Processo nº 75/97 Contrato de arrendamento
Processo nº 75/97 Contrato de arrendamento
Omissão sobre os fins do arrendamento; causas da extinção do contrato de arrendamento
Sumário:
1. Quando não resulta do contrato o fim a que o arrendamento de prédio urbano se destina, o inquilino só pode utilizá-lo para habitação, admitindo-se, contudo, o exercício de uma indústria doméstica, de acordo com o disposto pelo nº 2 do artigo 1086º, conjugado com o nº 1, do artigo 1108º do Código Civil,
2. O incumprimento das obrigações de inquilino determinam a extinção do contrato, nos termos do preceituado pelos artigos 13º, alíneas b) e g) e 19º, nº 4, alíneas c) e e) da Lei nº 8/79, de 03 de Julho.
ACÓRDÃO
Acordam, em Conferência, no Tribunal Supremo:
No Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, a Administração do Parque Imobiliário do Estado - APIE, representado pelo respectivo Director, intentou contra INTERFACE, situada na Xxx xx Xxx, xx 00/X/X-0 xx xxxxxx xx Xxxxxx, acção declarativa e de condenação, pedindo a extinção do contrato de arrendamento e consequente despejo, com base nos termos e com os fundamentos seguintes (fls. 2):
- a autora celebrou com a ré um contrato de arrendamento do imóvel situado na Xxx xx Xxx, xx 0/X/x-0, registado sob nº 009002/94, mediante o pagamento da renda mensal de 3.990,00Mt da antiga família;
- sem o conhecimento, nem consentimento da autora, a ré deixou de ocupar o imóvel, passando a habitar nele o senhor Xxxxx Xxxxx X. Xxxxxxx que não é trabalhador ao seu serviço;
- a ocupação do imóvel pelo senhor Xxxxx Xxxxx X. Xxxxxxx é ilegal, nos termos da alínea k), do artigo 3º, da Lei nº 8/79, de 03 de Julho, e constitui causa para extinção do contrato celebrado com a ré.
Pelos factos e fundamentos expostos, requer que, julgando-se provada a acção e procedente o pedido, se declare a extinção do contrato celebrado e a consequente entrega do imóvel.
Juntou documentos de fls. 4 a 8.
Citada na pessoa de Xxxxx Xxxxx X. Xxxxxxx, fls. 10v°, a ré deduziu oposição, impugnando a acção nos seguintes termos:
• Xxxxx abandonou o imóvel que ocupa pessoalmente e mantém interesse em continuar a habitá-lo, uma vez que lhe foi indeferido o pedido de transferência de titularidade do contrato de arrendamento a favor do Senhor Xxxxx Xxxxx X. Xxxxxxx, o qual já não se encontra ao seu serviço;
• o referido Xxxxx Xxxxx X. Xxxxxxx, enquanto trabalhou ao seu serviço, apenas frequentava o imóvel esporadicamente, mas nunca chegou a habitar nele efectivamente.
Conclui por considerar que a acção deve ser julgada improcedente, por infundada, e que a autora deve ser condenada por litigância de má fé.
Não juntou documentos;
Foi elaborado despacho saneador em que se mostra organizada a especificação e fixado o questionário.
Na especificação o tribunal da causa considerou que:
a) ʺA e R celebraram o contrato nº 009002/94, referente ao imóvel sito na Rua do Sol nº 89 R/C-2 com a renda mensal de 2.600,00Mt a qual foi actualizada para 3.990,00Mt e
b) b) “R. sem conhecimento nem consentimento da A, deixou a flat com o senhor Xxxxx
Xxxxx X. Xxxxxxx, que nem é trabalhador da referida Empresa, em situação irregular”.
E no questionário considerou como matéria a ser objecto de prova, se ʺR abandonou o apartamento por um largo período de tempo ʺ e ainda se ʺ R não comunicou a entidade locadora o seu desejo de transferência para outro local.ʺ
Não houve reclamações das partes que, notificadas, apresentaram, no prazo legal, as respectivas testemunhas.
Posteriormente, teve lugar a audiência de discussão e julgamento com intervenção das partes e de uma das testemunhas apresentadas pela autora (fls. 32 a 34).
Seguidamente, foi proferido o acórdão que considerou como não provado que a R abandonou o imóvel arrendado por um largo período de tempo e que a mesma R não comunicou à entidade locadora o seu desejo de transferência para outro local.
No seguimento dos autos, foi proferida a sentença de fls. 36v° e 37, na qual, com base nos factos dados como provados, o Meritíssimo Juiz da causa concluiu no sentido de que a ocupação ilegal do imóvel se verifica quando não existe contrato firmado entre a entidade locadora e o respectivo ocupante, constituindo tal facto causa para extinção do contrato de arrendamento e, nessa conformidade, julgou procedente a acção e condenou a ré no pedido.
Inconformada com a decisão assim tomada na primeira instância, a ré interpôs tempestivamente recurso, o qual foi admitido como sendo de apelação, a subir nos próprios autos, com efeito suspensivo (fls. 4).
Nas suas alegações, fls. 44 a 47, a apelante veio dizer, no essencial, o seguinte:
- que a sentença em recurso mostra-se tendencialmente parcial e sem fundamento;
- que o colectivo de juízes acordou, por unanimidade e ante a prova testemunhal produzida, em considerar como não provada toda a matéria do questionário;
- que a apelante ocupa efectivamente o imóvel e tem as rendas em dia, não se verificando o alegado abandono do mesmo;
- que o expediente relativo ao pedido de transferência da titularidade do contrato de arrendamento do imóvel afasta o argumento da apelada de que esta não teve conhecimento, nem deu consentimento à ocupação do apartamento por terceiros.
Concluiu requerendo a revogação da sentença recorrida.
Notificada da interposição do recurso, fls. 84, a apelada não deduziu contra-alegações.
No seu visto (fls. 89v°), o Excelentíssimo representante do Ministério Público nesta instância considerou que:
ʺO R. ora Recorrente, é litigante de má fé, ao abrigo do artigo 456º, nº 2 do C. de Processo Civil, porquanto deduz oposição cuja falta de fundamento não ignora. A sublocação de imóveis arrendados é proibida por lei (art.º 14º, Lei nº 8/79 de 03 de Julho) assim como é proibida a transmissão de contrato de arrendamento para habitação a pessoas diferentes do cônjuge e que não sejam membros do agregado familiar inscritos no contrato (art.º 5º, nº 2 – Lei nº 8/79 de 03 de Julho).
A prática de qualquer destes actos é causa de extinção do contrato de arrendamento (art.º 19º, nº 4, e) da Lei 8/79, de 03 de Julho. Procede a douta sentença … por proceder ao correcto enquadramento jurídico das questões sub júdice…ʺ
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
No presente recurso a apelante ataca a decisão proferida na primeira instância, por considerar que, tendo sido dada como não provada a matéria do questionário, face à prova documental e por testemunhas, não se justifica a sua condenação pelos fundamentos constantes na sentença.
Alega ainda a apelante que é o director geral da empresa quem ocupa efectivamente o imóvel e cumpre pontualmente a sua obrigação de pagar a renda acordada.
Verifica-se, entretanto, a fls. 4, que o imóvel se destina, pelas suas características, à habitação e foi arrendado à INTERFACE, uma sociedade comercial, domiciliada na Rua do Sol nº 89 – R/C-2, mediante contrato datado de 10 de Maio de 1994, nele não se especificando as actividades ali desenvolvidas.
De acordo com o disposto pelo artigo 1086º, conjugado com o artigo 1108º do Código Civil, quando não resulta do contrato de arrendamento de prédio urbano o fim a que ele se destina, o inquilino só pode utilizá-lo para habitação, admitindo-se, contudo, o exercício de uma indústria doméstica, o que não parece ser o caso da ré nos autos.
Por outro lado, prova-se no processo, fls. 6, 7 e 8, que a 07 de Novembro de 1994 a ré pretendeu que a autora autorizasse a transmissão do contrato de arrendamento do imóvel para outra entidade, a GLOBTEC, representada por Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx e, a 15 de Fevereiro de 1995 requereu que a mesma transmissão fosse autorizada a favor de Xxxxx Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, trabalhador ao seu serviço e residente no mesmo endereço da empresa locatária, a INTERFACE, pretensões estas que foram rejeitadas por não terem cobertura legal, ou seja, por ser proibida por lei a requerida transmissão do contrato.
Na sua contestação de fls. 11, a apelante confessou o facto de que ʺdeixou a flat com o senhor Xxxxx Xxxxx X. Xxxxxxx, que nem é trabalhador da referida empresa, em situação irregularʺ - artigo 2 da petição inicial, ao deixar escrito que a “A única verdade é o que vem contido nos artigos 1 e 2 da petição inicial…ʺ, facto este que se prova nos autos, através da certidão de citação, fls. 10v°, e que se mostra assinada pelo referido Xxxxx Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx, no acto identificado como inquilino do imóvel arrendado à ré, e ainda pelo depoimento do Inspector da autora, o senhor Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx na audiência de julgamento (fls. 32).
Assim, tendo presentes os dados disponíveis no processo e considerados como provados pelo tribunal a quo, não restam dúvidas de que efectivamente, se verifica, no caso, uma violação de disposições que regem o arrendamento de imóveis, o que conduz a extinção do contrato, nos termos do preceituado pelos artigos 13º, alíneas b) e g) e 19º, nº 4, alíneas c) e
e) da Lei nº 8/79, de 03 de Julho.
Nesta base, e de acordo com o parecer emitido pelo Exmo. Representante do Ministério Público nesta instância, que não procedem os fundamentos aduzidos pela apelante, com vista à alteração da decisão proferida pelo tribunal da causa.
Termos em que, por todo exposto, negam provimento ao recurso interposto, por improcedência dos seus fundamentos, e confirmam, para todos os efeitos legais, a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Maputo, aos 23 de Setembro de 2009
Ass.) Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx e Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxxxx