UNIVERSIDADE DE COIMBRA FACULDADE DE DIREITO
UNIVERSIDADE DE COIMBRA FACULDADE DE DIREITO
2º CICLO DE ESTUDOS EM DIREITO
A natureza jurídica do Contrato de Investimento: Subsídios para uma construção a partir da influência do direito do investimento estrangeiro
• U C •
XXXX XXXXXX XX XXXXXXXX XXXXX
Coimbra 2013
UNIVERSIDADE DE COIMBRA FACULDADE DE DIREITO
2º CICLO DE ESTUDOS EM DIREITO
A natureza jurídica do Contrato de Investimento: Subsídios para uma construção a partir da influência do direito do investimento estrangeiro
• U C •
XXXX XXXXXX XX XXXXXXXX XXXXX
Dissertação apresentada no âmbito do
2.º Ciclo de Estudos em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
Área de Especialização: Ciências Jurídico-Políticas Menção: Direito Administrativo
Orientador: Profª. Doutora Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx
Coimbra 2013
Lista de siglas e abreviaturas
AICEP – Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal Al. – Alínea
Al´s. – Alíneas
API – Agência Portuguesa para o Investimento Art. – Artigo
Art´s. Artigos
ASEAN – Association of Southeast Asian Nations BIT – Bilateral Investment Treaty
BIT´s Bilateral Investment Treaty’s
C. Civ. – Código Civil
CCP – Código dos Contratos Públicos CEE – Comunidade Económica Europeia CI – Contrato de Investimento
CIRDI – Centro Internacional para a Resolução de Diferendos Relativos a Investimentos
CPA – Código do Procedimento Administrativo CRP – Constituição da República Portuguesa CSC – Código das Sociedades Comerciais
DL – Decreto-Lei
DR – Decreto Regulamentar
ETIJ – Estatutos do Tribunal Internacional de Justiça FMI – Fundo Monetário Internacional
ICC International Chamber of Commerce
ICSID – International Center for Settlement of Investment Disputes IDE – Investimento Directo Estrangeiro
IE – Investimento Estrangeiro IE´s Investimentos Estrangeiros L – Lei
LCIA London Court of International Arbitration MAI – Multilateral Investment Agreement
MERCOSUL – Mercado Comum do Sul
MIGA – Multilateral Investment Guarantee Agency NAFTA – North American Free Trade Agreement
OCDE – Organization for Economic Cooperation and Development OMC – Organização Mundial do Comércio
PCA Permanent Court of Arbitration PGR Procuradoria-Geral da República
QREN – Quadro de Referência Estratégica Nacional SACU – Southern African Customs Union
SCC Stockholm Chamber of Commerce STA – Supremo Tribunal Administrativo TC – Tribunal Constitucional
TCAN – Tribunal Central Administrativo do Norte TCAS – Tribunal Central Administrativo do Sul TCE – Tratado da Carta da Energia
TCEu – Tratado da Comunidade Europeia
TFUE – Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia TJUE – Tribunal de Justiça da União Europeia
TRIM´s – Agreement on Trade-Related Investment Measures UE – União Europeia
UNCITRAL – United Nations Commission on International Trade Law UNCTAD – United Nations Conference on Trade and Development UNIDROIT – International Institute for the Unification of Private Law WAIPA – World Association of Investment Promotion Agencies
Índice
1. Primeira Parte – O contexto dinâmico do IE 9
1.1 – A autonomização do IE 9
1.2 – Exemplos históricos de limitações e restrições ao IE 18
1.3 Cooperação versus Hegemonia: A tensão dialéctica na construção de um regime internacional de IE 24
1.3.1 – Os desafios do IE para os países que o recebem 25
1.3.2 – Os desafios para os países exportadores de IE 32
1.4 – O actual contexto português na rede global de captação do IE 39
1.4.1 – A ambiência competitiva na captação do IE 39
1.4.2 – A recente inclusão do IDE no quadro de competências exclusivas em matéria de política comercial comum no TFUE 41
1.4.3 – A concreta realidade portuguesa na captação do IE 48
1.5 – As manifestações do IE 55
1.5.1 – Investimento Directo Estrangeiro 57
1.5.2 – Investimento de Carteira ou de Portefólio 62
1.6 – Conclusão da Primeira Parte 63
2. Segunda Parte – O Estado e a actividade jurídico-económica 65
2.1 – As mutações do Estado e as suas implicações em termos jurídico-económicos
.................................................................................................................................... 65
2.1.1 – Estado-de-polícia 66
2.1.2 – Estado Liberal 66
2.1.3 – Estado Social 67
2.1.4 – Estado Regulador 71
2.2 – A ratio incentivadora do IE no ordenamento jurídico português 79
2.3 Contratos Económicos 82
2.3.1 A tese do contrato 85
2.3.2 A tese do acto-condição 86
2.4 – Contrato de Investimento 91
2.4.1 – Regime Contratual enquanto regime especial do Contrato de Investimento. 95
2.4.2 Cláusulas de Estabilização e Cláusulas de Intangibilidade 98
2.4.3 – Relacionamento do Contrato de Investimento com Acordos Internacionais de Investimento 101
2.5 – Conclusão da Segunda Parte 109
3. Terceira Parte – A natureza jurídica do Contrato de Investimento a partir de subsídios doutrinários 111
3.1 – A natureza jurídica do Contrato de Investimento à luz do Direito Privado. 111 3.1.1 – A posição de Casalta Nabais 112
3.1.2 – A posição de Tânia Cunha 113
3.1.3 – A posição de Xxxxxx xx Xxxxxxx 114
3.1.4 – Implicações de uma perspectiva privatística do Contrato de Investimento. 115
3.2 – A natureza jurídica do Contrato de Investimento à luz do Direito Público 120
3.2.1 – Particularidades da qualificação jurídica do Contrato de Investimento como um Contrato Administrativo 121
3.2.2 – Contrato de Investimento e o CCP 123
3.2.3 – Implicações de uma perspectiva publicista do Contrato de Investimento 128
3.3 – A natureza jurídica do Contrato de Investimento à luz do Direito Internacional
.................................................................................................................................. 131 3.3.1 – A relação interestadual: O Tratado ............................................................. 132
3.3.2 – A relação Investidor – Estado: O Contrato 135
3.4 – A natureza jurídica do Contrato de Investimento à luz do Direito Transnacional 142
3.5 – Conclusão da Terceira Parte 145
4. Bibliografia 148
Apresentação
Ao intitularmos o presente trabalho: “A natureza jurídica do Contrato de Investimento: Subsídios para uma construção a partir da influência do direito do investimento estrangeiro”, visamos esclarecer, ao longo do texto, as forças que confluem na construção de um regime jurídico internacional de IE que, reflexivamente, acabam por influenciar os mecanismos consensuais mobilizados na sua concretização, designadamente, o CI.
Deste modo, é importante sublinhar que a abordagem trilhada consta, sobretudo, da análise aos mecanismos internacionais mobilizados para alcançar este desiderato, atribuindo-se especial destaque à arbitragem ICSID. É nosso propósito, assim, descortinar até que ponto as dimensões que subjazem a uma realidade que é vista, hodiernamente, como um dos modos susceptíveis de impulsionar o desenvolvimento económico dos Estados, passa, ou não, por ser caracterizada como um “brilho sem luz”.
A mencionada abordagem implicará, assim, compreender as implicações do IE num quadro de destatalização, fortemente caracterizado por processos liberalizantes e de privatizações de public utilities, cujas conformações jurídicas estaduais, para além da necessidade de não vilipendiarem soluções pautadas por uma eficácia e eficiência, manifestam a necessidade, não raras vezes, da inevitabilidade de actuações multi-níveis, resultantes de um processo de globalização e europeização, impondo-se a necessidade de serem firmados compromissos, consensos e cooperações num contexto de redes.
É deste modo que a determinação da natureza jurídica do CI implica a compreensão da conflitualidade que deriva, por um lado, dos desafios da mobilização do direito interno (público e/ou privado) de um Host State para a conformação jurídica de um contrato, cujas características intrínsecas manifestam uma internacionalização do seu conteúdo e, por outro lado, da compreensão da influência incutida por via do plano internacional na aplicação efectiva daquele direito, principalmente quando somos confrontados com uma arbitragem internacional, enquanto mecanismo de resolução de litígios, fortemente condicionante e mobilizadora de precedentes, cujos reflexos se repercutem na prossecução de políticas públicas.
1. Primeira Parte – O contexto dinâmico do IE
A primeira parte do presente estudo visa apurar os contornos que subjazem ao IE. Deste modo, é nosso objectivo retratar um contexto genérico dos desafios desencadeados por uma realidade dinâmica, tendente a ilustrar: (i) a existência de conflitualidades na construção de um regime jurídico do IE no plano internacional; (ii) das diferentes influências que são incutidas nos ordenamentos jurídicos nacionais, (iii) assim como nos mecanismos mobilizados para a sua “captação” e delimitação.
1.1 – A autonomização do IE
A crescente autonomização do IE é uma realidade que paulatinamente tem vindo a ser sedimentada. Todavia, consideramos não ser ilusória a constatação de que IE e Comércio Internacional se caracterizam por ilustrar duas realidades que, ao longo da história, vislumbraram uma perfeita simbiose, não obstante hoje apresentem os seus próprios itinerários, características e desafios, não deixando, no entanto, de estabelecer certos aspectos em comum.
Na verdade, o fenómeno do Comércio Internacional, aliado ao IE, não significa, não obstante o carácter de interdependência e complementaridade que se atribua a ambos1, que estejamos na presença de duas realidades que regulam e disciplinam questões idênticas. De facto, estes dois fenómenos têm sido submetidos a profundas transformações, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, que fez despoletar o início de uma cisão entre dois modelos2.
Assim, o Comércio Internacional3, também designado por alguns como Direito dos Negócios Internacionais4, passa a ser conotado como “conjunto de regras que regem as relações comerciais de natureza privada que envolvam diferentes países” (UNITED NATIONS: 1966).
1 Cf. COMISSÃO EUROPEIA: 2010; BREWER / XXXX: 2000, 13; SMEETS: 2000, 13 e ORGANISATION MONDIALE DU COMMERCE: 1997, 25.
2 Cf. SCHILL: 2011a, 1e Idem: 2011b, 904.
3 Para Lima Pinheiro, a expressão “comércio internacional” pode ser utilizada para diferenciar relações microeconómicas, que se traduzem nas relações entre operadores económicos que entram em contacto com a vida económica com mais do que um Estado, das relações macroeconómicas, que se traduzem no conjunto das transacções económicas realizadas entre Estados, sendo que, neste sentido, a expressão “comércio internacional” significará, para o autor, o mesmo que Direito Internacional Económico e que é tradicionalmente entendido como o conjunto de regras e princípios de Direito Internacional Público. Cf. XXXX XXXXXXXX: 2005a, 15 e 16.
4 Cf. ROZAS / GRACÍA / ASENSIO: 2011, 48.
Embora exista controvérsia quanto à autonomia do Comércio Internacional enquanto direito autónomo5, constatamos que não é despicienda a sua relação com o Direito Internacional Privado6, entendido como “ramo da ciência jurídica onde se definem os princípios, se formulam os critérios, se estabelecem as normas a que deve obedecer a pesquisa de soluções adequadas para os problemas emergentes das relações privadas de carácter internacional” (XXXXXX XXXXXXX: 2007, 11).
Por outro lado, a conotação entre Comércio Internacional e Direito Internacional Privado, não é desconsiderada na doutrina. Segundo XXXXXX XXXXX, “o Direito do Comércio Internacional utilizava técnicas limitadas, que, eram, afinal, e de um modo geral, as técnicas próprias do Direito Internacional Privado” (2004, 26).
É deste modo que o carácter privado das questões que o Comércio Internacional tende a tratar, para além de demonstrado pela própria noção de Comércio Internacional apresentada pelas NAÇÕES UNIDAS, é reforçado pelo facto do âmbito do relatório de onde a noção deriva não ser extensível ao âmbito das relações comerciais internacionais ao nível do direito público7.
De todo o modo, a noção apresentada por esta organização internacional é relevante porque faz acentuar, de forma clara, o âmbito e o objecto das questões segundo as quais passam a ser tratadas pelo Comércio Internacional, principalmente após a Segunda Guerra Mundial.
De facto, se até este período temporal o Comércio Internacional e o IE poderiam apresentar uma similitude argumentativa e discursiva nas questões que abordavam, progressivamente, o Comércio Internacional vai demarcar-se das questões relacionadas com o IE para se centrar no tratamento uniforme de um determinado tipo de questões, designadamente, de contratos internacionais, como a compra e venda internacional de mercadorias; seguros; transporte internacional de mercadorias; arbitragem comercial; propriedade industrial e direitos de autor8.
5 Cf. Expondo a questão, LIMA PINHEIRO: 2005b, 404 e ss e Idem: 2003, 860.
6 Cf. TELLES: 2010, 165 e BRITO: 2004, 60. Entendendo que o Direito Comercial Internacional não deve ser encarado como uma parte do Direito Internacional Privado, mas como uma disciplina jurídica autónoma, que apresenta uma área de sobreposição com o Direito Internacional Privado, TELLES: 2010,
165. Expondo a questão, LIMA PINHEIRO: 2005a, 26.
7 Cf. UNITED NATIONS: 1966.
8 Cf. BRITO: 2004, 32 e UNITED NATIONS: 1966.
Parte deste movimento vai ser impulsionado por mecanismos e instituições internacionais vocacionadas para a unificação e harmonização de questões do foro privado (v.g., Leis-uniforme e Leis-modelo), destacando-se, sobre esta matéria, o UNIDROIT e os seus princípios relativos aos contratos comerciais internacionais bem como a UNCITRAL9.
Já ao nível do IE, o período pós Segunda Guerra Mundial vai evidenciar a existência de necessidades específicas na reconstrução dos países afectados pela guerra. Esta necessidade determinará a premência da configuração de novos instrumentos jurídicos, novos modus operandi, adequados a proporcionarem um regime jurídico completo, claro e executável, com forte ênfase no plano internacional, susceptíveis de captar investimentos para o desenvolvimento dos países afectados pela guerra. É nesta ambiência que, a 25 de Novembro de 1959, vai surgir o primeiro Bilateral Investment Treaty, ou seja, “tratados bilaterais concluídos entre Estados com vista a fomentar o investimento estrangeiro entre eles e, por isso, e fundamentalmente a proteger o investidor estrangeiro no Estado de acolhimento” (QUADROS: 1998, 48).
Esta primeira geração de BIT´s, caracterizada pela sua incompletude, e delegatária, principalmente a partir da década de 90, da sua interpretação na arbitragem internacional10, designadamente na arbitragem ICSID, mas também na ICC, na SCC, na LCIA ou na PCA, vai determinar o despoletar de uma abordagem específica, em virtude da sua ratio iuris, das questões inerentes ao investimento11.
Esta nova abordagem vai ser reflexo da própria estrutura e conteúdo dos BIT´s, que passam a incidir, enquanto principais questões, (i) em definições e âmbito de aplicação; (ii) promoção e condições para a entrada de investimentos e investidores estrangeiros; (iii) normas gerais para o tratamento dos investimentos e investidores estrangeiros; (iv) transferências monetárias; (v) expropriações; (vi) condições operacionais; (vii) perdas em conflitos armados ou desordem interna; (viii) modificações e (ix) resolução de litígios12.
9 Cf. ROZAS / XXXXXX / ASENSIO: 2011, 61; VICENTE: 2007/2008, 172 e XXXX XXXXXXXX: 2005b,
399.
10 Cf. XXXXXXXX: 2013, 8 e SCHILL: 2008a, 19.
11 Cf. VANDEVELDE: 2009, 14.
12 Cf. SALACUSE: 2010, 432; XXXXXXXXXX: 2010, 180; XXXXXXXX / XXXXXXXX: 2009, 123 e XXXXXX / XXXXXXX: 1995, 19 e ss.
Os países precursores desta iniciativa, a Alemanha e o Paquistão, determinaram, deste modo, uma nova forma de relacionamento que é considerada, hodiernamente, como um “regime emergente de investimento global” (SALACUSE: 2010, 436).
Esta nova forma de relacionamento irá substituir os Friendship, Commerce and Navigation Treaty’s, antigas formas de relacionamento idealizadas no séc. XIX, determinando uma evolução de paradigma que enfatizava a protecção de medidas que relacionavam investimento com comércio (v.g., navegação em águas interiores), e não exclusivamente de questões inerentes ao IE13.
É deste modo que os BIT´s vão impulsionar um novo consenso internacional, passando a constituir a principal fonte e mecanismo internacional ao nível das várias questões inerentes ao IE14.
Todavia, a disciplina do IE, entendida como International Investment Law, vai ser considerada, durante este período inicial, ainda num “estado embrionário” (SCHILL: 2011b, 884 e 885), principalmente centrado em debates político-internacionais ao nível inter-estadual.
De facto, as décadas de 60 e 70 vão ajudar a vincar, de forma mais acentuada, a clivagem das questões abrangidas entre IE e Comércio Internacional15. Assim, a tentativa por parte dos países em desenvolvimento em instaurar uma Nova Ordem Económica Internacional, expectante na diminuição das disparidades de poderes nas relações económicas entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento16, bem como o incentivo à abolição de restrições ao nível do IDE, resultantes do Consenso de Washington de 1989, vão determinar novas preocupações ao nível do IE.
Surge, nesta época, a manifestação de diferentes ideologias, no plano internacional, sobre a conveniência e a protecção do IE17. Esta realidade irá ser plasmada no movimento de nacionalizações de empresas transnacionais nos Host
13 Cf. XXXXXX XX XXXXXXX / XXXXXXXXXX XXXXXX: 2013, 201 e 202; VANDEVELDE: 2009, 4;
SCHILL: 2009, 29; SALACUSE / XXXXXXXX: 2009, 115 e XXXXXX / XXXXXXX: 1995, 10.
14 Cf. SALACUSE / XXXXXXXX: 2009, 112.
15 Salientando uma alteração do paradigma internacional inerente à recepção do IE neste período, XXXXX XXXXX: 2001, 11.
16 Cf. XXXXXXX: 2006, 508 e 509 e BROWNLIE: 2003, 517.
17 Cf. SCHILL: 2011a, 5.
States, com especial incidência nos países latino americanos por influência da doutrina
Calvo18, mas também nos países soviéticos19.
Em virtude destes acontecimentos caminha-se, deste modo, para a resolução de questões inerentes ao exercício de poderes públicos, principalmente da sua limitação e responsabilização, com particular incidência nas questões relacionadas com a adopção de actos unilaterais praticados pelos Host States que modifiquem ou extingam relações contratuais, existindo uma preocupação, como veremos infra, na aposição de cláusulas de intangibilidade e de cláusulas de estabilização sobre estas matérias. Na verdade, assiste-se a um entendimento, segundo o qual a natureza das questões sob a alçada da arbitragem internacional em matéria de IE, passam a evidenciar, cada vez mais, questões conotadas com um carácter de direito público nos domínios económicos20.
Assim, é no despoletar de uma nova realidade, principalmente e de forma mais acérrima a partir da década de 90, quer em virtude do surgimento da OMC por via do acordo de Marraquexe e, no seu seio, a existência de mecanismos próprios para a resolução de controvérsias comerciais (Sistema de Solução de Controvérsias)21 , quer em virtude, por outro lado, da utilização exponencial dos BIT´s no tratamento de questões específicas inerentes ao IE22, o “salto quântico” (XXXX: 2006, 143), que se assiste ao estabelecimento de um meio de resolução de litígios assente num novo tipo de arbitragem23.
Não obstante esta forma de resolução de litígios não derive exclusivamente de mecanismos internacionais bilaterais (v.g., TCE ou o NAFTA), a mesma irá esbater, de uma forma mais acérrima, a evolução do mero plano das relações inter-estaduais, com
18 A doutrina Xxxxx enfatiza a necessidade de se proceder a uma igualdade de tratamento entre estrangeiros e nacionais. Como consequência, os Estados não devem ser julgados por outros tribunais que não os seus, existindo a necessidade de ser aplicada a lei nacional, relativamente aos estrangeiros, em circunstâncias idênticas às que o Estado mobiliza na celebração de contratos com os seus próprios nacionais. Neste sentido, XXXXXX XX XXXXXXX / FIGUEIREDO XXXXXX: 2013, 201, nota 232; XXXXXX: 2008, 771 e XXXXXXXXX: 2008, 570.
19 Cf. XXXXX-XXXXXXXX: 2011, 180; VANDEVELDE: 2009, 5; XXXXXX: 2009, 29; XXXXXXXXX: 2008, 570 e DOLZER / XXXXXXX: 1995, 8.
20 Cf. ROBERSTS: 2013, 38; SCHILL: 2011a, 16; Idem: 2011c, 1085; Idem: 2008a, 1; SORNARAJAH:
2010, 294 e HARTEN / LOUGHLIN: 2006, 123.
21 Neste sentido, XXXXXXX: 2012b, 578 e ROZAS / XXXXXX / ASENSIO: 2011, 28.
22 Cf. HALABI: 2011, 263; HARTEN: 2010, 20; Idem: 2005, 608; SORNARAJAH: 2010, 172;
VANDEVELDE: 2009, 3 e DOLZER / XXXXXXX: 1995, 5.
23 Cf. SCHILL: 2011b, 881 e XXXXXX: 1992, 166.
especial destaque na diplomacia, para se harmonizar com a emancipação e afirmação de novos sujeitos de poder (v.g., empresas transnacionais)24.
Na verdade, estes novos sujeitos passam a dispor de verdadeiros direitos de acção susceptíveis de desencadear uma arbitragem internacional específica ao nível do IE25, cujo paradigma moderno por oposição a um paradigma tradicional que tendencialmente manifestava a necessidade do esgotamento dos meios jurisdicionais internos26 , tende a salientar um “private right of action” (SCHILL: 2011c, 1088), um verdadeiro “direito potestativo que assiste ao investidor estrangeiro de desencadear a arbitragem contra o Estado recetor do investimento” (VICENTE: 2011, 763).
A arbitragem internacional no domínio do investimento, por sua vez, vai ser encarada como uma nova forma de controlo da conduta dos Estados. Inclusive, passa a ser encarada como uma nova forma de governação global (através de standards de protecção), com impacto directo nas políticas internas27, bem como na resolução de litígios, principalmente decorrentes do exercício de poderes públicos de autoridade entre Host States e investidores.
Esta característica, para XXX XXX XXXXXX e XXXXXX XXXXXXXX, vai determinar a necessidade de se distinguir a arbitragem do investimento da arbitragem comercial internacional em função da natureza das questões sobre as quais passam a versar28 facto e entendimento também aclamado, favoravelmente, na doutrina portuguesa29.
É desta realidade que XXXXXXX XXXXXX, XXX XXX XXXXXX e XXXXXX XXXXXXXX aludem ao surgimento de uma forma moderna e autónoma de ver as questões relacionadas com o IE30.
Ainda que esta proposta de entendimento não seja isenta de dificuldades desde logo pelo carácter fragmentário desta realidade, que passa pela dissonância das decisões arbitrais; da proliferação de centros institucionalizados de arbitragem
24 Cf. XXXXXXX: 2006, 283 e 284.
25 Neste sentido, SCHILL: 2011a, 2; Idem: 2008a, 19; VANDEVELDE: 2009, 17 e XXXXXX / LOUGHLIN: 2006, 122.
26 Criticando este facto, HARTEN: 2010, 34 e Idem: 2005, 613.
27 Cf. XXXXXXX: 2013, 38; SCHILL: 2011b, 897 e 898 e HARTEN / LOUGHLIN: 2006, 148.
28 Cf. SCHILL: 2011c, 1084 e HARTEN / LOUGHLIN: 2006, 123.
29 Cf. XXXXXXX: 2011, 763; BARROCAS: 2010, 725 e XXXXXX: 2008, 776.
30 Cf. SCHILL: 2011b, 880 e HARTEN / LOUGHLIN: 2006, 123.
internacional; do número de BIT´s; do facto de ser um sistema que convive da intersecção entre vários campos de análise (público, privado, internacional, transnacional)31 , não impede estes autores, embora aludindo à interdependência nos planos de análise, de vislumbrarem certos elementos agregadores e exclusivos no domínio do investimento32.
De um modo particular é o que faz XXXXXXX XXXXXX. O autor, que, partindo do principal instrumento utilizado no domínio do IE, o BIT, vai evidenciar a existência de uma convergência geral quanto ao tipo de cláusulas que caracterizam este acordo internacional de investimento, ou seja, quanto ao seu conteúdo. Designadamente, vai defender a possibilidade da cláusula da nação mais favorecida33 determinar, como consequência, uma manifestação da multilateralização de todo o sistema do investimento, ajudando a reduzir o carácter fragmentário que o caracteriza34.
Não esquecendo o carácter simbiótico e complementar entre as duas realidades mencionadas35, observa-se que os caminhos trilhados, afirmam, não só uma crescente expansão do IE, quando comparado com o Comércio Internacional (v.g., em domínios de propriedade intelectual)36, como uma maior preponderância do primeiro na integração da economia mundial, quando comparado com o último37. Por outro lado, esta relação simbiótica e complementar permite comprovar uma ruptura ou superação
31 Neste sentido, ROBERSTS: 2013, 6 e XXXXXXXXX: 2007, 118.
32 Segundo Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx, o direito do investimento estrangeiro directo tende a emergir como um ramo de direito especial dentro do direito global ou transnacional. Cf. XXXXXXX XX XXXXX: 2013, 119, nota 7.
33 Segundo XXXXXX XX XXXXXXX, a cláusula da nação mais favorecida “obriga um país que obtenha nas suas relações bilaterais com outro qualquer vantagens comerciais a estendê-las imediatamente às respectivas relações com países terceiros, de modo a evitar tratamentos diferenciados que prejudicariam a concorrência pois que gerariam um regime privilegiado no plano das relações comerciais bilaterais dos dois primeiros países signatários”. Cf. MONCADA: 2012b, 41.
34 Cf. SCHILL: 2011b, 894 e Idem: 2008a, 4 e ss.
35 A interconectividade entre IE e Comércio Internacional é também possível de ser constatada através do Acordo sobre as Medidas de Investimento Relacionadas com o Comércio, mais conhecido como o acordo de TRIMS que visa, fundamentalmente, a proibição de medidas de desempenho, adoptadas em relação a investimentos, sob pena de distorcer o comércio internacional. Neste sentido, SORNARAJAH: 2010, 66 e SALACUSE / XXXXXXXX: 2009, 137.
36 Assim, XXXXX / PFISTER: 2004, 18. Sobre a crescente expansão do IE face ao comércio, DOLZER: 2009, 827; SALACUSE / XXXXXXXX: 2009, 113; VITA / LAWLER: 2004, 13; XXXXX: 2001, 5 e
SMEETS: 2000, 9.
37 Neste sentido, BENDE-NABENDE: 2002, 40.
de um certo modelo clássico de integração económica internacional, segundo o qual o
Comércio Internacional e o IE seriam considerados, em si mesmos, como substitutos38.
De facto, o que a realidade comprova, em termos gerais, é que uma ambiência favorável ao comércio se revela, também ela, idónea a impulsionar o investimento. Exemplos desta constatação são passíveis de ser comprovados, designadamente na Europa, com o movimento de investimento europeu nos países de leste, impulsionado após o colapso do modelo económico soviético. Este facto permitiu a internacionalização e abertura ao exterior das economias dos países de leste, sendo estas actuações consideradas fundamentais no domínio do IE39. O mesmo entendimento é possível de ser aplicado a Portugal e à Espanha, por via da adesão à então CEE em 1986, ao permitir a integração destes dois países num espaço regional mais dinâmico e global, possibilitando moderar os efeitos da globalização bem como usufruir das oportunidades que esta oferece40.
Na verdade, a realidade que descrevemos adquire convergências com o entendimento da UNCTAD, segundo a qual, os países em desenvolvimento, (grupo no qual Portugal se inseria no passado), e economias em transição, representam, em conjunto, os principais destinos do IE na actualidade41.
Mas sendo esta a realidade que hoje tende a ser sedimentada, muito por causa da proliferação da constituição generalizada de espaços de integração regional, caracterizados como uma tendência do actual sistema internacional42, como são exemplos, inter alia, a UE, MERCOSUL, SACU ou o NAFTA, bem como das suas correspondentes e múltiplas formas de integração, que tendem a surgir sob a forma de uniões aduaneiras, zonas de comércio livre, mercados comuns, uniões económicas e monetárias e ainda em alguns casos por via de uma combinação destas diferentes formas de integração43, verificamos que toda esta nova dinâmica de relacionamentos
38 Cf. VANDEVELDE: 2009, 25; XXXXX: 2001, 3 e ss e FONTAGNÉ: 1999, 1 e ss.
39 Salientando a necessidade de uma abertura ao exterior e à internacionalização, EASSON: 2004, 8; GUERRA-BORGES: 2001, 828; MAH / TAMULAITIS: 2000, 122 e 123; GOUVEIA: 1993, 274. Para uma análise comparativa sobre a implementação do IDE nos países de leste após o colapso da URSS, ALESSANDRINI: 2000, 12 e ss.
40 Neste sentido, SAMPAIO: 2000, 24 e SIMÕES: 1985, 365.
41 Cf. UNCTAD: 2012, 99.
42 Cf. CASSESE: 2010, 79; CUNHA: 2008, 304 e ss; XXXXXXXXXXX: 2002, 146 e ss; AMARAL: 2000, 164 e XXXXXXX: 2000, 137. Salientando uma correlação entre os fluxos de IDE e os espaços de integração regional, XXXXXX: 1999, 162 e SHIHATA: 1993, 8.
43 Sobre as diversas formas de integração, V., por todos, PORTO: 2009a, 218 e ss.
permite (senão mesmo impõe em virtude do processo de globalização), não só um incremento do Comércio Internacional, mas também do IE.
Todavia, também não esquecemos que a criação destes espaços pode acarretar novas “limitações” ao IE. Desde logo por não ser despicienda a possibilidade dos espaços de integração regional estabelecerem regras próprias sobre o IE, designadamente nos acordos de comércio livre, não obstante haja o entendimento de que estes acordos não visam substituir os BIT´s44. Por outro lado, também não é irrelevante a consideração do regionalismo desenvolver atitudes discriminatórias face a países terceiros45.
Mas não obstante esta chamada de atenção, o que se verifica é a existência de uma economia globalizada, em rede, caracterizada por relações plurilocalizadas que esmorecem as fronteiras nacionais, em virtude da interdependência que a actividade económica exige e que favorece o IE46.
Atendendo à história portuguesa, também podemos verificar que ambas as realidades sempre manifestaram uma elevada correspondência ou complementaridade. Um exemplo paradigmático desta asserção é possível de ser constatado com o comércio de vinho do Porto, exemplo, aliás, colhido dos mais conceituados cultores da economia dos tempos modernos para retratar este entendimento47.
De facto, o vinho do Porto48 apresenta a curiosidade de confirmar a presença de IE no território português, por via de uma melhoria das relações comerciais (internacionais) estabelecidas entre Portugal e a Grã-Bretanha, e que culminaram com a celebração do controverso Tratado de Methuen em 1703, qualificado, por alguns, como o primeiro grande IE no sentido estrito do termo em Portugal49 e, para outros, o
44 Neste sentido, DAN: 2010, 161.
45 Cf. CUNHA: 2008, 64 e 65.
46 Neste sentido, IETTO-GILLIES: 2011, 173; XXXXX / XXXXXXXX: 2011, 28; CASSESE: 2010, 41; PORTO: 2009b, 461; XXX: 2006, 17 e 18; XXXXXXXX: 2000, 120; XXXX: 1999, 55; BRITTAN: 1998, 14; XXXXXXXX: 1997, 27 e XXXX / GRAMLICH: 1989, 88.
47 A consideração da produção do vinho do Porto serviu de exemplo, designadamente, na construção da teoria do comércio internacional de Xxxxx Xxxxxxx. Cf. XXXXXXX: 2001, 149 e ss. Também Xxxx Xxxxx fez alusão ao vinho do Porto no que diz respeito ao estabelecimento de relações comerciais entre Portugal e a Grã-Bretanha. Cf. XXXXX: 1999, 74 e ss.
48 Para uma análise à organização institucional do vinho do Porto, MOREIRA: 1996, 882 e ss.
49 Cf. XXXXXXX: 1997, 178.
impulsionador do controlo externo português por entidades estrangeiras50, não obstante XXXX XXXXX o tenha considerado como um tratado “vantajoso para Portugal e desvantajoso para a Grã-Bretanha” (1999, 76).
Todavia, este exemplo não permite afirmar a existência de um passado relevante ao nível do IE no nosso país, facto comprovado, designadamente, ao nível da estrutura accionista das Companhias Pombalinas, segundo as quais, “o poder de sedução das companhias sobre os investidores estrangeiros não foi assinalável, daí se contarem por alguns poucos accionistas estrangeiros, mau grado as garantias legais concedidas nos factos de instituição” (FIGUEIREDO MARCOS: 1997, 525).
Esta realidade que nos é oferecida permite retirar uma ilação inicial: quer o passado, quer o presente, permitem ilustrar que a dinâmica das relações económicas ao nível do IE não representa um tema exclusivamente dos nossos dias, adquire a necessidade da adopção de consensos no plano internacional e manifesta-se numa exponencialidade de relações jurídico-económicas plurilocalizadas de difícil compreensão e regulação, acentuando uma elevada correspondência entre Comércio Internacional e IE.
Como resposta a esta realidade, os Estados esforçam-se na construção de novas gerações de políticas públicas de investimento que tendem a acentuar a liberalização, promoção e a (des)regulação das diversas modalidades de IE51, numa clara resposta contra um pragmatismo exacerbado e proteccionista, na expectativa de se adaptarem aos novos desafios globais de um desenvolvimento que, para além de sustentável, se quer socialmente responsável.
De facto, o pensamento que impera, e que consideramos não ser exclusivamente europeu mas global, é o de que o IE “continuará a ser no futuro aquilo que é já no presente: um bem escasso, guerreado quer entre os países da União, quer ainda entre estes e os países que lhe são externos” (SERRA: 2005, 362).
1.2 – Exemplos históricos de limitações e restrições ao IE
50 Cf. MATOS: 1973, 86. Sobre as controvérsias em torno do Tratado de Methuen, V., XXXXXXX: 2003, 15 e ss e XXXXXXX: 2003, 111 e ss.
51 Neste sentido, V., BANCO DE PORTUGAL: 2012, 20; UNCTAD: 2012, 23; XXXXXXX: 2007, 92;
XXXXX / XXXXXXX: 2005, 23; BENDE-NABENDE: 2002, 45; XXXXXX: 2000, 11 e XXXXXXX: 1993,
2.
Sendo generalizada a ânsia que hoje se verifica em torno da captação do IE, certo é que a mesma não corresponde a um processo linear no decurso do tempo. Na verdade, se considerarmos a evolução do tratamento deste tema por aquelas que são consideradas pela UNCTAD como as cinco economias mais promissoras para o período de 2012 - 2014 (China, E.U.A., Alemanha, Reino Unido e França), em torno de uma das modalidades do IE, o IDE, damo-nos conta que todos estes países, que hoje se esforçam na construção de uma globalização económica pautada pela abertura e liberalização dos mercados a todos os o que nela pretendem participar, foram, outrora, avessos à ideia da existência de IE´s nos seus ordenamentos jurídicos.
Na verdade, esta realidade sempre foi revelada, ao longo da história, pela existência de um direito dos estrangeiros, ou seja, de um “conjunto de regras materiais que reservam para os estrangeiros um tratamento diferente daquele que o direito local confere aos nacionais” (MACHADO: 2011, 18). Assim, não surpreende, em virtude do contexto histórico, a existência deste tipo de tratamentos.
Olhemos, então, para a actuação de alguns dos países acima referidos, mas não só, a fim de confirmarmos a asserção enunciada. Se atendermos ao ordenamento jurídico norte-americano, constatamos que o mesmo foi frutífero em práticas avessas ao IE52. De facto, muitas foram as áreas onde os investidores estrangeiros sentiram dificuldades para a prossecução das suas actividades.
No domínio bancário, o National Bank Act of 1864 estatuía que, para se ser director de um banco nacional, era fundamental, para além da necessidade de se ser cidadão americano, residir no estado, território ou distrito segundo o qual o banco efectuava os seus negócios53, ou ainda, e num momento posterior, mais concretamente por via da legislação bancária de 1914, se determinou a proibição do estabelecimento de
52 De facto, são vários os exemplos que podem ser retirados das actuações dos E.U.A. no que diz respeito à recepção do IE, mais concretamente ao nível do IDE. Assim, e apenas para salientar aquelas que nos merecem uma atenção especial, verificamos que o Communications Satellite Act of 1962 só admitia 20% da propriedade estrangeira neste sector; o Merchant Marine Act of 1920 determinava a necessidade da transferência da propriedade de navios norte-americanos para estrangeiros ser aprovada pela secretaria dos transportes e o Minerals Land Leasing Act of 1920, cuja exigência determinava a necessidade da aquisição de direitos de passagem por oleodutos ou interesses na mineração de carvão, óleos e outros minerais nos Estados Unidos por estrangeiros, estava dependente da existência, ou não, de um direito de reciprocidade por parte do estado estrangeiro a investidores americanos. Para uma análise de cada uma destas políticas, V., XXXXXX / XXXX: 2000, 33.
53 Cf. XXXXX: 2004, 691 e WILKINS: 1989, 455.
sucursais de bancos estrangeiros54. No domínio da propriedade latifundiária, mais concretamente na que incidia sobre o domínio dos recursos naturais, também era corrente a ideia segundo a qual o solo americano deveria de ser para americanos e exclusivamente detido e controlado pelos mesmos55.
Deste modo, não surpreende que XXXX XXXXXXX, após uma análise à história do IE nos E.U.A., entre o período de 1880 a 1914, conclua que, não obstante a existência e a importância do IE neste período, particularmente no domínio ferroviário e minério, “as leis federais desencorajavam; limitavam ou até mesmo proibiam alguns investimentos estrangeiros” (WILKINS: 1989, 580)56. Todavia, não deixa de ser curioso o facto de os E.U.A. terem representado a economia cujo crescimento, embora com condicionalismos, se tenha caracterizado por ser exponencial nos finais do século XIX e inícios do século XX57.
Mas o retrato dos E.U.A., neste domínio, não representou um caso isolado. De facto, é possível encontrar práticas semelhantes na Finlândia, mais concretamente em 1886, onde se verificava a proibição da existência de negócios bancários por estrangeiros ou até mesmo a proibição da construção e operações ferroviárias por parte dos mesmos.
Mas mais gritante ainda foi a adopção, por parte deste país, em 1919, da necessidade de garantir antecipadamente o pagamento de impostos e outros encargos devidos, em virtude do estabelecimento de certas actividades por parte de estrangeiros neste país58. No caso do Reino Unido, França e Alemanha verifica-se, após a Segunda Guerra Mundial, a adopção de mecanismos para a salvaguarda dos seus interesses nacionais em virtude da crescente hegemonia dos E.U.A. e do declínio destes países enquanto principais players no plano do IE59.
Já no Japão, e atendendo ao período anterior a 1963, também se verificava uma limitação, em termos gerais, do controlo da propriedade estrangeira, sendo que, em indústrias consideradas vitais, era comum a existência de fortes limitações ao IE60.
54 Cf. XXXXX: 2004, 694.
55 Cf. XXXXX: 2004, 692 e WILKINS: 1989, 569.
56 Salientando a política comercial norte-americana como altamente proteccionista até ao início da Primeira Guerra Mundial, GAVIN: 2001, 3.
57 Neste sentido, XXXXX: 2004, 694.
58 Cf. XXXXX: 2004, 697 e 698.
59 Fazendo uma análise comparada desta realidade, XXXXX: 2004, 691 e ss. Sobre a hegemonia do Reino Unido ao nível do IE, XXXXX: 2001, 3 e BREWER / XXXX: 2000, 56.
60 Cf. XXXXX: 2004, 701. Salientando limitações do IE em sectores estratégicos, MATOS: 1973, 49.
Mas da mera análise destas actuações é possível vislumbrar uma característica: a limitação ou restrição no acesso à propriedade, em termos gerais, enquanto forma de protecção de um forte movimento de IE61. De facto, se atendermos ao ordenamento dos E.U.A., este entendimento foi possível de ser constatado através do Omnibus Foreign Trade and Competitiveness Act de 198862.
Tendo como principal objectivo evitar a perda do controlo em sectores chave da economia, designadamente, na rádio, transportes, petróleo e banca, manifestou o recrudescer de práticas discriminatórias entre investidores nacionais e estrangeiros, bem como a adopção de cláusulas ou políticas de reciprocidade que atendiam ao “clima” de abertura ao investimento entre países63 facto prementemente verificado nos E.U.A. entre os finais do século XIX e inícios do século XX no domínio da protecção de marcas64.
Todavia, cumpre salientar que esta não foi uma característica exclusiva dos países que hoje são considerados como os grandes players neste domínio. Na verdade, e se considerarmos o ordenamento português, verificamos que o IE, quando analisada a salvaguarda dos interesses nacionais, sempre manifestou uma elevada relevância. Tal entendimento é exposto por XXXXX XXX XXXXX, segundo o qual, o “investimento estrangeiro sempre ocupou um lugar mais importante na política que na economia portuguesa, porque o medo da dominação estrangeira foi sempre superior às oportunidades de negócio do país” (1999, 299)65.
Não obstante este entendimento, cumpre salientar que a presença de IE em Portugal, principalmente oriundo da Grã-Bretanha, E.U.A. e Alemanha, mesmo durante o período do Estado Novo (v.g., no domínio da exploração do volfrâmio)66, sempre se
61 Neste sentido, WILKINS: 1989, 241.
62 A adopção deste acto veio permitir restringir investimentos nos E.U.A. em áreas para além dos sectores regulados pelo Governo Federal. Na verdade, entende-se que, na versão original deste acto, o Presidente dos E.U.A. poderia bloquear o IDE quando estivessem em causa razões de segurança nacional, que se encontravam estritamente definidas, designadamente, a ameaça ao comércio essencial no seu território. Cf. SORNARAJAH: 2010, 89; XXXXXX / XXXXXXX: 1991, 121e XXXXXXXXXX: 1989, 308.
63 Cf. TOLLIDAY: 2006, 3 e XXXXX: 2004, 691.
64 Cf. XXXXXXX: 1989, 565.
65 No mesmo sentido, ROLLO: 2007, 80. Salientando uma alternância face às atitudes de abertura e desconfiança do IE no ordenamento jurídico português, SANTOS: 1985, 741.
66 Cf. NUNES: 2010, 128.
verificou67. No entanto, existiram períodos da nossa história que demonstram que os mesmos nem sempre foram bem recebidos. De facto, muito oscilante foi a posição de Portugal neste domínio.
Embora se tenha verificado uma progressiva abertura nesta matéria, principalmente após o final da década de 50 com a celebração da Convenção de Estocolmo e já na década de 60, com a entrada de Portugal em organizações internacionais como o Banco Mundial, OCDE e o FMI mas que se verifica, ainda de forma mais incisiva, após a Revolução de 197468 , era comum, no período antecedente a estas datas, mais concretamente no período do Estado Novo, a caracterização do nosso país como “um sistema político-económico introvertido e temeroso das influências inovadoras provenientes do exterior, normalmente encarados como potenciais elementos desagregadores do status quo” (SIMÕES: 1985, 332).
Estas características eram demonstradas nas diversas políticas que o nosso país vinha adoptando. De facto, a política de condicionamento industrial69 inicialmente dotada de um carácter provisório, mas que veio implementar uma disciplina jurídica permanente no que diz respeito à actividade industrial70 , conjugada com a L n.º 1994, de 13 de Abril, de 1943, que viria a ser designada como “Lei de Nacionalização de Capitais”, evidenciaram uma época no nosso país cujo intervencionismo público representava uma “pedra de toque” do regime de então. Daí que a imposição de barreiras à implementação de novas unidades produtivas, por via de autorizações governamentais prévias com o intuito de proceder a uma protecção concorrencial quer em termos nacionais quer em termos internacionais, tenha sido fundamental71.
Lapidarmente, o regime apresentava-se como “nacionalista, proteccionista e interventor, elementos que seriam contrários ao investimento estrangeiro” (NEVES: 1999, 299).
67 Neste sentido, XXXXX: 1999, 300; XXXXXXX: 1997, 188 e 189 e MATOS: 1973, 205.
68 Para uma abordagem histórico-legislativa do IE em Portugal V., CUNHA: 2006, 29 e ss.
69 Esta política foi formalmente instituída pelo Decreto n.º 19354, de 14 de Fevereiro de 1931. Segundo este diploma, passam a carecer de autorização governamental operações tão diversas como: a instalação de novos estabelecimentos industriais ou a reabertura dos mesmos quando encerrados por período superior a dois anos; a montagem ou substituição de maquinistas, quando se verificasse um aumento da capacidade de produção instalada, e a transferência de licenças de exploração a favor de estrangeiros.
70 Cf. CRUZ: 1966, 5 e ss.
71 Cf. XXXXXX / XXXXXXXXX / XXXXXXX: 2011, 36; NEVES: 1999, 300; ROSAS / BRITO: 1996,
184 e 185; MATA / VALÉRIO: 1994, 191 e SIMÕES: 1985, 331.
Mas se com a revolução de Abril de 1974 este caminho poderia automaticamente ter sido alterado, constatamos, não obstante a extrema mudança de paradigma que se tenha verificado na sociedade portuguesa em múltiplos aspectos, incluindo a abertura da economia ao exterior, que o movimento de nacionalizações ocorrido no nosso país após esse período72, bem como a busca de identidade do modelo de constituição económica adoptado pela constituição de 197673, tenha potenciado mais uma retracção do IE74.
No entanto, embora existisse um movimento radicalizante de nacionalizações, cumpre destacar o (quase) total respeito do ordenamento jurídico português para com os investidores estrangeiros. Na verdade, e invocando o T.C., “não foram nacionalizadas as empresas ou participações estrangeiras”75. Todavia, e para uma correcta compreensão deste momento, cumpre salientar, a título excepcional e retaliatório, a nacionalização das participações do capital angolano na Sociedade Portuguesa de Lapidação de Diamantes76.
Mas, se por um lado, o ordenamento jurídico português demonstrava na sua quase totalidade o respeito para com os IE´s, nem por isso se coibiu, no momento posterior inerente às reprivatizações (principalmente após a revisão constitucional de 1989 que pôs fim ao princípio da irreversibilidade das nacionalizações), de proceder à limitação do montante das acções ou do capital a adquirir ou a subscrever por entidades estrangeiras por via da Lei-Quadro das Privatizações77, facto que ficou bem patente na sociedade portuguesa78, não obstante já com a plena consciência da impossibilidade de proceder a esta prática aos IE´s que apresentassem uma proveniência europeia79.
72 Para uma análise deste período V., XXXXXX / XXXXXXXXX / MARQUES: 2011, 136.
73 Sobre o tema, FERREIRA: 1996, 402 e ss e XXXXXXX: 1987, 3 e ss.
74 Cf. SIMÕES: 1985, 336.
75 Cf. Acórdão do T. C. n.º 108/88. Disponível em xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xx.
76 Cf. DL n.º 10-C/80, de 18 de Fevereiro.
77 Referimo-nos ao n.º 3 do art.º 13 da L n.º 11/90, de 5 de Abril.
78 Confirmando o nosso entendimento, é possível de ver o tratamento que o legislador nacional ofereceu às entidades estrangeiras neste domínio. Assim, sem apelarmos a um carácter exaustivo, salientamos o n.º 1 do art.º 7 do DL n.º 169/93, de 11 de Maio, que veio aprovar a alienação de 25000000 de acções detidas pelo Estado, representativas de 25% do capital social do Banco Português do Atlântico S.A; a al.
d) do n.º 1 do art.º 6 do DL n.º 352/88, de 6 Outubro, que procedeu à alteração da natureza jurídica do Banco Totta & Açores E.P., convertendo-o de pessoa colectiva de direito público em pessoa colectiva de direito privado, com o estatuto de sociedade anónima de capitais maioritariamente públicos; a al. d) do n.º 1 do art.º 6 do DL n.º 353/88, de 6 de Outubro, que procedeu à alteração da natureza jurídica da UNICER – União Cervejeira, E.P., convertendo-a de pessoa colectiva de direito público em pessoa colectiva de direito privado, com o estatuto de sociedade anónima de capitais maioritariamente públicos; a al. d) do n.º 1 do art.º 6 do DL n.º 108/89, de 13 de Abril, que procedeu à alteração da natureza jurídica da Tranquilidade Seguros, E.P., convertendo-a de pessoa colectiva de direito público em pessoa
1.3 - Cooperação versus Hegemonia: A tensão dialéctica na construção de um regime internacional de IE
Xxxxx mudou desde então, não só em termos nacionais como internacionais. De facto, não deixa de ser relevante a constatação de XXXXX quando conclui, na alteração do paradigma vivenciado e impulsionado por parte dos grandes players ao nível do IE, para a actual tentativa de abolição das limitações e restrições ao fenómeno do IE80.
É em virtude deste entendimento, e da conjuntura económica global que os Estados enfrentam, actualmente, que somos tentados a dizer que, mais do que um eventual “brilho sem luz”, o IE tende a surgir como uma das possíveis salvações em volta da penumbra que os Estados enfrentam, não só mas também, no sector económico81.
De facto, a captura de novos IE´s representa uma realidade dos nossos dias, realidade que se comprova nos ajustamentos às leis de IE; da celebração de CI; de BIT´s, assim como da necessidade de configuração de regimes fiscais tendencialmente estáveis e apelativos neste domínio82.
No entanto, nem por isso se isenta esta realidade de se digladiar entre virtudes e infortúnios.
Entre as virtudes, e em termos de concepções gerais, considera-se que o IE é susceptível de gerar benefícios, designadamente, de transferências de tecnologia; melhoria dos acessos aos mercados de exportação; dinamização do emprego local;
colectiva de direito privado, com o estatuto de sociedade anónima de capitais maioritariamente públicos; a al. b) do n.º 1 do art. 8 do DL n.º 260/90, de 17 de Agosto, que procedeu à alienação de 51% do capital da Companhia Seguros Tranquilidade e a aliena b) do n.º 1 do art.º 8 do DL n.º 348/90, de 5 de Novembro, que procedeu à alienação de 51% do capital da Aliança Seguradora;
79 Este entendimento foi expressamente afirmado pelo legislador português no preâmbulo do DL n.º 214/86, de 2 de Agosto, ao afirmar a necessidade da derrogação de normas legais que estabelecessem limitações ao investimento em Portugal, cuja origem fosse comunitária, quando tais limitações se baseassem, exclusivamente, em razões de nacionalidade. Todavia, nem por isso Portugal deixou de ser condenado no TJUE como o comprova o Processo C-367/98, de 4 de Junho de 2002. Disponível em xxx.xxx-xxx.xxxxxx.xx
80 Neste sentido, CHANG: 2004, 706.
81 Salientando a inexistência de uma relação directa que comprove uma correlação entre crescimento económico e IE, V., GUERRA-BORGES: 2001, 828.
82 Cf. SALACUSE: 2010, 450.
novas formas de gestão; know how; introdução de novos produtos ou o estabelecimento de centros avançados em I&D83.
Todavia, também não é isento de críticas. Isto porque se considera que em torno dos movimentos de IE tendem a agudizarem-se problemas em áreas tão diversas como o ambiente; a agricultura; a saúde púbica; a utilização de recursos naturais sem as preocupações devidas com as necessidades locais; de deslocamentos associados às variações dos níveis de produção económicos internacionais; a criação de necessidades artificiais ou o privilégio de relações intra-grupos que fazem com que sejam ténues as relações económicas com a economia local84.
Mas se este é, sucintamente, o retrato geral dos prós e dos contras do IE, também podemos afirmar que ele ganha uma especial acuidade, no plano concreto, tendo em conta quer os países de onde este provém, quer dos países que o recebem. De facto, a simples qualificação, já de si complicada, de um país como desenvolvido ou em desenvolvimento, não é irrelevante neste domínio. Isto porque, embora esta qualificação, no seio da OMC, derive de uma auto-caracterização por parte dos países membros, nem por isso exime a mesma de estabelecer determinadas consequências85.
A título de exemplo, é possível constatar a existência, para os países que se auto- caracterizem como países em desenvolvimento, da isenção, embora temporária e susceptível de contestação, de algumas regras da OMC, designadamente, de medidas relacionadas com o comércio de investimentos (TRIM´S)86. Outro exemplo paradigmático desta problemática reside no âmbito de protecção de determinados tipos de investimentos ao abrigo da Convenção MIGA, em virtude do seu artigo 14.º determinar que “[a]penas podem ser garantidos, ao abrigo do presente capítulo, os investimentos que venham a ser feitos no território de um país membro em desenvolvimento”87.
1.3.1 – Os desafios do IE para os países que o recebem
83 Cf. GÖRG / XXXXXXX: 2009, 3; XXXXX: 2006, 26; XXXXXX: 2004, 9; SEID: 2002, 10; XXXXXX:
2000, 10 e 11; SHIHATA: 1993, 11; XXXXXX: 1992, 3 e SIMÕES: 1985, 365.
84 Cf. XXXXX: 2006, 48; UNCTAD: 2004, 27 e ss; SEID: 2002, 13 e ss e XXXXXX: 1985, 741.
85 Salientando este facto, MOTA: 2005, 462 e 463.
86 Cf. XXXXXXX / XXXXXXXXXXXXX / WINTERS: 2003, 5.
87 Para uma análise em português da tradução da referida Convenção, V., XXXXXXXX / XXXXXXXX: 2005, 655 e ss.
Focando o tema do IE para os países que o recebem, qualificados na literatura internacional como Host States ou capital-importing countries, algumas questões tendem a surgir. Na verdade, estes países podem, teoricamente, adoptar duas atitudes possíveis, não obstante com certas nuances, no que diz respeito à recepção ao IE.
A primeira corresponde a uma atitude “amigável”, sendo que hoje, a mesma tende a ser representada pela generalidade dos países em virtude da influência das linhas de orientação resultantes quer do Consenso de Washington, (em parte apoiadas pelo Consenso de Pequim), quer das directrizes do Banco Mundial sobre o tratamento do IE. Como consequência, o controlo sobre o IE reside na supervisão e não na autorização deste fenómeno, existindo uma preponderância num controlo meramente estatístico e à posteriori.
Tal realidade, para além de configurar o actual caso português, resultante de uma condenação no TJUE, que considerou a existência de autorizações prévias como um meio susceptível de tornar ilusório o princípio da livre circulação de capitas88, é afirmada pelo legislador nacional no preâmbulo do DL n.º 203/2003, de 10 de Setembro, que veio estabelecer, grosso modo, o actual regime contratual do CI.
Estabelece-se, deste modo, uma estreita harmonia com a imposição da UE, por via da Directiva n.º 88/361/CE, de 24 de Julho, relativa à livre circulação de capitais, que impõe a supressão das restrições às movimentações de capitais efectuadas entre pessoas residentes nos Estados-membros.
De um lado diametralmente oposto, temos os países que adoptam uma atitude “hostil” mediante a adopção de práticas restritivas, limitativas ou impeditivas do IE, das quais também foram presentes no ordenamento jurídico português89. Do ponto de vista desta atitude, o foco das atenções concentra-se na adopção de regimes que aludem à necessidade de autorizações, registos prévios e discricionários, principalmente enfatizados em sectores chave da economia90.
O exemplo paradoxal e actual desta atitude é o caso da China, dado que não existe uma “livre entrada de capitais estrangeiros (…) porque os investimentos
88 Cf. Processo C-367/98, de 4 de Junho de 2002. Disponível em xxx.xxx-xxx.xxxxxx.xx.
89 Estas características eram possíveis de ser constatadas quer no DL n.º 239/76, de 6 de Abril; no DL n.º 348/77, de 24 de Agosto, e ainda no DL n.º 197-D/86, de 18 de Julho. No mesmo sentido, BRANCO: 1991, 3 e ss.
90 Cf. HAHN / GRAMLICH: 1989, 63 e 64.
estrangeiros estão sujeitos à apreciação e autorização pelos órgãos administrativos” (DAN: 2010, 181). Por outro lado, o Guiding Directory on Industries Open to Foreign Investment divide a indústria chinesa em sectores livres, sectores incentivados, sectores restritos (acessíveis por via de joint ventures) e sectores proibidos ao nível do IE91.
Uma vez que grande parte dos Host States são países em desenvolvimento e economias de transição92, constatamos que o tema da recepção do IE acarreta sobre os mesmos problemas que não se verificam, ao menos de forma tão premente, nos países desenvolvidos, sendo que estes, quando comparados nestas matérias, apresentam, tendencialmente, políticas semelhantes93.
Desde logo, os países desenvolvidos demonstram uma tendência para não evidenciarem restrições ou disposições especiais ao nível do IE em sectores que correspondam ao desenvolvimento de alta tecnologia, embora os sectores estratégicos, em regra objecto de monopólios estaduais, surjam como sectores restritos quer para investidores nacionais, quer para investidores estrangeiros94.
Todavia, cumpre salientar que a tendência que os países desenvolvidos, mais concretamente os E.U.A. através do Omnibus Trade and Competitiveness Act of 1988, e até mesmo a Alemanha no que diz respeito à aquisição de empresas alemãs por investidores estrangeiros localizados fora da UE95, têm demonstrado, cada vez mais, um poder de redireccionamento e limitação do IE, principalmente nos seus sectores económicos vitais ou quando digam respeito a questões de segurança nacional96.
Todavia, uma afirmação deste tipo não pretende indicar que o IE nestes países não exista ou seja menosprezado. Para tal basta observar o exemplo dos E.U.A., onde o IE, para além de historicamente ser considerado como um grande benefício para a economia norte-americana97, é lapidarmente constatável no sector petrolífero, por via da
91 Neste sentido, DAN: 2010, 182; XXXXX: 2006, 47 e LONG: 2005, 319.
92 Cf. UNCTAD: 2012, 99; XXXXXX: 2004, 5; SEID: 2002, 99; XXXXXXX / XXXXXXXX / XXXXXXXXXXXX: 0000, 00 e SHIHATA: 1993, 2.
93 Cf. XXXXXXXXXX: 1989, 300.
94 Cf. XXXXXXXXXX: 1989, 305 e ss.
95 Cf. STORK: 2010, 260 e ss.
96 No mesmo sentido, UNCTAD: 2012, 100 e SORNARAJAH: 2010, 90.
97 Cf. XXXXXXXXXX: 1989, 282.
presença de empresas do Reino Unido, no sector químico, por parte de empresas alemãs, e no sector bancário e automóvel, por parte de empresas japonesas.98
No entanto, uma constatação há a fazer. Isto porque o que se verifica é que a adopção de tais práticas tende a ser efectuada de um modo mais subtil do que nos países em desenvolvimento ou economias de transição, sendo estas representadas por minuciosas leis antitrust ou por leis da concorrência99 que, não pretendendo condicionar ou dirigir a economia mas sim alcançar a eficiência dos mercados, por via da correcção de resultados não desejados, bem como da prossecução de determinados interesses ou liberdades fundamentais (v.g., o controlo das operações de concentração de empresas), surgem conjugadas com uma forte regulação económica100 que antecipa a actuação dos movimentos de IE, não sendo irrelevante, neste domínio, a “satisfação” de lobbies nacionais101.
Esta realidade faz realçar a inexistência de um acesso puro, ilimitado e incondicional do IE102, na medida em que se visa evitar “efeitos considerados indesejáveis do ponto de vista do adequado funcionamento do mercado e da prossecução de determinados fins de interesse público” (MONCADA: 2012b, 249). Deste modo, cremos que o principal problema que os países desenvolvidos enfrentam pauta-se por ser um problema de controlo e redireccionamento do IE.
Quanto aos países em desenvolvimento e economias de transição, cremos que esta questão seja mais delicada, não obstante com uma particular incidência para os primeiros.
Dado o passado subjugado ao colonialismo e da sujeição dos seus próprios interesses à crescente hegemonia das metrópoles, parte do desenvolvimento económico dos países em desenvolvimento ficou condicionado. Daí que, durante o fim do colonialismo, tais países se tenham deparado com um forte flagelo ao nível das suas necessidades essenciais, sendo o IE, mais do que um “caminho para o desenvolvimento” (KAUSHAL: 2009, 500), considerado como um mecanismo de um
98 Cf. XXXXXX / XXXXXXX: 1991, 74 e RICHARDSON: 1989, 288. Salientando a presença de IE em sectores essenciais, SORNARAJAH: 2010, 81.
99 Cf. SORNARAJAH: 2010, 98.
100 Sobre o problema, XXXXXXXXX: 2013, 254 e 255. Sobre o conceito de regulação económica, V., XXXXXXX: 2012, 19 e ss; XXXXXX / XXXXXXXXX / MARQUES: 2011, 184 e 185 e D`XXXXXXX: 2006, 237 e ss.
101 No mesmo sentido, SORNARAJAH: 2010, 92.
102 Cf. SALACUSE / XXXXXXXX: 2009, 134.
desenvolvimento económico propulsor da legitimação dos próprios processos de independência.
É deste modo que terminada a era do colonialismo e, com ela, a era do domínio político, seria expectável que os países em desenvolvimento adquirissem um direito efectivo para controlarem a entrada de IE nos seus territórios em virtude da sua soberania103. Todavia, o que cremos que a factualidade nos oferece é que ainda é distante a afirmação da mesma por parte dos países em questão.
Na verdade, e embora os esforços que o Direito Internacional vá exercendo no sentido de os Estados estabelecerem relações segundo um princípio de igualdade, princípio esse consagrado na Carta das Nações Unidas, certo é que o mesmo princípio legitima que possam existir “desigualdades funcionais” impostas em virtude do mesmo princípio104. Mas se este já é um problema que por si só é difícil de inverter em termos fácticos, cumpre salientar que o mesmo ajuda ainda mais a agudizar estes países.
Assim, e atendendo à soberania externa105 dos mesmos, no contexto da política internacional ao nível do IE, verifica-se um acentuar de pressões, quer ao nível do Banco Mundial, do FMI (principalmente após o final da década de 80 com o Consenso de Washington), ou até mesmo da OCDE, na adopção de políticas que promovam liberalizações e privatizações, que favoreçam oportunidades de fusões e aquisições de empresas públicas a investidores estrangeiros106.
Por outro lado, e ao nível da sua soberania interna107, cumpre salientar que, não raras vezes, os países em questão apresentam regimes políticos pautados por instabilidades políticas108, potenciando, por outro lado, a existência de deficits de transparência que acarretam, como consequência, o aumento de custos implícitos e assimetrias de informação ao nível do IE, sendo estas questões consideradas vitais para os investidores estrangeiros no domínio das políticas económicas e, como tal, valoradas negativamente109.
103 Salientando este facto, WILKINS: 1989, 88.
104 Cf. XXXXXXX: 2006, 222 e FERREIRA: 2004, 159. Salientando a importância do princípio da igualdade entre os Estados no domínio das relações internacionais, BAPTISTA: 2004, 140 e 141.
105 Para uma análise a este conceito, XXXXXXX: 2006, 183 e CANOTILHO: 2003, 90.
106 Cf. SORNARAJAH: 2010, 24 e KAUSHAL: 2009, 507.
107 Para uma análise a este conceito, XXXXXXX: 2006, 183 e CANOTILHO: 2003, 90.
108 No mesmo sentido, BENDE-NABENDE: 2002, 45.
109 Cf. DAN: 2006, 109 e DRABEK / XXXXX: 2001, 7. Não obstante se reconheça que os regimes democráticos tendem a apresentar fluxos de IE mais elevados, é certo que também existem autores que chamam a atenção para o facto das empresas transnacionais poderem preferir regimes autoritários. Este
Face a este retrato, para além da sua reduzida influência no domínio político, é comum considerar-se que os países em desenvolvimento sofrem uma nova forma de domínio, principalmente no período pós Segunda Guerra Mundial.
Este domínio, numa era onde se questiona se existem limites à globalização económica110, pauta-se (por “deslumbramento”!), por ser económico, sendo efectuado por poderosas multinacionais que, para além poderem exercer fortes pressões políticas em seu benefício, surgem apoiadas pelos seus próprios países de origem111, verificando- se a sua preferência em massivos IE´s no domínio dos recursos naturais e em infra- estruturas112, aos quais, não raras vezes, se associam a existência de práticas de suborno e corrupção113.
Na verdade, este facto não é alheio a uma certa consciencialização do problema ao nível internacional, sendo comum enaltecer-se a inexistência de uma correlação positiva entre riquezas naturais e desenvolvimentos económicos destes países (“doença holandesa”)114. Atendendo a este facto, verifica-se a existência de uma progressiva protecção para com os países em desenvolvimento no domínio dos recursos naturais, por via de uma Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre esta matéria115, que visou “fornecer aos países recém-independentes um “escudo legal” contra os direitos de propriedade e reivindicações de direitos contratuais de empresas estrangeiras ou Estados que possam infringir a sua soberania económica” (KAUSHAL: 2009, 502).
De facto, a perda de soberania no domínio económico tem constituído a “pedra de toque” das preocupações dos países em questão, principalmente da Índia, China e Egipto, preocupações que levam à recusa da adopção de um regime global de
facto, deriva da possibilidade de serem oferecidos melhores condições de negócios nas suas entradas em virtude da falta de pressão popular ou reivindicações sindicais. Neste sentido, XXXXXX: 2008, 79.
110 Cf. XXXXX / XXXXXXXX: 2011, 28.
111 Cf. SORNARAJAH: 2010, 280; VANDEVELDE: 2009, 11 e XXXXX: 2001, 15.
112 Cf. UNCTAD: 2012, 9; XXXXX: 2001, 9 e MATOS: 1973, 58.
113 No mesmo sentido, XXXXX: 2006, 89.
114 Referindo esta realidade, XXXXX / WARNER: 2001, 828.
115 Referimo-nos à Resolução 1803 (XVII) da Assembleia Geral, de 14 de Dezembro de 1962, sobre a “Soberania Permanente Sobre os Recursos Naturais”. Desta resolução merece destaque o seu ponto 8, segundo o qual: “Os acordos de investimento estrangeiros celebrados livremente por ou entre Estados soberanos deverão ser cumpridos de boa fé; os Estados e as organizações internacionais deverão respeitar estrita e conscienciosamente a soberania dos povos e das nações sobre as suas riquezas e recursos naturais em conformidade com a Carta e com os princípios consagrados na presente resolução.” Salientando a relevância da Resolução em apreço no domínio de uma nova ordem económica internacional, MACHADO: 2006, 212.
investimento116. Como principais alegações desta recusa, salientam-se dois grandes argumentos.
O primeiro argumento assenta no facto de que a existência de um regime global de investimento representaria uma significativa perda da soberania ao limitar o poder de regulação, o que seria susceptível de atribuir a investidores estrangeiros poderes excessivos. Em segundo lugar, um regime global de investimento representaria uma redução da adopção de políticas de investimento ajustadas às necessidades próprias de desenvolvimento de cada país117.
Por outro lado, cumpre destacar que uma plena liberalização das políticas relacionadas com o IE não determina uma automaticidade crescente do seu fluxo, facto que leva a doutrina a dar como exemplo a comparação entre China e os países africanos118.
No entanto, cremos que mais do que colocar o assento tónico na questão da soberania económica, que tende cada vez mais a ser diluída e difícil de concretizar à luz do espírito (obsoleto e meramente formal) da Carta dos Direitos e Deveres Económicos dos Estados, que apela a tal entendimento ao nível do IE119, cremos que os países em desenvolvimento devam encetar os seus esforços na gestão da sua soberania.
De facto, existe a necessidade de uma efectiva adaptação aos novos paradigmas internacionais que tendem, cada vez mais, a evidenciar a necessidade de uma colaboração e cooperação com vista a uma verdadeira governança económica global destas matérias120.
Deste modo, cremos que só desta forma os países em desenvolvimento e
economias de transição possam proceder a uma efectiva ponderação dos problemas que
116 Dando conta deste facto, DAN: 2006, 215 e SEID: 2002, 110 e ss. Para uma análise do relatório elaborado em 1991 por iniciativa da França à Comissão de Desenvolvimento do Quadro Legal para o tratamento do IE ao nível de um quadro jurídico global e os seus princípios jurídicos essenciais V., SHIHATA: 1993, 201 e ss.
117 Cf. SEID: 2002, 101.
118 Embora a China seja um dos países que recebe mais IE desde 1992, não deixa de ser curiosa a comparação deste país, que apresenta um regime restritivo de investimento, quando comparado com os países africanos que, embora apresentem regimes de investimento mais liberais do que a China, tendem a apresentar, em termos comparativos, um menor fluxo de IE. Salientando a mesma realidade, KAUSHAL: 2009, 509 e 510.
119 Referimo-nos à al. a), do n.º 2 do art.º 2, Capítulo II – Direitos Económicos e Deveres dos Estado da Resolução n.º 3281, de 12 de Dezembro de 1974.
120 Neste sentido, UNCTAD: 2012, 99; XXXXXXX: 2003, 784 e 785; SOLANA: 2001, 27; XXXXXX: 2000, 19 e 20; XXXX: 1999, 32 e XXXXXX: 1999, 162 e ss.
derivam da captação do IE num primeiro momento e, numa fase posterior, nos problemas que derivam do seu controlo.
1.3.2 – Os desafios para os países exportadores de IE
Uma vez que a internacionalização e abertura das economias potencia, cada vez mais, a facilidade da iniciativa de novos IE´s, em virtude da procura de novos recursos, mercados, activos ou eficiências, cumpre salientar que esta realidade passou a constituir uma tendência generalizada por parte de todos os países, não sendo Portugal excepção121.
Todavia, novos problemas surgem associados a estas práticas, sendo assintomática a expressão segundo a qual “investir no estrangeiro representa uma oportunidade e um risco” (AGUIAR / GULAMHUSSEN: 2009, 51)122. De facto, e se atendermos ao paradigma actual, verificamos que o domínio do IE contraria a imposição do uso da força física, típica da era colonial123, como “modus” da protecção do IE.
Hodiernamente, para superar a imposição do uso da força física para a protecção do IE, existe a necessidade, principalmente desencadeada por parte dos países exportadores de capital, da construção e adopção de um regime de investimento global pautado por três grandes áreas.
As suas preocupações manifestam-se, assim, (i) na protecção dos investimentos estrangeiros dos seus nacionais, visando atenuar eventuais acções negativas por parte dos Host States, maxime das nacionalizações e expropriações, principalmente nos países latino-americanos onde é comum considerar-se a sua tradição de oposição a regras internacionais relativas a IE´s124; (ii) na ampliação do âmbito de protecção a direitos intangíveis (v.g., propriedade intelectual), e (iii) na necessidade da relação do IE ser pautada pela existência de um conjunto de actos administrativos (lato senso),
121 Cf. VANDEVELDE: 2009, 27. Para uma análise do tema no ordenamento jurídico português, LEAL: 2007.
122 Salientando a existência de um risco político no CI, XXXXXXX XX XXXXX: 2013, 142.
123 No mesmo sentido, SORNARAJAH: 2010, 21; XXXXXXXXX: 2008,780 e WILKINS: 1989, 19.
124 Cf. DOLZER / XXXXXXX: 1995, 8. Sobre a protecção do IE em concreto V., IETTO-GILLIES: 2011, 180 e SALACUSE: 2010, 439 e 440.
considerados essenciais para o normal funcionamento de um investimento (v.g., licenças de construção e ambientais)125.
Atendendo à premente arena global na obtenção de novos IE´s, não será ilusória a constatação dos múltiplos esforços desenvolvidos por parte dos países exportadores de capital, principalmente no plano internacional através dos International Investment Agreements, para a protecção dos seus investimentos e investidores com o intuito de alcançar uma “convergência de expectativas” (SALACUSE: 2010, 431). De facto, esses esforços desmultiplicam-se na instituição de uma diversidade de organismos e instrumentos jurídicos internacionais susceptíveis de alcançar tal desiderato.
É em face desta realidade que deparamo-nos, principalmente, com três possibilidades de alcançar esses objectivos, sendo elas a via multilateral, a via regional e via bilateral.
Quando adoptada a via multilateral, a ênfase é colocada na adopção de princípios de conduta que aspiram a ter um alcance (tendencialmente) universal, sendo estabelecida entre um elevado número de Estados, o que implica uma considerável convergência de expectativas entre ambos126. Por outro lado, e com a tendência verificada para a constituição de espaços de integração regional, a adopção da via regional, tendente a proceder à convergência das regulações do IE, designadamente com o objectivo de evitar distorções na construção de um mercado comum ou de zonas de comércio livre, como são exemplos a União Económica e Monetária do Oeste Africano127, o NAFTA ou a ASEAN, faz desta via um modo não despiciendo na adopção de certas disposições ao nível do IE.
Em termos europeus, como veremos, o Tratado de Lisboa também enfatiza a necessidade da adopção de mecanismos tendentes a convergir as diversas regulações normativas de cada Estado-membro nos domínios do IE.
Quanto à via bilateral, será utilizada e caracterizada nas relações entre um número restrito de Estados, tida por alguns autores segundo uma lógica de reciprocidade128, que tende a evidenciar, segundo a doutrina, a existência de estipulações que, em regra, tendem a favorecer os interesses dos Estados “mais
125 Cf. SORNARAJAH: 2010, 16.
126 No mesmo sentido, XXXXXXX: 2012, 60; XXXXXXX / QUADROS: 2009, 183 e XXXXX: 2008, 151.
127 Para uma análise mais incisiva, UNCTAD: 2002, 123.
128 Neste sentido, XXXXXXX: 2012, 60; XXXXXXX / QUADROS: 2009, 183 e XXXXX: 2008, 151.
fortes”129. Todavia, estes não têm de ser forçosamente identificados com os países desenvolvidos, dado que os BIT´s surgem, também, como um dos principais instrumentos jurídicos, no domínio do IE, nas relações entre países em desenvolvimento130.
Não obstante se entenda que a via multilateral tenha sido manifestamente mal sucedida131 (v.g., o MAI)132, nem por isso se pode dizer que a mesma não tenha potenciado importantes contributos no domínio do IE.
Esses contributos verificam-se, desde logo, na existência de organismos internacionais como a Agência Multilateral de Garantia de Investimentos (MIGA), (sendo hoje determinante na promoção e garantia de riscos não comerciais de determinados investimentos)133, ou na Convenção para a Resolução de Diferendos Relativos a Investimentos entre Estados e Nacionais de outros Estados, apelidada de Convenção de Washington (visando fomentar a confiança dos investidores internacionais, principalmente nos países em desenvolvimento)134, que implementou uma instância largamente utilizada como mecanismo de resolução internacional de litígios nos domínios do IE.
Referimo-nos ao International Centre for Settlement of Investment Disputes (ICSID), que visa a conciliação e arbitragem de disputas internacionais de investimentos, nos termos dos requisitos exigidos pelo seu art. 25.º135, e, nessa medida,
129 Cf. SCHILL: 2009, 9 e 10.
130 Cf. DAN: 2010, 173 e LOWENFELD: 2008, 554.
131 Cf. SCHILL: 2009, 19.
132 O MAI surge por iniciativa dos países desenvolvidos no seio da OCDE tendo como objectivo estabelecer um acordo multilateral no domínio do IE. Todavia, este acordo foi alvo de fortes críticas que impossibilitaram a sua adopção. Entre as principais críticas, destacam-se a fraca participação proporcionada aos países em desenvolvimento, facto que manifestou uma premente dificuldade em articular expectativas, principalmente no equilíbrio entre protecção dos investimentos, e a prossecução do interesse público dos Estados. Neste sentido, SCHILL: 2009, 55 e 56; VANDEVELDE: 2009, 25 e SALACUSE / XXXXXXXX: 2009, 123.
133 São cinco os riscos não comerciais salvaguardados pela MIGA sendo eles: inconversibilidade da moeda e restrições a transferências; expropriações; guerra, terrorismo e distúrbios civis; incumprimento de contratos e não cumprimento de obrigações financeiras. Cf. xxxx://xxx.xxxx.xxx/xxxxxxxxxxxxxxxxxxxx/xxxxx.xxx?xxxxx0000. Para uma análise desta agência em termos gerais, BARROCAS: 2010, 740 e 741; SCHILL: 2009, 48 e 49; XXXXXXXXX: 2008, 587 e 588; XXXXXXXX: 2003, 521 e XXXXX XXXXX: 2001, 13 e 14
134 Neste sentido, XXXXXX: 2012a, 270 e SCHILL: 2009, 47.
135 Segundo HIRSCH, o art. 25.º da Convenção de Washington estabelece três condições cumulativas para determinar a jurisdição do ICSID. Assim, e em primeiro lugar, é necessário o consentimento das partes. Em segundo lugar, existe a necessidade de se verificar uma jurisdição ratione materiae delimitada pela necessidade: (i) de uma disputa legal, (ii) que incida directamente sobre um investimento. Em
caracterizado como um meio de despolitização na resolução de litígios136, estimando-se “que cerca de dois terços dos litígios relativos a investimentos estrangeiros sejam presentemente submetidos ao ICSID” (VICENTE: 2011, 756).
Na verdade, o consentimento137 a este meio de resolução internacional de litígios no seio do IE corresponde àquele que mais referenciado é, em termos globais, constituindo, desde logo, um dos elementos da “musculatura” do sistema internacional do investimento, quer em virtude da particularidade do reconhecimento automático das suas decisões138, quer por representar uma superação da doutrina Xxxxx.
De facto, a relevância do ICSID na resolução de litígios é detectável, designadamente, no TCE, bem como nos vários modelos de BIT´s que vão sendo adoptados (v.g., Reino Unido; Holanda; Alemanha ou Suíça)139. Por outro lado, cumpre salientar, atendendo ao modelo de BIT português, que o recurso à jurisdição ICSID surge como um dos mecanismos possíveis para a resolução internacional de litígios140.
Mas se os esforços na construção de mecanismos idóneos às necessidades específicas que derivam do IE pela via multilateral não parecem ser idolatrados pelos Estados, o mesmo já não poderá ser dito em relação à utilização da via bilateral. Na verdade, esta via de construção de mecanismos do IE, concretizada em termos práticos por BIT´s, demonstra uma proliferação que é tida como exorbitante141. A sua relevância é de tal ordem que XXXXXXX XXXXXX alude à possibilidade dos BIT´s, em conjunto, configurarem um verdadeiro sistema multilateral ao nível do IE142.
terceiro lugar, e por fim, existe a necessidade de se verificar uma jurisdição ratione personae, ou seja, uma das partes da disputa tem de ser um Estado parte da Convenção, não obstante se vislumbrem regras especiais para Estados que, não sendo parte da Convenção Washington a ela podem aceder, e que a outra parte seja um nacional de um outro Estado contratante. Cf. XXXXXX: 1992, 41 e ss.
136 Cf. SCHILL: 2009, 47.
137 Para uma análise das especificidades do consentimento à arbitragem ICSID, VICENTE: 2011, 756 e 757; BARROCAS: 2010, 734; SÉRVULO CORREIA: 2010, 827; REGHIZZI: 2009, 7 e ss; XXXXXX: 2008, 774 e ss e XXXXXX: 1992, 21.
138 Neste sentido, XXXXXX XX XXXXXXX / FIGUEIREDO XXXXXX: 2013, 408 e POTTS: 2011, 1006.
Sobre o reconhecimento e execução das sentenças proferidas pela ICSID, VICENTE: 2011, 757; XXXXXX: 2008, 781 e ss e XXXXXX: 1992, 23. Contrapondo com o reconhecimento e execução das decisões sob as regras UNCITRAL, MORTENSON: 2010, 266.
139 Cf. XXXXXXXX: 2009a, 93. Enaltecendo a mesma realidade, DAN: 2010, 184; LIMA PINHEIRO: 2008, 96 e 97 e XXXXXXXXX: 2008, 570.
140 Cf. VICENTE: 2011, 763.
141 Cf. KAUSHAL: 2009, 496. Sobre os BIT´s em geral, DOLZER / XXXXXXX: 1995, 1 e ss..
142 Cf. SCHILL: 2008a, 3.
Todavia, não obstante se saliente que os BIT´s potenciem um aumento de IE143, cumpre evidenciar que a sua celebração não é sinónimo inequívoco de tal factualidade144. Na verdade, o exemplo paradigmático susceptível de o demonstrar é o caso brasileiro que, embora tenha procedido à celebração de diversos BIT´s, não dispõe de nenhum em vigor145.
A celebração de BIT´s apresenta como principais sujeitos activos, na actualidade, países como a Alemanha; Reino Unido; França; E.U.A. e China. No entanto, a sua celebração não é isenta de críticas. As principais derivam, segundo a doutrina, (i) dos BIT´s constituírem uma barreira à contratação eficiente, designadamente ao nível da distribuição de riscos146; (ii) a sua utilização descontrolada potencia a existência de uma amálgama (fragmentaridade) assaz exigente na compreensão de regras substantivas que, por sua vez, influenciam as relações no IE147 e
(iii) salienta-se o facto de muitos dos países que aderem a este tipo de negociações não compreendem a forma de como as mesmas funcionam, dada a possibilidade da aposição de determinadas cláusulas e do seu próprio regime substantivo implicar uma vulnerabilidade dos Estados quanto à sua soberania148.
Tal como salientado supra, a via bilateral, não obstante as críticas susceptíveis de serem apontadas aos BIT´s, representou a premente necessidade, ao nível do IE, da existência de um regime jurídico tendencialmente completo, claro e executável incapaz de ser oferecido pelos mecanismos jurídicos tradicionais do Direito Internacional vigente após a Segunda Guerra Mundial.
De facto, o Direito Internacional, tido por alguns como “primitivo” e ainda assente numa lógica “vestefáliana”149, revela-se incapaz de compreender as exigências
143 Expondo o problema, DAN: 2010, 160.
144 Cf. HARTEN: 2010, 32.
145 Sobre o assunto, DAN: 2010, 165 e ss.
146 Cf. HALABI: 2011, 305 e ss e KAUSHAL: 2009, 502.
147 Cf. SCHILL: 2009, 11.
148 Cf. XXXXXXX XX XXXXX: 2013, 119; XXXXXXXX: 2013, 7 e 8; XXXXXX: 2010, 31; DAN: 2010,
185 e SORNARAJAH: 2010, 177.
149 O Direito Internacional tende, actualmente, a ser considerado, designadamente por Xxxxxx Xxxxxxxx, como uma “direito primitivo”, na medida em que é pautado por excessivos formalismos que tendem a repercutir-se na praticabilidade das soluções que visa potenciar. Tendendo a inverter esta realidade, os autores apelam hoje à necessidade de um Direito Transnacional, direito este que tende a surgir em virtude da existência de esquemas informais de cooperação. Cf. SCHWARCZ: 2002, 25. No mesmo sentido, XXXXXXX: 2005, 635 e FALK: 1999, 67.
transnacionais inerentes às necessidades dinâmicas na obtenção de uma coordenação e
eficiência das diversas políticas económicas globais150.
É deste contexto que se alude ao facto dos BIT´s surgirem como um novo instrumento jurídico cujo objectivo visa alcançar um duplo desiderato. Embora existam outras explicações que fundamentem a sua celebração, designadamente através da teoria dos jogos, das teorias do direito em rede e das redes virtuais151, os principais argumentos esgrimidos pela doutrina sobre este aspecto assentam em dois grandes argumentos.
Para os Host States, a celebração dos BIT´s transmite um sentimento de confiança aos investidores na medida em que, à luz da ordem jurídica internacional, a celebração de um BIT surge como uma manifestação de um esforço acrescido no cumprimento de obrigações assumidas152. Todavia, para os países exportadores de IE, a utilização dos BIT´s representa uma redução dos riscos inerentes à realização de IE. Isto porque a sua celebração significa, em última análise, “a recusa pelo Estado de acolhimento em aplicar ao investidor estrangeiro a lei nacional” (QUADROS: 1998, 53).
À luz deste entendimento, chama-se a atenção para o facto da relação que se protagoniza através dos BIT´s, principalmente dos BIT´s de primeira geração, acentuarem um relacionamento entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento, que, não obstante possam ilustrar simetrias quanto à sua estrutura, enfatizam assimetrias na sua aplicação em função dos objectivos que visam ser concretizados153.
Em virtude de toda esta realidade, é comum questionar-se a existência de uma atitude hegemónica na construção de um regime internacional de IE. Face ao paradigma inerente aos países em desenvolvimento e economias de transição, apresentando os desafios supra referidos, bem como a inexistência de um movimento altruístico motivado para o desenvolvimento da economia dos Host States154, observa-se um forte fluxo de IE associado a políticas que promovem, entre outros aspectos, processos de
150 No mesmo sentido, SALACUSE: 2010, 436.
151 Expondo estas teorias, XXXXXX XX XXXXXXX / FIGUEIREDO MARCOS: 2013, 202.
152 Neste sentido, HALABI: 2011, 266; SORNARAJAH: 2010, 187; SALACUSE / XXXXXXXX: 2009, 120 e XXXX: 2006, 143.
153 Cf. XXXXXXX: 2013, 35.
154 Neste sentido, SORNARAJAH: 2010, 292.
amplas privatizações155, como foi possível de constatar com os casos da Rússia, da Ucrânia, do Brasil, da Argentina e da Hungria156.
A realidade das privatizações materiais157 parece ser despoletada, de um modo mais acérrimo, quando existem programas de ajuda financeira do FMI a países em dificuldades económicas. De todo o modo, o que se verifica nestas circunstâncias é um acréscimo de IE em determinados sectores económicos que se encontram, em regra, “fechados” em virtude da sua relevância para os ordenamentos jurídicos nacionais158. Na verdade, não raras vezes, são estes os sectores económicos que mais capacidade e atractividade apresentam, pelo que é normal que sejam cobiçados por investidores em virtude dos recursos e das tecnologias de que dispõem.
De facto, partir do pressuposto de que toda a construção, ao nível do IE, representa uma certa “teoria da conspiração”, protagonizada por parte dos países desenvolvidos, torna-se algo falacioso. Isto porque se nos abstrairmos do regime implícito ao IE e pensarmos nos mercados internacionais de capitais, como subterfúgio dos países em desenvolvimento e economias de transição no financiamento do seu desenvolvimento económico, nem por isso, como enfatiza STIGLITZ, a sua posição parece melhorar em virtude da volatilidade e especulação deste género de mercados159.
Toda esta realidade faz-nos crer que a hegemonia dos países desenvolvidos na construção de um regime internacional de IE seja uma realidade difícil de ser alterada, dados os riscos envolvidos na concretização de IE´s.
Não obstante XXXXXXX XXXXXX chame a atenção para a potencialidade da cláusula da nação mais favorecida atenuar, de certo modo, atitudes hegemónicas no seio do IE160, queremos que seja o argumento de XXXXXX XXXXXXX que desfere a existência de uma hegemonia dos países desenvolvidos que, por sua vez, deriva das assimetrias de aplicação dos BIT´s161.
155 Cf. BENDE-NABENDE: 2002, 135; XXXXXXXXXXXX: 2000, 14; MAH / TAMULAITIS: 2000, 122
e 123; XXXXXX: 2000, 11 e XXXXXXX: 1993, 2.
156 Assim, XXXXXXXXX: 2008, 577; XXXXXX: 2004, 8 e MAH / TAMULAITIS: 2000, 122 e 123.
157 Sobre o conceito, V., XXXXX: 1998, 14.
158 Contra, XXXXXX: 2008, 132 e ss.
159 Cf. STIGLITZ: 2008, 83 e 84.
160 Cf. SCHILL: 2008a, 9.
161 Cf. XXXXXXX: 2013, 35.
Mas se existe uma relação hegemónica162, cremos que a mesma não possa ser efectuada a qualquer custo, existindo a necessidade de se incutir uma atitude socialmente responsável, de modo a que exista uma verdadeira cooperação. De facto, como salienta XXXXXX XXXXXX, a internacionalização não é susceptível de ser promovida pela coexistência de quase duzentas ordens jurídicas internas, todas com as suas próprias preferências nacionais, processuais e materiais163.
1.4 – O actual contexto português na rede global de captação do IE
1.4.1 – A ambiência competitiva na captação do IE
A competição estadual na obtenção de novos IE´s potencia a existência de uma grande ferocidade nos mecanismos mobilizados para a sua “captura”. Esta realidade verifica-se nas diversas atitudes que os Estados vão desenvolvendo para alcançar este desiderato.
Assim, é possível constatar o desenvolvimento de iniciativas como a criação de comités de monitorização do IE, designadamente nos E.U.A., prática também adoptada pela Irlanda onde, após uma alteração do seu paradigma no tratamento do IE, e que lhe proporcionou o título de “tigre celta” (CHANG: 2004, 698), viria a instituir a Industrial Development Authority autoridade cujo objectivo foi o da concessão de incentivos neste domínio164. Por outro lado, não raras vezes se verifica o despoletar da criação de zonas económicas especiais para investidores estrangeiros, designadamente em países como Cuba, Coreia do Norte, Vietname e China, verificando-se a existência de uma diferenciação de políticas ao nível do IE em função da área geográfica165.
Mas sendo estas algumas das atitudes que vão sendo sedimentadas, também constatamos que são duas as principais formas que visam incentivar o IE. Designadas por alguns autores como a parte inerente ao “close the deal” (XXXXX: 2006, 38)
162 Neste sentido, HALABI: 2011, 309 e SALACUSE: 2010, 434.
163 Cf. DOLZER: 2009, 827.
164 Para uma análise a esta consideração no ordenamento jurídico irlandês, V., XXXXXX: 2008, 107; XXXXX / XXXXXXX: 2005, 49 e XXXXX: 2004, 698.
165 Cf. LONG: 2005, 318; EASSON: 2004, 8 e XXXXXX / XXXXXXX: 1991, 122.
encontram, como paralelo mais recente, a captação de investimentos para a reconstrução da ex-Alemanha oriental166.
Embora se reconheça a inexistência de uma definição uniforme do que constituam “incentivos ao investimento”167, verifica-se que, nesta matéria, a “pedra de toque” evidencia, deste modo, duas questões fundamentais.
A primeira resulta da necessidade da aplicação do princípio da não discriminação na atribuição de incentivos entre investidores estrangeiros e investidores nacionais168. Por outro lado, e em segundo lugar, alude-se à necessidade da eficácia dos incentivos concedidos, principalmente quando questionada a justificação da sua proliferação169 por via de recursos públicos, mormente através de incentivos fiscais170 (tidos como fulcrais no momento da decisão de investir)171, e de incentivos financeiros172.
166 Cf. XXXXX: 2006, 38.
167 Neste sentido, UNCTAD: 2004, 5.
168 Cf. UNCTAD: 2004, 16 e 17.
169 Cf. XXXXX: 2006, 40.
170 Embora os incentivos fiscais possam ser de variada ordem, constatamos que os seus principais tipos reconduzem-se: a isenções fiscais; a taxas reduzidas de imposto para determinadas actividades ou tipos de empresas; a créditos de investimento; à depreciação acelerada de bens de capital; a deduções ou créditos para lucros reinvestidos; a taxas reduzidas de imposto retido na fonte sobre remessas para o país de origem; a reduções para a segurança social; à criação de zonas económicas especiais e a reduções na carga tributária na importação de certos produtos. Para uma análise mais pormenorizada sobre os vários tipos de incentivos fiscais, UNCTAD: 2004, 6 e 7; XXXXXX: 2004, 22 e 23; MAH / TAMULAITIS: 2000, 123; XXXXXXXXX / XXXXXX: 1993, 300 e XXXXX: 1991, 101 e ss. Cumpre salientar, também, a similitude dos incentivos fiscais concedidos pelo legislador nacional quando comparados com as práticas internacionais. Na verdade, tal facto é susceptível de ser constatado quer nas várias al´s. do n.º 2 do art.º 41do Estatuto dos Benefícios Fiscais, DL n.º 215/89, de 1 de Julho, sendo novamente repetido nas várias al´s. do n.º 1 do art.º 16 do Código Fiscal do Investimento, anexo ao DL n.º 249/2009, de 23 de Setembro, e que se traduzem: crédito de imposto; isenção ou redução de imposto municipal sobre imóveis, relativamente aos prédios utilizados pela entidade na actividade desenvolvida no quadro do projecto de investimento; isenção ou redução de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis, relativamente aos imóveis adquiridos pela entidade, destinados ao exercício da sua actividade desenvolvida no âmbito do projecto de investimento; isenção ou redução de imposto do selo, que for devido em todos os actos ou contratos necessários à realização do projecto de investimento.
171 Cf. HALABI: 2011, 292; XXXXXXX / COSTA: 2009, 27; XXXXXX: 2008, 1; CUNHA: 2006, 184; MAH / TAMULAITIS: 2000, 123; COMISSÃO DE ESTUDO DA TRIBUTAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES E PRODUTOS FINANCEIROS: 1999, 209; HAHN / GRAMLICH: 1989, 80 e ss e OCDE: 1967, 123.
172 Os incentivos financeiros são susceptíveis de reconduzirem-se: à concessão de subvenções; a empréstimos a taxas de juros reduzidas ou a injecções de capital. Cf. MAH / TAMULAITIS: 2000, 123. Já no ordenamento jurídico português, Xxxxxxx Xxx Xxxxxxxx, sob o mote de subvenções financeiras, vem a estabelecer uma divisão tripartida dos incentivos financeiros reconduzindo-os: a entregas directas de verbas aos beneficiários; à renúncia de créditos e à utilização de mecanismos de crédito. XXXXXXXX: 1989, 29 e ss.
Segundo XXXXXX, existe a tendência para que os países que optam pela captação do IE, prática comum à generalidade dos países, mas que se manifesta de um modo mais premente para os países em desenvolvimento, preferiam, na esmagadora maioria das vezes, a utilização de incentivos fiscais173. Isto porque, em termos imediatos, os incentivos fiscais não representam, em regra, um custo instantâneo, constituindo, no entanto, uma despesa fiscal174.
Já ao nível dos países desenvolvidos, a utilização de incentivos fiscais tende a assumir uma relevância acrescida na construção de um quadro normativo interno, não só favorável a quem pretende investir dentro das suas fronteiras, como proporcionar aos IE´s internacionalizados pelos seus próprios investidores nacionais, regimes jurídicos de tributação que lhes permitam uma maior competitividade internacional175.
Assiste-se, assim, nos países desenvolvidos, a uma preferência na utilização de incentivos fiscais176, não no que diz respeito à sua captação, mas sim ao nível da manutenção do IE, já que a captação do IE, nestes países, tende a ser efectuada por via de incentivos financeiros177.
1.4.2 – A recente inclusão do IDE no quadro de competências exclusivas em matéria de política comercial comum no TFUE
Não obstante constatarmos que a generalidade das constituições dispõem de um artigo relacionado com o IE (v.g., art. 87.º da Constituição portuguesa e o art. 104b.º da Constituição alemã), certo é que existem, cada vez mais, novos desafios que derivam da necessidade de uma articulação e integração constitucional com ordens jurídicas supranacionais e transnacionais178. Em virtude deste facto, cremos, não raras vezes, que determinadas normas e princípios constitucionais apresentem, no domínio
173 Cf. EASSON: 2004, 20 e UNCTAD: 2004, 5.
174 Sobre a noção de despesa fiscal, SALDANHA SANCHES: 2007, 447 e FERREIRA: 1989, 30.
175 No mesmo sentido, NABAIS: 2012, 163.
176 Para uma crítica à utilização de benefícios fiscais como mecanismo de captação de IE, V., XXXXXXX XX XXXXX: 2013, 131e ss. No mesmo sentido, embora em termos genéricos, SALDANHA SANCHES: 2010, 48 e ss.
177 Cf. SORNARAJAH: 2010, 103; EASSON: 2004, 20 e 21 e UNCTAD: 2004, 5.
178 Neste sentido, CANOTILHO / XXXXXXX: 2007, 7.
económico, um “alcance necessariamente precludido”179 (CANOTILHO / XXXXXXX: 2007, 1024).
Este facto acarreta consigo graves dificuldades na compreensão do que “deve (e pode) uma constituição ordenar aos órgãos legiferantes e o que deve (como e quando) fazer o legislador para cumprir, de forma regular, adequada e oportuna, as imposições constitucionais” (CANOTILHO: 2001a, 11).
Na verdade, subjacente a este problema está o facto da vertente jurídico- económica dos Estados manifestar uma crescente limitação interna ao nível das suas intervenções unilaterais, dada a obrigação de serem respeitadas determinadas liberdades económicas. Como consequência, existe a necessidade de certos princípios e normas essenciais, ordenadores da economia de cada Estado, vulgarmente idolatradas na doutrina sob a designação de constituição económica180 (destaque-se a este respeito a importância da constituição de WEIMAR de 1919 neste domínio, não obstante já se reconhecesse a existência deste tipo de normas na Lei Fundamental soviética de 1918 e na Constituição mexicana de 1917)181, necessitarem de ser interpretadas em função das realidades que as envolvem182.
É em virtude deste facto que julgamos que XXXXX XXXXXXX efectue um reparo importante à noção de constituição económica. Isto porque “a qualidade jurídico- formal das normas que integram a constituição económica não é, pois, um elemento da construção do seu conceito. A sua qualidade constitucional não é elemento constituinte necessário do conceito de constituição económica” (1970, 74).
Tendo em conta esta realidade, bem como a inserção do ordenamento jurídico português no espaço da UE e, com ela, da recepção das liberdades fundamentais que regem o mercado interno, constatamos que parte da doutrina portuguesa alude à necessidade de revisão ou supressão do art.º 87 da C.R.P. Na verdade, o artigo em questão estabelece uma imposição constitucional de legislação183 relativa à actividade económica e investimentos estrangeiros, atendendo, a necessidade dessa imposição,
179 Salientando a necessidade de uma interpretação do art. 87.º da C.R.P. com o Direito da União Europeia, FONSECA: 2008, 424 e MIRANDA / MEDEIROS: 2006, 118.
180 Assim, XXXXXX / XXXXXXXXX / MARQUES: 2011, 33 e 34; XXXXX: 1999, 127; XXXXXXXX: 1996, 402 e ss; XXXXX XXXXXX / XXXXXXX: 1993, 16; XXXXX XXXXXX: 1988, 91; CORDEIRO: 1986, 144 e XXXXXXX: 1970, 41.
181 Cf. XXXXXX / XXXXXXXXX / MARQUES: 2011, 35.
182 No mesmo sentido, STOBER: 2008, 49.
183 Cf. CANOTILHO / XXXXXXX: 2007, 1022.
acautelar um contributo para o desenvolvimento do país; da defesa da independência nacional e da defesa dos interesses dos trabalhadores.
Os argumentos invocados para alcançar essa revisão ou supressão derivam do facto do artigo em questão apresentar um pendor pouco liberal e, de certo modo, condicionante e, como tal, contrário à ratio hodierna do IE, sendo que a sua aplicação prática tende a manifestar-se apenas no domínio dos IE´s não europeus184.
Todavia, a pergunta que se impõe é a de saber se, de facto, será necessário proceder à supressão do artigo em questão. Quanto a este aspecto, cremos que não seja necessário chegar a tanto.
Como ponto de partida, é necessário não esquecer que, de facto, a norma apresenta um alcance necessariamente precludido. Na verdade, a recente extensão do âmbito de competências da UE absorveu o que restava do alcance da norma, ou seja, o IE não europeu. Com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, o IDE passou a integrar o conjunto de matérias que passaram a fazer parte da política comercial comum, de acordo com o §1 do art. 207.º TFUE, sendo uma das inovações apontadas ao tratado em questão185.
Como consequência, é a UE que passa a deter competência exclusiva para regular a principal modalidade de IE, de acordo com a al. e) do § 1 do art.º 3. do TFUE, sendo esta, por via do Parlamento Europeu e do Conselho, que passa a legislar sobre esta matéria, quer por via legislativa, quer por via de acordos internacionais186. Todavia, aos Estados-membros é dada a possibilidade de serem habilitados ou autorizados a intervir nestes domínios, sendo que, neste caso, e segundo XXXXXXX XXXXXXX, “eles intervirão na sua qualidade de gestores do interesse comum, devendo fazê-lo em articulação com os órgãos da UE” (2010, 104).
A teleologia imanente a toda esta nova compreensão do IE no ordenamento jurídico europeu manifesta a necessidade de um quadro jurídico que responda a
184 Cf. MONCADA: 2007, 97.
185 Neste sentido, XXXXXXX: 2012a, 814; Idem: 2012b, 584; VICENTE: 2011, 766; MESQUITA: 2011,
453 e ss e LAVRANOS: 2010, 21.
186 Cf. XXXXXXX: 2012a, 812. Sobre as especificidades do procedimento comum de negociação e celebração de acordos internacionais em matéria de política comercial comum, MESQUITA: 2011, 327 e 328.
questões que já foram objecto de acórdãos no seio do TJUE187. A questão de fundo centra-se na necessidade da adopção de soluções que contribuam para uma efectiva livre circulação de capitais, na medida em que o TFUE, manifestando a mesma linha de continuidade de acção do TCEu, contém disposições sobre a possibilidade da restrição, em determinadas hipóteses concretas, dos montantes de capitais e pagamentos entre Estados-membros e países terceiros188.
Em face desta realidade, verifica-se a existência de um amplo conjunto de BIT´s celebrados quer entre Estados-membros quer entre estes e países terceiros num momento anterior à adesão da UE. Em virtude deste facto, cumpre salientar que, não raras vezes, a própria estrutura dos BIT´s é composta por disposições que visam garantir aos investidores a livre transferência de pagamentos relacionados com investimentos, sem atrasos injustificados189. Esta aparente cláusula inofensiva levanta, desde logo, problemas que derivam da necessidade de cada Estado-membro eliminar incompatibilidades, designadamente entre os BIT´s e os Tratados Europeus, conforme o
§ 2 do art. 351.º do TFUE.
Manifesta-se, assim, premente a necessidade de dar uma resposta às questões que derivam dos BIT´s celebrados entre Estados-membros, mas que se reportam a um momento anterior à adesão à UE, realidade fortemente verificada com os Estados- membros da Europa central e oriental após a queda do regime soviético. Todavia, a resposta avançada pela UE foi no sentido de combater, de forma mais imediata, as distorções que ocorrem entre os BIT´s celebrados entre um Estado-membro e um país terceiro, como o comprova o recente Regulamento da UE sobre esta matéria190.
187 Cf. Processo C-249/06, Comissão contra Reino da Suécia, 3 de Março de 2009; Processo C-118/07, Comissão contra República da Finlândia, 19 de Novembro de 2009 e Processo C-205/06, Comissão contra República da Áustria, 3 de Março de 2009. Disponíveis em xxx.xxx-xxx.xxxxxx.xx.
188 Referimo-nos ao § 2 do art. 64.º e ao § único do art. 66.º, ambos do TFUE.
189 A realidade descrita é possível de ser confirmada com o n.º 2 do art. 6.º do Acordo entre a República Portuguesa e a República Popular da China Sobre a Promoção e Protecção Recíproca de Investimentos: “As transferências referidas neste artigo [repatriação dos investimentos e rendimentos] são efectuadas sem demora, em moeda livremente convertível à taxa de câmbio usualmente praticada, na data de transferência, no mercado da Parte receptora do investimento”.
190 Referimo-nos ao REGULAMENTO (UE) N. º 1219/2012 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, de 12 de Dezembro de 2012, que estabelece disposições transitórias para os acordos bilaterais de investimento entre os Estados-Membros e os países terceiros.
No entanto, não é despicienda a existência de litígios entre Estados-membros ao abrigo de disposições de BIT´s (v.g., Alemanha v. República Checa)191. Esta realidade desencadeia, deste modo, a possibilidade de ilustrar determinadas discrepâncias entre as disposições de um BIT, quando comparadas com disposições que derivam dos Tratados Europeus.
A par desta discrepância, existe a possibilidade de determinadas garantias concedidas aos investidores pelos Estados-membros configurarem um obstáculo à existência efectiva de um mercado comum, principalmente ao nível da circulação de capitais, bem como da existência de uma arbitragem internacional que surge como uma instância privilegiada na resolução de eventuais litígios192.
Se todas estas questões já são por si só merecedoras de atenção, consideramos que a última representa um verdadeiro desafio no seio da UE. Sendo uma característica comum, quer nos BIT´s celebrados entre Estados-membros, quer nos BIT´s celebrados entre Estados-membros e países terceiros, o recurso à arbitragem internacional, enquanto mecanismo normal de resolução de litígios, evidencia a arbitragem ICSID como, de entre as arbitragens internacionais possíveis, aquela que é a mais usual193. Cumpre salientar, deste modo, que o ordenamento jurídico português não representa uma excepção a esta realidade (v.g., art. 9.º do BIT entre Portugal e o México)194.
No entanto, duas questões se impõem. A primeira diz respeito ao facto da UE, não obstante passe a ter competência exclusiva para disciplinar as questões do IDE à luz do Tratado de Lisboa, apresente a particularidade de não ser parte da Convenção de Washington que estabelece a arbitragem ICSID195.
Por outro lado, e em segundo lugar, salienta-se a possibilidade dos tribunais arbitrais internacionais passarem a interpretar, à luz da atribuição da competência para a resolução de litígios, por via de cláusulas compromissórias ou através de outros expedientes como os BIT`s ou o TCE, o direito da UE, facto que seria prejudicial à sua efectividade e coerência196.
191 Cf. OLIVET: 2013, 5 e ss e HARTEN: 2005, 600.
192 Cf. LAVRANOS: 2010, 21.
193 Cf. XXXXXXXX: 2012a, 4; Idem: 2012b, 151; XXXXXXXX: 2010, 5; TIENHAARA: 2009, 16 e XXXX: 2006, 137.
194 No mesmo sentido, VICENTE: 2011, 766.
195 Salientando este facto, VICENTE: 2011, 766 e LAVRANOS: 2010, 18.
196 Neste sentido, LAVRANOS: 2010, 13.
Confrontado o domínio económico por uma crescente internacionalização, globalização e europeização, que impõe uma constituição aberta à realidade que a rodeia (pluralismo jurídico contemporâneo)197, imprescindível fica a necessidade da superação de uma visão tradicional que veja na Constituição uma concepção monista e exclusiva da ordenação jurídica e política da vida do Estado198. É em virtude deste entendimento que XXXXX XXXXXXXXX reforça a ideia, segundo a qual as “constituições desceram do “castelo” para a “rede” (2006, 269), existindo um crescente apelo a uma interconstitucionalidade199das suas normas e princípios200.
Representando, a UE, uma ordem essencialmente de natureza económica, (não obstante as nuances que se verificam para além deste domínio, designadamente a instituição da cidadania da União no Tratado de Maastricht), cujas liberdades fundamentais representam liberdades económicas, configuradas como “princípios fundamentais da «constituição económica comunitária»” (CANOTILHO / XXXXXXX: 2007, 951), não se pode descurar a necessidade das normas e princípios constitucionais referentes aos Princípios Gerais, Título I, Organização Económica, Parte II, da C.R.P., também designadas de “ordem económica de grau constitucional” (XXXXXXX: 1970, 77), e como tal a norma que se refere ao IE, carecerem de uma interpretação conforme com as liberdades fundamentais que regem o mercado interno201.
Deste modo, levando ao extremo o argumento de que as mesmas apresentam um pendor pouco liberal, e de certo modo condicionante, levar-nos-ia a dizer, segundo esse modo de ver, que qualquer norma ou princípio constitucional que apresentasse tais características deveria ser alterada ou suprimida, com excepção aos “princípios fundamentais do Estado de direito democrático” que funcionarão como uma “reserva- limite” (XXXXXX XX XXXXXXX: 2011a, 23). Todavia, acreditamos, com todo o respeito, que não seja este o caminho a seguir.
De facto, “ninguém hoje pode dizer que conhece a constituição económica de um Estado-membro da União Europeia se se limitar à leitura e interpretação do texto
197 Salientando esta característica em termos constitucionais, ROSENFELD: 2008, 2 e ss.
198 Cf. XXXXX: 2007, 570 e CANOTILHO: 2003, 1152.
199 Entende-se por interconstitucionalidade as “relações interconstitucionais de concorrência, convergência, justaposição e conflitos de várias constituições e de vários poderes constituintes no mesmo espaço político”. Cf. CANOTILHO: 2006, 267 e Idem: 2003, 1425. Fazendo também alusão a esta realidade PIRES: 1997, 18.
200 No mesmo sentido, MADURO: 2006, 9
201 Neste sentido, XXXXXX / XXXXXXXXX / MARQUES: 2011, 47.
das respectivas constituições formais” (XXXXX: 2007, 580). É em virtude desta “dissolução da constituição económica portuguesa na constituição económica europeia” (FERREIRA: 1996, 408), desta “veleidade do controlo da economia pelo Estado” (XXXXX: 1997, 9), que cremos que o artigo em questão sempre poderá ser salvo através de uma concordância prática dos objectivos que visa alcançar entre o ordenamento jurídico português e o ordenamento jurídico da UE, quando não mesmo exista uma verdadeira imposição neste sentido, em virtude do que a doutrina vem salientando nesta matéria.
De facto, existe um entendimento que alude à necessidade de se proceder a uma interpretação conforme, ou seja, da necessidade do direito nacional, e até mesmo a Constituição, (veja-se, por exemplo, o acórdão do Tribunal Constitucional Alemão sobre o Tratado de Lisboa202), serem interpretados em conformidade com o direito da UE, principalmente o direito originário em matéria económica e social203, dada a necessidade de serem alcançadas “soluções unificadas” (HÄBERLE:1993, 34).
No seguimento deste raciocínio, consideramos, assim, que parte dos objectivos a que se refere a norma do art. 87.º da C.R.P., passam, hodiernamente, por ser objectivos europeus que Portugal, enquanto Estado-membro, delega na UE204. É deste modo que a parte mais controversa da norma, a nosso ver, a que alude à defesa da independência nacional, para além de configurar um dos limites materiais à revisão da Constituição, (al. a) do art. 288.º da C.R.P.), apela a que a autodeterminação nacional que lhe está implícita passe, nos dias de hoje, pela construção de uma estratégia de desenvolvimento económico e social que deriva, a nosso ver, da delegação supra referida e não apenas com base na autarcia205.
Mas se o artigo em questão invoca uma re-leitura dos seus principais objectivos, ao mesmo sempre se poderá dizer que imporá uma accountability dos poderes públicos neste domínio, ou seja, de uma responsabilização dos poderes públicos no desempenho (execução), das suas funções no domínio do IE206, principalmente se atendermos aos argumentos da Comissão Europeia.
202 Em detalhe, XXXXXX: 2010, 117 e ss.
203 Neste sentido, CANOTILHO / XXXXXXX: 2007, 954; XXXXXXX: 2006, 43; XXXXXX: 2000, 94 e XXXXX: 1998, 579.
204 Cf. XXXXXX: 2010, 41 e 42 e Idem: 2000, 93.
205 Neste sentido, CANOTILHO / XXXXXXX: 2007, 277 e Idem: 1991, 76.
206 Para uma análise geral da accountability, DOWDLE: 2006, 3.
[Embora a protecção do investimento e a liberalização passem a ser instrumentos-chave de uma política comum em matéria de investimento internacional, os Estados-Membros conservarão uma margem de actuação significativa para estabelecerem e aplicarem políticas de promoção do investimento consonantes com a política de investimento internacional comum e que a complementem.] (COM (2010) 343 final).
1.4.3 – A concreta realidade portuguesa na captação do IE
No que diz respeito a Portugal, é comum o entendimento segundo o qual a realidade nacional não se afigura favorável à captação de IE. Para além do constante escrutínio internacional sobre a fraca atractividade de investimento do nosso país à luz da análise das notações das agências de notação de risco207, constatamos, atendendo à gíria económica, ser o nosso país um importador líquido de capitais208, principalmente oriundos da UE (Espanha, França, Reino Unido, Luxemburgo e Países Baixos)209.
Esta ambiência desfavorável de Portugal, na captação de IE, deriva do nosso país ser conotado a “uma estrutura empresarial frágil e pouco propensa à inovação, uma Administração Pública pouco eficiente e uma elevada assimetria na distribuição do rendimento e da riqueza” (ROMÃO: 2006, 45), ao qual acresce a tendência crónica para a inexistência de uma abordagem estratégica e coerente no domínio do IE210.
Mas apesar destas considerações, bem como da invocação da indisponibilidade de recursos naturais e da tomada de certas decisões económicas que determinaram uma tardia alavancagem do crescimento económico português211, é possível reconhecer os diversos esforços que o legislador nacional vai adoptando, no sentido de inverter esta tendência, para alcançar um “good investment climate” (MORAN: 2006, 36).
Para alcançar esse desiderato no domínio específico do IE, a doutrina salienta a necessidade de se verificarem três factores essenciais: (i) a necessidade dos investimentos realizados ou a realizar responderem à concorrência dos mercados internacionais; (ii) a expansão e modernização das competências profissionais e técnicas
207 Cf. GRAÇA: 2012, 17 e ss e SCHWARCZ: 2002, 1 e ss. Salientando este facto em termos estaduais, CASSESE: 2010, 46.
208 Cf. ROMÃO: 2006, 44; XXXXX / XXXXXXX: 2005, 42; SIMÕES: 1985, 374 e MATOS: 1973, 304.
209 Cf. AICEP: 2013, 8.
210 Cf. XXXXXX: 2005, 397 e XXXXX: 2000, 54.
211 Neste sentido, MATA / VALÉRIO: 1994, 240.
dos recursos humanos e das infra-estruturas de um país e (iii) apoio nos casos de desemprego212.
Partindo desta breve descrição, cumpre salientar que o ordenamento jurídico português reconhece, desde logo, que a “criação de um contexto favorável ao investimento constitui-se como uma prioridade fundamental (…) uma vez que dele depende o desígnio do crescimento económico sustentável da dinamização e desenvolvimento do investimento”213.
É assim que a criação do aludido contexto favorável ao investimento passa, deste modo, pela equiparação entre nacionais e estrangeiros no acesso às actividades económicas cuja iniciativa económica privada é xxxxxx000. Por outro lado, cumpre salientar a revogação, como consequência da condenação de Portugal no TJUE215, das disposições que fixavam limites à participação de entidades estrangeiras no capital das sociedades privatizadas nas décadas de 80 e 90216.
Toda esta ambiência faz denotar a progressiva abertura, de certo modo liberalizante e não estigmatizante, das questões da esfera do IE. Esta constatação é visível, no ordenamento jurídico português, designadamente, no que diz respeito à autorização propriamente dita do mesmo, principalmente quando a doutrina se refere à figura das autorizações como um acto administrativo (constitutivo/permissivo) que visa remover um limite imposto por lei217. Na verdade, nas diversas questões relacionadas com o IE sempre existiu a necessidade de estabelecer um difícil equilíbrio entre a salvaguarda dos interesses do país e um estímulo ao investidor estrangeiro. É deste modo que surge, tradicional, a sujeição do IE à figura das autorizações.
No prelúdio deste entendimento, cumpre destacar os dois primeiros DL que visaram disciplinar o IE em Portugal (DL n.º 239/76, de 6 de Abril, e o DL n.º 348/77, de 24 de Agosto), ao estabelecerem a necessidade de autorizações prévias e registos a priori do IE218. No entanto, este entendimento foi sucessivamente progredindo em
212 Cf. XXXXX: 2006, 54 e 55.
213 Cf. Resolução do Conselho de Ministros n.º 47/2012, de18 de Maio de 2012.
214 Cf. MONCADA: 2007, 92.
215 Cf. Processo C-367/98, de 4 de Junho de 2002. Disponível em xxx.xxx-xxx.xxxxxx.xx.
216 Referimo-nos à L. n.º 102/2003, de 15 de Novembro.
217 Cf. XXXXXXXX:1984, 398 e CAETANO: 1980, 459.
218 Cf. XXXXXX: 2008, 93; CUNHA: 2006, 35 e 39; BRANCO: 1991, 3 e 4 e SIMÕES: 1985, 337.
termos regressivos. Assim, foi possível verificar uma alteração de paradigma com a aprovação do DL n.º197-D/86, de 18 de Julho, inerente à disciplina do IE, que, por sua vez, procedeu à necessidade de adaptação das regras do IE no ordenamento jurídico português com as disposições da então CEE. Com este novo diploma “conhece-se a natureza e a realidade da operação, não se autorizam investimentos”. Considerou-se, por isso, eliminado “o poder discricionário do Estado português na aprovação dos projectos de investimento estrangeiros” (TORRES: 1991, 16).
Não obstante este entendimento, que passa a configurar uma mera formalidade de verificação prévia da legalidade219, cumpre destacar que o mesmo apenas passa a dizer respeito ao IE de entidades residentes da então CEE, constituindo, deste modo, um regime de mera declaração prévia e de registo a posteriori220.
Com o DL n.º 321/95, de 28 de Novembro, e já numa fase mais “globalizada” desta temática, em virtude do Código sobre a Liberalização dos Movimentos de Capitais no seio dos países membros da OCDE, verifica-se mais uma alteração no processo de registo do IE. Este passa a ser configurado como um processo simplificado cujo objectivo visa apenas obter informações administrativas e estatísticas, quer da realização das operações de IE quer da sua liquidação, instituindo-se um regime de registo a posteriori e sem controlos prévios221.
Por fim, e culminado nesta progressiva evolução da abordagem do IE no ordenamento jurídico português, temos o DL n.º 203/2003, de 10 de Setembro, que enuncia, no seu preâmbulo, a revogação do regime de registo a posteriori das operações de IE em Portugal, culminado, assim, com a abolição de um tratamento diferenciado entre IE e investimento nacional.
Todas estas transformações que têm ocorrido no nosso ordenamento jurídico derivam das múltiplas necessidades que a “sociedade técnica” (XXXXXXX XXXXXX) incute ao legislador. Desde logo, dotar a Administração Pública de características como eficácia e eficiência (entendendo-se esta última ser susceptível de se retirar implicitamente, no ordenamento jurídico português, na al. c) do art. 81.º da C.R.P.)222, por antítese ao modelo burocrático de Administração de XXX XXXXX e num claro
219 Cf. BRANCO: 1991, 4.
220 Cf. MONCADA: 2007, 102 e TORRES: 1991, 16 e 17.
221 Cf. XXXXXXX: 1997, 186 e 187.
222 Neste sentido, CANOTILHO / XXXXXXX: 2007, 968 e 969.
movimento que transcende cada vez mais os ordenamentos jurídicos anglo-saxónicos223, surge com o propósito de oferecer respostas adequadas às necessidades de uma sociedade assaz dinâmica que espera da “máquina administrativa”, cada vez mais, uma “administração de resultados”224.
De facto, a New Public Management, ou seja, a influência e inclusão de técnicas de gestão privada na Administração, orientadas para o resultado e iniciadas nos ordenamentos jurídicos anglo-saxónicos nos finais da década de 70, surge como “a via para a modernização do estado e da respectiva reforma da administração” (CANOTILHO: 2006, 143), demonstrando uma estreita articulação com o entendimento segundo o qual a tolerância à ineficiência administrativa, por parte dos investidores estrangeiros, ser cada vez menor225.
Por outro lado, cumpre salientar que o legislador nacional tem atribuído uma especial acuidade na captação do IE pela via fiscal226, como comprova a recente adopção do Código Fiscal do Investimento, bem como da constituição de um Conselho Interministerial de Coordenação dos incentivos Fiscais ao Investimento227. Aplaude-se, assim, a necessidade estratégica que o legislador português depreendeu face à conjuntura internacional nestas matérias, não obstante seja necessária uma cultura de estabilidade das leis fiscais no tempo228 que se sente de forma mais premente nesta área.
Sendo que, na actualidade, a captação do IE concentra-se em activos com elevado valor acrescentado, potenciando um nível de desenvolvimento tecnológico mais dinâmico, designadamente, no sector terciário (economia de serviços), telecomunicações, turismo, energia, transportes e serviços públicos229, incute a necessidade do legislador nacional desenvolver uma atitude pró-activa para que a sua captação se desenvolva neste sentido.
223 Neste sentido, XXXXX: 2001, 181.
224 Cf. XXXXXXXXX: 2006, 552.
225 No mesmo sentido, DRABEK / XXXXX: 2001, 10.
226 No mesmo sentido, NABAIS: 2005, 414.
227 Referimo-nos ao anexo do DL n.º 249/2009, de 23 de Setembro, que veio proceder à regulamentação dos benefícios fiscais contratuais, condicionados e temporários, susceptíveis de concessão ao abrigo do disposto no artigo 41.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo DL n.º 215/89, de 1 de Julho, e que veio estabelecer o estatuto do investidor no caso de este ser um residente não habitual em território português.
228 Cf. XXXXXXX: 2002a, 21 e ss.
229 Cf. UNCTAD: 2012, 9; GÖRG / JABBOUR: 2009, 1; XXXXXX: 2000, 20 e ss; XXXXXXX: 1993, 8 e
SIMÕES: 1985, 371.
Na verdade, a atitude que deve pautar a sua atenção deverá ter em conta as necessidades actuais do país, pelo que a captação do IE não deve, no nosso entender, reflectir o paradigma da década de 60 e 70, onde países em desenvolvimento beneficiaram de um movimento internacional de IE que se caracterizou pela existência de actividades de trabalho intensivas, diga-se pouco qualificadas, segundo uma lógica de concorrência de custos230. Isto porque esse paradigma, para além de ser desajustado às necessidades do país, assume a característica de ser extremamente difícil de ser alcançado em virtude da forte deslocação deste género de investimentos para países asiáticos e da América Latina231. Por outro lado, e atendendo nós ao que a doutrina vem salientando neste domínio, mais do que a simples quantidade, é necessário ter em conta a qualidade do IE232.
De facto, cremos que a realidade que descrevemos apresenta eco no DL n.º 203/2003, de 10 de Setembro, que estabelece o regime contratual do CI, quando, no seu preâmbulo, enuncia esta realidade, demonstrando uma estreita harmonia com o n.º 1 do art. 41.º, inerente aos benefícios fiscais ao investimento de natureza contratual, Capítulo V – Benefícios fiscais ao investimento produtivo, Parte II – Benefícios Fiscais com carácter estrutural, do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
Todavia, não é nestes diplomas que o legislador parece querer indicar quais são as áreas merecedoras de tal relevância para o desenvolvimento português. Na verdade, essa enunciação parece ser feita no Código Fiscal do Investimento no que diz respeito ao reconhecimento de benefícios fiscais, também designados na doutrina portuguesa por isenções fiscais233, a investimentos que sejam realizados em determinadas actividades económicas234 o que não deixa de ser revelador de uma clara manifestação da
230 No mesmo sentido, CUNHA: 2006, 91 e SIMÕES: 1985, 335.
231 No mesmo sentido, COSTA: 1998, 6 e ss.
232 Cf. EASSON: 2004, 11 e SMEETS: 2000, 16.
233 V., SALDANHA SANCHES: 2007, 446.
234 As actividades económicas que podem ser objecto do reconhecimento de benefícios fiscais constam das várias al´s. do n.º 2 do art.º 2 do Código Fiscal do Investimento, anexo ao DL n.º 249/2009, de 23 de Setembro, sendo elas: a) indústria extractiva e indústria transformadora; b) turismo e as actividades declaradas de interesse para o turismo nos termos da legislação aplicável; c) actividades e serviços informáticos e conexos; d) actividades agrícolas, piscícolas, agro-pecuárias e florestais; e) actividades de investigação e desenvolvimento e de alta intensidade tecnológica; f) tecnologias da informação e produção de audiovisual e multimédia e g) ambiente, energia e telecomunicações.
utilização pelo legislador de um instrumento político-económico para a consecução de determinados resultados económicos e sociais nas áreas que considera essenciais235.
Mas tendo em conta que existe a possibilidade da dinamização do IE ser estabelecida por via de incentivos fiscais e/ou por via de incentivos financeiros, constatamos que o ordenamento jurídico português adopta, relativamente a esta temática, uma atitude ecléctica, prática que tende a corresponder à tradição portuguesa nesta matéria236. De facto, tendo em conta o regime contratual do CI (estabelecido no DL n.º 203/2003, de 10 de Setembro), constatamos a possibilidade, cumulativa ou não, da utilização destes incentivos, que se traduzem na concessão de incentivos financeiros, na atribuição de benefícios fiscais e em co-financiamentos, poderem constar simultaneamente no mesmo contrato (cf. al´s a), b) e c) do n.º 2, do art. 3.º), bem como da existência de contrapartidas específicas com vista a atenuar custos de contexto (cf. al´s a) a d) do n.º 3, do art. 3.º).
Mas uma vez analisados os sectores e as formas que visam dinamizar o IE em Portugal, cumpre saber a real capacidade que o nosso país apresenta para alcançar esse desiderato.
Relativamente a este aspecto, mais uma vez constatamos que a influência da UE determina uma redução significativa das actuações casuísticas dos Estados-membros neste domínio, não sendo Portugal uma excepção. De facto, e como já demos conta, parte da captação do IE é efectuada por via de incentivos financeiros ou intervenções directas do Estado e/ou de incentivos fiscais ou intervenções indirectas do Estado. Esta realidade fez despoletar uma evidência lógica, na medida em que a concessão destes incentivos necessita de se ajustar às regras europeias em matéria de auxílios de estado (cf. n.º 6 do art. 3.º)237.
Na verdade, a construção de um mercado interno assenta na necessidade de uma concorrência efectiva e de um verdadeiro comércio intracomunitário sem distorções. Para alcançar esta realidade, foi necessário estabelecer um princípio geral de incompatibilidade dos auxílios de Estado com o mercado interno, princípio esse plasmado anteriormente no § 1 do art. 87º do então TCEu, que detinha, como “pedra de
235 Sobre a adopção desta via para alcançar certos resultados nos domínios económicos e sociais, NABAIS: 2009, 425 e SALDANHA SANCHES: 2007, 450.
236 Cf. XXXXXXXX: 1989, 36.
237 Fazendo apelo a esta realidade ao nível dos benéficos fiscais, XXXXXXX XX XXXXX: 2013, 128.
toque”, uma elevada amplitude, não obstante houvesse a possibilidade da existência de auxílios compatíveis com o mercado interno238, quer ainda da possibilidade da declaração da compatibilidade dos mesmos.
Por outro lado, a sua amplitude era patente não só quanto às formas de auxílios, considerando-se a irrelevância da sua forma ou natureza, ficando os incentivos de natureza fiscal também sujeitos à disciplina da concorrência239, quer quanto ao conceito de Estado240.
A sua ratio essendi assentava na necessidade de cada operador do mercado ter de assumir, por si próprio, os riscos inerentes ao desenvolvimento de uma actividade económica segundo uma lógica concorrencial, sob pena de pôr em causa, quando “auxiliado”, a construção do mercado interno241.
Assim, sendo esta a realidade vivenciada anteriormente, o que podemos constatar é que, com a aprovação do Tratado de Lisboa, continua a verificar-se a mesma linha de continuidade de acção por parte da Comissão Europeia no tratamento dos auxílios de Estado. Deste modo, mantem-se o princípio geral de incompatibilidade dos auxílios de Estado com o mercado interno, § 1 do art. 107.º do TFUE, da compatibilidade (automática) de certos auxílios, § 2 do art. 107.º do TFUE, e ainda da possibilidade de declaração (facultativa) de compatibilidade de determinado tipo de auxílios, § 3 do art. 107.º do TFUE242.
Porém, a inclusão do IDE no conjunto de competências exclusivas da UE veio demonstrar, de forma mais acérrima, a dificuldade que os Estados-membros enfrentam hoje, não só na redução das assimetrias de desenvolvimento que se verificam entre os Estados-membros, principalmente entre os Estados-membros do norte e os do sul, como o facto da opção pela uniformização do tratamento do IE e auxílios de Estado potenciar
o risco de configurar a existência de benefícios de certos grupos ou Estados, em
238 Cumpre destacar, neste domínio, o Regulamento n.º 994/98, do Conselho, de 7 de Maio de 1998, que veio estabelecer várias atitudes e acções compatíveis com o mercado comum, como as isenções por categoria; ajudas horizontais; ajudas com finalidades regionais e as ajudas de minimis. Cf. XXXXXXXX XX XXXXXXX: 2002, 358 e ss. Sobre as ajudas de minimis, XXXXXX: 2003, 232.
239 Neste sentido, SANTOS: 2003, 328.
240 Cf. XXXXXXX: 2010, 430; XXXXXX / CAMPOS: 2010, 651; SANTOS: 2003, 179 e ss e XXXXXXX: 2002b, 118 e 119.
241 Cf. XXXXXXX: 2002b, 40 e XXXXXXXX XX XXXXXXX: 2002, 349.
242 Para uma análise deste artigo, XXXXXXXX XX XXXXXXX: 2012, 518.
detrimento de outros, em virtude das fortes disparidades que os Estados-membros oferecem no que diz respeito a um “good investment climate”.
1.5 – As manifestações do IE
Como deixámos antever, as questões que derivam do IE denotam uma manifesta idoneidade para a sua configuração em termos internacionais. Deste modo, não é irrelevante a ênfase atribuída à qualificação do fenómeno do investimento, por este meio, não obstante a mesma não seja isenta de dificuldades243. A preocupação que lhe subjaz deriva, por um lado, da necessidade de uma protecção efectiva dos investimentos realizados e, por outro lado, mas não menos relacionado, com a amplitude que se pretende aferir ou atribuir à noção de investimento244.
De facto, vulgarizou-se no plano internacional o estabelecimento prévio de determinadas relações jurídicas cujo objecto, bem como o facto jurídico, passam a ser qualificados como investimentos245. Esta prática surge, assim, como uma realidade inerente aos International Investments Agreements, quer na sua componente multilateral (v.g., al. a) a f) do § 6 do art. 1.º do TCE ou do art. 1139.º do NAFTA), quer, sobretudo, na componente bilateral através dos BIT´s246.
Sendo os BIT´s caracterizados pela exorbitância do seu número, faz destes, uma vez mais, realidades insusceptíveis de serem desconsideradas neste domínio. A confirmá-lo está, desde logo, o ordenamento jurídico português, atendendo, designadamente, às al´s. a) a f) do n.º 1 do art. 1.º do Acordo Entre a República Portuguesa e a República Popular da China Sobre a Promoção e Protecção Recíproca de Investimentos, que procedem a uma enumeração não exaustiva da noção de investimento247.
243 Salientando esta realidade, MONCADA: 2007, 98; XXXXX XXXXX: 2001, 17 e XXXXXX / XXXXXXX: 1991, 7. Quanto à noção de investimento no âmbito económico, SAMUELSON / NORDHAUS: 2005, 458 e ss.
244 Neste sentido, XXXXXX XX XXXXXXX / FIGUEIREDO MARCOS: 2013, 205, nota 247 e DAN: 2010, 181.
245 No mesmo sentido, REGHIZZI: 2009, 36.
246 No mesmo sentido, OCDE: 2006, 148 e 149.
247 Referimo-nos ao Decreto n.º 17/2008, de 26 de Junho.
Por outro lado, alude-se à necessidade, ainda que controversa248, de se proceder a uma articulação da noção de investimento com a primeira parte do n.º 1 do art. 25.º da Convenção de Washington, artigo que é reconhecido na doutrina como uma regra básica de acesso ao ICSID249. Tal articulação deriva da competência do ICSID, prescrita pelo artigo em questão, ser delimitada aos “diferendos de natureza jurídica directamente decorrentes de um investimento entre um Estado Contratante (ou qualquer pessoa colectiva de direito público ou organismo dele dependente designado pelo mesmo ao Centro) e um nacional de outro Estado Contratante…”.
A ausência de uma definição ou enumeração de investimento por esta Convenção, conceito interpretado como propositadamente aberto e não taxativo250, faz com que o ICSID adquira uma relevância considerável na sua concretização em termos concretos. A confirmá-lo está o teste Xxxxxx, que resultou da resolução do caso Salini Costrutori S.P.A and Italstrade S.P.A. v. Xxxxxxx of Marrocos251, e que tem vindo sucessivamente a influenciar outras decisões, enquanto precedente, neste domínio252.
À luz deste teste, influenciado pelo comentário de XXXXXXXXX XXXXXXXX à Convenção de Washington253, ao enunciar as características típicas do investimento no âmbito da Convenção visto, por alguns, como uma forma de restrição da noção de investimento que é sustentada por uma incompreensão do processo que criou o art. 25.º254 , a noção de investimento deve traduzir: uma contribuição para o desenvolvimento económico de um Host State; o estabelecimento de uma relação jurídica relativamente longa (entre dois a cinco anos); a assunção de riscos; a afectação de recursos e a susceptibilidade de gerar lucros ou rendimentos255.
Mas dizer o que é susceptível de configurar um investimento não permite, ainda assim, elucidar as suas “fontes”. Deste modo, e partindo da análise das orientações mais
248 Chamando a atenção para este ponto, VICENTE: 2011,755.
249 Neste sentido, SÉRVULO CORREIA: 2012, 101; MORTENSON: 2010, 267 e XXXXXXXX: 2009, 36.
250 Cf. BARROCAS: 2010, 735; XXXXXXXXXX: 2010, 308; XXXX XXXXXXXX: 1999, 58; XXXXXX: 1992, 59 e XXXX: 1968, 27. Para uma análise à história da elaboração do art. 25.º da Convenção ICSID, V., MORTENSON: 2010, 259 e ss.
251 Cf. ICSID Case No. ARB/00/4. Disponível em xxx.xxxxxx.xxx.
252 Cf. SORNARAJAH: 2010, 310 e MORTENSON: 2010, 272. Salientando a crescente importância do papel dos árbitros neste domínio, SÉRVULO CORREIA: 2010, 825.
253 Cf. SCHREUER: 2001.
254 Neste sentido, MORTENSON: 2010, 280.
255 Cf. XXXXXX XX XXXXXXX / XXXXXXXXXX XXXXXX: 2013, 205, nota 247; XXXXXXXX: 2012b, 149; XXXXXXX: 2011, 754 e XXXXXXX XXXXXXX: 2010, 825 e 826.
recentes do FMI, são cinco as principais categorias funcionais de investimento, a saber: o investimento directo; o investimento de carteira (também designado de portefólio); instrumentos financeiros derivados; activos de reserva e outras formas de investimento.
Esta categorização funcional visa, como principal objectivo, a compreensão de fluxos transfronteiriços, visando uma análise por categorias distintas que apresentam diferentes motivações económicas e padrões de comportamento256.
Destas cinco formas de IE, apenas o investimento directo será objecto de uma análise mais incisiva, dada a sua relevância, sendo que o investimento de carteira apenas será analisado como ponto de contraste face ao primeiro.
Todavia, e atendendo à amplitude com que o ordenamento jurídico português delineou o actual regime legal aplicável ao regime contratual do CI no DL n.º 203/2003, de 10 de Setembro, ao não fazer uma referência expressa a uma determinada modalidade de IE em concreto (rompendo com a tradição legislativa vigente entre nós por via de uma referência expressa à noção do IDE), não poderemos deixar de enunciar, ainda que perfunctoriamente, as restantes modalidades, a saber: instrumentos financeiros derivados257; activos de reserva258 e outras formas de investimento259.
1.5.1 – Investimento Directo Estrangeiro
256 Cf. FMI: 2008, 99.
257 Esta categoria de investimento caracteriza-se pela sua recente autonomização por parte do FMI. Quando falamos de instrumentos financeiros derivados, que tendem a surgir sob a forma de contratos diferenciais, futuros, opções, swaps ou índices, falamos não de um produto ou bem material, mas sim de serviços ou bens imateriais que, historicamente, surgem na década de 70 associados à “crise do petróleo” e pelo fim dos acordos de Bretton Woods, visando, assim, proceder à cobertura de riscos e à volatilidade da actividade financeira, sendo usual a sua conotação à expressão de “engenharias financeiras”. Cf. CÂMARA: 2009, 197 e ss; ASCENSÃO: 2003, 49 e QUELHAS: 1996.
258 Os activos de reserva consistem em activos financeiros que estão prontamente disponíveis, sendo controlados pelas autoridades monetárias com o objectivo de proceder ao financiamento de desequilíbrios de pagamentos. Caracterizam-se por serem activos de “emergência” que visam intervir, designadamente, no mercado de câmbio; na salvaguarda de necessidades de financiamento relativas à balança de pagamentos; na estabilização da confiança de uma economia e da sua moeda, bem como na garantia da contracção de empréstimos externos. Cf. FMI: 2009, 111 e Idem: 1993, 97.
259 Segundo o FMI, esta realidade engloba uma categoria de investimento extremamente ampla, na medida em que manifesta posições e operações que não se inserem nas demais modalidades de investimento. A título de exemplo, são englobadas nesta categoria: créditos comerciais; empréstimos; fundos de crédito ou seguros de vida. Cf. FMI: 2009, 111 e Idem: 1993, 81.
O IDE caracteriza-se por ser a principal manifestação de IE260. Embora se reconheça a sua importância, nem por isso é pacífica a sua concreta caracterização261. No entanto, este conceito manifesta uma especial atenção por parte de várias instituições internacionais, designadamente, por parte da OCDE262, do FMI263 e da OMC264, mas também no ordenamento jurídico português265.
Atendendo às várias características do IDE, é possível a densificação de algumas notas. Assim, o IDE manifesta-se, de um modo particular, sob a forma de investimento em activos reais266, realidade que, por sua vez, é evidenciada, de forma mais premente, por via de fusões e aquisições267, bem como na constituição de alianças estratégicas estabelecidas através de joint ventures (característica dos investimentos europeus)268, substituindo, assim, os tradicionais investimentos de raiz269.
No entanto, para uma correcta compreensão deste fenómeno, urge salientar que a dinâmica negocial de hoje não é estática, pelo que a realidade que descrevemos tende a
260 Segundo dados da UNCTAD, os fluxos de IDE devem aumentar a um ritmo moderado, mas constante, concluindo que possa chegar aos 1,8 triliões de dólares em 2013 e 1,9 triliões de dólares em 2014. Cf. UNCTAD: 2012, 16.
261 Cf. OCDE: 2008a, 46.
262 Segundo a OCDE, o IDE “reflecte um interesse duradouro por parte de uma empresa residente numa economia (investidor directo) noutra empresa (empresa de investimento directo) residente numa economia distinta da do investidor directo. O interesse duradouro implica a existência de uma relação de longo prazo entre o investidor directo e a empresa de investimento directo e um grau significativo de influência na direcção da empresa”. Cf. OCDE: 2008b, 286.
263 Segundo o FMI, o IDE constitui “uma categoria de investimento transfronteiriço associado a um residente de uma economia que tem o controlo ou um grau significativo de influência na gestão de uma empresa que é residente noutra economia (…). Investimento directo tende a envolver um relacionamento duradouro, embora possa haver uma relação de curto prazo em alguns casos”. Cf. FMI: 2009, 100 e 101. 264 Para a OMC, o IDE “ocorre quando um investidor de um país (país de origem) adquire um bem noutro país (país anfitrião) com a intenção de gerir esse activo. A dimensão da gestão é o que distingue o IDE do investimento de carteira em acções no exterior, obrigações e outros instrumentos financeiros. Cf. WTO:1996.
265 No ordenamento jurídico português, o IDE visa delimitar as entidades receptoras de investimento estrangeiro directo do exterior em Portugal, considerando-se como tais todas as empresas residentes participadas por capital estrangeiro. No caso das sociedades por acções, é indicador da existência de relação de investimento directo, a participação detida a título individual por uma pessoa singular ou colectiva não residente de, pelo menos, 10% do respetivo capital social. Esta indicação não exclui a possibilidade de existência de relações de investimento directo em casos onde a participação no capital da empresa de investimento directo seja inferior a 10%. Englobam-se, também, neste conceito, os actos e contratos realizados por pessoas singulares e colectivas não residentes que tenham por objecto ou efeito a criação, manutenção ou reforço de laços económicos estáveis e duradouros, relativamente a uma empresa constituída em Portugal. Cf. MINISTÉRIO DA ECONOMIA E DO EMPREGO: 2006, 1.
266 Cf. XXXXXX: 1985, 742.
267 Neste sentido, ALCABAS / BOURCIEU / VALERSTEINAS: 2000, 19.
268 Cf. XXXXXXXXXXXX: 2000, 23. Para uma análise geral das joint ventures, XXXX XXXXXXXX: 2003.
269 Cf. SORNARAJAH: 2010, 116; XXXXXX: 2004, 2; XXXXX: 2001, 5 e ss; XXXXXX / XXXXX: 2001,
8; XXXXXXXXXXXX, 2000, 22 e XXXXXX / XXXXXXX: 1991, 24.
ser estendida, cada vez mais, a activos intangíveis270. A comprová-lo estão os BIT´s e o TCE, quando enaltecem, designadamente, aspectos da propriedade intelectual e até mesmo certos domínios do investimento de carteira. Este facto traduz uma crescente sobreposição e integração entre ambas as realidades, tornando cada vez mais premente a interrogação de quando, e até que ponto, o investimento de carteira se transforma em investimento directo271.
Face a esta chamada de atenção, constatamos que uma das principais características inerentes às operações que lhe subjazem272 apontam para um interveniente pautado por uma grande amplitude, o investidor directo, mormente uma empresa273. De facto, a amplitude das formas segundo as quais os investidores directos se manifestam é comprovada em três domínios. Comprova-se na irrelevância da sua estrutura (v.g., holding), da sua finalidade, não obstante exista a necessidade da prossecução de um fim lucrativo, fim que deriva da necessidade da repatriação dos lucros, e na irrelevância quanto à sua natureza jurídica, podendo, assim, revestir uma natureza pública ou privada.
Relativamente a esta última nota cumpre salientar uma das mais recentes particularidades do IDE. De facto, é de realçar a crescente expansão do fenómeno em análise por via de entidades públicas274, mais concretamente, por via do fenómeno das
270 Cf. HARTEN: 2005, 604.
271 Cf. SORNARAJAH: 2010, 10 e XXXXX: 2002, 8 e ss.
272 Segundo o Ministério da Economia e do Emprego, o tipo de operações que estão subjacentes ao IDE são: (1) no capital das empresas: aquisição/alienação de acções das empresas investidoras; a constituição de novas empresas/abertura de sucursais/dissolução; aquisição/alienação total ou parcial de empresas residentes já constituídas ou aumentos ou reduções de capital; (2) lucros reinvestidos; (3) operações sobre imóveis; (4) créditos/empréstimos e suprimentos que se podem traduzir em prestações suplementares de capital ou em empréstimos concedidos pelos investidores directos não residentes ou às empresas investidoras (empréstimos reversos), e (5) outras operações, que envolvem a constituição de consórcios, cobertura financeira de prejuízos ou a realização de operações sobre derivados financeiros entre empresas de investimento directo. Para uma análise mais detalhada, V., MINISTÉRIO DA ECONOMIA E DO EMPREGO: 2006, 2 e ss.
273Para a OCDE, a referência a empresa nesta matéria diz respeito a uma unidade económica dedicada à produção de bens e serviços que pode revestir: uma forma societária; uma instituição sem fins lucrativos ou uma empresa não constituída sob a forma societária. Cf. OCDE: 2008b, 280. Sobre as várias acepções de empresa no ordenamento jurídico português, ABREU: 2009, 218 e ss.
274 Segundo a UNCTAD, as empresas públicas estão a surgir como importantes players no IDE, contabilizando cerca de 650 empresas estaduais multinacionais em 2010, operando cerca de 8500 filiais estrangeiras, representando o seu fluxo de investimentos no exterior cerca de 11% dos fluxos globais de IDE. Cf. UNCTAD: 2012, 99.
empresas públicas275, que tendem a surgir, cada vez mais, como fortes players neste domínio.
Mas fora do âmbito das empresas, amplamente entendidas, a irrelevância quanto à forma do investidor directo é manifestada pelo facto de este poder surgir sob a forma de pessoas singulares; fundos de investimento; patrimónios fiduciários ou organizações internacionais276.
Feita a consideração de quem são os investidores directos, cumpre determinar, em concreto, o critério que determina a natureza estrangeira do investidor. Neste domínio, vigora o princípio da não discriminação do investimento em razão da nacionalidade.
Em virtude deste facto, verifica-se a adopção do critério da residência em detrimento do critério da nacionalidade277. Sendo uma atitude facilmente justificada e compreensível no espaço da UE, em virtude das liberdades que regem o mercado interno, em termos globais, a mesma justifica-se com o objectivo de facilitar a redução de riscos, e com eles, dos custos inerentes neste tipo de negócios, sendo que XXXXX salienta que um dos principais objectivos no CI é a prevenção da discriminação em razão da nacionalidade278.
No ordenamento jurídico português, e no que diz respeito a esta matéria, constatamos que esta característica é patente nos sucessivos quadros legislativos pós 76279. Segundo o legislador nacional, “[e]sse tipo de exigências, além de não poder subsistir no âmbito das relações com investidores comunitários, não se justifica também quanto aos demais investidores, até pela sua inoperância: o maior ou menor poder de decisão de interesses estrangeiros sobre a economia do País não se estimula nem se
275 Sobre as modalidades de empresas públicas no ordenamento jurídico português, ABREU: 2009, 263 e ss; Idem: 2003, 555 e ss; XXXXXXXXX: 2007a, 20 e ss e CAETANO: 1980, 377 e ss.
276 Para uma análise das diversas modalidades de investidores, SORNARAJAH: 2010, 63 e ss; FMI: 2009, 103 e OCDE: 2008c, 52.
277 Salientando a importância desta alteração já nos finais da década de 80, HAHN / GRAMLICH: 1989, 59.
278 Cf. XXXXX: 2002, 7.
279 A evocação ao critério da residência só não é expressamente afirmada no DL n.º 239/76, de 6 de Abril, que definiu o estatuto do IDE em Portugal. No entanto, esse critério passa a ser afirmado em todos os outros diplomas legislativos que lhe sucederam, tal como prova a al. a) do art. 2.º do DL n.º 348/77, de 24 de Agosto; al. a) do n.º 1 do art. 2.º do DL 197-D/86, de 18 de Julho; al. a) do n.º 2 do art. 3 do DL 321/95, de 28 de Novembro e a al. a) do n.º 2 do art. 1 do DL n.º 203/2003, de 10 de Setembro, que regula actualmente o regime contratual do CI.
limita pela simples demarcação, tantas vezes só formal e de aparência, entre o capital e a gestão de portugueses e não portugueses.”280
Mas sendo a natureza estrangeira do investidor determinada em função do critério da residência, pode colocar-se o problema, no domínio das pessoas colectivas, da sua determinação281. Não obstante o CSC determine, no n.º 1 do art. 4.º, a necessidade das sociedades estrangeiras instituírem uma representação permanente e cumprirem o disposto na lei portuguesa sobre o registo comercial282, o critério da residência, no que diz respeito ao acesso ao regime contratual do CI no DL n.º 203/2003, de 10 de Setembro, surge relativizado na medida em que quer investidores estrangeiros quer investidores nacionais têm acesso a este regime jurídico.
Visto quem é e como se determina os principais intervenientes no IDE, cumpre saber, no que se traduz, em concreto, esta modalidade de IE. Neste sentido, é comum proceder-se a uma contraposição entre IDE o Investimento de Carteira.
Enquanto no primeiro, a relação que se estabelece necessita de evidenciar um interesse duradouro, no segundo, o interesse que se manifesta tende a ser de curta duração e alheio a qualquer tipo de controlo ou influência na gestão, em regra, de uma empresa283. Mas no que diz respeito ao IDE constatamos que o interesse duradouro manifesta-se: (i) na existência de uma relação estável de longo prazo, conjugada (ii) com a existência de um controlo ou uma influência significativa na gestão284 do objecto sobre o qual incide o IDE285.
280 Cf. Preâmbulo do DL n.º 214/86, de 2 de Agosto.
281 Salientando este facto, OCDE: 2008b, 41.
282 Cf. DIAS: 2010, 86 e 87.
283 Cf. OCDE: 2008b,12 e XXXXX: 2002, 4.
284 A influência da gestão pode configurar: influência imediata ou directa, ou numa influência mediata ou indirecta. A primeira verifica-se quando o investidor directo detém o controlo (+ 50%), ou um grau significativo de influência (entre 10% a 50%) da propriedade; do capital social; de participações sociais ou do poder de voto de uma empresa ou o seu equivalente, no caso de entidades sem personalidade jurídica, ou de negócios que não sejam constituídos sob a forma societária. Já na segunda, verifica-se quando uma determinada entidade é capaz de exercer um controlo ou uma influência indirecta através de uma cadeia de relações de investimentos directos. Cf. XXXXX / YU: 2011, 2; FMI: 2009, 101; OCDE: 2008b, 286; MINISTÉRIO DA ECONOMIA E DO EMPREGO: 2006, 1e WTO; 1996. Para uma análise
dos métodos que permitem proceder tal distinção, V., OCDE: 2008b, 196.
285 Cf. FMI: 2009, 100 e 101; OCDE: 2008b, 286; CUNHA: 2006, 19 e 20; MINISTÉRIO DA
ECONOMIA E DO EMPREGO: 2006, 1; VITA / XXXXXX: 2004, 14; XXXXXXX:1997, 176 e
XXXXXX / XXXXXXX: 1991, 8 e 9.
Por outro lado, estamos na presença de julgamentos estritamente objectivos, ou seja, em regra286, verificada a existência de 10% das realidades já demonstradas, estamos na presença de um IDE. De facto, a aplicação julgamentos subjectivos não é recomendada pelo FMI, sendo que, no caso da OCDE, a mesma recomenda uma aplicação rigorosa de um julgamento objectivo para garantir uma consistência estatística entre os diversos países287. No entanto, a adopção deste critério não é isenta de críticas. Isto porque podem existir casos em que o ponto que cruza o investimento de carteira para o investimento directo passa pela aferição do tipo de gestão que, em concreto, é exercido, sendo inevitável a existência, nesses casos, de um julgamento subjectivo288.
1.5.2 – Investimento de Carteira ou de Portefólio
A visão tradicional do investimento de carteira (portfolio investment), também considerado como uma forma de investimento indirecto estrangeiro289, tende a ver esta modalidade de IE como uma mera operação de aquisição ou venda internacional de activos financeiros, mais concretamente de investimentos financeiros no mercado de capitais290. Na verdade, algumas das características que se apontam ao mesmo prendem- se com o facto de representar um mero movimento de capital, sendo as características da liquidez e flexibilidade as palavras utilizadas pelo FMI para caracterizar este tipo de IE291.
Quanto ao objecto deste tipo de investimento, na maioria das vezes anónimo, inclui, a título principal, a transacção de acções, títulos de dívida e valores mobiliários, ou seja, em regra, não conferem ao investidor a capacidade de controlar ou influênciar a gestão do objecto sobre o qual se investe292. Por outro lado, o investimento de carteira apresenta um carácter de curto prazo, não complacente com o tempo necessário para um desenvolvimento económico efectivo como a criação de postos de trabalho ou a
286 Cumpre salientar que para o FMI podem existir casos marginais onde, não obstante o relacionamento verificado seja de curta duração, possa o mesmo integrar a categoria do IDE. Cf. FMI: 2009, 101.
287 Cf. FMI: 2009,101 e OCDE: 2008b, 51.
288 Cf. XXXXX: 2002, 8 e ss.
289 Cf. QI: 2011, 548 e CUNHA: 2006, 25.
290 Cf. XXXXXX: 1985, 749.
291 Cf. FMI: 2009, 99.
292 Cf. SORNARAJAH: 2010, 8; OCDE: 2008b, 12; XXXXXX: 2008, 13; XXXXXXX: 1997, 176 e VITA
/ LAWLER: 2004, 14. Questionando esta realidade, SÉRVULO CORREIA: 2010, 826.
transferência de tecnologia, apresentando uma certa volatilidade, sendo que, não raras vezes, se encontra desfasado das reais necessidades de uma economia293.
É em face das suas características que muitos dos BIT´s excluem especificamente este género de investimentos do escopo da sua protecção294, desde logo, se pensarmos na dificuldade da sua compatibilização com as características da noção de investimento proposta pelo teste Salini.
1.6 – Conclusão da Primeira Parte
Concluímos, portanto, pelo exposto, que o IE demonstra a manifestação de especificidades próprias, embora tradicionalmente confluentes, designadamente com o Comércio Internacional, manifestando a tendência para a autonomização, no plano internacional, de um direito do investimento estrangeiro. Ao longo desta primeira parte tentámos, por conseguinte, demonstrar as “forças” que marcam a construção de um regime jurídico do IE, num quadro internacionalmente liberalizante, que, por sua vez, determina a existência de diferentes e diversos desafios.
Em primeiro lugar, os desafios desencadeados pelo IE divergem consoante se esteja perante um país desenvolvido ou de um país em desenvolvimento ou de uma economia de transição. A par das disparidades entre atitudes “amigáveis” ou “hostis”, no que diz respeito à recepção do IE nos Host States, verificamos a existência de desafios que se manifestam, de um modo particular, quando comparados países em desenvolvimento ou economias de transição com países desenvolvidos. Naqueles países, a pressão, embora com tendência para tutela internacional, manifesta-se, não raras vezes, em recursos naturais, sendo o IE predominante sobre estes recursos e manifestado através da sua exploração por via de empresas transnacionais.
Já quanto aos países exportadores de capital, observa-se a pressão no sentido de transportar as questões inerentes ao IE para o plano internacional, salientando a construção de um sistema pautado por acordos internacionais de investimento, mormente os BIT´s, cujas assimetrias de aplicação manifestam a tentativa de impor uma hegemonia dos principais players ao nível do IE.
293 Neste sentido, XXXXX: 2002, 4 e XXXXXXX: 1997, 176.
294 Cf. SORNARAJAH: 2010, 314.
Em segundo lugar, o facto de muitos dos países disporem, na sua lei fundamental, de disposições normativas tendentes a conformar a actividade económica, designadamente a que se relaciona com o IE, como é o caso da lei fundamental portuguesa, coloca a questão de saber até que ponto tais disposições reflectem conformações jurídicas efectivas em função de uma crescente destatalização e da recolocação de tais questões fora dos ordenamentos jurídicos nacionais.
No caso português, não obstante se verifique a existência de múltiplos esforços na construção de um “good investment climate”, assim como de um regime jurídico aplelativo para o IE, verifica-se um forte condicionamento, incutido por parte do ordenamento jurídico da UE, que condiciona a concessão/atribuição de incentivos ao IE em função da salvaguarda de eventuais distorções ao nível da concorrência.
Em terceiro lugar, e por fim, a influência que deriva da utilização de acordos internacionais de investimento enaltece a preocupação na delimitação do conceito de investimento que, em regra, surge sob a forma de IDE. No entanto, a noção de investimento demonstra a apetência para ser delimitada no plano internacional, designadamente através de BIT´s, sendo fortemente influenciada através de decisões arbitrais, mormente através das decisões ICSID.
2. Segunda Parte – O Estado e a actividade jurídico-económica
Ao terminar a primeira parte, pudemos concluir a presença de um carácter evolutivo e multidimensional dos vários problemas inerentes ao IE, enfatizando uma forte influência do plano internacional. Embora esta evolução implique a existência de novos desafios para os Host States, principalmente quando considerados como países em desenvolvimento ou economias de transição, cumpre, agora, indagar a teleologia imanente às actuações estaduais no domínio do IE, bem como dos mecanismos jurídicos mobilizados.
Deste modo, cumpre analisar: (i) as mutações do Estado na esfera jurídico-económica, assim como (ii) a mobilização da figura do contrato, enquanto mecanismo de consenso, e do seu relacionamento com o plano internacional, designadamente, com os BIT´s.
2.1 – As mutações do Estado e as suas implicações em termos jurídico- económicos
A concreta modelação da actividade jurídico-económica (ou a ausência dela), não é alheia à própria concepção de Estado e das formas de actuação da Administração Pública, principalmente ao nível do direito administrativo económico295, cujas características tradicionais apelam, segundo a doutrina, a uma mutabilidade, maleabilidade, plasticidade e flexibilidade296. De facto, cremos que estas características adquirem sinergias consonantes com o pensamento dominante, plasmado entre nós por XXXXX XXXXXXXXX, quando o autor alerta para a necessidade de uma maior flexibilidade, eficiência, publicidade, responsabilidade e abertura à inovação, enquanto conceitos-chave das novas dogmáticas juspublicístas, quando comparada a realidade actual com o entendimento jusadministrativo clássico297.
Na verdade, este entendimento evolutivo é constatável na análise da progressão da “formação dos Estados modernos” (XXXXXX, sem data, 11) até aos tempos hodiernos no tratamento de questões do foro económico, denotando, não só os
295 Para XXXX XXXXXX, o direito administrativo económico consiste “na soma das normas e medidas que regulam a criação e a actividade dos órgãos da Administração e das autoridades administrativas, sobretudo para a resolução dos problemas das infra-estruturas e das informações, da planificação, da fiscalização, da direcção e do fomento da vida económica, bem como as relações jurídicas dos sujeitos que participam na vida económica com a Administração pública.” Cf. STOBER: 2008, 16.
296 Neste sentido, MONCADA: 2012a, 74 e ss; ORTEGA: 2005, 29; XXX: 1998, 89 e ss e LAUBADÈRE: 1985, 114.
297 Cf. CANOTILHO: 2001b, 707.
diferentes paradigmas de Estado, como o modo de execução ou garantia das suas tarefas por via da Administração Pública.
Evidencia-se, assim, uma constante adaptação da realidade concreta de cada ciclo histórico-cultural face às exigências que vão surgindo, demonstrando, ao longo dos tempos, a existência de um “poliédrico fenómeno do intervencionismo” (XXXXXX, 2005, 23).
2.1.1 – Estado-de-polícia
A configuração do Estado-de-polícia298 (tido como esquizofrénico: Príncipe - Fisco)299 nos sécs. XVII e XVIII, e da progressiva substituição da doutrina económica mercantilista pela doutrina económica fisiocrática, vão demarcar um período temporal, especialmente em França, caracterizado pela existência de obras públicas e de uma intervenção económica caracterizadora da afirmação e grandeza do despotismo esclarecido300.
Neste período temporal assiste-se à teorização de uma modalidade de acção pública em França, por impulso de XXXXXXX, de uma actividade administrativa de fomento, fortemente rígida, dirigista e controladora, tendente a estimular, principalmente, o desenvolvimento industrial francês301. Todavia, a existência de um poder de polícia face aos súbditos, enquanto poder subtraído à lei e emanação absoluta da acção do príncipe tendente a zelar pelo bem-estar da comunidade (salus publica) e da sua ordenação, onde os fins justificavam os meios302, vai demarcar uma forma de actuação incutida na ausência de uma juridicidade, o ius emines303.
2.1.2 – Estado Liberal
A realidade anteriormente descrita é alterada com o advento do Estado Liberal
em virtude das transformações ocorridas com as revoluções americana e francesa.
298 Sobre o tema, X., XXXXXX XX XXXXXXX: 2011a, 17; XXXX / XXXXXXXX: 2011, 21; ESTORNINHO: 1999, 101 e 102; XXXXXX, 1955, 66 e Xxxx, sem data, 18.
299 Cf. ESTORNINHO: 1999, 353.
300 Neste sentido, XXXXXX: sem data, 18 e FREITAS DO AMARAL: 2008, 67 e 68.
301 Cf. CASSESE: 2010, 47 e PARADA: 1997, 460.
302 Cf. BRITO: 2009, 289 e ss e XXXXXXX: 1990, 1145 e ss.
303 Cf. XXXXXX: 1955, 54 e ss.
Desde logo, assiste-se às “marcas de nascença” do Direito Administrativo (XXXXXX XX XXXXXXX, 2011a, 19), bem como no despoletar de um “Estado Polícia”, “Estado guarda-nocturno” (LASSALLE), um “Estado mínimo” ou um “Estado abstencionista”, com especial destaque ao nível jurídico-económico, enaltecendo uma intervenção esporádica do Estado na esfera privada, “laissez-faire”304, demonstrando uma estreita harmonia com as correntes económicas da “mão invisível” de XXXX XXXXX e filosóficas de XXXX por via da liberdade individual que ostenta um individuo livre, isolado e igual.
Citando XXXXXX XX XXXXXXX, “[o] liberalismo pressupõe o indivíduo como ponto de partida” (2012, 51).
Assiste-se, nesta época, a uma Administração autoritária, agressiva305, onde a propriedade e o contrato, para os privados, vão surgir como o “suporte legal e único da economia” (XXX, 1998, 46). Deste modo, verifica-se uma “clara demarcação entre as esferas de actuação pública (ou de interesse público), reservada ao Estado, e de actuação privada (ou de interesse privado), reservada aos cidadãos” (XXXXXXXXX, 2005, 141).
É deste modo que as (raras) intervenções administrativas no domínio económico (dirigismo negativo), vão manifestar-se através de tarefas de polícia administrativa, como a segurança e salubridade de instalações, denotando uma actuação unilateral e autoritária enquanto formas de acção típicas da administração económica306. Todavia, verifica-se uma evolução, neste domínio, (Estado Polícia), em relação ao Estado-de- polícia, na medida em que estas intervenções passam a estar subordinadas ao princípio da proporcionalidade e ao princípio da legalidade enquanto postulados de um Estado de Direito307.
2.1.3 – Estado Social
Ainda na primeira metade do séc. XX voltamos a assistir a um novo paradigma, paradigma que acentua um “Estado de Direito Material”, um “Estado Social”,
304 No mesmo sentido, XXXX / XXXXXXXX: 2011, 23; FREITAS DO AMARAL: 2008, 79; XXXXX: 2008,
26 e XXXXXXXX: 1984, 31.
305 Cf. XXXXX: 1998, 40.
306 Cf. XXXXXXX: 1996, 32 e MELO: 1984, 24.
307 Cf. XXXXX: 2009, 295 e CANOTILHO: 2003, 266 e 267.
“Estado-providência” cujos objectivos encetam a necessidade de um desenvolvimento económico, do bem-estar e da justiça social, cristalizados por via do surgimento de uma Administração concertada, constitutiva, participativa ou de prestações308, em virtude, designadamente, dos graves flagelos bélicos mundiais que assolam principalmente a Europa e das crises económicas que vão marcar esta época.
Fica por esta via afastado, por necessidade, o paradigma que vinha a ser sedimentado na cisão entre Estado e Sociedade, segundo o modelo liberal, facto elucidado por uma exponencial responsabilidade pública de execução, principalmente ao nível das tarefas prestacionais309. Na verdade, a tendência para a existência de um Estado-providência (welfare state) vai revelar-se, particularmente, numa “providência existencial” (FORSTHOFF) cada vez mais conotada como função administrativa310. Esse entendimento (socialidade do Estado) vai ser reflexo da necessidade da salvaguarda da Dignidade da Pessoa Humana, quer na vertente dos seus Direitos, Liberdades e Garantias, mas principalmente na vertente dos seus Direitos e Deveres Económicos, Sociais e Culturais.
Assintomática desta realidade vai ser a emergência de uma crescente utilização, por parte da Administração Pública, de expedientes privatísticos (não obstante se considere que esta prática não fosse exclusiva deste ciclo histórico-cultural)311, segundo uma lógica de concertação, especialmente em França após a década de 60312, conducente a levar a cabo muitas das políticas de intervencionismo económico do Estado313. Este facto irá enfatizar a figura do contrato como “modus agendi do Estado social” (NABAIS, 1994, 16).
Na verdade, o Estado Social vai ficar caracterizado por uma crescente assunção de tarefas na prestação de bens e serviços à colectividade (serviço público)314, que, por sua vez, demarcam a necessidade de alteração de uma actuação unilateral e agressiva,
308 Neste sentido, XXXXXX XX XXXXXXX: 2011a, 20; XXXX / XXXXXXXX: 2011, 24; XXXXX: 2008, 30;
ESTORNINHO: 1999, 101; XXXXX: 1998, 78 e XXXXXX: sem data, 29.
309 Cf. XXXXX: 2001, 35.
310 Cf. XXX: 1998, 58 e ZIPPELIUS: 1997, 468.
311 Cf. XXXXX: 2001, 32.
312 Cf. BOLADO: 2001, 166.
313 Neste sentido, ORTEGA: 2005, 22; XXXXX: 1998, 77; VAZ: 1998, 60; XXXXX XXXXXX / XXXXXXX: 1993, 219 e ss; XXXXX XXXXXX: 1988, 296; LAUBADÈRE: 1985, 000x XXXXXXXX: 1984, 35.
314 No mesmo sentido, MONCADA: 2012a, 31.
o acto administrativo, não obstante se assista ao despoletar, não só de uma lógica favorável do mesmo como a existência de actos mistos, ou seja, negociados com os destinatários315, para uma lógica concertada e consensual, o contrato316, que irá, por sua vez, encontrar um eco especial no domínio da administração económica ansiosa por alcançar novas formas de adesão e colaboração317.
Por outro lado, e para dar resposta às necessidades desta época, assiste-se a uma Administração empresarial, que vai ser enfatizada na década de 70 e 80 por via do fenómeno das nacionalizações, tendente a proceder a uma gestão activa dos meios de produção, tida ainda hoje à luz do art. 83.º da C.R.P. como “um espaço de iniciativa económica pública expressamente garantido” (XXXXX: 1998, 114), sendo que esta actividade, designadamente a do sector empresarial do estado, para além de ser pautada por critérios de eficiência e eficácia, desenvolve-se, enquanto regime jurídico geral susceptível de derrogações, pelo direito privado318.
Não surpreende, deste modo, a alusão por parte da doutrina ao despoletar de uma nova realidade, tida como “a fuga para o direito privado” (XXXXX XXXX XXXXXXXXXX), ilustrativa de uma nova problemática: a existência de um Direito Privado Administrativo. De modo a dar uma resposta coerente a esta tendência, surge na Alemanha a doutrina dos dois níveis (« Zweistufentheorie»), proposta por IPSEN, na tentativa de dar uma resposta ao enquadramento jurídico das subvenções resultantes da reconstrução da guerra. Propõe-se, deste modo, a divisão desta relação jurídica em dois níveis: a primeira traduzir-se-ia numa decisão jurídico-pública de fundamentação por via de um acto administrativo e, subsequentemente, num segundo nível, na celebração de um negócio jurídico-civil de execução do primeiro319.
Não obstante as críticas que se fizeram sentir a esta teoria320, a mesma permitiu evidenciar que, não raras vezes, a escolha do direito privado pela Administração se prende por razões de eficácia321. Mas mais do que esta necessidade foi a evidência de que a actuação administrativa, por esta via, não pode ser configurada como uma
315 Cf. XXXXX: 1998, 134 e ss.
316 Neste sentido, MONCADA: 2012a, 35; ORTEGA: 2005, 30 e XXXXXXXX XX XXXXXXX: 1979, 605.
317 Salientando este facto, ENTERRÍA / XXXXXXXXX: 2002, 676.
318 Neste sentido estabelece o art. 14.º do novo regime jurídico do sector público empresarial aprovado pelo DL. n.º 133/2013, de 3 de Outubro.
319 Expondo esta teoria, ESTORNINHO: 1999, 109 e ss.
320 Sobre as mesmas, V., ESTORNINHO: 1999, 116 e ss.
321 Salientando este facto, XXXXXX XX XXXXXXX: 2011a, 70.
“transfiguração” da Administração Pública. Desde logo, porque tem em si uma “função instrumental na satisfação dum interesse público” (XXXXXX: 1978, 19 e 20), estando vinculada, designadamente, aos direitos fundamentais, à prossecução do interesse público bem como a regras e procedimentos administrativos (cf. n.º 5 do art. 2.º do CPA)322.
É no seguimento deste raciocínio que se observa, enquanto principais objectivos do Estado Social, a necessidade de se proceder a uma racionalização e ordenação dos sectores económicos, principalmente no sector público, ilustrando a necessidade de uma “lógica de cooperação e de acção concertada que se expressa através de complexos processos de integração, de osmose e de interpenetração” (GONÇALVES, 2005, 141).
No fundo, e traduzindo uma lógica de intervenção económica323, passa a existir uma consciencialização de que o exercício autoritário por parte da Administração é incapaz de fornecer uma resposta adequada para alcançar determinados objectivos que se pretendem recíprocos entre o Estado e a Sociedade, sendo a contratualização o modo de aliar o sector privado, e até mesmo o sector público, na prossecução de fins de política económica324.
É deste modo que se alude ao facto da característica da negociação ascender à categoria de “instrumento imprescindível na tarefa de administrar” (ENTERRÍA / XXXXXXXXX, 2002, 677).
Todavia, vão ser diversas as formas de levar a cabo esta nova realidade, desde logo pelo facto do século XX ter sido pródigo na multiplicidade de ideologias jurídico- políticas, principalmente na Europa. Na verdade, as modalidades de intervenção do Estado, grosso modo, vão ser pautadas, designadamente, pela possibilidade de um simples intervencionismo, de um dirigismo ou de uma planificação325, demonstrando a disparidade de intensidade e efeitos num dado ordenamento jurídico-económico326.
322 Cf. ESTORNINHO: 1999, 231 e ss. Salientando a necessidade da aplicação de normas de direito público, MONCADA: 2012b, 26; SÉRVULO CORREIA: 1987, 390 e QUEIRÓ: 1976, 185 e 186.
323 Sobre o conceito, FERREIRA: 2001, 297.
324 Cf. ENTERRÍA / XXXXXXXXX: 2002, 675 e 676 e XXXXXXXX XX XXXXXXX: 1979, 605.
325 Sobre cada um deste conceitos, V., XXXXX XXXXXX / XXXXXXX: 1993, 219 e ss.
326 No mesmo sentido, ORTEGA: 2005, 22.
A planificação327 vai acentuar-se na Europa, principalmente após a Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx000, ilustrando uma nova figura, o Plano, instrumento jurídico controverso quanto à sua natureza jurídica329, mas que configurava os “objectivos a prosseguir no domínio económico-social durante um determinado período de tempo, [estabelecia] as acções destinadas a prossegui-los e [podia] definir os mecanismos necessários à sua implementação” (SANTOS / XXXXXXXXX / MARQUES: 2011, 189). No fundo, representava um “instrumento de direcção dos agentes económicos públicos e privados” (MONCADA, 2012b, 92).
Paralelamente, vai surgir a figura do contrato económico, não raras vezes subordinado ao Plano como modo privilegiado de execução do mesmo330, revelando as suas diversas formas de imperatividade331.
A origem e terminologia destes contratos, não obstante apresentassem ecos nos países soviéticos enquanto modus agendi na realização das tarefas do Plano no sector colectivizado da economia, retratavam a celebração de contratos entre empresas, designadamente entre empresas públicas332.
Todavia, os contratos económicos vão também estar presentes no ordenamento jurídico francês333, ainda que com um significado diverso. Na verdade, os mesmos vão encetar a necessidade de se proceder a uma execução flexível do Plano334, impulsionando, deste modo, o fenómeno convencional. Este facto impulsionará a doutrina a designar os contratos económicos como “uma terceira via entre o autoritarismo do socialismo e a anarquia de um certo liberalismo” (MONCADA: 1985, 131).
No ordenamento jurídico português, como veremos, a figura do contrato económico também vai merecer a atenção da doutrina335.
2.1.4 – Estado Regulador
327 Sobre o seu conceito, MONCADA: 1985, 10 e ss.
328 Neste sentido, XXXXXX / XXXXXXXXX / MARQUES: 2011, 190; VAZ: 1998, 57 e XXXXXXX: 1978,
165 e 166. Expondo os contornos jurídicos da planificação nos E.U.A., França, Itália e nos países de Leste, MONCADA: 1985, 21 e ss.
329 Neste sentido, MELO: 1984, 39.
330 Cf. MONCADA: 2012a, 630; Idem: 1985, 129 e ATAÍDE: 1970, 225.
331 Cf. XXXXX: 1986, 22 e 23.
332 Cf. XXXXXXXX XX XXXXXXX: 1979, 606 e RIBEIRO: 1978, 177, nota 32.
333 Cf. XXX: 1998, 373.
334 Cf. MONCADA: 2012b, 135.
335 Designadamente, SÉRVULO CORREIA: 1986, 95 e ss.
Nas últimas décadas do séc. XX, assistimos ao despoletar de mais um novo paradigma: o Estado Regulador336. Esta nova concepção de Estado, vista por alguns com eco constitucional na al. f) do art. 81.º da C.R.P.337, passa a reflectir uma alteração significativa no modo de intervenção do Estado na esfera jurídico-economia, sendo a ênfase dada ao mercado e à concorrência.
Desde logo, o Estado Regulador deixa de ser o grande responsável pela produção e satisfação de parte das necessidades da sociedade (v.g., energia e telecomunicações), assimilando a dificuldade de proceder à satisfação das crescentes funções que caracterizavam o Estado Social. Na verdade, entende-se que, com esta mudança de paradigma, o Estado Regulador, paulatinamente, substitui uma responsabilidade pública de execução, por uma responsabilidade pública de garantia338, fortemente influenciada, não só com a queda dos regimes comunistas, mas também por vastos programas de liberalizações e privatizações (materiais) de sectores públicos essenciais (public utilities) e com elas a salvaguarda das “Leis de Roland” (continuidade, igualdade e mutabilidade) na sua prestação e acesso.
Estas transformações, ocorridas principalmente na Europa e nos E.U.A., vão incutir na regulação339 sobre as entidades privadas, que passam a assumir estas novas funções, a “pedra de toque” desta nova forma de responsabilidade, principalmente nos domínios das “market failures”340. Surge, deste modo, a necessidade de se assegurar os direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos no acesso a Serviços de Interesse Económico Geral341.
Fala-se, agora, de uma Administração prospectiva cuja actividade material adquire uma eficácia em relação a terceiros342, ao mesmo tempo que se procede à
336 Neste sentido, XXXXXX XX XXXXXXX: 2011a, 14; XXXXX: 2008, 40 e CANOTILHO: 2001b, 707.
337 Cf. MONCADA: 2012a, 56. Referindo-se à globalidade do art. 81.º da C.R.P. como norma que evidencia o paradigma de Estado regulador, CANOTILHO / XXXXXXX: 2007, 972 e 973.
338 Cf. XXXXXXXXX: 2005, 168 e ss.
339 Para uma análise ao conceito, VICENTE: 2012, 13 e ss; XXXXXXXXX: 2006, 540 e XXXXXXX: 1996, 76.
340 Neste sentido, XXXXXXXXX: 2013, 13; Idem: 2005, 169; XXXXXXX: 2012a, 55; XXXXXXX XX XXXXX: 2008a, 122 e 123 e XXXXXX: 2005, 25 e 26.
341 Salientando este facto, XXXXXXX XX XXXXX: 2012, 5 e XXXXXXXXX: 2006, 537 e 538.
342 Cf. XXXXX: 1998, 136.
construção de quadros regulatórios (transversais e sectoriais) implementados por uma
Administração Independente343 (v.g., Autoridade da Concorrência).
A assimilação desta nova forma de compreensão da actuação do Estado, como salienta a doutrina, não reconduziu a actuação do mesmo ao paradigma liberal e de uma nova cisão entre Estado e Sociedade344. De facto, embora se verifique uma retracção do Estado na intervenção directa da actividade jurídico-económica, nem por isso se verificou uma diminuição das suas funções (agora indirectamente), mormente a de regulador (em sentido amplo) da economia.
É em virtude deste entendimento que XXXXX XXXXXXX sublinha a existência de um movimento de “desregulação”, ocorrido pela redução do papel do Estado na economia e da convocação e revalorização do mercado, assim como da concorrência, em virtude das privatizações, das liberalizações e da eliminação ou atenuação do controlo público sobre a produção e mercado345. No fundo, o Estado passa a desempenhar “uma missão fundamental de desmontar as barreiras de acesso ao mercado e de facilitar o desenvolvimento das liberdades económicas, não através da regulação, mas da desregulação” (GONÇALVES: 2013, 17).
É com esta crescente desintervenção do Estado na execução das tarefas anteriormente executadas por ele próprio, que se implode um movimento de apelo à sociedade civil para que esta passe a desempenhar determinadas tarefas346, não raras vezes inerentes à prossecução do interesse público, ou seja, daquelas necessidades que se traduzam numa “manifestação directa ou instrumental das necessidades fundamentais de uma comunidade política e cuja realização é atribuída, ainda que não exclusivamente, a entidades públicas” (XXXXXX XX XXXXXXX: 1993, 275)347.
De facto, este apelo à sociedade civil, ou mais realisticamente, à sociedade civil global, vai determinar, como consequência, que a mesma participe nos movimentos de liberalizações e privatizações que vão ocorrendo. Este facto, por sua vez, determinará a possibilidade de investidores estrangeiros surgirem como um dos principais sujeitos
343 Cf. XXXXXXXXX: 2006, 548. Sobre a Administração Independente e os seus desafios, V., CASSESE: 2010, 36 e ss e XXXXXXX: 2002.
344 Cf. XXXXXXX: 1996, 29.
345 Cf. XXXXXXX: 1996, 50 e 51.
346 No mesmo sentido, XXXXXXX XX XXXXX: 2012, 5.
347 Para uma análise à noção de interesse público, XXXXXX: 1955, 102 e ss.
activos, embora não apenas os exclusivos, nos sectores que vão sendo privatizados e
liberalizados um pouco por todo o globo348.
Por outro lado, a assunção do Estado Regulador de uma responsabilidade pública de garantia é assintomática da existência das transformações ocorridas no seio de uma sociedade tecnológica, de risco, em rede349. É deste modo que a regulação, questionada por alguns como um novo feudalismo jurídico composto por vários sistemas regulatórios350 (transversal/sectorial), surge como a forma segundo a qual o Estado tenta garantir uma resposta erudita apelando, no entanto, à eficácia e eficiência na resolução dos problemas que o rodeiam.
Esta característica faz com que a doutrina apele a um novo paradigma de Estado (Estado Garantidor)351, paradigma que, evidenciando os novos desafios da regulação, que tendem a ir além dos meros mecanismos de Estado regulador económico, enfatizam um Estado incentivador do mercado, um Estado orientador de comportamentos e um Estado como garantidor do bem-estar352, que é visto, deste modo, como “uma verdadeira alternativa ao Estado regulador” (XXXXXXX XX XXXXX: 2008a, 12).
Parte deste novo paradigma enfatiza os actuais desafios que os Estados enfrentam. Oriundos da crescente globalização da economia, observa-se o crescimento de relações plurilocalizadas e transnacionais. Esta nova realidade é complacente, como salienta CASSESE, com a actual forma de intervenção do Estado. Isto porque, se antes “era soberano no que se referia à economia, agora perdeu essa posição justamente a favor da economia; antes ele era principalmente pedagogo, agora é sobretudo regulador, e o governo da economia que antes era unitário, passou a ser fragmentado” (2010, 45).
O pensamento de CASSESE permite ilustrar a crescente perda do referente estadualidade, principalmente quando se pensa nos elementos do conceito de Estado (povo, território e soberania) emergentes da Paz de Vestefália, mas principalmente o conceito de soberania (perpétua, absoluta, indivisível, própria e não delegada), sob os
348 No mesmo sentido, BENDE-NABENDE: 2002, 135; XXXXXXXXXXXX: 2000, 14; MAH / TAMULAITIS: 2000, 122 e 123; XXXXXX: 2000, 1 e SHIHATA: 1993, 2.
349 Cf. XXXXXX XX XXXXXXX: 2011a, 22 e XXXXXX: 2009, 227 e ss.
350 Neste sentido, DOMENICHELLI: 2004, 1 e ss.
351 Questionando esta possibilidade, CANOTILHO: 2008, 571. Dando como exemplo o sector da energia como uma refracção do Estado Garantidor, XXXXXXX XX XXXXX: 2012, 6 e 7.
352 Cf. XXXXXXX XX XXXXX: 2008a, 4 e 5. Salientando alguns destes aspectos, CANOTILHO: 2008, 573.
pressupostos teorizados no séc. XVI por BODIN353. Esta realidade demonstra o impacto da actual perda da soberania dos Estados no domínio económico354.
Desde logo, observa-se que o respeito da subordinação do poder económico ao poder político democrático (al. a) do art. 80.º C.R.P.), está subordinado a um paradigma que enfatiza o facto do “poder económico só [ser] subordinável ao poder político democrático desde que este o possa controlar, o que depende quer da dimensão que aquele assuma, quer das posições que ocupe na organização económica” (CANOTILHO
/ XXXXXXX: 2007, 957).
Por outro lado, a crescente proliferação de instituições e organizações internacionais que aspiram a regular, entre outras questões, aspectos do foro económico, determinam uma relativização de tais conceitos355. Não é despicienda, deste modo, e em função do crescente policentrismo na produção normativa, a existência de uma “governança”356, ou seja, a “condução (“Steuerung”) de sistemas complexos de policentralidade” (XXXXXX XX XXXXXXX: 2011a, 24)357. Daí que CASSESE afirme a existência de uma crescente “mercatizzazione dei poteri pubblici” de uma “arena pubblica” (CASSESE: 2005b, 601 e ss), que tem em si implícita a existência de uma “estadualidade aberta” (XXXXXXX-XXXXXXX: 2006, 21).
Esta realidade é assim ilustrativa dos novos desafios que se impõem ao direito público e, em particular, a um direito administrativo, tradicionalmente conotado na doutrina portuguesa como um direito estatutário358, de não reconduzir-se passivamente à realidade que visa concretizar359, em virtude destas novas relações jurídicas que há muito ultrapassam os quadros normativos territorial e juridicamente definidos.
É neste entendimento do “estado da arte”, que hoje, porventura mais do que nunca, se fala de uma “retracção do princípio da legalidade administrativa”360 em virtude de uma “normatividade em rede” e de uma administração cada vez mais voltada
353 Para uma análise às posições de Xxxxx, FREITAS DO AMARAL: 2006, 323 e ss.
354 No mesmo sentido, CASSESE: 2010, 41 e CANOTILHO: 2008, 575.
355 Neste sentido, XXXXXX: 2009, 30 e ZIPPELIUS: 1997, 85.
356 Para uma análise à noção de governança, CASSESE: 2010, 26 e ss e XXXXXX: 2009, 157.
357 Referindo-se a esta realidade, XXXXXX: 2009, 25.
358 Neste sentido, FREITAS DO AMARAL: 2008, 140; XXXXXXX XXXXXXX: 1987, 394; XXXXXXXX:
1984, 60 e QUEIRÓ: 1976, 119.
359 Neste sentido, XXXXXX: 2008, 46.
360 Cf. XXXXXXXXX: 2006, 552. No mesmo sentido, XXXXXXX XX XXXXX: 2008a, 94 e ss e CANOTILHO: 2003, 723.
para o resultado, acarretando novas dificuldades, desde logo em sede de legitimidade (que hoje passa, principalmente, por ser afirmada ao nível do procedimento, conteúdo e controlo das decisões), em virtude de uma crescente governance without government361. Na verdade, se entre nós, já nos finais da década de 70, XXXXXX XXXXXX chamava a atenção para o facto da aplicação das normas de direito administrativo apresentarem, como regra ou princípio, o princípio da territorialidade, nem por isso o autor deixava de salientar a existência de excepções à aplicação do mesmo princípio362. Hoje, a constatação de outrora evidenciada pelo autor é claramente confirmada com a evocação de uma crescente internacionalização da Administração que deriva da existência de fenómenos de carácter administrativo que ultrapassam as fronteiras
nacionais363.
Facto revelador desta constatação é possível de ser confirmado, no ordenamento jurídico português, no domínio do Direito dos Valores Mobiliários, com a existência de normas administrativas de conflitos que visam a resolução de relações jurídico- administrativas transnacionais tendentes a definir a autoridade administrativa competente para a prática de um acto administrativo364.
É em face desta realidade que se verifica a proposta de alguns sectores da doutrina questionarem se, de facto, não estaremos na emergência de um novo direito administrativo365, principalmente, mas não só, em virtude das transformações que vão ocorrendo por via do fenómeno das privatizações, mas também de uma crescente internacionalização e europeização deste ramo do direito e do direito público em geral.
Uma destas manifestações deriva, deste modo, da crescente proliferação de instituições e organizações internacionais, verificando-se o despoletar de um direito administrativo global366 (v.g., no domínio da internet; telecomunicações; energia;
361 No mesmo sentido, CANOTILHO: 2009, 101. Referindo à fragmentação dos poderes públicos como um dos principiais problemas dos ordenamentos jurídicos modernos, CASSESE: 2010, 32.
362 Cf. QUEIRÓ: 1976, 528 e ss.
363 No mesmo sentido, XXXXXXX-XXXXXXX: 2006, 7 e ss. Ilustrando esta realidade ao nível das Autoridades da Concorrência, CASSESE: 2010, 16 e ss. Apelando à necessidade do direito administrativo económico ter em consideração a globalização, ORTEGA: 2005, 46.
364 Cf. XXXXX: 2005, 781 e ss. Para uma análise ao conceito de acto administrativo transnacional no domínio do direito europeu, XXXXXXX XX XXXXX: 2010a, 91.
365 Dando conta deste facto, XXXXXX XX XXXXXXX: 2011a, 24; DIAS / XXXXXXXX: 2011, 36 e XXXXXXX XX XXXXX: 2012: 7; Idem: 2010a, 56 e Idem: 2010b.
366 Neste sentido, XXXXXXX XX XXXXX: 2010b, 20; Idem: 2008a, 101; XXXXXXXXX / XXXXXX / XXXXXXX: 2005, 17; XXXXXXXXX: 2005, 106; CASSESE: 2005a e XXXXXXX: 2005.
sistema financeiro ou ambiente), principalmente derivado de matérias organizatórias, procedimentais e processuais, bem como na emissão de standards normativos que, demonstrando a existência de redes de cooperação globais, passam a ser acolhidos nos ordenamentos jurídicos nacionais, influenciando-os e condicionando-os367.
No que diz respeito ao IE, é no seio desta ambiência específica que constatamos a existência de autores que vêem na arbitragem internacional nos domínios específicos do IE, uma manifestação do direito administrativo global.
Para esta corrente doutrinal, que reconhece a utilização de uma noção ampla deste conceito368, a arbitragem efectivada sobre a égide da Convenção de Washington, para além de ser vista e enfatizada como um mecanismo de revisão administrativa que deriva do exercício de poderes públicos de autoridade (v.g., arbitragens que decorreram em virtude da crise argentina e com ela da análise da legalidade das condutas estaduais bem como da equidade do governo na tomada das decisões), é caracterizada como um mecanismo específico de resolução de disputas decorrentes entre um Estado e um investidor estrangeiro, que está submetido ao exercício da autoridade pública do primeiro, com a particularidade, tida como regra, de não ter que esgotar as vias jurisdicionais internas para recorrer a este tipo de arbitragem internacional369.
No fundo, e se considerarmos o entendimento recente da doutrina portuguesa sobre este aspecto, passamos a assistir à “necessidade de subordinar as decisões da domestic administrative regulation aos princípios gerais de direito global (à global administrative law), como forma de garantir a protecção da confiança – e soluções jurídicas novas – revelação de novos princípios gerais de direito administrativo e a subordinação dos actos de poder público ao controlo jurisdicional de entidades supranacionais” (TAVARES DA SILVA, 2010b, 26 e 27).
A par desta realidade, outra também se evidencia. Esta corresponde, agora, a uma crescente europeização do direito administrativo370, onde as soluções que vão sendo emanadas no seio da UE, principalmente ao nível da implementação de políticas públicas, implicam, não só uma coordenação ou uma “co-administração” (VIEIRA DE
367 Neste sentido, KINGSBURY / KRISCH / XXXXXXX: 2005, 16.
368 Cf. HARTEN / LOUGHLIN: 2006, 122 e KINGSBURY / KRISCH / XXXXXXX: 2005, 36 e 37.
369 Neste sentido, HARTEN / XXXXXXXX: 2006, 148 e 149. Salientando o Direito Administrativo Global
como uma função de policiamento, KINGSBURY / KRISCH / XXXXXXX: 2005, 45.
370 Sobre o tema, V., XXXXXXX XX XXXXX: 2010a. Aludindo a esta questão, XXXXXXXXX: 2006, 550 e ss.
XXXXXXX, 2011a: 23) entre esta e as diversas Administrações dos Estados-membros (relações verticais ou multi-níveis), como uma crescente influência das decisões administrativas nacionais que adquirem impacto nas várias Administrações dos Estados- membros, adquirindo efeitos transnacionais (relações horizontais).
Realça-se, deste modo, uma lógica principiológica371 com especial desígnio para os princípios do efeito útil, da preferência aplicativa, da interpretação conforme, da colaboração leal e da confiança mútua entre Administrações enquanto sinónimos de um direito administrativo em rede372.
Esta específica realidade também se manifesta no domínio do IE. De facto, com a aprovação do Regulamento da UE que estabelece as disposições transitórias para os acordos bilaterais de investimento entre os Estados-membros e países terceiros, é possível observar a articulação entre as Administrações dos Estados-membros com a Comissão Europeia. Para tal, basta observar o procedimento inerente às autorizações para alterar ou celebrar acordos bilaterais de investimento. De facto, existe a necessidade da notificação à Comissão Europeia, quer na fase da mera intenção de proceder a tais circunstâncias (art. 8.º), quer na fase da sua própria celebração (art. 11.º).
É em face desta realidade que XXXXX XXXXXXXX salienta a existência de uma “autorização condicional”, envolvendo várias etapas de um procedimento complexo a ser observado pelos Estados-membros neste domínio373.
Não surpreende, deste modo, que se questione a existência de um direito administrativo sem Estado (COLAÇO ANTUNES), sobretudo quando a realidade tende a demonstrar a perda da referência ao mesmo e da convolação da Administração directa de um Estado-membro numa Administração indirecta da administração da União Europeia374.
Analisando a realidade segundo esta perspectiva, a mesma implica, desde já, uma consequência em termos de congruência. Tendo nós defendida a necessidade da articulação constitucional, principalmente na parte económica, na adaptação aos novos
371 Cf. XXXXXXX-XXXXXXX: 2006, 31.
372 Salientando este aspecto, DIAS / XXXXXXXX: 2011, 34 e 35; XXXXXXX XX XXXXX: 2010a, 35 e ss e
Idem: 2008a, 8, nota 36.
373 Cf. LAVRANOS: 2010, 15.
374 Cf. ANTUNES: 2008, 61 e ss.
desafios de uma economia globalizada, que hoje passam por ser fortemente concretizados ao nível internacional e ao nível da UE, ou seja, de uma interpretação em face da realidade que lhe é subjacente, não poderemos ser indiferentes à necessidade de também o direito administrativo se adaptar a esta realidade.
De facto, se admitimos o “mais” no que diz respeito à nossa lei fundamental, não poderemos admitir o “menos” ao nível do direito administrativo, sobretudo quando entendem XXXXX XXXXXX e XXXXX XXXXXXX ser o direito administrativo direito constitucional concretizado375. Em face desta realidade, cremos que faça todo sentido a adesão ao argumento de XXXXX XXXXXXXXX quando o autor chama a atenção para a necessidade da superação do entendimento proposto por XXXX XXXXX, segundo o qual «o direito constitucional passava e o direito administrativo ficava».
Na verdade, cremos que o tema do IE representa claramente uma manifestação que evidencia o facto de que, segundo XXXXX XXXXXXXXX, o “Direito Constitucional passa, o Direito Administrativo passa também”376, sendo demonstrativo da necessidade do direito público, em geral, se adaptar às novas realidades que perpassam, cada vez mais, os horizontes territorialmente definidos.
2.2 – A ratio incentivadora do IE no ordenamento jurídico português
Todo o percurso percorrido até ao momento tem tentado demonstrar que a ratio que hoje subjaz ao IE evidencia um carácter evolutivo. Esta evolução é observável, desde logo, na relação dos Planos com o IE e faz denotar as “metamorfoses” que em termos económicos a C.R.P. de 1976 tem sofrido ao longo dos xxxxxx000.
Como tivemos a oportunidade de salientar, a figura do Plano não foi, e continua a não ser, uma realidade despicienda em vários países europeus, principalmente durante o século XX. No ordenamento jurídico português esta realidade não poderia ser diferente. Hoje, não obstante a figura do Plano tenha sido substituída pela figura dos Planos (inerentes a uma planificação democrática da economia), a mesma não deixou de ter relevância, desde logo, por configurar um limite material de revisão constitucional (al. g) do art. 288.º da C.R.P.).
375 Cf. XXXXXXX: 1998, 1142 e ss.
376 V., CANOTILHO: 2001b.
377 Dando conta desta ocorrência, XXXXXXX: 2006, 33 e ss.
No entanto, na versão original da C.R.P. 1976, o Plano representava uma função de orientação, coordenação e disciplina da actividade economia, onde a lei fundamental portuguesa, na redação de então, estatuía a sua força jurídica no art. 92.º, determinando-o como um instrumento unitário de direcção central ao nível macroeconómico378. Todavia, a força jurídica do Plano era variável, considerando-se imperativa para o sector público (com certas especificidades), contratual para as empresas que celebrassem contratos-programa com o Estado, e indicativa para os restantes casos379.
Associado à figura do Plano surgia a “actividade económica e investimentos estrangeiros”, epígrafe do então art. 86.º da C.R.P., que determinava a subjugação dos IE´s à figura do Plano. De facto, esta característica era demonstrativa do modo como o IE era encarado no nosso ordenamento jurídico e ilustrativo do regime que lhe era inerente, exacerbando um carácter de submissão.
Com a segunda revisão constitucional (1989), a referência ao instituto jurídico do Plano deixa de configurar na Constituição com a caracterização que lhe era inerente380. Hoje, não obstante o planeamento económico continue a constituir um dos princípios fundamentais da organização económica (al. e) do art. 80.º da C.R.P.), bem como uma das incumbências prioritárias do Estado no domínio económico-social (al. j) do art. 81.º da C.R.P.), é configurado, pela doutrina, como uma garantia institucional381.
Assistimos, deste modo, à figura dos Planos (nacionais, regionais e das autarquias locais), tidos, agora, como “conjunto de documentos meramente estratégicos apenas orientadores da actividade estatal” (MONCADA: 2012b, 92), que não se sobrepõem à actividade económica, não obstante ainda se defenda que os mesmos possam ser vinculativos para o Governo e para a Administração382.
Todavia, para o sector privado, verifica-se uma supletividade de intervenção do Estado face ao livre funcionamento da iniciativa privada e de mercados abertos e
378 Neste sentido, MONCADA: 2012a, 677; Idem: 2012b, 91 e 92; XXXXXX / XXXXXXXXX / MARQUES: 2011, 191 e XXXXXXX, 2006, 38.
379 Cf. XXXX XXXXX: 1982, 28.
380 No mesmo sentido, XXXXXXX: 2006, 38 e 39.
381 Cf. CANOTILHO / XXXXXXX: 2007, 1032.
382 Cf. CANOTILHO / XXXXXXX: 2007, 1033.
concorrenciais, realidade confirmada pela al. f) do art. 4.º da Lei-quadro do Planeamento383.
Toda esta nova configuração da realidade que envolve os Planos faz com que a doutrina saliente a desvalorização do planeamento e a sua subsequente supletividade como instrumento da actividade económica384, o que não deixa de ser revelador da actual linha de intervenção jurídico-económica que caracteriza o actual paradigma de Estado, ou seja, a regulação, a garantia.
Inerente a esta linha de raciocínio, também se verifica que o actual art. 87.º da C.R.P., inerente à actividade económica e investimentos estrangeiros, já não está, desde a revisão constitucional de 1982, subordinado expressamente nem ao Plano, nem aos Planos. Quanto muito, poderemos dizer que o IE se insere numa lógica que actualmente adquire, no ordenamento jurídico português, contornos segundo os quais, mais do que acentuar uma lógica de submissão, visa privilegiar, incentivar e atrair o IE, articulando-o com uma lógica de fomento económico, tido na doutrina como um modo de intervenção indirecta do Estado385 e configurado como uma actividade administrativa de estímulo positivo386.
Deste modo, visa-se atender, designadamente, à manutenção e crescimento de postos de trabalho, à redução de custos de contexto, à qualificação profissional assim como na dinamização do sector das exportações, ou seja, visa-se a dinamização da actividade económica no ordenamento jurídico português que se traduza num maior valor acrescentado.
É em face desta realidade que XXXXXX XXXXXXX XX XXXXX xxxxx, num contexto de Estado incentivador, ao surgimento de um “Estado-parceiro”, que, movido por uma lógica de promoção e flexibilização da execução de determinadas políticas, vê na associação com os privados o desenvolvimento de determinadas actividades económicas que sejam fundamentais para a implementação de políticas públicas através
383 Referimo-nos à L. n.º 43/91, de 27 de Julho.
384 Cf. MONCDA: 2012a, 69; XXXXXX / XXXXXXXXX / MARQUES: 2011, 193; XXXXXXXXX / XXXXXXX: 2007, 1032 e XXXXXXX / MEDEIROS: 2006, 131.
385 Neste sentido, MONCADA: 2012a, 583; Idem: 2012b: 49; XXX: 1998, 367; PARADA: 1997, 459 e
460 e XXXX XXXXX: 1981, 159 e 160.
386 Neste sentido, MONCADA: 2012a, 583 e 584; Idem: 2012b, 207 e ATAÍDE: 1970, 111.
de uma programação estratégica cooperante387. Esta nova realidade, a par da introdução do consenso e do contrato como o modo privilegiado do agir administrativo388, bem como, segundo a autora, da existência de um “Estado cooperativo” emergente na década de 80 como resultado das relações entre o Estado e a economia e sobre as formas alternativas de exercício da função dirigente389, incutem na disciplina dos contratos económicos uma novo significado, uma vez que a lógica lhe é subjacente passa a salientar não uma direcção da actividade económica, mas sim uma coordenação de resultados através de uma função orientadora e incentivadora390.
2.3 - Contratos Económicos
São vários os tipos contratuais que a doutrina integra na categoria genérica de contratos económicos, designadamente, o Contrato-Programa; o Contrato de Desenvolvimento; o Contrato Fiscal e o CI391.
Não obstante a doutrina que se debruça sobre esta temática parta da designação genérica do instituto jurídico contrato realidade conhecida quer no universo do direito privado, enquanto “acordo vinculativo, assente sobre duas ou mais declarações de vontade (oferta ou proposta, de um lado; aceitação, do outro), contrapostas mas perfeitamente harmonizáveis entre si, que visam estabelecer uma composição unitária de interesses” (XXXXXX: 2008, 212), quer no universo do direito público, enquanto “acordo, vinculativo por força da lei, assente sobre duas ou mais declarações de vontade, contrapostas mas perfeitamente harmonizáveis entre si, que vise criar, modificar ou extinguir relações jurídicas” (SÉRVULO CORREIA: 1987, 344) , gradualmente constatamos o facto de diversos autores alertarem para a possibilidade de,
387 Cf. XXXXXXX XX XXXXX: 2008a, 107 e ss. Partilhando semelhante lógica no domínio económico, PARADA: 1997, 465.
388 Neste sentido, XXXXXXX: 2000, 160 e SÉRVULO CORREIA: 1987, 353.
389 Cf. XXXXXXX XX XXXXX: 2008b, 911 e 912.
390 Exemplo revelador deste entendimento é susceptível de constatação na adopção de diversas estratégias que vão sendo adoptadas, designadamente, a Estratégia para o Crescimento, Emprego e Fomento Industrial 2013- 2020; na Estratégia Nacional para os Recursos Geológicos até 2020; na Estratégia Nacional para a Energia até 2020; no Plano Estratégico para os Transportes até 2020 e na Estratégia Nacional para o Mar até 2030.
391 Cf. XXXXXX / XXXXXXXXX / XXXXXXX: 2011, 203 e ss e XXXXXXX XXXXXXX: 1987, 422 e ss.
não raras vezes, se estar na presença de outro tipo de figuras que extravasam a figura do
contrato392.
Esta característica faz com que não seja possível afirmar, em bloco, que todo e qualquer contrato económico constitua um verdadeiro contrato, sendo por isso necessária uma análise individualizada393. É em face desta realidade que SÉRVULO XXXXXXX chama a atenção para a possibilidade de se poder estar, por vezes, perante actos unilaterais, meras declarações conjuntas, ou de actos-condição394.
A par desta difícil delimitação conceptual, também autores há que, não obstante se refiram aos contratos económicos como efectivos contratos, chamem a atenção no sentido de evidenciar determinadas peculiaridades, principalmente quando comparados aos contratos celebrados no tráfico jurídico estritamente civil. Esta característica acarreta dificuldades quanto à determinação da sua concreta natureza jurídica395.
A prova desta realidade é dada por XXXXXXX XX XXXX, apontando quatro características contrastantes entre os contratos tidos como “tradicionais”, dos contratos económicos. Desde logo, para o autor, (i) este género de contratos não apresenta uma função predominantemente individualista: pelo contrário. Para o autor, os contratos económicos visam regular interesses de amplos conjuntos de pessoas individualmente indeterminadas, as massas, apresentando, por isso, uma função colectiva e até mesmo pública. Por outro lado, (ii) aponta para o facto do seu objecto ter por base uma relação essencialmente dinâmica que faz com que a vontade das partes adquira um sentido prospectivo e não fixista, fazendo da decisão contratual uma “decisão na incerteza”.
Outra característica (iii) prende-se com o facto do contrato em apreço apresentar uma natureza organizacional enquanto mecanismo de antecipação/retroacção face à complexidade da realidade e da sociedade. Por fim, (iv) o autor chama a atenção para o facto deste tipo contratual, não raras vezes, apresentar uma eficácia trans ou supralegal
392 Dando conta deste facto, MONCADA: 2012a, 623; Idem: 2012b, 211; Idem: 1985, 135; XXXXXX / XXXXXXXXX / MARQUES: 2011, 203; SÉRVULO CORREIA: 1987, 344; Idem: 1986, 96; LAUBADÈRE: 1985, 426 e XXXXXXXX XX XXXXXXX: 1979, 636 e ss.
393 Neste sentido, XXXXXXX: 1978, 189.
394 Cf. SÉRVULO CORREIA: 1986, 96.
395 Xxxxxxx Xxxxxxx refere-se aos contratos de atribuição celebrados com fins de intervenção económica a possibilidade de serem designados como contratos económicos. O autor refere, assim, a possibilidade de alguns destes contratos constituírem verdadeiros contratos administrativos. Cf. SÉRVULO CORREIA: 1987, 422. Questionando apenas a possibilidade, XXXXX XXXXXX: 1988, 337 e 338. Para uma visão privatística da natureza jurídica dos contratos económicos, FERREIRA: 2001, 350. Salientando uma natureza jurídica sui generis, XXXXXX / XXXXXXXXX / MARQUES: 2011, 203 e XXXXXXXX XX XXXXXXX: 1979, 644.
dado que, por meio dele, a Administração tende a garantir a salvaguarda do co- contratante contra as próprias transformações legislativas396.
Também XXXXXX XX XXXXXXX se debruça com relativa acuidade sobre este tema no nosso ordenamento jurídico397. Não obstante o autor adopte há longa data uma atitude séptica, como ponto de partida, relativamente à natureza contratual deste tipo de contratos398, evidenciando uma influência da doutrina francesa, designadamente de LAUBADÈRE, constatamos que o autor continua, actualmente, a defender a mesma linha de raciocínio, adoptando grande parte dos argumentos outrora defendidos399.
Todavia, este ponto de partida do autor não o coíbe de proceder a uma análise do
«contrato económico» e até mesmo de o caracterizar como “a participação dos particulares sob forma convencional na elaboração e execução gerais da intervenção administrativa na esfera económica, ou seja, a contratualização das relações jurídicas no âmbito da intervenção económica do Estado” (MONCADA: 1985, 130). Para isso, o autor parte para a análise de três tópicos: sujeitos, objecto e regime jurídico400.
Quanto aos sujeitos, considera que existe uma tendência para a celebração deste tipo de contratos por parte de entidades públicas com personalidade autónoma e dotadas de autonomia financeira, podendo ser celebrados com o sector privado, sector cooperativo ou até mesmo com entes públicos autónomos. Já quanto ao objecto, considera que, não raras vezes, os contratos económicos visam proceder à execução de programas económicos previamente negociados com a Administração, atinentes, designadamente, a investimentos, combate ao desemprego, bem como ao desenvolvimento tecnológico, sendo que, como contrapartida do cumprimento das obrigações assumidas, existe a possibilidade da concessão de benefícios fiscais e de outra natureza nos termos do contrato.
Por fim, quanto ao regime jurídico, este refere que os contratos económicos conheceram duas fases distintas no nosso ordenamento jurídico. A primeira, de cunho publicista, onde a Administração podia resolver por despacho as dúvidas levantadas a propósito da interpretação destes contratos, fazendo denotar amplos poderes de
396 Cf. MELO: 1984, 35 e 36.
397 Cf. MONCADA: 2012b, 209 e ss.
398 Cf. MONCADA: 1985, 137 e ss
399 Cf. MONCADA: 2012a, 624.
400 Cf. MONCADA: 2012a, 632 e ss.
modificação do contrato, cerne do regime jurídico do contrato administrativo. Num segundo momento, o seu regime aproximou-se do direito comum, sendo que o autor chega mesmo a admitir que a qualificação dos contratos económicos como contratos administrativos deixa de ter relevância prática, na medida em que a lei submete a princípios procedimentais comuns toda uma série de figuras que cabem quer nos tradicionais contratos administrativos, quer em alguns contratos económicos quando importem a realização de despesa do Estado401.
Sendo estas as principais questões que se erguem sobre o contrato económico, designadamente sobre as suas específicas particularidades e a relação que tende a estabelecer na sua celebração, cumpre, agora, indagar sobre as diversas posições que a doutrina adopta relativamente à questão de se saber se estamos ou não perante um contrato.
Na verdade, parte de toda esta querela prende-se com o facto do ordenamento jurídico francês, bastião do contrato administrativo e grande influenciador dos sistemas administrativos continentais402, adoptar o conceito de contrato económico para exprimir outras realidades que extravasam a realidade contratual403. Neste sentido, as “únicas características que todas essas figuras têm de comum são o fim de intervenção económica e a formação segundo um procedimento negocial” (SÉRVULO CORREIA: 1986, 96).
Deste modo, cumpre centrar as nossas preocupações apenas nas posições que concebem esta relação como uma verdadeira relação contratual, assim como na posição que tende a considerá-la como um acto-condição.
2.3.1 - A tese do contrato
A tese contratual, que vê como ponto de partida nos contratos económicos efectivos contratos, constitui aquela que, à partida, melhor acolhimento e adesão apresenta no ordenamento jurídico português por parte da doutrina404. A este propósito
401 Cf. MONCADA: 2012a, 640.
402 Cf. FREITAS DO AMARAL: 2008, 113 e XXXXXXX: 1980, 27.
403 Cf. XXXXXXX: 1978, 190.
404 Cf. XXXXXXXX: 2001, 349; XXXXXXX XXXXXXX: 1987, 424 e 425 e XXXXXXXX XX XXXXXXX: 1979, 638.
se pronunciou XXXXXXXX XX XXXXXXX, considerando, no específico domínio dos contratos económicos e indagando sobre as várias possibilidades de enquadramento jurídico dos mesmos, “que não oferece dúvidas qualificar os modelos portugueses descritos como verdadeiros contratos” (1979, 638).
Partindo desta realidade, consideramos que a questão não foi irrelevante no ordenamento jurídico português. A sua prova deriva da definição de contrato económico, proposta por XXXXXXX XXXXXXX, enquanto “contrato celebrado entre pessoas colectivas integradas na Administração Pública, ou entre estas e particulares, no âmbito da intervenção económica pela Administração” (1986, 95 e 96).
Embora a noção apresentada seja neutra do ponto de vista da natureza jurídica (pública ou privada), a verdade é que o autor vem chamar a atenção para o surgimento desta específica modalidade contratual em França, no período pós Segunda Guerra Mundial, e, com ela, a proliferação de outras figuras que não são verdadeiros contratos405.
Partindo com esta preocupação, SÉRVULO CORREIA procede uma ostensiva análise à figura do contrato administrativo no ordenamento jurídico português, frisando, designadamente no âmbito da intervenção económica, a necessidade de centrar o seu objecto de análise apenas nos verdadeiros contratos (administrativos)406. Em face desta realidade, SÉRVULO CORREIA vem a integrar como contrato económico o CI407.
Todavia, para chegar a esta consideração, o autor parte da categoria dos contratos de atribuição (que considera ter como causa-função a atribuição de uma certa vantagem ao co-contratante da Administração), quando estes sejam teleologicamente orientados para fins de intervenção económica. Deste modo, considera que nos contratos de atribuição, (que ainda podem ser susceptívies de uma subdivisão entre contratos de atribuição paritária e contratos de atribuição subordinada, consoante a sequência da relação nascida do acordo não dependa ou dependa preponderantemente da vontade da parte administrativa)408, o interesse público é particularmente enfatizado nos direitos conferidos ao contraente particular e não nas obrigações que assume.
2.3.2 - A tese do acto-condição
405 Para uma análise de algumas actuações informais, XXXXXXX XX XXXXX, 0000x.
406 Cf. SÉRVULO CORREIA: 1987, 422.
407 Cf. SÉRVULO CORREIA: 1987, 424.
408 Cf. SÉRVULO CORREIA: 1987, 428.
Tendo em conta o processo convencional no domínio da actividade económica, despoletado de um modo mais evidente na época do Estado Social em França, XXXXXX XX XXXXXXX, na esteira da doutrina francesa, designadamente de LAUBADÈRE, procede a uma indagação sobre o objecto destes “contratos”. Como ponto de partida, e seguindo o entendimento proposto por LAUBADÈRE409, XXXXXX XX XXXXXXX considera ser possível proceder-se a uma distinção deste específico processo convencional entre: convenções de colaboração para fins intervencionistas e convenções de administração económica410.
Interessa-nos particularmente a modalidade das convenções de administração económica, já que são estas, para CABRAL DE MONCADA, que são identificadas aos contratos económicos propriamente ditos411. No específico âmbito de tais contratos existe a “obtenção do particular de uma prestação ou de um comportamento conformes à política de intervenção do Estado previamente definido pelas normas orientadoras da sua actividade neste domínio” (MONCADA: 2012a, 623).
Tal realidade, para o autor, faz com que, à partida, não se esteja perante verdadeiros contratos dado que os mesmos evidenciam, “uma prestação que facilite à Administração o desempenho das tarefas de interesse público definidos previamente pela lei”, visando atingir “objectivos normativos de política económica em zonas onde normalmente actuariam de modo unilateral. O «contrato» transforma-se no pressuposto da actuação administrativa. O acto unilateral é apenas precedido de um procedimento acordado” (MONCADA: 2012a, 624).
Negando a estrutura contratual dos contratos económicos, principalmente pelo facto de grande parte dos requisitos exigidos necessitarem de ser previamente fixados na lei, o autor vem, assim, propor a figura do acto-condição, “enquanto acto de aplicação aos casos individuais do conteúdo de regras previamente determinadas” (MONCADA: 2012a, 624).
A figura do acto-condição também não é uma figura desconhecida na doutrina portuguesa. Sobre ela indagaram, designadamente, XXXXX XXXXXXX, segundo o qual o
409 Cf. LAUBADÈRE: 1985, 421.
410 Cf. MONCADA: 2012a, 623 e Idem: 1985, 136.
411 Cf. MONCADA: 2012a, 624 e Idem : 1985, 137.
acto-condição “abrangeria todos os actos que se limitam a atribuir por via individual uma regulamentação geral e abstracta pré-existente” (1978, 192); XXXXXXXX XX XXXXXXX, entendendo como tal a “declaração de vontade das empresas [com] o efeito duma condição para desencadear as consequências pré-estabelecidas nas normas jurídicas” (1979, 636), e mais recentemente XXXX XXXXXX que, citando directamente a doutrina francesa e expondo a posição da mesma sobre esta matéria, passa a transcrever os actos-condição como “aqueles que têm como efeito atribuir individualmente uma situação regulamentar já criada, um estatuto definido por leis ou regulamentos, que, assim, não são realmente geradores ou criadores de obrigações” (2011, 192).
No entanto, o facto da figura em análise não ser desconhecida no ordenamento jurídico português, não significa que a mesma apresente, como características, estritas similitudes com a sua congénere no ordenamento jurídico francês. Na verdade, a figura do acto-condição, na teoria exposta por XXXXXX XX XXXXXXX, deriva de uma tentativa, que influencia a construção do autor, de transpor esta figura do ordenamento jurídico francês para o ordenamento jurídico português.
Todavia, a posição da doutrina francesa, que tende a ver este fenómeno como uma negação do contrato, deriva da adopção de um conceito restrito do mesmo em virtude da influência de XXXXXX e da sua teoria dos actos jurídicos.
Na verdade, o contrato, no ordenamento jurídico francês, que é expressamente definido no Code Civil, será uma (sub)espécie mais restrita que deriva da convenção412. Esta realidade faz com que em muitos casos não se esteja perante verdadeiros contratos dada a ausência da liberdade de determinação do seu conteúdo413, bem como pelo facto de incidir sobre matérias que extravasam o âmbito das relações obrigacionais e patrimoniais414.
É em face desta realidade que XXXX XXXXXX chega à conclusão de que, “nestes ordenamentos [francês e italiano], mais do que tudo, parece ser o facto de o significado associado pela lei civil à expressão contrato não abranger as factispecies negociais na legislação administrativa que leva a doutrina administrativa a desqualificar tais factispecies como verdadeiros contratos” (2011, 193).
412 Neste sentido, RICHER: 2010, 19.
413 Neste sentido, XXXXXXX: 1978, 193.
414 Neste sentido, KIRKBY: 2011, 191 e 192.
No fundo, trata-se de uma crítica que não é de hoje, pois desde os finais da década de 70 que se refere a existência de uma “«extensão inadmissível da noção de acto-condição»” (RIBEIRO: 1978, 193).
No que diz respeito ao ordenamento jurídico português, cumpre salientar que a figura do contrato, enquanto noção básica, tende a ser caracterizada pela doutrina, inclusive a administrativa, como uma figura transversal a todo o ordenamento jurídico415. Em virtude deste facto, bem como da concepção ampla que o nosso ordenamento jurídico adopta relativamente a tal noção desde logo por considerar “que contratos não são apenas os acordos com eficácia obrigacional” (XXXXXXXX XX XXXXXXX: 2000, 22) , faz com que a nossa realidade não corresponda integralmente à realidade francesa, não obstante seja fortemente influenciada por esta.
Deste modo, e face a esta transversalidade e amplitude da noção de contrato a todo o ordenamento jurídico português, XXXXXXXX XX XXXXXXX vem a concluir como efectivos contratos, os contratos administrativos, os contratos económicos, os contratos financeiros e os contratos processuais416, entendimento que não surge isolado. De facto, e sobre esta matéria, XXXX XXXXXX chama a atenção para a amplitude do conceito de contrato que surge não só no âmbito do direito civil, mas também da naturalidade com que o CCP utiliza a palavra contrato, concluindo que “a noção de contrato, entre nós, é a mesma em todos os ramos do direito” (2011, 196).
Se em termos doutrinais existe este entendimento, cumpre chamar a atenção para o facto de o CCP configurar a via contratual como uma via extremamente ampla. Isto porque, para além da habilitação genérica da sua utilização pela Administração na prossecução das suas atribuições, à luz do art. 278.º do CCP (autonomia pública contratual), não carecendo de uma habilitação específica417, verificamos que os vários objectos susceptíveis de integrar a figura do contrato, à luz dos índices de administratividade, determinam uma substancial amplitude da sua utilização. Este entendimento deriva, desde logo, da possibilidade, expressamente consagrada, da
415 Cf. KIRKBY: 2011, 194 e ss; XXXXXXXX XX XXXXXXX: 2000, 22 e 23; XXXXX: 1994, 32 e XXXXXXX XXXXXXX: 1987, 343 e 344.
416 Cf. XXXXXXXX XX XXXXXXX: 2000, 23.
417 No mesmo sentido, FREITAS DO AMARAL: 2012, 539.
utilização da figura contratual no âmbito dos contratos com objecto passível de acto administrativo, conforme a al. b) do n.º 6 do art. 1.º do CCP.
Voltando à posição de XXXXXX XX XXXXXXX e à teoria do acto-condição no domínio das convenções de administração económica, verificamos que a proposta do autor culmina com um acto misto, tido como subespécie do acto-condição418.
Na verdade, a figura do acto misto, também merecedora de especial destaque por parte da doutrina francesa, designadamente por XXXX XXXXXX, surge como tentativa de elucidar a proliferação das técnicas convencionais em matéria económica. Em virtude deste facto, o autor vem chamar a atenção da figura do acto misto postular uma intervenção activa por parte do Estado, facto revelador da sua envolvência em acordos com o fim de orientar metas consistentes com a política económica419.
Esta realidade vai determinar, para o autor, uma dupla evolução: a degradação da figura do contrato e da decisão administrativa unilateral420. É deste modo que o acto misto vai expor em evidência dois elementos fundamentais que derivam da agregação de elementos contratuais com elementos regulamentares421.
Tendo em conta esta realidade, constatamos que o acto misto, para XXXXXX XX XXXXXXX, será aquele “em que se combinam ingredientes contratuais e regulamentares, espécie de síntese do contrato e da actuação unilateral da Administração” (2012a, 625).
No entendimento desta posição, o foco das atenções é desviado para a decisão unilateral da Administração na concessão, ou não, de determinados benefícios que, em regra, são convencionados e que com isso complementam a relação a estabelecer. Como consequência, subalterniza-se o acordo de vontades das partes, tido como “simples fase preparatória”, determinando a existência de uma “mera promessa de comportamento sob a forma convencional”.
Conclui, deste modo, que “o «contrato» de Administração económica é um acto administrativo preparatório que serve de ponto de partida a um acto administrativo subsequente que culmina com a aplicação à entidade privada de um regime legal ou
418 Cf. MONCADA: 2012a, 625 e Idem: 2012b, 211 e Idem: 1985, 139.
419 Cf. MADIOT: 1971, 15.
420 Cf. MADIOT: 1971, 21.
421 Cf. MADIOT: 1971, 239.
regulamentar. O dispositivo convencional não tem efeitos contratuais” (MONCADA: 2012a, 626).
Parte desta conclusão deriva do facto de, por um lado, o autor negar a possibilidade da existência de verdadeiros contratos no domínio fiscal (contrato fiscal), e, por outro lado, não ser admissível esta figura nos domínios do exercício de poderes de autoridade em virtude da inalienabilidade da soberania estadual422, posição que parece ainda aderir a uma certa visão do direito administrativo proposta por XXXX XXXXX.
Contraria, deste modo, o entendimento actual da doutrina que admite a existência de verdadeiros contratos, quer no domínio fiscal423, quer no domínio do exercício de poderes públicos424.
2.4 – Contrato de Investimento
Como tivemos a oportunidade de analisar, a doutrina nacional tende a integrar o CI na categoria dos contratos económicos. Deste modo, começámos por analisar a querela que os contratos económicos têm proporcionado entre os diversos autores com o intuito de entender, se de facto, estamos, ou não, na presença de um verdadeiro contrato. Vista a questão em termos gerais e atendendo à chamada de atenção da impossibilidade de enquadrar todos os contratos económicos em bloco , é nosso propósito analisar se o CI corresponde a um verdadeiro contrato.
Embora os nomen iuris nem sempre identifiquem correctamente a realidade a que estão subjacentes, a verdade é que toda a legislação portuguesa pós 76 inerente ao CI a ele faz expressa referência na sua qualificação como contrato. De facto, este entendimento encontra eco nas exposições da doutrina. Assim, em termos internacionais, é possível encontrar análises ao CI que o concebem como um efectivo contrato425. No que diz respeito ao ordenamento jurídico português, a doutrina nacional
422 Cf. MONCADA: 2012a, 626 e 627 e Idem: 1985, 142.
423 Neste sentido, NABAIS: 1994, 104.
424 Neste sentido, KIRKBY: 2011, 191e ss.
425 Cf. TIENHAARA: 2009, 5; COTULA: 2007, 1 e VICUÑA: 2004, 345.
parece avançar com uma posição convergente e a uma só voz, ou seja, estamos na presença de um verdadeiro negócio jurídico bilateral / contrato426.
Na verdade, o autor que, porventura, poderia ser contrário à qualificação do CI como um efectivo contrato, ou seja, XXXXXX XX XXXXXXX, não deixa margem para interpretações dúbias: “[a]pesar de o «contrato de investimento» ficar sujeito a um regime legal, coisa vulgar hoje em dia, aquele regime não diminui, contudo, a autonomia da vontade das partes intervenientes na celebração do contrato” (2007, 123).
Esta realidade deriva de outra problemática, designadamente, do facto do n.º 2 do art. 5.º do DL n.º 203/2003, de 10 de Setembro, determinar a necessidade do CI, uma vez concluídas as negociações, redigido e rubricado pelas partes o texto final, ser submetido à prévia aprovação do Governo quer por despacho quer por resolução do Conselho de Ministros, caso haja lugar à atribuição de benefícios fiscais ao investimento , ou seja, exige-se uma intervenção posterior, um acto administrativo que confira eficácia ao contrato.
Deste modo, poderia existir a tentação de ver nesta peculiaridade uma aplicação da figura do acto misto, figura que XXXXXX XX XXXXXXX considera ser uma subespécie do acto-condição. No entanto, o autor não o faz, justificando, inclusive, “que o contrato já é válido antes da sua aprovação governamental apenas sucedendo que não é ainda eficaz” (2007, 125). A aprovação, para o autor, surge como justificação da outorga de benefícios que implicam despesa pública427.
Na verdade, cumpre salientar o facto da figura da aprovação apresentar um significado específico no âmbito do direito administrativo, sendo entendida como um acto administrativo secundário, um acto de segundo grau, mais concretamente um acto integrativo da eficácia através do qual “um órgão da Administração exprime a sua concordância com um acto anterior praticado por outro órgão administrativo, e lhe confere eficácia” (FREITAS DO AMARAL: 2012, 296).
Em virtude do seu específico sentido, cremos que a aprovação referida no n.º 2 do art. 5.º do DL n.º 203/2003, de 10 de Setembro, surja com um sentido impróprio em virtude de estarmos na presença de um contrato e não de um acto administrativo.
426 Neste sentido, MONCADA: 2012a, 478; Idem: 2007, 106; XXXXXX / XXXXXXXXX / XXXXXXX:
2011, 220; CUNHA: 2006, 73; NABAIS: 1994, 202 e SÉRVULO CORREIA: 1987, 424.
427 Cf. MONCADA: 2012a, 478.
Esta particularidade da celebração do CI que, tradicionalmente surge como uma característica inerente a estes contratos no ordenamento jurídico português, deriva do facto das negociações que lhe são subjacentes constituírem um dos fins que a lei incumbe à AICEP na prossecução das suas atribuições, designadamente quanto à execução das mesmas428.
Esta agência, cuja existência corresponde a uma prática generalizada por uma esmagadora maioria de países no que diz respeito à difusão e negociação de questões inerentes ao IE429 facto que despoletou a constituição de uma organização não- governamental (WAIPA), de modo a proceder a uma cooperação mundial das mesmas430 , caracteriza-se por ser uma pessoa colectiva de direito público, com natureza empresarial, dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial431, sujeita à superintendência e tutela do Primeiro-Ministro432, que, na prossecução das suas atribuições, actua em representação do Estado433 (cf. n.º 1 do art. 4.º do DL n.º 203/2003, de 10 de Setembro).
Mas dizer que o CI é um contrato não permite, ainda assim, descrever toda a teleologia que o DL n.º 203/2003, de 10 de Setembro, lhe atribui. Na verdade, cremos que no ordenamento jurídico português não seja correcto utilizar a designação de
«Contrato de Investimento Estrangeiro».
Esse facto deriva da existência de um tratamento unificado entre IE e investimento nacional, como o demonstra a acuidade com que todo o corpo do DL n.º 203/2003, de 10 de Setembro, trata esta questão, designadamente ao não utilizar a mesma (como o comprova a epígrafe do art. 4.º “contrato de investimento”). Concretiza-se, deste modo, o princípio da não discriminação do investimento em razão
428 Cf. al. a) do n.º 1 do art. 12.º dos Estatutos da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, E.P.E., anexo ao DL n.º 229/2012, de 26 de Outubro.
429 Neste sentido, XXXXX: 2006, 41 e XXXXX / XXXXXXX: 2005, 27.
431 Cf. n.º 1 do art. 1.º dos Estatutos da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, E.P.E., anexo ao DL n.º 229/2012, de 26 de Outubro.
432 Cf. n.º 3 do art. 1.º dos Estatutos da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, E.P.E., anexo ao DL n.º 229/2012, de 26 de Outubro.
433 Não obstante a questão da representação, quer na fase da celebração do contrato, quer na resolução de litígios pela via arbitral, tenha hoje um acolhimento legal expresso, nem por isso a mesma deixa de ser representativa de uma particularidade subjacente ao ordenamento jurídico português relativamente a esta questão. Na verdade, a mesma originou um parecer do Conselho Consultivo da PGR tendente a apaziguar a questão inerente a saber a quem competia representar o Estado Português junto dos Tribunais Judiciais e arbitrais em acções emergentes de CI. Para uma análise ao parecer em questão, V., Parecer – P000741991. Disponível em xxx.xxxx.xx.
da nacionalidade, caracterizando a existência de “um regime liberal e não discriminatório para o i.e.” (MONCADA: 2007, 95).
Esta configuração do regime contratual do CI no ordenamento jurídico português faz denotar outra particularidade evolutiva do regime instituído. Na verdade, era comum entre nós designar a legislação que disciplina as questões que agora tratamos como «Código de Investimentos Estrangeiros», codificação tida como especial neste domínio434.
Não obstante a expressão mencionada já não fosse utilizada no DL n.º 321/95, de 28 de Novembro, a mesma tinha em si subjacente a necessidade de estabelecer minuciosamente uma realidade pré-determinada (v.g., relações laborais, transferência de tecnologia), fruto de um espírito que visava encerrar uma realidade normativa em si mesma, onde, não raras vezes, existiam conotações discriminatórias e tendentes a conservar interesses nacionais. Na verdade, Portugal alinhava, deste modo, pelo figurino inerente aos países em desenvolvimento, dado que as práticas adoptadas pelos países desenvolvidos revelam a adopção de leis (em sentido amplo), díspares e não de Códigos sistematicamente ordenados435.
Hoje verifica-se a adopção por parte do ordenamento jurídico português das práticas utilizadas, neste domínio, por parte dos países desenvolvidos, como o comprova a adopção do DL n.º 203/2003, de 10 de Setembro. No entanto, e não obstante esta evolução, a mesma apresenta, como desvantagem, a impossibilidade de oferecer ao investidor um conhecimento mais amplo das realidades que envolvem o IE436.
Por outro lado, verificamos que o DL n.º 203/2003, de 10 de Setembro, determina a utilização da figura do CI segundo um regime específico. Este regime traduz-se no regime contratual de investimento que, por sua vez, é configurado, à luz do seu preâmbulo, como “um regime especial de contratação de apoios e incentivos exclusivamente aplicável a grandes projectos de investimento e que, por conseguinte, não exclui o regime geral de investimento”437.
434 No mesmo sentido, MONCADA: 2007, 99.
435 Salientando este facto, SORNARAJAH: 2010, 285 e PARRA: 1993, 312.
436 No mesmo sentido, SORNARAJAH: 2010, 90.
437 O regime geral de investimento é composto, embora não exclusivamente, pela possibilidade de se aceder a fundos da UE, mais concretamente dos que derivam actualmente do IV Quadro Comunitário de apoio 2007-2013, inerente ao QREN que, por sua vez, procede a uma sistematização através de programas operacionais temáticos e de programas operacionais regionais, para as regiões do continente
2.4.1 – Regime Contratual enquanto regime especial do Contrato de Investimento
Compreendendo, agora, que o CI é subjacente a um específico regime contratual, o regime contratual de investimento, que configura um “regime especial de contratação”, o mesmo ainda pouco nos diz sobre o porquê da existência deste tipo de regime. Na verdade, a sua existência corresponde a uma prática elucidada pela UNCTAD quando refere a existência de regimes jurídicos especiais para o investimento contratual mais favoráveis para o investidor do que os regimes normais de investimento438.
No entanto, cumpre salientar que o regime contratual de investimento estabelece uma imposição que não pode ser desconsiderada no âmbito da compreensão do actual sistema internacional do investimento.
Como demonstra o preâmbulo do DL n.º 203/2003, de 10 de Setembro, o CI surge como um contrato principal cuja primazia determina a necessidade de todos os contratos que a ele sejam apensados se subjuguem à sua disciplina. Dada esta característica, podemos dizer que o CI é um contrato complexo, na medida em que procede à conformação de um quadro normativo cujo objectivo visa agregar diversas realidades contratuais, designadamente, contratos fiscais, contratos de concessão, contratos sobre o exercício de poderes públicos e contratos de concessão de incentivos financeiros. No entanto, a consequência que deriva do facto de se considerar o CI como contrato principal determina, em função da influência do sistema internacional do investimento enquanto resposta às especificidades próprias do direito do investimento
, que todos os restantes contratos se subordinem a esta específica realidade contratual, sendo influenciados, também, pelas características próprias de um sistema em construção.
e para as regiões autónomas, sobressaindo o Sistema de Incentivos às Empresas. Segundo dados recolhidos junto da AICEP a minuta do modelo contratual a que se reporta o regime geral de investimento corresponde ao contrato de Concessão de Incentivos Financeiros, sendo que o mesmo, no domínio da jurisprudência portuguesa, surge inequivocamente como um contrato administrativo. Cf. TC – Acórdão N.º 218/2007; STA – Processo N.º 378/11, de 30 de Maio de 2012; TCAN – Processo N.º 1167/08.5BEBRG, de 27 de Outubro de 2011 e TCAS – Processo N.º 7625/11, de 3 de Novembro de 2011. Ambos disponíveis em xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xx e xxx.xxxx.xx.
438 Cf. UNCTAD: 2004, 56.
Todavia, não obstante a “especialidade” deste tipo de regime, cumpre salientar que o CI emerge de uma realidade que faz destacar, como características ínsitas ao mesmo, a sua confidencialidade e o receio de que a sua divulgação afecte negativamente futuras negociações439. Este facto, faz com que estes contratos sejam submetidos a um dever de sigilo, como é o caso português440, dificultando não só a sua análise, mas também a transparência das contrapartidas que são estabelecidas assim como da compreensão de elementos obrigatórios que devem constar dos CI441.
Em virtude destas características, a doutrina alude a uma certa “opacidade” deste contrato, impedindo, desde logo, que certos grupos ou indivíduos afectados por um investimento, possam ter uma palavra a dizer sobre os mesmos442, o que não deixa de ser constrangedor em virtude do CI corresponder a uma realidade que representa, não raras vezes, elevados impactos num ordenamento jurídico em virtude do tipo de investimentos a que estão subjacentes443. Na verdade, para além da possibilidade da regulação de determinadas questões fiscais, os domínios preferenciais da sua utilização correspondem, designadamente, a sectores como o da energia, da exploração de recursos naturais bem como em infraestruturas essenciais444, podendo determinar um impacto profundo em termos ambientais e até mesmo sociais.
Por outro lado, cremos que não seja completamente irrealista a possibilidade de se estabelecerem certo tipo de negociações que adquirem uma relevância controvertida. Referimo-nos às actuações informais445, ou seja, “«negociações», «acordos» entre a Administração e os interessados em torno de um procedimento legal e regulamentarmente estabelecido” (BOLADO, 2001, 172); de “todo o acto da Administração que não corresponde a um modelo pré-definido, a uma forma estabelecida e regulada pelo ordenamento jurídico em termos abstractos” (XXXXXXXXX: 2004, 51).
439 Neste sentido, TIENHAARA: 2009, 5.
440 Cf. n.º 6 do art. 5.º do DL n.º 203/2003, de 10 de Setembro.
441 Referimo-nos às alienas a), b), c), d) e e) do n.º 2 do art. 12.º dos Estatutos da AICEP, anexo ao DL n.º 229/2012, de 26 de Outubro de 2012.
442 No mesmo sentido, COLÓN-RÍOS / HEVIA: 2009, 1311 e COTULA: 2007, 1.
443 No mesmo sentido, TIENHAARA: 2009, 26.
444 Cf. XXXXXXX XX XXXXX: 2013, 133; XXXXXXXX: 2012a, 2; TIENHAARA: 2009, 5; COTULA: 2007, 2; XXXXXXXXXXXX: 1990, 53.
445 Sobre as actuações informais, XXXXXXX XX XXXXX: 2008b, 893 e ss.
Esta realidade, se partirmos do entendimento da doutrina nacional que chama à atenção para a inexistência no ordenamento jurídico português de um numerus clausus das formas de actuação da administração446, parece encontrar eco na al. b) do n.º 1 do art. 12.º, Capítulo II, dos Estatutos da AICEP, anexo ao DL n.º 229/2012, de 26 de Outubro, que, para além da doutrina chamar a atenção para o facto deste tipo de acordos surgirem associados a processos de negociações de grandes projectos nacionais447, determina a possibilidade da prossecução das atribuições da AICEP ser efectuada através da celebração de “[p]rotocolos ou acordos preliminares no âmbito do apoio a projectos de investimento em Portugal e no exterior”.
A teleologia inerente ao CI e que o caracteriza enquanto prestação essencial, segundo SÉRVULO CORREIA, “é o conjunto de regalias ou incentivos proporcionados pela Administração.” (1987, 425). De facto, uma das manifestações que comprova esta realidade é possível de ser demonstrada através da afinidade, já salientada, entre o CI; contratos fiscais e os contratos de concessão de incentivos financeiros.
Mas se o conjunto de regalias e incentivos proporcionados surge como uma das principais características do CI, necessário é ter em devida consideração o facto que lhes dá origem, ou seja, o cumprimento de determinadas obrigações de quem as usufrui. Na verdade, não raras vezes, estes contratos surgem associados a uma prestação de facere cuja iniciativa e execução, não obstante parta do investidor como realização de uma oportunidade de negócio, visa satisfazer, ainda que indirectamente, pois apenas se estabelece um quadro normativo que incentiva à realização do mesmo e não uma interpelação directa ao investidor para que o execute, uma necessidade que é considerada de “especial interesse para a economia portuguesa”, facto que traduz a avaliação do mérito do projecto por parte da AICEP.
É em virtude deste facto que se alude à necessidade do objecto deste contrato ter de preencher, cumulativamente448, dois conceitos inerentes a uma grandeza de ordem quantitativa, ou seja, que revistam o conceito de “grandes projectos de investimento”449
446 Cf. XXXXXXXXX: 2004, 52.
447 Cf. XXXXXXX XX XXXXX: 2008b, 915.
448 Cf. MONCADA: 2007, 114.
449 À luz das al´s. a) e b) do n.º 2 do art. 1.º do DL n.º 203/2003, de 10 de Setembro, são considerados grandes projectos de investimento os investimentos cujo valor exceda 25 milhões de euros, independentemente do sector de actividade, da dimensão ou da nacionalidade e da natureza jurídica do investidor, a realizar de uma só vez ou faseadamente até três anos, ou então, os projectos que não atinjam
ilustrando a neutralidade da relevância da natureza jurídica do investidor , e outro, de grandeza qualitativa, quando “demonstrem especial interesse para a economia portuguesa”.
Não obstante o primeiro requisito não levante, à partida, grandes dificuldades, o mesmo já não será possível de dizer relativamente ao segundo em virtude de entrarmos no campo da discricionariedade administrativa. No entanto, é possível avançar com alguns casos reveladores desta qualificação por via dos despachos publicados em Diário da República que aprovam as minutas de CI.
Assim, são merecedores de tal qualificação os CI que versem sobre relançamento de actividades de extracção e beneficiação mineira450; construção e equipamento de unidades fabris no domínio petroquímico451; em produtos multimédia452; no domínio da construção automóvel453; empreendimentos turísticos454; desenvolvimento de softwares455 ou até mesmo a produção de louça de mesa456.
De toda esta realidade, cremos que seja legítimo afirmar que um dos factores determinantes e inerentes a esta qualificação deriva, não só mas também, da dinamização da actividade laboral, designadamente, na criação de postos de trabalho.
2.4.2 - Cláusulas de Estabilização e Cláusulas de Intangibilidade
Do exposto até ao momento, cremos que seja legítimo evocar uma evidência. A mesma traduz os avultados custos que em regra são inerentes a grandes investimentos, aos quais se associam a uma relação jurídica de longa duração. Em face desta realidade, é comum enfatizar-se a circunstância de, não raras vezes, “a contratualização dos investimentos estrangeiros traduz[ir]-se (…) numa garantia de salvaguardas contra a ingerência estadual nas empresas estrangeiras” (CANOTILHO / XXXXXXX: 2007, 1025).
os 25 milhões de euros, que sejam da iniciativa de uma empresa com facturação anual consolidada superior a 75 milhões de euros ou de uma entidade de tipo não empresarial com orçamento anual superior a 40milhoes de euros.
450 Cf. Despacho n.º 98/2013, D. R., 2.ª Série – N.º 3 – 4 de Janeiro de 2013.
451 Cf. Despacho n.º 1924/2013, D. R., 2.ª Série – N.º 23 – 1 de Fevereiro de 2013. 452 Cf. Despacho n.º 1925/2013, D. R., 2.ª Série – N.º 23 – 1 de Fevereiro de 2013. 453 Cf. Despacho n.º 1926/2013, D. R., 2.ª Série – N.º 23 – 1 de Fevereiro de 2013. 454 Cf. Despacho n.º 3032/2013, D. R., 2.ª Série – N.º 40 – 26 de Fevereiro de 2013. 455 Cf. Despacho n.º 3033/2013, D. R., 2.ª Série – N.º 40 – 26 de Fevereiro de 2013. 456 Cf. Despacho n.º 4784/2013, D. R., 2.ª Série – N.º 68 – 8 de Abril de 2013.
Não obstante o regime português inerente ao CI prima pelo princípio da não discriminação do investimento em razão da nacionalidade, o facto é que são essencialmente os investidores estrangeiros que a ele acedem tal como o comprova os despachos que aprovam as minutas do CI.
Existindo no sistema internacional do investimento uma preocupação acrescida na salvaguarda destes específicos investidores457, não raras vezes se assiste, para a sua protecção, à aposição, em CI´s, de determinadas cláusulas com vista a alcançar esse desiderato.
Segundo XXXXXXXXXX, as cláusulas mais comuns a serem apostas são: (i) as cláusulas da escolha da lei aplicável, denotando-se uma preferência na adopção de princípios gerais de direito à luz do sistema internacional; (ii) cláusulas de arbitragem, que permitem que este tipo de contratos “se movam” para fora da influência do direito interno de um Host State e (iii) de cláusulas de estabilização458.
Tendo como ratio alcançar uma relação contratual pautada por um quadro jurídico de estabilidade e confiança sob a influência do ordenamento jurídico internacional, as cláusulas de intangibilidade e as cláusulas de estabilização, traduzem- se, segundo XXXXXX XX XXXXXXX / XXXXXXXXXX XXXXXX, numa “auto- vinculação do Estado e na consequente restrição da sua soberania” (2013, 162)459. É com base nesta vinculação estadual que os investidores estrangeiros procuram “estabilizar” regimes jurídicos nos domínios legislativo, fiscal e regulamentar460.
A diferença entre ambas as cláusulas embora se saliente uma predominância na utilização das cláusulas de estabilização em detrimento das cláusulas de intangibilidade461 , reside no facto de, nas cláusulas de intangibilidade, os Host States assumam uma verdadeira obrigação de se absterem, por via unilateral, de proceder a uma alteração posterior do quadro normativo462.
457 Neste sentido, XXXXXXX XX XXXXX: 2013, 117 e ss.
458 Cf. SORNARAJAH: 2010, 281 e ss.
459 Referindo-se a uma vinculação estadual no domínio das cláusulas de estabilização, XXXXXXX XX XXXXX: 2013, 126.
460 Neste sentido, XXXXXX: 1992, 142 e 143.
461 Cf. WEIL: 2000, 331.
462 Cf. XXXX XXXXXXXX: 2005a, 170 e Idem: 2003, 804. Sobre a diferença destas cláusulas no domínio do direito do petróleo, XXXXXX XX XXXXXXX / FIGUEIREDO MARCOS: 2013, 159 e ss.