ACÓRDÃO Nº 5/2012 - 17/12/2012 – 1ª SECÇÃO/SS PROCESSO Nº 1855/2011
ACÓRDÃO Nº 5/2012 - 17/12/2012 – 1ª SECÇÃO/SS PROCESSO Nº 1855/2011
I. Descritores:
[In]sustentabilidade legal da prorrogação do contrato de prestação de serviços / [I]legalidade da eficácia retroativa da prorrogação do contrato / recurso do visto.
II. Sumário:
1.
Em sede de contratação publica, mostra-se juridicamente possível a ampliação da vigência dos contratos [pela via da prorrogação ou renovação contratuais], embora condicionada por limitações de ordem legal e principialista vertidas, a titulo de exemplo, nos art.ºs 282.º, 410.º e 440.º do Código dos Contratos Públicos, Diretiva nº 2004/28/CE, de 31.3 [vd. Art.º 61.º] e no Livro Verde sobre as Parcerias publico Privadas e o Direito Comunitário em matéria de Contratos Públicos e Conexões, de 30.4.2004;
2. a)
Mod. TC 1999.001
A renovação contratual equivale à reconstituição, no termo do prazo e em iguais moldes ou próximos, do complexo originalmente inscrito no contrato inicial, ao passo que a prorrogação contratual se prendeu na mera modificação do prazo da vigência do contrato inicial, adotado em momento contemporâneo ou prévio ao termo deste;
No melhor cumprimento do disposto nos artºs 97.º e 410.º do Código dos Contratos Públicos, e tendo presente a necessária observância dos princípios vertidos nos art.ºs 1.º, do n.º 4, do C.C.P., e 266.º, n.º 2 da CRP, o acionamento da prorrogação e renovação [contratuais] sempre dependerão da respetiva previsão nos correspondentes contratos e, até, nas peças procedimentais que tendem à escolha do cocontratante;
b)
Embora admissíveis, a prorrogação e renovação contratuais exigem adequada fundamentação, que contemplará, necessariamente, a ponderação do reequilíbrio económico-financeiro do contrato, a demonstração da vantagem da opção pela renovação/prorrogação contratuais [secundarizando, assim, a abertura de um novo procedimento], e, em qualquer caso, a explicitação da salvaguarda do interesse público;
3.
Muito embora as normas contidas nos art.ºs 287.º, do C.C. Públicos, e 127.º, do
C.P. Administrativo, sugiram, como regra, que os atos e contratos de natureza administrativa só dispõem para o futuro, é, ainda, atribuível eficácia retroativa do contrato, desde que exigências inferiores de direito publico o justifiquem e a mesma não seja proibida por lei, não lese direitos e interesses legalmente protegidos de terceiros e, por ultimo, não contribua para impedir, restringir ou falsear a concorrência no domínio da formação do contrato;
4.
Mod. TC 1999.001
A ausência de procedimento dirigido à escolha do cocontratante, constituindo a preterição de um elemento essencial à decisão de adjudicação, para além de implicar nulidade, altera ou pode alterar o resultado financeiro do contrato;
Ocorrem, pois, fundamentos para a recusa dos visto [vd. art.º 44.º., n.º 3, als. a) e c) da Lei n.º 98/97, de 26.8].
Mod. TC 1999.001
O Conselheiro Relator: Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxx
Transitou em julgado em 08/03/12
ACÓRDÃO N.º 5 /2012 - 17/02/2012 – 1ª SECÇÃO/SS
PROCESSO Nº 1855/2011
I. Relatório
O Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P. [doravante, I.F.A.P.], remeteu a este Tribunal, e para efeitos de fiscalização prévia, um “Acordo para Prorrogação do Prazo de Vigência do Contrato de Prestação de Serviços n.º 09/IFAP/082”, celebrado em 28.12.2011, entre aquele Instituto e, em consórcio, as empresas denominadas “ITS - Industria Transformadora de Subprodutos, S.A., e Xxxx Xxxx e Filhos, S.A.”, com sede na herdade da Palmeira, Olheiros do Meio, São José da Lamarosa, concelho de Coruche.
II. Dos Factos
Para além da factualidade contida em I., considera-se assente, com relevância, a factualidade seguinte:
1.
Mod. TC 1999.001
Em 03.07.2009, após minuta aprovada por despacho do Senhor Ministro da Agricultura e Pescas exarado em Informação com o n.º 22/CD/2009, o I.F.A.P. celebrou, em 03.07.2009, um contrato de prestação de serviços [n.º 09/IFAP/082] com as empresas, em consórcio, denominadas “ITS - Industria Transformadora de Subprodutos, S.A., e Xxxx Xxxx e Filhos, S.A.”;
1.1.
Este contrato, vigorante no período compreendido entre 01.07.2009 e 30.06.2011, tinha por objeto a aquisição de serviços de recolha de animais mortos na exploração, no transporte para o matadouro e na abegoaria, bem como o respetivo tratamento e eliminação, no âmbito do Sistema de Recolha de Cadáveres Animais [SIRCA], sendo que o respetivo valor [estimado] máximo é de
€ 31 690 682,50 [acrescido de IVA à taxa legal de 6%];
2.
Mediante Resolução do Conselho de Ministros n.º 11/2011, de 02.02, foi autorizada a despesa e o procedimento [concurso público], em ordem a garantir a contratação do fornecimento dos serviços a que se reporta o objeto do contrato n.º 09/IFAP/082 [vd. II.1.1.] e após o termo da vigência deste;
2.1
Porque a única proposta apresentada, no valor de € 52 920,00, excedia em
€ 16 377 300,00 [+ 44,8%] o preço base submetido a concurso, o júri deliberou a exclusão da mesma, propondo-se, ainda, à Tutela a substituição do sistema de recolha de cadáveres de animais em curso por um modelo em que a recolha, transporte e destruição passaria para a responsabilidade do produtor pecuário, embora sem prejuízo da ponderação da fixação de uma ajuda pecuniária ao produtor;
2.2.
Mod. TC 1999.001
Face à referida deliberação tomada pelo júri, não foi decidida, expressamente, a não adjudicação, mas o Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, em 18.05.2011, emitiu despacho, como segue:
“Concordo com a implementação do sistema alternativo proposto, dado que o Estado não possui recursos financeiros para assumir um sistema centralizado como o atual. Proceda em conformidade.”;
2.3.
Em 31.12.2011, aquele “modelo alternativo” ainda não se encontrava implementado, embora decorressem reuniões técnicas para o efeito;
3.
Em ordem à regularização dos pagamentos devidos pela recolha de cadáveres animais ocorrida e a ocorrer entre 01.07.2011 e 31.12.2011 e levada a efeito pelo consórcio empresarial outorgante do contrato n.º 09/IFAP/082, o I.F.A.P. propôs à Tutela a implementação de um procedimento por ajuste direto, tendo esta proposta sido objeto de despacho proferido pelo Senhor Secretário de Estado da Agricultura e nos termos do qual se exigia a apresentação de inequívoca e bastante fundamentação técnica e jurídica que justificasse a escolha de tal via procedimental;
4.
Mod. TC 1999.001
Invocando-se a defesa do interesse público e a necessidade de regularizar os serviços já executados e a executar, e, perante a circunstância de, em tempo útil, não ter sido concluído algum procedimento que legitimasse a aquisição de serviços de recolha de cadáveres animais no período compreendido entre 01.07.2011 e 31.12.2011, o I.F.A.P. e o consórcio empresarial constituído pela Sociedade “Xxxx Xxxx e Filhos, S.A.”, e “ITS - Industria Transformadora de Subprodutos, S.A., acordaram, em 23.09.2011, em prorrogar o contrato celebrado em 03.07.2009 [n.º 09/IFAP/082], devendo-se a este último [consórcio] o pagamento de
€ 7 472 000,00 [IVA incluído], como contrapartida dos serviços prestados entre 01.07.2011 e 31.12.2011;
4.1.
Tal acordo foi formalizado em documento denominado “Acordo para a Prorrogação do Prazo de Vigência do Contrato de Prestação de Serviços n.º 09/IFAP/082”, cuja minuta foi, previamente, aprovada [Despacho de 22.12.2011] pela Ministra da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, sendo que a autorização da correspondente despesa consta de despacho proferido, em 19.12.2011, por Sua Excelência o Primeiro-ministro, e com o seguinte teor:
“Autorizo a realização da despesa no valor de € 7 472 000,00 [sete milhões quatrocentos e setenta e dois mil euros] para efeitos de regularização da situação em causa, delegando na Senhora Ministra da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, com faculdade de subdelegação, a competência para a prática de atos necessários a esta regularização.”
5.
O “Acordo para a Prorrogação do Prazo de Vigência do Contrato de Prestação de Serviços n.º 09/IFAP/082” foi subscrito, em 28.12.2011, pelo I.F.A.P. [através de representante adequado] e consórcio constituído por “ITS – Indústria Transformadora de Subprodutos, S.A.”, e “Xxxx Xxxx e Filhos, S.A.”, constando do mesmo, e com relevância, que o referido contrato n.º 09/IFAP/082 prorroga os seus efeitos pelo período compreendido entre 01.07.2011 e 31.12.2011, e, ainda, que o preço a pagar pelo primeiro outorgante ao segundo outorgante é reduzido para
€ 467,00 por tonelada [acrescido de IVA à taxa legal aplicável 6%];
6.
Mod. TC 1999.001
Instado o I.F.A.P. acerca da [in]adequação legal do “Acordo para a Prorrogação do Prazo de Vigência do Contrato de Prestação de Serviços n.º 09/IFAP/082”, o mesmo esclareceu que a “emergência administrativa” envolvente não permitiu o recurso à via procedimental legalmente prevista para a escolha do cocontratante,
entendendo, no entanto, que a solução encontrada era a que, sob tal circunstancialismo, melhor defendia o interesse público;
Para além disso, e ainda segundo resposta deduzida pelo I.F.A.P., a eficácia retroativa do citado “Acordo” sustenta-se na ausência de lei proibitiva, na não lesão de direitos e interesses legalmente protegidos de terceiros e porque não se impede, restringe ou falseia a concorrência [tradicionalmente, existe apenas um único concorrente – o consórcio indicado].
III. O DIREITO
A materialidade junta ao processo, no confronto com a legislação e jurisprudência aplicáveis, obriga, «in casu», a que ergamos, para apreciação, as seguintes questões:
▪ [In]Sustentabilidade legal da prorrogação do contrato de prestação de serviços n.º 09/IFAP/082, celebrado em 03.07.2009;
▪ [I]Legalidade da eficácia retroativa [reportada a 01.07.2011] do Acordo para a Prorrogação da Vigência do Contrato n.º 09/IFAP/082, celebrado em 28.12.2011;
▪ O Visto e respetivos pressupostos.
A. Da Sustentação Legal da Prorrogação do Contrato de Prestação de Serviços n.º 09/IFAP/082.
Mod. TC 1999.001
Como deixámos dito em II.2., deste acórdão, o I.F.A.P. e o consórcio formado pelas empresas “ITS – Indústria Transformadora de Subprodutos, S.A.”, e “Xxxx Xxxx e Filhos, S.A.”, celebraram, em 28.12.2011, o Acordo para prorrogação do prazo de vigência do Contrato de Prestação de Serviços n.º 09/IFAP/082.
Considerando que este último contrato cessou a sua vigência em 30.06.2011, importa aquilatar da fundamentação legal do citado “Acordo”.
Exercício que incluirá, prevalentemente, a indagação dos termos em que o ordenamento jurídico vigente habilita a prorrogação do prazo do assinalado contrato de prestação de serviços.
1.
A prorrogação da vigência de contratos administrativos, equiparada, em boa verdade, à ampliação, por um certo período, do prazo de validade do título original1, não é um instituto alheio ao Direito Administrativo português, e, mui particularmente, ao Direito reportado aos contratos administrativos de concessão e contratos administrativos em geral.
Tão-pouco surge indiferente perante o acervo legislativo presente no domínio da contratação pública, ou, também, face à doutrina2 disponível.
Ilustrando o afirmado, lembremos a propósito da concessão de obras públicas e da concessão de serviços públicos a norma contida no art.º 410.º, do Código dos Contratos Públicos, que dispõe:
“(…)o prazo de vigência do contrato é fixado em função do período de tempo necessário para amortização e remuneração, em normais condições de rendibilidade da exploração, do capital investido pelo concessionário”, e, ”na falta de estipulação contratual, o prazo a que se refere o número anterior é de
Mod. TC 1999.001
30 anos, nele se incluindo a duração de qualquer prorrogação contratualmente prevista”3”.
1 Vd. Xxxxx Xxxxxxxxx, in “A concessão dos serviços públicos” – pág. 328.
2 Vd., entre outros, Prof. Freitas do Amaral, in “A Utilização do Domínio Público pelos Particulares” e Xxxx Xxxxxx, in “Doutrina e Comentário”, Revista dos Contratos Públicos, n.º 1.
No domínio da referenciação expressa à “prorrogação contratual”, avulta, ainda, o art.º 282.º, também do Código dos Contratos Públicos e reportado ao regime geral do contrato administrativo, que prescreve:
“(…) há lugar à reposição do equilíbrio financeiro apenas nos casos especialmente previstos na lei, ou, a título excecional, no próprio contrato”, sendo que, a reposição do equilíbrio financeiro é efetuada, “na falta de estipulação contratual, designadamente, através da prorrogação do prazo de execução das prestações4 ou da vigência do contrato, da revisão dos preços ou da assunção, por parte do contraente público, do dever de prestar à contratante o valor correspondente ao decréscimo das receitas esperadas ou ao agravamento dos encargos previstos com a execução do contrato… .”
Por seu turno, o art.º 440.º, do Código dos Contratos Públicos, preceitua:
“(…) Art.º 440.º (Prazo)
1. O prazo de vigência do contrato não pode ser superior a três anos, incluindo quaisquer prorrogações4 expressas ou tácitas do prazo de execução das prestações que constituem o seu objeto.
As referências legislativas citadas confirmam, assim, a admissibilidade legal da prorrogação do prazo de vigência dos contratos, incluindo os de concessão de obras públicas e de aquisição de serviços.
Mod. TC 1999.001
Orientação que não contraria o direito e doutrina Comunitários, bem expressa, de resto, na Diretiva n.º 2004/18/CE, de 31.03 [vd. art.º 61.º] e “Livro Verde sobre as Parcerias Público-Privadas e o Direito Comunitário em Matéria de Contratos Públicos e Concessões”, de 30.04.2004, sendo que neste último se enfatiza a obrigatoriedade de, em qualquer circunstância, serem observados os princípios da igualdade de tratamento e da transparência.
A prorrogação do prazo de duração dos contratos revela-se, assim, juridicamente possível, muito embora tal ampliação de vigência se mostre condicionada por apertadas limitações de ordem legal e principialista.
2.
Conforme resulta da normação contida no Código dos Contratos Públicos, onde se incluem as regras acima evidenciadas [vd. art.os 282.º e 410.º], a prorrogação da vigência dos contratos, ponderável pela Administração, não por força de algum dever contratual, mas em razão de circunstâncias que, solidamente, aconselhem a ampliação do prazo de validade inscrito no título originário, acorrerá, em regra, a “premiar” o bom desempenho do cocontratante [bastante para se concluir que esta solução prossegue melhor o interesse público do que outra que passe pela abertura de um novo procedimento], e, por outro, a assegurar a reposição dos parâmetros consubstanciadores do equilíbrio económico-financeiro do contrato.
Depara-se-nos, assim, uma prorrogação de cariz premial e uma outra de matriz compensatória5.
2.1.
Muito embora se reconheça a admissibilidade legal do instituto “prorrogação contratual” é mister adiantar [como afirmámos acima!] que o apelo ao mesmo se desenvolve sob previsíveis e compreensíveis limitações, decorrentes de lei expressa, e, também, de princípios gerais absorvidos pela normação contida no Código dos Contratos Públicos.
Mod. TC 1999.001
Desde logo, e cotejando os art.os 97.º, n.º 2 e 410.º, n.º 2, do Código dos Contratos Públicos, temos por certo que tal norma faz depender a prorrogação da necessária e respetiva previsão contratual [a expressão “contratualmente prevista” induz esta conclusão].
Por outro lado, porque a admissão, sem critério ou fundamento, do instituto da “prorrogação da vigência contratual” subverteria “o princípio da licitação” e descuraria a vinculação de toda a atividade administrativa aos princípios da prossecução do interesse público, da juridicidade, da proibição do arbítrio, da imparcialidade e da boa-fé, que se contêm no art.º 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, é forçoso que a citada “prorrogação da vigência contratual” figure nas peças procedimentais elaboradas para escolha do cocontratante, e, posteriormente, em contrato, dando-se, assim, cumprimento aos princípios da concorrência, da igualdade e da transparência, melhor consignados no art.º 1.º, n.º 4, do Código dos Contratos Públicos.
Adjuvantemente, e em coerência com o afirmado, diremos que a previsão da prorrogação da vigência contratual, para além de dever constar nas peças do procedimento e subsequente clausulado contratual, só poderá ocorrer em ambiência fáctica excecional e indutora de indiscutíveis vantagens económicas, financeiras e sociais para a Administração Pública.
Em suma, a “renúncia ao mercado” no prazo inicialmente previsto, porque balizado por lei e princípios que exigem aplicação não vacilante, reclama, também, justificação exaustiva e inequívoca.
3.
Ainda na aproximação à dilucidação da matéria em apreço, e reconhecida a utilidade de tal exercício, abordaremos a diferenciação dos institutos “renovação do contrato” e “prorrogação da vigência do contrato”.
Mod. TC 1999.001
Nesse sentido, importa reter que a renovação6 correspondente à “outorga de um novo título jurídico ao mesmo sujeito, com o mesmo objeto, e, em princípio, com as mesmas condições do título anterior ou semelhantes”.
6 Vd. Prof. Freitas do Amaral, in ob. Cit.
Comentando, e na esteira de Xxxx Xxxxxx [vd. Revista de Contratos Públicos, n.º 1], a renovação equivale à reconstituição, no termo do prazo e em iguais moldes ou próximos, do complexo obrigacional inscrito no contrato inicial.
De outra banda, a prorrogação traduz-se na mera modificação do prazo de vigência do contrato inicial, adotada em momento contemporâneo ou prévio do termo deste.
E na melhor decomposição dos citados institutos, diremos, ainda, que no âmbito da renovação surge uma nova relação contratual [com clausulado eventualmente diverso do inscrito no contrato original], ao passo que no tocante à prorrogação o contrato não extingue, mas projeta-se para além do prazo acordado contratualmente.
Independentemente da eventual imprecisão delimitativa daquelas noções [prorrogação e renovação] e, que alguns autores vislumbram, até, no Código dos Contratos Públicos [vd. Xxxxxxx x Xxxxx, em anotação ao art.º 97.º, do Código dos Contratos Públicos], mostra-se seguro que o apelo a um outro instituto exigirá previsão contratual anterior, pois só por esta via se concede efetiva observância aos princípios vertidos no art.º 1.º, n.º 4, do Código dos Contratos Públicos, e, bem assim, no art.º 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
4. O caso em apreço.
4.1.
Como afirmámos em II. [vd. factualidade tida por provada], o contrato de prestação de serviços n.º 09/IFAP/082, celebrado entre o I.F.A.P. e o consórcio empresarial identificado em I., deste acórdão, terminou os seus efeitos em 30.06.2011, data que assinala o termo da respetiva vigência.
Mod. TC 1999.001
Por outro lado, o Acordo para Prorrogação do Prazo de Vigência do mencionado contrato n.º 09/IFAP/082 foi “firmado” em 28.12.2011, inscrevendo-se aí [vd.
art.º 3.º, n.º 1] que tal Acordo [com natureza e conteúdo claramente contratuais] produz efeitos a partir de 01.07.2011.
Por último, retenha-se que o clausulado do contrato n.º 09/IFAP/082 não prevê a possibilidade de prorrogação ou renovação deste.
Aqui chegados, e arrimados à reflexão exercitada em III.1., 2. e 3., deste acórdão, onde nos aproximámos da dilucidação do instituto “prorrogação contratual” e respetiva admissibilidade legal, conheceremos, agora, do citado “Acordo”, aquilatando da bondade legal ou não da despesa pública por si gerada.
4.2.
Lido o art.º 330.º, do Código dos Contratos Públicos, aí se ergue o cumprimento como uma das causas de extinção dos contratos, a par da revogação e da resolução, por via judicial ou arbitral, e da decisão do contraente público. Donde se retira que o contrato n.º 09/IFAP/082, por ter alcançado o seu integral cumprimento em 30.06.2011, extinguiu-se nesta mesma data.
Por outro lado, e repetindo-nos, o contrato n.º 09/IFAP/082 [objeto de prorrogação] não previa a possibilidade da respetiva prorrogação ou renovação.
Neste contexto, e atalhando, revela-se óbvio que o Acordo de Prorrogação da Vigência do Contrato n.º 09/IFAP/082, agora sob fiscalização prévia, não tem, face ao Código dos Contratos Públicos e normação administrativa aplicável [nomeadamente, o Código de Procedimento Administrativo], a menor sustentação legal.
Desde logo, porque, por efeito de elementar exercício silogístico, não é admissível a prorrogação de um contrato já extinto, e, no limite, já inexistente.
Mod. TC 1999.001
E, por outro lado, os cocontratantes em presença, ao não preverem em sede [contrato n.º 09/IFAP/082] adequada a possibilidade da prorrogação ou
renovação do instrumento e não consagrarem aí a necessária fundamentação para tal, comprometeram, definitivamente, a sustentação legal da sobredita ampliação da vigência do título original.
Com efeito, para além da legislação aplicável [vd. art.os 97.º, n.º 2 e 410.º, do C.C.P.] sugerir, inequívocamente, que a possível prorrogação e/ou renovação deverá prever-se nas peças do procedimento e subsequente clausulado contratual, a doutrina acima invocada [vd. III. n.os 1 a 4, deste acórdão], secunda idêntico entendimento.
Ademais, e no reforço do afirmado, importa lembrar que nos movemos no âmbito de contratos administrativos, onde a defesa do interesse público [e financeiro] surge como absoluta e inquestionável prioridade, sendo oportuno reafirmar que tal exigência é a única via que assegura, de um lado, a observância dos princípios da sã concorrência, da transparência e da igualdade de tratamento consagrados no art.º 1.º, n.º 4, do C.C.P., e, do outro, garante que a atividade administrativa dê cumprimento aos princípios da prossecução do mencionado interesse público, da juridicidade, da proibição do arbítrio, da proibição do excesso, da imparcialidade e da boa-fé, que se mostram plasmados no art.º 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, e são de acatamento obrigatório.
De resto, na melhor ilustração da orientação que vimos seguindo e acima sustentada, adiantaremos que se compreende a rejeição da prorrogação ou ampliação do prazo de vigência sem correspondência em procedimento pré-
-contratual e clausulado contratual.
Mod. TC 1999.001
Com efeito, é espectável que o processo de formação do contrato assuma contornos bem diversos face à inclusão da possibilidade de prorrogação do contrato em peças procedimentais ou não, pois os interessados situariam aí um novo elemento de ponderação quanto à sua participação no procedimento.
E, adiante-se, tal circunstância não é indiferente ao princípio da concorrência, consabidamente estruturante de toda a contratação pública.
Aqui chegados, urge concluir:
▪ O Acordo para Prorrogação do Prazo de Vigência do Contrato de Prestação de Serviços n.º 09/IFAP/082 não encerra, por impossibilidade legal e fáctica, alguma ampliação do prazo de validade do título original [contrato n.º 09/IFAP(082], constituindo, isso sim, um contrato autónomo, que incorpora meras referências àquele instrumento contratual;
E também não configura alguma renovação contratual por ser claro que as partes nele [contrato n.º 09/IFAP/082] intervenientes, para além de não pretenderem a ampliação do prazo de vigência do título original no âmbito de tal “Acordo”, também não representaram a necessidade de, atingido o termo do contrato inicial, reconstituírem, em iguais moldes ou próximos, o clausulado aí vertido.
▪ Independentemente da configuração jurídica do citado “Acordo” [prorrogação?...renovação…?], a prorrogação e/ou a renovação do contrato n.º 09/IFAP/082 carece de fundamento legal e de base principialista, pois, não sendo antecedido de previsão procedimental e contratual, infringe o art.º 1.º, n.º 4, do Código dos Contratos Públicos [princípios da transparência, da concorrência e da igualdade de tratamento], traduz atividade administrativa claramente violadora dos princípios consagrados no art.º 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, e, afinal, viola os limites a que também se reporta o art.º 313.º, n.os 1 e 2, do C.C.P., pois subentende uma forma de impedir, restringir e falsear a concorrência que deve ser assegurada na formação do contrato.
Mod. TC 1999.001
▪ Embora admissível, a previsão da prorrogabilidade dos contratos em sede procedimental e contratual carece, obviamente, de adequada
fundamentação, a qual, segundo a lei e doutrina autorizada, assentará na pertinência da implementação do reequilíbrio económico-financeiro do contrato, na confiança gerada pelo cocontratante [por forma a concluir que a prorrogação/renovação é preferível à abertura de um novo procedimento], e, em qualquer dos casos, na demonstrada salvaguarda do interesse público e vantagem para o Estado-Administração.
B. Da retroatividade dos efeitos do
Acordo para a Prorrogação da Vigência do Contrato n.º 09/IFAP/082.
Como bem resulta do “Acordo para a Prorrogação do Prazo de Vigência do Contrato de Prestação de Serviços n.º 09/IFAP/082” [vd. art.º 3.º], aí se estipula que, embora subscrito em 28.12.2011, o mesmo produz efeitos a partir de 01.07.2011.
Tal previsão desencadeia, assim, análise dirigida à [in]viabilidade legal da retroatividade dos efeitos atribuídos a este instrumento contratual.
Matéria que nos ocupará, de seguida.
1.
Sob a epígrafe “Eficácia do Contrato”, o art.º 287.º, do Código dos Contratos Públicos, estabelece:
“(…) Art.º 287.º (Eficácia do contrato)
Mod. TC 1999.001
2. A plena eficácia do contrato depende da emissão dos atos de aprovação, de Visto, ou de outros atos integrativos da eficácia exigidos por lei, quer em relação ao próprio contrato, quer ao tipo de ato administrativo que
eventualmente substitua, no caso de se tratar de contrato com objeto possível de ato administrativo.
3. As partes podem atribuir eficácia retroativa ao contrato quando exigências imperiosas de direito público o justifiquem, desde que a produção antecipada de efeitos:
a) Não seja proibida por lei;
b) Não lese direitos e interesses legalmente protegidos de terceiros e
c) Não impeça, restrinja ou falseie a concorrência garantida pelo disposto no presente Código relativamente fase de formação do contrato.
Por outro lado, o art.º 127.º, do Código de Procedimento Administrativo, aqui aplicável subsidiariamente, dispõe, como segue:
“(…) Art.º 127.º
Regra Geral
1. O ato administrativo produz os seus efeitos desde a data em que for praticado, salvo nos casos em que a lei ou o próprio ato lhe atribuam eficácia retroativa ou diferida.
2. … .”
Mod. TC 1999.001
Da leitura das normas invocadas decorre, sem equívoco que, regra geral, os atos e contratos de natureza administrativa dispõem para o futuro [produzem os seus efeitos a partir da data da sua prática ou outorga], admitindo-se, embora excecionalmente, a retroação dos respetivos efeitos. Exceção que, diga-se, se submete a um condicionalismo fortemente restritivo e que se traduz no seguinte:
▪ A eficácia retroativa do contrato é atribuível, desde que exigências imperiosas de direito público o justifiquem e a mesma não seja proibida por lei, não lese direitos e interesses legalmente protegidos de terceiros, e, por último, não contribua para impedir, restringir ou falsear a concorrência no domínio da formação do contrato.
«In casu», advoga-se a necessidade de preservar a saúde pública enquanto razão determinante para a celebração do “Acordo” em causa.
Trata-se de um argumento que bem pode acolher-se ao conceito de “exigência imperiosa de direito público”, certos de que não dispomos de outros elementos que inviabilizem este juízo.
Porém, embora se admita a ausência de lei expressa que dite a irretroatividade do presente instrumento contratual e não se perfile a lesão de direitos e interesses legalmente protegidos de terceiros, afigura-se-nos claro que a solução administrativa encontrada não assegura a concorrência no âmbito da formação do contrato, violando, assim, e desde logo, o art.º 1.º, n.º 4, do Código dos Contratos Públicos.
E na melhor explicitação do afirmado, é oportuno lembrar a reflexão contida em III.4., deste Xxxxxxx, e, em especial, a parte onde se sustenta que o presente Acordo, por não configurar os institutos jurídicos da “Prorrogação e/ou Renovação Contratual”, constitui, ele próprio, um contrato dotado de autonomia.
Mod. TC 1999.001
Na verdade, a convocação deste juízo ampara, sobremaneira, a citada inobservância do princípio da concorrência, pois, afinal, depara-se-nos um contrato gerador de despesa pública, e não antecedido [no domínio da sua formação] de algum procedimento [ajuste direto…concurso público…] que envolva e legitime a escolha do cocontratante [«in casu», o consórcio empresarial constituído por “ITS, S.A. e Xxxx Xxxx e Filhos, S.A.”].
Ocorre, pois, e também, a violação direta do estabelecido no art.º 287.º, n.º 2, do Código dos Contratos Públicos, e, ainda, o preceituado no art.º 16.º, do Código dos Contratos Públicos, norma que enuncia os procedimentos a adotar na formação dos contratos e que se impõe, obrigatoriamente, às entidades adjudicantes.
IV. Das Ilegalidades. O Visto.
1. Das Ilegalidades.
Conforme o exposto em III. A] e B], deste acórdão, o percurso administrativo seguido pelo I.F.A.P. viola o preceituado nos art.os 16.º e seguintes [ausência de procedimento], 1.º, n.º 4 [inobservância dos princípios da concorrência, da transparência e da igualdade de tratamento], 287.º, n.º 2 [atribuição indevida de efeitos retroativos a contrato] e 97.º, n.º 2 [prorrogação e/ou renovação de contrato sem previsão contratual], do Código dos Contratos Públicos, para além dos princípios [boa-fé, transparência, imparcialidade, prossecução do interesse público e da proibição do arbítrio] contidos no art.º 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
Tal não subentende que não tenhamos em bom apreço algumas fases do citado percurso administrativo seguido.
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Com efeito, destacamos, pela positiva, a abertura atempada [em princípios do ano 2011] de concurso público para a escolha do cocontratante que prestaria serviços de recolha de animais mortos na exploração, no transporte para o matadouro e na abegoaria e a não adjudicação subsequente devido ao montante da proposta exceder, em muito, o preço base, a submissão à Tutela de sugestão dirigida à implementação de sistema alternativo que, entre o mais, “aliviasse” o encargo financeiro do Estado, e, apesar de tardia, a proposta [de 18.08.2011]
enviada à Tutela no sentido de, mediante ajuste direto, adjudicar a referida prestação de serviços.
Contudo, mal se compreende que a implementação do referido sistema alternativo, ordenada por despacho de Sua Excelência o Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, de 18.05.2011, ainda não tenha logrado concretização, que a proposta de ajuste direto apresentada pelo I.F.A.P. em 18.08.2011 tenha apenas merecido a exigência de melhor fundamentação técnica e jurídica para a escolha do tipo de procedimento, e que, a final, certamente para conferir “cobertura” a serviços prestados e não remunerados, se apele a um instrumento contratual, que, como, afirmámos acima, para além da sua inadequação formal e substancial, não se mostra antecedido e legitimado por algum dos tipos de procedimentos indicados no art.º 16.º, do Código dos Contratos Públicos.
Por último, impõe-se adiantar que a boa gestão dos dinheiros públicos e a inerente salvaguarda do interesse públicos sugere, cremos, acrescida celeridade administrativa, por forma a que a carência de “tempo” nunca comprometa a realização daquele desiderato. E reclamam, também, rápida definição do modelo a seguir no domínio da recolha de cadáveres animais, uma vez que, apesar da garantia da saúde pública e prevenção da calamidade geral constituírem ónus do Estado, não se vislumbra regra ou princípio que obrigue este a assumir, ao menos por inteiro, as despesas decorrentes da referida recolha.
2. Do Visto.
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As ilegalidades evidenciadas em IV.1. espelham a ausência de qualquer procedimento [ajuste direto…concurso público…] prévio à elaboração e subscrição do “Acordo para a Prorrogação da Vigência do Contrato n.º 09/IFAP/082”, e, inerentemente, demonstram, ainda, a violação do princípio da concorrência.
A ausência de procedimento tendente à escolha do cocontratante constitui a preterição de um elemento essencial à decisão que, em boa verdade, “adjudicou” ou atribuíu a prestação de serviços contida no sobredito “Acordo” ao consórcio constituído pela empresa “ITS, S.A. e Xxxx Xxxx e Filhos, S.A.” e pelo período compreendido entre 01.07.2011 e 31.12.2011, o que, atento o disposto no art.º 133.º, n.º 1, do C.P.A., gera a nulidade da mesma [decisão de “adjudicação” ou atribuição da prestação de serviços]. E esta nulidade, para além de invocável a todo o tempo, transmite-se ao “Acordo para a Prorrogação da Vigência do Contrato n.º 09/IFAP/082”.
Por outro lado, a não implementação de algum procedimento tendente à escolha do cocontratante [no âmbito do presente “Acordo”, ora submetido a fiscalização prévia] e o inerente não acatamento da disciplina adveniente dos princípios da concorrência, da transparência e da igualdade de tratamento são suscetíveis de conduzir à alteração do resultado financeiro do contrato.
Ao abrigo do disposto no art.º 44.º, n.º 3, alíneas a) e c), da Lei n.º 98/97, de 26.08, a desconformidade de atos e contratos com as leis em vigor que implique nulidade e altere ou possa alterar o resultado financeiro do contrato [a densificação da expressão “ilegalidade que altere ou possa alterar o respetivo resultado financeiro” basta-se com o simples perigo ou risco de que da ilegalidade cometida possa advir a alteração do correspondente resultado financeiro] constitui fundamento de recusa do Visto.
IV. Decisão.
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da 1.ª Secção, do Tribunal de Contas, em Subsecção, recusar o Visto ao Acordo para a Prorrogação da Vigência do Contrato n.º 09/IFAP/082.
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Emolumentos legais [art.º 5.º, n.º 3, do Regime dos Emolumentos do Tribunal de Contas, anexo ao Decreto-Lei n.º 66/96, de 31.05].
Lisboa, 17 de Fevereiro de 2012
Os Juízes Conselheiros,
(Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxx – Relator)
(Xxxxxx Xxxxx Xxxxx Xxxxx)
(Xxxxxx Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx)
Fui presente,
(Procurador-Geral Adjunto)
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