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LLC – DIREITO EMPRESARIAL
XXXXX XXXX XXXXXXX
O PROGRAMA DE COMPUTADOR (SOFTWARE) COMO OBJETO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL E O DEVER DE INDENIZAR EM DECORRÊNCIA DO INADIMPLEMENTO CONTRATUAL À LUZ DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
SÃO PAULO 2017
O PROGRAMA DE COMPUTADOR (SOFTWARE) COMO OBJETO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL E O DEVER DE INDENIZAR EM DECORRÊNCIA DO INADIMPLEMENTO CONTRATUAL À LUZ DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Insper – Curso LL.C. em Direito Empresarial como requisito parcial à obtenção do grau de Pós Graduação Latu Sensu
Orientadora: Professora Mestre Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxx Xxxxx Xxxxx
SÃO PAULO 2017
XXXXXXX, Xxxxx Xxxx
O programa de computador (software) como objeto do contrato de arrendamento mercantil e o dever de indenizar em decorrência do inadimplemento contratual à luz do Código de Defesa do Consumidor.
Xxxxx Xxxx Xxxxxxx – São Paulo, 2017. n.f.
Trabalho de Conclusão de Curso em Pós-Graduação Insper, 2017. Orientadora: Profª Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxx Xxxxx Xxxxx
1. Leasing – Arrendamento Mercatil. 2. Software. 3. Desequilíbrio econômico financeiro. 4. Retorno Financeiro. 5. Perdas e danos. 6. Código de Defesa do Consumidor
O PROGRAMA DE COMPUTADOR (SOFTWARE) COMO OBJETO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL E O DEVER DE INDENIZAR EM DECORRÊNCIA DO INADIMPLEMENTO CONTRATUAL À LUZ DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Insper – Curso LL.C. em Direito Empresarial como requisito parcial à obtenção do grau de Pós Graduação Latu Sensu
Data da aprovação
BANCA EXAMINADORA
Nome: Titulação: Instituição:
Nome: Titulação: Instituição:
Nome: Titulação: Instituição:
À minha família e pessoas queridas pelo apoio e incentivo na realização deste trabalho.
O objetivo do presente trabalho é demonstrar como o prejuízo suportado pela instituição arrendadora pode ser reduzido e o retorno financeiro alcançado, na hipótese do contrato de arrendamento mercantil financeiro deixar de ser adimplido e o bem arrendado não puder ser objeto de constrição, em razão de sua natureza intangível, como acontece nos casos em que o objeto do arrendamento mercantil corresponde à obtenção da licença de uso de software. No decorrer da pesquisa, será demonstrado o impacto financeiro no mercado econômico quando insatisfeita a obrigação no caso de inadimplemento do contrato de arrendamento mercantil, as características do programa de computador que impossibilitam a retomada do bem pela instituição arrendadora, o posicionamento dos Tribunais Superiores frente à necessidade de garantir que a instituição financeira satisfaça o seu direito de crédito e obtenha o retorno do capital investido no negócio e, ainda, sobre quem recai a responsabilidade de assumir o ônus financeiro de indenizar em decorrência da análise das disposições do Código de Defesa do Consumidor.
Palavras chave: Direito Bancário. Arrendamento Mercantil Financeiro (Leasing). Contrato de Licença de Uso de Software. Indenização. Direito do Consumidor.
This academic study was conducted to demonstrate how financial leasing institutions can reduce losses and achieve the return on investment in cases when the financial lease agreement entered by contractual parties is breached by the lessee and the asset under the lease cannot be seized due to its classification as intangible asset, fact that commonly occur in commercial relationships involving the acquisition of software licenses.
The study found and was able to demonstrate the financial impact caused by default of payments in lease agreements, the particularities of software programs that result in difficulties to their repossession, the Courts' understanding on the necessity of recovery of costs by financial institutions and also aspects regarding who should be held liable for the financial losses resulted by the termination of the agreement, according to the dispositions of the Brazilian Consumer Code.
Keywords: Banking Law. Leasing. Software’s license agreement. Civil liability. Consumer Law.
1. INTRODUÇÃO 111
2. NATUREZA JURÍDICA E FINALIDADE DO LEASING FINANCEIRO 133
3. REGIME JURÍDICO E PRINCÍPIOS APLICADOS 16
4. LICENÇA DE USO DE SOFTWARE COMO OBJETO DE LEASING 19
5. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL E SUAS CONSEQUÊNCIAS 22
6. RESPONSABILIDADE CIVIL À LUZ DA LEI N. 8.078/90 24
7. CONCLUSÕES 28
8. BIBLIOGRAFIA 30
1. INTRODUÇÃO
O cenário econômico nos últimos anos sofreu fortes influências das tecnologias que surgiram para atender as necessidades dos agentes do mercado, aprimorar a prestação do serviço e facilitar as formas de gestão e administração da empresa.
Nesse esteio, houve, por consequência, tanto o aumento da demanda por tecnologia, quanto da necessidade das empresas em incrementar novas formas de gestão empresarial, fato este que possibilitou às instituições de arrendamento mercantil a atuação em um novo mercado.
O arrendamento mercantil, comumente conhecido como leasing, em suas diversas modalidades - arrendamento financeiro, operacional e lease-back, no modelo negocial comum, tem como objeto qualquer bem móvel e tangível.
Essa característica do negócio jurídico e a sistemática contratual conservadora perdeu relevância em razão desse novo modelo de contrato, no qual o objeto arrendamento não mais se trata de bem tangível, mas intangível, como nos casos dos programas de computador – software.
Nesse sentido, é a modalidade de leasing financeiro que apresenta relevância ao presente estudo e que será abordada neste trabalho, pois trata-se de arrendamento propriamente dito, o qual admite como objeto, qualquer tipo de bem, sendo que o valor do investimento realizado pela instituição arrendadora deve necessariamente ser absorvido pelas parcelas (aluguel) em sua totalidade.
Acontece que, como sabido, nem sempre os negócios jurídicos firmados por longo prazo de duração são cumpridos em sua integralidade e executados satisfatoriamente.
Nesse contexto, para dar início à análise do tema, serão estudados elementos basilares do instituto jurídico ora tratado, tais como: a natureza jurídica do arrendamento mercantil, suas características, princípios e vetores norteadores de sua vigência no ordenamento jurídico, bem como sua finalidade.
Em segundo plano, será abordado de que maneira o software é contratado e qual a sua influência na execução do contrato de leasing que resulta, por consequência, impacto à instituição arrendadora quando inadimplidas as obrigações contratuais.
Por fim, e configurando o ponto central do estudo, será abordada a solução dada pelos Tribunais Brasileiros para garantir o retorno financeiro ao arrendador quando o objeto do contrato não é passível de constrição, tampouco de retomada da posse do bem, em razão inclusive, das consequências financeiras geradas no mercado como um todo quando frustradas as expectativas econômicas do contrato empresarial.
Nessa hipótese, portanto, orientar-se-á o presente trabalho, na medida em que serão analisadas a natureza do programa de computador moldado especificamente para atender aos interesses e necessidades de uma empresa e, partindo dessa análise, qual o instituto jurídico que permite à instituição arrendadora a satisfação do retorno financeiro frustrado em razão do inadimplemento, bem como o reestabelecimento do equilíbrio econômico financeiro do contrato à luz do Código de Defesa do Consumidor.
2. NATUREZA JURÍDICA E FINALIDADE DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL – LEASING FINANCEIRO
Como modalidade de contrato empresarial, o arredamento mercantil, comumente conhecido como leasing, consiste em uma forma de instrumentalização da utilização de bem durável por pessoa física ou jurídica, mediante o pagamento da respectiva contraprestação à pessoa jurídica (sociedade de arrendamento mercantil e instituição financeira).
O parágrafo único do artigo 1º da Lei n. 6.099/741, para fins de aplicação da legislação tributária, considera arrendamento mercantil “o negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de arrendadora, e pessoa física ou jurídica, na qualidade de arrendatária, e que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora, segundo especificações da arrendatária e para uso próprio desta”.
Segundo as elucidações de Xxxx Xxxxxxx, o arrendamento mercantil apresenta-se como uma modalidade contratual complexa, na medida em que corresponde a “uma locação, uma promessa unilateral de venda (em virtude de dar o arrendador opção de aquisição do bem pelo arrendatário) e, às vezes, um mandato, quando é o próprio arrendatário que trata com o vendedor na escolha do bem”2.
Em síntese, são verificadas, neste tipo contratual, as seguintes características:
(a) o arrendatário indica à arrendadora um bem que deverá ser por essa adquirido; (b) uma vez adquirido o bem, a sua proprietária arrenda-o à pessoa que pediu a aquisição; (c) findo o prazo do arrendamento, o arrendatário tem a opção de adquirir o bem, por um preço menor do que o de sua aquisição primitiva. 3
Trata-se, portanto, de acordo de vontades com atributos mistos de locação, financiamento e promessa de compra e venda, por meio do qual o arrendador adquire um bem específico e a pedido do arrendatário, que, por sua vez, se compromete a efetuar o pagamento das mensalidades pela utilização do referido bem, sendo-lhe assegurado o exercício do direito de compra ao final do prazo de vigência do contrato.
Em decorrência da análise da natureza jurídica, é possível extrair a finalidade com que os contratantes buscam a instrumentalização desse contrato, na medida em que para arrendador e arrendatário é assegurado o alcance dos seus interesses comerciais.
Na perspectiva do arrendatário – pessoa física ou jurídica -, trata-se de importante instrumento que lhe garante a utilização de um bem durável sem que haja o dispêndio
1 BRASIL. Lei n. 6.099 de 12 de setembro de 1974. Congresso Nacional. Disponível em xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxx/X0000.xxx. Acesso em 30 de novembro de 2017.
2 XXXXXXX, Xxxx. Contratos e obrigações comerciais. Incluindo os contratos de representação comercial, seguro, arrendamento mercantil (leasing), faturização (factoring), franquia (franchising), know-how e cartões de crédito. 16ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 419.
3 Ibidem. p. 411.
imediato de quantia considerável a título de investimento em ativo imobilizado em beneficio da empresa.
Por outro lado, para o arrendador – instituição financeira e bancos múltiplos com carteiras de arrendamento mercantil – configura instrumento rentável, na medida em que o valor arrendado (preço investido junto ao fornecedor do bem) é remunerado por meio da aplicação de taxas em valores previamente estipulados a garantir o retorno financeiro.
Destarte, configura-se em instrumento sinalagmático, de modo não só gerar obrigações a ambas as partes contratantes, como também vantagens recíprocas.
Diante da reciprocidade de benefícios econômicos gerada por esta modalidade contratual, verifica-se que o arrendamento mercantil é utilizado em larga escala pelas instituições, em especial, financeiras, como meio instrumental hábil à fomentar a atividade comercial do mercado e possibilitar ao longo da vigência do contrato a precificação satisfatória do investimento.
Neste sentido, dentre as três modalidades de arrendamento mercantil previstas na Resolução n. 2.309 do Banco Central do Brasil4, são elas: arrendamento mercantil financeiro5, operacional6 e lease-back7, o presente estudo se pautará na análise da primeira, pois se trata da modalidade propriamente dita8 de arrendamento mercantil, por meio do qual a instituição financeira atua como locadora do bem.
Nesta espécie, a aquisição do bem identificado pelo arrendatário se dá diretamente entre instituição financeira arrendadora e o fabricante/fornecedor do bem, tornando-se a
4 BRASIL. Resolução n. 2.309 de 28 de agosto de 1996. Banco Central do Brasil. Disponível em xxxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxx/xxxxxxxxxx/xxxxx/xxxxxxxxx.xxx?xxxxxxxx&xxxx0000&xxxxxxx0000. Acesso em 28 de novembro de 2017.
5 Art. 5º. Considera-se arrendamento mercantil financeiro a modalidade em que:
I – as contraprestações e demais pagamentos previstos no contrato, devidos pela arrendatária, sejam normalmente suficientes para que a arrendadora recupere o custo do bem arrendado durante o prazo contratual da operação e, adicionalmente, obtenha um retorno sobre os recursos investidos;
II – as despesas de manutenção, assistência técnica e serviços correlatos à operacionalidade do bem arrendado sejam de responsabilidade da arrendatária;
III – o preço para o exercício da opção de compra seja livremente pactuado, podendo ser, inclusive, o valor de mercado do bem arrendado.
6 Art. 6º. Considera-se arrendamento mercantil operacional a modalidade em que:
I – as contraprestações a serem pegas pela arrendatária contemplem o custo do arrendamento do bem e os serviços inerentes a sua colocação à disposição da arrendatária, não podendo o valor presente dos pagamentos ultrapassar 90% (noventa por cento) do custo do bem;
II – o prazo contratual seja inferior a 75% (setenta e cinco por cento) do prazo de vida útil econômica do bem; III – o preço para exercício da opção de compra seja o valor de mercado do bem arrendado;
IV – não haja previsão de pagamento de valor residual garantido.
7 Art. 23. A aquisição de contratos de arrendamento mercantil cujos bens arrendados tenham sido adquiridos com recursos de empréstimos externos ou que contenham cláusula de variação cambial, bem como dos direitos creditórios deles decorrentes, somente pode ser realizada com a utilização de recursos de empréstimos obtidos no exterior.
8 Ibidem. p. 43.
instituição arrendadora como a única proprietária da res. A partir de então, o bem é entregue ao arrendatário mediante o recebimento, pela instituição arrendadora, da contraprestação correspondente ao aluguel e ao VRG - valor residual garantido.
Logo, é o contrato de arrendamento mercantil financeiro, no qual, de um lado figura a instituição financeira e, de outro, a pessoa jurídica interessada no bem a ser arredado, que será analisado, pois diferentemente das outras modalidades, no leasing financeiro há a participação da empresa financeira de leasing que garante e impulsiona a comercialização dos produtos no mercado9.
Dessa forma, assim como todo contrato empresarial que tem como principal objetivo o alcance das necessidades econômicas10 dos players do mercado, tal como introduz Xxxxx X. Forgioni, na prática, o leasing assegura não só a vantagem econômica ao arrendatário, como também atende às necessidades comerciais do arrendador mediante o recebimento de preço justo pela transação.
9 Conforme: XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Contratos Empresariais. 6ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 2010. P.91
10 XXXXXXXX, X. Xxxxx. Teoria Geral dos Contratos Empresariais. 1ª edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 58/59
3. REGIME JURÍDICO E PRINCÍPIOS NORTEADORES DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL
O leasing se sujeita a regime jurídico próprio decorrente de legislação especial, mas também às disposições gerais do Código Civil e princípios que norteiam a constituição e execução da atividade comercial.
A natureza comercial11 do contrato em estudo está positivada no artigo 1º12 da Xxx
n. 6.099/74 e artigo 4º13 da Resolução n. 2.309 do Banco Central do Brasil que exigem a participação de uma pessoa jurídica, constituída na modalidade de sociedade anônima, para figurar na posição de arrendadora na relação contratual.
São praticados essencialmente atos de comércio em cada fase do contrato de arrendamento mercantil e, tratando-se de relação comercial mercantil, a prática dos atos devem se pautar em princípios basilares das relações contratuais, como função social e boa fé, além de se submeterem a vetores norteadores14 dos contratos empresariais.
Xxxxx Xxxxxx Xxxxx Xx e Xxxxxx Xxxxxxxxx bem definem que a relação contratual moderna “vigente nos moldes do CC/2002, não mais está pautada no paradigma clássico”, mas sim baseia-se em “quatro grandes princípios: a autonomia privada, a boa-fé objetiva, a justiça contratual e a função social do contrato”15.
Classificada como cláusula geral do contrato, a função social positivada no artigo 42116 do Código Civil e atrelada ao princípio da solidariedade previsto no artigo 3º, I da Constituição Federal, estampa a necessidade da obrigação contratual livremente pactuada atender não só os interesses das partes, mas também “instrumentalizar o contrato em prol das exigências maiores, como o bem comum e o valor social da livre iniciativa”.17
11 Conforme: RIZZARDO. Xxxxxxx. Leasing. Arrendamento Mercantil no Direito Brasileiro. 4ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2000. p. 164.
12 Art. 1º O tratamento tributário das operações de arrendamento mercantil reger-se-á pelas disposições desta Lei.
Parágrafo único - Considera-se arrendamento mercantil, para os efeitos desta Lei, o negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de arrendadora, e pessoa física ou jurídica, na qualidade de arrendatária, e que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora, segundo especificações da arrendatária e para uso próprio desta.
13 Art. 4º. As sociedades de arrendamento mercantil devem adotar a forma jurídica de sociedades anônimas e a eles se aplicam, no que couber, as mesmas condições estabelecidas para o funcionamento de instituições financeiras na Lei nº 4.595, de 31.12.64, e legislação posterior relativa ao Sistema Financeiro Nacional, devendo constar obrigatoriamente de sua denominação social a expressão “Arrendamento Mercantil”.
14 Conforme: XXXXXXXX, X. Xxxxx. Teoria Geral dos Contratos Empresariais. 1ª edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 55.
15 XXXXXXXXX, Xxxxxx e BDINE JR., Xxxxx Xxxxxx. Código Civil Comentado. 10ª edição, Barueri: Manole, 2016. P. 436
16 Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
17 Conforme: XXXXXXXXX, Xxxxxx e XXXXX XX., Xxxxx Xxxxxx. Código Civil Comentado. 10ª edição, Barueri: Manole, 2016. p. 437
De igual modo, enquadrada no rol de cláusula geral, a boa-fé objetiva estampada no artigo 42218 do Código Civil, compreende, nos ensinamentos de Xxxxxx Xxxxxxxxx:
“em um modelo de eticização da conduta social, verdadeiro standard jurídico ou regra de comportamento, caracterizado por uma atuação de acordo com determinados padrões sociais de lisura, honestidade e correção, de modo a não frustrar a legitima confiança da outra parte”.19
A interpretação conferida à boa-fé objetiva sugere a lisura de comportamento mercadológico de acordo com os padrões estabelecidos e esperados pelo próprio mercado.
A relação contratual pautada em modelos de comportamentos e, quando observados, garantem a idoneidade e integridade do negócio, tem o condão de beneficiar as partes e as relações comerciais no mercado.
Isso porque, a execução do contrato em observância a referidos standards “não implica gasto, mas sim economia tanto ao agente (que atuará conforme as regras) quanto para o mercado como um todo, que tenderá a diminuir a incidência de custos de transação pelo aumento de grau de certeza e de previsibilidade”.20
A alocação dos riscos do negócio, portanto, depende do cenário em que os stakeholders estão inseridos. Se a conduta esperada é de frustração das expectativas negociais pelas partes contratantes, em razão de relacionamento comercial reiteradamente pautado na desonestidade, o custo com o negócio será maior, frente ao risco envolvido.
Neste raciocínio é que se inserem os vetores que também norteiam as relações contratuais, incluindo, as transações pautadas pelo contrato de arrendamento mercantil. Os custos do negócio, a possibilidade de frustração das expectativas negociais e a tutela do crédito são elementos que devem pautar a formação, execução e rescisão do contrato.
No tocante à tutela do crédito como elemento a ser preservado pelo ordenamento jurídico, segundo Xxxxx Xxxxxxxx00, o direito deve tutelar o crédito como medida à fomentar o negócio em sentido estrito, mas também todo o mercado que se beneficiará diretamente e indiretamente da transação.
O inadimplemento da obrigação pecuniária, frustra as expectativas do credor que acreditou na satisfação do seu crédito na forma e modo acertados previamente com o devedor. Nestas situações, há interferência do sistema jurídico com a finalidade de assegurar o retorno financeiro ao credor, para que o valor inadimplido pelo devedor em uma transação
18 Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
00 XXXXXXXXX, Xxxxxx. Código Civil Comentado. 10ª edição, Barueri: Manole, 2016. p. 436
20 XXXXXXXX, X. Xxxxx. Teoria Geral dos Contratos Empresariais. 1ª edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 102.
21 Ibidem. p. 90
especifica não necessite ser repassado ao mercado como um todo com a alocação de juros para os próximos negócios a serem firmados ou, na pior das hipóteses, a negativa de crédito prejudicando os investimentos.
Ainda nessa linha de pensamento, o custo do negócio é diretamente influenciado pela dicotomia entre satisfação e frustração das expectativas negociais. O preço da transação é delimitado de acordo com a expectativa de comportamento dos agentes econômicos.
Assim, se o ambiente negocial é pautado em padrões de comportamento que o tornam inseguro, os custos com a transação serão mais elevados, pois caberá ao agente econômico dispender tempo e dinheiro com ferramentas de buscas que lhe resultem em informações quanto a honestidade, procedência da empresa e o risco de inadimplência.
Outro ponto de especial importância se refere ao preço final do contrato a ser suportado pela empresa arrendatária, o qual é estipulado pela instituição arrendadora com base na perspectiva de quantas parcelas serão necessárias para o e recebimento da almejada contraprestação.
Desse modo, na hipótese de rescisão contratual ou inadimplemento antes de findo o prazo de vigência do contrato, com a frustração dos pagamentos das parcelas pela arrendatária, haverá o desequilíbrio econômico financeiro, pois o alcance do retorno do investimento é esperado ao final do contrato.
É inequívoco, portanto, que os contratos empresarias, em especial aqueles que envolvem a concessão de crédito, são diretamente influenciados pela expectativa de comportamento frente aos padrões do mercado que tem o condão de elevar ou reduzir o risco do negócio.
4. LICENÇA DE USO DE SOFTWARE COMO OBJETO DO LEASING
É sabido que, por regra, os negócios jurídicos entre instituição arrendadora e arrendatário são firmados com o objetivo de arrendar bens tangíveis - móvel ou imóvel.
Entretanto, os modelos de negócio vêm sofrendo modificações frente ao interesse e incremento da demanda tecnologia, que envolve novas tecnologias e produtos customizados com o escopo de atender às necessidades específicas da empresa.
Neste novo nicho de mercado, o arrendamento mercantil firmou sua importância como modelo apto a fomentar investimentos nas empresas, em especial, com o intuito de facilitar a aquisição de novas tecnologias com funcionalidades voltadas às necessidades empresariais, como no caso dos programas de computador – software.
A Lei de Software sancionada em 1998 sob o n. 9.60922, o conceitua em seu artigo 1º23 como um conjunto organizado de códigos e instruções técnicas que, quando empregado em um meio físico, possibilita a execução de uma tarefa específica.
Seguindo o conceito da legislação especial, a doutrinadora Xxxxxxxx Xxxx Pinheiro conceitua o programa de computador como “uma sequência lógica de instruções (algoritmos), escritas em linguagem de programação (computação), para serem executadas passo a passo com a finalidade de atingir determinado objetivo”, conforme entendimento do Comitê de Pronunciamentos Contábeis.24
Juridicamente, portanto, o programa de computador é classificado como um bem móvel, mas incorpóreo quando não integrado essencialmente ao dispositivo físico (hardware) que o acompanha, assumindo o status de ativo intangível da empresa25.
Os programas de computador podem ser classificados a partir de uma análise estrita quanto a sua liberdade de utilização e a finalidade que se pretende alcançar, sendo que, a problemática ora analisada se pauta na análise dos softwares de gestão empresarial, os quais
22 BRASIL. Lei n. 9.609 de 19 de fevereiro de 1998. Congresso Nacional. Disponível em xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxx/X0000.xxx. Acesso em 30 de novembro de 2017.
23 Artigo 1º – Programa de computador é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados.
24 XXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxx. Direito Digital. 5. edição. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 167.
25 “Alguns ativos intangíveis podem estar contidos em elementos que possuem substância física, como um disco (como no caso de software), documentação jurídica (no caso de licença ou patente) ou em um filme. Para saber se um ativo que contém elementos intangíveis e tangíveis deve ser tratado como ativo imobilizado de acordo com o Pronunciamento Técnico CPC 27 – Ativo Imobilizado ou como ativo intangível, nos termos do presente Pronunciamento, a entidade avalia qual elemento é mais significativo. Por exemplo, um software de uma máquina-ferramenta controlada por computador que não funciona sem esse software específico é parte integrante do referido equipamento, devendo ser tratado como ativo imobilizado. O mesmo se aplica ao sistema operacional de um computador. Quando o software não é parte integrante do respectivo hardware, ele deve ser tratado como ativo intangível. (Comitê de Pronunciamentos Contábeis. Pronunciamento Técnico CPC 04 (R1). Ativo intangível).
no mercado são regularmente conhecidos como ERP - Enterprise Resource Planning que, em tradução livre, significa Planejamento dos Recursos Empresariais.
Trata-se de modalidade de software aplicativo, mais conhecida no mercado tecnológico, cuja funcionalidade é auxiliar o usuário de computador a desempenhar uma tarefa específica, a partir do processamento de dados.
A contratação desse tipo de sistema se dá por pessoas jurídicas que objetivam o compartilhamento de dados em tempo real entre as diversas áreas da empresa e que, para tanto, contam com o sistema como ferramenta de auxílio de gestão do fluxo de informações.
O programa é desenvolvido, customizado e implementado com o intuito de atender às necessidades da empresa que o contrata. As funcionalidades do sistema e as ferramentas de comunicação das diversas áreas estão intrinsicamente ligadas aos procedimentos internos da companhia, de modo que sua execução se dá somente no ambiente empresarial para o qual foi criado.
O sistema é, portanto, adquirido por meio do contrato de licença de uso, o qual o detentor do direito autoral – fornecedor da licença – concederá a utilização do software individualmente desenhado com vistas a atender o interesse da empresa licenciada.
Como esclarece Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, o contrato de licença de uso é a forma de instrumentalizar a concessão do direito de uso pelo titular de direitos a outrem mediante o recebimento de contraprestação e, desde que reservado ao titular os direitos de distribuição e outros decorrentes da titularidade do programa de computador26.
Neste cenário, é o sistema de gestão empresarial, cujo direito de uso é obtido mediante contrato de licença, que atualmente integra o objeto de contrato de arrendamento mercantil financeiro, pois normalmente apresenta valor de mercado elevado, de modo que demanda relevante investimento da empresa interessada em sua aquisição.
Na prática, a relação contratual entre os contratantes se mostra delineada da seguinte maneira. Em um primeiro momento, a instituição arrendadora adquire o direito de uso do software junto ao titular do direito autoral do sistema, a pedido da arrendatária (empresa interessada na contratação do sistema de gestão empresarial), mediante o pagamento do valor integral envolvido para aquisição da licença; em seguida, arrenda o bem em favor da arrendatária que passará a adimplir mensalmente com os valores estipulados pela instituição arrendadora para alcançar o retorno financeiro.
26 XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Contratos Empresariais. 6ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 2010. p 197.
Entretanto, o inadimplemento das obrigações contratuais entre as partes envolvidas no contrato de licença de uso gera determinantes consequências ao cumprimento do contrato de arrendamento mercantil, na medida em que o objeto da relação negocial impossibilita a retomada do bem e redução do prejuízo econômico suportado.
5. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL E SUAS CONSEQUÊNCIAS
É da natureza do arrendamento mercantil financeiro permitir que a instituição arrendadora alcance o retorno financeiro do capital investido não só com o pagamento das parcelas do arrendamento, mas também que lhe sejam assegurados meios de assegurar o seu direito de crédito, quando do inadimplemento contratual, que poderá se dar por meio da retomada do bem objeto do arrendamento mercantil.
Todavia, o exercício do direito de propriedade da instituição arrendadora resta mitigado quando o bem arrendado se trata de software de gestão empresarial, o qual, por se tratar de bem móvel incorpóreo e cujas funcionalidades não atendem outras empresas que não a própria arrendatária, não constitui garantia de retorno financeiro.
Em outras palavras, a intangibilidade do programa de computador, atrelado ao fato de que o software de gestão empresarial é desenvolvido exclusivamente para atender as necessidades específicas de gerenciamento negocial dos interesses da arrendatária, gera consequências determinantes a ambas as partes contratantes nos casos em que o contrato de arrendamento mercantil é inadimplido.
Neste esteio, inexiste à instituição arrendadora a possibilidade de retomada do bem mediante reintegração de posse ou busca e apreensão e sua natureza personalizada impossibilita que seja comercializado no mercado livre.
Trata-se de uma hipótese em que, na prática, a instituição arrendadora fica desprovida de garantia para reaver o valor do arrendamento que fora repassado em favor da empresa fornecedora da licença de uso do software empresarial.
A inexistência de garantia nesse tipo de modalidade contratual, em que o bem arrendado não é passível de constrição, tampouco apresenta valor significante à instituição, impacta todo o mercado de crédito.
Neste contexto, com o intuito de atender aos princípios e vetores norteadores do contrato de arrendamento mercantil e assegurar o retorno do crédito, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça em sede de julgamento do Recurso Especial n. 1.491.61127 sedimentou o entendimento de que o retorno financeiro, se não atingido por meio da retomada do bem, deve ser assegurado mediante indenização por perdas e danos:
“RECURSO ESPECIAL. ARRENDAMENTO MERCANTIL FINANCEIRO. LEASING. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE CUMULADA COM PERDAS E DANOS. INADIMPLÊNCIA. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. INEXISTÊNCIA. SÚMULA Nº
27 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.491.611, da Terceira Turma, Relator Ministro Xxxxxxx Xxxxxx Xxxx Xxxxx. Brasília, DF, 15 de junho de 2015. Disponível em xxxxx://xx0.xxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxxxxxx/?xxxxxx0.000.000. Acesso em 28 de novembro de 2017.
106/STJ. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA Nº 7/STJ. BENS PARCIALMENTE RECUPERADOS. VALOR ECONÔMICO INSIGNIFICANTE. INDENIZAÇÃO. RECUPERAÇÃO DO VALOR DO BEM. RETORNO DO INVESTIMENTO. JUROS DE MORA. ISS. BASE DE CÁLCULO. VALOR DA OPERAÇÃO CONTRATADA. Trata-se de
ação de reintegração de posse cumulada com perdas e danos proposta por sociedade de arrendamento mercantil contra arrendatário, motivada por inadimplência contratual. (...). Em caso de inadimplência em contrato de leasing mercantil, com ou sem reintegração do bem, deve ser assegurado ao arrendador montante necessário para que recupere o valor arrendado e possa obter, além disso, um retorno do investimento, na forma da legislação de regência, observando-se a função econômica da contratação, resguardado ao máximo o desejável equilíbrio econômico-financeiro. Diante da irrelevância dos valores dos bens reintegrados, adequada a compreensão do Tribunal de origem ao fixar a indenização por perdas e danos da forma estabelecida no contrato, quer dizer, pelo vencimento antecipado das obrigações pactuadas, deduzido o VRG pago, na linha da orientação firmada em recurso especial representativo de controvérsia repetitiva (REsp 1.099.212/RJ, Documento: 1413403 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 15/06/2015 Página 1 de 22 Superior Tribunal de Justiça Rel. p/ acórdão Ministro Xxxxxxx Xxxxxx Xxxx Xxxxx, Segunda Seção, julgado em 27/2/2013, DJe de 4/4/2013). (...) Recurso especial parcialmente provido”.
O direito a reaver o valor do contrato, descontadas as parcelas até então adimplidas é defendido partindo-se da premissa de que não foi a instituição arrendadora que deu causa à rescisão do contrato de arrendamento mercantil antes do término do prazo de vigência.
A controvérsia não sedimentada no ordenamento jurídico, entretanto, decorre da relação acessória do contrato de leasing e, por conseguinte, qual das partes contratantes deve ser responsabilizada pela quebra contratual.
Em outras palavras, o posicionamento jurisprudencial caminha no sentido de responsabilizar a arrendatária pelo inadimplemento do contrato, pois não cabe à instituição arrendadora arcar com o prejuízo decorrente da frustração do negócio quando satisfez as suas obrigações previstas em contrato.
O elemento controverso, entretanto, pauta-se na titularidade da responsabilidade civil e, se na hipótese objeto do presente estudo, a arrendatária possui condições de assumir o ônus de adimplir com a indenização por perdas e danos.
6. RESPONSABILIDADE CIVIL À LUZ DA LEI N. 8.078/90 - APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Está sedimentado na jurisprudência o direito da instituição arrendadora de reaver o crédito por meio de indenização por perdas e danos e não só com a constrição do bem arrendado. Contudo, o entendimento sobre quem recai a responsabilidade pelo pagamento dessa indenização não é firme, em razão das peculiaridades que devem ser analisadas no caso concreto.
Para elucidação da questão, é essencial analisar se a o contrato de arrendamento mercantil é pautado nas regras consumeristas e se há qualquer vulnerabilidade que possa repelir o dever de indenizar.
As relações comerciais são regidas pelo Código de Defesa do Consumidor nas hipóteses em que a contratante do produto ou serviço, ainda que pessoa jurídica, seja qualificada como destinatário final, conforme prescreve o artigo 2º28 da Lei n. 8.078/9029.
Em contrapartida, a relação comercial será pautada nas regras de direito civil nos casos em que se evidencia tratar-se o produto adquirido como insumo da empresa para satisfação dos seus interesses mercantis.
Ao longo dos anos foram inúmeras discussões na jurisprudência e doutrina sobre a qualificação da pessoa jurídica e, sedimentando os entendimentos, surgiram duas teorias que conferem interpretações distintas sobre a definição de destinatário final e as diferenças de motivação. São as teorias maximalista e finalista.
Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxx, ao abordar o tema, explica que a “corrente maximalista ou objetiva entende que o CDC, ao definir consumidor, apenas exige, para sua caracterização, a realização de um ato de consumo”.30
Na mesma linha de raciocínio, Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx00 conceitua que o Código de Defesa do Consumidor se trata de norma geral que visa a proteção da sociedade de consumo, com delimitação de normas a serem observadas por todos os agentes do mercado, consumidor profissional ou não.
Vale dizer, conferindo interpretação ampla acerca do conceito consumidor, a teoria maximalista não analisa a motivação na aquisição ou utilização do produto, mas sim no
28 Artigo 2º. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
29 BRASIL. Lei n. 8.078/90 de 11 de setembro de 1990. Congresso Nacional. Disponível em xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxx/X0000.xxx. Acesso em 30 de novembro de 2017.
30 CAVALIERI. Xxxxxx Xxxxxx. Programa de Direito do Consumidor. 4ª edição. São Paulo: Atlas. 2014. p. 67
31 MARQUES. Xxxxxxx Xxxx. Manual de Direito do Consumidor. 3ª edição. São Paulo: XX, 0000. p. 85.
próprio ato de retirar o produto da cadeia produtiva ainda que para desempenho de atividade profissional32.
Em contrapartida, os adeptos à teoria finalista interpretam restritivamente o disposto no citado artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor, de modo que é conferida a tutela consumerista às pessoas físicas ou jurídicas que adquirem o produto ou serviço sem a intenção de obter lucro, ou seja, pessoas não profissionais.
O doutrinador Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxx, agora sobre a teoria finalista, assim enuncia:
“O conceito de consumidor, na esteira do finalismo, portanto, restringe-se, em princípio, às pessoas, físicas ou jurídicas, não profissionais, que não visam lucro em suas atividades e que contratam com profissionais. Entende- se que não se há falar em consumo final, mas intermediário, quando um profissional adquire produto ou usufrui de serviço com o fim de, direta ou indiretamente, dinamizar ou instrumentalizar seu próprio negocio lucrativo”.33
Trata-se, portanto, de interpretação restrita quanto à possibilidade de aplicação do Código de Defesa do Consumidor tão somente em benefício daqueles que não exerçam atividade empresarial, de modo que, em regra, consumidor será toda a pessoa não profissional.
Tal interpretação é aplicada também aos contratos bancários, em especial, os de arrendamento mercantil. Na hipótese da empresa arrendatária firmar o contrato com o intuito de adquirir bem que se preste a melhorar e fomentar as suas atividades empresariais, ausente a figura de consumidor na relação contratual.
Entretanto, a jurisprudência dos Tribunais Brasileiros houve por abrandar a aplicação restrita do conceito de consumidor e vem permitindo a tutela consumerista aqueles que, mesmo profissionais, estão em posição inferior em comparação ao fornecedor, seja em razão da sua vulnerabilidade técnica, jurídica-econômica e fática.
O Superior Tribunal de Justiça, por meio do informativo de jurisprudência n. 051034 de dezembro de 2012 posicionou-se de forma a garantir a aplicação do direito do consumidor quando presente uma situação de vulnerabilidade que justifique a aplicação da norma mais protetiva.
Conforme consta no voto da Ministra Relatora Xxxxx Xxxxxxxx quando do julgamento do recurso especial n. 1.195.642/RJ35 que motivou a edição do informativo em comento, a
32 FARENA. Duciran Van Marsen. Notas sobre consumo e o conceito do consumidor. Boletim Cientifico. Escola Superior do Ministério Público da União, n. 2. Xxxxxxxx, xxx/mar 2002. p. 42-43
33 CAVALIERI. Xxxxxx Xxxxxx. Programa de Direito do Consumidor. 4ª edição. São Paulo: Atlas. 2014. p. 69
34 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Informativo de jurisprudência n. 0510 editado em dezembro de 2012, Disponível em xxxxx://xx0.xxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxxxx/xxxxxxx/xxxxxxxxxxx. Acesso em 28 de novembro de 2017.
35BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial n. 1.195.642-RJ, da Terceira Turma. Relatora Ministra Xxxxx Xxxxxxxx, 13 de novembro de 2012. Disponível em
vulnerabilidade técnica pode ser interpretada como “a ausência de conhecimento específico acerca do produto ou serviço objeto de consumo”, a jurídica se refere à ausência de conhecimento com relação às normas e os impactos dela decorrentes na relação de consumo e, por fim, a vulnerabilidade fática, em que a pessoa jurídica apresenta “insuficiência econômica, física ou até mesmo psicológica que o coloca em pé de desigualdade frente ao fornecedor”.
Nesse cenário, em que a pessoa jurídica se enquadra como consumidor tão somente quando demonstrada a sua condição hipossuficiente frente ao fornecedor, é que se insere a problemática sobre a possibilidade da empresa arrendatária ser responsabilizada pela rescisão do arrendamento mercantil.
Isso porque, a contratação do software de gestão empresarial está pautado no interesse da empresa em melhorar as suas atividades comerciais, a interligação das áreas da empresa com o intuito de agilizar e favorecer o fluxo de informações, de modo que a pessoa jurídica assume o arrendamento mercantil com o intuito negocial e não na qualidade de consumidora final.
Incabível a aplicação das hipóteses de abrandamento da teoria finalista quando é a própria empresa arrendatária que indica o bem a ser arrendado pela instituição financeira. Há conhecimento técnico e jurídico que lhe possibilitam anuir com os termos do arrendamento mercantil ciente de suas obrigações.
De fato, se há conhecimento das especificações do produto e condição econômica, especialmente quando se trata de contrato que atinge substancial quantia, as normas do Código de Defesa do Consumidor não podem ser aplicadas na relação entre instituição arrendadora e arrendatária.
A própria finalidade do arrendamento, como se viu no início do estudo, é garantir o fomentado da atividade negocial e o interesse comercial entre as partes, de modo que tal interesse deve ser sopesado para aplicação ou não da legislação protetiva.
Logo, aplicando-se as regras da legislação civil em detrimento da legislação consumerista e a natureza da pessoa que contratou o arrendamento mercantil, pode-se concluir pela responsabilidade civil da empresa arrendatária de garantir o retorno financeiro à instituição arrendadora por meio da indenização por perdas e danos.
xxxxx://xx0.xxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxxxxx/xxxxxxxxx/xxxxxxx/?xxxxxxxxxxxXXX&xxxxxxxxxxx0000000. Acesso em 28 de novembro de 2017.
7. CONCLUSÕES
O desenvolvimento do tema objeto de estudo possibilitou constatar que a instituição arrendadora está desprovida de garantias hábeis a assegurar o retorno financeiro aos contratos de leasing, quando o objeto da avença corresponde ao contrato de licença de uso de programa de computador, em razão de sua intangibilidade reduzido valor de mercado para terceiros.
Foi visto no presente estudo que o instituto de arrendamento mercantil financeiro apresenta relevância comercial em razão de possibilitar a aquisição de bem de considerável valor econômico, sem que, de antemão, a empresa interessada (arrendatária) tenha que despender de seu caixa e capital de giro.
Trata-se, portanto, de contrato empresarial que, de um lado, figura a arrendatária com a intenção de fomentar sua atividade e, de outro, a instituição arrendadora que fornece o crédito na expectativa de retorno do investimento, mediante o recebimento das contraprestações mensais a serem adimplidas pela primeira.
Neste panorama contratual de obrigações recíprocas, foi possível constatar que os princípios e vetores norteadores das relações contratuais são importantes em todo o ínterim do contrato, vale dizer, da sua constituição até a sua execução.
Atrelado à boa-fé contratual, estudamos que os riscos do negócio são ponderados conforme o padrão mercadológico e com base na expectativa, de modo que o preço aumenta ou diminui correlacionando-se ao aumento ou diminuição das expectativas frustradas.
Essa perspectiva para análise de risco comercial e, em especial, nos negócios que envolvem concessão de crédito - como é o caso do arrendamento mercantil – gera consequências não só no campo individual das partes, mas em todo o mercado.
Se a instituição arrendadora, a qual concederá o crédito, estiver inserida em um ambiente comercial em que o padrão esperado é inadimplemento contratual e frustração do crédito, consequentemente, os próximos negócios serão precificados levando em consideração essa expectativa e risco, o que, por consequência, também gera diminuição de negócios, negando vigência à função social do contrato.
Foi possível analisar, ainda, que a frustração da expectativa gera o desequilíbrio econômico financeiro do contrato, pois a instituição arrendadora, não obstante ter cumprido com sua parte da relação triangular existente com o arrendatário e fornecedor do bem arrendado, teve o seu direito de crédito lesado.
Na hipótese em análise, no caso de leasing de contrato de licença de uso, no qual o bem arrendado é intangível como os programas de computador, o prejuízo da instituição
arrendadora é ainda maior, pois a retomada do bem resta prejudicada em virtude de sua natureza incorpórea.
Atrelada à definição do programa de computador, outra prejudicial ao retorno financeiro se refere à qualidade técnica desse software. O presente estudo se pautou no software de gestão empresarial, o qual é customizado e moldado às necessidades da empresa que contratou a licença, não apresentando relevante valor de mercado para outras empresas, nem liquidez.
A garantia do retorno financeiro, portanto, por meio de busca e apreensão e reintegração de posse, resta prejudicada.
Entretanto, após analisar o entendimento doutrinário e jurisprudencial sobre a problemática em questão acerca da impossibilidade da instituição arrendadora de auferir o retorno financeiro do contrato, foi possível concluir que nesses casos é assegurado o direto de crédito por meio da indenização por perdas e danos, justamente em razão da necessidade de se preservar o direito de crédito para que o prejuízo não seja repassado posteriormente ao mercado em geral.
Não obstante o Superior Tribunal de Justiça tutelar o direito de crédito, ainda assim a legitimidade da pessoa do devedor que deverá assumir os encargos da responsabilidade civil não é tema assente do ordenamento jurídico.
De toda forma, após a análise e estudo das vertentes doutrinárias sobre o conceito de consumidor, foi possível concluir que a empresa arrendatária, na hipótese em estudo, em que o direito de uso do software de gestão empresarial foi adquirido com a intenção de fomentar atividade comercial, inviável admitir que a empresa arrendatária possa subordinar as suas relações comerciais às aplicações das regras protetivas do direito de consumidor, pois o objeto contratado configura insumo.
Diante do exposto, conclui-se que a empresa arrendatária não reúne condições de hipossuficiência frente à instituição arrendadora, tampouco o objeto arrendado foi por ela adquirido como produto final e, desse modo, não se equipara a consumidor.
Desse modo, aplicando-se as regras do direito civil à hipótese estudada e não o Código de Defesa do Consumidor, deve ser assegurado à instituição arrendadora o recebimento da indenização por perdas e danos, a ser paga pela empresa arrendatária, como medida de assegurar o retorno financeiro e reduzir os impactos negativos que o inadimplemento contratual gera ao mercado como um todo.
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