PARECER DA DIVISÃO TÉCNICA DE CONTABILIDADE
PARECER DA DIVISÃO TÉCNICA DE CONTABILIDADE
O presente parecer tem a finalidade de analisar a legalidade de concessão de benefícios fiscais, conforme Projeto de Lei Substitutivo nº 4.037/2023, que autoriza o Município de Ponte Nova, a conceder incentivos fiscais à Porto Empreendimentos e Participações Ltda, CNPJ. 11.956.226/0001-87, com base na Lei Municipal nº 3.589/2011.
Nesse sentido, trazemos à colação textos do referido projeto de Lei:
ROJETO DE LEI SUBSTITUTIVO Nº 4.037/2023, que autoriza o município de Ponte Nova-MG, a conceder incentivos fiscais à Porto Empreendimentos e Participações Ltda., CNPJ nº 11.956.226/0001-87, com base na Lei Municipal nº 3.589/2011, e dá outras providências.
Art. 1º Fica o Município de Ponte Nova autorizado, conforme art. 2º da Lei Municipal nº 3.589, de 12/07/2011, a conceder isenção fiscal à Porto Empreendimentos e Participações Ltda, CNPJ nº 11.956.226/0001-87, nas seguintes condições:
I – isenção do pagamento do Imposto Predial e Territorial Urbano de todo o empreendimento, pelo prazo de até 20 (vinte) anos, a partir da concessão do “habite- se” parcial, para as unidades comerciais integrantes do empreendimento de construção civil situado na avenida Dr. Xxxx Xxxxxx, Guarapiranga, com área total prevista de 19.420,40 m2;
II – isenção de pagamento de Imposto de Serviços de Qualquer Natureza pelo prazo de até 20 (vinte) anos, a partir da concessão do habite-se parcial para os pavimentos
destinados a estacionamento (subsolo, pavimentos 3 e 4) no centro comercial referido na alínea “a” do inciso I deste artigo.
Outrossim, o referido Projeto de Lei, aduz no seu Anexo I, ESTIMATIVA DE IMPACTO ORÇAMENTÁRIO – FINANCEIRO, conforme abaixo:
A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF - Lei Complementar n. 101/00) inovou a gestão financeira da Administração Pública, introduzindo mecanismos de controle de gastos com pessoal, limites para o endividamento, restrições orçamentárias,
dentre outras políticas que incluem a criação de metas fiscais trienais para o controle de receitas e despesas, estipulando sanções para os entes que não instituíssem e arrecadassem todos os tributos de sua competência1.
Então, à luz do princípio do equilíbrio orçamentário, conferiu igual importância ao controle de despesa e à arrecadação, uma vez que “Isso faz com que o governante consiga sempre pagar suas despesas, sem comprometer o orçamento ou os orçamentos futuros”.2
A respeito, vale transcrever o art. 11, da LRF:
Art. 11. Constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação.
§ único. É vedada a realização de transferências voluntárias para o ente que não observe o disposto no “caput”, no que se refere aos impostos.
Tal dispositivo legal, por conseguinte, se afina ao princípio da indisponibilidade dos bens e dos interesses públicos da administração, como bem observado por Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx:
“A indisponibilidade dos interesses públicos significa que, sendo interesses qualificados como próprios da coletividade – internos ao setor público –, não se encontram à livre disposição de quem quer se seja, por impropriáveis. O próprio órgão administrativo que os representa não tem disponibilidade sobre eles, no sentido de que lhe incumbe apenas curá-los – o que também é um dever – na estrita conformidade do que predispuser a ‘intentio legis.”
1 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx de. Finanças Públicas, 4ª ed. Brasília: Vestcon, 2000. p. 88.
2 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx de. Finanças Públicas, 4ª ed. Brasília: Vestcon, 2000. p. 88
À vista de nosso ordenamento jurídico, portanto, muito embora tenha adquirido uma maturidade maior com a promulgação da LRF, a instituição, arrecadação e cobrança de tributos nunca esteve entregue à livre disposição do administrador, pois o cuidado com a coisa pública se trata de um poder-dever da Administração Pública.
Desta feita, é importante ressaltar que a renúncia dos ingressos financeiros
– receitas – da Administração Pública segue o mesmo entendimento. Razão pela qual os benefícios e os incentivos fiscais ganharam a atenção também da LRF, cujo art.14 assim determina:
Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:
I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;
II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.
§ 1o A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução
discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.
§ 2o Se o ato de concessão ou ampliação do incentivo ou benefício de que trata o caput deste artigo decorrer da condição contida no inciso II, o benefício só entrará em vigor quando implementadas as medidas referidas no mencionado inciso.
Confira-se, deste modo, que o art. 14, caput, da LRF, dispõe que os incentivos e benefícios fiscais concedidos pela Administração Pública – e que acarretam a renúncia de receita pelo ente tributante – devem atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias (LDO).
De outra sorte, quanto à LDO, a Constituição Federal, em seu art. 165, §2º, determina que contemple as alterações legislativas de ordem tributária, conforme se transcreve:
“Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: I - o plano plurianual;
II - as diretrizes orçamentárias; III - os orçamentos anuais.
(...) § 2o - A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subsequente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá́ sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento”.
Ademais, como os incentivos e benefícios fiscais devem ser concedidos mediante lei em sentido estrito, infere-se que tais políticas devem estar previstas na LDO. Então, a LRF deve atender ao disposto na LDO, que considerará, por conseguinte, as mudanças da legislação tributária para a sua composição.
Destarte, a consequência temporal aos incentivos e benefícios fiscais é que eles devem ser concedidos antes mesmo da elaboração da LDO, sob pena da renúncia de receita não se adequar à previsão da LRF.
Assim, consoante o art. 165, § 2º, da CF, e o art. 14, da LRF, a concessão de incentivos e benefícios tributários que impliquem renúncia de receita não serão admitidos após a LDO, uma vez que ela deve conter as alterações na legislação tributária.
Nesse sentido, é o posicionamento de Xxxxxx Xxxxxx:
“Outrossim, essa lei de diretrizes deve dispor sobre alterações na legislação tributária. Como essas alterações implicam o aumento, ou a diminuição da arrecadação tributária, que se refletirá na previsão de receitas a serem consignadas no orçamento anual, segue-se que as isenções e incentivos fiscais, em geral, só́ poderão ser concedidos antes do advento dessa lei de diretrizes. Convém deixar esclarecido, por oportuno, que, de qualquer forma, a isenção, como corolário da tributação, deve obedecer ao princípio da anualidade tributária. Ademais, se a lei isentiva entrasse em vigor no curso do exercício financeiro em execução, provocaria situação de desequilíbrio orçamentário”3.
Por tudo isso, a concessão de incentivos e benefícios fiscais não é possível após a LDO, por força do art. 165, §2º, da CF, e do caput do art. 14, da LRF. E com relação à Lei Orçamentaria propriamente, eventual concessão deve estar nela prevista.
3 XXXXXX, Xxxxxx. Direito Financeiro e Tributário, 15ª ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 103.
A preocupação do Estado com a arrecadação (receita pública), como anteriormente ressaltado, resultou na expressa previsão na LRF, em seu art. 11, dos requisitos essenciais de responsabilidade na gestão fiscal. Isto é, instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos que, por força constitucional, competirem a determinado ente da Federação. Vedando, desde logo, quaisquer transferências voluntárias para entes que não observem os parâmetros da LRF. Sobre a questão e sua relação com o princípio da legalidade, inerente à Administração Pública, Xxxxxxx Xxxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx com clareza expõem:
“O disposto nada mais é do que derivação lógica do princípio da legalidade, já que os tributos estão previstos em lei e o administrador público tem o dever de cumprir os seus mandamentos. Deixando de instruir, prever e arrecadar os tributos, será nítido o descumprimento da lei. Em razão disto, é extremamente condenável a política de alguns Municípios que, por já possuírem a arrecadação que entendem suficiente, deixam de editar as leis necessárias à instituição de algum tributo previsto no texto constitucional como sendo de sua competência, o que normalmente se dá com o imposto sobre a propriedade territorial urbana.4”
Destarte, quanto aos casos de incidência limitada da norma para fins da LRF, somente configuram renúncia de receitas as isenções quando não gerais, as modificações da alíquota ou base de cálculo de tributos se implicarem numa redução discriminada, ou os demais benefícios fiscais que resultarem em um tratamento diferenciado do contribuinte. Tudo aquilo que sair do âmbito dessas hipóteses, não é considerado renúncia de receitas à luz da LRF.
Isso posto, confira-se que a lei impõe a elaboração de um relatório de impacto orçamentário-financeiro como condição formal obrigatória, além de exigir duas condições materiais alternativas.
A primeira delas, disposta no art. 14, I, da LRF, requer a demonstração de previsão da renúncia na estima de receita da lei orçamentária, em conformidade com o art. 12, e que tal exclusão não afete as metas de resultados fiscais. Porém, quanto a
4 XXXXXX, Xxxxxxx; XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Improbidade Administrativa, 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 566.
esta condição, cabe a ressalva de que as empresas e pessoas que não foram contabilizadas no cálculo da receita corrente líquida, pois se sujeitaram à tributação somente após a fase de planejamento, não estão sujeitas a esta exigência5.
A segunda, por sua vez, com previsão no inciso II do mesmo art. 14, da LRF, estabelece como condição à renúncia de receita estar acompanhada de medidas de compensação, como a elevação de alíquota, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de novos tributos, de acordo com o princípio da anterioridade.
Neste particular, merece nota que as medidas de compensação não serão obrigatórias em todos os casos, confira-se a esclarecedora e adequada lição de Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx:
“As medidas de compensação não são obrigatórias sempre, mas somente naqueles casos em que não houve planejamento prévio, em que não se retirou do cálculo da receita corrente líquida o valor renunciado, em que não se previu antecipadamente (no orçamento) a concessão do benefício tributário.
Tais medidas de compensação estão sujeitas ao princípio da anterioridade, logo, a lei (tributária) que as institui deve ser publicada (deve ter vigência) no ano anterior ao de sua eficácia.
Sempre é bom lembrar que a renúncia somente acontece quando a receita era esperada, estimada ou prevista, posto que as despesas foram fixadas com base naquele montante. Se, no entanto, a receita não foi computada, não era esperada, não foi estimada, de renúncia não se trata, não se aplicando a norma do art. 14, xxxxx somente para o relatório de impacto, já exigido pela Carta Constitucional (art. 165, parágrafo 6º, da CF).
Essa é, segundo pensamos, a única interpretação que se coaduna com a ideia de equilíbrio das contas públicas, objetivo da norma contida no art. 14 da LRF6.
5 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx. Renúncia de Receitas e a Lei de Responsabilidade Fiscal. in A&C Revista de Direito Administrativo e Constitucional, Belo Horizonte, ano 4, n. 18, p. 74, out./dez. 2004.
6 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx. Renúncia de Receitas e a Lei de Responsabilidade Fiscal. in A&C Revista de Direito Administrativo e Constitucional, Belo Horizonte, ano 4, n. 18, p. 74-75, out./dez. 2004.
Portanto, nesse sentido o presente Projeto de Lei deverá sofrer emenda/alteração/supressão, considerando que o mesmo, no Anexo I, ESTIMATIVA DE IMPACTO ORÇAMENTÁRIO – FINANCEIRO, apresenta a
seguinte justificativa:
“ No caso aplica-se a condição prevista no inciso I do Art.14, em vista de que a estimativa de receita orçamentária para 2024, não incluiu a expectativa de geração de IPTU nem de ISS, advindos do empreendimento, nos termos da Lei Orçamentária para 2024, aprovada nessa casa, compativelmente com o PPA e a LDO também aprovados, não afetando assim, as metas e resultados fiscais previstas na LDO”.
Assim, ante ao exposto, sempre é bom lembrar que a renúncia somente acontece quando a receita era esperada, estimada ou prevista, posto que as despesas foram fixadas com base naquele montante. Se, no entanto, a receita não foi computada, não era esperada, não foi estimada, de renúncia não se trata, não se aplicando a norma do art. 14, xxxxx somente para o relatório de impacto, já exigido pela Carta Constitucional (art. 165, parágrafo 6º, da CF).
Nesse sentido, manifestamos pela adequação do projeto, a fim de que possa atender ao Princípio Constitucional da Estrita Legalidade.
É o que nos parece s.m.j.
Ponte Nova, 11 de março de 2024.
Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx