituem assessoria jurídica. Quaisquer referências a Artigos que não sejam seguidas da indicação do diploma legal a que respeitam devem entender-se como reportadas a este regime jurídico.
O presente guia está actualizado até 25 de Agosto de 2008 e a Xxxx Xxxxxxxx não assume qualquer compromisso de actualização ou re- visão do seu conteúdo.
Autora
Xxxxx Xxxxxxx, Advogada
com a colaboração de
Xxxxx Xxxxxx Xxxxx e Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, Advogados Estagiários
Parte I
REGRAS GERAIS 15
I - Introdução 15
a) Glossário de termos. 15
b) Como está organizado o diploma? 20
c) A que contratos se aplica o novo regime? 20
d) As partes podem afastar todas as regras do NRJCS? 21
e) Podem os seguradores livremente recusar a celebração do contrato de seguro ou agravar o respectivo prémio com base
no estado de saúde ou no sexo do interessado? 22
f) Qual a lei aplicável ao contrato de seguro? 23
g) Que outros diplomas legais regulam o contrato de seguro? 25
II - Formação do contrato 27
a) Quem pode celebrar contratos de seguro? 27
b) No interesse de quem é celebrado o contrato de seguro? 28
c) Quais são os deveres de informação do segurador? 29
d) Quais são os deveres de informação do tomador
do seguro ou do segurado? 32
e) Como é celebrado o contrato? 34
f) Qual a forma do contrato? 34
III - Vigência do contrato 39
a) A partir de quando se considera que o contrato de seguro
produz efeitos? 39
b) Qual é a duração do contrato de seguro? 39
c) Qual é a data relevante para efeitos de início
de cobertura de risco? 39
IV - Conteúdo 41
a) Qual o âmbito do contrato? 41
b) Quais as regras sobre o prémio? 42
V - Seguro de grupo 47
a) Quais as especificidades do dever de informar? 47
b) Como se processa o pagamento do prémio? 48
c) Quais as especificidades da designação beneficiária? 48
d) Quais os direitos do segurado em caso de alteração
ao contrato de seguro de grupo? 48
e) Quando é que o segurado pode ser excluído do grupo? 49
f) Como cessa o contrato? 49
g) Qual o conteúdo do contrato? 49
h) Como se adere ao contrato? 49
i) Quem tem direito à participação nos resultados? 50
VI - Situações que podem ocorrer durante a vigência do contrato 51
a) O que fazer quando haja uma alteração do risco? 51
b) Pode haver transmissão da posição num contrato de seguro? 52
c) Pode-se substituir um seguro dado em garantia? 53
d) O que acontece ao contrato de seguro em caso de insolvência
do tomador do seguro ou do segurado? 53
e) Como devem ser efectuadas as comunicações entre as partes
no âmbito do contrato de seguro? 53
f) Podem as partes fazer-se representar no âmbito
do contrato de seguro? 54
VII - Sinistros 55
a) O que deve fazer-se em caso de sinistro? 55
b) Quais são as consequências da falta de participação? 55
c) Em que circunstâncias deve o segurador proceder
ao pagamento? 56
d) O que acontece em caso de divergência na determinação
das causas, circunstâncias e consequências do sinistro? 56
e) Quando prescreve o direito ao pagamento por parte
do segurador? 56
f) Em que circunstâncias se pode recorrer à arbitragem
em matéria de seguros? 57
VIII - Cessação do contrato 59
a) Quais os efeitos da cessação do contrato de seguro? 59
b) Quando caduca o contrato de seguro? 60
c) O contrato de seguro pode ser revogado? 60
d) Em que condições se pode denunciar um contrato de seguro? 60
e) Em que condições se pode resolver um contrato de seguro? 61
PARTE II
REGRAS ESPECIAIS 63
I - Seguro de danos 63
1. Regime comum 63
a) O que acontece quando há um dano originado num vício próprio da coisa segura? 63
b) Quais as regras aplicáveis em caso de seguro que incida
sobre um conjunto de coisas? 63
c) Quais as obrigações do tomador, do segurado ou do
beneficiário, em caso de sinistro, no que respeita aos danos? 64
d) Como se calcula a indemnização? 65
e) O que acontece quando o capital seguro é superior
ao interesse seguro? 65
f) O que acontece quando vários seguros cobrem
o mesmo risco? 66
g) O que acontece quando o capital seguro é inferior ao
interesse seguro? 66
h) Há alguma regra especial no caso de riscos relativos
à habitação? 66
i) O segurador pode reclamar de terceiros o que pagou? 66
2. Seguro de responsabilidade civil 67
a) Que riscos se cobrem no seguro de responsabilidade civil? 67
b) Qual é o período de cobertura relevante no seguro
de responsabilidade civil? 67
c) O segurador é obrigado a indemnizar o beneficiário em
caso de actos dolosos? 68
d) O que acontece se o segurador atribuir uma indemnização ao lesado em caso de sinistro causado por actos dolosos
do tomador do seguro ou do segurado? 68
e) Como se deve atribuir a indemnização em caso
de pluralidade de lesados com direito a indemnizações que,
em conjunto, excedem o montante do capital seguro? 68
f) No seguro obrigatório de responsabilidade civil a quem pode o lesado exigir a indemnização na sequência
de um sinistro? 68
3. Seguro financeiro 69
3.1. Seguro de crédito 69
a) A que se destina o seguro de crédito? 69
b) Que contratos podem estar abrangidos pelo
seguro de crédito?. 69
c) Em caso de incumprimento do devedor, com que direito
fica o segurador que haja efectuado a prestação? 69
d) Que legislação se aplica ao seguro de crédito? 70
3.2. Seguro-caução 70
a) A que se destina o seguro-caução? 70
b) Há alguma especificidade em caso de falta do pagamento
do prémio? 70
c) Em caso de incumprimento do devedor, com que direito fica
o segurador? 70
d) Que legislação se aplica ao seguro-caução? 71
II - Seguro de pessoas 73
1. Regime comum 73
a) Que tipo de coberturas podem ser abrangidas pelo contrato
de seguro de pessoas? 73
b) Que tipo de prestações podem ser atribuídas num
seguro de pessoas? 73
c) Quais os direitos do segurado quando haja lugar à realização de exames médicos? 74
2. Seguro de vida 75
a) Qual o objecto do seguro de vida? 75
b) O segurador tem deveres de informação acrescidos no seguro de vida? 75
c) Quais são as consequências das omissões ou inexactidões
na declaração inicial do risco e do erro sobre a idade da pessoa segura? 76
d) Há obrigação de comunicação de agravamentos no risco? 77
e) Como é determinado o valor da redução e do resgate? 77
f) Pode haver adiantamentos sobre o capital seguro? 77
g) Os direitos decorrentes do contrato de seguro de vida
podem ser cedidos ou onerados? 78
h) Em que casos pode haver cessão da posição contratual
do tomador do seguro? 78
i) Como é determinado o beneficiário do seguro de vida? 78
j) Como e quando pode ser alterada ou revogada a cláusula beneficiária? 78
k) Como deve ser interpretada a cláusula beneficiária? 79
l) Quais as especificidades relativamente ao prémio no seguro
de vida? 79
m) Quais as obrigações do segurador no que respeita à participação nos resultados? 80
n) Um seguro pode ser um ICAE? 80
o) Qual o regime jurídico aplicável às operações de capitalização?. 81 3. Seguro de acidentes pessoais 82
a) Qual a cobertura típica dos seguros de acidentes pessoais? 82
b) Quem é o beneficiário em sede de seguros de acidentes pessoais? 82 4. Seguro de saúde. 83
a) Qual a cobertura típica dos seguros de saúde? 83
b) Que elementos específicos deverão constar do contrato
de seguro de saúde anual renovável? 83
c) As doenças preexistentes estão abrangidas na cobertura
do seguro de saúde? 83
d) Quais as consequências da cessação do contrato no que
toca à cobertura de factos ocorridos na vigência do contrato? 83
Parte III
APÊNDICE DE LEGISLAÇÃO 85
I. Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril - Regime Jurídico
do Contrato de Seguro 87
II. Decreto-Lei n.º 384/2007, de 19 de Novembro - Normas de Informação Relativas a Contratos de Seguro de Vida e
de Acidentes Pessoais 163
III. Norma Regulamentar n.º 6/2008-R, de 24 de Abril - Estabelece regras aplicáveis aos seguros de vida com coberturas de morte,
invalidez ou desemprego associados a contratos de mútuo 171
IV. Decreto-Lei n.º 144/2006, de 31 de Julho - Regula as condições de acesso
e de exercício da actividade de mediação de seguros ou de resseguros 173
V. Lei n.º 46/2006, de 28 de Agosto - Proíbe e pune a discriminação em razão da deficiência e da existência de risco agravado de saúde 223
VI. Lei n.º 14/2008, de 12 de Março - Proíbe e sanciona a discriminação em função do sexo no acesso a bens e serviços e seu fornecimento, transpondo para a ordem jurídica interna
a Directiva n.º 2004/113/CE, do Conselho, de 13 de Dezembro 231
VII. Decreto-Lei n.º 95/2006, de 29 de Maio - Regime aplicável
à informação pré-contratual e aos contratos relativos a serviços financeiros prestados a consumidores através de meios
de comunicação à distância 239
VIII. Decreto-Lei n.º 183/88, de 24 de Maio - Regime Jurídico dos Seguros dos Ramos «Crédito» e «Caução» 255
ABREVIATURAS UTILIZADAS
art.: Artigo
Cfr.: Confronte (-se), confrontar
ICAE: Instrumento de Captação de Aforro Estruturado
ISP: Instituto de Seguros de Portugal
NRJCS: Novo Regime Jurídico do Contrato de Seguro
Introdução I
a) Glossário de termos
A título introdutório, é conveniente ficar a conhecer alguns termos próprios da actividade seguradora, alguns dos quais são definidos no NRJCS. Outros, embora não o sejam, são utilizados por este diploma legal, sendo conveniente, como tal, compreender o seu alcance e sentido. Segue-se, pois, por ordem alfabética, uma breve descrição dos termos julgados mais importantes para a compreensão do NRJCS.
Assim:
Acidente: acontecimento de natureza fortuita, súbita e imprevisível, exterior à vontade da vítima ou ao funcionamento do bem danificado, susceptível de fazer actuar as garantias do contrato de seguro1;
Agravamento do risco: alteração, durante a vigência do contrato, das circunstân- cias existentes à data da celebração do contrato de seguro e relativas aos bens ou pessoas seguras, originando o aumento da probabilidade de verificação de um facto que obriga à responsabilidade do segurador2;
Apólice: documento escrito que confere eficácia e oponibilidade ao contrato de seguro celebrado entre o tomador e o segurador e que inclui todo o conteúdo acordado pelas partes, nomeadamente: (i) as condições gerais, (ii) as condições especiais, e (iii) as condições particulares3;
Beneficiário: pessoa singular ou colectiva a favor de quem reverterá a prestação do segurador (indemnização ou entrega de capital) decorrente de um contrato de seguro ou de uma operação de capitalização, independentemente de ser ou não parte no contrato de seguro;
Bónus: bonificação ou vantagem económica extraordinária, traduzida na redução do prémio do seguro e atribuída aquando da renovação do contrato, caso se verifi- quem certas circunstâncias, designadamente a ausência de participação de sinistro;
1 Esta noção decorre, em certa medida, do art. 210.º
2 Cfr. Parte I, VI, a).
3 Esta noção decorre dos arts. 31.º a 37.º
Capital seguro: montante fixado no contrato de seguro, correspondente ao valor máximo da prestação a pagar pelo segurador por sinistro ou anuidade de seguro, consoante o que for estabelecido no contrato4;
Cobertura: risco que o segurador assume perante o tomador do seguro ou outrem, através de um contrato de seguro, implicando a obrigação de o segura- dor realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleató- rio previsto no contrato, i.e. do sinistro. Deste modo, a cobertura varia consoante o tipo de contrato de seguro e as cláusulas contidas no mesmo5;
Condições especiais da apólice: cláusulas de um contrato de seguro que permi- tem esclarecer ou completar algumas das condições gerais do mesmo contrato, bem como limitar ou ampliar a cobertura em relação às situações e bens previstos nas condições gerais;
Condições gerais da apólice: cláusulas de um contrato de seguro que prevêem os direitos e as obrigações básicos de ambas as partes, normalmente comuns a todos os contratos que se destinam ao mesmo tipo de risco ou cobertura. Geral- mente são previamente elaboradas e impressas pelos seguradores, assumindo a natureza de cláusulas contratuais gerais;
Condições particulares da apólice: cláusulas que individualizam um contrato de seguro, nomeadamente as relativas à identificação do tomador, do segurado e da(s) pessoa(s) segura(s), à duração do contrato, ao montante de prémio a pagar e a outros encargos;
Contrato de seguro: acordo celebrado entre uma entidade autorizada a exercer a actividade de seguros (segurador), que se obriga, mediante o recebimento de de- terminada quantia (prémio), a garantir um determinado risco (situação coberta) e, caso o mesmo se verifique, a pagar à outra parte no contrato (tomador, pessoa segura ou beneficiário) um determinado montante convencionado6.
Nos termos do NRJCS, os contratos de seguro agrupam-se em dois grandes tipos: seguro de pessoas e seguro de danos (por referência, em certa medida, aos ra- mos vida e não vida, respectivamente).
O seguro de pessoas compreende a cobertura de riscos relativos à vida, à saúde e à integridade física de uma pessoa ou de um grupo de pessoas nele identificadas. Já o seguro de danos pode respeitar a coisas, bens imateriais, créditos e quaisquer outros direitos patrimoniais7;
Co-seguro: contrato de seguro mediante o qual vários seguradores (co-segura- dores), de entre os quais um é o líder e sem que haja solidariedade entre eles, assumem conjuntamente um determinado risco, através de uma única apólice, prevendo as mesmas garantias, idêntico período de duração e um prémio global8. A respectiva apólice é emitida pelo co-segurador líder, devendo dela constar a quota-parte do risco ou a parte percentual do capital seguro assumido por cada co-segurador;
4 Esta noção decorre do art. 49.º
5 Esta noção decorre, em certa medida, do art. 1.º
6 Idem.
7 Cfr. arts. 175.º e 123.º
8 Cfr. art. 62.º
Estorno: devolução ao tomador do seguro de parte ou da totalidade do prémio de seguro anteriormente pago;
Exclusão: situação ou acontecimento susceptível de gerar danos ou originar o dever de indemnizar mas que não está coberta (garantida) pelo contrato de se- guro. As exclusões encontram-se previstas nas condições gerais da apólice de seguro e podem ser relativas às qualidades do tomador ou pessoa segura ou a circunstâncias alheias a estes;
Franquia: montante ou percentagem sobre os prejuízos, fixado nas condições particulares da apólice, que será suportado pelo segurado em caso de sinistro; Poderá também ser um período imediato à ocorrência do sinistro no qual não há cobertura do risco;
Instrumentos de Captação de Aforro Estruturados (ICAE): instrumentos fi- nanceiros que, embora assumam a forma jurídica de um instrumento original já existente, têm características que não são directamente identificáveis com as do instrumento original, em virtude de terem associados outros instrumentos de cuja evolução depende, total ou parcialmente, a sua rendibilidade, sendo o risco do investimento assumido, ainda que só em parte, pelo tomador do seguro9;
Incapacidade: redução, parcial ou total, temporária ou permanente, das faculda- des físicas, motoras, orgânicas, sensoriais ou mentais de uma pessoa, em conse- quência de acidente ou doença;
Indemnização: compensação garantida pelo segurador destinada a reparar o prejuízo causado por um sinistro, até ao valor seguro, em caso de seguro válido que cubra esse risco. Poderá passar pela reconstituição dos bens afectados e/ou pelo pagamento de uma quantia pecuniária, ou, no caso dos seguros de pessoas, pelo pagamento do capital seguro, numa única prestação ou sob a forma de renda;
“Malus”: agravamento do seguro no momento da renovação do contrato, por aumento do montante do prémio, verificadas determinadas circunstâncias, no- meadamente, a ocorrência de um sinistro;
Mediador de seguros: pessoa singular ou colectiva que inicie ou exerça, median- te remuneração, a actividade de mediação de seguros, i.e. qualquer actividade que consista em apresentar ou propor um contrato de seguro ou praticar outro acto preparatório da sua celebração, em celebrar o contrato de seguro, ou em apoiar a gestão e execução desse contrato, em especial em caso de sinistro. Há três categorias de mediadores na lei portuguesa, a saber:
• Mediador de seguros ligado – categoria em que a pessoa exerce a activi- dade de mediação de seguros:
- Em nome e por conta de uma empresa de seguros ou, com autorização desta, de várias empresas de seguros, desde que os produtos que promova não sejam con- correntes, não recebendo prémios ou somas destinados aos tomadores de seguros, segurados ou beneficiários e actuando sob inteira responsabilidade dessa ou dessas empresas de seguros, no que se refere à mediação dos respectivos produtos; ou
9 Cfr. art. 206.º
- Em complemento da sua actividade profissional, sempre que o seguro seja acessório do bem ou serviço fornecido no âmbito dessa actividade principal, não recebendo prémios ou somas destinados aos tomadores de seguros, segurados ou beneficiários e actuando sob inteira responsabilidade de uma ou várias em- presas de seguros, no que se refere à mediação dos respectivos produtos;
• Agente de seguros – categoria em que a pessoa exerce a actividade de me- diação de seguros em nome e por conta de uma ou mais empresas de seguros ou de outro mediador de seguros, nos termos do ou dos contratos que celebre com essas entidades;
• Corretor de seguros – categoria em que a pessoa exerce a actividade de mediação de seguros de forma independente face às empresas de seguros, baseando a sua actividade numa análise imparcial de um número suficiente de contratos de seguro disponíveis no mercado que lhe permita aconselhar o cliente, tendo em conta as suas necessidades específicas;
Operação de capitalização: mecanismo através do qual, em troca do pagamento de prestações, o segurador se compromete a pagar ao subscritor, ou a quem legitimamente seja portador do título da operação de capitalização, um montante previamente fixado, decorrido um certo número de anos, também previamente estabelecido. As operações de capitalização integram-se nos seguros de pessoas, não constituindo, contudo, um seguro, na medida em que não há cobertura de risco;
Participação nos resultados: direito, contratualmente definido, de o tomador do seguro, o segurado ou o beneficiário, num seguro de vida, auferir parte dos resul- tados técnicos e/ou financeiros gerados pelo contrato de seguro ou pelo conjunto de contratos em que aquele se insere10;
Período de carência: período de tempo, após a celebração do contrato de se- guro, durante o qual as garantias do contrato de seguro ainda não são efecti- vas. Verifica-se, em regra, nos contratos de seguro de saúde que, durante este período, não obstante serem considerados plenamente válidos, não são ainda totalmente eficazes. Consequentemente, o segurador não satisfaz, durante este período, algumas das garantias previstas;
Peritagem: avaliação dos bens seguros ou dos danos sofridos por aqueles bens, feita na sequência de sinistro e da sua participação ao segurador;
Pessoa segura: expressão mais típica nos seguros de pessoas e que equivale à noção de «segurado» para este tipo de seguros e que é, no fundo, a pessoa cuja vida, saúde ou integridade física se pretende segurar através do contrato;
Prémio: contrapartida da cobertura acordada, incluindo o conjunto dos custos que impendem sobre o tomador do seguro, nomeadamente custos de cobertura de risco, custos de aquisição, de gestão e de cobrança e encargos relacionados com a emissão da apólice. Ao prémio acrescem os encargos fiscais e parafiscais a suportar pelo tomador de seguro11;
10 Cfr. art. 205.º
11 Cfr. art. 51.º
Resseguro: contrato através do qual seguradores (ou resseguradores) transferem para resseguradores parte do risco que assumiram ao celebrar contratos de segu- ro (ou de resseguro) com outrem12;
Risco: possibilidade de verificação de um acontecimento incerto ou em data incer- ta, previsto no contrato de seguro, susceptível de gerar prejuízos e cuja reparação ou compensação se pretende acautelar com a celebração daquele contrato;
Salvado: qualquer bem ou parte dele que escapou à verificação do risco coberto pelo contrato de seguro e que se salvou do sinistro;
Segurado: pessoa no interesse da qual o contrato é celebrado, sendo esta expres- são mais típica nos seguros de danos, por oposição aos seguros de pessoas, em que se utiliza mais frequentemente a expressão «pessoa segura»;
Segurador: entidade que a lei autoriza a exercer a actividade seguradora e que, nesse âmbito, celebra contratos de seguro com outra entidade (o tomador do seguro), sendo responsável pela indemnização ao segurado ou a terceiro ou pela entrega do montante garantido ao beneficiário, segurado ou subscritor13;
Seguro-caução: contrato de seguro através do qual o segurador se obriga, den- tro dos limites da caução, a indemnizar os danos patrimoniais sofridos pelo segu- rado (que não é parte no contrato), caso se verifique mora ou incumprimento das obrigações contratuais perante ele assumidas pelo respectivo devedor (o tomador do seguro) e desde que o cumprimento dessas obrigações possa ser assegurado por garantia pessoal14;
Seguro de crédito: contrato de seguro que, contra uma determinada remune- ração, permite ao credor (tomador do seguro) estar coberto contra o não paga- mento de créditos devidos por devedores previamente identificados em estado de incumprimento15;
Seguro de grandes riscos: contrato de seguro que respeita aos ramos Veículos Ferroviários, Aeronaves, Embarcações marítimas, lacustres e fluviais, Mercadorias transportadas, Responsabilidade civil de aeronaves e Responsabilidade civil de embarcações marítimas, lacustres e fluviais; seguros dos ramos Crédito e Caução, sempre que o tomador exerça a título profissional uma actividade industrial, co- mercial ou liberal e o risco se reporte a essa actividade; bem como dos ramos Veículos terrestres, Incêndio e elementos da natureza, Outros danos em coisas, Responsabilidade civil de veículos terrestres, Responsabilidade civil geral e Perdas pecuniárias diversas, sempre que o tomador do seguro exceda dois dos seguintes valores: (i) total de balanço correspondente a 6,2 milhões de euros; (ii) montante líquido do volume de negócios superior a 12,8 milhões de euros; (iii) número de empregados durante o último exercício superior a 25016;
12 Cfr. art. 72.º
13 A expressão «segurador» foi introduzida pelo NRJCS vindo designar o que habitualmente é designado por «seguradora» ou «empresa de seguros».
14 Cfr. art. 162.º
15 Cfr. art. 161.º
16 Cfr. art. 2.º do Decreto-Lei n.º 94-B/98, de 17 de Abril.
Seguro de grupo: contrato de seguro que cobre riscos de um conjunto de pes- soas ligadas ao tomador do seguro por um vínculo que não seja o de segurar. O seguro de grupo pode ser contributivo, quando do contrato resulta que os segu- rados suportam, no todo ou em parte, o pagamento do montante correspondente ao prémio devido pelo tomador do seguro, ou não contributivo, quando assim não é17;
Seguro em garantia: seguro celebrado com vista a garantir o cumprimento de determinadas obrigações;
Sinistro: verificação, total ou parcial, do evento que desencadeia o accionamento da cobertura do risco prevista no contrato18;
Sobre-seguro: contrato de seguro em que o capital seguro excede o valor do interesse seguro19;
Subseguro: contrato de seguro que prevê um valor seguro inferior ao valor do objecto seguro20;
Subscritor: entidade que celebra uma operação de capitalização com o segura- dor, sendo responsável pelo pagamento da prestação;
Tomador do seguro: entidade que celebra o contrato de seguro com o segura- dor e fica responsável pelo pagamento do prémio.
b) Como está organizado o diploma?
No que toca à sua sistematização, o NRJCS encontra-se dividido em três partes, a saber:
(i) Título I - «Regime comum», no qual se estabelecem as regras gerais, comuns a todos os contratos de seguro, nomeadamente as regras respeitantes à formação, execução e cessação do vínculo e sobre as quais nos debruçamos na Parte I deste guia;
(ii) Título II - «Seguro de Danos», no qual se abordam as regras gerais deste tipo de seguros, fixando-se ainda os regimes específicos dos seguros de responsabilidade civil, de incên- dio, de colheitas e pecuário, de transporte de coisas, financeiro, de protecção jurídica e de assistência, sobre as quais nos debruçamos na Parte II, Secção I, deste guia; e
(iii) Título III - «Seguro de Pessoas», no qual, além das disposições gerais relativas a este tipo de seguro, se regula o seguro de vida, o seguro de acidentes pessoais e o seguro de saúde, sobre as quais nos debruçamos na Parte II, Secção II, deste guia.
c) A que contratos se aplica o novo regime?
Artigos de referência: 2.º a 4.º do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril
O NRJCS aplica-se:
17 Cfr. art. 76º.
18 Cfr. art. 99.º
19 Esta noção decorre do art. 132.º
20 Esta noção decorre do art. 134.º
(i) Aos contratos de seguro celebrados após a sua entrada em vigor, ou seja, a partir de 1 de Janeiro de 2009;
(ii) Aos contratos de seguro celebrados anteriormente, que subsistam à data da sua entrada em vigor, com as seguintes particularidades:
- Contratos de seguro com renovação periódica:
a) o NRJCS aplica-se a partir da primeira renovação posterior à data da sua entrada em vigor (com excepção de determinadas regras relativas à formação do contrato);
b) as normas supletivas do NRJCS aplicam-se aos contratos celebrados anteriormente à data da sua entrada em vigor, desde que o segurador informe o tomador do seguro, com a antecedência mínima de sessenta dias em relação à data da respectiva reno- vação, do conteúdo das cláusulas alteradas por força da adopção do novo regime.
- Contratos não sujeitos a renovação:
a) tratando-se de seguros de danos, aplica-se o regime vigente à data da celebração do contrato, até ao seu termo;
b) no caso de seguros de pessoas, as partes têm de proceder à adaptação dos contratos de seguro celebrados antes da entrada em vigor do NRJCS, de modo a que este regi- me se lhes aplique no prazo de dois anos após a sua entrada em vigor (podendo tal adaptação ser feita na data aniversária do contrato desde que não se ultrapasse este limite de dois anos).
d) As partes podem afastar todas as regras do NRJCS?
Artigos de referência: 11.º a 13.º
Em matéria de contrato de seguro, como, aliás, em matéria contratual em geral, vigora a regra da liberdade contratual, nos termos da qual as partes têm liberdade para decidir se querem ou não contratar, com quem vão contratar e, por fim, como modelar o conteúdo do contrato.
Se no que toca às duas primeiras dimensões desta regra nos deparamos, no que concerne ao contrato de seguro em particular, com fortes limitações (na primeira, devido aos contratos de seguro obrigatórios e, na segunda, dada a regra da nulidade do contrato de seguro celebra- do por entidade não autorizada para o efeito), a terceira dimensão do Princípio da Liberdade Contratual surge expressamente no NRJCS, prevendo-se que as partes podem afastar as re- gras legais e estipular outras aquando da celebração de um contrato de seguro.
No entanto, as suas regras, consideradas em geral como tendo natureza supletiva (i.e., podendo ser afastadas e substituídas pelas partes), têm, por vezes, natureza obrigatória. Trata-se das normas imperativas, devidamente identificadas no diploma legal anexo, e que se dividem em:
(ii) Normas absolutamente imperativas: não admitem disposição das partes em contrário;
(iii) Normas relativamente imperativas: são obrigatórias, mas as partes podem afastá-las para estabelecer um regime mais favorável para o tomador do seguro, para o segurado ou para o beneficiário da prestação de seguro.
e) Podem os seguradores livremente recusar a celebração do contrato de seguro ou agravar o respectivo prémio com base no estado de saúde ou no sexo do interessado?
Artigo de referência: 15.º
Por regra, os seguradores dispõem de ampla liberdade contratual. Todavia, essa liberdade contratual nunca poderá afrontar o Princípio da Igualdade, nos termos do qual se devem tratar de forma igual as situações iguais e de forma diferente as situações diferentes.
Assim, são proibidas todas e quaisquer práticas discriminatórias em violação do Princípio da Igualdade em todos os momentos da vida do contrato de seguro (celebração, execução e cessação).
O NRJCS refere expressamente dois tipos de práticas discriminatórias proibidas, a saber:
(i) Práticas discriminatórias em razão de deficiência ou de risco agravado de saúde
Esta matéria surge na sequência da Lei n.º 46/2006, de 28 de Agosto, que veio proibir estas práticas discriminatórias, referindo expressamente os contratos de seguro21.
Consideram-se como práticas discriminatórias em razão da deficiência ou do risco agra- vado de saúde as acções ou omissões, dolosas ou negligentes, que, violando o Princípio da Igualdade, impliquem para as pessoas nessa situação um tratamento menos favo- rável do que aquele que seja dado a outra pessoa em situação comparável.
As práticas dos seguradores neste âmbito, nomeadamente as práticas e técnicas de ava- liação, selecção e aceitação de riscos, não serão, porém, susceptíveis de ser entendidas como discriminatórias e, por isso, proibidas, quando sejam objectivamente fundamen- tadas, tendo por base dados estatísticos e actuariais rigorosos e considerados relevantes nos termos da técnica seguradora.
No caso de recusa da celebração do contrato de seguro ou de agravamento do respec- tivo prémio em virtude de deficiência ou risco agravado de saúde, deve o segurador, com base nos referidos dados, esclarecer o proponente relativamente à relação entre os seus factores de risco específicos e os factores de risco de pessoa comparável mas não afectada por aquela deficiência ou risco agravado de saúde.
Nesta situação, o proponente terá sempre a faculdade de solicitar a uma comissão (constituída por um representante do Instituto Nacional para a Reabilitação, I.P., um representante do segurador e um representante do Instituto Nacional de Medicina Le- gal, I.P.) um parecer sobre a relação entre os factores de risco referidos no parágrafo anterior.
Este parecer tem, contudo, carácter não vinculativo, o que significa que o segurador não fica obrigado a contratar nos termos fixados pelo mesmo.
É de notar que a prática de um acto considerado discriminatório é punível com uma coima que, no caso de prática por pessoa colectiva, pode ir até trinta vezes a retribuição mínima mensal garantida22 e, em caso de reincidência, ao dobro do referido montante, podendo ser ainda aplicadas sanções acessórias que podem consistir no encerramento
21 Cfr. Apêndice de Legislação.
22 Actualmente fixada em € 426,00, nos termos do Decreto-Lei n.º 397/2007, de 31 de Dezembro.
do estabelecimento ou na suspensão de autorização administrativa porventura necessá- ria. Para além disso, haverá sempre responsabilidade civil perante aquele que haja sido discriminado, nos termos gerais23.
(ii) Práticas discriminatórias em razão do sexo
Nos termos da remissão feita pelo art. 15.º, esta questão é regulada em diploma espe- cial, a saber, a Lei n.º 14/2008, de 12 de Março24.
Assim, considera-se haver discriminação directa em todas aquelas situações em que, em função do sexo, uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável do que aque- le que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável. Por outro lado, considera-se haver discriminação indirecta sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutra coloque pessoas de um dado sexo numa si- tuação de desvantagem comparativamente com pessoas do outro sexo, a não ser que essa disposição, critério ou prática objectivamente se justifique por um fim legítimo e que os meios para o alcançar sejam adequados e necessários.
O diploma legal em questão prevê, para além disso, a proibição de pedidos de infor- mação relativos a uma situação de gravidez de mulher que se apresente a demandar um qualquer serviço, a não ser que a pergunta seja feita por razão de protecção da sua própria saúde.
Mais prevê, especificamente em relação ao contrato de seguro, que a consideração do sexo como factor de cálculo dos prémios e prestações de seguros não pode resultar em diferenciações nos prémios e prestações.
Tais diferenciações apenas serão permitidas se forem proporcionadas e decorrentes de uma avaliação do risco baseada em dados actuariais e estatísticos relevantes e rigoro- sos, considerando-se como tal os obtidos e elaborados nos termos de norma regula- mentar emitida para o efeito pelo ISP25.
Por fim, este diploma legal veio ainda estabelecer, no que respeita a coberturas de gra- videz e maternidade, que os custos relacionados com as mesmas não podem resultar numa diferenciação de prémios e prestações dos contratos de seguro.
Quanto à responsabilidade pela prática de um acto discriminatório, vale o que acima ficou dito a respeito da discriminação em função de deficiência ou risco agravado de saúde26.
f) Qual a lei aplicável ao contrato de seguro?
Artigos de referência: 5.º a 10.º
As partes podem livremente escolher a lei aplicável ao contrato de seguro que cubra riscos situados em Portugal ou, no caso dos seguros de pessoas, quando o tomador do seguro tenha em Portugal a sua residência habitual ou o estabelecimento a que o contrato respeita
23 Cfr. arts. 9.º a 11.º da Lei n.º 46/2006, de 28 de Agosto.
24 Cfr. Apêndice de Legislação.
25 O ISP aprovou a Norma Regulamentar n.º 8/2008, em 6 de Agosto de 2008. No entanto, tal norma não foi ainda publicada no Diário da República.
26 Cfr. arts. 11.º e 12.º da Lei n.º 14/2008, de 12 de Março.
(consoante se trate de pessoa singular ou colectiva).
A escolha da lei aplicável pelas partes deve ser expressa ou resultar de modo inequívoco das cláusulas do contrato de seguro.
Tal escolha pode referir-se à totalidade ou apenas a uma parte do contrato de seguro, tendo ainda as partes a faculdade de, em qualquer momento, alterar a lei aplicável, sujeitando o contrato a uma lei diferente.
Não obstante a liberdade de escolha da lei aplicável, alguns requisitos devem ser observados pelas partes, a saber:
- a lei escolhida tem que ter correspondência com um interesse sério dos declarantes; ou
- a lei escolhida tem de estar em conexão com alguns dos elementos do contrato de seguro atendíveis no domínio do direito internacional privado.
Nos termos da Convenção de Roma aplicável às obrigações contratuais, aberta à assinatura em Roma, em 19 de Junho de 1980, atende-se ao país com o qual o contrato apresenta a conexão mais estreita, presumindo-se, quanto ao contrato de seguro, que este corresponde ao país onde o segurador tem o seu estabelecimento principal ou, caso o contrato preveja o fornecimento da prestação por estabelecimento diverso do estabelecimento principal, ao país da situação desse estabelecimento, podendo, no entanto, afastar-se esta presunção se resultar das circunstâncias concretas que o contrato apresenta uma conexão mais estreita com outro país27.
No entanto, se as partes nada estipularem ou se a lei por elas escolhida for inaplicável (por desrespeito dos critérios referidos supra), o contrato de seguro rege-se pela lei do Estado com o qual esteja em mais estreita ligação.
Para estes efeitos, presume-se, então, que o contrato de seguro apresenta uma conexão mais estreita com a ordem jurídica do Estado em que o risco se situa (seguros de danos) ou com a ordem jurídica do Estado em que se situa a residência habitual do tomador do seguro ou o estabelecimento a que o contrato respeita (consoante se trate de uma pessoa singular ou colectiva, nos seguros de pessoas), presunção que, no caso de o Estado em mais estreita ligação com o contrato de seguro ser Portugal, é elevada a regra.
No caso de o contrato de seguro cobrir riscos relativos à actividade comercial, industrial ou liberal do tomador do seguro situados em mais de um Estado, sendo um deles Portugal, e caso não tenha havido escolha expressa de lei aplicável, considera-se que o contrato é regu- lado pela lei de qualquer dos Estados onde se situam os riscos. Isto tratando-se de seguro de danos. Tratando-se de seguro de pessoas, o contrato reger-se-á pela lei do Estado onde o tomador do seguro tiver a sua residência habitual, sendo pessoa singular, ou a sede da sua administração principal, sendo pessoa colectiva.
27 De notar que a Convenção de Roma foi alterada pelo Regulamento (CE) n.º 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de Junho de 2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, aplicável aos contratos celebrados a partir de 17 de Dezembro de 2009, que dispõe de uma norma específica aplicável aos contratos de seguro, indicando como elementos de conexão relevantes, no- meadamente, mas sem limitar, o país em que o segurador tenha o seu estabelecimento, o país de qualquer dos Estados-Membros em que se situe o risco no momento da celebração do contrato, o país em que o tomador do seguro tenha a sua residência habitual e, no caso do seguro de vida, a lei do Estado-Membro da nacionalidade do tomador do seguro.
Sem prejuízo da possibilidade de escolher a lei aplicável, se um contrato de seguro cobrir riscos situados em território português ou se o tomador do seguro, no seguro de pessoas, tiver residência habitual ou o estabelecimento a que o contrato respeita em Portugal, há certas normas («normas de aplicação imediata») que, tutelando interesses públicos, desig- nadamente de consumidores ou de terceiros, são imperativamente aplicáveis ao contrato de seguro, ainda que a lei escolhida tenha sido outra.
Por outro lado, os seguros que, à luz da ordem jurídica portuguesa, revistam carácter obri- gatório, são sempre regulados pela lei portuguesa.
g) Que outros diplomas legais regulam o contrato de seguro?
Para se poder ter uma noção completa do regime jurídico aplicável ao contrato de seguro, há que considerar vários outros diplomas legais, alguns dos quais, pela sua relevância, incluímos no Apêndice de Legislação infra.
Nesta sede destacam-se, pois, os seguintes diplomas legais e regulamentares, por temas:
i. Contratos de seguro em especial
1. Decreto-Lei n.º 384/2007, de 19 de Novembro, que cria o dever de informação do segurador ao beneficiário dos contratos de seguros de vida, de acidentes pessoais e de operações de capitalização com beneficiário, em caso de morte do segurado ou do subscritor, que se encontrem a produzir efeitos à data da sua entrada em vigor, ou que venham a ser celebrados após essa data;
2. Norma Regulamentar do Instituto de Seguros de Portugal n.º 6/2008-R, de 8 de Maio, que estabelece regras aplicáveis aos seguros de vida com coberturas de morte, invalidez ou desemprego associados a contratos de mútuo;
3. Decreto-Lei n.º 183/88, de 24 de Maio, que estabelece o regime jurídico dos seguros dos ramos «crédito» e «caução»;
ii. Mediação de seguros
1. Decreto-Lei n.º 144/2006, de 31 de Julho, que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2002/92/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de Dezembro, relativa à mediação de seguros, e estabelece o regime jurídico do acesso e do exercí- cio da actividade de mediação de seguros ou de resseguros (alterado pelo Decreto-Lei n.º 359/2007, de 2 de Novembro);
2. Norma Regulamentar do Instituto de Seguros de Portugal n.º 17/2006-R, de 29 de Dezembro, que Regulamenta o Decreto-Lei n.º 144/2006, de 31 de Julho (alterada pelas Normas Regulamentares n.º 219/2007 e n.º 220/2007, ambas de 28 de Agosto, e n.º 19/2008, de 11 de Janeiro);
3. Norma Regulamentar do Instituto de Seguros de Portugal n.º 18/2007-R, de 11 de Janeiro, que estabelece as condições mínimas a que deve obedecer o seguro obriga- tório de responsabilidade civil dos mediadores de seguros;
iii. Defesa do consumidor
1. Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, que estabelece o regime legal aplicável à defesa dos consumidores (alterada pela Lei n.º 65/98, de 16 de Dezembro e pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril);
iv. Cláusulas contratuais gerais
1. Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, que estabelece o regime jurídico das cláu- sulas contratuais gerais (alterado pelos Decretos-Leis n.º 220/95, de 31 de Agosto, n.º 249/99, de 7 de Julho e n.º 323/2001, de 17 de Dezembro);
v. Práticas discriminatórias
1. Lei n.º 46/2006, de 28 de Agosto, que proíbe e pune a discriminação em razão da deficiência e da existência de risco agravado de saúde;
2. Lei n.º 14/2008, de 12 de Março, que proíbe e sanciona a discriminação em função do sexo no acesso a bens e serviços e seu fornecimento, transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2004/113/CE, do Conselho, de 13 de Dezembro;
3. Norma Regulamentar do Instituto de Seguros de Portugal n.º 8/2008-R, de 6 de Agosto, que regula a obtenção e elaboração dos dados actuariais e estatísticos de base no caso de eventuais diferenciações em razão do sexo nos prémios e prestações individuais de seguros e de fundos de pensões;
vi. Venda de serviços à distância
1. Decreto-Lei n.º 95/2006, de 29 de Maio, que estabelece o regime jurídico aplicável aos contratos à distância relativos a serviços financeiros celebrados com consumidores, transpondo para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2002/65/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Setembro, relativa à comercialização à distância de serviços financeiros prestados a consumidores;
vii. Práticas comerciais desleais
1. Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de Março, que estabelece o regime aplicável às práticas comerciais desleais das empresas nas relações com os consumidores ocorridas antes, durante ou após uma transacção comercial relativa a um bem ou serviço, transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2005/29/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio, relativa às práticas comerciais desleais das empresas nas relações com os consumidores no mercado interno.
a) Quem pode celebrar contratos de seguro?
Artigos de referência: 16.º (absolutamente imperativo), 17.º (relativamente imperativo) e 30.º
O contrato de seguro é tipicamente celebrado por duas partes: o segurador e o tomador do seguro.
Qual o valor do contrato de seguro celebrado por uma entidade que não esteja legalmente habilitada?
O segurador que pretenda celebrar contratos de seguro em Portugal tem de estar legal- mente autorizado a exercer a actividade seguradora em Portugal, encontrando-se, para o efeito, registado junto do ISP.
Se uma entidade celebrar um contrato de seguro sem estar legalmente habilitada para tal, o contrato será nulo. No entanto, essa entidade terá de cumprir com as obrigações que assu- miu indevidamente, a não ser que a outra parte no contrato tenha agido de má fé.
Qual o valor do contrato de seguro celebrado por um mediador de seguros?
O segurador pode ser representado por um mediador de seguros. Nestes casos, é neces- sário que o mediador tenha poderes para celebrar contratos para que estes sejam válidos. Assim, caso o mediador não disponha de poderes específicos para celebrar um contrato, este será ineficaz em relação ao segurador, a não ser que o segurador o ratifique.
Considera-se que o contrato de seguro foi ratificado pelo segurador se este, logo que tenha conhecimento da sua celebração e do seu conteúdo, não comunicar ao tomador, no prazo de cinco dias, que se opõe ao contrato.
O contrato também não será ineficaz se tiverem existido razões ponderosas, objectivamente apreciadas tendo em conta as circunstâncias do caso, que justifiquem a confiança do to- mador do seguro na legitimidade do mediador de seguros e desde que o segurador tenha contribuído para gerar essa confiança do tomador do seguro.
Qual o valor do contrato de seguro celebrado por um representante do tomador do seguro?
O tomador do seguro é, por regra, a entidade que celebra o contrato de seguro com o segurador e que fica responsável pelo pagamento do prémio.
No entanto, o contrato de seguro pode ser celebrado por um representante do tomador do seguro. Neste caso, tornam-se relevantes para a formação do contrato não só os conhe- cimentos do próprio tomador mas também os do seu representante, o que é importante, sobretudo, para a questão da declaração inicial do risco, que adiante veremos28.
Quando o contrato seja celebrado por um representante sem poderes, o tomador - ou um representante com poderes - pode ratificar o contrato, ou seja, pode comunicar ao segura- dor que está de acordo com o contrato celebrado.
E pode fazê-lo mesmo depois de ter ocorrido um sinistro. Só assim não será se:
- o tomador, o segurado ou o beneficiário tiverem agido dolosamente; ou
- o segurador tiver concedido um prazo para a ratificação do contrato, o qual não pode ser inferior a cinco dias, e o contrato não tenha sido ratificado nesse prazo.
O segurador pode, no entanto, não saber que o representante não dispunha de poderes para celebrar o contrato. Nestes casos, o representante ficará obrigado a pagar o prémio proporcional ao período do contrato decorrido até que o segurador receba a ratificação ou tenha conhecimento de que a mesma foi recusada pelo tomador do seguro.
Se o representante tiver poderes, tudo se passa como se o contrato tivesse sido celebrado pelo próprio tomador do seguro.
b) No interesse de quem é celebrado o contrato de seguro?
Artigos de referência: 47.º e 48.º
Regra geral, o seguro é contratado pelo tomador do seguro no seu próprio interesse. É o que se chama o seguro por conta própria, sendo que um contrato de seguro só não será considerado como sendo por conta própria se:
- tal resultar do próprio contrato; ou
- tal resultar de circunstâncias atendíveis.
No entanto, o interesse do tomador pode ser apenas parcial. Nestes casos, se o seguro for efectuado na sua totalidade por conta própria, considera-se que o contrato foi feito por conta de todos os interessados. Pode, no entanto, haver disposição legal ou cláusula contratual em sentido diverso.
Pode acontecer que o tomador do seguro esteja a actuar por conta do segurado, mesmo que este seja indeterminado. Nestes casos estamos perante aquilo a que se chama o seguro por conta de outrem.
Neste tipo de contrato, é ao tomador que compete cumprir com as obrigações do contrato, com excepção daquelas que apenas possam ser cumpridas pelo segurado. Por outro lado, o segurado é o titular dos direitos que resultem do contrato, sendo que o tomador do seguro não os pode exercer sem o seu consentimento. Esta regra poderá ser afastada por acordo,
28 Cfr. Parte I, II, d).
desde que seja respeitada a regra relativa ao interesse no seguro29.
Outras regras a reter acerca do seguro por conta de outrem, que podem ser afastadas por acordo das partes, são as seguintes:
- o tomador pode opor-se à prorrogação automática do contrato e pode mesmo denunciá-lo, ainda que contra a vontade do segurado;
- o segurador pode opor ao segurado os meios de defesa decorrentes do contrato de segu- ro; no entanto, já não poderá opor ao segurado outros meios de defesa que resultem de outras relações que tenha com o tomador.
Figura que passa a ter consagração na lei é o seguro por conta de quem pertencer. Trata-se do seguro por conta de outrem em que se menciona a existência de um interessado mas em que este não é desde logo nomeado. A este tipo de contrato são aplicáveis as regras do seguro por conta de outrem quando se conclua que o interesse tutelado pelo contrato é um interesse alheio. O mesmo se passa com os seguros que tutelem indiferentemente interesses próprios ou alheios.
c) Quais são os deveres de informação do segurador?
Artigos de referência: 18.º a 23.º (relativamente imperativos)
Quais as informações a prestar obrigatoriamente pelo segurador?
Há informações que o segurador tem sempre de prestar, independentemente do que tenha de constar obrigatoriamente da apólice e que adiante veremos30. Assim, o segurador tem sempre de prestar ao tomador todos os esclarecimentos exigíveis e informá-lo das condições do contrato, destacando-se as seguintes informações obrigatórias:
- denominação e estatuto legal do segurador, nome do Estado onde se situa a sua sede social e respectiva morada; se o contrato for celebrado por uma sucursal em Portugal deve ser indicada a morada desta;
- âmbito do risco que o segurador se propõe cobrir;
- exclusões e limitações da cobertura;
- valor total do prémio a pagar ou, se isso não for possível, qual o método de cálculo do prémio;
- modalidades de pagamento do prémio e consequências da falta de pagamento;
- agravamentos ou bónus que possam ser aplicados bem como regime do respectivo cálcu- lo;
- montante mínimo do capital (nos seguros obrigatórios);
- montante máximo a que o segurador se obriga em cada período de vigência do contrato;
- duração do contrato e regime de renovação, denúncia e livre resolução, bem como regime de transmissão;
29 Cfr. art. 43.º
30 Cfr. Parte I, II, f).
- modo de efectuar reclamações, mecanismos de protecção jurídica e qual a autoridade de supervisão;
- regime relativo à lei aplicável.
Para além destes deveres de informação, poderá o segurador ter de cumprir com outros, decorrentes da legislação respeitante à prestação de serviços financeiros à distância - Decre- to-Lei n.º 95/2006, de 29 de Maio31 - e da legislação respeitante à defesa do consumidor
- Decreto-Lei n.º 24/96, de 31 de Julho -, isto se estivermos perante um contrato celebrado por meios de comunicação à distância, no primeiro caso, ou se o tomador do seguro for um consumidor, no segundo caso.
O segurador deve, ainda, informar o tomador do seguro do dever relativo à declaração inicial do risco, que adiante analisaremos32, bem como do regime aplicável ao seu incumprimento.
Se o contrato de seguro for celebrado por um mediador de seguros, acrescem aos deveres do segurador os deveres de informação próprios do mediador de seguros, constantes do Decreto-Lei n.º 144/2006, de 31 de Julho de 200633, a saber:
- identidade e endereço do mediador;
- registo em que foi inscrito, data da inscrição e meios para verificar se foi efectivamente registado;
- qualquer participação, directa ou indirecta, superior a 10% nos direitos de voto ou no capital que tenha numa determinada empresa de seguros;
- qualquer participação, directa ou indirecta, superior a 10% nos direitos de voto ou no capital do mediador de seguros detida por uma determinada empresa de seguros ou pela empresa mãe de uma determinada empresa de seguros;
- se o mediador está ou não autorizado a receber prémios para serem entregues à empresa de seguros;
- se a intervenção do mediador se esgota com a celebração do contrato de seguro ou se a sua intervenção envolve a prestação de assistência ao longo do período de vigência do contrato de seguro;
- qualidade de trabalhador de uma empresa de seguros, quando aplicável;
- direito do cliente de solicitar informação sobre a remuneração que o mediador receberá pela prestação do serviço de mediação e, em conformidade, fornecer-lhe, a seu pedido, tal informação;
- procedimentos que permitem aos tomadores de seguros e a outras partes interessadas apresentarem reclamações contra mediadores de seguros e procedimentos extrajudiciais de reclamação e recurso;
- se o mediador baseia os seus conselhos na obrigação de fornecer uma análise imparcial ou se tem a obrigação contratual de exercer a actividade de mediação de seguros exclusivamente para uma ou mais empresas de seguros ou outros mediadores de seguros; ou se não tem
31 Cfr. Apêndice de Legislação.
32 Cfr. Parte I, II, d).
33 Cfr. Apêndice de Legislação.
a obrigação contratual de exercer a actividade de mediação de seguros exclusivamente para uma ou mais empresas de seguros ou mediadores de seguros e se não baseia os seus conselhos na obrigação de fornecer uma análise imparcial;
- se no contrato intervêm outros mediadores de seguros, identificando-os.
Tratando-se de seguro de pessoas em que haja lugar à celebração de exames médicos, há deveres de informação adicionais, que adiante se analisarão34. Também quanto ao seguro de vida existem os deveres adicionais infra enunciados35.
As informações a prestar no caso de seguros de grupo serão analisadas na secção respeitante a este tipo de seguro36.
Como devem ser prestadas as informações?
As informações referidas deverão ser prestadas de forma clara e por escrito, o que não sig- nifica que tenham que ser dadas em papel, podendo mesmo vir a ser estabelecidas regras pelo ISP quanto ao suporte a utilizar.
Em que língua devem ser prestadas as informações?
Por regra, as informações devem ser prestadas em português. Se o tomador tiver pedido que a apólice seja redigida noutra língua as informações podem ser prestadas nessa língua.
Quando devem ser prestadas as informações?
As informações deverão, ainda, ser prestadas antes de o tomador celebrar o contrato, de- vendo a própria proposta de seguro conter uma menção comprovativa de que o foram, ou seja, uma declaração, a assinar pelo tomador, na qual este afirma ter sido convenientemente informado.
Que outros deveres de informação tem o segurador?
Impende ainda sobre o segurador um dever especial de esclarecimento quando a cobertura seja complexa ou quando o montante do prémio a pagar ou o capital seguro o justifiquem. Nestes casos, e caso o meio de contratação o permita, o segurador deve, antes de o contrato ser celebrado, esclarecer o tomador acerca das modalidades de seguro que são convenientes às concretas pretensões deste de entre aquelas que o segurador tem disponíveis.
Nestes casos ainda, o segurador deve chamar a atenção do tomador para o âmbito da co- bertura proposta, nomeadamente no que respeita às exclusões, aos períodos de carência aplicáveis e ao regime da cessação do contrato por vontade do segurador, explicando, ainda, quais os riscos de ruptura de garantia, se os houver. O segurador deve igualmente prestar es- clarecimentos pormenorizados sobre a relação entre as diferentes coberturas, se as houver.
O que acontece caso o segurador não cumpra os deveres de informação?
Nesse caso, o segurador será civilmente responsável, o que significa que terá de responder por danos causados ao tomador por via da falta de prestação de informações se o tiver feito em violação da lei e de forma dolosa ou negligente e caso o tomador sofra um dano que decorra dessa falta de informação.
34 Cfr. Parte II, II, 1., c).
35 Cfr. Parte II, II, 2., b).
36 Cfr. Parte I, V, a).
Para além disso, o tomador pode resolver o contrato de seguro, a não ser que a falta de prestação de informações não tenha afectado a decisão do tomador de contratar aquele seguro ou que um terceiro haja já accionado a cobertura.
O tomador tem trinta dias a contar da data em que receba a apólice para resolver o contrato. A cessação do contrato reportar-se-á à data em que o mesmo foi celebrado, tendo o toma- dor direito a receber o prémio que tiver pago.
Este direito de resolução existe também quando as condições da apólice não estejam em conformidade com as informações que foram prestadas antes da celebração do contrato.
d) Quais são os deveres de informação do tomador do seguro ou do segurado?
Artigos de referência: 24.º a 26.º (normas relativamente imperativas) e 124.º 37
Quais são os deveres de informação do tomador/segurado?
Também sobre o tomador do seguro - ou sobre o segurado, se este não coincidir com o tomador do seguro - impendem deveres de informação relativamente ao segurador. Estes deveres de informação traduzem-se na declaração inicial do risco.
Significa isto que o tomador ou o segurado têm de declarar com exactidão todas as circuns- tâncias que conheçam e que razoavelmente devam ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador. Assim, quaisquer informações que o tomador ou o segurado conheçam e que possam de alguma forma influenciar a decisão do segurador, quer no que se refere à aceitação do contrato, quer no que respeita ao possível agravamento do prémio, têm de ser fornecidas.
Esta obrigação estende-se mesmo a informações que não sejam pedidas pelo segurador em questionário porventura fornecido ao tomador ou ao segurado.
Quando devem ser prestadas as informações pelo tomador/segurado?
As informações em questão devem ser fornecidas ao segurador antes da celebração do contrato de seguro.
O que acontece se o segurador aceitar o contrato?
Um segurador que tenha aceite um contrato de seguro não pode, em caso de sinistro, vir a prevalecer-se de:
- omissões a respostas a perguntas constantes de um questionário;
- respostas imprecisas a questões formuladas em termos demasiados genéricos;
- incoerência ou contradição evidente nas respostas ao questionário;
- factos que o representante do segurador soubesse serem inexactos no momento em que o contrato foi celebrado ou que, tendo sido omitidos, esse representante conhecesse;
- circunstâncias conhecidas do segurador, em especial quando sejam públicas e notórias. Nestes casos, portanto, mesmo que o tomador ou o segurado tenham omitido algo, e desde
37 Este último preceito é apenas aplicável ao seguro de danos.
que não o tenham feito com dolo e com o objectivo de obter uma vantagem, o segurador, ao aceitar o contrato, vê precludido o seu direito de invocar contra o tomador ou o segurado a violação dos deveres de informação que sobre os mesmos impendem.
O que acontece se o tomador/segurado prestar informações inexactas ou omitir infor- mações?
Nesta situação, podemos distinguir duas hipóteses: ou o tomador/segurado agiu dolosamen- te, intencionalmente, ou o fez de forma negligente.
a) Se tiver havido dolo:
Nestes casos, o contrato de seguro será anulável. Basta que o segurador envie uma decla- ração ao tomador/segurado e o contrato é anulado.
Se ainda não tiver ocorrido um sinistro, esta declaração deve ser enviada no prazo de três meses a contar do momento em que o segurador teve conhecimento de que o to- mador/segurado incumpriu o seu dever de informação. Até ao final destes três meses, o segurador tem direito ao prémio correspondente, a não ser que tenha também havido dolo ou negligência sua ou de representante seu. Mas se o dolo do tomador/segurado tiver tido o propósito de obter uma vantagem, então o prémio é devido até ao final do contrato.
Se ocorrer um sinistro antes de o segurador ter tido conhecimento de que o dever de in- formação foi incumprido, o segurador não está obrigado a cobri-lo, nem mesmo durante os três meses acima referidos.
b) Se tiver havido mera negligência:
Nestas situações o segurador pode, no prazo de três meses a contar da data em que teve conhecimento do incumprimento do dever de informação pelo tomador/segurado, tomar uma das seguintes atitudes:
- propor uma alteração ao contrato, na qual deve fixar um prazo, não inferior a catorze dias, para o tomador/segurado aceitar essa alteração ou apresentar uma contraproposta. Nestes casos, o contrato cessará vinte dias após a recepção pelo tomador/segurado da proposta de alteração se este nada disser ou se a rejeitar, caso em que o prémio será devido proporcionalmente ao tempo do contrato decorrido; ou
- fazer cessar o contrato, demonstrando que nunca celebra contratos para a cobertura de riscos relacionados com os factos omitidos ou declarados inexactamente. Neste caso, o contrato cessa trinta dias após o envio da declaração pelo segurador.
Se ocorrer um sinistro antes da cessação ou alteração do contrato e se esse sinistro se tiver verificado ou se as suas consequências tiverem sido influenciadas pelo facto que foi omitido ou declarado inexactamente, há novamente duas hipóteses:
- ou o segurador cobre o sinistro, mas apenas na proporção da diferença entre o prémio que foi pago e aquele que deveria ter sido pago caso o segurador tivesse tido conheci- mento do facto omitido ou declarado inexactamente;
- ou o segurador demonstra que nunca teria celebrado o contrato, caso em que não cobre o sinistro mas tem de devolver o prémio.
Nos seguros de vida o segurador nunca se pode prevalecer de omissões ou inexactidões ne-
gligentes se tiverem decorrido mais de dois anos sobre a data da celebração do contrato38.
e) Como é celebrado o contrato?
Artigo de referência: 17.º (relativamente imperativo)
Quando se considera celebrado o contrato de seguro? Tratando-se de um seguro individual em que:
- o tomador seja uma pessoa singular;
- a proposta tenha sido feita pelo tomador em impresso próprio do segurador;
- a proposta tenha sido devidamente preenchida e acompanhada de todos os documentos indicados pelo segurador como necessários; e
- a proposta tenha sido entregue ou recebida em local indicado pelo segurador,
o contrato de seguro considera-se celebrado nos termos em que tenha sido proposto, caso o segurador nada diga até catorze dias após ter a recebido a proposta de seguro.
O mesmo se passará caso o próprio segurador tenha autorizado que a proposta fosse feita noutros moldes, desde que o tomador tenha seguido as instruções do segurador.
Em todo o caso, se o segurador demonstrar que nunca celebra contratos com as caracterís- ticas constantes da proposta, a regra enunciada não vale. No entanto, poderá o segurador incorrer em responsabilidade civil se tiver causado danos ao tomador.
As regras respeitantes à celebração do contrato de seguro de grupo serão analisadas mais à frente39.
f) Qual a forma do contrato?
Artigos de referência: 32.º, 34.º e 36.º (absolutamente imperativos) e 33.º, 35.º e 37.º (relativamente imperativos)
Qual a forma que tem de revestir um contrato de seguro?
O contrato de seguro não tem de obedecer a nenhuma forma especial, o que significa que não tem de ser necessariamente celebrado por escrito.
No entanto, para que o segurador possa invocar a existência e as condições do contrato terá de o formalizar num instrumento escrito que deverá entregar ao tomador do seguro, docu- mento esse que deve ser datado e assinado pelo segurador – é o que se chama a apólice de seguro.
Quando e como deve ser entregue a apólice de seguro ao tomador?
A apólice deve, por regra, ser entregue no momento em que o contrato é celebrado, poden- do ser acordada a entrega em suporte electrónico duradouro.
38 Cfr. Parte II, II, 2., c).
39 Cfr. Parte I, V.
Quais as consequências da entrega da apólice?
A partir do momento em que a apólice é entregue, o segurador só poderá invocar cláusulas que constem da mesma.
Por outro lado, enquanto não for entregue a apólice, o segurador só pode invocar cláusulas que constem de outro documento escrito que tenha sido entregue ao tomador ou que tenha sido por este assinado. Assim, caso seja entregue ao tomador, no momento da celebração ou em momento anterior, um documento que não reflicta todas as cláusulas do contrato, essas cláusulas não comunicadas não podem ser invocadas pelo segurador até que a apólice seja efectivamente entregue.
Por fim, passados trinta dias sobre a data em que a apólice foi entregue e se o tomador nada disser, nomeadamente quanto a eventuais divergências entre o que foi acordado e aquilo que consta da apólice, o tomador apenas poderá vir a invocar em seu favor divergências que resultem do confronto da apólice com outro documento escrito ou suporte duradouro que lhe tenha sido entregue.
Quais os direitos do tomador do seguro no que respeita à entrega da apólice?
O tomador tem o direito de exigir a entrega da apólice a qualquer momento, mesmo que o contrato já tenha cessado.
Por outro lado, enquanto não for entregue a apólice, o tomador tem o direito de resolver o contrato, sendo que, caso o faça, a cessação tem efeitos retroactivos, tudo se passando como se o contrato nunca tivesse existido e tendo o tomador direito a receber o estorno da totalidade do prémio que pagou.
Este direito de resolução existe também quando as condições da apólice não estejam em conformidade com as informações que foram prestadas antes da celebração do contrato40.
Como deve ser redigida a apólice?
A apólice tem de ser redigida de forma compreensível, concisa e rigorosa. Os caracteres têm de ser legíveis e devem ser usadas expressões da linguagem corrente na medida do possível.
A língua deve ser a portuguesa a não ser que o tomador peça que a apólice seja redigida noutra língua e nisso acorde com o segurador.
Qual o conteúdo que deve ter a apólice?
A apólice deve conter tudo aquilo que foi acordado pelas partes, nomeadamente as con- dições gerais, especiais e particulares aplicáveis.
Refira-se, a este respeito, que se considera que o contrato de seguro integra as mensagens publicitárias que lhe digam respeito, de tal modo que se consideram excluídas do contrato quaisquer cláusulas que contrariem essas mensagens publicitárias. Só assim não será se: (i) as cláusulas em questão forem mais favoráveis ao tomador; (ii) tiver decorrido mais de um ano entre o fim da emissão das mensagens publicitárias e a celebração do contrato; ou (iii) as próprias mensagens publicitárias fixarem um período de vigência e o contrato tiver sido celebrado fora desse período.
40 Cfr. art. 23.º
Os elementos mínimos que devem constar da apólice são:
a) a palavra «apólice» e a identificação completa dos documentos que a compõem;
b) a identificação e morada do segurador e do tomador, incluindo o número de identificação fiscal, e, se não forem coincidentes, a identificação do segurado, do beneficiário e do representante do segurador para efeitos de sinistro;
c) a natureza do seguro;
d) os riscos cobertos;
e) o âmbito territorial e temporal do contrato;
f) os direitos e as obrigações das partes, bem como os do segurado e do beneficiário, se diferentes do tomador;
g) o capital seguro ou o modo da sua determinação;
h) o prémio ou a fórmula como o mesmo é calculado;
i) a data de início do contrato, com indicação de dia e hora, bem como a sua duração;
j) o conteúdo da prestação do segurador em caso de sinistro ou o modo de o determinar;
k) a lei aplicável ao contrato e as condições em que se pode recorrer a arbitragem.
Para além destes elementos mínimos, devem ainda constar, em caracteres destacados e de maior dimensão:
a) quais as causas de invalidade, de prorrogação, de suspensão e de cessação do contrato;
b) qual o âmbito das coberturas, designadamente quando é que as mesmas estão excluídas ou limitadas;
c) quaisquer deveres de aviso que impendam sobre o tomador ou sobre o beneficiário e que tenham de ser cumpridos num determinado prazo.
Tratando-se de seguro de pessoas, designadamente de seguro de acidentes pessoais ou de saúde de longa duração41, a apólice deve ainda precisar, em caracteres destacados (e quando aplicável):
a) a extinção do direito às garantias;
b) a eventual extensão da garantia para além do termo do contrato; e
c) o regime de evolução e adaptação dos prémios na vigência do contrato. Especificamente no seguro de vida42, a apólice deve ainda indicar:
a) as condições, prazo e periodicidade do pagamento dos prémios;
b) a cláusula de incontestabilidade, ou seja, a partir de quando é que o segurador não se pode prevalecer de omissões ou inexactidões;
c) as informações pré-contratuais específicas do seguro de vida43;
41 Cfr. art. 179.º
42 Cfr. arts. 187.º e 194. º
43 Cfr. Parte II, II, 2., b).
d) o período máximo em que o tomador pode exercer a faculdade de repor em vigor o contrato após a sua resolução ou redução;
e) as condições de manutenção do contrato pelos beneficiários em caso de morte, ou pelos herdeiros;
f) se o contrato dá ou não direito a participação nos resultados e qual a forma de cálculo da mesma;
g) se o contrato dá ou não lugar a investimento autónomo dos activos representativos das provisões matemáticas e qual a natureza e regras para a formação da carteira de investi- mento desses activos;
h) uma tabela de valores de resgate ou redução calculados com referência à data de reno- vação do contrato, sempre que existam valores mínimos garantidos.
Para além de todos estes elementos, devem igualmente constar da apólice os elementos referidos a propósito dos deveres de informação do segurador44.
O conteúdo específico no caso de seguros de grupo será analisado mais adiante45.
44 Cfr. Parte I, II, c).
45 Cfr. Parte I, V e arts. 76.º a 90.º e 187.º, n.º 2.
a) A partir de quando se considera que o contrato de seguro produz efeitos?
Artigo de referência: 39.º
Salvo convenção em contrário das partes, o contrato de seguro produz efeitos a partir das 00:00 horas do dia seguinte ao da sua celebração.
b) Qual é a duração do contrato de seguro?
Artigos de referência: 40.º e 41.º
Se as partes nada estipularem, o contrato de seguro vigora pelo período de um ano.
No entanto, e, mais uma vez, salvo convenção em contrário, o contrato de seguro celebrado pelo período inicial de um ano prorroga-se, sucessivamente, no final do termo estipulado, por novos períodos de um ano.
Por seu lado, o contrato de seguro celebrado por período inicial inferior ou superior a um ano não se prorroga no final do termo estipulado, excepto se regime diferente for estipulado pelas partes.
c) Qual é a data relevante para efeitos de início de cobertura de risco?
Artigo de referência: 42.º
Em regra, as partes podem fixar no contrato a data de início da cobertura do seguro, a qual dependerá, sempre, no entanto, do pagamento do respectivo prémio, nos termos do art. 59.º
Prevê-se a possibilidade de as partes convencionarem a cobertura de riscos anteriores à data da celebração do contrato, sem prejuízo do regime da inexistência do risco46, ou seja, daqueles casos em que o contrato é nulo por, no momento em que foi celebrado, o tomador do seguro ou o segurado já saberem que o risco havia cessado.
46 Cfr. art. 44.º
Conteúdo IV
a) Qual o âmbito do contrato?
Artigos de referência: 14.º, 45.º, nº 2, 46.º (relativamente imperativo), 191.º, 192.º, 193.º e 216.º
Quais os riscos que o contrato de seguro pode cobrir?
O NRJCS estabelece normas preferencialmente supletivas, deixando, assim, uma grande margem de autonomia às partes para definirem em concreto quais os riscos cobertos e quais os riscos excluídos.
Importa ter em conta, todavia, que a lei proíbe a cobertura dos seguintes riscos:
(i) Responsabilidade criminal, contra-ordenacional ou disciplinar47;
(ii) Xxxxx, sequestro e outros crimes contra a liberdade pessoal48;
(iii) Posse ou transporte de estupefacientes ou drogas cujo consumo seja interdito49;
(iv) Morte de crianças com idade inferior a 14 anos ou daqueles que por anomalia psíquica ou outra causa se mostrem incapazes de governar a sua pessoa50.
Quais as situações que habitualmente são excluídas da cobertura dos contratos de seguro?
Para além de a lei proibir a cobertura de certos riscos, como acima se referiu, pode ficar contratualmente estipulado que determinadas coberturas sejam excluídas do âmbito do con- trato.
A lei prevê, aliás, alguns casos típicos de exclusão, os quais podem, todavia, ser afastados por acordo das partes.
47 A presente proibição não é extensiva à responsabilidade civil eventualmente associada.
48 A presente proibição não abrange o pagamento de prestações estritamente indemnizatórias.
49 Idem.
50 A cobertura do risco morte por acidentes de crianças com idade inferior a 14 anos, desde que contrata- da por instituições escolares, desportivas ou de natureza análoga que dela não sejam beneficiárias não é, todavia, proibida.
Esses casos são os seguintes:
(i) Sinistros anteriores à data da celebração do contrato de seguro quando o tomador do seguro ou o segurado deles tivesse conhecimento nessa data (art. 44.º, n.º 2);
(ii) Riscos derivados de guerra, insurreição ou terrorismo (art. 45.º, n.º 2);
(iii) Sinistros causados dolosamente pelo tomador do seguro ou pelo segurado (art. 46.º, n.º 1) 51;
(iv) Danos causados dolosamente pelo beneficiário (art. 46.º, n.º 2);
(v) Sinistros ocorridos entre a data do vencimento e a data do pagamento do prémio de que o beneficiário tivesse conhecimento (art. 55.º, n.º 4);
(vi) Morte em caso de suicídio ocorrido até um ano após a celebração do contrato de segu- ro (art. 190.º, n.º 1) 52;
(vii) Doenças preexistentes da pessoa segura à data da realização do contrato (art. 216.º) 53.
b) Quais as regras sobre o prémio?
Artigos de referência: 52.º, 53.º, 54.º (absolutamente imperativo), 55.º, 57.º, 59.º (absolutamente imperativo), 60.º (relativamente imperativo), 61.º (absolutamente imperativo) e 121.º
Como se calcula o prémio do seguro?
O montante do prémio e as regras sobre o seu cálculo e determinação são estipulados livre- mente pelas partes no contrato de seguro.
Em todo o caso, a determinação do prémio tem que ser adequada e proporcional aos riscos a cobrir pelo segurador e o seu cálculo deve estar de acordo com os princípios da técnica seguradora54.
A que período corresponde o prémio e em que proporção é devido?
O prémio corresponde ao período de duração do contrato, sendo, salvo disposição em con- trário, devido por inteiro. Assim, por regra, a totalidade de prémio correspondente a todo
51 De notar que nesta situação, apesar de a lei continuar a não impor a exclusão, deixando uma margem de autonomia às partes, prevê-se expressamente que o acordo que estabeleça que o segurador é obrigado a efectuar a prestação convencionada, mesmo em caso de sinistro dolosamente causado pelo tomador de seguro ou pelo segurado, não é permitido no caso de ofender a ordem pública. Sem prejuízo do disposto neste artigo, prevê-se no art. 193.º que, se o dano corporal na pessoa segura for provocado dolosamente pelo beneficiário, a prestação reverte para a pessoa segura.
52 A mesma exclusão aplica-se também em caso de uma pessoa segura optar por aumentar o capital seguro a liquidar em caso de morte durante a vigência do contrato ou nos casos em que o contrato seja reposto em vigor; nestes casos, a exclusão respeitará, no entanto, apenas ao acréscimo de cobertura relacionado quer com o montante de capital aumentado quer com o novo período de cobertura resul- tante da reposição em vigor (cfr. art. 191.º, n.º 2).
53 Neste caso, a regra é a de que o risco esteja abrangido na cobertura convencionada, prevendo a lei que o mesmo possa ser excluído por acordo em contrário, de modo genérico ou especificadamente. A lei confere ainda a faculdade de se prever no contrato um período de carência não superior a um ano para a cobertura das doenças preexistentes.
54 De notar que este princípio é o que está na base das normas relativas à possibilidade de agravamento de prémio em caso deficiência ou risco agravado de saúde ou de diferenciações de prémio em resulta- do do sexo (cfr. art. 15.º).
o período de duração do contrato deverá ser paga no momento em que o contrato é celebrado.
No entanto, as partes podem acordar que o prémio seja pago por fracções. Quando é que se vence o prémio?
O prémio inicial, ou a primeira fracção deste, é devido, salvo convenção em contrário, na data da celebração do contrato.
As fracções seguintes do prémio inicial, o prémio de anuidades subsequentes e as sucessivas fracções deste são devidos nas datas estabelecidas no contrato.
No caso da parte do prémio de montante variável relativa a acerto de valor ou, quando seja
o caso, da parte do prémio correspondente a alterações ao contrato, as mesmas são devidas nas datas indicadas nos respectivos avisos.
O segurador deve avisar55-56 por escrito qual o montante a pagar e qual a forma e o local do pagamento com pelo menos trinta dias de antecedência sobre a data em que se vença o prémio ou uma determinada fracção deste. Esse aviso deve indicar quais as consequências da falta de pagamento.
Como se pode pagar o prémio?
O prémio de seguro pode ser pago dos seguintes modos57:
(i) numerário;
(ii) cheque bancário58;
(iii) transferência bancária59;
(iv) vale postal;
(v) cartão de crédito ou de débito ou outro meio electrónico de pagamento. Quem deve pagar o prémio?
Por regra, o prémio é pago pelo tomador do seguro. No entanto, poderá ser pago por tercei- ro, interessado ou não no cumprimento da obrigação, não podendo o segurador recusar o recebimento.
55 Pode o segurador optar por não enviar o aviso nos contratos de seguro em que seja convencionado o pagamento do prémio em fracções de periodicidade igual ou inferior a três meses e quando nos documentos contratuais se indiquem as datas de vencimento das sucessivas fracções do prémio e os respectivos valores a pagar.
56 O disposto no art. 60.º não se aplica aos seguros e operações respeitantes ao seguro de vida, aos seguros de colheitas e pecuário, aos seguros mútuos em que o prémio seja pago com o produto de receitas e aos seguros de cobertura de grandes riscos, sem prejuízo de as partes poderem acordar na sua aplicação e tal aplicação não se revelar incompatível com a natureza do contrato.
57 De notar que, nos termos do art. 54.º, n.º 6, nos seguros de pessoas é lícito às partes convencionar outros meios e modalidades de pagamento do prémio, contanto que respeitem as disposições legais e regulamentares em vigor.
58 Este modo de pagamento fica subordinado à condição da sua boa cobrança e, verificada esta, o paga- mento considera-se feito na data da recepção do cheque.
59 Este modo de pagamento fica subordinado à condição de não anulação posterior do débito por retrac- tação do autor do pagamento.
Caso um terceiro, que tenha interesse no contrato, sendo, nomeadamente, titular de direitos ressalvados no contrato de seguro, queira proceder ao pagamento do prémio já vencido, pode fazê-lo desde que tenha sido estabelecida no contrato essa possibilidade e desde que tal pagamento ocorra num prazo não superior a trinta dias sobre a data de vencimento. Se o fizer, o contrato é reposto em vigor.
As regras relativas ao pagamento do prémio no seguro de grupo serão abordadas mais à frente60.
Quais são as consequências da falta de pagamento do prémio na data do vencimento? Sem que seja pago o prémio não há cobertura de riscos.
Por outro lado, a falta de pagamento do prémio na data do vencimento constitui o tomador do seguro em mora.
Todavia, a mora tem diferentes consequências tendo em conta o tipo de contrato de seguro celebrado.
Na generalidade61 dos contratos de seguro, a falta de pagamento do prémio na data do vencimento tem as seguintes consequências:
(i) Resolução automática do contrato, no caso de falta de pagamento na data do venci- mento:
- do prémio inicial, ou da primeira fracção deste62;
- de uma fracção do prémio no decurso de uma anuidade;
- de um prémio de acerto ou de parte de um prémio de montante variável;
- de um prémio adicional resultante de uma modificação do contrato fundada num agravamento superveniente do risco;
(ii) Impedimento da prorrogação do contrato, no caso de falta de pagamento do prémio de anuidades subsequentes, ou da primeira fracção deste;
(iii) Ineficácia da alteração, no caso de prémio adicional resultante de uma modificação contratual, com subsistência do contrato com o âmbito e nas condições que vigoravam antes da pretendida modificação, a menos que tal subsistência se revele impossível, caso em que o contrato se considera resolvido na data do vencimento do prémio não pago.
As consequências da falta de pagamento do prémio no seguro de vida serão abordadas mais à frente63.
60 Cfr. Parte I, V, b).
61 O disposto nos arts. 59.º a 61.º não se aplica aos seguros e operações respeitantes ao seguro de vida, aos seguros de colheitas e pecuário, aos seguros mútuos em que o prémio seja pago com o produto de receitas e aos seguros de cobertura de grandes riscos, sem prejuízo de as partes poderem acordar na sua aplicação e tal aplicação não se revelar incompatível com a natureza do contrato (cfr. art. 58.º).
62 Esta resolução, ao contrário das seguintes, as quais têm efeitos a partir das respectivas datas de venci- mento, tem efeitos a partir da data da celebração do contrato.
63 Cfr. Parte II, II, 2., l).
Até quando é que o segurador pode exigir o pagamento do prémio?
O direito do segurador ao prémio prescreve no prazo de dois anos a contar da data do seu vencimento. Assim, passados dois anos sem que o prémio tenha sido pago ou exigido judi- cialmente pelo segurador, este perde o direito a reclamá-lo.
a) Quais as especificidades do dever de informar?
Artigos de referência: 78.º, 79.º e 87.º (relativamente imperativos)
Quais as informações a prestar pelo tomador do seguro aos segurados?
O tomador de um seguro de grupo contributivo deve informar os segurados:
(i) das coberturas contratadas e das suas exclusões;
(ii) das obrigações e direitos do segurado em caso de sinistro;
(iii) das alterações ao contrato.
Tratando-se de um seguro de pessoas, o tomador deve também informar as pessoas seguras do regime de designação e alteração do beneficiário.
Estas informações deverão ser prestadas de acordo com um espécimen fornecido pelo segu- rador, competindo ao tomador do seguro provar que as forneceu. No entanto, pode o con- trato prever que a obrigação de prestar estas informações seja assumida pelo segurador.
Para alem disso, tratando-se de um seguro contributivo e sendo o tomador beneficiário do mesmo, o tomador tem de informar qual o montante das remunerações que lhe sejam atribuídas em função da sua intervenção no contrato e a dimensão relativa que tais remune- rações representam em proporção do valor total do prémio.
Ainda no caso do seguro contributivo, o tomador deve fornecer ao segurado todas as infor- mações a que um tomador individual teria direito em circunstâncias análogas.
Quais as informações a prestar pelo segurador aos segurados?
Os segurados têm também direito a receber as informações a prestar obrigatoriamente pelo segurador64, embora com as necessárias adaptações.
Por outro lado, o segurador tem o dever de facultar ao segurado todas as informações que este solicite para compreender o contrato.
64 Cfr. Parte I, II, c).
Quais as consequências do incumprimento do dever de informar?
Quer o tomador quer o segurador serão civilmente responsáveis pelos danos que causem em virtude de não terem cumprido com os seus deveres de informação.
Para além disso, e tratando-se de seguro contributivo, o incumprimento dos deveres especí- ficos deste tipo de seguro pelo tomador implica para este a obrigação de suportar a parte do prémio correspondente ao segurado, sem que este perca as respectivas garantias, até à data de renovação do contrato ou até à respectiva data aniversária.
b) Como se processa o pagamento do prémio?
Artigo de referência: 80.º
Quem deve pagar o prémio?
Por regra, a obrigação de pagar o prémio ao segurador é do tomador e não do segurado. No entanto, pode ficar contratualmente acordado que seja o segurado a pagar o prémio directamente ao segurador.
Quais as consequências do não pagamento do prémio?
Se for o tomador o obrigado ao pagamento e não o fizer, aplicam-se as regras gerais dos artigos 59.º e 61.º65.
No entanto, tratando-se de seguro contributivo em que o segurado ficou obrigado ao pa- gamento do prémio ao segurador, tais regras apenas se aplicam à cobertura do segurado e não ao contrato.
c) Quais as especificidades da designação beneficiária?
Artigo de referência: 81.º
Por regra, é a pessoa segura que designa o beneficiário do seguro. No entanto, pode ser acorda- do que assim não seja. Em tudo o mais aplica-se o regime geral da designação beneficiária66.
d) Quais os direitos do segurado em caso de alteração ao contrato de seguro de grupo?
Artigo de referência: 82.º
Se o tomador e o segurador alterarem as condições do contrato, as mesmas deverão ser comunicadas ao segurado. Recebida esta comunicação, o segurado pode denunciar o vín- culo resultante da sua adesão ao grupo seguro, ou seja, pode enviar declaração escrita ao tomador – ou ao segurador, se o contrato assim o previr – com uma antecedência de trinta dias, dizendo que deixará de pertencer ao grupo seguro.
65 Cfr. Parte I, IV, b)
66 Cfr. Parte II, II, 2., i)
Esta faculdade do segurado não existe quando se trate de uma adesão obrigatória em virtude de relação estabelecida com o tomador do seguro, como se passa tipicamente nos seguros em garantia.
e) Quando é que o segurado pode ser excluído do grupo?
Artigo de referência: 83.º
O segurado poderá ser excluído do grupo:
(i) caso cesse o seu vínculo com o tomador;
(ii) tratando-se de seguro contributivo, caso não entregue ao tomador a quantia destinada ao pagamento do prémio;
(iii) quando o segurado ou o beneficiário, com o conhecimento daquele, pratiquem actos fraudulentos em prejuízo do tomador ou do segurador.
f) Como cessa o contrato?
Artigo de referência: 84.º
Estabelece-se que o tomador poderá fazer cessar o contrato por revogação, denúncia ou resolução, nos termos gerais.
O tomador deve comunicar ao segurado a extinção da cobertura decorrente da cessação do contrato de seguro, o que deve ser feito com trinta dias de antecedência em caso de revogação ou denúncia do contrato. Se este prazo não for respeitado, o tomador responde pelos danos a que der origem.
g) Qual o conteúdo do contrato?
Artigos de referência: 83.º, n.º 3, e 85.º
O contrato deve definir o procedimento de exclusão do segurado e os termos em que a exclusão produz efeitos.
Admite-se, por outro lado, a possibilidade de o contrato prever que o segurado tenha direito a manter as coberturas de que beneficiava em caso de exclusão do grupo ou de cessação do contrato de seguro de grupo.
As regras respeitantes ao conteúdo do contrato de seguro de vida de grupo serão analisadas mais à frente67.
h) Como se adere ao contrato?
Artigos de referência: 88.º e 89.º (relativamente imperativos)
67 Cfr. Parte II, II, 2., b).
É regulamentada a forma de adesão aos contratos de seguro de grupo contributivos em que o tomador seja simultaneamente mediador com poderes de representação. Assim:
(i) tratando-se de pessoa singular, a adesão considera-se efectuada nos termos propos- tos se, decorridos trinta dias após a recepção da proposta pelo tomador/mediador, o segurador não tiver notificado o proponente da recusa ou da necessidade de recolher informações essenciais à avaliação do risco;
(ii) a mesma regra se aplica caso sejam solicitadas e prestadas tais informações e o segura- dor nada disser ao fim de trinta dias;
(iii) o tomador/mediador deve fornecer ao proponente cópia da proposta ou dos documen- tos em que sejam prestadas informações essenciais à avaliação do risco (v.g. questio- nários) nos quais deverá ser averbada a data da recepção; o tomador será responsável perante o segurador pelo incumprimento deste dever.
É ainda introduzida uma importante regra aplicável à adesão a qualquer tipo de seguro de grupo contributivo, a saber: da declaração de adesão devem constar todas as condições que, em circunstâncias análogas, deveriam constar de um seguro individual.
i) Quem tem direito à participação nos resultados?
Artigo de referência: 90.º (relativamente imperativo)
Por fim, estipula-se que nos seguros de grupo contributivos é o segurado e não o tomador do seguro o titular do direito à participação nos resultados porventura definida na apólice, sendo este direito proporcional à parte do prémio suportada pelo segurado.
Situações que podem ocorrer durante VI
a vigência do contrato
a) O que fazer quando haja uma alteração do risco?
Artigos de referência: 91.º a 94.º (relativamente imperativos)
Durante a vigência do contrato, impende sobre o segurador e sobre o tomador do seguro ou o segurado um dever recíproco de comunicação quanto às alterações do risco.
Para o segurador, este dever aplica-se relativamente aos esclarecimentos prestados quanto às condições do contrato (v.g., o âmbito do risco que se propõe cobrir, as exclusões e limi- tações da cobertura e os agravamentos ou bónus que possam ser aplicados).
À excepção dos casos em que se estipule um dever de confidencialidade no contrato de seguro, o segurador é também obrigado a comunicar tais alterações a eventuais terceiros com direitos ressalvados no contrato e a beneficiários do seguro com designação irrevogável identificados na apólice que possam ser prejudicados pelas mesmas.
Já para o tomador do seguro ou o segurado, este dever prende-se com as alterações do risco relativamente às declaradas aquando da formação do contrato de seguro, em sede de declaração inicial de risco68.
Estas alterações do risco podem traduzir-se, fundamentalmente, em:
(i) Diminuição do risco: verificando-se uma diminuição inequívoca e duradoura do risco com reflexos nas condições do contrato, o segurador deve, a partir do momento em que tome conhecimento das novas circunstâncias, ajustar o valor do prémio em con- formidade. Se as partes não chegarem a acordo quanto ao novo valor do prémio, o tomador do seguro pode resolver o contrato;
(ii) Agravamento do risco: durante a execução do contrato de seguro, o tomador do se- guro ou o segurado têm o dever de comunicar ao segurador, no prazo de catorze dias a contar do conhecimento do facto respectivo, todas as circunstâncias que agravem o risco, desde que tais circunstâncias, caso fossem conhecidas pelo segurador aquando da celebração do contrato, tivessem podido influir na decisão de contratar ou nas con- dições do contrato.
68 Cfr. Parte I, II, d).
Por seu turno, e no prazo de trinta dias a partir do momento em que tenha conhecimento do agravamento do risco, o segurador pode:
- apresentar ao tomador do seguro uma proposta de alteração do contrato de seguro, caso em que este deve, no mesmo prazo, aceitar ou recusar tal proposta, sendo que, nada fa- zendo, a proposta de modificação se considera aprovada; ou
- resolver o contrato, desde que demonstre que não celebra, de todo, contratos que cubram riscos com as características resultantes daquele agravamento do risco.
Pode ocorrer que antes da modificação ou cessação do contrato de seguro nos termos refe- ridos se dê um sinistro cuja verificação ou consequências se devam ao agravamento do risco. Nesses casos, o segurador deverá:
- cobrir o risco, disponibilizando a prestação convencionada, desde que o agravamento tenha sido correcta e tempestivamente comunicado pelo tomador do seguro ou pelo segu- rado antes do sinistro ou antes de decorrido o prazo de catorze dias desde o conhecimento do facto; ou
- cobrir o risco apenas parcialmente, reduzindo a sua prestação na proporção entre o prémio efectivamente cobrado e aquele que seria devido em função do risco real, caso o agrava- mento não tenha sido correcta e tempestivamente comunicado antes do sinistro.
Em ambas as situações, se o agravamento do risco se dever a facto relativo ao tomador do seguro ou ao segurado, o segurador poderá recusar o pagamento da prestação, se demons- trar que não celebra, de todo, contratos de seguro que cubram riscos com as características resultantes desse agravamento do risco.
O segurador tem, no entanto, uma outra hipótese, a saber, a de recusar a cobertura em caso de comportamento intencional do tomador do seguro ou do segurado com o propósito de obter uma vantagem. Nestes casos, o segurador mantém direito aos prémios vencidos.
b) Pode haver transmissão da posição num contrato de seguro?
Artigos de referência: 95.º e 96.º
Transmissão em vida
O tomador do seguro pode, nos termos gerais de direito, transmitir a sua posição contratual, sem necessidade do consentimento do segurado, apesar de no seguro de vida haver regras específicas69.
Se um determinado bem estiver seguro e for transmitido, e caso o segurado e o tomador do seguro sejam a mesma pessoa, verifica-se igualmente transmissão do contrato de seguro para o adquirente. No entanto, tal transferência só produz os seus efeitos depois de notifica- da ao segurador. Por outro lado, não coincidindo o tomador com o segurado e ocorrendo transmissão do bem seguro por parte de segurado determinado, a posição de segurado transmite-se para o adquirente, sem prejuízo do regime de agravamento do risco.
O adquirente pode fazer cessar o seguro após a transmissão, nos termos gerais, o mesmo se passando com o segurador.
69 Cfr. Parte II, II, 2., h).
Também a transmissão de empresa ou estabelecimento determina a transferência dos se- guros que lhes estejam associados para o adquirente, transmissão essa eficaz apenas após notificação ao segurador e sem prejuízo do regime do agravamento do risco.
Transmissão por morte
As partes podem estipular no contrato que, em caso de falecimento do tomador do seguro, a posição contratual deste se transmita para o segurado ou para terceiro interessado. Só assim não será nos contratos titulados por apólices à ordem ou ao portador nem tampouco nos contratos que foram celebrados tendo em conta a pessoa concreta do tomador do seguro.
c) Pode-se substituir um seguro dado em garantia?
Artigo de referência: 97.º
Se um seguro foi constituído para garantir determinada obrigação perante um credor, o tomador é livre de celebrar novo contrato de seguro com outro segurador, desde que man- tenha as mesmas condições de garantia, sem necessidade de obter o consentimento do credor.
No entanto, quando exista uma garantia real (v.g., uma hipoteca ou um penhor) sobre o bem seguro, a transferência do seguro em consequência da transmissão do bem, apesar de tam- bém não depender do consentimento do credor, deve ser-lhe notificada pelo segurador.
d) O que acontece ao contrato de seguro em caso de insolvência do tomador do seguro ou do segurado?
Artigo de referência: 98.º
Salvo estipulação em contrário pelas partes, o seguro subsiste após a declaração de insolvên- cia do tomador do seguro ou do segurado.
No entanto, presume-se que a declaração de insolvência constitui um factor de agravamento do risco, salvo nos seguros de crédito e caução.
e) Como devem ser efectuadas as comunicações entre as partes no âmbito do con- trato de seguro?
Artigo de referência: 120.º
As comunicações previstas no NRJCS devem revestir forma escrita ou ser prestadas por outra forma de que fique registo duradouro.
É de notar que o segurador só está obrigado a enviar as comunicações previstas na lei se o respectivo destinatário estiver devidamente identificado no contrato.
As comunicações entre as partes de um contrato de seguro serão consideradas válidas desde que remetidas para o endereço constante da apólice.
f) Podem as partes fazer-se representar no âmbito do contrato de seguro?
Artigo de referência: 31.º
Os mediadores de seguros podem actuar em nome e em representação quer do tomador do seguro quer do segurador, em quaisquer comunicações, prestação de informações e entrega de documentos à outra parte, ou pela outra parte, produzindo-se efeitos como se nestes actos interviessem apenas as partes no contrato.
Sinistros VII
a) O que deve fazer-se em caso de sinistro?
Artigo de referência: 100.º (relativamente imperativo)
Em caso de verificação de sinistro, o tomador do seguro, o segurado ou o beneficiário devem comunicar tal facto ao segurador no prazo de oito dias a contar do dia em que uma das referidas pessoas tenha tido conhecimento da verificação do sinistro. Pode, no entanto, o contrato definir prazo diverso.
Na participação devem ser explicitadas as circunstâncias da verificação do sinistro, as even- tuais causas da sua ocorrência e respectivas consequências. Devem, ainda, ser prestadas todas as informações relevantes relativas ao sinistro e às suas consequências que sejam so- licitadas pelo segurador.
b) Quais são as consequências da falta de participação?
Artigo de referência: 101.º (relativamente imperativo)
No caso de o tomador do seguro, o segurado ou o beneficiário não participarem o sinistro dentro do prazo devido, o contrato pode estabelecer:
(i) que haja redução da prestação do segurador, atendendo ao dano que a falta de parti- cipação atempada lhe cause; ou
(ii) que haja perda da cobertura se a falta de participação atempada ou a participação de modo incorrecto for dolosa e tiver determinado dano significativo para o segurador.
De notar, no entanto, que tais consequências não deverão ocorrer nos casos em que o segu- rador tenha tido conhecimento do sinistro por outro meio durante o prazo estabelecido para a participação. O mesmo sucede caso o participante consiga demonstrar que não podia ter efectuado a participação em momento anterior àquele em que o fez.
No âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil, a falta de participação do sinistro por quem a tal esteja obrigado não é oponível aos lesados. Significa isto que os terceiros que devam ser indemnizados ao abrigo de uma apólice de outrem - caso típico do seguro auto- móvel - não podem ser prejudicados pelo facto de o titular da apólice não ter participado o sinistro em tempo útil. Nestes casos, o segurador deverá pagar a indemnização a que haja lugar, ficando com direito de regresso contra o incumpridor do dever de participação, com as limitações estabelecidas em (i) e (ii).
c) Em que circunstâncias deve o segurador proceder ao pagamento?
Artigos de referência: 102.º e 104.º (relativamente imperativos)
O segurador deve, após a confirmação da ocorrência do sinistro e das suas causas, circuns- tâncias e consequências, satisfazer a prestação contratual70 a quem a mesma for devida, após a quantificação das consequências (caso a mesma seja necessária).
A obrigação de pagamento vence-se decorridos trinta dias sobre essa confirmação.
d) O que acontece em caso de divergência na determinação das causas, circunstân- cias e consequências do sinistro?
Artigo de referência: 50.º
A lei prevê que o apuramento de tais factos possa ser cometido a peritos árbitros nomea- dos pelas partes, nos termos previstos no contrato ou convenção posterior, sendo que a determinação das causas, circunstâncias e consequências do sinistro pelos referidos árbitros é, em regra, vinculativa para o segurador, para o tomador do seguro e para o segurado.
e) Quando prescreve o direito ao pagamento por parte do segurador?
Artigo de referência: 121.º
O direito ao pagamento por parte do segurador prescreve no prazo de cinco anos a contar da data em que o titular teve conhecimento do direito. Assim, quem tiver direito a reclamar o pagamento de uma indemnização perante um segurador tem cinco anos para fazê-lo a contar da data em que teve conhecimento do seu direito.
No entanto, esse direito também prescreve no prazo de prescrição ordinária previsto no Código Civil71, o qual se conta a partir do facto que originou o direito à indemnização, ou seja, do sinistro.
Assim, estes dois prazos têm que ser articulados. O titular do direito à indemnização pode apenas ter conhecimento do seu direito já depois de decorrido o prazo de prescrição ordiná- ria, caso em que já não poderá reclamá-la.
70 A prestação devida pelo segurador pode ser pecuniária ou não pecuniária.
71 Cfr. art. 309.º do Código Civil, que estabelece que o prazo ordinário de prescrição é de vinte anos, e também o art. 498.º do Código Civil, que estabelece um prazo de três anos nos casos de responsabili- dade civil extra-contratual.
No seguro de responsabilidade civil, aos direitos do lesado aplicam-se os prazos de pres- crição regulados no Código Civil72.
f) Em que circunstâncias se pode recorrer à arbitragem em matéria de seguros?
Artigo de referência: 122.º
Os litígios emergentes da validade, interpretação, execução e incumprimento do contrato de seguro, ainda que a questão não respeite a seguros obrigatórios ou à aplicação de normas imperativas do NRJCS, podem ser dirimidos por via arbitral, a qual segue o regime geral da lei da arbitragem.
72 art. 145. º
Cessação do contrato VIII
a) Quais os efeitos da cessação do contrato de seguro?
Artigos de referência: 105.º a 108.º 73
Efeitos gerais
A cessação do contrato de seguro determina, em regra, a extinção das obrigações do segu- rador e do tomador do seguro.
Todavia, no caso de o sinistro ser anterior ou concomitante à cessação do contrato, e ainda que tal sinistro tenha sido a causa dessa mesma cessação, o segurador continua obrigado a efectuar a prestação decorrente da cobertura do risco.
Estorno do prémio
No caso de cessação do contrato antes do fim do período de vigência estipulado, há lugar ao estorno do prémio, a menos que tenha havido pagamento da prestação decorrente de si- nistro ou no caso de seguros com provisões matemáticas nos quais o resgate seja permitido, quando o segurador haja prestado o montante da provisão.
O estorno do prémio é, em regra, calculado pro rata temporis, isto é, proporcionalmente ao tempo do contrato não decorrido, a não ser que as partes acordem que o estorno seja feito de outro modo, o que apenas poderão fazer tendo por base uma razão atendível, como seja a garantia de separação técnica entre a tarifação dos seguros anuais e a dos seguros temporários.
Não é permitido estipular-se sanção a aplicar ao tomador por este exercer um direito que determina a cessação do contrato. No entanto, esta regra pode ser afastada por disposição legal em sentido contrário e não é aplicável aos seguros de vida, às operações de capitali- zação e aos seguros de doença de longa duração.
73 Os n.ºs 1, 4 e 5 do art. 107.º são relativamente imperativos.
Efeitos em relação a terceiros
A cessação do contrato não prejudica os direitos adquiridos por terceiros durante a sua vigência.
Em caso de cessação do contrato, o segurador deve comunicar a mesma aos terceiros com di- reitos ressalvados no contrato e aos beneficiários com designação irrevogável, desde que iden- tificados na apólice, e ainda ao segurado, quando este seja distinto do tomador do seguro.
b) Quando caduca o contrato de seguro?
Artigos de referência: 109.º e 110.º
O contrato de seguro caduca:
(i) Nos termos gerais, nomeadamente no termo do período de vigência estipulado;
(ii) Especificamente:
- se houver perda superveniente do interesse ou extinção do risco74; e
- sempre que se verifique o pagamento total do capital seguro para o período de vigên- cia do contrato sem que se encontre prevista a reposição desse capital.
c) O contrato de seguro pode ser revogado?
Artigo de referência: 111.º
O contrato de seguro pode cessar, a todo o tempo, mediante acordo entre o segurador e o tomador do seguro.
Quando o tomador do seguro não coincida com o segurado identificado na apólice, a revo- gação carece do consentimento do segurado75.
d) Em que condições se pode denunciar um contrato de seguro?
Artigos de referência: 112.º, 114.º e 115.º (relativamente imperativos) e 113.º
Regime comum
O NRJCS prevê que, sem prejuízo de a liberdade de denúncia do tomador de seguro poder ser estabelecida em termos mais amplos pelas partes e de nos seguros de grandes riscos a liberdade de denúncia poder ser livremente ajustada, os contratos de seguro podem ser denunciados nas seguintes condições:
(i) O contrato de seguro celebrado por período determinado e com prorrogação automática pode ser livremente denunciado por qualquer das partes para obviar à sua prorrogação;
(ii) O contrato de seguro celebrado sem duração determinada pode ser denunciado a todo o tempo por qualquer das partes.
74 Entende-se que há extinção do risco, nomeadamente, em caso de morte da pessoa segura, de perda total do bem seguro e de cessação da actividade objecto do seguro.
75 Esta regra não se aplica ao seguro de grupo (cfr. Parte I, V, f)) e tem especificidades em sede de seguro de vida (cfr. Parte II, II, 2., j)).
Limitações
O NRJCS estabelece uma cláusula geral de limitação à denúncia, na qual se prevê que nos contratos de seguro celebrados sem duração determinada não pode haver denúncia sempre que a livre desvinculação se oponha à natureza do vínculo ou à finalidade prosseguida pelo contrato e ainda quando a mesma corresponda a uma atitude abusiva.
Considera-se que a natureza do vínculo se opõe à liberdade de denúncia, nomeadamente, quando o contrato de seguro seja celebrado para perdurar até à verificação de determinado facto.
Considera-se que a finalidade prosseguida pelo contrato inviabiliza a denúncia, nomeada- mente nos seguros em que o decurso do tempo agrava o risco.
Presume-se, ainda, abusiva a denúncia feita na iminência da verificação do sinistro ou após a verificação de um facto que possa desencadear uma ou mais situações de responsabilidade do segurador.
Estas regras também se aplicam relativamente à denúncia para obviar à prorrogação dos contratos que tenham sido celebrados por períodos de vigência inicial igual ou superior a cinco anos.
Como deve ser feita a denúncia
A denúncia faz-se, por regra, através de declaração escrita enviada ao destinatário com uma ante- cedência mínima de trinta dias relativamente à data prevista para a prorrogação do contrato.
No entanto, tratando-se de contratos sem duração determinada ou cujo período inicial de duração seja igual ou superior a cinco anos, a antecedência deve ser de noventa dias, os quais se reportam à data para a qual se pretende o termo do contrato. Nestes casos, e salvo acordo em contrário, o contrato cessará:
(i) após esses noventa dias; ou
(ii) tendo havido um pagamento antecipado do prémio relativo a certo período, no final desse período.
e) Em que condições se pode resolver um contrato de seguro?
Artigos de referência: 116.º, 117.º e 118.º (relativamente imperativo)
Resolução por justa causa
O contrato de seguro pode ser resolvido por qualquer das partes a todo o tempo, havendo justa causa76, nos termos gerais.
Resolução após sinistro
Para além dos casos em que se verifique justa causa, pode ser acordado no contrato que o mesmo possa ser resolvido quando tenha havido uma sucessão de sinistros77.
76 Em regra, considera-se haver justa causa quando exista um incumprimento grave dos deveres contra- tuais que torne impossível ou inexigível a subsistência da relação contratual.
77 Tal possibilidade não se aplica aos seguros de grandes riscos.
Para efeitos do NRJCS, presume-se que há sucessão de sinistros quando:
(i) ocorram dois sinistros num período de doze meses; ou
(ii) ocorram dois sinistros no decurso da anuidade, no caso de o contrato ser anual.
Todavia, é permitido às partes estipular um regime especial que permita preencher o concei- to de sucessão de sinistros de modo diverso, atendendo à modalidade de seguro em causa.
De notar, contudo, que a resolução após sinistro, salvo disposição legal em contrário, não poderá ser convencionada nos seguros de vida, de saúde, de crédito e caução, nem nos seguros obrigatórios de responsabilidade civil.
A resolução após sinistro não tem eficácia retroactiva78 e deve ser exercida, por declaração escrita, no prazo de trinta dias após o pagamento ou a recusa do pagamento do sinistro.
Livre resolução
O NRJCS prevê ainda que o tomador do seguro, se for uma pessoa singular, pode resolver o contrato sem invocar justa causa nas seguintes situações:
(i) Nos contratos de seguro de vida, de acidentes pessoais e de saúde com uma duração igual ou superior a seis meses, nos trinta dias imediatos à data da recepção da apólice79;
(ii) Nos seguros qualificados como instrumentos de captação de aforro estruturados, nos trinta dias imediatos à data da recepção da apólice;
(iii) Nos contratos de seguro celebrados à distância, que não os previstos em (i) e (ii), nos catorze dias imediatos à data da recepção da apólice80.
Os prazos para a livre resolução contam-se a partir da data da celebração do contrato, a não ser que o tomador do seguro, nessa data, não disponha, em papel ou noutro suporte duradouro, de todas as informações relevantes sobre o seguro que tenham de constar da apólice81, caso em que o prazo se deverá contar da data em que tais informações, em suporte duradouro, estejam na posse do tomador do seguro.
A livre resolução tem efeito retroactivo, podendo o segurador ter direito às seguintes pres- tações82:
(i) Ao valor do prémio calculado pro rata temporis, na medida em que tenha suportado o risco até à resolução do contrato;
(ii) Ao montante das despesas razoáveis que tenha efectuado com exames médicos, sem- pre que esse valor seja imputado contratualmente ao tomador do seguro;
(iii) Aos custos de desinvestimento que comprovadamente tenha suportado.
78 Deste modo, não há lugar à devolução do que houver sido prestado pelas partes anteriormente no âmbito do contrato.
79 Este tipo de livre resolução não é aplicável aos segurados nos seguros de grupo.
80 Este tipo de livre resolução não é aplicável a seguros com prazo de duração inferior a um mês, nem aos seguros de viagem ou de bagagem.
81 Sobre o conteúdo mínimo que deve constar da apólice, vide Parte I, II, f).
82 O segurador não tem direito às prestações indicadas em (i), (ii) e (iii) em caso de livre resolução de contrato de seguro celebrado à distância, a não ser que o início de cobertura do seguro tenha ocorrido, a pedido do tomador do seguro, antes do termo do prazo de livre resolução do contrato.
Seguro de danos I
1. Regime comum
a) O que acontece quando há um dano originado num vício próprio da coisa segura?
Artigo de referência: 124.º
Se a coisa segura, quando foi contratado o seguro, tinha vícios que o tomador devia conhe- cer e sobre os quais não prestou qualquer informação ao segurador, aplica-se o regime da declaração inicial ou de agravamento do risco83.
Por outro lado, se o vício apenas tiver agravado o dano, não tendo sido a sua causa, então as limitações decorrentes do regime da declaração inicial do risco apenas se aplicam à parte do dano que resultar desse vício.
Estas regras poderão ser afastadas por acordo entre tomador e segurador ou ainda por disposição legal especial.
b) Quais as regras aplicáveis em caso de seguro que incida sobre um conjunto de coisas?
Artigo de referência: 125.º
Desde logo, é o segurado que tem de demonstrar, em caso de sinistro, que uma coisa dani- ficada ou perecida pertence ao conjunto de coisas abrangidas pelo seguro.
Por outro lado, este tipo de seguro abrange, por regra:
(i) as coisas das pessoas que vivam com o segurado em economia comum no momento do sinistro;
(ii) as coisas dos trabalhadores do segurado.
83 Cfr. Parte I, II, d) e Parte I, VI, a).
Em ambas estas situações, quem tem direito à prestação da seguradora é o seu proprietário ou titular.
Note-se que as partes podem acordar em excluir a extensão do seguro aos bens indicados, podendo haver exclusão que abranja algumas das coisas que estariam, à partida, abrangidas pela cobertura.
c) Quais as obrigações do tomador, do segurado ou do beneficiário, em caso de sinistro, no que respeita aos danos?
Artigos de referência: 126.º e 127.º (relativamente imperativos)
Tanto o tomador do seguro como o segurado, e mesmo o beneficiário, têm a obrigação de tentar prevenir ou de, pelo menos, limitar o montante dos danos. Caso incumpram esta obrigação, aplicam-se algumas das regras aplicáveis nas situações de falta de participação de sinistros84.
Assim, o contrato poderá prever:
(i) a redução da prestação do segurador atendendo ao dano que o incumprimento deste dever tiver causado;
(ii) a perda da cobertura, caso o incumprimento do dever seja doloso e tenha implicado um dano significativo.
Tais possibilidades não se verificam nos seguros de responsabilidade civil, em que o segu- rador deverá pagar ao terceiro lesado, ficando com direito de regresso sobre quem tenha incumprido o dever.
Os montantes gastos a tentar prevenir ou limitar os danos são reembolsáveis pelo segurador?
Todas as despesas em que o tomador, o segurado ou o beneficiário incorram para poder cumprir o dever de prevenir ou limitar o risco deverão ser reembolsadas, desde que sejam razoáveis e proporcionadas e mesmo que os meios utilizados não tenham conseguido evitar ou mitigar o dano.
Por outro lado, estas despesas deverão ser pagas mesmo antes de ser regularizado o sinistro, desde que:
(i) o seu reembolso seja exigido;
(ii) as circunstâncias não impeçam esse reembolso; e
(iii) o sinistro esteja coberto pelo seguro.
Qualquer montante pago a este título deverá ser deduzido ao montante do capital seguro disponível. Só assim não será se:
(i) se tratar de despesas efectuadas em cumprimento de determinações concretas do segu- rador; ou
(ii) se a sua cobertura autónoma resultar do contrato.
84 Cfr. Parte I, VII, b).
Se o seguro tiver sido feito por um montante inferior ao do valor do interesse seguro à data do sinistro, as despesas incorridas para prevenir ou mitigar o dano serão pagas na proporção, a não ser nos dois casos acima referidos.
d) Como se calcula a indemnização?
Artigos de referência: 128.º a 131.º
Qual o limite da indemnização a pagar?
A indemnização está, por regra, limitada pelo montante do capital seguro, o que significa que, se o dano exceder o capital seguro, não poderá ser coberto na sua totalidade.
Quem fica com os salvados?
Para que o segurador fique com o objecto salvo do sinistro, tal tem que constar expressa- mente do contrato.
Quais os montantes que podem ser incluídos na prestação a pagar pelo segurador?
Tratando-se de seguro de coisas, o valor a considerar para efeitos de determinar o montante do dano é o da coisa à data do sinistro.
Por outro lado, e também neste tipo de seguro, o segurador apenas terá de responder por lucros cessantes e pelo valor de privação do uso do bem se tal tiver sido acordado.
Podem as partes afastar as regras relativas ao modo de determinação do dano?
As partes podem, efectivamente, acordar previamente no valor do interesse seguro para efeitos de cálculo da indemnização, desde que esse valor não seja manifestamente infun- dado.
Aliás, as partes podem mesmo acordar em:
(i) fixar um valor de construção ou substituição do bem;
(ii) não considerar a depreciação do valor do interesse seguro em função da vetustez ou do uso do bem.
É o que se costuma designar por «cláusula de valor em novo».
e) O que acontece quando o capital seguro é superior ao interesse seguro?
Artigo de referência: 132.º (relativamente imperativo)
Nestas situações, a saber, de sobresseguro, o princípio de que a prestação do segurador está limitada ao dano decorrente do sinistro até ao montante do capital seguro mantém-se. No entanto, as partes podem pedir a redução do contrato.
Se houver redução do contrato e o tomador ou o segurado estiverem de boa fé, o segurador deve restituir os sobreprémios que tenham sido pagos nos dois anos anteriores ao pedido de redução do contrato, deduzidos dos custos de aquisição calculados proporcionalmente.
f) O que acontece quando vários seguros cobrem o mesmo risco?
Artigo de referência: 133.º (relativamente imperativo)
O tomador tem o dever de informar todos os seguradores envolvidos sempre que um mes- mo risco relativo ao mesmo interesse e por idêntico período de tempo esteja seguro por vários seguradores, devendo fazê-lo:
(i) logo que tome conhecimento dessa situação; e
(ii) aquando da participação de sinistro.
Caso não o faça, com intuito de fraude, os seguradores ficam exonerados das prestações respectivas.
O segurado tem direito a escolher qual dos seguradores deverá cobrir o sinistro.
Os seguradores que se vejam envolvidos no ressarcimento do dano respondem entre si na proporção da quantia que cada um teria de pagar se existisse um único seguro.
Estas regras aplicam-se também ao terceiro lesado que exija responsabilidade directamente ao segurador nos seguros de responsabilidade civil.
g) O que acontece quando o capital seguro é inferior ao interesse seguro?
Artigo de referência: 134.º
Nestas situações, a saber, de subseguro, o segurador apenas responde pelo dano na respec- tiva proporção, embora as partes possam acordar que assim não seja.
h) Há alguma regra especial no caso de riscos relativos à habitação?
Artigo de referência: 135.º
Nestes seguros, o valor do imóvel seguro (ou a proporção segura do mesmo) é automati- camente actualizado de acordo com os índices publicados pelo ISP. Assim, o segurador tem de informar o tomador:
(i) de que há actualização automática e em que termos;
(ii) do valor seguro do imóvel a considerar para efeitos de indemnização em caso de perda total e dos critérios da sua actualização.
Caso o não faça, a regra do subseguro referida na questão anterior é afastada, pelo menos na medida do incumprimento.
i) O segurador pode reclamar de terceiros o que pagou?
Artigo de referência: 136.º
De facto, o segurador que tiver pago uma indemnização fica sub-rogado nos direitos que o segurado possa ter contra um terceiro que tenha sido responsável pelo sinistro, o que signi- fica que pode reclamar desse terceiro os montantes que tenha pago.
A regra da sub-rogação é afastada sempre que:
(i) o segurado seja responsável pelo terceiro, nos termos da lei;
(ii) o terceiro seja cônjuge, pessoa que viva em união de facto, ascendente ou descendente do segurado que com ele viva em economia comum, a não ser, neste caso, que a res- ponsabilidade deste terceiro seja dolosa ou esteja coberta por seguro.
2. Seguro de responsabilidade civil
a) Que riscos se cobrem no seguro de responsabilidade civil?
Artigos de referência: 137.º e 138.º
Neste tipo de seguro, o tomador do seguro transfere para o segurador o risco de ver cons- tituída no seu património uma obrigação de indemnizar terceiros, por via da aplicação das regras da responsabilidade civil.
O segurador, por seu turno, assume o referido risco até ao montante do capital seguro, por sinistro, por período de vigência do contrato ou por lesado, consoante o que for estipulado pelas partes.
O dano a que se deve atender para efeitos do princípio indemnizatório é, se não tiver havido acordo em contrário, o disposto na lei geral, ou seja, no Código Civil.
Neste âmbito, há que distinguir os seguros de responsabilidade civil obrigatórios (nomeada- mente, os seguros de acidentes de trabalho, de responsabilidade civil de veículos terrestres, de responsabilidade civil de aeronaves e de responsabilidade civil de embarcações) dos se- guros que são celebrados com base na livre iniciativa das partes, havendo regras específicas para os primeiros, como adiante se verá.
b) Qual é o período de cobertura relevante no seguro de responsabilidade civil?
Artigo de referência: 139.º
Salvo convenção das partes em contrário, o seguro cobre os factos geradores de responsa- bilidade civil ocorridos enquanto o contrato vigorou, mesmo que os respectivos pedidos de indemnização sejam apresentados apenas após o termo do seguro. É o que tipicamente se chama de cláusula action commited basis ou occurrence basis.
Não obstante, admitem-se estipulações das partes no sentido de delimitar o período de co- bertura tendo em conta, nomeadamente, o facto que gerou o dano, a manifestação deste ou a sua reclamação.
Admitem-se, portanto, neste último caso, as chamadas cláusulas claims made. No entanto, caso as partes optem por definir o período de cobertura com base na data da reclamação e o risco não esteja coberto por um contrato de seguro posterior, define o NRJCS de modo (relativamente) imperativo que o seguro cobrirá sempre os eventos danosos que fossem
desconhecidos das partes e que tenham ocorrido durante o período de vigência do contrato, ainda que a reclamação seja apresentada no ano seguinte ao termo do contrato. Estipula-se, pois, a cobertura obrigatória de reclamações posteriores em certos casos.
c) O segurador é obrigado a indemnizar o beneficiário em caso de actos dolosos?
Artigos de referência: 141.º e 148.º
Aplica-se, nesta sede, a regra geral nos termos da qual o segurador não é obrigado a realizar a prestação convencionada relativamente à cobertura de sinistros causados dolosamente pelo tomador do seguro ou pelo segurado85.
No entanto, a produção de danos não se considera dolosa quando o agente beneficie de uma causa de exclusão da ilicitude (por exemplo, uma situação de legítima defesa ou de estado de necessidade) ou da culpa.
Já no que toca ao seguro obrigatório de responsabilidade civil, a cobertura de actos ou omis- sões dolosos dependerá do estabelecido na lei ou regulamento próprio, sendo que se nada estiver previsto se considera que o seguro cobre os actos e omissões dolosos do segurado.
d) O que acontece se o segurador atribuir uma indemnização ao lesado em caso de sinistro causado por actos dolosos do tomador do seguro ou do segurado?
Artigo de referência: 144.º
Neste caso, o segurador, sem prejuízo do disposto em legislação especial, uma vez satisfeita a indemnização, tem direito de regresso, ou seja, direito a ser reembolsado da quantia des- pendida pelo tomador do seguro ou pelo segurado que tenha causado dolosamente o dano, ou que o tenha, de outra forma, lesado dolosamente após o sinistro.
e) Como se deve atribuir a indemnização em caso de pluralidade de lesados com di- reito a indemnizações que, em conjunto, excedem o montante do capital seguro?
Artigo de referência: 142.º
Verificando-se esta situação, as pretensões dos vários lesados são proporcionalmente reduzi- das até perfazerem o montante total do capital seguro.
Caso o segurador, agindo de boa fé e desconhecendo outras pretensões indemnizatórias, efectue o pagamento de indemnizações de valor superior ao que resulta desta regra, fica libe- rado para com os restantes lesados relativamente ao montante que exceder o capital seguro.
f) No seguro obrigatório de responsabilidade civil a quem pode o lesado exigir a indemnização na sequência de um sinistro?
Artigo de referência: 146.º
O NRJCS estabelece que o lesado, neste tipo de seguro, tem o direito de exigir o pagamento da indemnização directamente ao segurador.
85 Cfr. Parte I, IV, a) e art. 46.º
3. Seguro financeiro
3.1. Seguro de crédito
a) A que se destina o seguro de crédito?
Artigo de referência: 161.º
Genericamente, o seguro de crédito é celebrado por um credor para garantir a cobertura de risco de não pagamento definitivo de qualquer crédito, nomeadamente em virtude de falência, de mora ou de impossibilidade de cumprimento por parte de um devedor.
Nos termos do NRJCS, o segurador obriga-se a indemnizar o segurado, nas condições e dentro dos limites constantes da lei e do contrato de seguro, em caso de perdas causadas nomeadamente por:
(i) falta ou atraso no pagamento de obrigações pecuniárias;
(ii) riscos políticos, naturais ou contratuais, que obstem ao cumprimento dessas obri- gações;
(iii) não amortização de despesas suportadas com vista à constituição desses créditos;
(iv) variações na taxa de câmbio de moedas de referência no pagamento;
(v) alteração anormal e imprevisível dos custos de produção; e
(vi) suspensão ou revogação da encomenda ou resolução arbitrária do contrato pelo deve- dor na fase anterior à constituição do crédito.
b) Que contratos podem estar abrangidos pelo seguro de crédito?
Artigo de referência: 161.º
O seguro de crédito pode cobrir riscos de crédito inerentes a contratos destinados a produzir os seus efeitos em Portugal ou no estrangeiro.
Pode, igualmente, abranger tanto a fase de fabrico como a de crédito e, ainda, a fase ante- rior à tomada firme.
c) Em caso de incumprimento do devedor, com que direito fica o segurador que haja efectuado a prestação?
Artigo de referência: 165.º
Se um certo devedor não cumprir com a sua obrigação perante o credor, o segurador adqui- re o direito de recuperar o valor que haja pago, ficando sub-rogado na posição do tomador do seguro/segurado, ou seja, com o direito de receber do devedor a quantia que haja pago ao credor, seu segurado.
Pode prever-se uma situação de sub-rogação parcial, caso em que segurador e segurado concorrem no exercício dos respectivos direitos na proporção que a cada um for devida.
d) Que legislação se aplica ao seguro de crédito?
Artigo de referência: 166.º
A matéria do seguro de crédito é regulada por lei especial (em particular, o Decreto-Lei n.º 183/88, de 24 de Maio, que estabelece o quadro legal do seguro de créditos, alterado pelos Decretos-Lei n.º 127/91, de 22 de Março, n.º 214/99, de 15 de Junho e n.º 31/2007, de 14 de Fevereiro)86, bem como pelas disposições constantes da parte geral do NRJCS que não sejam incompatíveis com a sua natureza.
3.2. Seguro-caução
a) A que se destina o seguro-caução?
Artigo de referência: 162.º
O seguro-caução é um contrato de seguro contratado por um dado tomador de seguro para garantir obrigações por si assumidas perante um terceiro, que será o segurado, através do qual o segurador se obriga, dentro dos limites da caução, a indemnizar os danos sofri- dos por esse segurado caso se verifique mora ou incumprimento definitivo das obrigações contratuais perante ele assumidas pelo respectivo devedor, que é o tomador do seguro. As obrigações em questão têm de ser obrigações cujo cumprimento possa ser assegurado por uma garantia pessoal (v.g. fiança, aval).
b) Há alguma especificidade em caso de falta do pagamento do prémio?
Artigo de referência: 164.º
Em caso de falta do pagamento do prémio ou da fracção devida pelo tomador do seguro, e não havendo cláusula de inoponibilidade (cláusula que impede o segurador, durante deter- minado prazo, de opor ao segurado, beneficiário do contrato, a invalidade ou a resolução do contrato de seguro), o segurador deve comunicar ao segurado essa falta de pagamento para que este, querendo evitar a resolução do contrato, pague a quantia em dívida, dispondo para tal de um prazo não superior a trinta dias relativamente à data de vencimento.
A faculdade constante da parte geral do NRJCS87 relativamente ao pagamento de prémio por terceiro interessado é, pois, no âmbito do seguro-caução, uma regra a ter em conta, sendo uma clara excepção à regra de resolução automática do contrato de seguro pelo não pagamento do prémio.
c) Em caso de incumprimento do devedor, com que direito fica o segurador?
Artigo de referência: 165.º
O segurador fica com o direito de recuperar o valor que haja pago, ficando sub-rogado (total ou parcialmente) na posição do segurado contra o devedor, nos termos descritos para o seguro de crédito.
86 Cfr. Apêndice de Legislação.
87 Cfr. Parte I, IV, b).
O contrato pode ainda prever o direito de regresso do segurador contra o tomador do segu- ro, caso em que este fica obrigado a transferir para o segurador a quantia devida ao credor.
O segurador terá sempre, ainda quando alie as duas pretensões, que respeitar o montante da quantia despendida, não podendo exigir mais que esse limite.
d) Que legislação se aplica ao seguro-caução?
Artigo de referência: 166.º
A matéria do seguro-caução é regulada por lei especial (em particular, o Decreto-Lei n.º 183/88, de 24 de Maio, que estabelece o quadro legal do seguro de créditos, alterado pelos Decretos-Lei n.º 127/91, de 22 de Março, n.º 214/99, de 15 de Junho e n.º 31/2007, de 14 de Fevereiro), bem como pelas disposições constantes da parte geral do NRJCS que não sejam incompatíveis com a sua natureza.
1. Regime comum
a) Que tipo de coberturas podem ser abrangidas pelo contrato de seguro de pessoas?
Artigo de referência: 175.º e 176.º
O contrato de seguro de pessoas compreende a cobertura de riscos relativos à vida, à saúde e à integridade física de uma pessoa ou de um grupo de pessoas nele identificadas.
O seguro de pessoas pode ser contratado como seguro individual ou como seguro de grupo, sendo que os seguros que respeitem a um agregado familiar ou a um conjunto de pessoas que vivam em economia comum são considerados como seguros individuais.
b) Que tipo de prestações podem ser atribuídas num seguro de pessoas?
Artigos de referência: 180.º e 181.º
O contrato de seguro de pessoas pode garantir dois tipos de prestações, a saber:
(i) prestações de natureza indemnizatória88, ou seja, aquelas em que a prestação do segu- rador visa compensar ou indemnizar o tomador do seguro pelo dano que efectivamen- te sofreu e em que, por isso, o valor a pagar pelo segurador corresponde ao valor do dano sofrido; e
(ii) prestações de valor predeterminado, ou seja, que não dependem do efectivo montante do dano sofrido pelo tomador do seguro, sendo o seu montante previamente estabele- cido no contrato.
As prestações de valor predeterminado podem cumular-se, a não ser que o contrato no qual estão previstas disponha de modo diverso, com outras prestações de valor predeterminado
88 Ao seguro de pessoas, na medida em que garanta prestações indemnizatórias relativas ao mesmo risco, aplicam-se as regras comuns do seguro de danos previstas no artigo 133.º - Cfr. Parte II, 1., a).
ou com prestações de natureza indemnizatória, ainda que dependentes da verificação de um mesmo evento. Nesses casos, o tomador do seguro ou o segurado devem informar o segurador da existência ou da contratação de seguros relativos ao mesmo risco, ainda que garantindo apenas prestações de valor predeterminado.
Importa ainda realçar que, salvo convenção em contrário, o segurador que realize prestações de valor predeterminado não fica, após a satisfação destas, sub-rogado nos direitos do toma- dor do seguro ou do beneficiário contra um terceiro que dê causa ao sinistro.
c) Quais os direitos do segurado quando haja lugar à realização de exames médi- cos?
Artigos de referência: 177.º e 178.º
Tendo em vista a avaliação do risco, a celebração do contrato de seguro de pessoas pode depender de declaração sobre o estado de saúde e da realização de exames médicos89 à pessoa segura.
Quando haja lugar à realização de exames médicos, o segurador deve entregar ao candida- to, antes da realização dos referidos exames90:
(i) Discriminação exaustiva dos exames, testes e análises a realizar;
(ii) Informação sobre entidades junto das quais os referidos actos podem ser realizados;
(iii) Informação sobre o regime de custeamento das despesas com a realização dos exames e, se for o caso, sobre a forma como o respectivo custo vai ser reembolsado a quem o financie;
(iv) Identificação da pessoa ou entidade à qual devam ser enviados os resultados dos exa- mes ou relatórios dos actos realizados91.
Realizados os exames, a pessoa segura tem direito a que o segurador, quando instado para o efeito, lhe forneça todas as informações de que disponha sobre a sua saúde, de modo adequado do ponto de vista ético e humano.
89 A realização de testes genéticos ou a utilização de informação genética é regulada pela Lei n.º 12/2005, de 26 de Janeiro.
90 É ao segurador que cabe a prova do cumprimento deste dever.
91 Quando solicitado, o resultado dos exames médicos deve ser também comunicado à pessoa segura ou a quem esta expressamente indique. Tal comunicação deve ser feita por um médico, salvo se as circuns- tâncias já forem do conhecimento da pessoa segura ou se puder supor, à luz da experiência comum, que já as conhecia. Para além do referido, o resultado dos exames médicos deve ainda ser comunicado, e também quando solicitado, ao tomador do seguro ou segurado, quanto ao efeito de tal resultado na decisão do segurador, nomeadamente no que respeite à não aceitação do seguro ou à sua aceitação em condições especiais.
2. Seguro de vida 92
a) Qual o objecto do seguro de vida?
Artigo de referência: 183.º
No seguro de vida, o segurador cobre um risco relacionado com a morte ou a sobrevivência da pessoa segura.
b) O segurador tem deveres de informação acrescidos no seguro de vida?
Artigos de referência: 185.º e 186.º (relativamente imperativos) e 187.º
No seguro de vida, o segurador tem, ao longo de toda a vida do contrato, e para além dos deveres já referidos na Parte Geral supra, outros deveres de informação a cumprir para com o tomador do seguro. Assim:
Informações a prestar antes da celebração do contrato
A acrescer às informações obrigatórias previstas nos arts. 18.º a 21.º93, no seguro de vida94, o segurador, quando seja o caso, deve ainda prestar as seguintes informações95:
(i) forma de cálculo e atribuição da participação nos resultados;
(ii) definição de cada cobertura e opção;
(iii) indicação dos valores de resgate e de redução, natureza das respectivas coberturas e penalizações em caso de resgate, redução ou transferência do contrato;
(iv) indicação dos prémios relativos a cada cobertura, principal ou complementar;
(v) rendimento mínimo garantido, incluindo informação relativa à taxa de juro mínima ga- rantida e duração desta cobertura;
(vi) indicação dos valores de referência utilizados nos contratos de capital variável, bem como do número das unidades de participação;
(vii) indicação da natureza dos activos representativos dos contratos de valor variável;
(viii) indicação relativa ao regime fiscal;
(ix) nos contratos com componente de capitalização, quantificação dos encargos, sua forma de incidência e momento em que são cobrados;
(x) possibilidade de a pessoa segura aceder aos dados médicos de exames realizados.
92 As regras acerca do seguro de vida aplicam-se também: (i) aos seguros complementares dos seguros de vida relativos a danos corporais, incluindo, nomeadamente, a incapacidade para o trabalho e a morte por acidente ou invalidez em consequência de acidente ou doença; (ii) aos seguros de renda; (iii) aos seguros de nupcialidade; (iv) aos seguros de natalidade; e (v) aos seguros ligados a fundos de investimento, salvo no que toca às disposições relativas às informações pré-contratuais e informações na vigência do contrato.
93 Cfr. Parte I, II, c).
94 As informações adicionais referidas são também exigíveis nas operações de fundos colectivos de reforma.
95 O ISP pode, através de Norma Regulamentar, impor outros deveres adicionais de informação, bem como exigir, no caso de as características específicas do seguro o justificarem, que a disponibilização da informação se faça através de um prospecto informativo.
Informações a prestar na vigência do contrato
O segurador, na vigência do contrato, deve informar o tomador do seguro de alterações relativamente a informações prestadas aquando da celebração do contrato que possam ter influência na sua execução.
No final do contrato, o segurador deve ainda informar o tomador do seguro acerca das quantias a que este tenha direito com a cessação do contrato, bem como das diligências ou documentos necessários para o seu recebimento.
Informações adicionais a constar da apólice de seguro de vida
Para além das menções exigidas pelo artigo 37.º96, devem constar da apólice de seguro de vida, quando seja o caso, as seguintes informações97:
(i) condições, prazo e periodicidade do pagamento dos prémios;
(ii) cláusula de incontestabilidade;
(iii) informações prestadas previamente à celebração do contrato nos termos do art. 185.º, acima indicadas;
(iv) período máximo em que o tomador do seguro pode exercer a faculdade de repor em vigor o contrato de seguro após a respectiva resolução ou redução;
(v) condições de manutenção do contrato pelos beneficiários em caso de morte, ou pelos herdeiros;
(vi) se o contrato dá ou não lugar a participação nos resultados e, no primeiro caso, qual a forma de cálculo e de distribuição desses resultados;
(vii) se o contrato dá ou não lugar a investimento autónomo dos activos representativos das provisões matemáticas e, no primeiro caso, indicação da natureza e regras para a formação da carteira de investimento desses activos.
c) Quais são as consequências das omissões ou inexactidões na declaração inicial do risco e do erro sobre a idade da pessoa segura?
Artigos de referência: 188.º e 189.º (relativamente imperativos)
No âmbito do contrato de seguro de vida, o segurador não pode prevalecer-se, ao contrário do que se prevê no art. 26.º como regra geral, das omissões ou inexactidões negligentes
96 Cfr. Parte I, II, e).
97 Em sede de contratos de seguro de grupo, para além dos elementos referidos infra, devem constar das condições gerais ou especiais, ainda os seguintes elementos:
a) as obrigações e os direitos das pessoas seguras;
b) a transferência do eventual direito ao valor de resgate para a pessoa segura, no mínimo na parte correspondente à sua contribuição para o prémio, caso se trate de um seguro contributivo;
c) a entrada em vigor das coberturas para cada pessoa segura;
d) as condições de elegibilidade, enunciando os requisitos, para que o candidato a pessoa segura possa integrar o grupo.
na declaração inicial do risco decorridos que estejam dois anos98 sobre a celebração do contrato99.
Já no que concerne ao erro sobre a idade da pessoa segura, este é causa de anulabilidade do contrato se a idade verdadeira divergir dos limites mínimo e máximo estabelecidos pelo segurador para a celebração deste tipo de contrato de seguro.
No caso de não ser causa de anulabilidade:
- a prestação do segurador reduz-se na proporção do prémio pago, no caso de a idade declarada ser superior à verdadeira;
- o segurador devolve o prémio em excesso, no caso de a idade declarada ser inferior à verdadeira.
d) Há obrigação de comunicação de agravamentos no risco?
Artigo de referência: 190.º
O regime do agravamento do risco não se aplica aos seguros de vida nem, se o agravamento resultar do estado de saúde da pessoa segura, às coberturas de acidente e de invalidez por acidente complementares de um seguro de vida.
e) Como é determinado o valor da redução e do resgate?
Artigo de referência: 194.º
Os eventuais direitos de redução e de resgate deverão estar regulados no contrato100, de modo a que o seu titular se encontre apto, a todo o momento, a conhecer o seu valor.
Para tal deverá, em certos casos101, ser disponibilizada uma tabela de valores de resgate e de redução102, a qual pode ser anexada à apólice, caso em que o segurador o deverá referir expressamente no clausulado.
f) Pode haver adiantamentos sobre o capital seguro?
Artigo de referência: 195.º
Nos limites da provisão matemática, o segurador pode, nos termos estabelecidos no contra- to, conceder adiantamentos sobre o capital seguro.
98 Uma vez que o n.º 1 do art. 188.º é uma norma relativamente imperativa, as partes podem estabelecer um prazo mais curto para o exercício pelo segurador da faculdade de se prevalecer das referidas omis- sões e inexactidões.
99 Esta regra não é, salvo previsão contratual em contrário, aplicável às coberturas de acidente e de inva- lidez complementares de um seguro de vida.
100 No seguro de grupo contributivo, o contrato deve ainda regular a titularidade do resgate tendo em conta a contribuição do segurado.
101 No caso de existirem valores mínimos garantidos, o segurador deve anexar à apólice uma tabela de valores de resgate e de redução calculados com referência às datas de renovação do contrato.
102 No caso de designação irrevogável de beneficiário, as condições de exercício do direito de resgate devem ser fixadas no contrato.
g) Os direitos decorrentes do contrato de seguro de vida podem ser cedidos ou onerados?
Artigo de referência: 196.º
À luz do NRJCS, o direito de resgate ou qualquer outro direito de que goze o tomador do se- guro, o segurado ou o beneficiário pode ser cedido ou onerado, nos termos gerais, devendo tal facto ser comunicado ao segurador.
h) Em que casos pode haver cessão da posição contratual do tomador do seguro?
Artigo de referência: 197.º
Sempre que o tomador do seguro não seja a pessoa segura, pode aquele transmitir a sua posição contratual a um terceiro103, desde que o segurador dê o seu consentimento, a cessão seja comunicada à pessoa segura e conste de acta adicional à apólice.
i) Como é determinado o beneficiário do seguro de vida?
Artigo de referência: 198.º
Em regra, o beneficiário é designado pelo tomador do seguro104, ou por quem este indique, podendo a designação ser feita na apólice, em declaração escrita posterior recebida pelo segurador ou por testamento.
No entanto, a lei prevê regras supletivas para definir a quem deve ser prestado o capital se- guro no caso de falecimento da pessoa segura, tendo em conta as seguintes vicissitudes:
a) na falta de designação do beneficiário, aos herdeiros da pessoa segura;
b) caso o beneficiário venha a falecer antes da pessoa segura, aos herdeiros desta;
c) caso o beneficiário venha a falecer antes da pessoa segura, tendo havido renúncia à revogação da designação beneficiária, aos herdeiros daquele;
d) no caso de a pessoa segura e o beneficiário morrerem ao mesmo tempo, aos her- deiros deste.
No seguro de sobrevivência, ou seja, naquele em que o capital seguro é pago quando o tomador atinja uma determinada idade, o capital seguro, caso o beneficiário venha a falecer antes, é, em regra, prestado à pessoa segura, tanto na falta de designação do beneficiário como no caso de este falecer antes da pessoa segura.
j) Como e quando pode ser alterada ou revogada a cláusula beneficiária?
Artigo de referência: 189.º
103 O terceiro fica, em virtude da cessão da posição contratual, investido em todos os direitos e deveres que correspondiam ao tomador do seguro perante o segurador.
104 Nos termos do art. 81.º, relativo ao seguro de grupo, o beneficiário, no seguro de pessoas, é, salvo convenção em contrário, designado pela pessoa segura.
A designação do beneficiário pode ser alterada ou revogada pela pessoa que procedeu à designação a qualquer momento - desde que antes do momento em que o beneficiário adquira o direito ao pagamento das importâncias seguras - e desde que não haja ocorrido renúncia expressa ao direito de alteração ou de revogação105 ou que, tratando-se de seguro de sobrevivência, não tenha havido adesão do beneficiário.
k) Como deve ser interpretada a cláusula beneficiária?
Artigo de referência: 201.º
O NRJCS prevê as seguintes regras para a interpretação da cláusula beneficiária:
- a designação genérica dos filhos de determinada pessoa como beneficiários, em caso de dúvida, entende-se referida a todos os filhos que lhe sobreviverem, assim como aos des- cendentes dos filhos em representação daqueles;
- quando a designação genérica se refira aos herdeiros ou ao cônjuge, em caso de dúvida, consideram-se como tais os herdeiros legais que o sejam à data do falecimento;
- sendo a designação feita a favor de vários beneficiários, o segurador realiza a prestação em partes iguais, excepto:
(i) no caso de os beneficiários serem todos os herdeiros da pessoa segura, em que se observam os princípios prescritos para a sucessão legítima;
(ii) no caso de premoriência de um dos beneficiários, em que a sua parte cabe aos respec- tivos descendentes.
l) Quais as especificidades relativamente ao prémio no seguro de vida?
Artigos de referência: 202.º (relativamente imperativo), 203.º e 204.º
Quando deve ser pago o prémio do seguro?
O prémio deve ser pago nas datas e condições estipuladas no contrato.
Todavia, e diferentemente do que é previsto nos restantes tipos de contrato de seguro, o segurador tem o dever de avisar o tomador do seguro com uma antecedência mínima de trinta dias da data em que se vence o prémio, ou fracção deste, do montante a pagar, assim como da forma e do lugar do pagamento.
Quais as consequências da falta de pagamento do prémio?
A falta de pagamento do prémio na data de vencimento confere ao segurador, consoante a situação e o convencionado:
- o direito à resolução do contrato, com o consequente resgate obrigatório;
105 No caso de a pessoa segura ter assinado, juntamente com o tomador do seguro, a proposta de seguro de que conste a designação beneficiária ou tendo a pessoa segura designado o beneficiário, a alteração da designação beneficiária pelo tomador do seguro carece de acordo da pessoa segura. No caso de não haver tal acordo, a alteração deve ser comunicada pelo segurador à pessoa segura. Isto sem pre-
juízo do disposto a respeito do seguro de grupo.
- o direito à redução do contrato;
- o direito à transformação do seguro num contrato sem prémio.
Das condições da apólice deve constar o período máximo em que o tomador do seguro pode exercer a faculdade de repor em vigor, nas condições originais e sem novo exame médico, o contrato de seguro reduzido ou resolvido.
Tal período máximo deve, nos termos da lei, ser fixado a contar da data da redução ou da resolução.
Quais as consequências da falta de pagamento do prémio no caso de estipulação beneficiária irrevogável?
Ocorrendo falta de pagamento do prémio no caso de contrato com estipulação beneficiária irrevogável, deve o segurador interpelar o beneficiário, no prazo de trinta dias, para, queren- do, substituir-se ao tomador do seguro no pagamento106.
m) Quais as obrigações do segurador no que respeita à participação nos resulta- dos?
Artigo de referência: 205.º
Havendo lugar a participação nos resultados107, o segurador tem a obrigação de informar o tomador do seguro, anualmente, sobre o montante da participação nos resultados dis- tribuídos.
Cessando o contrato, o tomador do seguro, o segurado ou o beneficiário, consoante a si- tuação, mantêm o direito à participação nos resultados atribuída mas ainda não distribuída, bem como, quando ainda não atribuída, o direito à participação nos resultados calculado pro rata temporis desde a data da última atribuição até à cessação do contrato.
De notar que se se tratar de um seguro de grupo contributivo, o direito à participação nos resultados pertence sempre e obrigatoriamente ao segurado108.
n) Um seguro pode ser um ICAE?
Artigo de referência: 206.º
Os seguros ligados a fundos de investimento são qualificados como ICAE, podendo, por norma regulamentar da autoridade de supervisão competente, ser qualificados como ICAE outros contratos ou operações que reúnam as características dos ICAE109.
No caso das apólices de seguros ligados a fundos de investimento (“unit linked”), para além das menções gerais, e, quando aplicável, das menções adicionais exigidas para as apólices dos seguros de vida, a apólice deve estabelecer:
106 Se o segurador não interpelar o beneficiário não lhe poderá opor as consequências convencionadas para a falta de pagamento do prémio.
107 Cfr. Xxxxxxxxx, Parte I, I., a). 108 Cfr. art. 93.º
109 Cfr. Xxxxxxxxx, Parte I, I., a).
a) A constituição de um valor de referência;
b) Os direitos do tomador do seguro, aquando da eventual liquidação de um fundo de investimento ou da eliminação de uma unidade de conta, antes do termo do contrato;
c) A forma de informação sobre a evolução do valor de referência, bem como a regu- laridade da mesma;
d) As condições de liquidação do valor de resgate e das importâncias seguras, quer seja efectuada em numerário quer nos títulos que resultam do funcionamento do contrato;
e) A periodicidade da informação a prestar ao tomador do seguro sobre a composição da carteira de investimentos.
o) Qual o regime jurídico aplicável às operações de capitalização?
Artigos de referência: 207.º a 209.º
O regime comum do contrato de seguro e o regime especial do seguro de vida são subsidia- riamente aplicáveis às operações de capitalização, desde que tais regras sejam compatíveis com a natureza da operação.
Em especial, das condições gerais e especiais110 das operações de capitalização devem cons- tar os seguintes elementos:
a) A identificação das partes;
b) O capital garantido e os respectivos valores de resgate nas datas aniversárias do contrato;
c) As prestações a satisfazer pelo subscritor ou portador do título;
d) Os encargos, sua forma de incidência e o momento em que são cobrados;
e) A indicação de que o contrato confere ou não confere o direito à participação nos re- sultados e, no primeiro caso, a forma de cálculo e de distribuição desses resultados;
f) A indicação de que o subscritor ou portador do título podem requerer, a qualquer momento, as seguintes informações:
i) Em contratos de prestação única com participação nos resultados, o valor da participação nos resultados distribuído até ao momento referido no pedido de informação;
ii) Em contratos de prestações periódicas, a situação relativa ao pagamento das prestações e, caso se tenha verificado falta de pagamento, o valor de resgate contratualmente garantido, se a ele houver lugar, bem como a participação nos resultados distribuídos, se for caso disso;
110 As condições gerais e especiais dos contratos de capitalização devem ser identificadas no título emitido no momento da celebração de cada contrato, título esse que poderá revestir a forma escritural, nos termos regulamentados pelas autoridades de supervisão competentes.
g) O início e a duração do contrato;
h) As condições de resgate;
i) A forma de transmissão do título;
j) A indicação do regime aplicável em caso de destruição, perda ou extravio do título111;
l) As condições de cessação do contrato por iniciativa de uma das partes;
m) A lei aplicável ao contrato e as condições de arbitragem. Nas condições particulares, os títulos devem referir:
a) O número respectivo;
b) O capital contratado;
c) As datas de início e de termo do contrato;
d) O montante das prestações e as datas da sua exigibilidade, quando periódicas;
e) A taxa técnica de juro garantido;
f) A participação nos resultados, se for caso disso;
g) O subscritor112 ou o detentor, no caso de títulos nominativos.
3. Seguro de acidentes pessoais
a) Qual a cobertura típica dos seguros de acidentes pessoais?
Artigos de referência: 210.º e 211.º
No seguro de acidentes pessoais113 o segurador cobre o risco da verificação de lesão corporal, invalidez, temporária ou permanente, ou morte da pessoa segura, por causa súbita, externa e imprevisível.
b) Quem é o beneficiário em sede de seguros de acidentes pessoais?
Artigo de referência: 212.º
Para além das regras gerais, aplicáveis às restantes situações, prevê-se que, se o contrato de segu- ro de acidentes pessoais respeitar a terceiro, em caso de dúvida, é este o beneficiário do seguro.
111 Tratando-se de títulos ao portador, deve ser prevista a obrigatoriedade de o seu legítimo detentor avisar imediatamente o segurador em caso de extravio.
112 A posição do subscritor no contrato transmite-se, em caso de morte, para os sucessores, mantendo-se o contrato até ao prazo de vencimento.
113 Aos seguros de acidentes pessoais aplicam-se, com as necessárias adaptações, as regras do regime co- mum do seguro de vida constantes dos arts. 192.º, 193.º, 198.º, 199.º, n.ºs 1 a 3, 200.º, 201.º e, quanto ao salvamento e mitigação do sinistro, o disposto no regime comum do seguro de danos nos arts. 126.º e 127.º
4. Seguro de saúde
a) Qual a cobertura típica dos seguros de saúde?
Artigo de referência: 213.º
Nos seguros de saúde114, o segurador cobre riscos relacionados com a prestação de cuidados de saúde.
b) Que elementos específicos deverão constar do contrato de seguro de saúde anual renovável?
Artigo de referência: 214.º
Do contrato de seguro de saúde anual renovável deve constar de forma bem visível e des- tacada que:
a) O segurador apenas cobre o pagamento das prestações convencionadas ou das des- pesas efectuadas em cada ano de vigência do contrato;
b) As condições de indemnização em caso de não renovação do contrato ou da cober- tura da pessoa segura respeitam ao risco coberto no contrato.
c) As doenças preexistentes estão abrangidas na cobertura do seguro de saúde?
Artigo de referência: 216.º
As doenças preexistentes, conhecidas da pessoa segura à data da realização do contrato, consideram-se abrangidas na cobertura convencionada pelo segurador, podendo ser excluí- das por acordo em contrário, de modo genérico ou especificadamente, podendo ainda o contrato prever um período de carência não superior a um ano para a cobertura de doenças preexistentes.
d) Quais as consequências da cessação do contrato no que toca à cobertura de fac- tos ocorridos na vigência do contrato?
Artigo de referência: 217.º (relativamente imperativo)
114 De notar que nem o regime de agravamento do risco, previsto nos arts. 93.º e 94.º, relativamente às alterações do estado de saúde da pessoa segura, nem a obrigação de informação da pluralidade de seguros, prevista nos n.ºs 2 e 3 do art. 180.º, são aplicáveis ao seguro de saúde.
Em caso de não renovação do contrato ou da cobertura e não estando o risco coberto por um contrato de seguro posterior, o segurador não pode, nos dois anos subsequentes e até que se mostre esgotado o capital seguro no último período de vigência do contrato, recusar as prestações resultantes de doença manifestada ou outro facto ocorrido na vigência do contrato115, desde que cobertos pelo seguro.
115 Para o efeito, deve o segurador ser informado da doença nos trinta dias imediatos ao termo do contra- to, salvo justo impedimento.
117
PARTE III APÊNDICE DE LEGISLAÇÃO116
116 Os diplomas incluídos no presente Apêndice de Legislação não dispensam a consulta do Diário da República.
I - Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril - Regime Jurídico do Contrato de Seguro 117
I - O seguro tem larga tradição na ordem jurídica portuguesa. No entanto, a legislação que estabelece o regime jurídico do contrato de seguro encontra-se relativamente desactualizada e, mercê de diversas intervenções legislativas em diferentes momentos históricos, nem sempre há harmonia de soluções.
A reforma do regime do contrato de seguro assenta primordialmente numa adaptação das regras em vigor, procedendo à actualização e concatenação de conceitos de diversos diplomas e preenchendo certas lacunas.
Procede-se, deste modo, a uma consolidação do direito do contrato de seguro vigente, tornando mais acessível o conhecimento do respectivo regime jurídico, esclarecendo várias dúvidas existentes, regulando alguns casos omissos na actual legislação e, obviamente, intro- duzindo diversas soluções normativas inovadoras. Importa referir que a consolidação e adap- tação do regime do contrato de seguro têm especialmente em conta as soluções estabelecidas no direito comunitário, já transpostas para o direito nacional, com especial relevo para a protecção do tomador do seguro e do segurado nos designados seguros de riscos de massa.
A reforma do regime do contrato de seguro vem também atender a um conjunto de des- envolvimentos no âmbito dos seguros de responsabilidade civil, frequentemente associados ao incremento dos seguros obrigatórios. Por outro lado, foram tidos em conta alguns tipos e modalidades de seguros que se têm desenvolvido, como o seguro de grupo e seguros com fi- nalidade de capitalização. Refira-se, ainda, a diversificação do papel de seguros tradicionais que, mantendo a sua estrutura base, são contratados com uma multiplicidade de fins.
II - Nesta reforma foi dada particular atenção à tutela do tomador do seguro e do segura- do - como parte contratual mais débil -, sem descurar a necessária ponderação das empresas de seguros.
No âmbito da protecção da parte débil na relação de seguro, importa realçar dois aspec- tos. Em primeiro lugar, muito frequentemente, a maior protecção conferida ao segurado pode implicar aumento do prémio de seguro. Por outro lado, a actividade seguradora cada vez menos se encontra circunscrita às fronteiras do Estado Português, sendo facilmente ajustado um contrato de seguro por um tomador do seguro português em qualquer Estado da União Europeia, sem necessidade de se deslocar para a celebração do contrato. Ora, a indústria de seguros portuguesa não pode ficar em situação jurídica diversa daquela a que se sujeita a indústria seguradora de outros Estados da União Europeia. De facto, o seguro e o resseguro que lhe está associado têm características internacionais, havendo regras comuns no plano internacional, tanto quanto aos contratos de seguro como às práticas dos seguradores, que não podem ser descuradas.
Em suma, em especial nos seguros de riscos de massa, importa alterar o paradigma liberal da legislação oitocentista, passando a reconhecer explicitamente a necessidade de protecção da parte contratual mais débil. Não obstante se assentar na tutela da parte contratual mais débil,
117 Com a redacção resultante da Rectificação n.º 32-A/2008, publicada no Diário da República, 1.ª Série, de 13 de Junho de 2008, e da Rectifição n.º 39/2008, publicada no Diário da República, 1.ª Série, de 23 de Julho de 2008.
como resulta do que se indicou, cabe atender ao papel da indústria de seguros em Portugal. Pretende-se, por isso, evitar ónus desproporcionados e não competitivos para os segura- dores, ponderando as soluções à luz do direito comparado próximo, mormente de países comunitários.
Não perdendo de vista os objectivos de melhor regulamentação (better regulation), con- solida-se num único diploma o regime geral do contrato de seguro, evitando a dispersão e fragmentação legislativa e facilitando o melhor conhecimento do regime jurídico por parte dos operadores.
III - Relativamente à sistematização, o regime jurídico do contrato de seguro encon- tra-se dividido em três partes: «Parte geral», «Seguro de danos» e «Seguro de pessoas». Tendo em conta os vários projectos nacionais, assim como a legislação, mesmo recente, de outros países, mormente da União Europeia, em que é estabelecida a divisão entre seguro de danos e seguro de pessoas, entendeu-se ser preferível esta sistematização à que decorreria da legislação actual, em resultado da classificação vigente ao nível comunitário, que contrapõe os seguros dos ramos «vida» e «não vida». Quanto aos regimes especiais, incluem-se várias previsões no novo regime - tanto nos seguros de danos como nos seguros de pessoas -, não só aqueles que actualmente se encontram regulados no Código Comercial como também em diplomas avulsos, com exclusão do regime relativo aos seguros marítimos. De facto, não se justificava a inclusão dos seguros marítimos (com excepção do transporte marítimo) no regime geral, não só pelas várias especificidades, muitas vezes resultantes da evolução histórica, como pelo tratamento internacional.
Assim, no que se refere à sistematização, do título I consta o regime comum do contrato de seguro, nomeadamente as regras respeitantes à formação, execução e cessação do vínculo. No título II, relativamente ao seguro de danos, além das regras gerais, faz-se menção aos seguros de responsabilidade civil, de incêndio, de colheitas e pecuário, de transporte de coisas, financei- ro, de protecção jurídica e de assistência. Por fim, no título III, no que respeita ao seguro de pessoas, a seguir às disposições comuns, atende-se ao seguro de vida, ao seguro de acidentes pessoais e ao seguro de saúde.
Em matéria de sistematização, importa ainda realçar que, de acordo com a função codifi- cadora pretendida, o novo regime contém regras gerais comuns a todos os contratos de seguro
- inclusive aplicáveis a contratos semelhantes ao seguro stricto sensu, celebrados por segurado- res -, regras comuns a todos os seguros de danos, regras comuns a todos os seguros de pessoas e, finalmente, regras específicas dos subtipos de seguros. Estas regras específicas diminuem significativamente de extensão, devido às disposições comuns. Por exemplo, várias regras que surgiam a propósito do seguro de incêndio são agora estendidas a todos os seguros de danos, acompanhando, de resto, a prática interpretativa e aplicadora do Código Comercial.
IV - No que respeita à harmonização terminológica, estabeleceu-se, em primeiro lugar, que se mantêm, como regra, os termos tradicionais como «apólice», «prémio», «sinistro», «subse- guro», «resseguro» ou «estorno». Por outro lado, usa-se tão-só «segurador» (em vez de «segu- radora» ou «empresa de seguros»), contrapõe-se o tomador do seguro ao segurado e não se faz referência aos ramos de seguros. Pretendeu-se, nomeadamente, que os conceitos de tomador do seguro, segurado, pessoa segura e beneficiário fossem utilizados de modo uniforme e adequado aos diferentes problemas jurídicos da relação contratual de seguro.
O regime do contrato de seguro cumpre, assim, uma função de estabilização terminológica
e de harmonização com as restantes leis de maior importância. Lembre-se que a antiguidade do Código Comercial e a proliferação de leis avulsas, bem como de diferentes influências estrangeiras, propiciou o emprego de termos contraditórios, ambíguos e com sentidos equí- vocos nas leis, na doutrina, na jurisprudência e na prática dos seguros. O novo regime uni- fica a terminologia utilizando coerentemente os vários conceitos e optando entre as várias possibilidades.
V - O novo regime agora estabelecido tem em vista a sua aplicação primordial ao tí- pico contrato de seguro, evitando intencionalmente uma definição de contrato de seguro. Optou-se por identificar os deveres típicos do contrato de seguro, assumindo que os casos de qualificação duvidosa devem ser decididos pelos tribunais em vista da maior ou menor proximidade com esses deveres típicos e da adequação material das soluções legais ao tipo contratual adoptado pelas partes. Atendendo, sobretudo, à crescente natureza financeira de alguns subtipos de «seguros» consagrados pela prática seguradora, é esta a solução adequada.
No que respeita ao âmbito, pretende-se estender a aplicação de algumas regras do contrato de seguro a outros contratos, relacionados com operações de capitalização. Ainda quanto ao âmbito, previu-se o regime comum, válido para todos os contratos de seguro, mesmo que regu- lados em outros diplomas. Pretendeu-se, pois, aplicar as regras gerais aos contratos de seguro regidos por diplomas especiais.
Relativamente ao regime aplicável ao contrato de seguro, assentou-se apenas na consa- gração do regime específico, sem afastar a aplicação dos regimes gerais, nomeadamente do Código Civil e do Código Comercial. Por esta razão procedeu-se a uma remissão, com especial ênfase, para regimes comuns, como a Lei das Cláusulas Contratuais Gerais ou a Lei de Defesa do Consumidor.
Foram igualmente introduzidas regras que visam o enquadramento com outros regimes, nomeadamente com as regras da actividade seguradora. Assim, as regras de direito internacio- nal privado, o regime da mediação, o regime do co-seguro ou o regime do resseguro poderiam não ser incluídos no novo regime, mas respeitando a questões relativas ao contrato de seguro e estabelecendo uma ligação com outros regimes, entendeu-se ser conveniente a sua inserção. No fundo, a inclusão de tais regras deveu-se, em especial, a uma função de esclarecimento e de enquadramento, tendo em vista o melhor conhecimento do regime. Apesar de primordialmente as referidas regras terem sido inseridas como modo de ligação com outros regimes, também se introduzem soluções inovadoras, pretendendo resolver lacunas do sistema.
Superando o regime do Código Comercial, mas sem pôr em causa o princípio da liber- dade contratual e o carácter supletivo das regras do regime jurídico do contrato de seguro, prescreve-se a designada imperatividade mínima com o sentido de que a solução legal só pode ser alterada em sentido mais favorável ao tomador do seguro, ao segurado ou ao beneficiário. Regula-se, assim, numa secção autónoma, a imperatividade das várias disposições que com- põem o novo regime. Merece destaque a reafirmação da autonomia privada como princípio director do contrato, mas articulado com limites de ordem pública e de normas de aplicação imediata, assim como com as restrições decorrentes da explicitação do princípio constitucional da igualdade, através da proibição de práticas discriminatórias, devidamente concretizadas em função da natureza própria da actividade seguradora.
O novo regime agora aprovado integra uma disposição que estabelece um nexo entre
o regime jurídico da actividade seguradora e as normas contratuais. Dispõe-se, pois, que são nulos os pretensos contratos de seguro feitos por não seguradores ou, em geral, por entidades que não estejam legalmente autorizadas a celebrá-los. Sublinha-se, contudo, que esta nulidade não opera em termos desvantajosos para o tomador. Pelo contrário, prescreve-se que
o pretenso segurador continua obrigado a todas as obrigações e deveres que lhe decorreriam do contrato ou da lei, se aquele fosse válido. Esta solução, afastando alguma rigidez do regime civil da invalidade - rigidez essa, porém, que o próprio Código Civil e várias leis extravagantes já atenuam em sede de relações duradouras - é, por um lado, uma solução de protecção do consumidor, quando o tomador tenha esta natureza. Por outro lado, a regra constante do novo regime explicita o que já se poderia inferir do regime do abuso do direito, numa das modalida- des reconhecidas pela doutrina e jurisprudência, ou seja, a proibição da invocação de um acto ilícito em proveito do seu autor.
Procede-se a uma uniformização tendencial dos deveres de informação prévia do segura- dor ao tomador do seguro, que são depois desenvolvidos em alguns regimes especiais, como
o seguro de vida. Na sequência dos deveres de informação é consagrado um dever especial de esclarecimento a cargo do segurador. Trata-se de uma norma de carácter inovador, mas em que
o respectivo conteúdo surge balizado pelo objecto principal do contrato de seguro, o do âmbito da cobertura.
No que respeita à declaração inicial de risco, teve-se em vista evitar as dúvidas resultantes do disposto no artigo 429.º do Código Comercial, reduzindo a incerteza das soluções jurídicas. Mantendo-se a regra que dá preponderância ao dever de declaração do tomador sobre o ónus de questionação do segurador, são introduzidas exigências ao segurador, nomeadamente impon- do-se o dever de informação ao tomador do seguro sobre o regime relativo ao incumprimento da declaração de risco, e distingue-se entre comportamento negligente e doloso do tomador do seguro ou segurado, com consequências diversas quanto à validade do contrato. Neste âm- bito, cabe ainda realçar a introdução do parâmetro da causalidade para aferir a invalidade do contrato de seguro e do já mencionado dever específico, por parte do segurador, de, aquando da celebração do contrato, elucidar devidamente a contraparte do regime de incumprimento da declaração de risco. Quanto à causalidade, importa a sua verificação para ser invocado pelo segurador o regime da inexactidão na declaração inicial de risco e a consequente invalidade do contrato de seguro.
A matéria do risco, de particular relevo no contrato de seguro, surge regulada, primeiro, em sede de formação do contrato, seguidamente, na matéria do conteúdo contratual e, depois, a propósito das vicissitudes, mantendo sempre um vector: o risco é um elemento essencial do contrato, cuja base tem de ser transmitida ao segurador pelo tomador do seguro atendendo às directrizes por aquele definidas. Quanto à alteração do risco, encontra-se uma previsão expres- sa de regime relativo à diminuição do risco e ao agravamento do risco, com diversidade de soluções e maior adequação das soluções aos casos concretos, bem como maior protecção do tomador do seguro, prescrevendo-se um regime específico, aliás muito circunstanciado, para a ocorrência de sinistro estando em curso o procedimento para a modificação ou a cessação do contrato por agravamento do risco.
Prescreve-se o princípio da não cobertura de actos dolosos, admitindo convenção em contrário não ofensiva da ordem pública. Mantendo-se o regime da formação do contrato de seguro com base no silêncio do segurador, introduziram-se alguns esclarecimentos, de modo a tornar a solução mais justa e certa. Na realidade, subsistindo a solução do regime
actual (prevista no artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 176/95, de 26 de Junho), foi introduzida alguma flexibilização susceptível de lhe conferir maior justiça, na medida em que se ad- mite a não vinculação em caso de não assunção genérica dos riscos em causa pelo concreto segurador.
Sem pôr em causa o recente regime da mediação de seguros, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 144/2006, de 31 de Julho, aproveitou-se para fazer alusão expressa à figura da representação aparente na celebração do contrato de seguro com a intervenção de mediador de seguros e à eficácia das comunicações realizadas por intermédio do mediador. Quanto à forma, e superando as dificuldades decorrentes do artigo 426.º do Código Comercial, sem descurar a necessidade de o contrato de seguro ser reduzido a escrito na apólice, admite-se a sua validade sem obser- vância de forma especial. Apesar de não ser exigida forma especial para a celebração do con- trato, bastando o mero consenso, mantém-se a obrigatoriedade de redução a escrito da apólice. Deste modo, o contrato de seguro considera-se validamente celebrado, vinculando as partes, a partir do momento em que houve consenso (por exemplo, verbal ou por troca de correspondên- cia), ainda que a apólice não tenha sido emitida. Consegue-se, assim, certeza jurídica quanto ao conteúdo do contrato, afastando uma possível fonte de litígios e oferecendo um documento sintético (a apólice) susceptível de fiscalização pelas autoridades de supervisão. Contudo, o regime do contrato de seguro aperfeiçoa as regras existentes, distinguindo os vários planos jurídicos relevantes:
i) Quanto à validade do contrato, ela não depende da observância de qualquer forma espe- cial. Esta solução decorre dos princípios gerais da lei civil, adequa-se ao disposto na legislação sobre contratação à distância, resolve problemas relativos aos casos híbridos entre a contra- tação à distância e a contratação entre presentes e, dadas as restantes regras agora introduzidas, é um instrumento geral de protecção do tomador do seguro;
ii) Quanto à prova do contrato, eliminam-se todas as regras especiais. Esta solução é a mais consentânea com o rigor técnico do que aqui se dispõe e com a necessidade de evitar a possibi- lidade de contornar a lei substantiva através de meios processuais;
iii) Quanto à eficácia e à oponibilidade do contrato e do seu conteúdo, estatui-se que o segurador tem a obrigação jurídica de reduzir o contrato a escrito na apólice e de entregá-
-la ao tomador. Como sanção, o segurador não pode prevalecer-se do que foi acordado no contrato sem que cumpra esta obrigação, podendo o tomador resolver o contrato por falta de entrega da apólice.
Há menções que devem obrigatoriamente constar da apólice e certas cláusulas, designa- damente as que excluem ou limitam a cobertura, têm de ser incluídas em destaque, de molde a serem facilmente detectadas.
Quanto à vigência, esclarecendo alguns aspectos, assenta-se no princípio da anuidade do contrato de seguro.
À questão do interesse no seguro foram dedicados alguns preceitos, reiterando o princípio de que não é válido o seguro sem um interesse legítimo. Como o interesse pode relacionar-se com terceiros, há uma explicitação dessas realidades. No que respeita ao efeito em relação a terceiros, procede-se ao enquadramento do denominado «seguro por conta própria» e do «se- guro por conta de outrem», com aproveitamento dos traços inovadores do Código Comercial (por exemplo, o parágrafo 3.º do artigo 428.º, sobre seguro misto por conta própria e por conta de outrem) e prevendo nova regulamentação para os pontos carecidos de previsão.
Em matéria de prémio, com algumas particularidades, mantém-se o princípio de no pre- mium, no risk ou no premium, no cover, nos termos do qual não há cobertura do seguro en- quanto o prémio não for pago. O regime do prémio, com vários esclarecimentos, aditamentos e algumas alterações, permanece, no essencial, tal como resulta do Decreto-Lei n.º 142/2000, com as alterações de 2005.
Foram inseridas regras especiais disciplinadoras de certas situações jurídicas que se ge- neralizaram na actividade seguradora, como o seguro de grupo. De facto, alguns regimes não regulados na legislação vigente (ou insuficientemente previstos), mas que correspondem a uma prática generalizada, como o seguro de grupo, surgem no novo regime com um tratamento desenvolvido. Quanto ao seguro de grupo, importa acentuar a previsão (ex. novo ou mais por- menorizada) do dever de informar, do regime do pagamento do prémio - pagamento do prémio junto do tomador do seguro ou pagamento directo ao segurador -, e do regime de cessação do vínculo, por denúncia ou por exclusão do segurado.
Nos contratos de seguro de grupo em que os segurados contribuem para o pagamento, total ou parcial, do prémio, a posição do segurado é substancialmente assimilável à de um tomador do seguro individual. Como tal, importa garantir que a circunstância de o contrato de seguro ser celebrado na modalidade de seguro de grupo não constitui um elemento que determine um diferente nível de protecção dos interesses do segurado e que prejudique a transparência do contrato.
Nas designadas vicissitudes contratuais, além de se determinar o regime relativo à alteração do risco, estabelecem-se regras relativas à transmissão do seguro e à insolvência do tomador do seguro ou do segurado. Neste último caso, prescreve-se a solução geral da subsistência do con- trato em caso de insolvência, sendo aplicável o regime do agravamento do risco (embora com excepções). Recorde-se que o regime do artigo 438.º do Código Comercial é o da exigibilidade de caução, sob pena da insubsistência do contrato.
Na regularização do sinistro, além de se manterem as soluções tradicionais, incluíram-se regras inovadoras, com função de esclarecimento (por exemplo, âmbito da participação do sinistro) e, como novidade, explicitou-se de modo detalhado um regime de afastamento e mi- tigação do sinistro, a cargo do segurado, que corresponde à concretização de princípios gerais e aplicável primordialmente no âmbito do seguro de danos. Quanto ao ónus da participação do sinistro, comparativamente com o disposto no artigo 440.º do Código Comercial, há uma maior concretização, seja da previsão do dever, seja da sanção pelo seu incumprimento, que pode ser a perda da garantia em caso de incumprimento doloso acompanhado de prejuízo sig- nificativo do segurador. Tal como em outras previsões, no novo regime reconhecem-se certos deveres de cooperação entre o segurador e o tomador do seguro ou o segurado e um desses casos é o do chamado «ónus de salvamento» em caso de sinistro. Dispõe-se que, em caso de sinistro, o segurado deve tomar as medidas razoáveis que se imponham com vista a evitar a sua consumação, de molde a acautelar perdas evitáveis de bens e pagamentos desnecessários por parte do segurador. Em contrapartida, como os actos de salvamento são, fundamental- mente, realizados no interesse do segurador, este fica obrigado a reembolsar o segurado pelas despesas de salvamento.
Quase a terminar a parte geral, consta um capítulo sobre a cessação do contrato de se- guro, espelhando muitas regras que já resultam do regime contratual comum, ainda que com um tratamento sistemático próprio, e, além de certos esclarecimentos, prescrevendo soluções particulares para atender a várias especificidades do contrato de seguro, nomeadamente no
que respeita ao estorno do prémio, à denúncia, à resolução após sinistro e à livre resolução do contrato.
Ainda na parte geral, prevê-se o dever de sigilo do segurador, impondo-se-lhe segredo quanto a certas informações que obtenha no âmbito da celebração ou da execução do contra- to de seguro, e estatui-se um regime específico de prescrição. Prevêem-se igualmente prazos especiais de prescrição de dois anos (direito ao prémio) e de cinco anos (restantes direitos emergentes do contrato), sem prejuízo da prescrição ordinária. Ainda neste derradeiro capítulo da parte geral, cabe destacar a remissão para arbitragem como modo de resolução de diferendos relacionados com o seguro.
No título II, sobre seguro de danos, na sequência da sistematização adoptada, distingue-se o regime geral dos regimes especiais. Em sede de regras gerais de seguro de danos, além da delimitação do objecto (coisas, bens imateriais, créditos e outros direitos patrimoniais) e da regulação de aspectos sobre vícios da coisa e de seguro sobre pluralidade de coisas, dá-se particular ênfase ao princípio indemnizatório. Apesar de o princípio indemnizatório assentar basicamente na liberdade contratual, de modo supletivo, prescrevem-se várias soluções, no- meadamente quanto ao cálculo da indemnização, ao sobresseguro, à pluralidade de seguros, ao subseguro e à sub-rogação do segurador.
Não obstante valer o princípio da liberdade contratual, admitindo-se a inclusão de múlti- plas cláusulas, como o seguro «valor em novo», para o cálculo da indemnização não se pode atender a um valor manifestamente infundado.
No sobresseguro estabelece-se a regra da redução do contrato. Passa, pois, a haver previsão expressa de regime, quando hoje o regime relativo à matéria implica uma difícil conjugação das regras respeitantes ao princípio indemnizatório, à pluralidade de seguros e à declaração do risco (artigos 435.º, 434.º e 429.º do Código Comercial).
Em caso de pluralidade de seguros, além do dever de comunicação a todos os seguradores, aquando da verificação e com a participação do sinistro, determina-se que o incumprimen- to fraudulento do dever de informação exonera os seguradores das respectivas prestações e prescreve-se o regime de responsabilidade proporcional dos diversos seguradores, podendo a indemnização ser pedida a qualquer dos seguradores, limitada ao respectivo capital seguro. Acresce ainda a previsão específica de critérios de repartição do ónus da regularização do sinistro entre seguradores.
No caso de subseguro, o segurador só responde na proporção do capital seguro. Asso- ciado com o subseguro, estabelece-se, no seguro de riscos relativos à habitação, um regime específico de actualização automática do valor do imóvel seguro, ou da proporção segura do mesmo, com base em índices publicados para o efeito pelo Instituto de Seguros de Portugal.
A parte especial do seguro de danos inicia-se com o regime dos seguros de responsabili- dade civil. No seguro de responsabilidade civil, o segurador cobre o risco de constituição no património do segurado de uma obrigação de indemnizar terceiros. Por via de regra, o prejuízo a atender para efeito do princípio indemnizatório é o disposto na lei geral.
Quanto ao período de cobertura, assente no regime base occurrence basis, admitem-se cláusulas de claims made, embora com cobertura obrigatória de reclamações posteriores; deste modo, clarifica-se a admissibilidade das cláusulas de claims made (ou «base recla-
mação»), tentando evitar o contencioso sobre a questão da admissibilidade de tais cláusulas havido em ordenamentos comparados próximos. A aceitação destas cláusulas determina a obrigação de cobertura do risco subsequente (ou risco de posterioridade) relativo às recla- mações apresentadas no ano seguinte ao da cessação do contrato, desde que o risco não esteja coberto por contrato de seguro subsequente.
Reiterando uma regra enunciada na parte geral, estabelece-se que, em princípio, o segura- dor não responde por danos causados dolosamente pelo tomador do seguro ou pelo segurado, podendo haver acordo em contrário não ofensivo da ordem pública. Contudo, a solução pode ser diversa nos seguros obrigatórios de responsabilidade civil em caso de previsão especial, legal ou regulamentar, para cobertura de actos dolosos.
No seguro de responsabilidade civil voluntário, em determinadas situações, o lesado pode demandar directamente o segurador, sendo esse direito reconhecido ao lesado nos se- guros obrigatórios de responsabilidade civil. Por isso, a possibilidade de o lesado demandar directamente o segurador depende de se tratar de seguro de responsabilidade civil obrigatório ou facultativo. No primeiro caso, a regra é a de se atribuir esse direito ao lesado, pois a obri- gatoriedade do seguro é estabelecida nas leis com a finalidade de proteger o lesado. No segu- ro facultativo, preserva-se o princípio da relatividade dos contratos, dispondo que o terceiro lesado não pode, por via de regra, exigir a indemnização ao segurador.
Relativamente a meios de defesa, como regime geral dos seguros obrigatórios de respon- sabilidade civil, é introduzida uma solução similar à constante do artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, relativo ao seguro automóvel, sob a epígrafe «Oponibilidade de excepções aos lesados ».
O direito de regresso do segurador existe na medida em que o tomador do seguro ou o segurado tenha actuado dolosamente.
No âmbito dos seguros obrigatórios de responsabilidade civil prescreve-se a inadmissibi- lidade de a convenção das partes alterar as regras gerais quanto à determinação do prejuízo e a impossibilidade de se acordar a resolução do contrato após sinistro.
A regulamentação do seguro de incêndio, atenta a previsão geral do seguro de danos, fica circunscrita ao âmbito e a menções especiais na apólice. A solução é similar no caso dos segu- ros de colheitas e pecuário.
No seguro de transporte de coisas há uma previsão genérica das diversas modalidades do seguro de transportes - seguro de transportes terrestres, fluviais, lacustres e aéreos, com ex- clusão do seguro de envios postais e do seguro marítimo -, prescrevendo várias soluções, como a cláusula «armazém a armazém» e a pluralidade de meios de transporte.
O seguro financeiro abrange o seguro de crédito e o seguro-caução e, remetendo para o regime recentemente alterado, estabelecem-se soluções relativamente a questões não previstas nesse diploma, em particular quanto a cobrança, comunicações e reembolso.
No seguro de protecção jurídica mantêm-se as soluções vigentes com uma diferente siste- matização.
Por último, no seguro de assistência, indica-se a noção e as actividades não incluídas nesta espécie contratual.
Do título III consta o regime do seguro de pessoas, tal como no título anterior, começa enunciando as disposições comuns aos vários seguros do designado ramo «vida».
De entre as disposições comuns merece especial relevo o regime relativo aos exames médicos.
O regime respeitante ao seguro de vida aplica-se igualmente a outros contratos, como o de coberturas complementares do seguro de vida ou de seguro de nupcialidade. Além das especificidades quanto a informações e menções a incluir na apólice, importa atender ao regime particular de risco, nomeadamente a cláusula de incontestabilidade, o regime de agravamento do risco e a solução no caso de suicídio ou de homicídio.
Foi consagrada a solução da cláusula de incontestabilidade de dois anos a contar da celebração do contrato relativamente a inexactidões ou omissões negligentes, não sendo este regime aplicável às coberturas de acidentes e invalidez complementares do seguro de vida.
Prescreveu-se a regra da não aplicação do regime do agravamento do risco nos seguros de vida, que sofre restrições relativamente às coberturas complementares de seguros de vida.
Supletivamente, encontra-se excluída a cobertura em caso de suicídio ocorrido até um ano após a celebração do contrato. Em caso de homicídio doloso, a prestação não será devida ao autor, cúmplice ou instigador.
Em matéria do chamado «resgate» - entendido tão-só como meio jurídico de percepção de uma quantia pecuniária e não como forma de dissolução do vínculo -, subsiste a regra da liberdade contratual das partes, permitindo aos seguradores a criatividade necessária ao bom funcionamento do mercado. Mas a posição do tomador do seguro ou do segurado é integralmente protegida através da atribuição ao segurador do dever de tornar possível à contraparte, a qualquer momento, calcular o montante que pode haver através do resgate. Pretende-se, assim, que os segurados tomem esclarecidamente as decisões de optar por um ou outro segurador e por um ou outro dos «produtos» oferecidos por cada segurador, podendo ainda avaliar a cada momento da conveniência em manter ou, quando permitido, extinguir o contrato.
Estabeleceu-se, com algum pormenor, o regime da designação beneficiária, de molde a superar muitas das dúvidas que frequentemente surgem.
Conhecendo o desenvolvimento prático e as dúvidas que suscita, sem colidir com o regime dos instrumentos financeiros, estabeleceram-se regras relativas às operações de capitalização, indicando exaustivamente o que deve ser incluído na apólice para melhor conhecimento da situação por parte do tomador do seguro.
No regime do contrato de seguro, encontra-se uma regulamentação específica do seguro de acidentes pessoais (lesão corporal provocada por causa súbita, externa e violenta que produza lesões corporais, invalidez, temporária ou permanente, ou a morte do tomador do seguro ou de terceiro), prescrevendo, nomeadamente, a extensão do regime do seguro com exame médico, a previsão de um direito de renúncia (tal como na legislação vigente) e a limitação da sub-ro- gação às prestações indemnizatórias.
Por fim, no seguro de saúde, estabelece-se a obrigatoriedade de menções especiais na apólice, de molde a permitir a determinação rigorosa do risco coberto, faz-se referência à ex-
clusão das denominadas «preexistências» e, de modo idêntico ao seguro de responsabilidade civil, prescreve -se a regra da subsistência limitada da cobertura após a cessação do contrato.
Foi ouvida a Comissão Nacional de Protecção de Dados.
Foi promovida a audição do Conselho Nacional do Consumo.
Foram ainda ouvidos o Instituto de Seguros de Portugal e a Associação Portuguesa de Seguradores.
Assim:
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o se- guinte:
Artigo 1.º
Objecto
É aprovado o regime jurídico do contrato de seguro, constante do anexo ao presente decre- to-lei e que dele faz parte integrante.
Artigo 2.º
Aplicação no tempo
1- O disposto no regime jurídico do contrato de seguro aplica-se aos contratos de seguro celebrados após a entrada em vigor do presente decreto-lei, assim como ao conteúdo de contra- tos de seguro celebrados anteriormente que subsistam à data da sua entrada em vigor, com as especificidades constantes dos artigos seguintes.
2 - O regime referido no número anterior não se aplica aos sinistros ocorridos entre a data da entrada em vigor do presente decreto-lei e a data da sua aplicação ao contrato de seguro em causa.
Artigo 3.º
Contratos renováveis
1- Nos contratos de seguro com renovação periódica, o regime jurídico do contrato de seguro aplica-se a partir da primeira renovação posterior à data de entrada em vigor do presente decreto-lei, com excepção das regras respeitantes à formação do contrato, nomeadamente as constantes dos artigos 18.º a 26.º, 27.º, 32.º a 37.º, 78.º, 87.º, 88.º, 89.º, 151.º, 154.º, 158.º, 178.º, 179.º, 185.º e 187.º do regime jurídico do contrato de seguro.
2 - As disposições de natureza supletiva previstas no regime jurídico do contrato de seguro aplicam-se aos contratos de seguro com renovação periódica celebrados an- teriormente à data de entrada em vigor do presente decreto-lei, desde que o segurador informe o tomador do seguro, com a antecedência mínima de 60 dias em relação à data da respectiva renovação, do conteúdo das cláusulas alteradas em função da adopção do novo regime.
Artigo 4.º
Contratos não sujeitos a renovação
1 - Nos seguros de danos não sujeitos a renovação, aplica-se o regime vigente à data da celebração do contrato.
2 - Nos seguros de pessoas não sujeitos a renovação, as partes têm de proceder à adaptação dos contratos de seguro celebrados antes da entrada em vigor do presente decreto-lei, de molde a que o regime jurídico do contrato de seguro se lhes aplique no prazo de dois anos após a sua entrada em vigor.
3 - A adaptação a que se refere o número anterior pode ser feita na data aniversária do contrato, sem ultrapassar o prazo limite indicado.
Artigo 5.º
Supervisão
O regime jurídico do contrato de seguro constante do anexo ao presente decreto-lei não prejudica a aplicação do disposto na legislação em vigor em matéria de competências de su- pervisão.
Artigo 6.º
Norma revogatória
1 - É revogado o Decreto-Lei n.º 142/2000, de 15 de Julho, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 248 -B/2000, de 12 de Outubro, 150/2004, de 29 de Junho, 122/2005, de 29 de Julho, e 199/2005, de 10 de Novembro.
2 - São ainda revogados:
a) Os artigos 425.º a 462.º do Código Comercial aprovado por Carta de Lei de 28 de Junho de 1888;
b) Os artigos 11.º, 30.º, 33.º e 53.º, corpo, 1.ª parte, do Decreto de 21 de Outubro de 1907;
c) A base XVIII, n.º 1, alíneas c) e d), e n.º 2, e base XIX da Lei n.º 2/71, de 12 de Abril;
d) Os artigos 132.º a 142.º e 176.º a 193.º-A do Decreto-Lei n.º 94-B/98, de 17 de Abril, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 8-C/2002, de 11 de Janeiro, 169/2002, de 25 de Julho, 72- A/2003, de 14 de Abril, 90/2003, de 30 de Abril, 251/2003, de 14 de Outubro, 76-A/2006, de 29 de Março, 145/2006, de 31 de Julho, 291/2007, de 21 de Agosto, e 357-A/2007, de 31 de Outubro;
e) Os artigos 1.º a 5.º e 8.º a 25.º do Decreto-Lei n.º 176/95, de 26 de Julho, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 60/2004, de 22 de Março, e 357-A/2007, de 31 de Outubro.
Artigo 7.º
Entrada em vigor
O presente decreto-lei entra em vigor no dia 1 de Janeiro de 2009.
ANEXO
REGIME JURÍDICO DO CONTRATO DE SEGURO
TÍTULO I Regime comum
CAPÍTULO I Disposições preliminares
Artigo 1.º
Conteúdo típico
SECÇÃO I
Âmbito de aplicação
Por efeito do contrato de seguro, o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador do seguro obriga-se a pagar o prémio correspondente.
Artigo 2.º
Regimes especiais
As normas estabelecidas no presente regime aplicam-se aos contratos de seguro com re- gimes especiais constantes de outros diplomas, desde que não sejam incompatíveis com esses regimes.
Artigo 3.º
Remissão para diplomas de aplicação geral
O disposto no presente regime não prejudica a aplicação ao contrato de seguro do disposto na legislação sobre cláusulas contratuais gerais, sobre defesa do consumidor e sobre contratos celebrados à distância, nos termos do disposto nos referidos diplomas.
Artigo 4.º
Direito subsidiário
Às questões sobre contratos de seguro não reguladas no presente regime nem em diplo- mas especiais aplicam-se, subsidiariamente, as correspondentes disposições da lei comercial e da lei civil, sem prejuízo do disposto no regime jurídico de acesso e exercício da actividade seguradora.
Artigo 5.º
Lei aplicável ao contrato de seguro
Ao contrato de seguro aplicam-se as normas gerais de direito internacional privado em matéria de obrigações contratuais, nomeadamente as decorrentes de convenções internacionais e de actos comunitários que vinculem o Estado Português, com as especificidades constantes dos artigos seguintes.
Artigo 6.º
Liberdade de escolha
1 - Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes e do regime geral de liberdade con- tratual, as partes contratantes podem escolher a lei aplicável ao contrato de seguro que cubra riscos situados em território português ou em que o tomador do seguro, nos seguros de pessoas, tenha em Portugal a sua residência habitual ou o estabelecimento a que o contrato respeita, consoante se trate de pessoa singular ou colectiva.
2 - A localização do risco é determinada pelo regime jurídico de acesso e exercício da actividade seguradora.
3 - A escolha da lei aplicável deve ser expressa ou resultar de modo inequívoco das cláu- sulas do contrato.
4 - As partes podem designar a lei aplicável à totalidade ou apenas a uma parte do contra- to, assim como alterar, em qualquer momento, a lei aplicável, sujeitando o contrato a uma lei diferente.
Artigo 7.º
Limites
A escolha da lei aplicável referida no artigo anterior só pode recair sobre leis cuja aplicabi- lidade corresponda a um interesse sério dos declarantes ou esteja em conexão com alguns dos elementos do contrato de seguro atendíveis no domínio do direito internacional privado.
Artigo 8.º
Conexões subsidiárias
1 - Se as partes contratantes não tiverem escolhido a lei aplicável ou a escolha for inope- rante nos termos dos artigos anteriores, o contrato de seguro rege-se pela lei do Estado com o qual esteja em mais estreita conexão.
2 - Na falta de escolha de outra lei pelas partes, o contrato de seguro que cubra riscos si- tuados em território português ou em que o tomador do seguro, nos seguros de pessoas, tenha a sua residência habitual ou o estabelecimento a que o contrato respeita em Portugal é regulado pela lei portuguesa.
3 - Presume-se que o contrato de seguro apresenta conexão mais estreita com a ordem jurí- dica do Estado onde o risco se situa, enquanto nos seguros de pessoas, a conexão mais estreita decorre da residência habitual do tomador do seguro ou do estabelecimento a que o contrato respeita, consoante se trate de pessoa singular ou colectiva.
4 - Na falta de escolha das partes contratantes, nos termos previstos nos artigos anteriores, o contrato de seguro que cubra dois ou mais riscos situados em Portugal e noutro Estado, relativos às actividades do tomador do seguro e quando este exerça uma actividade comercial, industrial ou