Yana Torres de Magalhães, Alexandre Magno das Graças Ferreira, Luiz Alex Silva Saraiva, Elvécio Ribeiro Brasil
Xxxx Xxxxxx xx Xxxxxxxxx, Xxxxxxxxx Xxxxx das Xxxxxx Xxxxxxxx, Xxxx Xxxx Xxxxx Xxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxx Brasil
Competências Necessárias e Competências Exercidas na Gestão de Contratos de Serviços Terceirizados em uma Empresa do Setor de Mineração de Minas Gerais
Xxxx Xxxxxx xx Xxxxxxxxx
Mestre em Administração pelo Programa de Pós-Graduação em Administração da PUC - MG. Diretora da Faculdade de Ciências Administrativas e Contábeis da Fundação Comunitária de Ensino Superior de Itabira (FUNCESI) xxxxxxxxxxxxx@xxxxxxx.xxx.
Xxxxxxxxx Xxxxx das Xxxxxx Xxxxxxxx
Bacharel em Administração pela Faculdade de Ciências Administrativas e Contábeis da Fundação Comunitária de Ensino Superior de Itabira (FUNCESI). Analista Operacional da Vale.
xxxxxxxxx.xxxxx.xxxxxxxx@xxxx.xxx.
Xxxx Xxxx Xxxxx Xxxxxxx
Doutorando e Mestre em Administração pelo Centro de Pós-Graduação e Pesquisas em Administração da UFMG.
Vice-Diretor da Faculdade de Ciências Administrativas e Contábeis da Fundação Comunitária de Ensino Superior de Itabira (FUNCESI)
Xxxxxxx Xxxxxxx Brasil
Mestre em Administração pelo Curso de Mestrado Profissionalizante em Administração da Fead-Minas – Centro de Gestão Empreendedora. Superintendente da Fundação Comunitária de Ensino Superior de
Itabira (FUNCESI). xxxxxxx.xxxxxx@xxxxxxx.xx.
Resumo
Em face de um quadro instável, para o qual as organizações devem apresentar um desempenho consistente, a terceirização é uma das ferramentas gerenciais mais adotadas. Sua efetivida- de, contudo, depende de uma adaptação organizacional mais ampla, o que inclui a qualificação dos gestores para com ela lidar. Neste artigo, os objetivos foram identificar as compe- tências necessárias a um gestor de contratos de terceirização em empresas mineradoras e verificar se os gestores de contratos de terceirização da organização analisada as exercem. A pesquisa foi baseada em uma estratégia qualitativa aplicada e um estudo de caso com base em pesquisa documental nos registros formais relacionados ao tema, e de campo, baseada em entrevistas semiestruturadas junto a gestores de contrato da organização, material tratado por meio da técnica da análise de conteúdo. Os principais resultados apontam que, na maior parte, as competências necessárias são encontradas nos gestores entrevistados, sugerindo que a terceirização cumpre seu papel na organização estudada, apesar da necessidade de ajustes eventuais como em qualquer técnica administrativa.
Conclui-se que, em função da formalidade própria dos
contratos, a qualificação dos gestores muitas vezes implica problemas de autoconfiança para a tomada de decisão e estresse ao lidarem com adversidades, o que em parte é explicado pelo acúmulo de atribuições em um contexto produtivo.
Palavras-chave: Gestão de contratos. Terceirização. Empre- sas Mineradora. Competências. Gestores.
Abstract
In face of an unstable context, to which organizations must present consistent performance, outsourcing has been one of the most adopted management tools. However, its effectiveness depends on a wider organizational adaptation, which includes managers’ qualification to deal with it. This paper aims at identifying the necessary competencies of outsourcing contract managers of mining companies, and at verifying if these competencies are exercised. This research was conducted both through a qualitative focus on a case study, based on documental research of formal records related to the theme, and on a field research, based on semi-structured interviews with contract managers: the collected data were treated through content analysis.
The main results show that, in most cases, the interviewed managers present the necessary competencies, which suggests that outsourcing works properly for the observed organization. Yet, some improvements are necessary, as it occurs with any management tool. It has been concluded that, because of the formality of the contracts, the managers’ qualification, many times, generates self-confidence problems as in decision making, and stress when they deal with adversities, which is partially explained by the accumulation of duties in a productive context.
Key ords: Contract Management. Outsourcing. Competencies. Managers. Mining Companies
INTRODUÇÃO
O cenário atual reflete a transição em todas as esferas do mundo capitalista. O modelo fordista de produção começou a entrar em declínio no final da década de 1960, desencadeando a reestruturação produtiva a partir da década de 1980, que vem a constituir um novo período, denominado por Xxxxxx (2002) de regime de acumulação flexível. Novas gestões do modo pro- dutivo são incorporadas para atender às recentes exigências do capitalismo contemporâneo, marcado pela globalização e pela competitividade.
O regime de acumulação flexível busca superar a rigidez do compromisso fordista. A flexibilidade tornou-se uma das carac- terísticas fundamentais das organizações atuais, uma vez que é necessária grande capacidade de adaptação às condições de merca- do e da demanda por produtos para que as estruturas empresa- riais possam se perpetuar. A terceirização insere-se nesse esforço de dotar as empresas de flexibilidade, de adaptabilidade, em face de um mercado em constante mutação, a exigir montagens e desmontagens incessantes de seus arranjos organizacionais.
No Brasil, a terceirização ganhou força, principalmente, quando as organizações se conscientizaram da importância de se concentrarem em seu ramo específico de negócio. Tornou-se necessária a reestruturação na gestão empresarial, transforman- do processos considerados como atividades-meio e executados por pessoal próprio, em atividades-fim, levadas a cabo por uni- dades de produção terceirizadas. Nesse sentido, o aceleramento da terceirização, ocorrida a partir de 1990, caracterizou-se especi- almente como uma estratégia de redução de custos e racionali- zação na organização do trabalho, para adquirir competitividade. Na gestão das organizações que visam à competitividade,
a terceirização já se tornou uma prática comum associada ao processo produtivo. A inviabilidade de uma estrutura total- mente verticalizada direcionou as organizações para a horizontalização, que, por sua vez, coexiste com a terceirização, ensefando inúmeros benefícios. Esta nova estrutura empresa- rial, contudo, merece atenção especial, pois pairam sobre as empresas com esta formatação riscos jurídicos e gerenciais oriun- dos da terceirização. Há uma multiplicidade de contratos com terceiros contendo complexidades peculiares que envolvem ques- tões previdenciárias, trabalhistas, tributárias, requisitos técni- cos, de segurança do trabalho e ambiental, a exigirem das orga- nizações uma gestão efetiva e ferramentas de controle para a garantia de desempenho adequado.
Para alcançar os resultados, é necessário que as organiza- ções analisem a viabilidade e a aplicabilidade da terceirização, e que tenham profissionais preparados e conhecedores com pro- fundidade dos conceitos e aplicações da terceirização e fatores que a circundam. De acordo com Xxxxxxx (1996), é impossível elimi- nar todos os riscos inerentes a uma iniciativa como a terceirização; no entanto, eles podem ser diminuídos com a conscientização dos envolvidos a respeito de suas possibilidades de ocorrência. O conhecimento desses possíveis riscos leva a cuidados desde o processo licitatório até o encerramento dos contratos de serviços terceirizados. Práticas adequadas na gestão são importantes, de- vendo ser embasadas por treinamentos específicos e normas definidas, o que exige dos envolvidos um elenco de competênci-
as. Nesse sentido, uma das principais práticas da gestão utiliza- das por organizações que fazem uso da terceirização é a gestão de contratos (XXXXXXXXX; XXXXXXXX XXXX, 2005).
Considerando esse quadro, surge a necessidade de desen- volver competências necessárias para gerenciar os contratos en- tre as empresas e suas contratadas, sendo esta uma preocupação constante de organizações diversas. Várias ações que visam a qualificar os gestores de contratos já foram implementadas ou estão em desenvolvimento. Não há, entretanto, uma definição acerca de quais competências são necessárias para que esses gestores de contratos façam da terceirização uma forma de au- mento efetivo da competitividade das empresas sem perda de qualidade. Em face da complexidade da gestão de contratos com possibilidades de problemas de ordens diversas, que re- metem os envolvidos muitas vezes a situações novas e inespe- radas, solicitando capacidade de tomar iniciativas e assumir res- ponsabilidades, é que surge a necessidade de exigir competênci- as e meios de desenvolvê-las. Nesse contexto, foi desenvolvida esta pesquisa, procurando responder a duas indagações básicas: quais as competências necessárias a gestores de contratos de terceirização? Os gestores de contratos de terceirização do setor de mineração de Minas Gerais as exercem?
O estudo mostra relevância, na medida em que propicia conhecer as competências necessárias à gestão de contratos de serviços terceirizados e identificar as competências dos gestores de contratos de uma empresa transnacional, com larga experi- ência em terceirização. Espera-se que este conhecimento leve as organizações a uma gestão mais efetiva da terceirização, além de incentivar o meio acadêmico a explorar a relação entre compe- tência e resultados da adoção desse sistema de negocio intempresarial.
A estrutura do artigo é a seguinte: após esta introdução, discute-se teoricamente a reestruturação produtiva e suas interfaces com a terceirização, bem como o papel das competên- cias como instância decisiva para o alcance de resultados favorá- veis em processos de desverticalização produtiva. Em seguida, são apresentados os aspectos metodológicos que nortearam o estudo. A análise dos dados é situada na sequência, com foco nas competências necessárias a gestores de contratos de terceirização e na posse de tais competências por gestores da organização estudada, o que precede as conclusões do artigo.
REESTRUTURAÇÃOPRODUTIVA E TERCEIRIZAÇÃO
Durante mais da metade do século XX, o processo de produção de mercadorias no modo capitalista combinou os princípios do taylorismo com as inovações introduzidas por Ford, tais como a linha de montagem, a padronização dos com- ponentes e a verticalização da produção. O modelo de produção fordista difundiu-se primeiramente pelos diversos países in- dustrializados e, mais tardiamente, nos Estados em fase de industrialização, ainda que nestes últimos mais como um mo- delo de referência do que como nos moldes originais. O fordismo ultrapassou a natureza de um regime de acumulação, transfor- mando-se em um sistema de regulação e compromisso entre proprietários do capital, trabalhadores e o Estado, na esteira da influência da socialdemocracia após a II Guerra Mundial.
A crise do fordismo, iniciada no final da década de 1960, desencadeou a reestruturação produtiva, com base na criação de uma base tecnológica, compreendendo a instituição de outras tecnologias físicas de base microeletrônica e formas de organiza- ção e gestão do trabalho, que promoveram intensas modifica- ções no espaço fabril (FARIA, 1997). Como um novo arranjo societário, o regime de acumulação flexível buscou superar, na esfera jurídico/política, a rigidez do compromisso fordista.
A flexibilidade tornou-se uma das características funda- mentais das organizações atuais, sendo a terceirização um esfor- ço de dotar as empresas de flexibilidade e adaptabilidade, em face de um mercado em constante mutação, a exigir mobilidade de seus arranjos organizacionais. Embora a terceirização não constitua recurso novo na história das organizações, adquiriu relevância na atualidade pela velocidade com que é introduzida nas empresas (ALVES, 2000). Com a reestruturação produtiva, tal sistema adquire objetivos precisos: dotar as empresas de uma estrutura organizacional mais simples, economizando es- forços da gestão para investi-los na sua competência central, alimentando as contratantes com produtos e serviços de alta qualidade, ofertados por quem é efetivamente especializado.
A terceirização é um fenômeno da gestão que parte da transferência de atividades para terceiros, estabelecendo-se uma relação de parceria, ficando a contratante concentrada nas ativi- dades-fim. Presume a existência de terceiros especializados e com domínio tecnológico, proporcionando qualidade e produ- tividade à contratante, com redução de custos e ganhos em competitividade (GIOSA, 2003; XXXXX, 1997; DRUCK, 1999). Xxxxx Xxxx (1995) define a terceirização como relação dura- doura entre as empresas contratadas e a contratante. Nesse con- trato, há a necessidade de manutenção de uma rede de contratação cooperativa, apresentada em três estádios que, de certa forma, apontam as possibilidades de relação entre as organizações: a) primário, que representa as atividades não ligadas ao objetivo central da organização, como aquelas possíveis de terceirização;
b) intermediário, no qual, entre as atividades terceirizadas, en- contram-se aquelas de apoio não administrativo e mais relacio- nadas ao negócio principal; e c) avançado, no qual a empresa deixa de administrar ou controlar o próprio negócio, transferin- do-o a outras empresas, também denominadas parceiras. Ape- sar da diversidade de opiniões que envolvem o tema, destacam- se os temas do processo da gestão, da parceria e da qualidade, ficando evidente o fato de que o que não for objetivo central da empresa deve ser repassado a especialistas.
Assim, a terceirização pode ser definida como forma de parceria em que a atividade-fim de uma empresa coincide com a atividade-meio de outra. O crescente número de contratos de prestação de serviços estabelecidos em vários setores da econo- mia é provocado por este modo de contratação que está sendo motivado pelo mercado, cada vez mais exigente com a qualida- de e os custos dos serviços.
No Brasil, a terceirização foi introduzida sob outra óptica, a minimização de perdas, com foco na redução de custos, tendo como principal problema a crise econômica, o mercado limita- do e a recessão como pano de fundo. Esta mudança teve a ter- ceirização como uma das sustentações para a modernização
organizacional. Nos anos 1990, com abertura econômica e a globalização, o discurso empresarial preponderante tinha como temas principais a necessidade de inserção neste mercado globalizado, a busca pela competitividade, a sobrevivência e a necessidade de superar a crise econômica nacional (DRUCK, 1999). Este quadro de crise levou as empresas ao repensamento da sua atuação e seu contexto (GIOSA, 2003; SILVA, 1997).
De acordo com os conceitos apresentados, um processo terceirizado, que visa a resultados unicamente em razão do cus- to, não pode ser bem-sucedido. O custo é importante, porém não pode ser fator principal para determinar uma terceirização; é preciso presumir qualidade associada a ganho nos custos. Um processo malconduzido pode levar ao que se chama de “empreiteirização”, o que se diferencia da terceirização, à medi- da que não há parceria ou relação de confiança. Na “empreiteirização”, o preço o fator preponderante sobre a qua- lidade e a contratante busca primeiramente ganhos a curto pra- zo (KARDEC; XXXXXXXX, 2002).
Conforme ressaltado por Druck (1999 p.149), “o que se pode afirmar, a partir de vários estudos de casos brasileiros, é que se tem priorizado, quase exclusivamente, a redução de cus- tos, em detrimento da qualidade, como forma de adquirir competitividade”. Esse fato, apontado pela autora na década de 1990, ainda é característica marcante da atual de terceirização, estando o modelo adotado distante do ideal, relacionado à trans- ferência de inovações tecnológicas e políticas de gestão da quali- dade para as empresas contratadas.
Associados a este panorama, em que a qualidade e a capa- cidade técnica são relegadas a segundo plano, surgiram os pro- blemas jurídicos relacionados com a subordinação direta e o vínculo empregatício (XXXXXXX, 1996). Como forma de re- duzir os riscos e buscar a efetividade do processo de terceirização, a gestão de contratos de serviços terceirizados surge como prá- tica necessária da gestão (XXXXXXXXX; XXXXXXXX XXXX, 2005). A ideia é de que, para que se torne possível uma relação entre a contratante e a contratada, é necessário um contrato que tenha valor como instrumento legal para legitimar esta relação jurídica. A contratação é um jogo de poder, uma licitação em que os lados opostos buscam levar vantagem, onde raramente ocorre o conhecido modelo “ganha-ganha”, um dos maiores desafios da terceirização no Brasil.
A gestão de contratos deve criar condições administrati- vas e operacionais para que os contratos tenham características de viabilidade asseguradas: cláusulas contratuais cumpridas nos prazos, valores, especificações, garantias e resultados estipula- dos alcançados. Para que isso ocorra, os envolvidos devem pos- suir competência profissional para a condução dos processos firmados entre a contratante e terceiros.
De acordo com Xxxxxx e Xxxxxxxx (2002), é necessário atentar para as dificuldades que a terceirização pode representar. São muitas, pois há empresas contratadas pouco capacitadas, a legislação trabalhista é restritiva, a cultura de terceirização é equi- vocada em muitos casos, falta integração entre contratante e contratada, há carência de uma cultura de parceira e a mão de obra do mercado é pouco qualificada. Tais problemas exigem, durante o contrato terceirizado, um gerenciamento eficiente e
eficaz. Queiroz (1999) acentua que uma administração inade- quada do contrato pode levar a consequências que podem inclu- sive inviabilizar a continuidade da terceirização.
O papel do gestor de contratos, assim, é essencial em um processo de terceirização, cabendo a ele desenvolver planos es- tratégicos e operacionais mais eficientes e eficazes para o alcance dos objetivos propostos. Os gestores de contratos devem ado- tar procedimentos que possibilitem: a auditoria constante do contrato, o cumprimento das regras e condições estipuladas, o alcance dos objetivos traçados, o acompanhamento das cláusu- las que tratam do reajustamento de preços e o acompanhamen- to das cláusulas que indicam o período de vigência do contrato, e a eventual inabilitação do prestador de serviços (GIOSA, 2003). Os gestores necessitam desenvolver competências sociais, teóri- cas e técnicas, incluindo capacidade de lidar com os conflitos, resolver problemas complexos, identificar meios de aproveitar
Na perspectiva de Xxxxxxx et al. (2005, p.43), a competên- cia não pode ser entendida apenas como o conjunto de conheci- mentos, habilidades e atitudes, mas, principalmente, como “com- binações sinergias de conhecimentos, habilidades e atitudes, ex- pressas pelo desempenho profissional dentro de determinado contexto organizacional, que agregam valor as pessoas e organi- zações”. Ao tratar das competências, Boog (2002) enfatiza o rela- cionamento entre as pessoas, considerando competência como um conjunto de características desenvolvidas e que resulta em vantagens tanto para os indivíduos quanto para as organizações. Enfatizando o social, Fleury e Fleury (2001a, p.21) defi-
nem competência como “um saber agir responsável e reconhe- cido, que implica mobilizar, integrar, transferir conhecimentos, recursos, habilidades, que agreguem valor econômico à organi- zação e valor social ao indivíduo”, como pode ser observado na figura 1.
Figura 1: Competências como fonte de valor para o indivíduo e para a organização
Fonte: Fleury e Fleury (2001b, p. 188).
as oportunidades, de enfrentar as ameaças e, principalmente, ter capacidade na tomada de decisões, sendo, por isso, necessário que apresentem competências específicas para o desempenho de suas atividades, o que é discutido a seguir.
COMPETÊNCIAS E PROCESSO DECISÓRIO
O termo competência, no final da Idade Média, era essen- cialmente inerente à linguagem jurídica, estando ligado à capaci- dade atribuída a alguém ou instituição para julgar determinadas questões. Com o surgimento da Revolução Industrial e, poste- riormente, na perspectiva de Xxxxxx, passou a ser usado para a qualificação de pessoas que desempenham determinadas fun- ções com eficiência (CARBONE et al., 2005). De acordo com Xxxxxxxx (2001), foi por volta dos anos 1980 que as empresas começaram a alavancar temas caracterizadores das competências, ocorrendo um aumento de interesse pelo assunto.
De um modo geral, as competências podem ser relaciona- das a duas dimensões: estratégicas, com uma dimensão corporativa; e individuais, onde é incluída a dimensão gerencial (RUAS, 2001).
Esta pesquisa, ao analisar as competências necessárias e exercidas por gestores de contratos, considera apenas as compe- tências individuais, direcionados para as características pessoais, atitudes e conhecimento. Para Fleury e Xxxxxx (2001a), a compe- tência individual está fundamentada em três eixos – a pessoa, a sua formação educacional e a sua experiência profissional – o que é ratificado por Le Boterf (1999).
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O modelo de Fleury e Xxxxxx (2001a) apresenta as seguin- tes competências individuais:
saber o que e por que faz, saber julgar, escolher, decidir; saber mobilizar recursos de pessoas, financeiros, mate- riais, criando sinergia entre eles;
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.saber compreender, processar, transmitir informações e conhecimentos, assegurando o entendimento da men- sagem pelos outros;
trabalhar o conhecimento e a experiência;
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saber engajar-se e comprometer-se com os objetivos da organização; e
conhecer e entender o negócio da organização, seu am- biente, identificando oportunidades e opções.
De acordo com Le Boterf (1999), o desenvolvimento das competências individuais acrescenta valor aos indivíduos e à organização. As pessoas que não só acumulam conhecimentos teóricos e empíricos, mas que buscam atuação com apoio nes- ses conhecimentos alcançam um nível de crescimento que as eleva a uma posição de destaque no campo profissional.
O desenvolvimento dessas prováveis competências ocorre por meio da aprendizagem, mediante informações em treina- mentos, integração de habilidades e ações importantes para alto desempenho individual e consequente retorno favorável para empresa (FLEURY; FLEURY, 2001a). O modelo de Fleury e Fleury (2001a; 2001b) acerca das competências individuais foi utilizado para identificar as competências necessárias aos gestores de contratos de serviços terceirizados, um dos objeti- vos desta pesquisa.
Assume importância nessa discussão sobre competências a tomada de decisão, uma vez que os aspectos mencionados tornam consideravelmente mais complexo o contexto das ati- vidades terceirizadas. Há três grandes correntes sobre a tomada de decisão organizacional. A primeira, a abordagem racional, baseia-se no pressuposto de que os gestores identificam o ob- jeto da decisão, buscam e escolhem informações sobre decisões possíveis, comparando cada solução, considerando critérios preestabelecidos, e decidem de forma racional (XXXXXX et al., 1996). Esta abordagem recebeu duras críticas, como as de Xxxxx (1997), que mostrou as impossibilidades de decisão racional em face das impossibilidades objetivas de os indivíduos pos- suírem tempo e todas as informações necessárias a uma decisão que maximizasse a decisão. O máximo que se conseguiria lo- grar, nesse sentido, seriam decisões otimizadas, ainda que tenha força o discurso da racionalidade nas organizações (SARAIVA; GRAMICELI, 2003).
As lacunas do modelo racional possibilitaram o surgimento de outras perspectivas, como a do modelo comportamental de tomada de decisão. Este modelo parte das incertezas presentes em qualquer contexto humano, enfatizando as possibilidades decisórias associadas a aspectos não racionais, como a intuição (MOTTA, 2001). Quer seja explícito ou não, os gestores interpretam a realidade à luz de suas referências, uma perspectiva menos formal e objetiva, portanto, do que desejari- am as organizações. As críticas a este modelo da gestão passam pela ideia de comportamento individual, que conduz a segun- do plano as relações sociais em que as decisões são tomadas.
A terceira corrente enfatiza as relações de poder. O mode- lo político arrima-se nas diferenças entre os indivíduos e grupos no contexto organizacional, e entre eles e os objetivos da orga- nização. Decidir, portanto, constitui um decurso de intensas negociações, pois os gestores atuam em contextos nos quais os
recursos são distribuídos e as influências são percebidas de for- ma desigual (LEITÃO, 1996). As principais limitações dessa abordagem se concentram sobre a própria ênfase política, que chega, em alguns casos, a minimizar a influência da racionalidade e do comportamento no processo decisório.
MÉTODO
Conforme a natureza do problema proposto e as caracte- rísticas do tema do trabalho, foi realizada uma pesquisa descri- tiva de abordagem qualitativa. Nesta, são aprofundadas as ques- tões de significado e relações humanas, não perceptíveis estatis- ticamente (MINAYO, 1992). O método utilizado foi o estudo de caso, uma investigação empírica de um fenômeno atual no seu contexto de realidade, quando as fronteiras entre fenômeno e contexto não estão claramente definidas e no qual são utiliza- das várias fontes de evidências (YIN, 2004). A adoção do estu- do de caso justifica-se pelo fato de a pesquisa estar circunscrita a uma organização, mais especificamente, à sua gerência de mine- ração, localizada na cidade de Itabira, em Minas Gerais.
A pesquisa foi conduzida em uma empresa multinacional brasileira de grande porte atuante na área de mineração em di- versos estados brasileiros, a Vale. Por conta de expressiva parte de suas atividades ser configurada para a produção em moldes desverticalizados, usam-se intensivamente práticas de terceirização, o que interessa diretamente a este estudo. Além disso, essa organização formalizou, por meio de documentos específicos, suas políticas de terceirização.
A base do trabalho foi construída sobre análise de con- teúdo documental, associada ao conteúdo e entrevistas semiestruturadas com 11 dos 43 gestores de contrato da orga- nização, sujeitos de pesquisa selecionados pelo critério de acessi- bilidade. Os documentos analisados foram normas internas, como a Decisão do Conselho de Administração (DCA 0079/ 1999), que estabelece a política de terceirização na organização, a Decisão da Diretoria Executiva (DDE 0387/2003), que trata das normas de aquisição da empresa, e os Manuais do Curso de Formação de Gestores de Contratos.
Os gestores de contrato, além de supervisionar a terceirização, ocupam outros cargos na empresa. Entre os sujei- tos de pesquisa há quatro supervisores técnicos da área de ma- nutenção, dois analistas operacionais, um técnico especializado em manutenção, um técnico especializado de apoio, um técnico em manutenção civil, um engenheiro júnior e um analista ad- ministrativo. Além da heterogeneidade, nota-se que a gestão de contratos é exercida por profissionais com, no mínimo, o nível técnico, que buscam aumentar seu patamar de escolaridade. Entre os gestores entrevistados, um é pós-graduado, cinco são gradu- ados e os cinco que concluíram um curso técnico fazem cursos superiores. Outra característica dos entrevistados é sua experi- ência profissional: seis tem mais de vinte e um anos de carreira, três estão entre onze e vinte anos e apenas dois têm dez anos ou menos de experiência. Todos são do gênero masculino.
Para a coleta dos dados, utilizou-se um roteiro semiestruturado de entrevistas, que propunha provocações aos entrevistados, pontos de partida para que eles expressassem seus posicionamentos sobre temáticas pertinentes. Todos os
depoimentos foram gravados e transcritos, tendo sido subme- tidos posteriormente a procedimentos estruturados de análise de conteúdo. Para a análise das competências, foi explorado o conteúdo dos documentos internos já mencionados, associa- dos ao das entrevistas, material comparado analiticamente ao modelo proposto por Xxxxxx e Fleury (2001a; 201b) para se chegar às competências necessárias aos gestores de contratos. Como já apresentado, este modelo se baseia no que é detalhado no quadro 1.
Saber agir
Saber o que e por que faz. Saber julgar, escolher, decidir.
Saber mobilizar Criar sinergia e mobilizar recur-
recursos
Saber comunicar
sos e competências.
Compreender, trabalhar, transmi- tir informações, conhecimentos.
Trabalhar o conhecimento e a ex- Saber aprender periência, rever modelos mentais;
saber desenvolver-se.
Saber engajar-se e Saber empreender, assumir riscos. comprometer-se Comprometer-se.
Ser responsável, assumindo os ris-
Saber assumir
responsabilidades cos e conseqüências de suas ações
Ter visão estratégica
e sendo por isso reconhecido. Conhecer e entender o negócio da organização, o seu ambiente, iden- tificando oportunidades e alterna- tivas.
Quadro 1: Competências para o Profissional
Fonte: Fleury e Fleury (2002b, p. 188).
Os dados foram examinados por meio da análise de con- teúdo (BARDIN, 1995), de forma a estabelecer uma relação entre os documentos pesquisados, as respostas das entrevistas e o referencial teórico. Como a análise de conteúdo é essencial- mente empírica e não obedece a um modelo preestabelecido (CAPPELLE et al., 2003), nesta pesquisa, as condições para a sua realização englobaram a análise sistemática de documentos e depoimentos coletados junto a gestores de contratos de terceirização. Foram obedecidas as orientações de Bardin (1995) para as fases de desenvolvimento da análise: pré-análise, explo- ração do material e tratamento dos resultados e interpretação. As categorias para a análise de conteúdo foram: competências gerenciais necessárias e competências gerenciais exercidas no con- texto da gestão da terceirização, o que antecipa uma análise dialética, sendo o primeiro nível o do discurso empresarial, es- crito e explícito nos documentos oficiais da organização, e o segundo, o nível do discurso dos empregados, coletado por meio dos depoimentos.
ANÁLISE DOS DADOS
Competências necessárias a um gestor de contratos de terceirização
As competências necessárias aos gestores de contrato fo- ram identificadas por meio da análise de documentos internos da empresa. A Decisão do Conselho de Administração (DCA
0079/1999), que estabelece a política de terceirização na organi- zação, a Decisão da Diretoria Executiva (DDE 0387/2003), que trata das normas de aquisição da empresa, e os Manuais do Curso de Formação de Gestores de Contratos possibilitaram a identificação do rol de competências individuais necessárias aos gestores de contratos:
a) conhecer o processo da gestão de contratos da empresa e seus possíveis impactos;
b) compreender a relação da terceirização com os aspectos ambientais, éticos e jurídicos, previdenciários, traba- lhistas, tributários e de segurança;
c) autoconfiança para conduzir o processo decisório dian- te do inesperado, sem fazer uso de critérios pessoais em detrimento das políticas e normas corporativas;
d) discernimento para, no processo de negociação e de tomada de decisão, distinguir o que é oportuno, prioritário, mais global e duradouro em situações in- certas e complexas;
e) capacidade de assegurar o cumprimento do cronograma físico-financeiro;
f) capacidade de identificar fontes adequadas de informa- ção, captá-las, interpretá-las corretamente e saber utilizá- las;
g) capacidade de estimular e facilitar o aprendizado da equipe;
h) agir em sintonia com as políticas corporativas;
i) capacidade de lidar com as mudanças;
j) capacidade de superar situações adversas sem estresse ou frustração; e
k) capacidade de lidar com conflitos e interesses concor- rentes.
Na suposição de que o gestor é um tomador de decisões, não chega a surpreender o fato de que tais competências apre- sentem, em síntese, requisitos das escolas de processo decisório (XXXXXX et al., 1996). As competências a) conhecer o processo da gestão de contratos da empresa e seus possíveis impactos, b) compreender a relação da terceirização com os aspectos ambientais, éticos e jurídicos, previdenciários, trabalhistas, tri- butários e de segurança; e) capacidade de assegurar o cumpri- mento do cronograma físico-financeiro); e f) capacidade de iden- tificar fontes adequadas de informação, captá-las, interpretá-las corretamente e saber utilizá-la, são tipicamente técnicas e por isso se enquadram no modelo racional de tomada de decisão.
Demandam dos gestores conhecimento técnico de fontes de informação e do processo da gestão de contratos, seus desdo- bramentos e inter-relações (SARAIVA; GRAMICELI, 2003). A orientação principal provém do contrato e seu conteúdo que, em essência, definem, sob o ponto de vista técnico, o tipo de com- petência que se espera dos gestores para lidar com tais aspectos. O segundo grupo de competências refere-se a aspectos comportamentais do decisor. Os itens c) autoconfiança para conduzir o processo decisório diante do inesperado, sem fazer uso de critérios pessoais em detrimento das políticas e normas corporativas, d) discernimento para, no processo de negociação e de tomada de decisão, distinguir o que é oportuno, prioritário, mais global e duradouro em situações incertas e complexas, g)
capacidade de estimular e facilitar o aprendizado da equipe, i) capacidade de lidar com as mudanças, e j) capacidade de superar situações adversas sem estresse ou frustração, enfatizam com- portamentos individuais, mais do que requisitos técnicos, ade- quados aos gestores de contratos.
Não deixa de ser interessante pensar que a ideia de terceirização como prática da gestão incorpora perfis de com- portamento mais aderentes aos requisitos dos que lidam com a gestão de contratos, um avanço, a julgar pelos equívocos das práticas organizacionais que ignoram as relações sociais, concen- trando-se em aspectos técnicos, como é relativamente comum em empresas com foco nas áreas de engenharia (SARAIVA; GRAMICELI, 2003).
As competências h) agir em sintonia com as políticas corporativas, e k) capacidade de lidar com os conflitos e interes- ses concorrentes constituem um tipo particular, por politizarem, no sentido apontado por Xxxxxxx e Xxxxxx (2005), a gestão de contratos de terceirização, considerando as relações de poder. Tais competências sugerem que cabe aos gestores não apenas saber lidar tecnicamente com a gestão, ou apresentar comporta- mentos positivos em relação aos que com ele lidam. Há de se considerar que as práticas da gestão nem sempre se alinham às diretrizes organizacionais, e que os processos de mudança po- dem acentuar divergências em termos de conflitos e interesses, demandando a posse e o uso de mecanismos políticos para viabilizar o alcance dos objetivos da organização.
Posse das competências necessárias pelos gestores de con- tratos de terceirização
Com suporte nas competências necessárias conforme o ponto de vista das políticas organizacionais, apresenta-se a aná- lise do exercício das competências necessárias pelos gestores de contratos de serviços terceirizados da empresa pesquisada.
A primeira competência necessária aos gestores de con- tratos de serviços terceirizados é o conhecimento acerca da contratação na Vale e os possíveis impactos na operacionalização dos serviços contratados. Todos os gestores declaram conhe- cer o processo, sendo suas atividades previstas nos documen- tos da empresa (CVRD, 2005c) que detalham a gestão de con- tratos de serviços terceirizados. Todos os gestores afirmam conhecer os efeitos e que estes afetam principalmente a quali- dade dos produtos e serviços, citando como exemplos impac- tos ocasionados principalmente pela política de menor preço (SARAIVA et al., 2008).
A segunda competência se refere ao entendimento dos vinculos da terceirização com os aspectos ambientais, éticos e jurídicos e de segurança. Além de compreender tal relação, os gestores de contratos consideram que os empregados das con- tratadas estão menos comprometidos com tais aspectos do que os da contratante, o que confirma estudos, como os de Xxxxxxxxx (2009) e Xxxxxxxx (2006), sobre o baixo nível de comprometi- mento de empregados precarizados.
O curso de formação dos gestores de contratos esclarece os participantes da importância da observação destes aspectos no processo de terceirização. Com relação aos princípios con- templados na política ambiental da empresa, os gestores assu-
mem a posição de que não são assimilados por todos. Os en- trevistados, contudo, seguem padrões de procedimentos e re- gistros de garantia por meio de inspeções e auditorias. O obje- tivo, segundo eles, é assegurar o cumprimento dos procedi- mentos e normas ambientais durante a execução de um contra- to. A segurança e a saúde ocupacional são priorizadas, declaran- do os gestores conhecer tais políticas. Acentuam, também, uti- lizar as ferramentas existentes e que tanto empregados da con- tratante quanto das contratadas passam por treinamentos espe- cíficos sendo instados a usar adequadamente as ferramentas.
Em virtude da responsabilidade solidária e subsidiária da empresa com relação aos seus acordos contratuais, os gestores necessitam conhecer questões de ordem previdenciária, traba- lhista e tributária. Nas entrevistas, constatou-se que há um co- nhecimento superficial destes aspectos, pois, embora os gestores reconheçam a importância de observar as questões de ordem previdenciária, trabalhista e tributária, não dominam tais assun- tos. Possivelmente por conta do porte das operações da organi- zação, e do processo de departamentalização decorrente em gran- des estruturas, as atividades legais são alocadas no setor jurídi- co, o que justificaria esta falta generalizada de informações sobre estes elementos.
Os gestores de contrato não demonstram autoconfiança para a condução de um processo decisório diante das condições inesperadas. Apenas um entrevistado evidenciou autoconfiança para agir, ao passo que os demais buscam apoio gerencial ou de outras áreas em situações imprevistas, sendo grande parte das decisões não individual. O que deve ser destacado neste caso é o fato de que esta aparente insegurança reflete o “receio de traba- lhar em um contexto flexível e sem a presença do manual – que a tudo prevê, tudo provê e tudo regula” (SARAIVA; CAPE- LÃO, 2000, p.70) .
Como visto, as ações dos gestores entrevistados estão pautadas nas políticas e normas corporativas. Constatou-se que os gestores, ao decidir sobre o cumprimento das obrigações contratuais, recorrem ao contrato como instrumento funda- mental para a gestão, revelando que a maioria faz uso deste instrumento jurídico para distinguir o que é oportuno, prioritário, mais global e duradouro. Eles consideram que con- seguem fazer esta distinção e que o exercício desta competência só é possível em decorrência do treinamento recebido, da exis- tência de normas relacionadas à gestão de contratos, e da exis- tência do contrato em si. As cláusulas contratuais e o conheci- mento sobre ética e segurança são os principais norteadores dos gestores. Essa constatação está relacionada ao conhecimento restrito dos entrevistados acerca das questões de ordem previdenciária, trabalhista e tributária e da política ambiental. Apesar de os gestores considerarem que sabem distinguir o que é oportuno, prioritário, global e duradouro, essa competência só poderia ser efetivamente exercida se o conhecimento deles acerca das questões anteriormente citadas fosse mais amplo.
A quinta competência diz respeito à capacidade do gestor de assegurar o cumprimento do cronograma físico-financeiro, bem como da capacidade de saber mobilizar recursos (huma- nos, financeiros e materiais). A percepção que se teve é de que os gestores de contratos acompanham todos os recursos envolvi-
dos na execução de um contrato e realizam um controle finan- ceiro efetivo, um requisito técnico, em essência.
A sexta competência identificada se refere a saber compre- ender, processar, transmitir informações e conhecimentos, as- segurando o entendimento da mensagem pelos outros. Na gestão de contratos, a capacidade de identificar as fontes adequa- das de informação, captá-las, interpretá-las e saber utilizá-las oportunamente é competência necessária aos gestores. Nas en- trevistas, notou-se que todos os gestores sabem onde buscar informações, recorrendo às áreas de apoio e ao próprio contra- to. O exercício desta competência é facilitado por um sistema integrado da gestão empresarial (ERP – Enterprise Resource Planning), denominado na empresa de sistema elo (CVRD, 2005a). Por este sistema os fiscais de contrato acompanham toda a execução da contratação das empresas terceirizadas, veri- ficam a reputação das possíveis contratadas, liberam a aprova- ção do contrato e o pagamento das contratadas, tendo ainda acesso a informações relacionadas a tributações e impostos.
A sétima competência identificada é a capacidade de esti-
mular e facilitar o trabalho da equipe. Cabe lembrar que os gestores lidam com equipes formadas por empregados efetivos da Vale e por empregados das empresas terceirizadas. Em pro- cessos de terceirização, não pode haver uma relação de subordi- nação direta entre a contratante e os trabalhadores terceirizados. Assim, apesar de os entrevistados manifestarem a busca de estímulos e facilidades para o trabalho da equipe, suas ações são de certa forma limitadas, restringindo-se a treinamentos dos terceirizados e sugestões repassadas às empresas contratadas.
A ação em sintonia com as políticas corporativas, a oitava competência apontada como necessária aos gestores de contra- tos, é exercida pelos gestores. Eles sustentam que se orientam pelas políticas, pelas normas existentes, e que muitas vezes estas normas prevalecem sobre suas opiniões e experiências. Vale ressaltar, entretanto, que os próprios gestores reconhecem não ter conhecimento sobre todas as políticas da empresa rela- cionadas à terceirização, como a política ambiental, por exem- plo. Esta competência, associada ao modelo político de toma- da de decisão, releva um paradoxo apontado por Xxxxx (1990), do confronto de racionalidades individual e organizacional no âmbito da empresa.
A capacidade dos entrevistados de lidar com as mudanças nas condições conjunturais, bem assim com as contingências de privilegiar a eficácia do processo, que corresponde à nona com- petência, foi identificada pelas entrevistas como algo que os gestores possuem. Observa-se que nenhum dos pesquisados revelou resistência a mudanças e/ou distanciamento dos obje- tivos, procurando fazer com que sejam alcançados; pelo contrá- rio, eles manifestam facilidade de adaptação às inúmeras altera- ções recentes, percebendo-as como positivas e benéficas para a gestão dos contratos.
No que se refere à décima competência, a superação de situações adversas sem estresse ou frustração, transformando- as em oportunidades para a empresa, constatou-se que os en- trevistados não a possuem. Uma das causas apontadas para o estresse é a percepção de cobrança excessiva pelos resultados.
Embora em sua maioria os entrevistados tenham revelado que se sentem estressados, eles se acham capazes de lidar com os conflitos e interesses concorrentes, agregando-os em torno de um mesmo propósito. Os gestores se dizem seguros para lidar com os conflitos, o que pode ser parcialmente explicado pela possibilidade de recorrer eventualmente a instâncias superiores. A capacidade de lidar com os conflitos e interesses concor- rentes é exercida pelos entrevistados. Os conflitos demonstram que existem pontos de vista diferentes e é competência de um gestor ter sensibilidade para compreender as diferenças de pon- tos de vista e ter firmeza para manter o equilíbrio emocional nos processos de negociação, demonstrando capacidade de lidar com os conflitos e interesses concorrentes. Os gestores entre- vistados buscam imparcialidade e respeito às posições, porém o seu norteador é o contrato, com suas cláusulas e condições de
execução específicas.
Os dados permitem afirmar que os gestores de contratos de serviços terceirizados da empresa analisada exercem a maior parte das competências consideradas necessárias. O treinamen- to destes gestores e a existência de políticas, normas e procedi- mentos são questões diretamente relacionadas a este resultado, à medida que proporcionam o conhecimento e as diretrizes a estes profissionais. É explícita, porém, a relação de dependência burocrática para com o contrato, que, além de definir as condi- ções da terceirização, atua simbolicamente como uma referência de tudo o que se pode e o que não se pode fazer. Nesse sentido, muitas competências são limitadas exatamente em função das exigências técnicas do contrato. Ao não determinar como al- guns aspectos podem ser trabalhados, o contrato cria gestores “órfãos” de regulamentos a obedecer, um exemplo contem- porâneo da incapacidade treinada a que aludiu Merton (1966).
CONCLUSÃO
Neste artigo, os objetivos foram identificar as competên- cias necessárias a um gestor de contratos de terceirização em empresas mineradoras e verificar se os gestores de contratos de terceirização da organização analisada as exercem. Identificou- se, por meio de uma pesquisa qualitativa executada com base em pesquisa documental e de campo, que, na maior parte, as competências necessárias são encontradas nos gestores, levan- do a terceirização a funcionar adequadamente como estratégia de produção na organização estudada.
A terceirização surgiu como estratégia para que as empre- sas pudessem se tornar mais ágeis e focadas em seu negócio principal. O crescimento desta nova modalidade é cada vez maior, e à medida que avança, os riscos e problemas se intensi- ficam, uma vez que a legislação não se modifica para se adequar a esta nova realidade, e as empresas fazem o que podem para sobreviver dentro do quadro institucional legal, buscando gan- hos de qualidade, produtividade e competitividade. Em de- corrência deste cenário, as empresas necessitam de profissio- nais competentes em cada área com processos terceirizados para que possam gerir adequadamente os seus contratos de servi- ços. Portanto, para uma adequada gestão de contratos, são ne- cessárias competências específicas para seus gestores, o que le- vou à realização deste estudo.
A gestão de contratos é apontada na empresa analisada como fator estratégico para a melhoria de seus processos. Nos últimos anos, houve uma aproximação do número de pessoas contratadas com relação ao quadro próprio de empregados. Esta mudança trouxe alterações de custo, de estatísticas de se- gurança, de comprometimento ambiental e relações jurídicas. Houve uma alteração significativa no seu arranjo organizacional e as pessoas envolvidas nos processos de serviços terceirizados precisam estar preparadas para lidar com as mudanças e se ade- quar à nova realidade.
A pesquisa revelou que o curso de formação dos gestores contribuiu para melhorar o sem conhecimento sobre os tópi- cos relacionados à gestão de contratos. Constatou-se, entretan- to, que os gestores precisam de conhecimentos mais profundos sobre os princípios ambientais e as questões trabalhistas, previdenciárias e tributárias. Em linhas gerais, o contrato é, ao mesmo tempo, uma espécie de “norte”, orientando os procedi- mentos, e “venda”, pois deixa os gestores “no escuro” em muitos aspectos, do que se depreendem competências explora- das principalmente sob o ponto de vista burocrático.
Uma evidência deste fato é que os gestores demonstram pouca autoconfiança para decisões, apesar de conhecimento amplo das políticas, normas e procedimentos e instruções da empresa que envolvem a terceirização. Eles se dizem abertos a mudanças e a elas facilmente “ajustáveis”, conhecendo inclusive onde devem buscar as informações necessárias para suas atua- ções. De forma geral, os pesquisados exibem elevação do nível de estresse quando submetidos a adversidades, pelas expres- sões físicas detectadas nas entrevistas, demonstram receios com os resultados negativos em decorrência de cobranças excessivas, apresentam capacidade de liderança e de lidar com conflitos, gostam de aprender e proporcionar aprendizado.
Os gestores de contratos recebem apoio de outras áreas, discordam de algumas políticas, porém não agem de forma contraditória. O acúmulo de atividades é um empecilho para o exercício de suas atividades como gestores. De maneira geral, apresentam as competências exercidas para a função com pon- tos isolados a serem trabalhados.
Conclui-se que, embora a terceirização apresente deman- das de toda ordem às organizações, o enfoque apenas nos ele- mentos técnicos, como a gestão de contratos, deixa em aberto inúmeras questões a resolver, particularmente sobre os aspec- tos humanos envolvidos no processo. Quer os gestores consi- derem tal elemento ou não, há toda uma lógica não regida pela racionalidade econômica que permeia a dinâmica da organiza- ção, fazendo com que haja a necessidade de despertar, do ponto de vista das práticas, para aspectos não necessariamente passí- veis de racionalização.
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