SESSÃO DE JULGAMENTO
SESSÃO DE JULGAMENTO
DO PROCESSO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR CVM Nº 09/05
Acusados: Onaireves Nilo Rolim de Moura
Top Avestruz – Criação, Comércio, Importação e Exportação Ltda.
Ementa: Emissão e distribuição pública de valores mobiliários (Contrato de Investimento Coletivo) sem o competente registro na CVM, em infração ao disposto no artigo 19, caput, § 1º, c/c os artigos 16, I, e 2º, IX, todos da Lei nº 6.385/76. Multas.
Decisão: Vistos, relatados e discutidos os autos, o Colegiado da Comissão de Valores Mobiliários, com base na prova dos autos e na legislação aplicável, por unanimidade de votos decidiu:
1. Rejeitar, pelos motivos expostos no voto do Relator, as preliminares argüidas pelos acusados;
2. aplicar ao acusado Onaireves Xxxx Xxxxx de Moura a pena de multa pecuniária no valor de R$ 320.720,02 (trezentos e vinte mil, setecentos e vinte reais e dois centavos) correspondente a 15% do valor da distribuição irregular, por infração ao disposto no art. 19, caput, § 1º, c/c os arts. 16, I, e 2º, IX, todos da Lei nº 6.385/76;
3. aplicar à acusada Top Avestruz – Criação, Comércio, Importação e Exportação Ltda. a pena de multa pecuniária no valor de R$ 748.346,71 (setecentos e quarenta e oito mil, trezentos e quarenta e seis reais e setenta e um centavos), correspondente a 35% do valor da distribuição irregular, por infração ao disposto no art. 19, caput, § 1º, c/c os arts. 16, I, e 2º, IX, todos da Lei nº 6.385/76;
4. determinar a comunicação da decisão deste julgamento à Procuradoria da República no Estado do Paraná, uma vez que os fatos ora apreciados configuram, em tese, infração ao art. 7º da Lei nº 7.492/86, que dispõe sobre os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional.
Os acusados punidos terão um prazo de 30 dias, a contar do recebimento de comunicação da CVM, para interpor recurso, com efeito suspensivo, ao Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional, nos termos do parágrafo único do artigo 14 da Resolução CMN nº 454/77.
Presente à sessão de julgamento o procurador-federal Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx, representante da Procuradoria Federal Especializada da CVM.
Participaram do julgamento os diretores Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx, relator, Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx, Xxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx e o presidente da CVM, Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx, que presidiu a sessão.
Rio de Janeiro, 03 de outubro de 2006.
Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx Diretor Relator
Xxxxxxx Xxxxxxxxx Trindade Presidente da Sessão de Julgamento Relatório
01. Trata-se de inquérito administrativo instaurado para apurar eventual ocorrência de irregularidades relacionadas com a distribuição pública de valores mobiliários de emissão da Top Avestruz – Criação, Importação e Exportação
Ltda (atual Top Avestruz S/A Importação e Exportação), doravante "Top Avestruz".
Da origem
02. Os presentes autos originaram-se a partir da denúncia informal feita pelo Dr. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx, advogado da empresa Avestruz Master Agro Comercial, Importação e Exportação Ltda., em 30.11.2004, através da qual informou que a empresa Top Avestruz vinha irregularmente emitindo e distribuindo contratos similares a Contratos de Investimento Coletivo – CIC. Com base nessa informação, a Gerência de Fiscalização Externa – 1 (GFE- 1) consultou a página a página da Top Avestruz na rede mundial de computadores, e confirmou que esta oferecia ao público em geral um contrato denominado "Instrumento Particular de Compromisso de Compra e Venda no Sistema de Hotelaria Pré-Paga com Garantia de Recompra" (fls. 36/38).
Dos Fatos
03. Em 01.12.2004, foi editada a Deliberação CVM nº 474/04 (fls. 71/72), que alertou o mercado e o público em geral que a Top Avestruz não se encontrava registrada na CVM como companhia aberta, e não estava, portanto, habilitada a oferecer publicamente quaisquer títulos ou contratos de investimento coletivo conforme definidos no inciso IX do artigo 2º da Lei n.º 6.385/761.
04. Ademais, a referida Deliberação determinou àquela sociedade que se abstivesse de ofertar ao público quaisquer títulos ou contratos de investimento coletivo, em especial os contratos sob a designação de "Compromisso de Compra e Venda no Sistema de Hotelaria Pré-Paga com Garantia de Recompra", sem o competente registro na CVM.
05. Em 10.12.2004, foi elaborada a SOI/GFE-1/Nº03/04 (fls. 103), com o objetivo de coletar cópias de documentos junto à empresa e verificar o cumprimento da Deliberação supramencionada.
06. Em conseqüência da inspeção em questão, em 17.01.2005, foi elaborado o Relatório de Inspeção CVM/SFI/GFE- 1/Nº02/2005 (fls. 04/13), cujas principais constatações encontram-se a seguir:
i. A forma de captação e o instrumento utilizado para captação de recursos, então denominado "Contrato de Obrigações Mútuas com Seguro Garantia" caracterizaram apelo à poupança pública, mediante a emissão de contratos assemelhados ao de investimento coletivo, sob a promessa de rentabilidade pré-determinada, "encobertos" sob a atividade de exploração das atividades de compra, venda e cria de avestruz em regime de hotelaria pré-paga;
ii. Juntamente com o contrato citado no item anterior, a Top Avestruz oferecia um "Certificado de Garantia de Obrigações Contratuais", de emissão da Companhia Mutual de Seguros, acompanhado da competente apólice de seguros, que previam a indenização, ao comprador, de eventuais prejuízos decorrentes da inadimplência contratual do vendedor;
iii. O Sr. Onaireves Xxxx Xxxxx xx Xxxxx, que atendeu à fiscalização da CVM, pareceu ser "sócio-capitalista oculto" da empresa, pelo fato de a sede da empresa inicialmente situar-se em sua propriedade, e de não terem os inspetores mantido contato algum com os sócios declarados da empresa. Ademais aquele senhor possuía procuração da empresa com amplos poderes e assinava como Diretor Administrativo, tendo respondido todas as indagações como verdadeiro proprietário da inspecionada; e
iv. Em duas ocasiões distintas, dias 13 e 15.12.2004, os inspetores da CVM constataram in loco o descumprimento da Deliberação CVM n.º 474/04, pela Top Avestruz, com a venda de contratos a clientes que eram atendidos a vista daqueles servidores, mesmo após o Sr. Xxxxxxxxx Xxxxx ter sido informado da existência da Deliberação "Stop Order".
07. Entre 28.02 e 04.03.2005, foram efetuadas novas diligências na Top Avestruz, em continuidade à inspeção supracitada. Através destas, foi elaborado um novo Relatório de Inspeção em 10.06.2005, o CVM/SFI/GFE-1/Nº 013/05 (fls. 14/31), com as seguintes conclusões:
i. A Top Avestruz continuou a emitir os contratos de venda de avestruzes, com cláusula de recompra das aves até o dia 03.01.2005, em descumprimento à Deliberação CVM n.º 474/04; e
ii. A partir de 04.01.2005, a Top Avestruz alterou sua forma de operacionalização, contratando com seus clientes de maneira diversa, excluindo do contrato a cláusula de venda de animais e se "limitando" exclusivamente às operações de hotelaria e "recompra" das aves. A "recompra" pela Top Avestruz somente ocorreria se, após determinado prazo, o cliente não conseguisse comprador para as aves nem se manifestasse a respeito.
08. Segundo o Relatório de Inspeção, o Sr. Xxxxxxxxx Xxxxx informou aos inspetores que a mudança no contrato ocorreu apenas para atender às exigências da CVM, e que seus clientes comprariam os animais através de indicação da Top Avestruz, de algum vendedor ou Cooperativa ligada aos investidores da empresa (Coopertop) (fls 24).
09. Diz ainda aquele Relatório de Inspeção que foram verificadas inconsistências na contabilidade da Top Avestruz. Algumas dessas se caracterizaram pela falta de explicitação do período de apuração, apropriação indevida de valores ao resultado do exercício, ao invés de à rubrica de Estoque e falta de clareza na identificação de algumas rubricas, inclusive uma apresentando denominação Outros e com saldo correspondente a 60% do grupo de Aditamento a fornecedores (fls 27).
10. Em 18.04.2005, foi realizada uma inspeção no escritório da Coopertop, situado no mesmo prédio da sede da Top Avestruz (fls.23/25). De acordo com os inspetores, foi verificado que, dentre os objetivos daquela cooperativa, não se encontrava a comercialização de avestruzes, fato este que contrariou a afirmação prestada pelo Sr. Xxxxxxxxx Xxxxx, de que a Coopertop poderia ser indicada como fornecedoras de aves para seus clientes.
11. Nessa mesma ocasião, o Sr. Xxxxxxxxx Xxxxx, conforme solicitação dos inspetores, informou que seus clientes estariam apenas recomendados a adquirir as aves dos seguintes criadores: Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx, xx Xxxxx Xxxxxxxx; Xxxxxxx Xxxxx, xx Xxx Xxxxx; e de criadores cooperados da Cooperavestruz.
12. Ainda no decurso da mesma inspeção, os inspetores tomaram conhecimento de que o trabalho de auditoria na Top Avestruz, contratado junto a Xxxxxx Xxxxxxx, havia sido cancelado. Segundo o Sr. Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx, Diretor de Auditoria, a desistência foi motivada pelo conhecimento, por parte dos sócios, dos problemas que a Avestruz Master, empresa que atuava no mesmo ramo, estaria tendo junto a CVM. Concordaram, então, que, tendo em vista a similaridade das atividades das duas empresas, o resultado final de um trabalho de auditoria poderia ser prejudicial para a Top Avestruz (fls. 25/26).
13. A partir da análise dos contratos com seguro entregues pela Top Avestruz para subsidiar o trabalho de auditoria, os inspetores concluíram que o "pré-conhecimento" do preço pago pelos clientes na compra das aves tornava-se mais evidente quando a empresa garantia a rentabilidade dos seus investimentos, "superior a qualquer aplicação do mercado financeiro", conforme material publicitário utilizado pela Top Avestruz (fls. 26/28).
14. Em 19.04.2005, o MM Juízo da 2ª Vara Cível de São Paulo, atendendo ao pedido de liminar proposto pelo Ministério Público de São Paulo (fls. 565/576), determinou a imediata suspensão das atividades da Top Avestruz, sob pena de multa diária de R$ 500.000,00.
15. Em 09.06.2005, a Top Avestruz alterou sua natureza jurídica, passando de sociedade limitada para sociedade anônima de capital fechado, conforme consta nos documentos apresentados nos autos às folhas 891 a 899. De acordo com tais documentos, houve também alteração na estrutura de capital com a saída da empresa individual Onaireves Xxxx Xxxxx de Moura – Consultinvest, que cedeu a totalidade do seu capital para os sócios Vanderlei Xxxxxx Xxxxxx e Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx xxx Xxxxxx, que passaram a deter 95% e 5%, respectivamente, do capital da Top Avestruz. O Sr. Xxxxxxxxx passou a exercer o cargo de presidente, porém sem deter qualquer participação acionária.
16. Em 08.09.2005, foram enviados os OFÍCIOS/CVM/SFI/GFE-1/Nº 096 (fls. 593/594), 097 (fls. 597/598) e 098 para as empresas Xxxxxxx Xxxxx, Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx x Xxxxxxxxxxx xxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxxxx xx Xxxxxx - Cooperavestruz, respectivamente, a fim de verificar a veracidade da informação prestada pelo Sr. Onaireves Moura de que apenas recomendava seus clientes a outras fazendas.
17. Em 20.09, 26.10 e 09.11.2005, foram recebidas as respostas aos ofícios supracitados (fls. 595/596, 607 e 599/600) informando, principalmente, o que se segue:
i. Quanto à indicação de vendedores de avestruzes, o Sr. Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx, da Fazendo Lagoa, afirmou que a Top Avestruz nunca indicou ou solicitou a venda de avestruzes para seus clientes;
ii. O Sr. Xxxxx Xxxxxxxxx, da Fazenda Areia Branca, respondeu que firmou, em 09.02.2005, um Contrato de Parceria Rural com a Top Avestruz, representada pelo Sr. Xxxxxxxxx Xxxxx, cujo objeto era a venda de avestruzes de sua propriedade, e também que a Top Avestruz não indicou esta fazenda para a realização de venda de avestruzes para seus clientes;
iii. A Xxxxxxxxxxxxxx informou que a relação com a Top Avestruz é apenas de prestação de serviços de incubação para a mesma, no máximo alguns associados venderam filhotes para a Top Avestruz, assim como todo o mercado fez;
iv. Quanto à venda de aves diretamente para a Top Avestruz, o responsável pra Fazenda Lagoa comunicou que o objetivo da mesma é a venda de avestruzes para formadores de plantéis ou para o abate, sempre feita diretamente aos clientes, e que como não conhecia os clientes da Top Avestruz, não poderia afirmar se havia negociado aves diretamente com os mesmos;
v. O sócio da Fazenda Areia Branca asseverou que não houve venda de avestruzes para os clientes da Top Avestruz, pois conforme cláusula 7ª do Contrato de Parceria Rural, todas as avestruzes, inclusive as que nasceriam até Abril/2005, seria compromisso da Contratante adquiri-las nas mesmas condições;
vi. A Cooperavestruz atestou que as vendas de seus associados foram feitas diretamente para a Top Avestruz e não para clientes desta;
vii. Quanto à identificação das aves transacionadas diretamente com a Top Avestruz, o Sr. Xxxxxx Xxxxxxxx, da Fazenda Lagoa, informou que todas as aves são identificadas com um microchip. Já o representante da Fazenda Xxxxx Xxxxxx afirmou que a Top Avestruz forneceu os microchips e o veterinário, bem como que todas as aves oriundas da sua fazenda possuem identificação. A Xxxxxxxxxxxxxx declarou que os microchips das aves vendidas para a Top Avestruz foram colocados pelo próprio veterinário desta última;
viii. O Sr. Xxxxxx Xxxxxxxx manifestou que a Top Avestruz realizou algumas compras de avestruzes de sua fazenda, com as notas fiscais sendo emitidas em nome desta empresa. Ressaltou que em 08.2004, a Top Avestruz adquiriu 65 aves, pagas anteriormente à retirada das mesmas, e que posteriormente, em 02.2005, a empresa comprou mais 147 avestruzes, com idades entre 4 e 5 meses, que também foram quitadas. A Top Avestruz ainda negociou a compra, em 03.2005, de outros 154 animais, mas em virtude da falta de pagamento a operação não foi concretizada;
ix. O Sr. Xxxxxx Xxxxxxxx informou ainda que a Fazenda Lagoa enviou um contrato para a Top Avestruz, para aprovação e assinatura, que ainda não havia retornado. Revelou, também, que as aves objeto dessa venda ainda se encontravam na fazenda, tendo em vista que a empresa não pagou o valor referente à hospedagem,
xxxxxxxx retirou as aves. As avestruzes estariam, à época da informação (20.09.2005), com 11 a 12 meses e prontas para o abate;
x. O Sr. Xxxxx Xxxxxxxxx, da Fazenda Areia Branca, expôs que em virtude de falta de cumprimento, pela Top Avestruz, de obrigações contratuais com relação ao pagamento das aves, da hospedagem, da alimentação e medicamentos, efetuou um recálculo do número de aves a que a empresa teria direito, resultando num total de 239 avestruzes, que seriam transportadas para a propriedade da Top Avestruz, conforme fossem liquidadas as pendências financeiras citadas acima; e
xi. A Cooperavestruz comunicou que não é empresa comercial, apenas prestadora de serviços de incubação, para associados, em condições especiais, e para não associados, de forma remunerada, não tendo, portanto, realizado vendas de aves para a Top Avestruz.
18. Segundo o Relatório da Comissão (fls. 906/922), com o objetivo de obter a(s) identificação(ões) do(s) real(is) vendendor(res) das avestruzes e a obtenção de maiores informações sobre as operações e as negociações da empresa, em 07.07.2005, foram contatados, pelo OFÍCIO CIRCULAR/SFI/GFE-1/Nº 083/05 (fls. 612), 108 investidores da Top Avestruz.
19. De acordo com as informações obtidas nessas diligências (fls.621, 632, 641, 691, 698 e 709), verificou-se que a maior parte dos investidores identificou a Top Avestruz como sendo o vendedor das aves, através de sua matriz, em Curitiba-PR, ou da sua filial, em São Paulo-SP. Apenas 4 compradores afirmaram que o vendedor foi o Sr. Onaireves Moura.
20. Conforme consta dos autos (fls. 747), os investidores informaram ainda que não houve indicação de quaisquer vendedores, contrariando o declarado pela Top Avestruz, como visto anteriormente. Todos os clientes afirmaram que tomaram conhecimento do negócio através de alguns meios, como: outdoors, mídia, indicação de outras pessoas, contato telefônico com a Top Avestruz, site da mesma, ou nas suas próprias instalações.
21. Em relação a recompra, de acordo com documentos constantes nos autos às folhas 878 e 880, apenas 4 investidores possuíam contratos liquidados regularmente. O Sr. Xxxx Xxxxxxxx Xxxxx escreveu, conforme consta à folha 856, que "foi tentado o acordo com a devolução do que foi previamente pago, no entanto, sem solução".
22. Segundo reportagens obtidas na rede mundial de computadores (fls. 609 e 610), muitos investidores, ao cobrarem um retorno da Top Avestruz, receberam como resposta apenas que não existia previsão de liquidez e nem data de
pagamento, existindo, inclusive, casos de compradores que não receberam nem o valor aplicado inicialmente.
23. Em resposta a esses trechos jornalísticos (fls. 610), o Sr. Xxxxxxxxx Xxxxx declarou que a empresa possuía avestruzes para todos os investidores e que essas eram a garantia do negócio. Afirmou ainda, que não possuía recursos para a recompra das aves e que se pagasse não teria como suprir a alimentação dos animais.
24. Em depoimento à Comissão, o Sr. Xxxxxxxxx Xxxxx declarou que (fls. 900 e 901):
i. A partir de 20.04.2005, em virtude de decisão judicial da 28ª Vara Cível do Estado de São Paulo, a Top Avestruz foi impedida de operar no mercado em todas as atividades, que não a comercialização de avestruzes, sob pena de multa diária de R$ 500.000,00, conforme documentos de fls. 903 e 904. Também por decisão desse mesmo Juízo, em 24.08.2005, a empresa foi obrigada a retirar o seu site da internet (fls. 902);
ii. A empresa não vinha honrando financeiramente os contratos em virtude da decisão judicial citada no item anterior e que ofereceu aos investidores a opção de retirarem suas aves, "podendo os mesmos dispor delas como desejarem". Não obstante, eventualmente, vinha comprando aves de investidores da Top Avestruz que apresentava maiores dificuldades;
iii. "a empresa tem, em seu estoque, as aves de todos os investidores" e que não estava sendo processada judicialmente;
iv. a mudança de seguradora deu-se por problemas com o limite da apólice;
v. o próprio, que é registrado como produtor rural, vendia aves aos investidores, que posteriormente as hospedavam na Top Avestruz;
vi. a alteração da natureza jurídica da Top Avestruz, de sociedade limitada para sociedade anônima de capital fechado, foi efetuada com o objetivo de obter o registro na CVM e que a única alteração que ocorreu na estrutura de capital da empresa foi a transferência da participação da Consultinvest para pessoa física, sem mudança nas participações dos demais sócios;
vii. tendo em vista que todos os clientes possuem as suas respectivas aves, que têm em média 14 meses, a perspectiva para solução do negócio seria levar as mesmas até a postura, que se inicia em agosto de 2006. A comercialização dos filhotes viabilizaria a liquidação dos contratos pendentes; e
viii. o número de clientes caiu de 200, em abril de 2005, para cerca de 150, atualmente, em virtude de alguns contratos.
Das Responsabilidades
25. Diante do exposto, a Comissão de Inquérito propôs a responsabilização das pessoas a seguir nominadas, uma vez que restou configurada a emissão e distribuição pública de valores mobiliários sem o competente registro na CVM, em infração ao disposto no artigo 19, "caput" e parágrafo 1º, combinado com os artigos 2º, inciso IX, e 16, "caput" e inciso I, todos da Lei n.º 6.385/76:
i. TOP AVESTRUZ – CRIAÇÃO, COMÉRCIO, IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA.; e
ii. ONAIREVES NILO ROLIM DE MOURA, administrador da Top Avestruz.
Das defesas
26. Em 15.05.2005, foram protocoladas as defesa dos indiciados Top Avestruz (fls. 947/956) e Onaireves Nilo Rolim de Moura (fls. 959/967) que, em suma, alegam o que se segue:
i. O presente processo administrativo deve ser arquivado, pois extrapolou o prazo legal para a sua conclusão;
ii. Em 07.10.2005, foi requerida a prorrogação do prazo para conclusão do inquérito em mais de 90 dias, esta foi deferida. Em 16.01.2006, nova prorrogação foi pleiteada e da mesma forma deferida. Porém foram deferidas sem qualquer fundamentação, devendo acarretar a nulidade, uma vez que todas as decisões devem conter fundamentos que levam o julgador a concluir daquela forma;
iii. Impossibilidade de sigilo deste inquérito, haja vista que, para que o processo administrativo tramitasse em segredo de justiça, deveria ter a CVM solicitado ao Poder Judiciário autorização para tanto. Nada disso foi feito, revelando a nulidade do feito;
iv. Apesar de entender que a sua forma de atuação no mercado não se amolda à prática de comércio de contratos de investimento coletivo, a Top Avestruz tentou efetuar o seu registro na CVM, o que foi por esta obstado, inclusive, com o cancelamento de audiências;
v. Mesmo assim, desde logo, a Top Avestruz alterou o regime societário, com vistas a proceder ao registro na CVM, tanto que hoje, é uma empresa sob o regime de sociedade anônima de capital fechado;
vi. A multa imposta pela Deliberação 474/04 foi suspensa pela decisão do TRF da 2ª Região, não podendo se falar de aplicação da mesma em todos os contratos celebrados, enquanto a decisão do TRF da 2ª Região estava em vigor;
vii. Desde o início de suas atividades, a Top Avestruz teve como interesse a constituição do maior plantel reprodutor do país, e de melhor qualidade, para que pudesse fomentar o mercado com filhotes e ovos de qualidade elevada;
viii. Diante da impossibilidade de constituir um grande plantel a partir das aves que estão no país atualmente, a Top Avestruz definiu uma estratégia onde os parceiros seriam fundamentais, pois com a aquisição das aves pelos parceiros e hospedagem delas nas propriedades rurais administradas pela defendente, essa poderia criar as aves, com tecnologia e atenção necessárias e, ao final do período de hospedagem, adquiriria as aves adultas por preços abaixo do mercado ou, no máximo, no preço de mercado, porém com qualidade garantida;
ix. Isso revela que as circunstâncias do negócio realizado não eram caracterizadoras de contrato de investimento coletivo, até porque, ao final do prazo, poderia o comprador ficar com o animal ou vendê-lo para terceiros;
x. Como não havia mais animais para a venda, a Top Avestruz passou a ofertar a modalidade de parceria rural, onde o parceiro outorgante poderia adquirir a ave e entregá-la para a defendente, em forma de hospedagem. Essas aves poderiam ser adquiridas de terceiros, inclusive do Sr. Onaireves Xxxx Xxxxx xx Xxxxx, pois esse é produtor rural cadastrado e possuía vários filhotes para a venda;
xi. Isso não significa burlar a lei, até porque não há qualquer vedação legal, quanto à compra das aves da pessoa física de um dos sócios da defendente;
xii. As características dos contratos celebrados não são de contrato de investimento coletivo, mas sim de parceria rural ou de simples compra e venda;
xiii. Todo negócio tem como fim o lucro e isso só não basta para se intitular a negociação como eminentemente financeira;
xiv. A Deliberação 474/04 da CVM foi integralmente cumprida, pois não houve mais celebração de contrato de compra e venda, com garantia de recompra de avestruzes; e
xv. Se foram atendidos os termos da Deliberação supracitada, nenhuma sanção pode ser aplicada, em decorrência do presente inquérito.
27. Ao final, a Top Avestruz propõe que o presente inquérito administrativo seja suspenso, concedendo-se prazo razoável para que proceda ao registro perante a CVM.
É o relatório.
VOTO
I – DAS PRELIMINARES
I.i) Das Argüições de Nulidade: Ofensa ao Contraditório e à Ampla Defesa; Coleta de Provas sem a Participação dos Acusados; Impossibilidade de Sigilo do Inquérito e Falsidade na condução do Processo.
01. As preliminares argüidas pelos acusados, todas com o escopo de obter a declaração de nulidade, com o conseqüente arquivamento deste processo, carecem de fundamento jurídico-legal, e, por conta disso, não merecem acolhida.
02. De início, considero oportuno citar a lição de Xxxx Xxxxx Xxxxxxxxx, segundo a qual 2:
"O princípio da garantia de defesa, entre nós, está assegurado no inc. LV do artigo 5º da Constituição
Federal, juntamente com a obrigatoriedade do contraditório, como decorrência do devido processo legal (Constituição Federal, art.5º, LIV), que tem origem no" "due process of law" do Direito anglo-norte- americano.
Por garantia de defesa deve-se entender não só a observância do rito adequado como a cientificação do processo ao interessado, oportunidade para contestar a acusação, produzir prova de seu direito, acompanhar os atos da instrução e utilizar-se dos recursos cabíveis".
03. O Inquérito e o correlato Processo Administrativo, no âmbito desta Autarquia, são regidos pela Resolução CMN nº 454/77 e pela Deliberação CVM n° 457/02, as quais distinguem bem estas duas fases. A fase preliminar de cunho eminentemente inquisitorial, conduzida por uma Comissão Inquérito formalmente constituída, tem por escopo a investigação dos fatos, mediante a coleta de provas, que permita identificar a materialidade de um ou mais ilícitos bem como os indícios de sua autoria, findando-se com a elaboração do Relatório, que, de forma pormenorizada, descreve as infrações porventura verificadas e aponta os supostos responsáveis pelo seu cometimento.
04. Equivocam-se os acusados, quando afirmam que tiveram sua defesa cerceada, por não terem sido notificados dessa fase, nem participado da coleta de provas. Em outras palavras, este estágio do procedimento configura apenas um conjunto de diligências tendente à apuração da materialidade da infração e dos possíveis autores, cujas provas colhidas terão necessariamente de passar pelo crivo do contraditório, para se tornarem válidas e idôneas à eventual condenação dos apontados no relatório da Comissão como responsáveis.
05. A doutrina equipara esta fase ao que no processo penal é definido como inquérito criminal: é a fase de coleta de provas, de investigação dos fatos, de tomada de depoimentos. Nesta fase, podem ocorrer até mesmo investigações sigilosas para salvaguarda das provas, elucidação dos fatos, e até proteção aos possíveis indiciados, sendo desnecessária e ilógica a ida ao Poder Judiciário para se obter autorização ou mesmo o reconhecimento do que já é da própria natureza dessa etapa do procedimento, i.e., o seu caráter sigiloso.
06. Somente após a apresentação do Relatório é que se instaura a fase litigiosa do procedimento, i.e., o processo administrativo propriamente dito, a ser conduzido sob a garantia constitucional do contraditório, como elemento constitutivo do direito de ampla defesa do acusado, que, no bojo do processo sancionador desta Autarquia, também há muito se vem chamando de indiciado. Saliente-se que é, nesta fase, que aos acusados é oportunizado contradizer a acusação, requerer diligências e apresentar provas em defesa de suas alegações.
07. Cumpre destacar, em face da conceituação de Xxxx Xxxxx Xxxxxxxxx, citada anteriormente, que, no momento correto, foi assegurada aos acusados a garantia de ampla defesa: o rito adequado foi observado, foram eles cientificados do procedimento e contestaram as acusações.
08. Nesse sentido, vale transcrever a Ementa do Acórdão da 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, em julgamento de apelação, realizado em 28.09.94, pertinente ao Mandado de Segurança nº 91.0004543-8 impetrado em relação ao Inquérito Administrativo CVM nº15/90:
"I- Administrativo - Inquérito - Cerceamento de Defesa - Inocorrência - O inquérito administrativo constitui mera fase investigatória, que precede ao processo administrativo, e que tem por fim apurar a ocorrência do fato ilícito, que uma vez provadas a sua materialidade e autoria, propiciarão a instauração deste último. O contraditório só se instalará após a instauração do processo administrativo, instruído com o que apurar no inquérito.
II- Apelação Improvida - Sentença Confirmada."
09. É, portanto, absolutamente legal e constitucional a conduta seguida por esta CVM, que tem respaldo tanto na doutrina como na jurisprudência.
10. Cabe assinalar, à guisa de esclarecimento, que as inspeções realizadas na Top Avestruz foram acompanhadas pelos respectivos responsáveis, tendo sido facultada nos depoimentos a presença de seus procuradores, sendo pública a prova das irregularidades acostadas aos autos.
11. No que diz respeito à argüição de falsidade, é sustentado que o presente processo administrativo " foi uma montagem grotesca que visou prejudicar a imagem da defendente perante seus clientes e potenciais parceiros",ao argumento de que tanto o MEMO/GFE-1/N° 028/04, datada de 30.11.04, que propôs a edição da Deliberação CVM n° 474/04, como esse próprio ato, de 01.12.04, foram emitidos posteriormente aos documentos de fls. 32/69.
12. Novamente equivocam-se os acusados no seu desiderato de anular o processo. Os documentos de fls. 32/69 por eles aludidos consubstanciam todo, senão boa parte do material publicitário e explicativo da atividade por eles
explorada, disponível, na ocasião, na página da Top Avestruz na rede mundial de computadores, e que teve o dia 02/12/04 apenas como data de sua impressão por esta Autarquia. Com efeito, tais documentos tão-somente materializaram o que já se tinha conhecimento, ao tempo da proposta de edição da stop order, em 30.11.04, como bem reportou a área técnica em sua manifestação (MEMO/GFE-1/N° 028/04, de fl. 70).
13. Sobre essa questão, vale esclarecer que, no exercício da competência de prevenir situações anormais no mercado, a CVM procura editar, de maneira rápida e eficaz, verdadeiros comandos para que seus destinatários cessem certas práticas prejudiciais ao regular funcionamento e, em geral, se adaptem ao regime da Lei n° 6.385/76. Foi o que o ocorreu no caso vertente. Ao constatar, na rede mundial de computadores, que a Top Avestruz, por aquele veículo de divulgação de informação, atraia o público investidor, mediante oferta de contratos com as características de um investimento coletivo, nos moldes do artigo 2°, inciso IX, daquela lei, a Superintendência de Fiscalização (SFI), à fl. 70, prontamente sugeriu ao Colegiado a edição da referida ordem, que veio a ser posteriormente editada.
14. Por todo o exposto, impõe-se também o não acolhimento da presente preliminar.
I.ii) Excesso de Prazo – Nulidade das Decisões que Prorrogaram os Prazos de Conclusão do Inquérito por ausência de fundamentação.
15. Esta preliminar também não merece prosperar. Prevista no artigo 3° da Resolução CMN n° 454/77, com redação dada pela Resolução n° 2785/00, a prorrogação do prazo de investigação é ato que prescinde de fundamentação por parte da autoridade responsável pela instauração da fase inquisitorial do procedimento. Diz-se isso em função do seu caráter discricionário, cujo juízo de conveniência e oportunidade para a prática é realizado a partir da constatação de que a materialidade e os indícios de autoria da infração ainda se revelam insuficientes nos autos para a formação da opinio delicti por parte da Comissão de Inquérito.
16. Desta forma, não há que se falar em excesso de prazo para a conclusão da fase investigativa do presente processo sancionador.
I.iii) - Do Registro na CVM
17. Nesta preliminar, os acusados alegam que, apesar do interesse em obter o registro desde o início da atuação da CVM, foi impedida de assim proceder, por obstáculos instalados pela própria Autarquia. Aduzem que a Top Avestruz transformou-se em sociedade anônima, mas que não se tornou companhia aberta porque a CVM não lhe teria proporcionado condições para efetuar o respectivo registro. Citam uma audiência agendada, em 30.03.05, com a ex- diretora, Dra. Xxxxx Xxxxxxx, que, segundo eles, não a realizou devido a uma sessão de julgamento marcada para o mesmo horário.
18. É improcedente o argumento utilizado pelos defendentes para justificar a falta de registro de distribuição pública de contratos de investimento coletivo. Durante dos trabalhos de investigação, os dirigentes da Top Avestruz foram alertados pelos inspetores desta Autarquia sobre a obrigatoriedade de atendimento às disposições da Lei n° 6.385/76, caso permanecessem captando recursos junto ao público. Neste particular, vale destacar a superveniência da Deliberação CVM n° 474, de 01 de dezembro de 2004, que determinou àquela empresa que se abstivesse de ofertar ao público quaisquer títulos ou contratos, em especial aqueles sob a designação de "Compromisso de Compra e Venda no Sistema de Hotelaria Pré-Paga com Garantia de Recompra", sem o competente registro nesta CVM. Tal comando foi totalmente ignorado pela empresa, a qual continuou a emitir contratos de venda de avestruzes com cláusula de recompra. Foi o que se constatou na diligência realizado no escritório de venda aberto em São Paulo, entre 28.02 a 04.03.05, consoante Relatório de Inspeção CVM/SFI/GFE-1/N° 013/05 (fls. 14 a 31).
19. Desta forma, é de todo descabido esse ponto argüindo pelos defendentes, não devendo sequer ser admitido como circunstância atenuante para prática que lhe são imputadas.
II – DO MÉRITO
20. No caso vertente, o reconhecimento da responsabilidade dos acusados exige a apreciação das atividades por eles desenvolvidas, compreendidas na exploração comercial de avestruzes, à luz do artigo 2°, inciso IX, da Lei n° 6.385/76, que conceitua como valores mobiliários quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, quando ofertados publicamente, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros. Como tais, o caput daquele artigo impõe a submissão de toda oferta pública daqueles contratos ao regime da citada lei, da qual exsurge o ônus de prévio registro nesta Autarquia. É o que preceitua o artigo 19, caput, daquele diploma.
21. Conforme visto, em 01.12.04, esta CVM, com base nas informações extraídas da página da Top Avestruz na rede mundial de computadores, publicou a Deliberação CVM n° 474/04, que, além de alertar ao mercado e ao público em geral que aquela empresa não se encontrava registrada como companhia aberta, e que, por conseguinte, não estava habilitada a ofertar publicamente quaisquer títulos ou contratos de investimento coletivo, consoante definição prevista no inciso IX do artigo 2° da Lei n° 6.385/76, determinou àquela empresa que se abstivesse de atuar da forma antes mencionada, em especial ofertando ao público os contratos sob a designação de "Compromisso de Compra e Venda no Sistema de Hotelaria Pré-Paga com Garantia de Recompra", sem o competente registro nesta Autarquia.
22. Posteriormente, em inspeção realizada na sede da indigitada empresa, entre os dias 13 e 17.12.04, a área de fiscalização constatou que a Top Avestruz valia-se do que denominava de "Contrato de Obrigações Mutuas com Seguro Garantia" em substituição mencionado " Instrumento Particular de Compromisso de Compra e Venda no Sistema de Hotelaria Pré-Paga com Garantia de Recompra".
23. Ao final das investigações, a Comissão de Inquérito concluiu, no item 61 do seu Relatório, que a "Top Avestruz emitiu e distribuiu, após a publicação da Deliberação CVM n° 474/04 (ocorrida em 03.12.04), pelo menos 229 contratos, alcançando o montante de R$ 2.138.133,47, que foi obtido a partir do somatório dos registros constantes na coluna "valor de Compra" da relação de contratos com seguro, por vencimento (fls. 547 a 552), emitidos entre
08.12.04 e 24.02.05" em infração ao disposto no referido artigo 19, "caput", parágrafo 1º, combinado com os artigos. 16, I, e 2º, IX, todos da Lei nº 6.385, de 07.12.76.
24. De acordo com a área técnica, o modelo de "Contrato de Obrigações Mútuas com Seguro Garantia" apresentava como objeto a compra e venda de avestruzes da raça African Black. Após a quitação, era emitido um "Certificado de Origem Animal", onde constava a especificação do animal (data de nascimento, sexo, número do "microchip " de identificação e a filiação). Efetivada a compra, emitia-se ao comprador um "Certificado de Garantia de Obrigações Contratuais", emitido pela Companhia Mutual de Seguros, que assegurava uma indenização no valor do resgate do investimento caso o vendedor não cumprisse as obrigações do contrato. Constatou-se ainda que, naquele modelo de contrato constava ainda a seguinte cláusula: "No caso de revenda, a VENDEDORA obriga-se a recomprar as aves na data de 28/02/2005, (...) pelo valor de R$ 3.370,04...".
25. Conforme pode ser observado às fls. 118 a 120, a empresa utilizava-se de três tabelas de preços de avestruzes, 3 das quais constavam discriminando os valores de venda, recompra e rendimento auferido, de acordo com a idade do animal.
26. Em uma posterior diligência, motivada por um anúncio publicado no jornal "Folha de São Paulo", em 10.01.05, (fl. 153), realizada no escritório da acusada, na cidade de São Paulo4, também se teve acesso aos contratos celebrados entre a data de publicação da stop order, e o dia 03.01.05 (fls. 243 a 293). Neles também se verificar a presença de cláusula pela qual a Top Avestruz se obriga a recompra de aves nos referidos instrumentos, o que evidencia o descumprimento da deliberação.
27. Ainda nos trabalhos de inspeção, foram obtidos documentos da Top Avestruz, que davam conta de que, a partir de 04.01.05, aquela empresa estaria alterando sua forma de atuação. Segundo a área técnica, o Sr. Onaireves Xxxxx informou5 aos inspetores que a mudança ocorrera para atender às exigências da CVM, e consistia no fato de a acusada não mais vender animais, mas apenas prestar o serviço de hotelaria e efetuar a compra de aves, caso o cliente não conseguisse comprador ou se manifestasse a respeito, após determinado prazo (item 09 do relatório da Comissão).
28. Em esclarecimento prestado à solicitação de informações feita pela área técnica 6, as Fazendas Areia Branca e a Lagoa, bem como a Cooperavestruz, citadas pelo Sr. Xxxxxxxxx, informaram que não vendiam para clientes da Top Avestruz, mas sim diretamente para essa empresa.
29. Em diligência, mediante circularização de questionário entre titulares de contratos emitidos pela Top Avestruz, verificou-se que, dos 32 investidores7 que responderam à área técnica, 27 pessoas identificaram a Top Avestruz como a vendedora das aves, e outros 4 informaram ter adquirido contratos diretamente com o Sr. Xxxxxxxxx Xxxxx (fls. 366 a 479).
30. No curso dessa mesma diligência, também foram obtidos dos investidores 24 recibos de venda de aves, emitidos pela Top Avestruz, entre 13.01 e 23.03.05. Da análise desses recibos, foi verificado que eles foram emitidos na mesma data dos "Contratos de Parceria Rural em Estrutiocultura com Seguro Garantia" (fls. 621 a 716), e referiam-se aos mesmos ativos especificados nesses contratos8, o que revela serem etapas de uma mesma operação, ou seja, "venda" de aves com o respectivo compromisso de "recompra"9.
31. Conforme se pode observar, as modalidades de contratos adotadas pela Top Avestruz apresentavam características comuns: a captação de recursos junto ao público para a consecução de um empreendimento e a garantia de recompra do ativo-objeto, em cláusulas que pré-estabeleciam rentabilidade, o que descaracteriza a alegação de se tratava de uma mera operação de compra ou venda de animais com parceria rural.
32. Com efeito, a assertiva acima formulada guarda total relação com a concepção de valor mobiliário, inspirada no conceito norte-americano de securities e positivada em nosso ordenamento jurídico, desde a edição da Medida Provisória n° 1.637, de 08 de janeiro de 1998, após diversas reedições, convertida na Lei n° 10.198, de 14 de fevereiro de 2001, cujo teor foi incorporado à Lei n° 6.385/76 pela Lei n° 101.303, de 31.10.2001. Segundo o artigo 0x x xxxxxx XX, xx Xxx xx 0.000/00, xxx xxxxxxx mobiliários quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros10.
33. Na defesa, os acusados procuram infirmar a acusação, com o argumento de que o negócio por eles empreendido, sob a ótica dos seus clientes, não eram caracterizadoras de contrato de investimento coletivo, porque ao final do prazo, poderia o comprador ficar com o animal ou vendê-lo para terceiros, o que, a meu ver, diante de uma análise detida do caso, carece de fundamento.
34. Nesse passo, cabe destacar o entendimento manifestado pela Procuradoria Federal Especializada desta CVM (PFE-CVM), no MEMO/PFE-CVM/GJU-1/ N° 08/05, por ocasião das investigações que envolveram as atividades realizadas por outra sociedade, a Avestruz Máster Com. Imp. e Exp. Ltda., e que deu ensejo à instauração do Inquérito Administrativo CVM n° 23/04, no sentido de que deve ser considerado valores mobiliários e, por conseguinte, sujeito ao poder de polícia desta Autarquia, todo título ou contrato, ofertado publicamente, em que:
a. Caracteriza-se como modalidade de investimento coletivo;
b. Há fornecimento de recursos (dinheiro ou qualquer outro bem suscetível de avaliação econômica) por parte do investidor;
c. Há gestão dos recursos por parte de terceiros;
d. Se trata de empreendimento comum, cujo sucesso é almejado tanto pelo investidor quanto pelo gestor, havendo entre ambos uma comunhão de interesses econômicos interligados juridicamente;
e. Existe expectativa de obter lucros, ou seja, o investidor, ao decidir pela alocação de seus recursos em um valor mobiliário, visa à obtenção de algum tipo de ganho, benefício ou vantagem econômica, em função do contrato de investimento de risco realizado. Esses lucros podem ser auferidos por meio de participação, parceria ou remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços;
f. O investidor assume os riscos de financiador do negócio (ou os riscos do empreendimento), que são diversos dos riscos comuns comerciais, ou seja, os riscos poderão resultar na perda total ou parcial dos recursos investidos.
35. Conforme visto, a negociação de contratos, tanto antes quanto após a edição da Deliberação CVM n° 474/04, não se resumia a uma mera compra e venda de avestruz, ou mesmo uma parceira rural, com a entrega do animal para simples cria.
36. No caso vertente, verifica-se que, por meio de forte aparato publicitário, aquela sociedade atraiu uma massa de pessoas, que, em verdade, não adquiriam propriamente uma quantidade específica de animais para cria e entrega futura, mas sim empregavam seus recursos em um empreendimento de exploração de avestruzes, com a perspectiva de rentabilidade futura, o que de antemão e de modo temerário era prometido pela Top Avestruz.
37. Como já observado, embora os instrumentos utilizados pelos acusados tivessem por objeto a venda com a correlata prestação de serviço de hotelaria, em todos havia o compromisso adjeto de recompra pela própria Top Avestruz, com garantia de rentabilidade do investimento.
38. Ressalte-se que tal desiderato por parte dos acusados perdurou por todo aquele tempo, inclusive quando resistiram à ação repreensiva desta Autarquia, ao desatenderem o comando constante da Deliberação CVM n° 474/04, sob a inadmissível escusa de que não mais atuariam ao arrepio da legislação de mercado.
39. De destacar ainda o papel que o público investidor e a Top Avestruz assumiam nos contratos. De um lado, esta última como empreendedora da atividade, responsável exclusivo pela sua gestão, e, por conseguinte, pelos recursos ali aportados, em contrapartida aos clientes, que vislumbraram no negócio a oportunidade de bons resultados, sem se
imiscuírem na condução da empresa. É o que se vê nas respostas de diversas pessoas aos questionários formulados por esta Autarquia, relativamente à decisão de alocar recursos na empresa (fls. 621 e seguintes). Nelas é patente o propósito de obtenção de ganhos com aquele investimento.
40. O caráter coletivo do investimento é ainda mais evidente no presente caso, ao se ver que os recursos captados, ao contrário do que afirmam os acusados, eram todos agregados nas atividades da empresa, tanto na produção própria como na compra direta de animais de outros produtores, sendo certo que a totalidade das aves existentes não correspondiam à quantidade negociada com os clientes, os quais, ainda que tivessem a remuneração garantida pelos instrumentos emitidos, compartilhavam do risco do empreendimento como um todo, o que pôde ser verificado no momento em que a Top Avestruz deixou de honrar tempestivamente os compromissos assumidos.
41. Quanto ao caráter remuneratório, este é revelado nos próprios anúncios publicitários, de onde constava a garantia de lucratividade. Como já frisado, os subscritores dos contratos emitidos pela Top Avestruz canalizaram seus recursos na exploração das aves sob a perspectiva única e exclusiva de rentabilidade decorrente dos esforços despendidos pela empresa naquela atividade, conforme se vê nas cópias dos contratos acostados aos autos.
42. O forte apelo ao público também restou caracterizado no material de fls. 76 e 294. Nesse último, está explicitado que "os rendimentos proporcionados pelo investimento são superiores a qualquer aplicação do mercado financeiro" (sic). Demais disso, no chamado Boletim Informativo sobre a Estrutiocultura Paranaense, de fl. 295, é ainda destacada a obtenção de lucro líquido de 60%, "superior a qualquer aplicação no mercado financeiro".
43, Xxxx ressaltar, também, que o aspecto da oferta pública, revela-se evidente no caso concreto. Como visto, ao longo de todo o período, a Top Avestruz captou recursos do público investidor que chegaram a alcançar a quantia de R$ 2.138.133,47 (item 61 do Relatório), a partir da edição da Deliberação n° 474/04, tudo isto, mediante o uso de material publicitário veiculado em jornais e a utilização de lojas nas cidades de São Paulo e Curitiba, caracterizando uma distribuição pública, nos termos do artigo 19, § 3°, da Lei n° 6385/76, sem o competente registro previsto no caput do aludido artigo.
44. Sendo assim, imperioso era, nos termos da Lei n° 6.385/76, a submissão à CVM, para o competente registro, dos atos que resultaram na captação de recursos da forma como vista nos autos, razão pela qual há de ser reconhecida a responsabilidade dos acusados, na forma apresentada pela Comissão de Inquérito.
45. Note-se que as estruturas contratuais e de negócio criadas pelos indiciados para exercer suas atividades foram se alterando ao longo do tempo, mas sempre de forma reativa à fiscalização da CVM e mantendo, mais ou menos explicitamente, os elementos relativos à captação de poupança popular. Ou seja, não foram esforços de regularização de uma atividade lícita, mas sim tentativas de colocá-las à margem da atuação estatal, por meio de diversos expedientes.
46. De outro lado, há também de ser reconhecida a responsabilidade dos indiciados por terem acessado o mercado de valores mobiliários sem integrarem o sistema de distribuição de que trata o artigo 15 da citada lei, infringindo, em conseqüência, o artigo 16, inciso I, do referido diploma legal.
47. Por fim, cabe ressaltar a atuação do Sr. Onaireves Moura. Embora tivesse se apresentado, no trabalho de inspeção, como procurador da Top Avestruz, de acordo com o instrumento de mandato que lhe conferia amplos poderes, de fls. 143 e 144, o Sr. Onaireves Moura constava em um "Balanço Patrimonial Trimestral" da empresa como seu Diretor Administrativo.
48. Além disso, verifica-se a existência de 24 recibos de venda de avestruzes (item 43 do Relatório) firmados pelo indiciado. Observa-se também a atuação do Sr Onaireves que declarou em depoimento (item 56 do Relatório) ter vendido aves aos investidores, que posteriormente as hospedavam na Top Avestruz. A esse respeito, vale apontar também que a sede da empresa situava-se em área de sua propriedade (fl. 13).
II – CONCLUSÃO
49. Por todo o exposto, e com fundamento no § 2º inciso II do artigo 11 da Lei nº 6.385/76, proponho a aplicação das seguintes finalidades:
ao Sr. Onaireves Nilo Rolim de Moura, multa pecuniária no valor de R$ 320.720,02, correspondente a 15% do valor da distribuição irregular;
à Top Avestruz S/A Importação e Exportação, multa pecuniária no valor de R$ 748.346,71,
correspondente a 35% da distribuição irregular.
50. Esclareço que, na imposição da penalidade máxima, foi levado em consideração, além da gravidade da conduta, as medidas adotadas pelo indiciado para escapar à atuação estatal, em especial a mudança do critério utilizado após a edição da Deliberação CVM n° 474/04, com a emissão de recibos de venda vinculados aos "Contratos de Parceria Rural em Estrutiocultura com Seguro Garantia", conforme item 44 do Relatório da Comissão de Inquérito.
51 Por fim, recomendo o encaminhamento dos atos da presente sessão de julgamento à Procuradoria da República no Estado do Paraná, uma vez que os fatos ora apreciados configuram em tese infração ao disposto no art. 7º da Lei nº 7.492/86, que dispõe sobre os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional.
É como voto.
Rio de Janeiro, 3 de outubro de 2006 Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx Diretor-Relator
1 Lei n.º 6.385/76:
"Art. 2o São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei:
IX - quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros."
2 XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxx. Direito Administrativo Brasileiro, 23ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 1990, p. 562.
3 Segundo a área técnica utilizava-se das seguintes tabelas: "Tabela de Preços de Avestruz para a Entrega Imediata", com discriminação dos valores de venda em função da idade, "Tabela de Preços de Avestruz em Crescimento no Sistema de Hotelaria Pré-Paga com Seguro Garantia", que discrimina o preço de venda com os respectivos ganhos de peso em função da idade e a "Tabela de Preços de Avestruz no Sistema de hotelaria Pré-Paga com Seguro Garantia", esta última com ligeira variação em relação à anterior. Conforme constatado, as colunas listadas na segunda tabela como valores de "recompra" foram renomeadas para a última tabela como "Preços após 90, 180 ou 360 dias", enquanto que as colunas apresentadas com o título "Rende" foram igualmente "renomeadas" para "Ganho por peso/idade".
4 A área técnica pôde constatar que o local funcionava como uma agência de negócios da empresa, formada por um conjunto de salas alugadas em nome da Top Avestruz. Tal aluguel, no entanto, era pago pela sociedade Goldhes Representações Comerciais Ltda., que tinha como principal sócio o Sr. Xxxxxxx Xxxxx, o qual, em informações prestadas, revelara que o acordo comercial mantido com a Top Avestruz era fruto de estreita relação pessoal havida há anos com o Sr. Onaireves Moura (fls. 16 e 228).
5 Procurando esclarecer aos inspetores como os clientes da Top Avestruz adquiriam as aves para posterior hospedagem na empresa, o Sr. Xxxxxxxxx Xxxxx disse que somente recomendava a aquisição de criadores, como os ligados à Coopertop, cooperativa da qual era Diretor-Presidente, à Cooperavestruz, bem como de Fazendas em Santa Catarina e São Paulo. Tal esclarecimento, entanto, ficou refutado pelas diligências realizadas junto aos criadores apontados pelo acusado.
6 Nos itens 27 a 32 do relatório, consta a transcrição das respostas apresentadas pelos criadores. 7 Vide tabela à fl. 915, item 41 do relatório da Comissão de Inquérito.
8 Tanto os recibos como os "Contratos de Parceria em Estrutiocultura com Seguro Garantia" referiam-se as mesmas aves, i.e., avestruzes da raça African Black, com as mesmas características (microchip, brinco, nascimento, sexo, pai , mãe e peso).
9 Quanto à etapa de recompra das aves, alguns investidores receberam os respectivos valores contratados, enquanto outros noticiaram que ainda não tinham sido honrados os compromissos de recompra assumido pela Top Avestruz (fls. 621, 752, 856 e 878), o que foi corroborado pelas declarações dadas pelo Sr. Onaireves em reportagens obtidas na internet, às fls. 609 e 610.
10 Conforme manifestação do ex-diretor desta CVM, Xxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx, sobre o conceito de valor mobiliário, no âmbito do Processo 2003/0499 (Reunião do Colegiado de 28.08.03).
Voto proferido pelo diretor Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx na Sessão de Julgamento do dia 03 de outubro de 2006.
Eu acompanho o voto do Diretor Relator, senhor presidente.
Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx
Voto proferido pela diretora Xxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx na Sessão de Julgamento do dia 03 de outubro de 2006.
Eu acompanho o voto do Diretor Relator, senhor presidente.
Xxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx Diretora
Voto proferido pelo presidente da CVM, Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx, na Sessão de Julgamento do dia 03 de outubro de 2006.
Eu também acompanho o voto do Diretor Relator e proclamo o resultado do julgamento nos termos constantes de seu voto. Informo, outrossim, que os acusados punidos poderão interpor recurso voluntário ao Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional no prazo legal de trinta dias.
Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx
Presidente