INSTITUTO JATOBÁS E INSTITUTO NÃO ACEITO CORRUPÇÃO PRÊMIO NÃO ACEITO CORRUPÇÃO – 2ª EDIÇÃO
INSTITUTO JATOBÁS E INSTITUTO NÃO ACEITO CORRUPÇÃO PRÊMIO NÃO ACEITO CORRUPÇÃO – 2ª EDIÇÃO
XXXXX XXXXXXXX XXXXX XXXX
TRANSPARÊNCIA ATIVA COMO VACINA ANTI-CORRUPÇÃO
Experiências internacionais para reduzir a corrupção nas licitações e gestão de contratos públicos no Brasil
SETE LAGOAS/MG SETEMBRO/2020
SUMÁRIO EXECUTIVO
Este trabalho apresenta experiências internacionais, especialmente da Dinamarca, de transparência em processos de licitações e gestão de contratos públicos, com viabilidade de aplicação imediata nos governos brasileiros, contribuindo para reduzir a corrupção através das ações preventivas.
INDICE
INTRODUÇÃO | 3 |
DESENVOLVIMENTO | 4 |
Arcabouço legal brasileiro | 4 |
Diretrizes Internacionais | 6 |
Experiência dinamarquesa | 9 |
Exemplos de corrupção no Brasil | 11 |
Propostas para prevenção à corrupção inspiradas na Dinamarca | 12 |
CONCLUSÃO | 14 |
BIBLIOGRAFIA | 15 |
INTRODUÇÃO
Este estudo de caso foi idealizado e desenvolvido num momento em que o Brasil e o mundo enfrentavam uma pandemia de enormes proporções, com prejuízos incalculáveis à saúde pública e à economia.
Não bastassem os estragos inerentes a uma pandemia, o Brasil, particularmente, sofria ainda mais com os males da corrupção na aplicação de recursos públicos. Bastava abrir os jornais para se deparar com diversos casos de corrupção, independente de partido ou orientação ideológica, em governos de todas as esferas. A corrupção é condenável é qualquer momento vivido por uma nação democrática, no entanto, num momento de pandemia onde o número de mortes de pessoas e empresas falidas crescia em velocidade nunca vista, isso se tornou ainda mais grave.
Diversos foram os exemplos de corrupção durante a pandemia: equipamentos médico hospitalares de alto custo adquiridos em lojas de vinho; superfaturamento nas aquisições de produtos essenciais; produtos adquiridos e não entregues, ou entregues com especificações ou quantidades inferiores; governadores e prefeitos afastados, presos ou sujeitos a processo de impeachment; operações policiais escancaram o quanto o Brasil ainda precisa evoluir no combate e prevenção à corrupção.
Mas havia também otimismo com a possibilidade de melhorias. Este autor, em particular, viu na crise oportunidades de evolução na legislação brasileira, ou mesmo em medidas administrativas dos governos, as quais permitiriam um maior controle prévio, pelas instituições e pela própria sociedade civil, dos atos envolvendo dinheiro público.
A população mundial aguardava ansiosamente uma vacina contra o Coronavirus, a qual permitiria a prevenção desta doença grave, permitindo às pessoas retornarem às rotinas de suas vidas. Foi neste contexto que pensamos em medidas que podem se tornar uma espécie de vacina para prevenir a corrupção.
Esta vacina já existe e tem nome – transparência. Porém, a vacina anticorrupção utilizada no Brasil ainda deixava a desejar, haja vista que muitos casos graves da doença corrupção se espalhavam pelo Brasil. Apesar de alguns bons resultados, sua qualidade precisava melhorar de modo a incrementar a efetividade de seus resultados.
Muitas pessoas aguardavam uma vacina do exterior que pudesse controlar a pandemia. Mas e a vacina anticorrupção? Seria possível um bom modelo do exterior a ser aplicado no Brasil?
Após três anos atuando como voluntário no Observatório Social do Brasil, este autor se tornou um entusiasta do assunto transparência. A transparência é fundamental para a prevenção à corrupção, prevenção que pode ser realizada pela própria sociedade civil, contribuindo de maneira expressiva para o trabalho de importantes instituições como Ministério Público, Polícias, Controladorias, Receita, etc.
Além desta experiência local, em dezembro de 2019, um treinamento sobre Transparência e Boa Governança, na Dinamarca, despertou o interesse neste autor em pesquisas sobre experiências internacionais de transparência aplicáveis no Brasil.
É possível importar de outros países experiências bem sucedidas de transparência, no uso do dinheiro público, que permitiriam ao Brasil prevenir de forma mais efetiva a corrupção?
DESENVOLVIMENTO
Arcabouço legal brasileiro
Em que pesem os inúmeros problemas que o Brasil ainda enfrenta com corrupção, não há como negar que expressivos avanços foram obtidos nos últimos anos.
O controle social da Administração Pública está garantido na Constituição Federal de 1988. Destacamos alguns incisos do artigo 5º1:
XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;
XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;
XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;
b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal;
O inciso XXXIII foi regulamentado em 2011 pela Lei Federal 10.257, que foi regulamentada pelo Decreto 7.724/2012. Este assunto tem importância ímpar no controle social, na prevenção à corrupção e servirá de base para as propostas, inspiradas em experiências internacionais, especialmente dinamarquesas, que apresentaremos ao final deste artigo. Neste sentido, NASCIMENTO e PARCA nos ensinam que:
“Após a entrada em vigência da Lei federal n. 12.527/2011, também conhecida como Lei de Acesso à Informação – LAI, o povo brasileiro passou a contar com um importante instrumento facilitador da atuação do cidadão na esfera governamental, pois ela determina que o acesso às informações estatais seja a regra, e o sigilo, a exceção.”
(...)
“A promulgação Lei n. 12.527, de 18 de novembro de 2011, foi um marco de inestimável importância para o processo de consolidação da cidadania ativa, sendo fundamental para a efetiva participação do povo brasileiro na tomada de decisões e no controle da coisa pública. O acesso à informação possibilita à sociedade acompanhar e cobrar a disponibilização e
1 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx. Instrumentos de Controle Social da Corrupção. Rio de Janeiro. Editora Lumens Juris, p.12
implementação dos direitos constitucionais presentes na Carta Magna, não deixando que a publicidade das informações institucionais seja uma decisão discricionária do administrador público” (grifos nossos)
(...)
“A aplicação da LAI permite o aprimoramento e a consolidação da consciência de participação coletiva, o ativismo dos cidadãos na fiscalização da coisa pública e a inclusão cada vez mais efetiva do povo no ciclo decisório e político, inibindo práticas desviadas do conceito de bem-comum. Sua vigência fez com que as instituições federais fossem cada vez mais demandadas e inquiridas, sendo obrigadas a disponibilizar as informações dentro de um prazo fixado pela própria norma, sob pena de responsabilização dos gestores públicos.” (grifos nossos)
A LAI prevê dois tipos de transparência – ativa e passiva. Publicação oficial do Ministério da Justiça2 clareia esses conceitos, que são fundamentais para o entendimento das propostas apresentadas neste trabalho.
“Outro importante aspecto da lei é o estabelecimento da Transparência Ativa e Passiva na administração pública, sendo a primeira compreendida como a exigência de órgãos e entidades públicas de divulgar, de forma espontânea, independente de terem sido solicitadas, informações de interesse geral; e a segunda, refere-se à criação dos Serviços de informação ao Cidadão (SIC), um canal efetivo para a sociedade apresentar à administração pública sua demanda de informação.”
Na transparência ativa, os órgãos públicos disponibilizam as informações sem necessidade de demanda do cidadão. Já na transparência passiva, os órgãos públicos respondem aos pedidos de informações, não disponíveis nos canais oficiais (especialmente os Portais de Transparência) formuladas pelo cidadão. Ao longo deste trabalho, apresentaremos propostas de informações, via transparência ativa dos governos brasileiro (Federal, Estaduais e Municipais) que serão importantes ferramentas para a prevenção à corrupção.
Outra legislação importante para a compreensão das propostas anticorrupção, aqui defendidas, é a Lei Complementar 131/2009 – também conhecida como lei da Transparência – que altera a redação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) no que se refere à transparência da gestão fiscal. O texto inova e determina que sejam disponíveis, em tempo real, informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Esta lei viabilizou os Portais de Transparência, importantes ferramentas de controle social e prevenção à corrupção pela própria sociedade civil organizada, ou mesmo por qualquer cidadão em ato isolado.
2 BRASIL. Lei de Acesso à Informação - A informação é direito de todos. Ministério da Justiça, 2020. Disponível em: xxxxx://xxx.xxxx.xxxxxxx.xxx.xx/xxxx/xxx-xx-xxxxxx-x-xxxxxxxxxx-x-xxxxxxxxxx-x-xxxxxxx-xx- todos#:~:text=Outro%20importante%20aspecto%20da%20lei,a%20segunda%2C%20refere%2Dse%20%C3%A0
Ao longo deste trabalho, apresentaremos propostas de disponibilização de informações com base em ensinamentos internacionais, via transparência ativa, as quais acreditamos serem instrumentos poderosos de prevenção à corrupção no Brasil, especialmente nas licitações e gestão de contratos públicos.
Diretrizes Internacionais
Conforme dito anteriormente, a ideia deste trabalho surgiu no fim de 2019, quando o autor teve a oportunidade de participar do treinamento TRANSPARENCY AND GOOD GOVERNANCE, ministrado pela escola TANA COPENHAGEN, na capital dinamarquesa.
A Dinamarca foi o país mais bem avaliado, em todo o mundo, no Índice de Percepção da Corrupção (IPC) elaborado pela Transparência Internacional.
“A organização anticorrupção Transparência Internacional publicou seu Índice de Percepção da Corrupção (IPC), no qual a Dinamarca aparece como o país menos corrupto do mundo. O ranking IPC elenca os países e territórios baseando-se em quão corrupto o setor público de um país é percebido. O índice baseia- se em análises e estudos realizados por instituições reconhecidas e independentes.”
No que tange à transparência e integridade nas licitações e gestão de contratos públicos, o governo dinamarquês, apesar dos méritos e iniciativas próprios, se baseia em diretrizes disponíveis para todas as nações do mundo, especialmente as elaboradas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e pela Transparência Internacional (TI). Por se tratar de recomendações mundiais, estas podem perfeitamente serem aplicadas no Brasil para prevenir a corrupção.
Antes de abordar as peculiaridades dinamarquesas, trataremos dessas diretrizes mundiais defendidas pela OCDE e pela TI.
No documento Principles for Integrity in Public Procurement3, a OCDE apresenta princípios e diretrizes que visam garantir integridade nas compras públicas ao redor do mundo. O objetivo principal desses princípios é orientar os formuladores de políticas governamentais a incutirem uma cultura de integridade em todo o ciclo de contratação pública, da avaliação das necessidades à gestão do contrato e pagamento.
O documento citado elenca os pilares-chave dos princípios em imagens explicativas4, que facilitam bastante a compreensão inicial. Vejamos:
3 Disponível em xxxxx://xxx.xxxx.xxx/xxx/xxxxxx/00000000.xxx
4 Disponível em xxxxx://xxx.xxxx.xxx/xxx/xxxxxx/00000000.xxx páginas 18 e 19
Os quatro pilares-chave são transparência; boa gestão; prevenção de má conduta, conformidade e monitoramento; prestação de contas e controle. Tais princípios demonstram a abrangências das recomendações, uma vez que cobrem desde a avaliação de necessidade de uma aquisição pública (da compra de um simples material de papelaria à contratação de uma empresa para realizar uma grande obra) até o momento da efetiva entrega, conforme especificações contratadas, do que foi contratado e pago com dinheiro público. O detalhamento de cada um desses princípios servirá de base para as propostas de prevenção à corrupção que apresentaremos para aplicação no Brasil.
A Transparência Internacional também disponibiliza importantes guias de integridade nas aquisições públicas. Nesta pesquisa, trabalhamos com dois deles: “Integrity Pacts in Public Procurement – na implementation guide” e “Curbing Corruption in Public Procurement - a Practical Guide”.
A TI defende um pacto de integridade nas contratações públicas. O pacto de integridade proposto pela TI pode ser entendido como:
“a tool developed during the 1990s by TI to help governments, businesses and civil society fight corruption in public contracting. It consists of an agreement between a government or government agency (hereafter referred to as ‘the authority’) and all bidders for a public sector contract.”5
O mesmo documento destaca a importância do referido pacto, sendo que, dentre os argumentos apresentados, destacamos a transparência e o monitoramento independente :
• “Getting the basics right: maximum transparency at every step leading up to the contract and throughout its execution, and an adequate, well- designed contracting process, are essential. Such transparency calls for extensive and easy public access to all relevant information, including design, justification of contracting, pre-selection and selection of consultants, bidding documents, pre-selection of contractors, bidding procedures, bid evaluation, contracting, contract execution and supervision. If these basics are right, the job of the monitor is easier;
• The use of an external independent monitoring system that verifies that the obligations in the IP are fulfilled, and exercises the functions agreed to in the IP with regard to the tender process and contract execution”6
O primeiro ponto defende, assim como no documento da OCDE, a transparência máxima do fim ao início do processo. É importante que a sociedade saiba porque tal bem ou serviço foi adquirido, de quem e por quanto foi adquirido, se foi entregue nas condições contratadas e se o preço pago está coerente com os valores de mercado. Já o segundo ponto, prevê a existência de monitoramento independente no processo de licitação, do início até a execução do contrato. Esse tipo de monitoramento é executado no Brasil, com bastante sucesso, por entidades organizadas da sociedade civil como, por exemplo, o Observatório Social do Brasil, presente em cerca de 17 Estados e 150 Municípios diferentes.
As propostas apresentadas neste trabalho poderão, num primeiro momento, gerar gastos adicionais ao setor público, sobretudo com campanhas publicitárias e reformulação de Portais de Transparência em todo o país. No entanto, tais gastos seriam plenamente justificados com a elevação do nível de transparência, o que resultaria em maior controle social, mais prevenção, maior prevenção de risco para o corrupto e economia de dinheiro público no médio e longo prazo. Neste sentido, a TI manifestou em seu manual anticorrupção nas contratações públicas que:
“Transparency can imply additional time and cost in the short term but in the long run, ensuring transparency saves time as well as reduces costs. Projects prepared in secret, or with severely limited information available for stakeholders, increase risks of corruption and public resistance down the line, both of which cause serious delay and expense.”7
5INTERNATIONAL TRANSPARENCY. Integrity Pacts in Public Procurement – an implementation guide p.25
6 INTERNATIONAL TRANSPARENCY. Integrity Pacts in Public Procurement – an implementation guide p.25 itens 2 e 3
7 INTERNATIONAL TRANSPARENCY. Curbing Corruption in Public Procurement - A Practical Guide, p.12
Após conhecermos as diretrizes postuladas por importantes organizações de nível mundial, passaremos a analisar a Dinamarca.
Experiência dinamarquesa
Antes de entrarmos nos méritos dos governos e da sociedade dinamarquesa, importante demonstrar os resultados obtidos, conforme pesquisa de avaliação dos Public Procurement (contratações públicas) naquele país. Os resultados da pesquisa abaixo demonstram que, na Dinamarca, o nível de corrupção nas licitações e gestão de contratos públicos é muito baixo. O ambiente é de bastante integridade com governo, fornecedores e população cooperando e confiando uns nos outros:
“There is a moderate to low risk of encountering corruption, mismanagement or irregularities in Denmark’s public procurement process. Few surveyed businesses believe that corruption prevents their company from winning a public tender (European Commission, Feb. 2014), or that procurement officials are likely to show favoritism when deciding on contracts (GCR 2017-2018). Around one in seven companies believes that corruption is widespread in tenders managed by national authorities and one in five companies believes corruption is widespread in tenders managed by local authorities (European Commission, Feb. 2014). Large-scale public procurement projects are subject to tender requirements in line with EU legislation (ICS 2017). Companies convicted of corruption are subject to fines and possibly prohibitions on exercising certain commercial activities, depending on the gravity of the offense (UNODC 2016). Exclusion from bidding on future tenders is also a possible sanction (GTDT 2017). Unfair competition from state- owned enterprises (SOEs) is not a concern (ICS 2017).”8
Não existe país perfeito ou sem casos de corrupção no mundo, mas a leitura da pesquisa acima permite entender que na Dinamarca o nível é baixo, justificando o título de país menos corrupto do mundo, conforme ranking da Transarência Internacional.
O que o Brasil pode aprender com a Dinamarca para prevenir a corrupção em licitações e gestão de contratos públicos?
Em primeiro lugar, importante destacar que a Dinamarca segue as recomendações da OCDE e TI, apresentadas ao longo deste trabalho. Com base nos princípios acima apresentados, organiza o ciclo das contratações públicas conforme a imagem abaixo9:
9 XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx. Transparency in Public Procurement. Copenhague, Tana Copenhagen, 2019
Todas as cinco fases estão coerentes com os pilares-chave dos princípios de integridade, recomendados pela OCDE. Importante destacar que em todas as fases há um alto grau de transparência ativa, conforme recomenda a TI, o que pode ser bastante útil para prevenir a corrupção no Brasil.
Um resumo de cada fase, conforme os princípios de integridade da OCDE, será apresentado a seguir:
1. Plano de aquisições, onde as necessidades e expectativas são apresentadas com clareza;
2. Definições claras e detalhadas das especificações, dos produtos ou serviços, e os critérios de avaliação para a escolha;
3. Tender Evaluation Panel, com informações sobre critérios de escolhas (custo benefício, qualidade) e total transparência sob o motivo da escolha do vencedor, permitindo ao perdedor recorrer e questionar;
4. Gerenciamento proativo do contrato – evitar surpresas, diálogo permanente com fornecedor, unidade responsável por supervisionar a entrega do produto ou serviço;
5. Emissão de certificado de conclusão antes do pagamento final, bem como um relatório com revisão de todo o processo.
Todas as fases acima também tem como parâmetro recomendações da TI:
1. Governments should publish selection criteria and details of the method of award in a timely manner;
2. Governments should collect and disclose the identity and beneficial ownership of all bidders;
3. Governments should disclose all the steps undertaken during the procurement process;
4. Governments should ensure independent monitoring of all stages of the procurement process and an effective appeals processes should be available;
5. In particular, governments must require disclosure of assets by officials involved in procurement processes;
6. Information on public procurement should be made available for free in widely used open and structured formats.
Destaque para o item 6 – todas as informações sobre as contratações públicas devem estar disponíveis de forma gratuita e em formatos abertos e estruturados amplamente usados. Este é um ponto que o Brasil precisa evoluir muito. Atuando como voluntário do Observatório Social do Brasil (OSB) há três anos, este autor é testemunha da falta de transparência e da dificuldade de obtenção de informações, apesar de garantidas por lei, no Brasil. Um exemplo prático acontece na cidade de Sete Lagoas/MG. A Câmara de Vereadores aluga veículos e contrata posto de combustível para abastecer os mesmos. Há três anos o OSB local tenta obter informação, mensal, sobre qual o consumo de combustível e qual a quantidade de quilômetros percorridos por cada vereador, o que permitiria à população saber qual parlamentar gasta mais, bem como lhes cobrar o motivos do uso de dinheiro público. Mesmo com a LAI vigente, tais informações sempre negadas, sendo disponibilizado apenas o montante global de gastos da Câmara.
Relatório de 2018 da Transparência Internacional, contendo uma visão geral sobre avanços em transparência nos países, reconheceu avanços de transparência ativa do governo dinamarquês – “the 2014 Public Records Act initiated importante reforms in proactive transparency, as this relates to public documents, procurement documents and budget documents.”10 Conforme se extrai desta citação, os avanços incluíram maior disponibilização, via transparência ativa, de documentos relativos à licitações.
Em países que seguem a risca as diretrizes da OCDE e TI, como a Dinamarca, situações assim são impensáveis.
Exemplos de corrupção no Brasil
Basta uma simples pesquisa na internet, com os termos corrupção e Brasil, para nos depararmos com uma grande lista de exemplos. Muitos desses exemplos ocorrem em todas as fases das licitações e da gestão dos contratos, da elaboração do edital ao pagamento.
Mesmo em momentos de calamidade, como a recente pandemia do Coronavirus, os casos de corrupção não cessaram. Muito pelo contrário, pareceram até se intensificarem, provavelmente em função do afrouxamento temporário das regras das licitações. O que deveria ser uma flexibilização temporária e necessária, para permitir mais agilidade nas nossas de enfrentamento da doença com graves proporções, se tornou uma oportunidade para corruptos se locupletarem, em detrimento do patrimônio público e da vida humana.
A reportagem11 que citaremos agora apresenta seis casos de corrupção investigados durante a pandemia no Brasil. Todos já estão sendo investigados pelos órgãos responsáveis e que podem configurar desvios, corrupção e má alocação de recursos públicos durante a pandemia. O entendimento dos mesmos, e o modus operandi da corrupção, são de suma importância para a compreensão das propostas que apresentaremos no item seguinte. A seguir, um resumo de cada um dos seis casos apresentados na matéria:
10 INTERNATIONAL TRANSPARENCY. Denmark Overview of corruption and anti-corruption, 2018 p.10
11 SPERANDIO, Luan. 6 casos de corrupção em meio à pandemia. Blog Ideias Radicais, 2020. Disponível em xxxxx://xxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxx-xx-xxxx-x-xxxxxxxx/
1. Governo do Amazonas comprou respiradores em uma loja de vinho. Foram gastos R$ 2,9 milhões na compra de 28 respiradores, valor que ultrapassa o preço médio dos equipamentos em 316%. Além disso, o Conselho Regional de Medicina do Amazonas (Cremam) considerou os ventiladores como “inadequados” para tratar os pacientes com a doença;
2. No Rio de Janeiro, um ex-subsecretário da Saúde foi preso por suspeita de participação em diversos crimes, envolvendo montante próximo a R$1 Bilhão de Reais. Dentre os crimes suspeitos estão recebimento de propinas em troca de superfaturamento nas compras de máscaras, respiradores e testes para a doença;
3. No Governo de Santa Catarina, houve a compra de 200 respiradores pelo governo do estado, com dispensa de licitação por R$ 33 milhões. Os respiradores estavam com entregas atrasadas, e não consta no site da empresa que ela forneça respiradores;
4. No Município de Aroeiras, na Paraíba, valor superior à verba federal destinada ao combate ao coronavírus foi utilizada na compra de cartilhas. A Controladoria Geral da União (CGU), indicou que um dos livros foi adquirido pelo município cerca de 330% acima do valor comercializado na internet, o que ocasionou um superfaturamento superior a R$ 48 mil;
5. O Governo de São Paulo fechou contrato estadual de R$ 574 milhões por 3 mil respiradores da China. Como a entrega é limitada em lotes pelo próprio governo chinês, apenas 150 unidades foram liberadas. De acordo com o governo, a empresa chinesa foi escolhida por meio de pesquisa de mercado e por apresentar as melhores condições de volume e prazos. O caso está sob investigação;
6. No Ministério da Saúde, há suspeitas de superfaturamento na aquisição de materiais para combate ao coronavirus. De acordo com uma análise feita em 34 contratos emergenciais assinados pelo órgão desde o início da crise mostra que são desembolsados valores diferentes para empresas diferentes na compra de materiais com a mesma descrição técnica. As maiores variações encontradas foram nos preços de sapatilhas para profissionais da saúde e álcool em gel. Além disso, valores de aventais, luvas, toucas e máscaras também foram comprados com variações significativamente mais altas. Alguns exemplos de variação de preços são: em um contrato, comprou-se 500 mil máscaras cirúrgicas a R$ 0,96. Em outro, houve a aquisição de 20 milhões a R$ 2,08 cada. Da mesma forma ocorreu com as sapatilhas, pelas quais o Ministério da Saúde pagou R$ 0,07 por cada par numa compra em 2 de março, antes da declaração de pandemia. Após menos de um mês, foi assinado um contrato com outra empresa, pagando R$ 0,20.
Propostas para prevenção à corrupção inspiradas na Dinamarca
Após este apanhado de casos de corrupção, passaremos à apresentação de propostas práticas e com possibilidade de aplicação imediata. As proposições consistem basicamente no incremento da transparência ativa por parte dos governos federal, estaduais e municipais.
A aplicação imediata das propostas só depende de vontade política, uma vez que elas já têm respaldo legal pela Lei Federal 10.257/2011 – a Lei de Acesso à Informação.
Para tornar as propostas permanentes, seriam necessária a regulamentação mais detalhada da lei acima citada e do decreto que a regulamentou em 2012.
Parte das propostas são adotadas na Dinamarca, conforme apresentado anteriormente neste mesmo trabalho, e parte são ideias do autor, voluntário do controle social há três anos, inspiradas nas diretrizes, princípios e pilares-chave da gestão pública dinamarquesa.
Todas as sugestões abaixo deverão constar em portais de transparência de órgãos públicos em todo o país, inclusive estados e municípios. A proposta para evoluir a prevenção à corrupção no Brasil consiste na disponibilização pública e gratuita, sem necessidade de requisição, e acessível a todo e qualquer interessado via portais de transparência, dos seguintes documentos e informações:
1. Plano de Aquisições, inspirado na Needs Assessment Phase do ciclo dinamarquês, contendo informações claras sobre as necessidades e expectativas de toda e qualquer contratação ou compra com dinheiro público. Este relatório deve ser assinado pelo gestor público responsável e pelos assessores indicados;
2. Relatório, inspirado na Preparation Phase do ciclo dinamarquês, contendo especificações claras , critérios de avaliação e definição detalhada dos critérios para aquisições (inclusive a justificativa para os preços previstos). Boa parte dessa informações já constam em editais no Brasil. No entanto, caberia aos governos apresentarem tais informações em linguagem simples e compreensível a qualquer cidadão, independente do nível de escolaridade;
3. Relatório sobre os critérios de avaliação (custo benefício, qualidade, etc) da escolha do fornecedor, inspirado na Selection and Award Phase do ciclo dinamarquês, permitindo inclusive que os fornecedores preteridos possam recorrer da decisão;
4. Gerenciamento proativo do contrato, inspirado na Contract Implementation Phase do ciclo dinamarquês, através do diálogo com fornecedores visando evitar surpresas, como no caso dos respiradores chineses entregues em quantidades menores. Os relatórios ou atas de reunião deverão constar nos portais de transparência indicando, inclusive, a unidade responsável, de cada órgão público, por supervisionar as entregas;
5. Certificado de conclusão, inspirado na Final Account and Audit Phase do ciclo dinamarquês, como condição obrigatória para liberação do pagamento ao fornecedor. Tal certificado deverá conter uma breve revisão de todo o processo.;
6. Equipes de setores de licitações sempre escolhidas por critérios técnicos e com capacitação permanente;
7. Monitoramento patrimonial de servidores de setores de licitações em todos os entes federados;
8. Ampliação de pactos de integridade entre governos e fornecedores. Isso vem acontecendo, com sucesso, em alguns governos brasileiros através de programas de Compliance Público;
As cinco propostas tem como foco o aprimoramento dentro das estruturas do setor público, ao mesmo tempo em que permite à sociedade, das instituição formais ao mais simples cidadão agindo isoladamente, exercer melhor controle e prevenir a corrupção.
No entanto, é importante aprimorar as possibilidades de monitoramento independente. Desta forma, propomos que os portais de transparência disponibilizem os seguintes documentos e informações:
1. Identidade e dados de todos os concorrentes, o que poderia evitar casos bizarros como a aquisição de respiradores em loja de vinhos;
2. Disponibilização de versão (arquivo pdf) da nota fiscal eletrônica emitida pelo fornecedor. Este documento deve estar disponível no portal de transparência antes da
entrega do produto ou serviço, de modo que as pessoas se preparem para fiscalizar in loco a efetiva conclusão da contratação envolvendo dinheiro público;
3. Disponibilização em formato planilha excel (arquivos xlsx) das notas fiscais eletrônicas, em nível de itens adquiridos, de modo a permitir cruzamentos, elaboração de gráficos e tabelas para aprimorar o controle social;
4. Disponibilização, inclusive em redes sociais de órgãos públicos, das datas, horários e locais de entrega dos produtos e/ou serviços adquiridos;
CONCLUSÃO
Diante dos fatos apresentados, ficou claro que é perfeitamente possível trazer para o Brasil experiências bem sucedidas no exterior, especialmente na Dinamarca, considerado o país menos corrupto do mundo.
Em suma, as propostas visam aprimorar a gestão pública e, ao mesmo tempo, facilitar bastante o acompanhamento da gestão e do gasto público pela população.
Mesmo um governo não corrupto deveria seguir as propostas, o que aumentaria sua legitimidade perante a sociedade.
Ao abrir seus dados, o governo mostra que não precisa esconder os motivos das suas escolhas.
Compras superfaturadas, direcionamento de editais e escolha de vencedores, aquisições em empresas fantasmas ou sem capacidade para honrar os contratos, enriquecimento ilícito de servidores públicos e fornecedores, entrega de materiais e serviços em quantidade e/ou qualidade inferiores às contratadas, etc, tudo isso pode e deve ser evitado com o incremento da transparência, especialmente da transparência ativa.
As propostas valem para qualquer época, e não apenas no momento da pandemia. Como na pandemia há uma maior flexibilização das regras, visando o rápido combate da grave doença, talvez algumas das nossas propostas para melhorar a atuação dos órgãos públicos não sejam aplicáveis. Porém, seria neste momento, que nossas propostas de incremento do monitoramento independente se tornem mais valiosas.
Imaginemos uma compra de uma prefeitura onde tanto servidores quanto fornecedores pretendam agir de má fé, por exemplo, numa compra expressiva de máscaras. A partir do momento que dados do fornecedor, notas fiscais, bem como local e data de entrega, são previamente informados nos portais de transparência (ou até mesmo nas redes sociais), a percepção de risco para o corrupto se torna bem maior. Podemos sonhar com o dia em que o brasileiro será mais ativo e atuante no controle social, porém, mesmo antes dessa mudança de cultura, os instrumentos para o controle devem estar disponíveis.
Com ou sem pandemia, a corrupção faz estragos em qualquer sociedade. Ela é como uma doença e precisa de uma vacina. A vacina aqui proposta se chama transparência ativa. Aumentando a transparência ativa, vamos reduzir a corrupção.
BIBLIOGRAFIA
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