NOTA TÉCNICA N. TC-7/2023
NOTA TÉCNICA N. TC-7/2023
Assunto: Licitações e contratações acerca da coleta e transporte de resíduos sólidos domiciliares combinados ou não com a sua disposição final.
Ementa: Nota Técnica. Licitações e Contratações. Serviços de Limpeza Pública. Xxxxxx, transporte e disposição final de resíduos sólidos domiciliares. Parcelamento do objeto licitado. Jurisprudências. Boas práticas.
Nota técnica com o objetivo de disseminar boas práticas e orientações na gestão de licitações na área de limpeza pública, visando ao aperfeiçoamento nas contratações para a coleta, transporte e disposição final de resíduos domiciliares.
1. INTRODUÇÃO
Considerando as reiteradas irregularidades detectadas pela Diretoria de Controle de Licitações e Contratações (DLC) em editais publicados pelas Unidades Gestoras cujo objeto é a contratação de empresas especializadas nos serviços de coleta, transporte e disposição final de resíduos sólidos domiciliares, além de diversos outros questionamentos acerca da matéria, optou-se pela elaboração da presente Nota Técnica.
2. ANÁLISE
2.1. Fundamentação legal, jurisprudência e doutrina
Inicialmente, é importante trazer alguns conceitos estabelecidos pela Lei (federal) n. 11.445/2007 (cuja nova redação foi dada pela Lei - federal - n. 14.026/2020), que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico e
expressamente prevê quais atividades são contempladas pelos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos urbanos:
Art. 3º Para fins do disposto nesta Lei, considera-se:
I - saneamento básico: conjunto de serviços públicos, infraestruturas e instalações operacionais de:
[...]
c) limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos: constituídos pelas atividades e pela disponibilização e manutenção de infraestruturas e instalações operacionais de coleta, varrição manual e mecanizada, asseio e conservação urbana, transporte, transbordo, tratamento e destinação final ambientalmente adequada dos resíduos sólidos domiciliares e dos resíduos de limpeza urbana; e
[...]
Art. 7º Para os efeitos desta Lei, o serviço público de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos urbanos é composto pelas seguintes atividades:
I - de coleta, de transbordo e de transporte dos resíduos relacionados na alínea “c” do inciso I do caput do art. 3º desta Lei;
II - de triagem, para fins de reutilização ou reciclagem, de tratamento, inclusive por compostagem, e de destinação final dos resíduos relacionados na alínea “c” do inciso I do caput do art. 3º desta Lei; e
III - de varrição de logradouros públicos, de limpeza de dispositivos de drenagem de águas pluviais, de limpeza de córregos e outros serviços, tais como poda, capina, raspagem e roçada, e de outros eventuais serviços de limpeza urbana, bem como de coleta, de acondicionamento e de destinação final ambientalmente adequada dos resíduos sólidos provenientes dessas atividades.
(Grifou-se)
Nesse contexto, quando da elaboração do projeto básico em um edital de licitação, deve-se sempre levar em conta os §§ 1º e 2º do art. 23 da Lei (federal) n. 8.666/1993:
Art. 23. As modalidades de licitação a que se referem os incisos I a III do artigo anterior serão determinadas em função dos seguintes limites, tendo em vista o valor estimado da contratação:
[...]
§1º As obras, serviços e compras efetuadas pela Administração serão divididas em tantas parcelas quantas se comprovarem técnica e economicamente viáveis, procedendo-se à licitação com vistas ao melhor aproveitamento dos recursos disponíveis no mercado e à ampliação da competitividade sem perda da economia de escala.
§2º Na execução de obras e serviços e nas compras de bens, parceladas nos termos do parágrafo anterior, a cada etapa ou conjunto de etapas da obra, serviço ou compra, há de corresponder licitação distinta, preservada a modalidade pertinente para a execução do objeto em licitação.
(Grifou-se)
No mesmo sentido, a Nova Lei de Licitações (Lei - federal - n. 14.133/2021) igualmente trata do assunto em seu art. 47:
Art. 47. As licitações de serviços atenderão aos princípios:
I - da padronização, considerada a compatibilidade de especificações estéticas, técnicas ou de desempenho;
II - do parcelamento, quando for tecnicamente viável e economicamente vantajoso.
§ 1º Na aplicação do princípio do parcelamento deverão ser considerados:
I - a responsabilidade técnica;
II - o custo para a Administração de vários contratos frente às vantagens da redução de custos, com divisão do objeto em itens;
III - o dever de buscar a ampliação da competição e de evitar a concentração de mercado.
(Grifou-se)
Os citados dispositivos objetivam estimular a ampla concorrência nos certames licitatórios, dividindo os serviços em um maior número de contratações possíveis e, assim, atrair um maior número de participantes habilitados. Marçal Justen Filho1, evidenciando a obrigação de fracionamento a fim de ampliar a competitividade, leciona:
O art. 23, §1º, impõe o fracionamento como obrigatório. A regra retrata a vontade legislativa de ampliar a competitividade e o universo de possíveis interessados. O fracionamento conduz à licitação e contratação de objetos de menor dimensão quantitativa, qualitativa e econômica. Isso aumenta o número de pessoas em condições disputar a contratação, inclusive pela redução dos requisitos de habilitação (que serão proporcionados à dimensão dos lotes). Trata-se não apenas de realizar o princípio da isonomia, mas da própria eficiência. A competição produz redução de preços e se supõe que a Administração desembolsará menos, em montantes globais, através da realização de uma multiplicidade de contratos de valor inferior do que pela pactuação de contratação única.
(Grifou-se)
Sobre o tema, a Súmula n. 247 do Tribunal de Contas da União (TCU)
versa:
É obrigatória a admissão da adjudicação por item e não por preço global, nos editais das licitações para a contratação de obras, serviços, compras e alienações, cujo objeto seja divisível, desde que não haja prejuízo para o conjunto ou complexo ou perda de economia de escala, tendo em vista o objetivo de propiciar a ampla participação de licitantes que, embora não dispondo de capacidade para a execução, fornecimento ou aquisição da totalidade do objeto, possam fazê-lo com relação a itens ou unidades autônomas, devendo as exigências de habilitação adequar-se a essa divisibilidade.
Xxxxxxx 1782/2004-Plenário | Relator: XXXXXX VINICIOS VILAÇA
Outras decisões do TCU seguem no mesmo sentido, ao considerar o parcelamento do objeto como a regra, sendo necessária prévia justificativa para a sua aglutinação:
Deve ser efetuado o parcelamento do objeto do certame quando os serviços forem distintos, em tantas parcelas quantas se comprovarem técnica e economicamente viáveis, visando ao melhor aproveitamento dos recursos disponíveis no mercado e à ampliação da competitividade sem perda da economia de escala, respeitando a integridade qualitativa do objeto a ser executado e observando que o fracionamento não deve acarretar risco de aumento no preço a ser pago pela Administração.
Acórdão 1895/2010-Plenário | Relator: XXXXXXX XXXXXX
A falta de parcelamento de objeto que implique diminuição sensível de licitantes aptos a prestar parte dos serviços demandados configura violação ao comando contido no art. 23, § 1º, da Lei n. 8.666/1993.
Acórdão 491/2012-Plenário | Relator: XXXXXX XXXXXXX
O parcelamento do objeto escapa à discricionariedade administrativa sob circunstâncias em que se faça impositivo. Sua não adoção, nessa situação, configura patente ilegalidade. O parcelamento, além de disposição legal, é regra ética, de bom-senso e de boa administração, de modo a se promover o melhor aproveitamento dos recursos disponíveis no mercado, sem perda da economia de escala.
Acórdão 2593/2013-Plenário | Relator: XXXXXX XXXXXXX XXXXXXXXX
A existência de empresa no mercado capaz de prestar todos os serviços licitados não justifica a ausência de parcelamento do objeto, quando viável. O parcelamento é a regra, excepcionada apenas quando, justificadamente, prejudicial ao interesse público.
Acórdão 3009/2015-Plenário | Relator: XXXXX XXXXXX
O TCE/SC igualmente se manifestou no mesmo sentido sobre o tema (Decisão n. 990/2019 - @REP 18/01202637, Decisão n. 625/2019 - @REP 18/01172703, Decisão n. 543/2019 - @REP 18/00623604, Decisão n. 257/2019 -
@REP 18/01201746, dentre outras), demonstrando que o parcelamento do objeto é a regra, aumentando a competitividade dos certames licitatórios. Abaixo, transcreve- se trecho da Decisão n. 116/2020, exarada no âmbito do processo @REP 18/00510087:
Processo: @REP 18/00510087
Assunto: Representação acerca de supostas irregularidades no edital de Pregão Presencial n. 001/2018 (Objeto: Serviços de coleta, transporte e triagem com encaminhamento para destinação final de lixo reciclável)
[...]
Unidade Gestora: Prefeitura Municipal de Porto Belo Unidade Técnica: DLC
Acórdão n.: 116/2020
Considerando que foi procedida à audiência dos Responsáveis; Considerando as justificativas e documentos apresentados;
ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro nos arts. 59 e 113 da Constituição Estadual e 1º da Lei Complementar n. 202/2000, em:
1. Considerar procedente a Representação formulada nos termos dos arts. 113, §1°, da Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993, 66, parágrafo único, da Lei Complementar (estadual) n. 202/2000 e 96 da Resolução n. TC-06/2001, alterada pela Resolução n. TC-120/2015, que trata de supostas irregularidades concernentes ao edital de Pregão Presencial n. 001/2018, lançado pela Fundação Municipal de Meio Ambiente do Município de Porto Belo, tendo em vista que não houve a apresentação de justificativas adequadas para a não divisão dos serviços licitados.
2. Aplicar aos Responsáveis a seguir identificados, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar (estadual) n. 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno do TCE (Resolução n. TC-06/2001), as multas adiante elencadas, em face da não divisão dos serviços em tantas parcelas quantas se comprovem técnica e economicamente viáveis, com vistas ao melhor aproveitamento dos recursos disponíveis no mercado e à ampliação da competitividade sem perda da economia de escala, sem a apresentação de justificativas em relação a situações específicas do município e análise de custo-benefício para justificar a aglutinação, em desacordo com os arts. 3º, §1º, I, e 23, §1º, da Lei n. 8.666/93 e 37, XXI, da Constituição Federal, fixando-lhes o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico do TCE (DOTC-e), para
comprovarem a este Tribunal o recolhimento das multas ao Tesouro do Estado, ou interporem recurso na forma da lei, sem o quê, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar (estadual) n. 202/2000: [...]
3. Determinar ao Município de Porto Belo, na pessoa do Prefeito Municipal, com fulcro no inciso XII do art. 1º c/c o §3º do art. 29, ambos da Lei Complementar (estadual) n. 202/2000, cumulado com o inciso II do art. 7º da Instrução Normativa n. TC021/2015, que elabore estudo técnico que considere possíveis cenários objetivando propiciar a identificação da opção técnica e economicamente mais viável para a contratação dos serviços de coleta e destinação de resíduos sólidos urbanos domiciliares do Município, de modo a justificar a opção adotada para o futuro procedimento licitatório e apresente a este Tribunal no prazo de 6 (seis) meses, a contar da publicação desta deliberação no DOTC-e (item 2.1. do Relatório DLC/COSE/Div.3 n. 645/2018).
(Grifou-se)
A jurisprudência de outros Tribunais de Contas também aponta no sentido da necessidade do parcelamento dos serviços relacionados ao serviço público de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos urbanos, conforme segue:
TCM-GO ACÓRDÃO - CONSULTA N. 00025/2017 - Técnico
Administrativa PROCESSO N.: 11209/172
EMENTA: CONSULTA. SERVIÇOS DE COLETA, VARRIÇÃO E DESTINAÇÃO FINAL DE RESIDUOS SÓLIDOS. DIVISIBILIDADE. ART. 23,
§ 1.º, LEI 8.666/93. POSSIBILIDADE DE CONTRATAÇÃO DIRETA, DIANTE DE SITUAÇÃO EMERGENCIAL.
1. Não se considera indivisíveis os serviços de coleta, varrição e destinação final de resíduos sólidos, devendo ser licitados, em regra, de forma fragmentada, em homenagem ao art. 23, § 1.º, da Lei 8.666/93.
2. Quando presentes as situações previstas no art. 24, IV, da Lei 8.666/93, poderá ser declarada situação emergencial para contratação direta dos serviços supracitados.
[...]
b) é possível que se reconheça serem indivisíveis os serviços de coleta, varrição e destinação final de resíduos sólidos, por se tratarem de parcelas integrantes de uma mesma ação, qual seja, gerenciamento de resíduos sólidos?
1.1. Tendo em vista não se vislumbrar perda de economia de escala e prejuízo para o conjunto ou complexo, não se afigura possível, em regra, o reconhecimento da indivisibilidade dos serviços de coleta, varrição e destinação final de resíduos sólidos, vez que a regra legal do art. 23, § 1º, da Lei n. 8.666/93 obriga o parcelamento do objeto visando a ampliação da competitividade.
(Grifou-se)
TCE-ES - Decisão 01730/2019-43
Processo: 09111/2019-5
Classificação: Controle Externo - Fiscalização – Representação UG: PML - Prefeitura Municipal de Linhares
Relator: Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxx
O TCE-ES publicou, inclusive, a PORTARIA-CONJUNTA N. 02, de 11 de setembro de 2012, a qual dispõe sobre recomendações para implementação da Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos e a contratação e gestão de serviços de limpeza urbana:
Termo Anexo à Portaria-conjunta n. 02/2012 Aspectos importantes a serem observados em face da Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos e da contratação e gestão de serviços de limpeza urbana
[...]
Aspectos materiais:
[...]
2) Segregação da Destinação Final dos Resíduos dos demais serviços de limpeza urbana a serem licitados/contratados: Desvincular a destinação final dos resíduos sólidos, considerado item de serviço de baixa concorrência, dos demais itens de serviços que podem compor a limpeza urbana (coleta e transporte de resíduos sólidos; varrição e limpeza de logradouros públicos; limpeza de dispositivos de drenagem de águas pluviais; limpeza de canais e córregos; poda, capina, raspagem e roçada), conforme previsto no artigo 23,
§1º da Lei 8.666/1993.
A contratação dos serviços em um único lote (aglutinação) somente deve ser realizada quando devidamente comprovada a sua vantajosidade técnica e econômica para a Administração contratante. Nessa linha, o próprio entendimento do TCU ressalva que a regra do parcelamento do objeto não se aplica caso este resulte em prejuízo para o conjunto ou complexo, ou em perda da economia de escala.
Portanto, a Administração Pública deve sempre buscar o número máximo possível de participantes, exigindo uma qualificação técnica adequada e não restritiva, propiciando a seleção da proposta apta a gerar o resultado mais vantajoso e, consequentemente, maior economia aos cofres públicos, daí a necessidade da regra de parcelamento do objeto contida na Lei de Licitações.
Outro cenário importante a ser avaliado pelas Unidades Gestoras é a possibilidade de o edital de licitação permitir a subcontratação ou a participação de
consórcios, estimulando assim a ampliação da competitividade, conforme leciona Joel de Menezes Niebuhr4:
[...] a principal vantagem da participação dos consórcios diz respeito ao estímulo e à ampliação à competitividade. Ocorre que [...] ao consórcio atribui-se o direito de somar livremente os aspectos relacionados à capacidade técnica e, proporcionalmente, a qualificação econômico- financeira. Em termos práticos, muitas vezes, empresas sozinhas não conseguem atender o edital. Entretanto, reunidas em consórcio conseguem, somando-se as suas experiências técnicas e qualificação econômico- financeira.
No caso da existência de apenas um aterro sanitário disponível e a uma distância economicamente viável, há a possibilidade da contratação direta da destinação final dos resíduos sólidos por inexigibilidade de licitação. É importante destacar que as contratações por inexigibilidade devem ser devidamente justificadas pelas Unidades Gestoras. Nesse sentido, têm-se alguns julgados do TCU:
SÚMULA TCU 255: Nas contratações em que o objeto só possa ser fornecido por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, é dever do agente público responsável pela contratação a adoção das providências necessárias para confirmar a veracidade da documentação comprobatória da condição de exclusividade.
Acórdão 633/2010-Plenário | Relator: XXXX XXXXX
A contratação por inexigibilidade de licitação exige a demonstração de inviabilidade de competição e a presença de orçamento detalhado de custos para, além de atender as exigências legais, munir a Administração de instrumentos que possibilitem questionar os serviços prestados e contestar eventuais cobranças indevidas que lhe forem dirigidas. A ausência desses requisitos implica responsabilização do gestor perante o TCU.
Acórdão 9554/2011-Primeira Câmara | Relator: XXXXXX XXXXXXX
(Grifou-se)
Assim, é imprescindível que nas contratações por inexigibilidade de licitação seja demonstrada a inviabilidade de competição no caso concreto, opção esta que não poderá dispensar as devidas justificativas.
2.2. Configurações da prestação dos serviços
Segundo a Orientação Técnica do Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul5 (OT/TCERS) sobre serviços de coleta de resíduos sólidos, há vários ciclos
possíveis para a configuração de prestação de serviços, os quais impactam diretamente na sua forma de contratação.
Resumidamente, as duas formas de contratação mais usuais são:
1) Com uma etapa de transporte: Coleta e transporte diretamente dos caminhões coletores ao local de destinação final (aterro sanitário);
Nessa situação, há dois serviços que, do ponto de vista da contratação, são indissociáveis: a coleta e o transporte dos resíduos. A destinação final em aterro sanitário pode ou não ser contratada em separado, conforme as peculiaridades locais, que devem estar descritas no projeto básico da licitação.
2) Com duas etapas de transporte: Coleta e transporte a uma estação intermediária de transbordo, e transporte em caminhões de grande porte da estação de transbordo ao local de destinação final (aterro sanitário).
Nesta segunda situação, vale a mesma regra de um contrato único para a coleta e transporte até a estação de transbordo. Para a segunda etapa, há três diferentes serviços a serem prestados: a operação da estação de transbordo dos resíduos, o transporte dos resíduos do transbordo ao aterro sanitário e a destinação final.
Quando a Administração Pública prevê a contratação de um aterro sanitário privado para a prestação do serviço de disposição final de rejeitos, deve-se observar o seguinte, conforme indicado no Procedimento IBR-RSU-018/2019 - Análise da escolha do modelo de contratação da disposição final de rejeitos, do Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas – IBRAOP6:
3.2 Contratação para execução indireta (Lei de Licitações) do serviço de disposição final em aterro sanitário privado – terceirização
Neste modelo, a Administração Pública contrata um aterro sanitário privado para a prestação do serviço de disposição final de rejeitos.
[...]
a) Quando houver somente um aterro viável:
- A contratação do serviço de disposição final de rejeitos pode ser feita por meio de inexigibilidade, com a devida justificativa, quando comprovada a inviabilidade de competição;
- A licitação do serviço de transporte e disposição final não poderá ser realizada em um único lote, pois restringirá a participação de empresas capacitadas para o transporte, mas que não possuem aterro sanitário.
b) Quando houver mais de um aterro sanitário viável para a contratação dos serviços de transporte e disposição final, deverá ser realizado estudo no sentido de verificar a necessidade de parcelamento dos serviços ou sua aglutinação, comprovando-se a vantagem econômica do modelo escolhido, notadamente em função da distância/tempo de transporte.
No caso de parcelamento, separando a disposição final e o transporte, pode existir o risco de o conjunto dos serviços ficar mais oneroso, como por exemplo: o aterro mais distante oferece o menor custo de disposição final, porém o custo transporte para este aterro poderá não compensar essa opção.
2.3. Prestação Regionalizada
A Lei Federal n. 14.026/2020 (que, conforme anteriormente exposto, alterou a Lei Federal n. 11.445/2007 - conhecida como marco legal do saneamento básico) instituiu a prestação regionalizada como um princípio fundamental, nos seguintes termos:
Art. 2º Os serviços públicos de saneamento básico serão prestados com base nos seguintes princípios fundamentais:
[...]
XIV - prestação regionalizada dos serviços, com vistas à geração de ganhos de escala e à garantia da universalização e da viabilidade técnica e econômico-financeira dos serviços;
Observa-se que o legislador pretendeu que a prestação dos serviços de saneamento (nestes inclusos os serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos urbanos) fosse realizada a partir de agrupamentos de municípios, de modo a conferir ganhos de escala, viabilidade técnica e sustentabilidade econômico- financeira ao setor.
Já o Decreto n. 11.599/2023, que regulamentou a Lei (revogando, ainda, o Decreto n. 11.467/2023), estabeleceu, dentre outras questões, que “os serviços de limpeza pública, de manejo de resíduos sólidos urbanos ou de drenagem e manejo de águas pluviais poderão ser prestados na mesma unidade de prestação regionalizada de água e esgotamento sanitário ou em unidades de dimensões distintas para cada serviço”. Não obstante, tal instrumento normativo ainda é expresso no sentido de que
“a destinação ambientalmente adequada dos resíduos sólidos urbanos consistirá em critério orientador para a definição das estruturas de prestação regionalizada”.
Verifica-se, portanto, um esforço legislativo no sentido de afastar a prestação individual dos serviços pelos municípios. Diante destas disposições legais, é dever dos municípios, titulares dos serviços de saneamento, contribuírem para que a prestação considere os ganhos de escala oriundos de uma prestação regionalizada, em vez de permitir que o mercado privado assim o faça, sem qualquer contrapartida para a Administração.
Portanto, as licitações para contratação dos serviços que envolvam resíduos sólidos urbanos precisam ser planejadas a partir da definição da regionalização, ou seja, precisam ser estudadas em conjunto com outras unidades, visando contribuir para a viabilidade da sua prestação em todo o território.
No mesmo sentido, a Nota Técnica nº 01/20227 da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon) demonstra as inovações trazidas pela Lei n. 14.026/2020 e os seus reflexos na atuação dos Tribunais de Contas do Brasil. Destaca-se o item 18.7 do documento, acerca da recomendação de fiscalização aos Tribunais de Contas: “a avaliação dos atos e procedimentos definidores das regionalizações”.
Os serviços de saneamento, e em especial a destinação dos resíduos, geram externalidades para além dos limites territoriais dos municípios. Assim, é razoável que o planejamento, a organização e a prestação dos serviços sejam realizadas de forma regionalizada, por meio de uma governança interfederativa.
Por fim, é importante destacar que o Estado de Santa Catarina tem experiência nesse tipo de prestação de serviços na forma de consórcios públicos, como o Consórcio Intermunicipal do Médio Vale do Itajaí (CIMVI) e o Consórcio Intermunicipal de Resíduos Sólidos Urbanos da Região Sul (CIRSURES), o que em muito contribui para que os demais municípios possam fomentar a prestação regionalizada dos serviços de resíduos sólidos, a partir do pilar da regionalização.
2.4 Análise da melhor solução
Independentemente da forma adotada para a prestação dos serviços, somente um estudo de viabilidade técnica e financeira, levando em conta diversos fatores, poderá demonstrar qual o melhor arranjo para o caso concreto. As Unidades Gestoras devem avaliar, basicamente:
• Quais são os aterros sanitários disponíveis nos seus arredores e qual a sua viabilidade econômica em decorrência das distâncias;
• O processo de logística dos serviços: o fluxo origem-destino, itinerários, distâncias de deslocamento dos roteiros e a quantidade de veículos necessária;
• O conjunto de instalações necessárias para a execução adequada dos serviços, como pontos de entrega de resíduos e instalações de triagens e transbordos;
• A quantidade de resíduos a ser coletada (mediante séries históricas), considerando-se ainda o crescimento populacional e as variações sazonais decorrentes das temporadas de turismo;
• Os tipos de resíduos a serem coletados (em geral, recomenda-se que a coleta seletiva seja licitada separadamente da coleta convencional);
• A possibilidade de consorciamento entre municípios próximos para o compartilhamento das estações de transbordo e o transporte até o aterro sanitário, ou até mesmo a implantação de um aterro sanitário para atender a um grupo de municípios.
Frisa-se que o parcelamento do objeto deve ser buscado sempre que possível, haja vista que:
• Não há impedimento técnico na execução das atividades de coleta de resíduos sólidos urbanos, varrição manual e operação e manutenção de aterro por empresas distintas, vez que os serviços não são interdependentes e utilizam equipamentos e mão de obra diferenciados;
• Há a possibilidade de em uma única licitação, por meio de lotes, separar a prestação de serviços de coleta de resíduos sólidos domiciliares, recicláveis, da saúde, da varrição manual ou mecânica, de resíduos da construção civil e a operação e manutenção de aterro sanitário, por exemplo;
• Não há ganhos de escala na indivisibilidade, diante da impossibilidade de se compartilhar equipes e equipamentos entre as atividades, sem prejuízo da qualidade dos serviços;
• Estimula a ampla concorrência e, consequentemente, a oferta de preços mais competitivos, beneficiando o erário municipal.
Outro ponto relevante a se destacar é a assimetria de informação existente em relação ao valor de mercado para a destinação final dos resíduos, em razão da precificação dos serviços não partir da Administração contratante, mas derivar de cotações obtidas com as próprias empresas prestadoras dos serviços8.
Diante disso, decorre a possibilidade de uma empresa detentora do aterro sanitário reduzir o seu valor de proposta, mas compensar os custos no transporte entre o local do aterro e a estação de transbordo, por exemplo.
Ainda, há que se avaliar técnica e economicamente a contratação de forma isolada da destinação final com a empresa detentora do aterro sanitário, a fim de evitar a reincidência de BDI na subcontratação do serviço em conjunto com outra etapa da prestação.
3. CONCLUSÃO
Esta Nota Técnica apresentou, ainda que brevemente, orientações e boas práticas relacionadas ao processo de licitação de serviços de limpeza pública, notadamente sobre a coleta e a disposição final de resíduos urbanos. A sua adoção pelas Unidades Gestoras certamente contribuirá na busca por uma melhor eficiência nas licitações e contratações, além do aprimoramento da governança pública.
Procurou-se aqui, demonstrar a importância do estudo de viabilidade técnica e destacar algumas opções para solucionar o desafio de fornecer à sociedade um serviço de qualidade com um preço justo.
A regra geral é ampliar o universo de concorrentes e, portanto, ampliar as chances de competição. Em comparação com a licitação aglutinada, se houver a adequada divisão do objeto licitado, a concorrência e as vantagens podem ser qualificadas, pois cada parcela licitada poderá atrair concorrentes mais especializados
e em maior número. Portanto, o grau de aglutinação na contratação dos serviços deve ser objeto de estudo prévio em busca da solução mais eficiente para a boa gestão dos recursos públicos.
É importante considerar que todo o planejamento, a organização e a prestação dos serviços de resíduos sólidos sejam realizadas, ainda, de acordo com o marco legal do saneamento básico, notadamente na forma de prestação regionalizada, definida como princípio fundamental na Lei Federal n. 14.026/2020, que alterou a Lei Federal n. 11.445/2007.
1 XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Comentário à lei de licitações e contratos administrativos. 16. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. p.366.
2 Disponível em: xxxxx://xxx.xxxxx.xx.xx/xxxx/xx-xxxxxxx/xxxxxxx/0000/00/XX-XXX- 00025-17.pdf
3 Disponível em: xxxxx://xxxxxx.xxxxx.xx.xx/Xxxxxxx/XxxxxxXxxxxxxxx?xxXxxxxxxxxx00 80259
4 XXXXXXX, Xxxx xx Xxxxxxx. Licitação pública e contrato administrativo. 4. ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Fórum: 2015. p. 449
5 Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul. Orientação técnica serviços de coleta de resíduos sólidos domiciliares: projeto, contratação e fiscalização. 2. ed. Porto Alegre. 2019. p. 11-12. Disponível em: xxxxx://xxxxx.xx.xx/xxxx/xxxxxxxxxxx_xxxxxxxx/Xxxxxx- de-Residuos-S%C3%B3lidos.pdf
6 Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/xx-xxxxxxx/xxxxxxx/xxxx_xxx/XXXX-XXX- RSU-018-2019.pdf
7 Disponível em: xxxxx://xxxxxxx.xxx.xx/xxxx-xxxxxxx-xx-000-0000
8 A Nota Técnica n. 1 deste Tribunal versa sobre pesquisa de preços em compras públicas de bens e serviços comuns, onde constam quatro possíveis parâmetros de pesquisa de preço, sendo priorizado: (i) painel de preços com cotações para aquisições ou contratações firmadas no período de até um ano antes da data de divulgação do instrumento convocatório; e (ii) aquisições e contratações similares de outros entes públicos, feitos no período de até um ano anterior da data de divulgação do instrumento convocatório.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas – IBRAOP. Procedimento IBR- RSU-018/2019 - Análise da escolha do modelo de contratação da disposição final de rejeitos;
XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Comentário à lei de licitações e contratos administrativos. 16. ed. revisada, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 366;
XXXXXXX, Xxxx xx Xxxxxxx. Licitação pública e contrato administrativo. 4. ed. revisada e ampliada. Belo Horizonte: Fórum: 2015. p. 449;
Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul – TCE/RS. Orientação técnica serviços de coleta de resíduos sólidos domiciliares: projeto, contratação e fiscalização.
2. ed. Porto Alegre. 2019. p. 11-12;
Florianópolis, 08 de novembro de 2023.
Xxxx Xxx Xxxxxxxx Xxxxxx – PRESIDENTE (art. 91, I, da LCE n. 202/2000) Xxxxxxxxx xx Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx – RELATOR
Xxxxxx Xxxxxxx Xxx-Dall Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx
Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx
Xxxxxx xxx Xxxxxx Sicca art. 86, caput, da LC n. 202/2000)
FUI PRESENTE: Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx - PROCURADOR-GERAL DO MPjTC/SC
Este texto não substitui o disponibilizado no DOTC-e de 21.11.2023, decorrente do Processo @PNO 23/00123538