DESPACHO Nº 445/2019 - GAB
ESTADO DE GOIÁS PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO
GABINETE
PROCESSO: 201911867000141
INTERESSADO: CONTROLADORIA-GERAL DO ESTADO ASSUNTO: CONSULTA
DESPACHO Nº 445/2019 - GAB
EMENTA: 1. NEGÓCIOS PÚBLICOS. 2. CONSULTA. 3. APLICAÇÃO NO TEMPO, AOS CONTRATOS DE GESTÃO JÁ EM EXECUÇÃO, DA LEI ESTADUAL N. 18.331, DE 30 DE DEZEMBRO DE 2013, QUE INSERIU O ART. 14-B À LEI ESTADUAL N. 15.503/2005. 4.
COMPATIBILIZAÇÃO COM A GARANTIA FUNDAMENTAL DA IRRETROATIVIDADE DAS LEIS E À INTANGIBILIDADE DO ATO JURÍDICO PERFEITO, SEGUNDO A CONFORMAÇÃO DADA PELO DIREITO INFRACONSTITUCIONAL. 5. ORIENTAÇÃO E RECOMENDAÇÃO DE MEDIDAS VOLTADAS À RESPONSABILIDADE PELAS DIFERENÇAS REPASSADAS A MAIOR ÀS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS.
1. Trata-se de consulta formulada pela Superintendência de Fiscalização das Contas de Contratos de Gestão, órgão subordinado à Controladoria-Geral do Estado, que, nos termos do Memorando 4/2019 SFCCG (5665544), suscita as seguintes indagações:
(i) com o acréscimo do art. 14-B à Lei Estadual n. 15.503/2005 pela Lei Estadual n. 18.331/2013, a metodologia de glosa dos gastos relacionados aos servidores cedidos a ser utilizada pela Secretaria de Estado da Saúde, a partir da vigência da mencionada Lei Estadual n. 18.331/2013, deveria ser aquela prevista no novo dispositivo legal ou aquela estipulada em seu contrato de gestão firmado antes daquela lei?
(ii) com a vigência da Lei Estadual n. 18.331/2013 e o acréscimo do art. 14-B à Lei Estadual nº 15.503/2005, haveria um prazo limite para a adequação do Contrato de Gestão n° 064/2012, considerando que o mesmo, contando eventuais prorrogações, não tinha prazo máximo de vigência?
2. Contextualizando os fatos envolvidos na dinâmica da sucessão de leis no tempo, constata-se que o Contrato de Gestão n. 064/2012, firmado entre o Estado de Goiás (Secretaria de Estado da Saúde) e o Instituto de Gestão em Saúde (GERIR), para a gestão do Hospital de Urgências de Goiânia (HUGO), previa em sua Cláusula Sétima, item 7.5, a possibilidade de cessão de servidores do Parceiro Público para as unidades geridas pelo Parceiro Privado, mediante dedução nos repasses mensais que lhe eram de direito. Originariamente, por disposição contratual do item 7.15, a metodologia de glosa consistia na seguinte equação: a razão do dimensionamento da necessidade de servidores entre a OS e o Estado (por
níveis), multiplicada pelo número de servidores cedidos (de cada nível), multiplicado pelos salários e encargos de referência de cada nível dos servidores do Estado.
3. Somente com o advento da Lei Estadual n. 18.331, de 30 de dezembro de 2013, que incluiu o art. 14-B na Lei Estadual n. 15.503/05, é que foi estabelecida, no plano normativo, a metodologia que vigora até hoje: “O valor pago pelo Estado a título de remuneração e de contribuição previdenciária do servidor colocado à disposição da organização social será abatido do valor de cada repasse mensal” (§ 4º).
4. Contudo, a atuação do órgão central de controle interno da Administração Estadual apurou, quase 03 (três) anos após a publicação daquela lei, que o citado contrato de gestão vinha positivando em suas cláusulas a antiga metodologia de glosa, em vez de ter se adequado à instituída pelo novel art. 14-B, § 4º. Tal assertiva pode ser extraída do Memorando 4/2019 SFCCG (5665544), que por sua vez se refere à “Constatação Nove” do Relatório Conclusivo de Inspeção n. 02/2016 GAC/SFCCG (5871881), elaborado pela Controladoria-Geral do Estado, em 28 de novembro de 2016.
5. Mas não é só. A inspeção acima referida apurou diferenças, para menor, nos valores glosados dos repasses realizados à Organização Social detentora do Contrato de Gestão n. 064/2012, que totalizam a importância de R$ 11.314.253,88 (onze milhões, trezentos e catorze mil, duzentos e cinquenta e três reais e oitenta e oito centavos), já que a adequação ocorreu apenas quando da celebração do 7º Termo Aditivo, vigente a partir de 09 de maio de 2017.
6. Daí que o Consulente, partindo da premissa de que a Lei Estadual n. 15.503/05, salvo na hipótese do art. 6º-F, § 2º, não prevê prazo máximo de vigência contratual, formula as indagações supra transcritas, no intuito de balizar essa e possivelmente outras apurações de repasses efetuados à maior na execução de contratos dessa natureza, de modo a subsidiar medidas voltadas ao ressarcimento ao erário e à responsabilidade de quem deu causa ao dano.
7. Os questionamentos foram abordados pela Advocacia Setorial da Pasta, por via do Parecer ADSET n. 3/2019 (6318397), segundo o qual “a nova metodologia de glosa dos gastos com os servidores cedidos é aplicável aos contratos em curso, que deveriam ter sido adequados no fim de janeiro de 2014, momento que a Lei 18.311 entrou em vigor. Todavia, diante da patente burocracia que permeia a administração pública, aliado ao fato de que as modificações introduzidas pelo multicitado normativo ocorreram no início do exercício financeiro, época que comumente há o retardamento da aprovação e publicação da LOA e o correspondente decreto de execução orçamentária, cabe a pasta, considerando as particularidades que lhe são peculiares, definir, nos termos do art. 22, do Decreto-Lei nº 4.657/1942 um prazo que poderia ser considerado razoável para tanto e, a partir daí, proceder ao levantamento de eventuais repasses a maior e quem os deu causa, observando-se sempre o princípio da ampla defesa e do contraditório”.
8. Para chegar a essa conclusão, o opinativo de número 03 invoca os arts. 1º e 6º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (LINDB): o primeiro estabelecendo como regra o prazo de vacatio legis de 45 (quarenta e cinco) dias da publicação da lei e o segundo enunciando que “a lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”.
9. Em reforço de argumentação, fora também citado o art. 2º da Lei Estadual n. 18.331/2015[1], que expressamente previu a aplicabilidade de suas disposições aos contratos de gestão em curso, inclusive a que introduziu o art. 14-B.
10. Tendo em vista a repercussão de ordem jurídica e econômica do tema, com reflexos em contratos de gestão celebrados por várias Pastas, o opinativo foi submetido à consideração da Procuradora-Geral do Estado.
11. É, em síntese, o relatório. À orientação.
12. Em que pese o entendimento exarado na peça opinativa, a matéria em apreço, situada no campo da aplicação da lei nova no tempo, impõe solução jurídica diversa, pelas razões que passo a expor.
13. De fato, a controvérsia gira em torno do art. 6º da LINDB, que enuncia a regra de direito intertemporal do tempus regit actum e cujo teor consta acima reproduzido.
14. Para assentar que a norma criada pela lei nova não prejudicaria o direito adquirido, o ato jurídico nem a coisa julgada, o parecer partiu da premissa de que “a tutela conferida pelo art. 6º do Decreto-Lei nº 4.657/1942 restringe às situações consolidadas no momento em que a nova norma, que disponha de modo diferente, entre em vigor e, por conseguinte, integre o ordenamento jurídico”.
15. Exposto de outro modo, entendeu-se que a nova lei (de n. 18.331/2013) deve incidir sobre os fatos que se materializaram(ão) durante sua vigência, ainda que estejam lastreados em cláusula contratual firmada sob a égide da lei anterior.
16. Com todo respeito, não é a interpretação que guarda melhor consonância com o princípio constitucional da irretroatividade das leis, alçado à estatura de garantia fundamental no art. 5º, XXXVI, da Constituição da República[2], cuja conformação infraconstitucional do ato jurídico perfeito fora dada pelo § 1º do art. 6º da LINDB, este último, adotando a teoria de Xxxxx, possuidor do seguinte teor: “Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou”.
17. Com efeito, o cálculo da glosa oriunda da cessão de servidores - que impacta diretamente o montante dos repasses mensais e, portanto, reflete no patrimônio da Organização Social - foi regulamentada por disposição contratual válida, eficaz e a termo certo; originariamente, no item 7.15 do Contrato de Gestão
n. 64/2012 e, sucessivamente, nos sucessivos termos aditivos (que, sob o prisma formal, são considerados, cada qual, uma nova contratação). Os fatos ocorridos posteriormente à celebração dessa avença consubstanciam efeitos futuros do ato jurídico perfeito, razão por que a lei nova que vise a modificá-los para pior incorre na proscrita retroatividade, ainda que mínima.
18. Nesse sentido, é a caudalosa jurisprudência da Suprema Corte, que repele, em contratos de execução diferida, a aplicação imediata de preceitos legais voltada à satisfação de interesses privados:
"Ação direta de inconstitucionalidade. - Se a lei alcancar os efeitos futuros de contratos celebrados anteriormente a ela, será essa lei retroativa (retroatividade minima) porque vai interferir na causa, que é um ato ou fato ocorrido no passado. - O disposto no artigo 5, XXXVI, da Constituição Federal se aplica a toda e qualquer lei infraconstitucional, sem qualquer distinção entre lei de direito público e lei de direito privado, ou entre lei de ordem pública e lei dispositiva. Precedente do S.T.F.. - Ocorrencia, no caso, de violação de direito adquirido. A taxa referencial (TR) não e indice de correção monetária, pois, refletindo as variações do custo primario da captação dos depositos a prazo fixo, não constitui indice que reflita a variação do poder aquisitivo da moeda. Por isso, não há necessidade de se examinar a questão de saber se as normas que alteram indice de correção monetária se aplicam imediatamente, alcancando, pois, as prestações futuras de contratos celebrados no passado, sem violarem o disposto no artigo 5, XXXVI, da Carta Magna. - Também ofendem o ato jurídico perfeito os dispositivos impugnados que alteram o critério de reajuste das prestações nos contratos ja celebrados pelo sistema do Plano de Equivalencia Salarial por Categoria Profissional (PES/CP). Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade dos artigos 18, "caput" e paragrafos 1 e 4; 20; 21 e paragrafo único; 23 e paragrafos; e 24 e paragrafos, todos da Lei n. 8.177, de 1 de maio de 1991."
(ADI 493, Relator(a): Min. XXXXXXX XXXXX, Tribunal Pleno, julgado em 25/06/1992, DJ 04-09-1992 PP-14089 EMENT VOL-01674-02 PP-00260 RTJ VOL-
00143-03 PP-00724)
"EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEI 8.030/1990. RETROATIVIDADE MÍNIMA. IMPOSSIBILIDADE. É firme, no
Supremo Tribunal Federal, a orientação de que não cabe a aplicação da Lei 8.030/1990 a contrato já existente, ainda que para atingir efeitos futuros, pois redundaria em ofensa ao ato jurídico perfeito. Agravo regimental a que se nega provimento."
(RE 388607 AgR, Relator(a): Min. XXXXXXX XXXXXXX, Segunda Turma, julgado em 21/03/2006, DJ 28-04-2006 PP-00043 EMENT VOL-02230-04 PP-00749)
"EMENTA: - Compromisso de compra e venda. Rescisão. Alegação de ofensa ao artigo 5º, XXXVI, da Constituição. - Sendo constitucional o princípio de que a lei não pode prejudicar o ato jurídico perfeito, ele se aplica também às leis de ordem pública. De outra parte, se a cláusula relativa a rescisão com a perda de todas as quantias já pagas constava do contrato celebrado anteriormente ao Código de Defesa do Consumidor, ainda quando a rescisão tenha ocorrido após a entrada em vigor deste, a aplicação dele para se declarar nula a rescisão feita de acordo com aquela cláusula fere, sem dúvida alguma, o ato jurídico perfeito, porquanto a modificação dos efeitos futuros de ato jurídico perfeito caracteriza a hipótese de retroatividade mínima que também é alcançada pelo disposto no artigo 5º, XXXVI, da Carta Magna. Recurso extraordinário conhecido e provido."
(RE 205999, Relator(a): Min. XXXXXXX XXXXX, Primeira Turma, julgado em 16/11/1999, DJ 03-03-2000 PP-00089 EMENT VOL-01981-05 PP-00991)
"- Recurso extraordinário. Mensalidade escolar. Atualização com base em contrato. - Em nosso sistema jurídico, a regra de que a lei nova não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, por estar inserida no texto da Carta Magna (art. 5º, XXXVI), tem caráter constitucional, impedindo, portanto, que a legislação infraconstitucional, ainda quando de ordem pública, retroaja para alcançar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito ou a coisa julgada, ou que o Juiz a aplique retroativamente. E a retroação ocorre ainda quando se pretende aplicar de imediato a lei nova para alcançar os efeitos futuros de fatos passados que se consubstanciem em qualquer das referidas limitações, pois ainda nesse caso há retroatividade - a retroatividade mínima -, uma vez que se a causa do efeito é o direito adquirido, a coisa julgada, ou o ato jurídico perfeito, modificando-se seus efeitos por força da lei nova, altera-se essa causa que constitucionalmente é infensa a tal alteração. Essa orientação, que é firme nesta Corte, não foi observada pelo acórdão recorrido que determinou a aplicação das Leis 8.030 e 8.039, ambas de 1990, aos efeitos posteriores a elas decorrentes de contrato celebrado em outubro de 1.989, prejudicando, assim, ato jurídico perfeito. Recurso extraordinário conhecido e provido."
(RE 188366, Relator(a): Min. XXXXXXX XXXXX, Primeira Turma, julgado em 19/10/1999, DJ 19-11-1999 PP-00067 EMENT VOL-01972-02 PP-00382)
"E M E N T A: RECURSO EXTRAORDINÁRIO - CADERNETA DE POUPANÇA - CONTRATO DE DEPÓSITO VALIDAMENTE CELEBRADO - ATO JURÍDICO PERFEITO - INTANGIBILIDADE CONSTITUCIONAL - CF/88, ART. 5º, XXXVI
- INAPLICABILIDADE DE LEI SUPERVENIENTE À DATA DA CELEBRAÇÃO DO CONTRATO DE DEPÓSITO, MESMO QUANTO AOS EFEITOS FUTUROS DECORRENTES DO AJUSTE NEGOCIAL - RE NÃO CONHECIDO. CONTRATOS VALIDAMENTE CELEBRADOS - ATO JURÍDICO PERFEITO - ESTATUTO DE REGÊNCIA - LEI CONTEMPORÂNEA AO MOMENTO DA CELEBRAÇÃO. - Os contratos submetem-se, quanto ao seu estatuto de regência, ao ordenamento normativo vigente à época de sua celebração. Mesmo os efeitos futuros oriundos de contratos anteriormente celebrados não se expõem ao domínio normativo de leis supervenientes. As conseqüências jurídicas que emergem de um ajuste negocial válido são regidas pela legislação em vigor no momento de sua pactuação. Os contratos - que se qualificam como atos jurídicos perfeitos (RT 547/215) - acham-se protegidos, em sua integralidade, inclusive quanto aos efeitos futuros, pela norma de salvaguarda constante do art. 5º, XXXVI, da Constituição da República. Doutrina e precedentes. INAPLICABILIDADE DE LEI NOVA AOS EFEITOS FUTUROS DE CONTRATO ANTERIORMENTE CELEBRADO - HIPÓTESE DE RETROATIVIDADE MÍNIMA - OFENSA AO PATRIMÔNIO JURÍDICO DE UM DOS CONTRATANTES - INADMISSIBILIDADE. - A incidência imediata da lei nova sobre os efeitos futuros de um contrato preexistente, precisamente por afetar a própria causa geradora do ajuste negocial, reveste-se de caráter retroativo (retroatividade injusta de grau mínimo), achando-se desautorizada pela cláusula constitucional que tutela a intangibilidade das situações jurídicas definitivamente consolidadas. Precedentes. LEIS DE ORDEM PÚBLICA - RAZÕES DE ESTADO - MOTIVOS QUE NÃO JUSTIFICAM O DESRESPEITO ESTATAL À CONSTITUIÇÃO - PREVALÊNCIA DA NORMA INSCRITA NO ART. 5º, XXXVI, DA CONSTITUIÇÃO. - A possibilidade de intervenção do Estado no domínio econômico não exonera o Poder Público do dever
jurídico de respeitar os postulados que emergem do ordenamento constitucional brasileiro. Razões de Estado - que muitas vezes configuram fundamentos políticos destinados a justificar, pragmaticamente, ex parte principis, a inaceitável adoção de medidas de caráter normativo - não podem ser invocadas para viabilizar o descumprimento da própria Constituição. As normas de ordem pública - que também se sujeitam à cláusula inscrita no art. 5º, XXXVI, da Carta Política (RTJ 143/724) - não podem frustrar a plena eficácia da ordem constitucional, comprometendo-a em sua integridade e desrespeitando-a em sua autoridade."
(RE 205193, Relator(a): Min. XXXXX XX XXXXX, Primeira Turma, julgado em 25/02/1997, DJ 06-06-1997 PP-24891 EMENT VOL-01872-09 PP-01761 RTJ VOL-
00163-02 PP-00802)
19. É certo, contudo, que a restrição acima reportada sofreu temperamentos de ordem interpretativa pela Corte Suprema ao longo dos anos, excluindo-se da vedação a possibilidade de aplicação pro futuro de dispositivo de lei que regulem situações jurídicas institucionais ou estatutárias, através de normas de natureza cogente, senão vejamos pela transcrição da seguinte ementa:
"EMENTA: CONSTITUCIONAL E ECONÔMICO. SISTEMA MONETÁRIO. PLANO REAL. NORMAS DE TRANSPOSIÇÃO DAS OBRIGAÇÕES MONETÁRIAS ANTERIORES. INCIDÊNCIA IMEDIATA, INCLUSIVE SOBRE CONTRATOS EM CURSO DE EXECUÇÃO. ART. 21 DA MP 542/94. INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO À MANUTENÇÃO DOS TERMOS ORIGINAIS DAS CLÁUSULAS DE CORREÇÃO MONETÁRIA.
1. A aplicação da cláusula constitucional que assegura, em face da lei nova, a preservação do direito adquirido e do ato jurídico perfeito (CF, art. 5º, XXXVI) impõe distinguir duas diferentes espécies de situações jurídicas: (a) as situações jurídicas individuais, que são formadas por ato de vontade (especialmente os contratos), cuja celebração, quando legítima, já lhes outorga a condição de ato jurídico perfeito, inibindo, desde então, a incidência de modificações legislativas supervenientes; e (b) as situações jurídicas institucionais ou estatutárias, que são formadas segundo normas gerais e abstratas, de natureza cogente, em cujo âmbito os direitos somente podem ser considerados adquiridos quando inteiramente formado o suporte fático previsto na lei como necessário à sua incidência. Nessas situações, as normas supervenientes, embora não comportem aplicação retroativa, podem ter aplicação imediata.
2. Segundo reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, as normas que tratam do regime monetário - inclusive, portanto, as de correção monetária -, têm natureza institucional e estatutária, insuscetíveis de disposição por ato de vontade, razão pela qual sua incidência é imediata, alcançando as situações jurídicas em curso de formação ou de execução. É irrelevante, para esse efeito, que a cláusula estatutária esteja reproduzida em ato negocial (contrato), eis que essa não é circunstância juridicamente apta a modificar a sua natureza.
3. As disposições do art. 21 da Lei 9.069/95, resultante da conversão da MP 542/94, formam um dos mais importantes conjuntos de preceitos normativos do Plano REAL, um dos seus pilares essenciais, justamente o que fixa os critérios para a transposição das obrigações monetárias, inclusive contratuais, do antigo para o novo sistema monetário. São, portanto, preceitos de ordem pública e seu conteúdo, por não ser suscetível de disposição por atos de vontade, têm natureza estatutária, vinculando de
forma necessariamente semelhante a todos os destinatários. Dada essa natureza institucional (estatutária), não há inconstitucionalidade na sua aplicação imediata (que não se confunde com aplicação retroativa) para disciplinar as cláusulas de correção monetária de contratos em curso.
4. Recurso extraordinário a que se nega provimento.” (RECURSO EXTRAORDINÁRIO 211.304 RIO DE JANEIRO, de 29/04/2015)
20. Como se vê, a relativização sufragada pelo STF não pode ser aplicada no caso em voga, haja vista que não estamos diante de uma situação jurídica institucional ou estatutária, capaz de alcançar um universo significativo de pessoas físicas e/ou jurídicas, mas sim, estamos a tratar de uma situação jurídica regedora de interesses de apenas 02 (duas) partes - o Estado e a Organização Social.
21. Munindo-se desse magistério, jurisprudencial e doutrinário, é que, afastando o Parecer ADSET n. 3/2019 (6318397), fica orientada a Controladoria-Geral do Estado, por intermédio da Superintendência de Fiscalização das Contas de Contratos de Gestão, a considerar aplicável (portanto, obrigatória) a metodologia de cálculo implantada pelo § 4º do art. 14-B da Lei Estadual n. 15.503/2005, sobretudo para fins de apuração de glosas efetuadas a menor na execução do Contrato de Gestão n. 64/2012 (e aditivos), A PARTIR DA CELEBRAÇÃO DO PRIMEIRO ADITIVO SUBSEQUENTE à vigência da Lei Estadual n. 18.331/2013[3].
22. Firmada essa compreensão e afastada a premissa de que a nova lei deveria ser aplicada no dia 30/01/2014, tenho como insuficientes as justificativas suscitadas para uma interpretação pautada no art. 22 da LINDB à concessão de um prazo razoável de “adaptação” para os gestores responsáveis terem implementado a nova metodologia. No mais, fica reafirmada a necessidade de as medidas tendentes ao ressarcimento do erário e à responsabilização dos gestores serem processadas em procedimento administrativo, no qual sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
23. Exaurida a consulta, restituam-se os autos à Controladoria-Geral do Estado, via Advocacia Setorial, para ciência e adoção das medidas cabíveis. Antes, porém, dê-se ciência aos Procuradores do Estado lotados na Procuradoria Administrativa, nas Advocacias Setoriais, nas Gerências Jurídicas da administração indireta e no CEJUR, este último para o fim declinado no art. 6º, § 2º, da Portaria nº 127/2018-GAB.
Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx
Procuradora-Geral do Estado
[1] “Art. 2º Aos processos de transferência de serviços de que trata a Lei estadual nº 15.503, de 28 de dezembro de 2005, que estiverem em curso quando da entrada em vigor desta Lei, aplicam-se as alterações previstas em seu art. 1º.
Parágrafo único. As entidades anteriormente qualificadas como organizações sociais, e os contratos de gestão já celebrados com a Administração Pública estadual, deverão ser ajustados às modificações introduzidas por esta Lei.”
[2] “XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada (...)”.
[3] Afinal, volvendo ao art. 3º da Lei Estadual n. 18.331/13, observa-se que suas disposições normativas passaram a vigorar (vacatio legis) após 30 (trinta) dias de sua publicação, ocorrida em 31 de dezembro de 2013.
GABINETE DA PROCURADORA-GERAL DO ESTADO
Documento assinado eletronicamente por XXXXXXX XXXXXXX XXXXX XXXXXXXX, Procurador (a)-Geral do Estado, em 23/04/2019, às 11:06, conforme art. 2º, § 2º, III, "b", da Lei 17.039/2010 e art. 3ºB, I, do Decreto nº 8.808/2016.
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NÚCLEO DE NEGÓCIOS PÚBLICOS
PRACA DR. XXXXX XXXXXXXX XXXXXXXX 03 - Bairro SETOR CENTRAL - CEP 74003-010
- GOIANIA - GO - S/C
Referência:
Processo nº 201911867000141
SEI 6619403