LUIZ PHELLIPE MORGADO COSTA
INSPER PROGRAMA DE ENSINO
XXXX XXXXXXXX XXXXXXX XXXXX
A Função Econômica do Contrato
São Paulo 2016
A FUNÇÃO ECONÔMICA DO CONTRATO
Monografia apresentada com o objetivo de obter a aprovação no curso de LLM em Direito dos Contratos; INSPER
ORIENTADOR: Rodrigo Fernandes Rebouças
São Paulo 2016
Xxxxx, Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx
A Função Econômica do Contrato
Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx – São Paulo, 2016.
Monografia – Insper, 2014
Orientador: Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx
1. Contrato. 2. função econômica. 3. Função social. 4. Onerosidade excessiva. 4. Dirigismo contratual. 5. Soja verde
A Função Econômica do Contrato
Monografia apresentada com o objetivo de obter a aprovação no curso de LLM em Direito dos Contratos; INSPER
Data de Aprovação:
Este trabalho visa analisar a função econômica do contrato em razão de este tema não ser corriqueiramente abordado, procurando abordar as consequências econômicas da aplicação equivocada da onerosidade excessiva nos contratos.
Palavras-chave: 1. Contrato. 2. Função Econômica do Contrato. 3. Função Social do Contrato. 4. Onerosidade Excessiva. 5. Soja Verde.
This paper aims to analyse the economic function of the contract and consequences of the misapplication of the excessive burden in the contracts.
Keywords: 1. Contracts. 2. Economic function of the Contract. 3. Social Function of the Contract. 4. Excessive Burden. 5. Green Soybeans.
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO 1 - PRINCÍPIOS NORTEADORES DO DIREITO CONTRATUAL 10
1.1 - Autonomia Privada 10
1.2 - Função Social do Contrato 12
1.3 - Onerosidade Excessiva 14
1.3.1 - Evolução Histórica do Princípio da Onerosidade Excessiva 16
CAPÍTULO 2 - ANÁLISE PRÁTICA 20
CAPÍTULO 3 - CONCLUSÃO. 27
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 29
INTRODUÇÃO
Os contratos são cotidianamente utilizados pela sociedade, pois este é o meio, ainda que verbal, que possibilita às pessoas naturais ou jurídicas, públicas ou privadas, atribuírem direitos e deveres entre si.
Outrossim, o contrato exerce papel de destaque, senão o principal perante a sociedade, na medida em que possibilita a circulação de riquezas traduzidas como bens e/ou serviços, motivo pelo qual é possível afirmar que uma das suas principais funções é a econômica, na medida em que ninguém, salvo raríssimas exceções, como a doação pura, contrate sem qualquer contrapartida.
Neste sentido, é inegável a percepção da função econômica do contrato “na medida em que representa um instrumento de circulação de riquezas e difusão de bens” (JUNIOR, 1999) podendo-se concluir que contrato sem função econômica não é contrato. Ainda, como ensina Xxxx Xxxxx (1988, P. 13), “pode dizer-se que existe operação económica - e portanto possível matéria de contrato
- onde existe circulação da riqueza, actual ou potencial transferência de riqueza de um sujeito para outro”.
Portanto, o contrato deve ser sim analisado sob a sua ótica econômica e não somente por sua função social. Segundo Xxxx (2007, p. 02) deve ser uma “ótica distributiva inerente ao Estado Social, no sentido de equilibrar os poderes econômicos e fático entre as partes”, mas deve ser uma operação econômica distributiva, tendo em vista que “a figura do contrato sempre cumpriu funções econômicas, individuais e macroeconômicas” (XXXXXXXXXX, 1998, P. 541).
O entendimento não é pacífico na doutrina e na jurisprudência, tendo em vista que na última década, a doutrina tem firmado o entendimento de que a função social do contrato é o fenômeno de socialização do Direito Privado, assim entendida como uma limitação do princípio da liberdade contratual, visando a preponderância dos interesses coletivos frente aos individuais, protegendo,
portanto, a parte mais fraca, que diante a parte mais forte, não teria manifestado o seu interesse de maneira livre.
Refletindo este entendimento, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx ensina que:
O Código Civil de 2002 procurou afastar-se das concepções individualistas que nortearam o diploma anterior para seguir orientação compatível com a socialização do direito contemporâneo. O princípio da sociabilidade por ele adotado reflete a prevalência dos valores coletivos sobre os individuais, sem perda, porém, do valor fundamental da pessoa humana. Com efeito, o sentido social é uma das características mais marcantes do novo diploma, em contraste com o sentido individualista que condiciona o Código BEVILÁQUA. (XXXXXXXXX, 2006, P.04)
Entretanto, não é possível ignorar a função econômica do contrato, pois, o sistema jurídico interfere diretamente na economia, podendo implicar em avanço ou retrocesso, a depender da forma como encarado, restando, portanto, que o contrato e a ciência econômica não podem anular-se entre si, mas devem, de maneira harmoniosa, compor a interpretação dos contratos celebrados.
Não podemos esquecer que o sistema capitalista é o que melhor possibilita o progresso da sociedade, motivo pelo qual a preponderância dos interesses sociais, por si só, não faz sentido, pois, como bem leciona Xxxxxxx Xxxx (2007, p.03), a justiça social sustentada pela doutrina nacional “pode trazer mais prejuízos coletivos do que benefícios, se se levar em conta a realidade econômica de mercado” tendo em vista que, por essa linha de raciocínio, a jurisprudência tende a entender favoravelmente pela revisão judicial dos contratos, implicando, assim, numa interferência estatal favorável à parte contratante menos favorecida.
Por isso, a chamada socialização dos riscos gera instabilidade e insegurança em um determinado ambiente jurídico-econômico, pois implica em maiores custos em razão da interferência estatal, ocasionando, assim, no afugento de investidores e consequentemente, de capital, prejudicando a economia de toda uma região.
Cotidianamente nos deparamos com casos de que os investidores estão cada vez mais receosos de manterem e/ou realizarem novos investimentos no Brasil, seja em razão do atual cenário político, da legislação tributária pouco
transparente e muito confusa, da defasagem na mão-de-obra, mas, principalmente, em razão dos altos custos envolvidos nas operações, custos estes, ocasionados principalmente pelo excesso de interferência estatal nos negócios celebrados entre particulares.
No Brasil, nos deparamos com os maiores preços de bens e serviços praticados no mundo, em razão do excesso de zelo de nossos tribunais para com os negócios celebrados entre particulares, preços estes, que toda a sociedade paga, reflexo dos riscos existentes em razão do excesso interferência estatal nos negócios celebrados entre os particulares.
É podemos constatar que a doutrina nacional não estuda os reflexos econômicos dos contratos celebrados, mas, tão somente, a justiça social que o contrato deve buscar, em razão da sua função social.
Faz-se necessário deixar claro que não defenderemos o afastamento da função social do contrato, mas sustentaremos que o contrato também deverá ser estudado, analisado e julgado, levando-se em consideração também sob o seu aspecto econômico.
Como exemplo de excesso de ingerência estatal nos negócios jurídicos celebrados no país, podemos elencar o caso prático denominado Soja Verde, ocorrido no Estado de Goiás, que ocasionou, em razão das inúmeras intervenções estatais nos contratos celebrados entre o cultivador e o financiador, a socialização dos riscos para toda a coletividade, que acabou arcando com os prejuízos gerados pelos inadimplentes judicialmente protegidos e afugentou os investidores e novo capital para a região.
CAPÍTULO 1 - PRINCÍPIOS NORTEADORES DO DIREITO CONTRATUAL.
1.1 - Autonomia Privada
A autonomia da vontade é o poder reconhecido às vontades particulares de regularem, todas as condições e modalidades de seus vínculos, de decidir por si só a matéria e a extensão de suas convenções, sendo a vontade de contratar que cria uma relação jurídica obrigacional (XXXXX xxxx XXXXXXX, 1990, p.185).
Esse princípio tem dois limitadores, quais sejam: a ordem pública e os bons costumes, o que significa dizer que a vontade pode definir o conteúdo do contrato, porém, sem contrariar o quanto estabelecido em lei como matéria de ordem pública.
Por bons costumes, pode-se entender “aqueles que se cultivam como condições de moralidade social, matéria sujeita a variações de época a época, de país a país, e até dentro de um mesmo país e mesma época. Xxxxxxx contra bonos mores aqueles atos que ofendem a opinião corrente no que se refere à moral sexual, ao respeito à pessoa humana, à liberdade de culto, à liberdade de contrair matrimônio” (XXXXXXX, 1990, p.9).
Sendo assim, a ordem pública e os bons costumes fizeram com que a liberdade de contratar fosse atingida, sofrendo questionamentos que ocasionaram no surgimento do dirigismo contratual, sobrepondo-se à tradicional autonomia da vontade.
O dirigismo contratual surgiu em razão de as ideias do liberalismo puro do século XIX terem aumentado significativamente a diferença entre as pessoas na ordem social, econômica e jurídica, surgindo a partir daí, o denominado Estado Social, que, por intermédio de normas de ordem pública implantaram a justiça social que impactou diretamente no direito das obrigações estabelecidas entre as partes.
1.2 - Função Social do Contrato
Este princípio positivado no Código Civil, art. 421, é uma cláusula geral e ampla, de modo a permitir que o juiz possa intensificar o seu alcance, a depender do caso concreto que se deparar.
O princípio da função social pretende conjugar a liberdade de contratar com o princípio da solidariedade previsto no art. 3º, I da CF, assimilando, assim, o bem comum dos contratantes e da sociedade, legitimando a liberdade contratual, impondo um controle em razão das finalidades estruturadas pela ordem constitucional. (XXXXXX, 2009, p.456)
Sendo assim, o contrato deixa de ser encarado com um ato exclusivo das partes, pois “é um elo que, de um lado, põe o valor do indivíduo como aquele que o cria, mas, de outro lado, estabelece a sociedade como o lugar onde o contrato vai ser executado e onde vai receber uma razão de equilíbrio e medida” (REALE, 1986, p. 9).
“A função social do contrato é contribuir para a realização do bem comum, ou seja, criar condições para que todas as pessoas humanas possam encontrar seu pleno desenvolvimento enquanto tais. De acordo com o examinado nesse trabalho, a pessoa humana é concreta, individual, racional e social e, portanto, não pode o contrato considerar nenhuma dessas dimensões isoladamente, sob pena de atentar contra sua dignidade e é por isso que o personalismo, e não o coletivismo ou o individualismo, deve servir de contexto para a concretização da cláusula geral do art. 421 do CC/2002 (XXXXXXX, 2006, p.10).
Essa interpretação por um lado impede que o contrato seja instrumento apenas para a realização de interesses individuais e por outro impede uma funcionalização a priori, neutra com relação a valores, especialmente quanto ao valor liberdade, admitindo uma intromissão indevida do Estado na esfera privada.
O direito realiza o bem comum estabelecendo regras ou princípios de justiça, que podem ser de natureza social (legal) ou particular. A justiça social corresponde a direitos e deveres dos quais todos nós somos titulares, apenas por sermos membros da comunidade e a justiça particular diz respeito à igualdade na distribuição e nas trocas de bens entre os indivíduos. A justiça particular, por sua vez, pode ser distributiva, quando se refere à distribuição dos bens da
comunidade aos indivíduos de acordo com alguma característica pessoal que esteja conectada ao bem comum, e comutativa, quando se refere a trocas de bens entre os indivíduos, nestes casos o valor dos bens trocados deve ser o mesmo. Não se pode entrar ou sair da relação de troca com mais nem menos do que quando se entrou.
O contrato, enquanto ato de vontade realizado entre as partes, é um instituto de justiça comutativa, embora, para corrigir certos problemas de distribuição, certas regras sejam inseridas na relação contratual, mesmo contra a vontade das partes, de modo que circunstâncias consideradas como perniciosas pelo direito não distorçam o sinalagma, o equilíbrio contratual.
A função social do contrato, compreendida do modo exposto, é o sobre- princípio do direito dos contratos, pois é através dela que se pode dar o conteúdo adequado para os demais princípios e regras desta área do direito, ainda mais tendo em vista a Constituição Federal, que ao reconhecer a dignidade da pessoa humana (art. 1.o, III), subordinou toda ordem da comunidade a ela, inclusive a ordem econômica (art. 170).
Sendo assim, pode-se mencionar quatro aspectos da função social do contrato, que acabam revelando e delineando os outros princípios do direito contratual: função social de promoção do livre desenvolvimento da pessoa humana, que consagra a liberdade contratual e, como consequência desta, a obrigatoriedade e a relatividade dos contratos; a função social de cooperação, que justifica os princípios do equilíbrio contratual e da boa-fé objetiva, bem como fundamenta o enfraquecimento da relatividade dos contratos ao admitir que efeitos de contratos perante terceiros podem gerar responsabilidade aquiliana para os contratantes; a função social stricto sensu, de promoção dos direitos fundamentais da pessoa humana e que servem de padrão para o estabelecimento do que é equilíbrio entre prestações, onerosidade excessiva ou boa-fé objetiva, no caso concreto e, por fim, a função econômica de operacionalizar juridicamente, dando garantia estatal para a circulação de riquezas.
Todas as dimensões da função social do contrato complementam-se entre si, não podem ser compreendidas isoladamente e a própria confusão da
jurisprudência, que usa diversos fundamentos, quais sejam, função social, boa-fé, equilíbrio contratual, no mesmo sentido, acaba indicando isso. Não se pode realizar apenas a função social stricto sensu sem perceber que o contrato tem uma dimensão econômica, ou que é um momento de liberdade e, portanto, de responsabilidade. Só assim é possível abrir caminho para a realização da pessoa humana, ou seja, concretizar o bem comum.
Por fim, vale mencionar que pela leitura conjunta dos arts. 421 e 187, do CC/2002, a função social do contrato pode servir de critério de validade de contratos ou cláusulas contratuais, pois ao determinar que o abuso de direito configura-se em ato ilícito e que o desvio de finalidade do ato é abuso de direito, o legislador tornou o objeto de cláusulas que levam à negação da função social do contrato em ato ilícito, o que nos termos do art. 104, II do CC/2002 torna inválida dita cláusula e, dependendo da sua importância no contrato, o próprio negócio.”
1.3 – Onerosidade Excessiva
A onerosidade excessiva decorre de uma política solidarista que visava limitar os princípios da autonomia da vontade.
Porém, a onerosidade excessiva não deve implicar no declínio da autonomia da vontade, tendo em vista que as transformações sofridas pelo contrato no século XX não provocaram uma solução de continuidade em relação à estrutura tradicional, sendo antes parte de um processo de ajuste e de acomodação inerentes à evolução histórica de todo e qualquer instituto jurídico. (GRAU, 2001, p. 73)
Dessa forma, os princípios contratuais:
Visam a preservar o próprio sistema jurídico vigente, não havendo, na realidade, qualquer ponto de ruptura da teoria clássica do contrato. Isto quer dizer que a obrigatoriedade dos pactos, a autonomia da vontade dos contratantes e a relatividade dos contratos, definidas pela teoria clássica do direito contratual, subsistem em relação aos contratos de consumo, apenas flexibilizadas e mais bem adaptadas pela valorização dos aspectos éticos da boa-fé objetiva e da tutela especial à parte vulnerável das negociações de massa (JUNIOR, 1999)
De acordo com a legislação brasileira, para que a onerosidade excessiva seja aplicada pelo juiz, algumas condições, notadamente dos arts. 479 e 480 do Código Civil, devem estar presentes, tal como demonstrado por Xxxx Xxxxxx Xxxx xx Xxxxxx Xxxxx0, a saber:
(a) que haja a presença de um contrato de duração, com execução periódica ou continuada, em que as prestações se repetem ou se dividem no prazo avençado, ou de um contrato de execução diferida, em que simplesmente a prestação de uma das partes é protraída no tempo; ou seja, que se trate de um contrato em que haja uma certa distantia temporis entre o momento de celebração e o momento de execução;
(b) que a prestação de uma das partes se torne excessivamente onerosa, supondo-se que esse índice quantitativo, que o código não define, seja de tal magnitude que autorizaria a resolução do vínculo, nos contratos bilaterais ou sinalagmáticos, ou a alteração ad aequitatem, nos contratos unilaterais, como se fosse uma forma de impossibilidade relativa ou de extrema dificuldade (difficultas praestationis) que sobrevém na execução da prestação;
(c) que essa onerosidade provoque uma "extrema vantagem" para a parte credora com a jactura ou o sacrifício da parte devedora da prestação;
(d) que não basta para determinar a incidência dos dispositivos que a prestação se tenha agravado exageradamente, mas que a tenha onerado excessivamente em decorrência de eventos extraordinários e imprevisíveis, ou seja, fora de uma evolução regular dos acontecimentos e além da álea normal do contrato;
(e) que a causa do evento extraordinário e imprevisível seja estranha às partes, não podendo ser imputada ao contratante que, concorrendo para que se agrave excessivamente a prestação, o invoca para resolver o contrato;
(f) que o remédio resolutório, com o poder de a contraparte evitar a resolução mediante a modificação, só se aplica aos contratos sinalagmáticos, com obrigações para as duas partes, em estado de dependência recíproca, visto que nos contratos unilaterais, que geram obrigações apenas ex uno latere, a lei só admite a redução da prestação, ou a modificação no modo de executá-la, como forma de evitar a onerosidade excessiva e reconduzir o contrato a uma situação de equilíbrio. (LEÃES, 2006, p.5)
Assim, o reconhecimento da onerosidade excessiva deverá preencher todos esses requisitos, sem os quais seu reconhecimento não será juridicamente possível, sendo necessário, algo além da co- relação entre extraordinariedade e imprevisibilidade, “pois o acontecimento pode ser extraordinário, afastando-se do curso comum
1 LEÃES, Xxxx Xxxxxx Paes de Barros. A onerosidade excessiva no Código Civil.
das coisas, mas suscetível de previsão, e pode ser imprevisível, sem ser extraordinário, porque não se afasta da área habitual de risco”. (XXXXXXXXXXXXX, 1949, p. 138)
Em outras palavras, as relações contratuais sempre terão riscos normais inerentes ao modelo de negócio contratado, riscos esses que, embora não possam ser evitados, podem ser limitados pelas partes.
Outrossim, como ensina Xxxx Xxxxxxx Xxxx xx Xxxxxx Xxxxx:,
Essa normalidade de álea deve ser aferida por critérios objetivos, não podendo, evidentemente, ser determinada por critérios subjetivos, pois, caso contrário, qualquer juízo particular dos fatos serviria de respaldo ao não cumprimento da avença.
Nessa perspectiva, são riscos normais do contrato aqueles legitimamente esperados pelos contratantes, considerando objetivamente (i) o tipo do negócio, (ii) as circunstâncias de fato, de ordem geral, que condicionam o negócio e, principalmente, (iii) os interesses por ele concretamente regulados, avaliados segundo cânones fundamentais do art. 112 do CC/2002 (intenção) e art. 113 do CC/2002 (uso do lugar e boa-fé). (LEÃES, 2006, p.5)
Motivos pelos quais, caso as partes tinham ciência da possibilidade de o risco se concretizar, não devem ser considerados extraordinários ou imprevisíveis.
1.3.1 – Evolução histórica do Princípio da Onerosidade Excessiva
A ideia que temos hoje sobre o princípio da onerosidade excessiva decorre da passagem de diversos povos por situações que influenciaram o seu comportamento econômico.
Na antiga Babilônia, já haviam condicionantes nos negócios celebrados a eventos futuros que poderiam ser capazes de modifica- los, tal como verificado nas escrituras do Código de Hammurabi.
Em Roma, já havia a consciência moral que reconhecia as mudanças consideradas para a celebração dos contratos versus a manutenção do vínculo acordado, admitindo, por tanto, a quebra do princípio pacta sunt servanda.
Na idade média, em razão dos estudos realizados em direito canônico, os estudiosos sustentavam que o equilíbrio na relação no cumprimento das obrigações avençadas, ponderando-as para o justo, deveria ser superior à concepção da força obrigatória dos contratos, ainda mais considerando a moral cristã que condenava o enriquecimento de um dos contratantes às custas do ouro.
Na idade moderna, com os avanços da economia mundial, com a estabilidade econômica, esse princípio foi perdendo seu espaço, pois, o individualismo foi concebendo maior força ao princípio da autonomia da vontade, ficando o Estado, um verdadeiro protetor das regras estabelecidas entre as partes, cujo conteúdo dos acordos firmados, fica irrestritamente ao seu preenchimento.
Nesse período de liberalismo, considerava-se que os homens eram livres e iguais entre si, motivo pelo qual, o Estado não interferia em suas relações, fazendo valer, assim, fielmente, o que haviam acordado, motivo pelo qual esse período foi marcado pela estabilidade econômica por longos anos.
Contudo, com o advento da primeira grande guerra mundial, em 1914, os negócios celebrados e a estabilidade econômica alcançada durante esse período foi consideravelmente abalada, marcando, assim, o retorno da aplicação dessa cláusula, inclusive em países que haviam abolido essa prática, como por exemplo a França.
Como ensina Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxx, o fim do individualismo culmina na socialização do direito:
No fim do séc. XIX e começo do século XX, em virtude das guerras, revoluções e mudanças súbitas das condições sociais e econômicas, produziram-se grandes desequilíbrios, impossibilitando em múltiplas ocasiões o cumprimento das cláusulas obrigacionais pactuadas no ante-guerra. Assim, a esquecida revisionabilidade que outrora fora relegada ao abandono volta e paira sobre as relações” (XXXXX, 2009, p. 05)
No Brasil não foi diferente, pois o houve de certa forma o abandono do individualismo com a finalidade de resguardar aos
contratos celebrados, fins mais sociais. Em que pese o Código Civil de 1916 não foi expressamente favorável à essa prática, também não foi expresso no sentido de que o contrato era considerado lei entre as partes, motivo pelo qual sustentava-se que o a lei brasileira admitia, de certa forma, a imprevisão.
Parece-nos, então, que essa cláusula surge em momentos de grande estabilidade, quando, por qualquer motivo, surgem guerras ou crises econômicas ou quando não, as duas coisas concomitantemente.
Nesse sentido leciona Xxxxxxxxx Xxxxxx, afirmando que:
O direito civil moderno, legislado todo ele para uma fase de relativa estabilidade política e econômica, para um mundo anterior às grandes revoluções técnicas que tornaram ainda os povos mais afastados do globo vizinhos e solidários do ponto de vista político e econômico, e, além disso, inspirado no dogma de mais absoluta liberdade contratual ao serviço do egoísmo individual nas competições econômicas, pôde, durante largo período de tempo, graças, exatamente à pequena amplitude e à reduzida duração e profundidade das perturbações políticas e econômicas, manter a rigidez da concepção romana do contrato. (CAMPOS, 1956)
Com as discussões do Novo Código Civil, verifica-se a realidade sócio-econômica, norteada pela revisão das regras contratuais, sendo tais previsões justificadas na exposição de motivos, senão vejamos:
(…)
Por outro lado, firme consciência ética da realidade sócio- econômica norteia a revisão das regras gerais sobre a formação dos contratos e a garantia de sua execução equitativa, bem como as regras sobre resolução dos negócios jurídicos em virtude de onerosidade excessiva, às quais vários dispositivos expressamente se reportam, dando a medida do propósito de conferir aos contratos estrutura e finalidade sociais. É um dos tantos exemplos de atendimento da “socialidade” do Direito.
Além disso, entendeu-se conveniente dar diversa configuração aos contratos aleatórios, nos quais não se prevê apenas a entrega de coisas futuras, mas toda e qualquer prestação que, por sua natureza
ou convenção, possa importar risco, explicável em função da estrutura do negócio jurídico. O mesmo se diga quanto aos contratos preliminares ou os estipulados com pessoa a declarar.
Assim, atualmente, a onerosidade excessiva é prevista no Código Civil de 2002, nos arts. 479 e 480:
Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.
Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.
CAPÍTULO 2 - Análise Prática
A função social do contrato como ideia de justiça distributiva sustentada pela doutrina brasileira é capaz de representar mais prejuízos que benefícios em razão da realidade econômica que acomete a sociedade.
O contrato, passa, assim, a representar um espaço na sociedade e não somente perante os contratantes. Prevalece, por tanto, os interesses coletivos, favorecendo o entendimento doutrinário e jurisprudencial em relação à revisão judicial dos contratos, o que implica na maior ingerência estatal nos contratos celebrados entre os particulares.
A maior ingerência estatal no contratos particulares com fundamento no interesse social e coletivo é constantemente e erroneamente aplicado para proteger a parte mais fraca da relação jurídica, implicando no irreflexão do princípio da autonomia privada.
Porém, não raro nos deparamos que o desalinhamento do mercado em razão da interferência estatal em um contrato pode prejudicar a coletividade em prol da parte contratante mais fraca.
Outrossim, a revisão judicial dos contratos gera mais insegurança no mercado, pois acarreta em mais custos de transação e consequentemente, maior insegurança jurídica.
É comum no Brasil nos depararmos com decisões judicial que, com base na função social do contrato revisam contratos para proteger a parte mais fraca contra a parte mais forte, senão vejamos:
Apelação Cível nº 00.000.000.000, 0x Xxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx xx Xxx Xxxxxx xx Xxx (TJRS), de 10.08.2005:
SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL. PLANO DE COMPROMETIMENTO DE RENDA. TABELA PRICE. CAPITALIZAÇÃO. FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO. SEGURO.
Possibilidade de revisão e adequação do contrato, estabelecendo o equilíbrio nas relações negociais existentes
entre as partes, dentro daqueles parâmetros que confere o Estado de Direito e a função precípua do Poder Judiciário.
6. Afasta-se a incidência iníqua da TABELA PRICE, adotando-se o método de cálculo de juros simples, com o intuito de evitar o anatocismo e a progressão geométrica e exponencial dos juros.
7. Quando o contrato estipula correção do saldo devedor pela poupança, são embutidos juros mês a mês no valor remanescente da dívida, incidindo sobre os anteriores, incorporados ao saldo, o que significa computação de juros sobre juros. Estes hão de ser excluídos, mantendo-se somente a TR, a qual, admite-se como índice de correção.
É necessário sopesar que em uma economia de mercado com a brasileira, a politização dos contratos poderá fazer com que a coletividade arque com os riscos e prejuízos daí decorrentes, como exemplo, aumento de juros, aumento dos valores de transações, escassez de investimento, dentre outros.
Não se pode olvidar, entretanto, que há interesses coletivos nas tutelas contratuais. Como exemplo, temos o mercado de crédito habitacional, onde é possível identificar inúmeros contratos semelhantes, em que a coletividade afetada por esse mercado suportará o interesse de todos, “cuja satisfação e segurança dependerão em larga medida, da preservação e do cumprimento dessa rede de contatos dentro dos cálculos probabilísticos atuariais” (TIMM, 2007, p.08)
Dessa forma, a quebra da cadeia de contratos faz com que a coletividade saia perdendo, tendo em vista o ambiente mais propício a riscos, que gera, consequentemente, maiores taxas de juros.
Segundo Coase, “mercado é a instituição que existe para facilitar a troca de bens e serviços, isto e, existe para que se reduzam os custos de se efetivarem operações de trocas” (COASE, 1988, p.07)
Assim, diante do funcionamento por vezes ineficaz do mercado, como exemplo, infraestrutura concorrencial que dificulta a livre concorrência e a livre iniciativa, o direito tem como papel fundamental diminuir excedentes custos de transação.
Portanto, quanto mais sólidos forem as instituições reguladoras e judiciais de um país, menor o risco de investimentos de um país e, consequentemente, melhor a sua performance econômica.
Para ilustrar o quanto discorrido, podemos utilizar, também, o caso da Soja Verde no estado de Goiás, ocorrido durante os sete primeiros anos do século 21, em que o cultivo da soja era financiada com capital privado.
Os investidores compravam antecipadamente a produção de soja ao produtor rural, para que este, em contra partida, lhe entregasse a safra plantada no ano anterior.
Entretanto, a soja sofreu uma elevada valorização, fazendo com que os investidores obtivessem maior enriquecimento, levando, então, os produtores rurais a pleitearem ações de revisão judicial dos contratos, alegando imprevisibilidade e enriquecimento injustificado dos investidores, para que não cumprissem com a obrigação de entregar a safra contratada.
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL. COMPRA E VENDA DE SOJA. FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO. LESÃO ENORME. ONEROSIDADE EXCESSIVA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIV A E DA EQUIV ALÊNCIA CONTRA TUAL. RESCISÃO. POSSIBILIDADE. NOS CONTRATOS DE EXECUÇÃO CONTINUADA OU DIFERIDA, O DESATENDIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO E A OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ OBJETIVA E DA
EQUIVALÊNCIA CONTRATUAL FAZ EXSURGIR PARA A PARTE LESIONADA O DIREITO DE RESCINDIR O CONTRATO, MORMENTE SE OCORREREM ACONTECIMENTOS EXTRAORDINÁRIOS E IMPREVISÍVEIS QUE TORNEM EXCESSIV AMENTE ONEROSO O CUMPRIMENTO DA PRESTAÇÃO A QUE SE OBRIGARÁ. EXEGESE DOS ARTS. 421, 422 E 478,
TODOS DA LEI 10.406/02, NOVO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO. APELAÇÃO CONHECIDA E IMPROVIDA
(Apelação Cível no 79.859-2/188, 1a Câmara Cível, TJ-GO).
VENDA A FUTURO. SOJA. PREÇO PRÉ-FIXADO. DESPROPORÇÃO DAS OBRIGAÇÕES. DISSOLUÇÃO DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA. NO ATUAL ESTÁGIO DO DIREITO OBRIGACIONAL, HÁ QUE SE TER EM DESTAQUE AXIAL OS PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ OBJETIVA, DA PROBIDADE, DO EQUILÍBRIO ECONÔMICO E DA REPULSA À ONEROSIDADE EXCESSIVA, DE MODO QUE, VERIFICADA A QUEBRA DESTE MICROSSISTEMA, MORMENTE EM RAZÃO DA MANIFESTA DESPROPORÇÃO DAS OBRIGAÇÕES, TAL CIRCUNSTÂNCIA IMPORTA RESOLUÇÃO DO PACTO, AO TEOR DOS ARTS. 187, 421, 422, 478 E 2035, PARÁGRAFO ÚNICO, TODOS DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E
IMPROVIDA (Apelação Cível no 82.254- -6/188, 1a Câmara Cível, TJ-GO).
AÇÃO DE NULIDADE DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE SOJA. CERCEAMENTO DE DEFESA. JULGAMENTO ANTECIPADO. PRINCÍPIO DA EQUIV ALÊNCIA CONTRA TUAL. ALEGAÇÃO DE DESEQUILÍBRIO CONTRATUAL. REVISÃO. POSSIBILIDADE. I - NÃO HÁ FALAR NO CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA EM FACE DO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE, QUANDO AS PROVAS INCLUSAS AOS AUTOS SÃO SUFICIENTES PARA O CONVENCIMENTO DO JULGADOR. II - FERIDO O PRINCÍPIO DA EQUIVALÊNCIA CONTRATUAL, SOBRETUDO NO QUE TANGE À BOA-FÉ OBJETIVA, FACE AS DESPROPORÇÕES DAS OBRIGAÇÕES, FACE
O CONTRATO ESTIPULAR DEVERES TÃO-SÓ AO VENDEDOR (PRODUTOR RURAL), TAL CIRCUNSTÂNCIA IMPORTA RESOLUÇÃO DO PACTO, AO TEOR DO ART.
478 DO CC, POR ESTAR VISLUMBRADA A ONEROSIDADE EXCESSIVA IMPINGIDA A UMA DAS PARTES. III - O PRINCÍPIO DO PACTA SUNT SERVANDA ENCONTRA-SE ABRANDADO COM A VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 2002, QUE SEDIMENTOU O POSICIONAMENTO, FRENTE AOS PRINCÍPIOS ERIGIDOS PELA NOVA TEORIA CONTRATUAL, DOS QUAIS DESTACAM- SE: DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO, DA BOA-FÉ E DO EQUILÍBRIO ECONÔMICO (ARTIGOS 421, 422, PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 2.036). IV - A TEORIA DA IMPREVISÃO VEM SOCORRER JUSTAMENTE ESTA SITUAÇÃO, POIS DETERMINA ADEQUAÇÃO DO CONTRATO À REALIDADE FÁTICA, PRINCIPALMENTE PARA RESTABELECER O EQUILÍBRIO DO PACTO, QUANDO OCORRER FATO SUPERVENIENTE, EXTRAORDINÁRIO E IMPREVISÍVEL, QUE INTERFERE SUBSTANCIALMENTE NA SUA EFETIVAÇÃO E PRODUZ GRANDE PREJUÍZO PARA UMA DAS PARTES. V - CABE AO JUDICIÁRIO REPELIR AS PRÁTICAS ABUSIVAS DO MERCADO PARA COIBIR PRINCIPALMENTE O LUCRO EXCESSIVO DE UM EM DETRIMENTO DO PREJUÍZO DE OUTREM, REVISANDO OU DECLARANDO NULAS AS CLÁUSULAS CONTRA TUAIS QUE OCASIONEM UM DESEQUILÍBRIO FLAGRANTE ENTRE OS CONTRATANTES. APELO CONHECIDO E IMPROVIDO. SENTENÇA CONFIRMADA (Apelação Cível no 91.921-2/188, 3a Câmara Cível, TJ-GO).
A consequência econômica sofrida na região foi a de que os agricultores, tanto que pleitearam a revisão dos contratos, como aqueles que não pleitearam, foram acometidos pela falta de investidores, que, afugentados pelo iminente risco
de não receberem uma safra pela qual pagaram antecipadamente, viram com desconfiança a realização de negócios dessa natureza na região de Goiás, senão vejamos, de acordo com o trecho do estudo realizado por Xxxxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx e Xxxxx Xxxxxxxxxxxx que bem discorre sobre o assunto:
O contrato de compra e venda antecipada de soja mostrou-se incapaz de atuar como mecanismo eficiente para enfrentar grandes oscilações de preço. A maior parte das empresas entrevistadas declarou não realizar mais contratos com preços prefixados de soja, apenas contratos com antecipação de recursos financeiros e insumos, porém os critérios para crédito foram repensados. As garantias exigidas aumentaram, bem como o monitoramento da produção. Além disso, o crédito só é concedido àqueles com reputação no mercado.
Em entrevistas com os agentes foi constatado que durante os quinze últimos anos estes agentes negociaram sem que houvesse problemas relevantes. Porém, no momento da colheita das safras 2002/2003 e 2003/2004 o preço praticado no mercado spot estava muito mais alto do que o contratado, ao contrário do que aconteceu nos anos anteriores. Um choque externo, qual seja a grande demanda pela China e a quebra da safra de soja americana, afetou a relação contratual, tornando vantajoso, sob a percepção de alguns produtores, o rompimento do contrato. Alguns produtores preferiram os ganhos de curto prazo em detrimento aos ganhos de longo prazo que seriam resultantes da manutenção da relação com a indústria/trading.
Entretanto, muitos produtores se sentem prejudicados em relação à reação das empresas que, segundo eles, foi indiscriminada, atingindo todos os produtores, mesmo aqueles que sempre cumpriram seus contratos. De acordo com os agentes entrevistados, o número de contratos descumpridos foi pequeno em relação ao total de contratos cumpridos. Não há consenso sobre este número que varia entre 0 e 70% de acordo com a percepção do produtor.
Mais relevante que o número de contratos quebrados foi a repercussão gerada a partir deste fato. A maior parte dos produtores entrevistados declarou que sentiu efeito das quebras contratuais dos outros produtores. As consequências mais citadas foram: a maior exigência de garantias para crédito e custeio, maior dificuldade para negociar com a empresa e a redução do volume de contratos de venda antecipada efetuados.
De acordo com produtores e indústrias a redução no volume de contratos a termo se
deve às seguintes razões: a) preço baixo da saca de soja, devido ao excesso de oferta; b) expectativa do produtor de elevação de preços durante a safra, como aconteceu em 2003 e 2004; b) ocorrência de quebra ou descumprimento de contrato nas duas últimas safras.
O contrato existe para reduzir incertezas, logo, o instrumento contratual na forma como foi praticado mostrou-se frágil, sobretudo devido à instabilidade do ambiente institucional, que não lhe conferiu segurança jurídica. A redução do número de contratos celebrados, as novas exigências de garantias para o cumprimento do contrato e o processo de seleção de produtores são estratégias privadas adotadas
para reduzir privadamente o conflito, mas que elevam o custo desta transação para todos os agentes.” (REZENDE e SZTAJN, p. 13)
CAPÍTULO 3 - Conclusão.
Outrossim, faz-se necessário o cotejo entre direito e economia, a fim de que os estudiosos do direito e, via de consequência, o Estado, passem a analisar os contratos tanto na sua visão econômica, como na sua visão jurídica, pois, como bem ensina a Ministra do Superior Tribunal de Justiça, Fátima Xxxxx Xxxxxxxx0, autora do Prefácio do Livro Direito e Economia de Xxxxxxx Xxxx, que o aprofundamento dos estudos sobre lawmand economics têm demonstrado a união viável de direito e economia.
Ainda que timidamente, verificamos em algumas decisões judiciais, ainda que o julgador não tenha qualquer conhecimento de teoria econômica, reconhece a função econômica do contrato, conforme se verifica na decisão abaixo, do Recurso Especial nº 271.214 do Superior Tribunal de Justiça, Relator Ministro Xxx Xxxxxxxxxx, datada de 12 de março de 2003:
“Admitir-se a legalidade do procedimento pretendido pelos requerentes (revisão contratual de contrato de financiamento imobiliário) implicaria o surgimento de perigoso precedente com sérias consequências para todo o complexo e rígido sistema de financiamento da habitação, cuja estrutura e mecanismo de funcionamento foi bem exposta por Xxxx Xxxxxx [...]: “ademais, os contratos imobiliários são, no caso, parte integrante de um todo interligado, de um sistema global de financiamento que tem, como outra face, a manutenção da estabilidade de suas fontes de alimentação financeira [...]” (TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL – 4a Região. Embargos Infringentes na Apelação Cível no 17.224, Relator Desembargador Federal Xxxx Xxxxxx Xxxxx). Quid, em relação ao argumento, de natureza econômica, de que, numa conjuntura de inflação mensal próxima de zero, os juros que excedam de 1% ao mês são abusivos? Com a devida licença, não há aí racionalidade alguma, muito menos de caráter econômico. Em qualquer atividade comercial ou industrial, o preço de venda do produto não pode ser menor do que o respectivo custo. [...] A taxa de juros é inteiramente desvinculada da inflação. A inflação é
2 XXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx (Org.) Direito e Economia. ed. 2. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
baixa, mas o custo do dinheiro é alto [...] e não pode ser reduzido por uma penada judicial. Trata-se de política econômica, ditado por ato de governo, infenso ao controle judicial (grifo nosso).
Por assim dizer, é evidente que em um inadimplemento contratual, o mercado, ou melhor, a coletividade de indivíduos é a maior prejudicada. Neste sentido Coase ensina que “o mercado é a instituição que existe para se efetivarem operações de trocas” (XXXXX, 1988), pelo qual, o inadimplemento de um dos seus players, certamente prejudicará os demais, tendo em vista que os custos do inadimplemento serão por estes suportados.
Nesse diapasão, conforme leciona Xxxxxxx Xxxx:
O mercado não está separado da sociedade; é parte integrante dela. Nesse sentido, como qualquer fato social, ele pode ser regulado por normas jurídicas (com maiores ou menores eficácias sócias e econômica). Se não existisse mercado, ele certamente não poderia ser objeto de relações jurídicas. Portanto, não se pode dizer que mercado seja algo artificialmente garantido pelo ordenamento legal, como querem alguns que atacam a característica espontânea das forças do mercado. O que se pode discutir é se ele funciona adequada e eficazmente sempre. E a resposta a isso é negativa. Daí, a possibilidade de intervenção ou de regulação pelas instituições jurídicas. Magistrados não versados em complexos temas econômicos tiveram de decidir questões difíceis e também produziram a sua cota de erros e exageros. Na verdade, quando a justiça ignora as leis econômicas, pode fazer tanto estrago quanto o economista “pacoteiro” em sua sanha redentora. Ao afastarem-se da Lei munidos do ideal de corrigir os problemas econômicos no varejo, tal como os percebem, a Magistratura nem sempre percebe que agrava os problemas que pretendem corrigir”. (TIMM, 2007, p.09)
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