Oadimplementosubstancial nasobrigaçõesecontratos
Oadimplementosubstancial nasobrigaçõesecontratos
O adimplemento substancial nas
obrigações e contratos
Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Advogado no Distrito Federal Assessor Jurídico do Banco do Brasil
Mestre em Direito pelo UniCEUB - Centro
Universitário de Brasília Especialista em Direito Público pela Associação
Educacional Unyahna Especialista em Direito Civil pela Universidade
Federal da Bahia Bacharel em Direito pela Universidade
Católica de Xxxxxxxx Xxxxxxxx em Administração pela Universidade
do Estado da Bahia
RESUMO
O objetivo deste artigo é expor e avaliar a teoria deno- minada substantial performance (teoria do inadimplemento mínimo) nas relações obrigacionais e contratuais. É visto, valendo-se de doutrinas e jurisprudências sobre o tema, que a regra da obrigação, em sentido amplo, é a sua extinção total com o adimplemento pleno da relação jurídica travada. Todavia, em caso de adimplemento significativo, do ponto de vista qualitativo e quantitativo, não cabe romper o vínculo firmado, mas apenas outros efeitos jurídicos, como a cobrança ou o pleito de indenização por perdas e danos. Em alguns casos, como operações de crédito com alienação fiduciária ou dívidas de pensão alimentícia, todavia, a jurisprudência tende a não aplicar a aludida teoria. Concluiu-se que é necessário equilíbrio entre o desejo do credor em ter satisfeito o seu direito e o dever do devedor em honrar suas obrigações dentro da razoabilidade e sem coações desnecessárias.
Palavras-chave: Direito Civil. Contratos. Inadimplemento.
Mínimo.
ABSTRACT
The objective of this article is to expose and evaluate the theory called substantial performance (theory of minimum default) in the contractual and contractual relations. It is seen, using doctrines and jurisprudence on the subject, that the rule of obligation, in a broad sense, is i ts total extinction with the
full adimplemento of the legal relationship waged. However, in the case of significant performance, from a qualitative and quantitative point of view, i t is not necessary to break the established agreement, but only other legal effects, such as the collection or the claim for damages. In some cases, such as credit operations with fiduciary alienation or child support debts, however, case law tends not to apply the aforementioned theory. It has been concluded that a balance must be struck between the creditor’s desire to have satisfied his right and the debtor’s duty to honor his obligations within reason and without unnecessary constraints.
Introdução
Keywords: Civil Law. Contracts. Noncompliance. Minimum.
O propósito deste t rabalho é o de analisar o adimplemento substancial, denominada de teoria da substantial performance, e seus reflexos nas relações obrigacionais e contratuais. Para tal intento, como metodologia, buscar-se-á percorrer o entendimen- to doutrinário e jurisprudencial pátrio sobre a matéria para afe- rir em que medida e em quais situações será possível cogitar apli- car a teoria do inadimplemento mínimo.
Dito isso, cumpre salientar que os sujeitos de direito, pesso- as f ísicas e jurídicas, t ravam diversas relações obrigacionais e contratuais cujo objeto pode ser uma obrigação de dar, fazer ou não fazer. Seu fim natural, por assim dizer, é o seu adimplemento total, o cumprimento integral de todas as obrigações impostas na relação jurídica. É o atendimen t o do post ulado Pact Sunt Servanda. Realizado o pacto obrigacional, os sujeitos se vincu- lam e devem se sujeitar às estipulações e ao objetivo t raçado com a parte oposta, as prestações e contraprestações negocia- das.
Nesse sentido, o jurista Xxxxx (2009, p. 3) leciona:
Todos os dias, pessoas – físicas ou jurídicas – vinculam- se umas às outras por intermédio de relações jurídi- cas, assumindo reciprocamente obrigações positivas (fazer ou dar) ou negativas (não fazer). E o fazem, destaque-se, com o objetivo de criar, modificar ou extinguir direitos. Assim surgem os negócios jurídi- cos. Essas obrigações assumidas têm um único desti- no normal e esperado, qual seja, o seu adimplemento. Assim, o artesão que se compromete a fazer uma escultura, deve entregá-la no prazo determinado; a construtora que vende um apartamento na planta, deve entregá-lo na forma e no termo previsto no con- t rato de compra e venda da unidade habitacional; o
empregado que tem contato com informações confi- denciais (segredo industrial, por exemplo) da empre- sa em que trabalha e que assume o dever de guardar sigilo sobre as mesmas, deve abster-se de divulgá-las. Enquanto essas obrigações são devidamente obser- vadas e cumpridas pelos contratantes, os negócios jurídicos formam-se, desenvolvem-se e se encerram de maneira saudável.
Entretanto, às vezes, nas obrigações e relações contratuais, há eventos diversos que impedem a total liquidação da obriga- ção, f icando, por vezes, parcela residual vencida de relativa me- nor importância, haja vista que a obrigação principal foi devi- damente atendida. É o caso, por exemplo, de um empréstimo feneratício contratado em trinta e seis parcelas mensais e sucessi- vas em que o devedor tenha adimplido vin te e oito parcelas, mas, por um desemprego inesperado, tenha deixado de honrar as parcelas restantes. É observável neste caso que o devedor efe- tuou uma considerável amortização do empréstimo, tendo, ao menos, restabelecido ao credor o capital disponibilizado.
Desse modo, nesses casos, a jurisprudência inglesa, inicial- mente, construiu a teoria da substantial performance , que parte do pressupost o de que, quando o valor principal tenha sido honrado, a obrigação pode ser revista ou até mesmo extinta, verificadas as circunstâncias que ocorreram o inadimplemento.
Vale advertir que a regra da obrigação é a sua extinção to- tal com o adimplemento pleno da relação jurídica t ravada. O inadimplemento é uma irregularidade, uma mácula no pacto f ir- mado. Tal teoria ora em análise t rata-se de uma exceção e é comumente aplicada em fase posterior, quando o direito do cre- dor se queda inerte no seu intento principal e, já em vias judici- ais, o magist rado, analisando o caso em concreto, decide por aplicar a ci tada teoria para pôr fim à relação obrigacional ou revisá-la com condições novas com o intuito de ajustar a relação obrigacional à nova realidade fática.
Assim, o presente t rabalho buscará t raçar, sem pretensão de esgotar o tema, uma visão panorâmica das relações contratuais e obrigacionais e suas formas de extinção, bem como, em mo- mento posterior, adentrará na teoria ci tada buscando respon- der às seguintes indagações: Em quais si tuações cabe aplicar a t eoria do adimplemen t o subst ancial ( t ambém chamado de inadimplemen t o mínimo)? Quais são os ref lexos nas relações contraídas? Tal teoria é compatível com o sistema jurídico vigen- te no Brasil?
1 As relações obrigacionais e contratuais
As relações jurídicas de cunho obrigacional ou contratual são firmadas entre sujeitos de direito com capacidade e legitimi- dade plena para contrair tal benesse ou encargo, pessoa física ou jurídica, com um objeto específico (dar, fazer ou não fazer), l íci t o, em geral a obrigação possui prazo cer t o para o seu adimplemento, estipulado em razão da vontade livre e consci- ente das partes envolvidas. É o que diz o artigo 104 do Código Civil:
Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz;
II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei.
É célebre a f rase esculpida na obra li terária O Mercador de Veneza, de Xxxxxxxxxxx (1999, p. 38), t raduzindo uma relação obrigacional daquela época:
Se for comigo ao notário e lá selar um compromisso simples que dirá que se não pagar em certo dia e local a soma mencionada na nota, a multa imposta f ica arbitrada numa libra justa de sua carne alva, a ser cortada. E t irada da parte de seu corpo quando na hora da escolha me aprouver .
Em que pese a multa pelo atraso com sofrimento físico, uma libra da própria carne, ser inadmissível no nosso ordenamento pá t rio, há uma série de elemen t os válidos na peça de Xxxxxxxxxxx: as formalidades, a autonomia privada, o compro- misso entre as partes, o dia e local do pagamento e a possibili- dade de multa por atraso no pagamento. Todos esses elementos são plenamente aplicáveis nas relações jurídicas obrigacionais e contratuais.
A teoria do inadimplemento mínimo foi concebida no di- reito contratual anglo-saxão, tendo como primeiro caso a dispu- ta judicial t ravada entre Xxxxx e Xxxxx em 1779, de acordo com Tartuce (2015, p. 5), razão pela qual vale ressal tar que ele guar- da distinções com o direito pátrio. Tratando sobre as relações con t rat uais nor te-americanas, Xxxxxxx (2004, p. 5) realça o enfoque dado pelos tribunais do common law :
Conclui-se que, por ser o “ common law ” baseado pri- meiramente em decisões judiciais ( “ cases”) e não em lei, como ocorre nos países que adotam o “ civil law ” , dentre eles o Brasil, a matéria relativa a relação
contratual deve ser analisada de acordo com o pris- ma enfocado pelas cortes americanas, as quais mos- t ram uma tendência forte em analisar os elementos subjetivos da relação contratual, ou seja, a intenção das partes quando feita a oferta e quando fora esta aceita, resguardando, sempre que possível, a obriga- ção das partes, as quais possuem o dever de agir com boa-fé e velar pela segurança da relação contratual.
Do expost o, veri f ica-se que o direi t o pát rio, descenden te do direito romano, privilegia o formalismo e a análise jurídica. Inicialmente, focava-se unicamente no texto obrigacional firma- do, o princípio do pacta sunt servanda, em que as partes eram escravas dos pactos firmados. Já com a influência do direito nor- te-americano, ocorreu um gradativo repensar dos institutos cul- minando na positivação de diversos inst i tutos no Código Civil de 2002. Houve um olhar mais atento ao interesse, à intenção das partes ao firmar eventual contrato, bem como a princípios como a boa-fé objetiva e a função social do contrato.
2 O inadimplemento obrigacional
O adimplemento da obrigação se aperfeiçoa com o paga- mento, que, nos dizeres de Xxxxxx (2012, p. 221), é possível afir- mar que pagamento, mais do que o cumprimento de uma obri- gação pecuniária, a entrega de dinheiro, pode significar o cum- primento de obrigação de qualquer modalidade, ou seja, quan- do se diz que houve o pagamento se engloba qualquer adim- plemento, seja a obrigação pecuniária, dar, fazer ou não fazer a que corresponde a prestação.
O conceito oposto, por sua vez, a inadimplência, de acordo com o Dicionário Aurélio (2004, p. 468), é a “ falta de cumpri- mento de um contrato ou de qualquer de suas condições” .
Tal conceito, apesar de não estar incorreto, mostra-se incom- plet o do pon t o de vista jurídico. O bojo da obrigação ou do negócio jurídico reside no cumprimento do que fora avençado. Não cumpriu, em sentido amplo, verifica-se a inadimplência, o descumprimento de um dever obrigacional ou contratual inici- almente pactuado.
Ocorre que, à luz do direito civil-constitucional, a relação não é t ravada apenas den t ro dos di t ames obrigacionais e contratuais internos: há deveres anexos, como a boa-fé, a ética e a função social do contrato.
Nesse sen t ido, os pro fessores Xxxxxx e Xxxxxxxxx (2006,
p. 336) explicam:
Para além das obrigações delineadas por seus partícipes, o negócio jurídico é modelado, em toda a sua t rajetória, pelos chamados deveres anexos ou la- terais, oriundos do princípio da boa-fé objetiva. En- quanto as obrigações principais são dadas pelas par- tes, os deveres anexos são impostos pelas necessida- des éticas reconhecidas pelo ordenamento jurídico, independentemente de sua inserção em qualquer clá- usula contratual.
O inadimplemento é t ratado por muitos doutrinadores como uma pat ologia do negócio jurídico ou obrigacional, como se observa no comentário de Xxxxxxxx (2009, p. 4):
Estudar, pois, a figura jurídica do inadimplemento das obrigações é perscrutar o terreno doentio do negócio jurídico, no que o jurista muito se aproxima do médi- co: pesquisa as causas da doença, conhece seus efei- tos e busca a cura. E o mais curioso: assim como o médico normalmente é consultado quando a doença já se instalou, também se busca o jurista quando a patologia negocial se manifesta.
Dessa forma, constata-se o inadimplemento interno, no bojo da relação obrigacional ou contratual que se caracteriza pelo descumprimen t o do que f ora avençado, e o inadimplemen t o externo, fruto da inobservância dos princípios civil-constitucio- nais norteadores das relações jurídicas, quais sejam, a boa-fé, a eticidade e a função social.
Gagliano e Pamplona Filho (2012, p. 397) esclarecem que o inadimplemento no âmbito contratual, mesmo sem uma cláusu- la que preveja a resolução do pacto, dar-se-á ensejo ao pedido de rompimento do negócio, sem prejuízo das perdas e danos decorrentes. Senão, vejamos:
Assim, nos contratos bilaterais, mesmo não havendo cláusula que preveja a resolução da avença em caso de inadimplemento (acontecimento futuro e incer- to), se uma das partes não cumprir a sua obrigação, poderá a outra pleitear a dissolução do negócio, cumulada com perdas e danos, exigindo-se-lhe, toda- via, antes do ajuizamento da ação principal, a inter- pelação judicial do inadimplente.
Por sua vez, pode-se citar como exemplo de boa-fé e t rans- parência o dever do vendedor de um estabelecimento empresa- rial de informar eventuais pendências financeiras ou tributárias que acompanham o acervo patrimonial que possa inferir na de- cisão do comprador de celebrar ou não o negócio. A tentativa
de acobertar tais dívidas, de maneira maliciosa, pode levar, em que pese o contrato de compra e venda venha a estar em perfei- ta conformidade com a ordem jurídica vigente, a sua anulação por quebra do dever lateral de in f ormação e boa- fé en t re as partes.
Além disso, a relação clássica obrigacional f icava adstrita às partes envolvidas. Atualmente, há um terceiro interveniente: a sociedade e o seu interesse no negócio. Desse modo, o negócio pode estar perfeito entre as partes, mas se a função social não é atendida, tal relação pode ser revista pelo juiz, pois haveria um inadimplemento para com a sociedade, conforme precei tua o jurista Catalan (2008, p.3):
Aliás, a necessidade de observância da função social do contrato, expressamente inserida no texto do atu- al Código Civil, sob as vestes de cláusula geral, de- monstra a preocupação do legislador em proteger a coletividade, concedendo ao magistrado, efetivo po- der jurígeno quando da aplicação da norma ao caso concreto. Pode concluir-se então que não seria válido o pacto firmado com finalidade anti-social, ferindo assim interesse protegido pela Lei maior, consideran- do-se o negócio jurídico assim contratado, ato jurídico lato sensu passível de ser revisto, ante a ofensa aos interesses sociais previstos na Constituição.
Vale ressal tar também que existe uma gradação do inadim- plemento que perpassa pelo absoluto ( total ausência de cum- primento do que fora avençado) até o ínfimo (de diminuta im- por tância para a relação con t rat ual como um t odo), sendo esse último o foco do presente t rabalho, pois não há que se fa- lar em aplicação da teoria da substantial performance quando a inadimplência é relevante, seja no sentido quantitativo quanto qualitativo, para o negócio firmado.
Do exposto, depreende-se que a inadimplência no cenário atual é bem abrangente, podendo atingir diversas fases da rela- ção jurídica firmada, razão pela qual a teoria do inadimplemento mínimo não deve se restringir apenas à relação contratual for- malmente subscrita, mas ao negócio jurídico como um todo.
3 A teoria da substantial performance
Tratando do início da aplicação da teoria do inadimplemento mínimo, primeiramente na Inglaterra, a jurista Lima (2007, p. 6) explica:
A doutrina do adimplemento substancial teve sua ori- gem em 1779, nos tribunais ingleses, com o caso Xxxxx versus Xxxx (OMAIRI, 2005), no qual o Julgador da questão, Xxxx Xxxxxxxxx, declarou ser o direito de resolução, naquela situação, abusivo, permitindo ape- nas a indenização, já que o contrato havia sido adimplido substancialmente. No Brasil, o responsável por introduzir a doutrina da substancial performance foi o jurista Xxxxxx xx Xxxxx x Xxxxx, fundamentando a sua utilização em decorrência do princípio da boa-fé objetiva, embora este ainda não fosse expresso no Código Civil de 1916. A sua definição desta doutrina foi reproduzida por Xxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxx (2005, p.408), a qual seria “ Um adimplemento tão próximo ao resultado final, que, tendo-se em vista a conduta das partes, exclui-se o direito de resolução, permitin- do tão-somente o pedido de indenização e/ou de adimplemento, vez que aquela primeira pretensão viria a ferir o princípio da boa-fé. ”
A mesma autora revela a não positivação da teoria no nosso direito pátrio e sua relação próxima com a boa-fé objetiva:
Mister xxxxxx tar que, embora já largamente adotada pela jurisprudência brasileira, a dou t rina do adimplemento substancial não estava expressa no Có- digo Civil de 1916, e também não foi positivada no Código Civil de 2002. Porém, sua aplicação ganhou uma base mais sólida com o implemento da boa-fé objetiva no art. 422, já que ambos os institutos estão estritamente relacionados.
Tartuce (2015, p.8) registra que, com o adimplemento signi- f icat ivo do que foi inicialmente acordado, por essa teoria, na hipótese, por exemplo, quando o contrato t iver sido quase todo cumprido e a mora considerada insignificante, não caberá sua extinção, mas apenas outros efeitos jurídicos, como a cobrança ou o pleito de indenização por perdas e danos.
Deveras, a princípio, se um contrato é quase todo cumpri- do, mas, por algum motivo, parte pequena resta inadimplida, descabe uma solução severa, como a resolução integral do pac- to, quando for possível, por outros meios, como a cobrança ou indenização por perdas e danos resolver a falta de uma das par- tes. Não se pode olvidar, afinal, que, mesmo em uma execução judicial de dívida integral, deve-se buscar, com fulcro no art. 805 do Código de Processo Civil, o meio menos gravoso para o exe- cutado. Se mesmo em tal si tuação, deve-se buscar uma solução menos gravosa, mais razão ainda tem a manutenção de um con- t rato com inadimplência reduzida.
A jurisprudência enfrenta o tema a contento, a despeito de inexistir legislação específica t ratando sobre tal teoria. É o que se verifica no REsp 272739/MG, DJ 02/04/2001, p. 299, com Relator o Ministro Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx:
Ementa: ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. Busca e apreensão. Falta da última prestação. Adimplemento substanci- al. O cumprimento do contrato de financiamento, com a falta apenas da última prestação, não autoriza o credor a lançar mão da ação de busca e apreensão, em lugar da cobrança da parcela faltante. O adim- plemento substancial do contrato pelo devedor não autoriza ao credor a propositura de ação para a extinção do contrato, salvo se demonstrada a perda do interesse na continuidade da execução, que não é o caso. Na espécie, ainda houve a consignação judicial do valor da última parcela. Não atende à exigência da boa-fé objetiva a atitude do credor que desconhe- ce esses fatos e promove a busca e apreensão, com pedido liminar de reintegração de posse. Recurso não conhecido.
O ci tado ministro-relator ponderou, em seu voto, demons- t rando a plena aplicabilidade do instituto da teoria do inadim- plemento mínimo ao sistema jurídico brasileiro, relacionando com a boa-fé contratual:
A extinção do contrato por inadimplemento do deve- dor somente se justifica quando a mora causa ao cre- dor dano de tal envergadura que não lhe interessa mais o recebimento da prestação devida, pois a eco- nomia do contrato está afetada. Se o que falta é apenas a última prestação de um contrato de financi- amento com alienação fiduciária, verifica-se que o contrato foi substancialmente cumprido e deve ser mantido, cabendo ao credor executar o débito. Usar do inadimplemento parcial e de importância reduzi- da na economia do contrato para resolver o negócio significa ofensa ao princípio do adimplemento subs- tancial, admitido no Direito e consagrado pela Con- venção de Viena de 1980, que regula o comércio in- ternacional. No Brasil, impõe-se como uma exigência da boa-fé objetiva, pois não é eticamente defensável que a instituição bancária alegue a mora em relação ao pagamento da última parcela, esqueça o fato de que o valor do débito foi depositado em juízo e esta- va à sua disposição, para vir lançar mão da forte me- dida de reintegração liminar na posse do bem e pedir a extinção do contrato. O deferimento de sua preten- são permitiria a retenção dos valores já recebidos e, ainda, obter a posse do veículo, para ser revendido
nas condições que todos conhecemos, solução eviden- temente danosa ao financiado.
É observável, no caso em tela, a atitude abusiva do credor ao tentar constranger o bem alienado fiduciariamente, tendo o devedor pago quase a t o talidade do f inanciamen t o. Deve-se buscar sempre um ponto de equilíbrio entre o direito do credor em ter seus créditos satisfeitos e o do devedor de não sofrer con- dutas abusivas por parte do seu credor. Acertadamente, o minis- tro afastou a constrição judicial mais penosa ao devedor, mas também não excluiu o direito creditório, deixando aberta a pos- sibilidade da cobrança ordinária do saldo residual pendente.
É nesses casos que a teoria da substantial performance deve incidir, diferentemente do inadimplemento total ou parcial da dívida que emergem ao credor todas as possibilidades possíveis para, lici tamente, buscar a satisfação do seu crédito. Nesse senti- do, Xxxxxxxxxx (2005, p. 407):
-Inadimplemento relativo: este se configura quando o cumprimento da obrigação ainda é possível, embo- ra seja tardio.
-Inadimplemen t o absolu t o: ocorre quando o descumprimento da obrigação contratada inviabiliza qualquer forma de manutenção posterior do contra- to, restando apenas a sua resolução e indenização.
-Inadimplemento insignificante: este ocorre quando o descumprimento do contrato atinge proporções mí- nimas, de tal modo que não chega a afetar os efeitos esperados pelo contrato.
Assim, diante de um inadimplemento insignificante, o con- t rat o não chega a ser afetado na sua est ru t ura primordial, descabendo a sua resolução total ou a constrição mais gravosa ao devedor.
Deve-se ressal tar que a boa-fé é uma via de mão dupla: tan- to o devedor quanto o credor devem observá-la; de igual sorte, a et icidade, a condu ta proba, que deve permear as relações contratuais e obrigacionais existentes.
Sobre o tema, o Enunciado nº 361 da IV Jornada de Direito Civil estabelece que “ o adimplemento substancial decorre dos princípios gerais con t rat uais, de modo a fazer preponderar a f unção social do con t rat o e o princípio da boa- fé objet iva, balizando a aplicação do art. 475 ” .
Vê-se, por tan t o, que, ainda que não exista uma previsão legal explícita sobre a teoria da substantial performance no di- reito pátrio, os princípios que regem as relações, notadamente a
boa-fé objetiva e a função social do contrato, servem de baliza para a atuação das partes e para a análise da possibilidade, ou não, de manter a relação contratual, nos termos do art. 475 do Código Civil, o qual preceitua, em síntese, que, caso não se re- solva, por impossibilidade ou conveniência, a relação obriga- cional ou contratual, caberá exigir o cumprimento e, em qual- quer dos casos, será possível cogitar perdas e danos em decor- rência da inadimplência verificada.
Sobre o tema, Xxxxxx (2017, p. 4) pondera que a regra é a obediência ao princípio do pacta sunt servanda, mas se os requisi- tos para a aplicação da teoria do inadimplemento mínimo estive- rem presentes no caso concreto de inadimplência do devedor, cabe a sua aplicação:
A doutrina da substantial performance é uma dentre várias significativas limitações à liberdade contratual; notadamente por retirar, do prejudicado, o direito de optar pela resolução do contrato, ainda que da avença tenha constado a cláusula resolutiva. Assim, importa que a teoria do adimplemento substancial seja usada com cautela, isto é, para casos em que realmente for indicada, garantindo-se, por outro lado, prestígio ao princípio pacta sunt servanda. Xxxxxxx, entretanto, não quer dizer parcimônia. Em suma, que se use sem- pre que possível a doutrina da “substantial perfor- mance ” , desde que acertadamente. Não há motivo para assombro, pois, a teoria já está inserida na prá- t ica forense brasileira.
Vale en f a t izar t ambém que não há uma est ipulação quantificativa do que seja um inadimplemento insignificante. O ministro do Superior Tribunal de Justiça Xxx Xxxxxx, corrobo- rando com o tribunal a quo de Santa Catarina, já decidiu outro- ra que o valor do saldo devedor correspondente a 20 por cento do valor do bem financiado não autorizaria a sua retomada (Resp 000000 / XX, DJ 05/05/2003 p. 310). É necessária a análise casuística de cada relação contratual inadimplente para se verificar se o saldo devedor é representativo ou não para a eventual aplica- ção do princípio substantial performance .
Nesse sentido, leciona Tartuce (2015, p. 5) sobre a necessi- dade de não só observar o critério quantitativo de cumprimento da avença, mas também a qualidade do adimplemento, o que afasta a aplicação da teoria do adimplemento substancial em caso de abuso de direito da parte inadimplente que, de manei- ra reiterada, purga a mora:
A análise do adimplemento substancial não deve ser meramente quantitativa, levando-se em conta so- mente o cálculo matemático do montante do cumpri- mento do negócio. Deve-se considerar também o as- pecto qualitativo, afastando-se a sua incidência, por exemplo, em situações de moras sucessivas, purgadas reiteradamente pelo devedor, em claro abuso de di- reito.
Em sua ótica, Tartuce (2015, p. 5), com amparo na doutrina i t aliana, en t ende que a aplicação da t eoria da substan t ial performance deve passar por dois f il tros, um objetivo e outro subjetivo, sendo o primeiro uma medida econômica do descum- primento, e o segundo perpassa pela análise do comportamen- to das partes no processo contratual, pois, de fato, se há abuso de direi t o no uso da t eoria em comen t o, ainda que quantitativamente o objeto tenha sido significativamente cum- prido, a sua incidência ao caso concreto resta prejudicada e pode e deve ser afastada.
Por outro lado, cabe destacar também que a aplicação da teoria da substantial performance não pode inver ter a regra do in tegral cumprimen t o da obrigação. Por isso, é necessário que se obedeçam alguns requisi t os para a sua aplicação no caso concre t o, como bem pon t uado pelo M inist ro Rela t or An t onio Xxxxxx Xxxxxxxx, no Resp 1581505/SC (Quar ta Turma. DJe 28/09/2016):
DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RESCISÃO CONTRATUAL. REINTEGRAÇÃO NA POSSE. INDENI- ZAÇÃO. CUMPRIMENTO PARCIAL DO CONTRATO. INADIMPLEMENTO. RELEVÂNCIA. TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL. INAPLICABILIDADE NA ESPÉCIE. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. O uso do instituto da substancial performance não pode ser estimulado a ponto de inverter a ordem ló- gico-jurídica que assen ta o integral e regular cumpri- mento do contrato como meio esperado de extinção das obrigações.
2. Ressalvada a hipótese de evidente relevância do descumprimento contratual, o julgamento sobre a aplicação da chamada “Teoria do Adimplemento Subs- tancial ” não se prende ao exclusivo exame do critério quantitativo, devendo ser considerados outros ele- mentos que envolvem a contratação, em exame qua- li tativo que, ademais, não pode descurar dos interes- ses do credor, sob pena de afetar o equilíbrio contratual e inviabilizar a manutenção do negócio.
3. A aplicação da Teoria do Adimplemento Substanci- al exigiria, para a hipótese, o preenchimento dos seguintes requisitos: a) a existência de expectativas
legítimas geradas pelo comportamento das partes;
b) o pagamento faltante há de ser ínfimo em se con- siderando o total do negócio; c) deve ser possível a conservação da eficácia do negócio sem prejuízo ao direito do credor de pleitear a quantia devida pelos meios ordinários (critérios adotados no Resp. 76.362/ MT, QUARTA TURMA, j. Em 11/12/1995, DJ 01/04/1996, p. 9917).
4. No caso concreto, é incontroverso que a devedora inadimpliu com parcela relevante da contratação, o que inviabiliza a aplicação da referida doutrina, inde- pendentemente da análise dos demais elementos contratuais.
5. Recurso especial não provido.
Cabe registrar, também, que o STJ não tem admitido a apli- cação da teoria do adimplemento significativo quando a si tua- ção fática é relacionada à alienação fiduciária, regida pelo De- creto-Lei 911/69. Vejamos o entendimento esposado pela 2ª Se- ção, no. REsp 1.622.555- MG, Xxxxx or M inist ro Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx, julgado em 22/2/2017:
1. A incidência subsidiária do Código Civil, notadamente as normas gerais, em relação à propriedade/ t i tularidade fiduciária sobre bens que não sejam mó- veis infungíveis, regulada por leis especiais, é excepci- onal, somente se afigurando possível no caso em que o regramento específico apresentar lacunas e a solu- ção ofertada pela “ lei geral ” não se contrapuser às especificidades do instituto regulado pela lei especial (Art. 1.368-A, introduzido pela Lei nº 10931/2004).
1.1 Além de o Decreto-Lei nº 911/1969 não tecer qual- quer restrição à utilização da ação de busca e apreen- são em razão da extensão da mora ou da proporção do inadimplemento, é expresso em exigir a quitação integral do débito como condição imprescindível para que o bem alienado f iduciariamen t e seja remancipado. Em seus termos, para que o bem possa ser restituído ao devedor, livre de ônus, não basta que ele quite quase toda a dívida; é insuficiente que pague substancialmente o débito; é necessário, para esse efeito, que quite integralmente a dívida pen- dente.
2. Afigura-se, pois, de todo incongruente inviabilizar a utilização da ação de busca e apreensão na hipóte- se em que o inadimplemento revela-se incontroverso
— desimportando sua extensão, se de pouca monta ou se de expressão considerável —, quando a lei es- pecial de regência expressamen te condiciona a pos- sibilidade de o bem f icar com o devedor fiduciário ao pagamento da integralidade da dívida pendente. Compreensão diversa desborda, a um só tempo, do
diploma legal exclusivamente aplicável à questão em análise (Decreto-Lei nº 911/1969), e, por via t rans- versa, da própria orientação firmada pela Segunda Seção, por ocasião do julgamento do citado Resp nº 1.418.593/MS, representativo da controvérsia, se- gundo a qual a restituição do bem ao devedor fidu- ciante é condicionada ao pagamento, no prazo de cinco dias contados da execução da liminar de busca e apreensão, da integralidade da dívida pendente, assim compreendida como as parcelas vencidas e não pagas, as parcelas xxxxxxxxx e os encargos, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial.
3. Impor-se ao credor a preterição da ação de busca e apreensão (prevista em lei, segundo a garan t ia fiduciária a ele conferida) por outra via judicial, evi- den t emen t e menos e f icaz, deno t a absolu t o descompasso com o sistema processual. Inadequado, pois, extinguir ou obstar a medida de busca e apreen- são corretamente ajuizada, para que o credor, sem poder se valer de garantia fiduciária dada (a qual, diante do inadimplemento, conferia-lhe, na verdade, a condição de proprietário do bem), intente ação exe- cutiva ou de cobrança, para só então adentrar no patrimônio do devedor, por meio de constrição judici- al que poderá, quem sabe (respeitada o ordem legal), recair sobre esse mesmo bem (naturalmente, se o devedor, até lá, não t iver dele se desfeito).
4. A teoria do adimplemento substancial tem por ob-
jetivo precípuo impedir que o credor resolva a rela- ção contratual em razão de inadimplemento de ínfi- ma parcela da obrigação. A via judicial para esse fim é a ação de resolução contratual. Diversamente, o credor fiduciário, quando promove ação de busca e apreensão, de modo algum pretende extinguir a re- lação contratual. Vale-se da ação de busca e apreen- são com o propósito imediato de dar cumprimento aos termos do contrato, na medida em que se utiliza da garantia fiduciária ajustada para compelir o deve- dor fiduciante a dar cumprimento às obrigações faltantes, assumidas contratualmente (e agora, por ele, reputadas ínfimas). A consolidação da proprieda- de fiduciária nas mãos do credor apresenta-se como consequência da renitência do devedor fiduciante de honrar seu dever contratual, e não como objetivo imediato da ação. E, note-se que, mesmo nesse caso, a extinção do contrato dá-se pelo cumprimento da obrigação, ainda que de modo compulsório, por meio da garantia fiduciária ajustada.
4.1 É questionável, se não inadequado, supor que a
boa- fé con t rat ual estaria ao lado de devedor fiduciante que deixa de pagar uma ou até algumas parcelas por ele reputadas ínfimas — mas certamen- te de expressão considerável, na ótica do credor, que
já cumpriu integralmente a sua obrigação —, e, insta- do extra e judicialmente para honrar o seu dever contratual, deixa de fazê-lo, a despeito de ter a mais absoluta ciência dos gravosos consectários legais advindos da propriedade fiduciária. A aplicação da teoria do adimplemento substancial, para obstar a utilização da ação de busca e apreensão, nesse con- texto, é um incentivo ao inadimplemento das últimas parcelas contratuais, com o nítido propósito de desestimular o credor - numa avaliação de custo-be- nefício - de satisfazer seu crédito por outras vias judi- ciais, menos eficazes, o que, a toda evidência, aparta- se da boa-fé contratual propugnada.
4.2. A propriedade fiduciária, concebida pelo legislador justamente para conferir segurança jurídica às conces- sões de crédito, essencial ao desenvolvimento da eco- nomia nacional, resta comprometida pela aplicação de-
turpada da teoria do adimplemento substancial.
5. Recurso Especial provido.
É observável, portanto, que não é toda e qualquer obriga- ção ou contrato substancialmente cumprido que irá se servir da teoria da substantial performance , pois, a depender do tipo de dívida, como é o caso anteriormente exposto, envolvendo a ali- enação fiduciária de bens, que, por expressa disposição do De- creto-Lei 911/69, é autorizada a ação de busca e apreensão. Nesse caso, milita a favor do credor fiduciário entendimento de que o devedor inadimplen te não pode se valer da teoria do adim- plemento substancial para tentar se esquivar da ação de busca e apreensão.
Xxxxxxx-se também o entendimento do TJDFT sobre o tema no Acórdão nº 1078964, de relatoria do Desembargador Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx, da 4ª Turma Cível, (data de julgamento: 7/2/ 2018):
Todavia, a teoria do inadimplemento mínimo ou do adimplemento substancial (substancial performance) só pode ser aplicada nas hipóteses em que o devedor descumpre parte mínima ou insignificante do acervo obrigacional.
Em se t ratando de alienação fiduciária em garantia, como na espécie, não parece apropriado reconhecer que o pagamento de aproximadamente 58,33% da dívida possa ser reputado adimplemento substancial, com a devida vênia.
O inadimplemento de quase a metade do débito tem impacto expressivo no equilíbrio contratual e não pode inibir a excussão da garantia do empréstimo por meio da busca e apreensão do veículo alienado fiduciariamente.
É de se ter presente que a incidência da cláusula resolutiva expressa, com a consequente possibilidade de o credor se investir na posse direta do bem que lhe pertence, constitui mecanismo de fortalecimento do crédito e de preservação da higidez do sistema finan- ceiro como um todo.
Toda a engenharia econômica e jurídica dos contratos de alienação fiduciária está lastreada na garantia pro- porcionada pela preservação da propriedade fiduciária do veículo, que pode ser recuperado em caso de inadimplência mediante a ação de busca e apreensão disciplinada pelo Decreto-Lei 911/69.
O sistema jurídico delineado no Decreto-Lei 911/69, voltado à estimulação da concessão de crédito para a aquisição de veículos automotores, seria seriamente atingido caso fosse juridicamente viável admitir que o pagamento de parte expressiva do financiamento simplesmente desconstituiria a propriedade fiduciária que a norma atribui ao credor fiduciário, privando-o do acesso aos mecanismos prontos e efetivos para a recuperação do capital despendido.
Depreende-se que, no caso ci tado anteriormente, além da avaliação quantitativa do adimplemento, que não foi deveras significativa, eis que atingiu pouco mais da metade da dívida, t ambém prevaleceu o en t endimen t o de que, na alienação fiduciária, é admissível a busca e apreensão do bem do devedor inadimplen t e. Em t ais operações bancárias, com alienação fiduciária, é dada ao credor uma ferramenta célere e efetiva para recuperar o capital despendido, a busca e apreensão do bem, sendo descabida a ut ilização da substantial performance para privilegiar o devedor em detrimento do credor.
Tal en tendimen t o dos Tribunais não impede que, em um caso com grande adimplência, por hipótese restando apenas uma parcela não paga, seja admitida, excepcionalmente, a aplicação da teoria da substantial performance , pois se apenas uma parce- la não foi adimplida, seria desproporcional e irrazoável valer-se de uma ferramenta muito agressiva, apesar de eficiente, a busca e apreensão, para cobrar um valor pequeno. Nessa situação, re- pita-se, excepcional, caberia cogitar medidas menos gravosas, com apoio na teoria em análise, tais como uma ação de cobran- ça judicial. Nessa esteira, foi como entendeu o TJDFT, no Acórdão nº 1052792, de relatoria da Xxxxxxxxxxxxxx Xxxxx Xxxxx, da 5ª Turma Cível (data de julgamento: 20/9/2017), em um caso com grande pagamento da obrigação:
Aplicabilidade da teoria do adimplemento substan- cial aos contratos garantidos por alienação fiduciá-
ria – pagamento de 90% ou mais das parcelas pac- tuadas
1. Para a aplicação da Teoria do Adimplemento Subs- tancial é necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: a) a existência de expectativas legítimas geradas pelo comportamento das partes; b) o paga- mento faltante há de ser ínfimo em se considerando o total do negócio; c) deve ser possível a conservação da eficácia do negócio sem prejuízo ao direito do cre- dor de pleitear a quantia devida pelos meios ordiná- rios.
2. Só é crível f alar em boa- f é, coerência e razoabilidade entre os contratantes, para o fim de ser aplicada a teoria do adimplemento substancial, em sede de contratos de alienação fiduciária de veí- culo, no caso de haver o adimplemento de 90% (no- venta por cento) ou mais das parcelas pactuadas.
Não obstante essa decisão judicial definir um percentual de adimplência aceitável, apesar de salutar, ressal ta-se que não há um limite específico de adimplemento, um percentual f ixo, eis que depende das circunstâncias e peculiaridades do caso con- creto. Outrossim, a jurisprudência do STJ, além da hipótese de dívida em operação de crédi t o com alienação f iduciária, nem sempre admi t e de modo pací f ico a aplicação da t eoria da substantial performance . Em pensão alimentícia, por exemplo, em um caso que o devedor adimpliu noventa e cinco por cento da sua obrigação, foi afastada a teoria do adimplemento subs- tancial da dívida e denegada a ordem de habeas corpus ao ar- gumen t o de que “ a sub t ração de pequeno percen t ual pode mesmo ser insignificante para um, mas possivelmen te não para outro mais necessi tado ” . (HC 439.973, 4ª Turma do STJ, Relator para o Acórdão Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, julgamento em: 16/08/ 2018.)
É oportuno, também, citar outro princípio que se relaciona ao ora em estudo: Duty to mitigate the loss. Tal princípio diz que é um dever do credor mitigar suas perdas. Assim, por exem- plo, se o devedor já adimpliu boa parte do seu débito, e os en- cargos incidentes no saldo devedor (multas, juros, etc.) estive- rem inviabilizando o seu adimplemento, cabe ao credor reduzi- lo no intuito de minorar suas eventuais e possíveis perdas. Nesse sentido, o enunciado 169 da jornada de Direito Civil dispõe: O princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agra- vamento do próprio prejuízo.
Há de se ressaltar, por derradeiro, que a aplicação desse ins- t i tuto vai ao encontro do princípio da preservação das relações contratuais, pois o mero inadimplemento mínimo não deve ge-
rar a ruptura do vínculo negocial. Nesse sentido e de forma bas- tante pertinente, a jurista Xxxxx (2007, p. 3), t ratando sobre a teoria em comen t o, realça a sua “ impor xxxxxx para o direi t o contratual, já que possibili ta a preservação da relação negocial mesmo quando a legislação, tecnicamente, permitiria a sua re- solução ” .
Conclusão
Da exposição realizada, conclui-se que as relações jurídicas obrigacionais e contratuais nascem da vontade livre de agentes capazes, em busca de um objet o líci t o, con t raindo direi t os e obrigações. O t ranscurso normal da obrigação leva sua extinção pelo adimplemento. Essa é a regra esculpida no postulado do pact a sun t servanda e deve ser observada nas relações obrigacionais e contratuais entre as partes.
Entretanto, por eventos estranhos à relação, nem sempre é possível seu adimplemento integral, mas por vezes, também, gran- de par t e da avença f oi cumprida. Daí emerge a t eoria da substantial performance no in t ui t o de evi tar o rompimen t o abrupto da relação, buscando conservar o contrato e suas deri- vações, e com a finalidade também de resguardar o devedor que cumpriu boa parte da obrigação.
A sua ut ilização, a despeito de não existir uma disposição legal expressa, é realizada no seio jurisdicional, com apoio na doutrina e nos princípios gerais do Direito, em especial a função social do contrato e a boa-fé objetiva. A teoria do adimplemento substancial assemelha-se a uma cláusula geral, dando ampla possibilidade interpretativa para o juiz realizar o direito ao caso concreto definindo sua amplitude. Contudo, cabem ao magis- t rado comedimento e razoabilidade ao empregar tal instituto, pois, como visto, t rata-se de exceção à regra, e o uso arbitrário pode ocasionar insegurança jurídica, ou t ra pat ologia jurídica pior do que o próprio inadimplemento.
Em que pese, como dito, a sua não normatização expressa no ordenamen t o jurídico pát rio, é observável que a presen te teoria com ele é plenamente compatível e amplamente, confor- me expost o, u t ilizada na jurisprudência nacional, ressalvados alguns casos, tais como operações bancárias com alienação fiduciária e dívida de pensão alimentícia.
Nesse sentido, t ratando sobre a teoria do inadimplemento mínimo, a jurista Xxxxx (2007, p. 9) pondera:
Portanto, pode-se afirmar que a substancial perfor- mance é a prova da relativização do direito do credor
estipulado no art. 475 do Código Civil. Embora não esteja presente no Ordenamento Jurídico brasileiro como uma lei expressa, a jurisprudência se encarre- gou de consolidar esta teoria, podendo ela servir como um instrumento de defesa para a parte devedora sempre que esta tenha cumprido grande parte de suas obrigações e não queira ver sua pretensão frus- t rada sem uma real necessidade.
O que emerge de tudo que fora exposto é a necessidade de equilíbrio entre o desejo do credor em ter satisfeito o seu direito e o dever do devedor em honrar suas obrigações den t ro da razoabilidade e sem coações desnecessárias, quando o mesmo já adimpliu, de forma densa, boa parte da sua dívida.
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