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DEPARTAMENTO DE DIREITO
A VALIDADE DO CONTRATO DE XXXXXX E SEUS EFEITOS
por
Xxxxxx Xxxxx Xxxxx
ORIENTADOR(A): Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx
2022.1
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO XXX XXXXXXX XX XXX XXXXXXX, 000 - XXX 00000-000
XXX XX XXXXXXX - XXXXXX
A VALIDADE DO CONTRATO DE XXXXXX E SEUS EFEITOS
por
Xxxxxx Xxxxx Xxxxx
Monografia apresentada ao Departamento de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) para a obtenção do Título de Bacharel em Direito.
Orientador(a): Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx
2022.1
Ao longo das últimas décadas as relações afetivas entre as pessoas vêm sofrendo uma alteração brutal, pois nos dias atuais muitas pessoas vivem em relacionamentos que apesar de serem intensos, não geram um grande apego emocional, o que faz com que um eventual término deles, não traga muitos efeitos emocionais. Somado a isso, vimos cada vez mais o princípio da autonomia da vontade ganhar força, o que fez com que surgisse uma nova espécie contratual conhecida como contrato de namoro, que busca justamente demonstrar que apesar do relacionamento daquelas pessoas se assemelhar muito com uma união estável, não há o intuito de constituir família. Porém, esse contrato ainda é bastante questionado pela doutrina quanto à sua validade, já que ele é entendido por muitos como uma espécie de tentativa de fraude à legislação que trata da união estável. Essa discussão é justamente o objetivo deste presente trabalho monográfico, que pretende trazer à tona tanto os argumentos contrários, como os favoráveis à validade do contrato de namoro e se ele pode ou não ter algum efeito jurídico no mundo real.
Palavras-chaves: Contrato de namoro; União estável; Validade; Autonomia Privada; Ordem pública; Manifestação de vontade.
Over the last decades, affective relationships between people have undergone a brutal change, because nowadays many people live in relationships that, despite being intense, do not generate a great emotional attachment, which means that an eventual end of it, not bring many emotional effects. Added to this, we see more and more the principle of autonomy of will gaining strength, which gave rise to a new contractual type known as dating contract, which seeks precisely to demonstrate that despite the relationship of those people being very similar to a stable union, there is no intention of starting a family. However, this contract is still quite questioned by the doctrine regarding its validity, since it is understood by many as a kind of attempt to fraud the legislation that deals with the stable union. This discussion is precisely the objective of this monographic work that intends to bring to light both the contrary and favorable arguments to the validity of the dating contract and whether or not it can have any legal effect in the real world.
Keywords: Dating contract; Stable union; Validity; Private Autonomy; Public order; Manifestation of will.
Agradeço aos meus pais Xxxxx e Xxxxx, por todo o incentivo, que me fez escolher essa carreira e me mantar firme nela.
Aos meus amigos, pelos incentivos e pelos bons momentos juntos.
Por fim aos meus professores, por todos os ensinamentos, em especial ao meu orientador professor Xxxxx Xxxxxxx, por todo o auxílio e ajuda na confecção desse trabalho monográfico.
Muito Obrigado!
Sumário
1.1 Relacionamentos Afetivos e Modernidade Líquida 11
1.2 Pluralidade de Entidades Familiares 15
2. DIFERENÇAS ENTRE NAMORO E UNIÃO ESTÁVEL 27
2.1.1 Requisitos para o reconhecimento de uma união estável 27
2.1.2 Contrato de Convivência 32
3. (IN)VALIDADE DO CONTRATO DE NAMORO 45
3.2 Direito de Família Mínimo 49
3.3 Ausência de Vedação Legal vs Impossibilidade de se Afastar Temas de Ordem Pública 53
3.4 Discussão sobre Natureza Jurídica da União Estável 60
3.6 A experiência jurisprudencial e os contratos de namoro 72
CONCLUSÃO 76
REFERÊNCIAS 80
É inegável que nas últimas décadas o direito de família passou por uma transformação brutal, seja tanto no aspecto prático, na maneira que as pessoas lidam com suas questões sobre relacionamentos em seu foro mais íntimo, quanto no aspecto legal onde as legislações e as decisões judiciais, além de modificarem institutos tradicionais como o casamento, legitimaram outros que não eram reconhecidos, como é o caso da união estável.
Essa mudança fez com que surgissem novas discussões sobre temas que há pouco tempo atrás eram inimagináveis, entre elas está sem dúvida a diferenciação entre o namoro e a união estável, já que nos dias atuais, casais de namorados muitas vezes tem uma intimidade maior do que muitas pessoas casadas, de décadas anteriores.
A forma como as pessoas namoram se alterou profundamente, pois se hoje em dia namorados dormem na casa um do outro com bastante frequência, muitas vezes possuindo a famosa gaveta com suas roupas na casa do namorado(a), viajam juntos, vão juntos a diversos eventos, incluindo muitas vezes festas familiares mais íntimas como natal e aniversários dos pais, além manterem um relacionamento sexual ativo, no passado os namorados na maioria das vezes não tinham nem mesmo a privacidade de ficarem sozinhos, se encontrando em regra sob supervisão dos pais.
Logo, se antes era extremamente fácil e óbvio diferenciar pessoas casadas ou que viviam em união estável, de pessoas que estavam apenas namorando, hoje essa tarefa é bem mais complexa, exigindo uma análise mais cautelosa e cuidadosa da situação.
Essa análise fica ainda mais complicada devido à forma como a união estável é tratada no ordenamento jurídico brasileiro, não existindo critérios objetivos na lei para que sua caracterização seja efetivada. Fica, portanto, sempre a cargo do magistrado, analisar o caso concreto e ver se os requisitos, que em muitos casos são extremamente subjetivos, estão presentes, o que às vezes pode fazer com que um namoro atual possa ser confundido com uma
união estável. Foi devido a esse contexto que os casais começaram a buscar o contrato de namoro para delimitar o que sua relação é de fato.
O surgimento dessa nova espécie contratual, que não é prevista em lei, suscitou diversas polêmicas sobre se ela seria ou não válida, pois afinal é possível fazer um contrato que diga que uma relação não está acontecendo? Seria certo permitir que as pessoas pudessem dispor sobre esse tipo de situação? Qual o limite da autonomia privada no âmbito do direito de família?
Essas e outras perguntas me fizeram embarcar nesse tema e realizar uma análise sobre se o contrato de namoro é válido, ou seja, se ele possui algum efeito jurídico prático, análise essa que se tornou ainda mais relevante depois do início da pandemia de Covid 19, que fez com que casais de namorados que já eram próximos, se aproximassem ainda mais, ficando cada vez mais tempo juntos devido ao isolamento social, fazendo com essa nova especial contratual ganhasse ainda mais força.
Esse trabalho foi fruto de uma extensa pesquisa bibliográfica em manuais de direito de família e artigos jurídicos sobre o tema, que ainda é muito pouco explorado pela doutrina brasileira, havendo poucos que até o momento se propuseram a discutir o assunto, o que faz com haja também pouca jurisprudência sobre ele.
É válido dar o destaque à professora Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, que talvez seja a principal referência sobre o tema no país, tendo escrito a obra “Contrato de namoro: amor líquido e direito de família mínimo”, sendo esse o principal livro sobre o assunto. Mas, ainda é preciso que mais pessoas discutam o tema, e suscitar esse debate é o objetivo do presente trabalho monográfico.
O trabalho foi dividido em cinco partes, sendo a primeira a introdução sobre o tema que está sendo feita nesse tópico. Após isso será discutido todo o contexto histórico que levou as pessoas a buscarem firmar contratos de namoro, iniciando pela discussão de como os relacionamentos ao longo do tempo passaram a ser mais curtos, mais intensos e com pouco envolvimento entre as partes, fazendo com que o término de uma relação seja mais simples
e com menos danos psicológicos, sendo esse tipo de sentimento chamado de “amor líquido".
Será também abordado como o reconhecimento de uma pluralidade de entidades familiares fez com que fosse cada vez mais confuso distinguir qual tipo de relação alguém está vivendo. E por fim, será abordada como a pandemia acelerou ainda mais esse processo, já que namorados passaram a morar juntos não só para não ficaram muito tempo distantes um do outro, mas também como contenção de gastos.
No capítulo seguinte será abordada a diferença entre o namoro e a união estável, onde essas duas formas de se relacionar serão analisadas, com o objetivo de demonstrar todas as suas diferenças e semelhanças, começando com a união estável, falando incialmente sobre quais são os requisitos para que ela seja configurada e o porquê da relevância de cada um deles.
Também haverá uma abordagem sobre o contrato de convivência, que é o instrumento contratual no qual as pessoas reconhecem que estão vivendo em união estável e nele também podem regular alguns tópicos sobre a sua relação, como por exemplo modificar o regime de bens.
Após isso será a vez de analisar o namoro e mais especificamente o contrato de xxxxxx, sendo explicada a sua finalidade, que é oposta à do contrato de convivência, uma vez que busca demonstrar que o casal não reconhece a sua relação como união estável.
Por último será analisada a figura do namoro qualificado, que é a categoria criada pela jurisprudência do STJ para caracterizar aquele namoro que parece ser uma união estável, mas não é, sendo justamente as pessoas que estão nessa situação, as que geralmente buscam o contrato de namoro.
No quarto capítulo o tema principal desse trabalho monográfico será tratado, que é se esse contrato é ou não válido, com a análise se iniciando com os princípios contratuais que são levantados pelas correntes doutrinárias que discutem o tema, em especial os princípios da liberdade e da autonomia privada.
Logo depois, o tema do direito de família mínimo será abordado, discutindo os limites da atuação estatal no âmbito das relações familiares, em especial quando se trata dos relacionamentos afetivos. Após, haverá a discussão sobre se o contrato de namoro deveria ser permitido, já que não há nenhuma lei que proíba as pessoas de o celebrarem, ou se ele deveria ser proibido por ser contrário às normas de ordem pública do ordenamento jurídico brasileiro.
Ainda serão abordados os temas da natureza jurídica da união estável, onde será debatida a relevância da manifestação de vontade das pessoas no processo de reconhecimento da união estável, o que faz toda a diferença no processo de análise da validade do contrato de namoro, além de se discutir o tema da primazia da realidade e das diferentes visões das correntes favoráveis e contrárias ao contrato de namoro sobre tal princípio. Por último será apresentada uma análise sobre a curta jurisprudência a respeito do tema.
O trabalho será finalizado com a conclusão, que irá analisar todos os aspectos abordados e dar uma visão sobre se o contrato deve ou não ser válido, porém o mais importante de tudo, é chamar a atenção sobre a importância desse tema e tentar fomentar a discussão sobre ele, fazendo com que mais opiniões apareçam, para assim podermos ter uma definição mais clara sobre a (in)validade do contrato de namoro.
Para entendermos melhor a razão pela qual as pessoas passaram a recorrer ao contrato de namoro para regular suas relações privadas, primeiramente é preciso analisar todo o histórico de modificações que os relacionamentos interpessoais sofreram, em especial desde o século XX, onde ao mesmo tempo em que as pessoas passaram a ter uma maior liberdade para definir sobre o tipo de relacionamento que gostariam de ter, o que fez com surgissem outras formas de família que não fosse a formada pelo casamento entre um homem e uma mulher, como por exemplo a união estável, também pôde se observar que essas mesmas pessoas passaram a se apegar menos aos relacionamentos, sejam eles profissionais ou afetivos, fazendo com que o rompimento de uma relação se tornasse algo mais comum e causasse cada vez menos danos emocionais nas pessoas que participavam dessa relação desfeita.
Essas relações mais frágeis, ou mais líquidas conforme definição do sociólogo Xxxxxxx Xxxxxx0, fizeram com que as pessoas passassem a ter menos confiança nas demais por não considerarem que os relacionamentos que estavam vivendo fossem sólidos o suficiente, e isso fez com que muitos buscassem esse instrumento contratual, cuja a validade será debatida neste trabalho monográfico, para assegurar algum tipo de proteção ao seu patrimônio.
Sua utilização foi ainda mais aumentada com o isolamento social imposto pela pandemia da Covid-19, onde mais casais de namorados passaram a morar juntos, por diversos motivos que serão melhor abordados ao longo deste capítulo, ainda mais com a quebra de algumas formalidades, entre elas a necessidade de se ir presencialmente ao fórum, já que muitos estão disponibilizando esse serviço por videoconferência2.
1 XXXXXX, Xxxxxxx. Modernidade Líquida. Tradução: Xxxxxx Xxxxxxxx. RJ: Zahar, 2001.
2 Colégio Notarial do Brasil. Seção São Paulo. Disponível em:
<xxxxx://xxx.xxxxx.xxx.xx/?xxx_xxxxxxxxx0&xxx_xxxxxxxxxxxxxxx&xx_xxxxxxxx00000&xxx0000>. Acesso em: 04 jan. 2022.
Serão abordados neste capítulo os pontos principais que levaram ao surgimento do contrato de namoro e o seu crescimento recente.
1.1 Relacionamentos Afetivos e Modernidade Líquida
O conceito da Modernidade Líquida foi utilizado pela primeira vez pelo sociólogo polonês Xxxxxxx Xxxxxx, que buscou por meio dessa expressão, definir uma nova forma de como as relações entre as pessoas estavam se desenvolvendo na modernidade, onde as modificações são cada vez mais rápidas, ficando com isso cada vez mais difícil criar relações sólidas e com uma base firme, dado que a cultura do descartável está cada vez mais alastrada no meio social. Logo, a maioria dessas relações, sejam elas afetivas, de consumo, de trabalho, entre outras, estão sendo cada vez mais provisórias, mudando com grande rapidez para se adaptar a um novo gosto ou uma nova moda, quão rápido ela surja.
Não à toa, Xxxxxx escolheu o termo líquido para se referir a este momento histórico das relações sociais, pois como é bem explicado pela física, quando as coisas se encontram no estado líquido elas se adaptam à forma de qualquer recipiente em que sejam inseridas, o que é muito similar com o que vem ocorrendo na vida social, conforme muito bem explica Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx0:
A opção de Bauman pelo termo líquido se justifica pelas características próprias desse estado físico. Enquanto os sólidos possuem dimensões espaciais bem delineadas, sendo moldados com ânimo de definitividade, os líquidos são identificados pela fluidez, não conseguindo manter uma forma fixa por muito tempo e estando sempre predispostos a alterá-la. Uma substância líquida em última instância adquirirá o formato do recipiente em que estiver inserida. E é assim que o presente estágio da era moderna, explicitado pelo conceito axial de modernidade líquida, dá ensejo à “vida líquida”.
Tal conceito de liquidez também é explorado por Xxxxxx em outras obras como Vida Líquida4 e Amor Líquido5, onde ele busca demonstrar uma
3XAVIER, Xxxxxxx Xxxxxxx. Contrato de namoro: Amor Líquido e Direito de Família Mínimo. Belo Horizonte: Fórum, 2021, pp. 31-32.
4 XXXXXX, X. Vida líquida. Rio de Janeiro: Xxxxx Xxxxx Ed., 2009.
5 Id. Amor Líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Ed. Zahar, Rio de Janeiro, 2004.
forma de comportamento social no qual tudo é feito de forma mais rápida e menos profunda, ou seja, vivemos em uma sociedade líquida-moderna, que se caracteriza justamente por essa mutação constante dentro das relações sociais, como muito bem sintetiza Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx0:
Na sociedade líquido-moderna, viver significa adentrar em uma grande sucessão de reinícios, já que nada tende a ser duradouro, as rupturas rotineiras, tornam-se cada vez mais rápidas e indolores. As relações sociais viram sinônimos de relações frouxas, compromissos que são revogáveis a qualquer momento. Os relacionamentos amorosos, em especial são tomados por uma grande ambivalência inconciliável: o desejo de um vínculo forte, intenso, porém extinguível sem deixar qualquer vestígio (quando se queira).
Portanto, essa realidade atual faz com as pessoas mantenham o desejo por relacionamentos que tenham sentimentos fortes e intensos, mas ao mesmo tempo querem que eles sejam de fácil dissolução, tratando assim as relações sociais, em especial as amorosas, de forma comercial conforme bem diz Xxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxxx0: “Xxxxxxx são tratadas como produtos, e quando não satisfazem mais os seus desejos e expectativas podem ser descartadas ou trocadas por outra que seja considerada o melhor para elas”. Por isso existe um sentimento grande de desconfiança nas relações sociais8, e é justamente por conta desse comportamento consumista, que muitas pessoas presumem que todas relações sociais são frágeis, e devido a isso tem medo de serem enganadas.
Isso faz com que muitos acabem evitando relacionamentos mais longos como o casamento, exatamente por este, em regra, exigir um grande compromisso entre as partes para que se mantenha sólido e estável, sendo essa a única forma possível de se ter relacionamentos de longo prazo.
Esse tipo de esforço é algo que os muitos seres humanos da modernidade líquida não estão dispostos a despender, por conta das pessoas
6 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Contrato de namoro: Amor Líquido e Direito de Família Mínimo. Belo Horizonte: Fórum, 2021, p. 33
7 XXXXXXXXX, Xxxxxx xx Xxxxx. Amor Líquido e Modernidade Líquida: os relacionamentos na contemporaneidade. ENCENA. Disponível em:
<xxxxx://xxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx/xxxxxxxxxxxxx/xxxxxxx/xxxx-xxxxxxx-x-xxxxxxxxxxx-xxxxxxx- analises-de-bauman-sobre-os-relacionamentos-na-sociedade-contemporanea/>. Acesso em: 10 jan. 2022.
8XAVIER, Xxxxxxx Xxxxxxx. Op.cit., p. 51-54
dessa era se caracterizarem como um “homem sem vínculos”9, individualista, que pensa que essas formas de relacionamentos mais a longo prazo podem ser consideradas até mesmo uma forma de opressão, fazendo com que os momentos de satisfação demorem mais a ocorrer, como bem explica Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx:10
A valorização da satisfação instantânea tem como contrapartida o repúdio a tudo aquilo que exija esforços demorados. Por essa razão os compromissos são vistos na era líquida como focos de opressão, cujo engajamento produz uma situação de dependência degradante.
Então, movidos por esse sentimento, é que muitos homens e mulheres estão entrando nos seus relacionamentos com um nível de compromisso cada vez menor. Muitas vezes são relacionamentos apenas virtuais, uma vez que nessa forma de se relacionar, além de se minimizar o risco de um envolvimento muito forte, pois quem está tendo esse tipo de relação, em muitos casos nunca se viu pessoalmente, tendo geralmente contatos por mensagem e quando muito uma ou outra chamada de vídeo, também se facilita o término dessa relação, já que este pode ser feito com apenas alguns cliques, como muito bem ilustra Xxxxxx Xxxxx:11
Observa-se o crescente interesse e prioridade pelos relacionamentos em redes. Que podem ser tecidos e desfeitos com maior facilidade e frequentemente sem que isso envolva nada mais que um contato virtual, e perdemos, dessa forma, a capacidade de cultivar e manter laços por longo tempo.
Mas, esse tipo de relacionamento mais líquido também ocorre em casos de relacionamentos presenciais, onde as pessoas ficam na companhia uma da outra apenas em determinados horários, ou às vezes até vão morar juntas, mas sem nenhum objetivo de ter um compromisso mais forte, utilizando essa coabitação com um carácter meramente experimental, para
9 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Contrato de namoro: Amor Líquido e Direito de Família Mínimo. Belo Horizonte: Fórum, 2021, p. 33
10 Ibid, p. 56
11 XX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx de. Ampla defesa e efetividade da tutela jurisdicional na possibilidade de dispensa da caução exigida na execução provisória. Ambito Jurídico. Disponível em:
<xxxxx://xxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/xxxxxxx-000/x-xxxxxxxx-xxxxxxx-xx-xxxx-xxxxxxx/xxx/>. Acesso em: 12 jan. 2022.
assim poderem observar “se vai dar certo”, conforme muito bem explica Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx00:
Diante disso, a sociedade se abre para as chamadas “novas possibilidades românticas”. São esquemas de “comprometimento light que minimizam a exposição a riscos”. Trata-se de subterfúgio para lidar com a atual “compromissofobia” que vem se disseminando. Tais relações não admitem uma enumeração taxativa dada a priori, haja vista pluralidade admitida na construção de novas tipologias. De qualquer modo, um traço comum que pode ser identificado é a passagem do carácter sólido para o experimental.
E essa experiência muitas vezes acaba não dando certo, o que por consequência acaba gerando o término da relação, mas sem que isso cause qualquer grande abalo nas pessoas, dado que o término de relacionamentos amorosos é feito de forma tão natural, onde em alguns casos, familiares e amigos e até, em certas vezes, os próprios participantes do relacionamento, desde o início dessa relação já afirmavam expressamente que era um relacionamento que não iria durar muito, ou seja, ele já começa tendo “ um prazo determinado” de duração, como muito bem explica Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx00:
O rompimento das relações amorosas tem sido encarado como um acontecimento tão natural, corriqueiro, a ponto de se falar em banalização. Os laços são atados de maneira frouxa, de modo a facilitar a maneira como serão desfeitos, poupando os indivíduos de longas esperas. Desse modo, assiste-se hoje a um aumento cada vez mais expressivo de relacionamentos tidos como “natimortos, inadequados, inválidos ou inviáveis, nascidos com a marca do descarte iminente.
Após esta reflexão sobre a realidade atual, podemos concluir que Xxxxxx estava certo em suas análises, e este fenômeno do amor líquido por ele descrito, tomou ainda mais corpo com o passar do tempo.
As pessoas de hoje ainda têm alguns anseios similares aos seus antepassados, no sentido de que querem ter alguma companhia, pois a procura por relacionamentos continua bem alta, mas ao mesmo tempo não querem sofrer nenhum tipo de adaptação para conviver com outro, ou seja, querem manter sua liberdade intacta, sempre exigindo que os outros se
12 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Contrato de namoro: Amor Líquido e Direito de Família Mínimo. Belo Horizonte: Fórum, 2021, p. 58
13 Ibid. p. 60
adaptem a elas e caso não o façam, rapidamente encerram a relação e saem em busca de outro que as satisfaçam.
Portanto a característica mais marcante da modernidade líquida, no caso o individualismo, faz com que sempre haja essa eterna oposição entre as vontades de uma pessoa que quer se relacionar, mas desde que mantenha suas liberdades intocadas e isso por consequência gera um grande conflito interno, como muito bem resumiu Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx00:
A principal característica do amor líquido vem a ser a ambiguidade surgida entre dois anseios que dificilmente serão satisfeitos concomitantemente: pertencimento e individualidade. Ao mesmo tempo que o indivíduo deseja fugir da solidão e estar inserido em algum tipo de parceria, não aceita sem grandes resistências abrir mão de sua tão sagrada liberdade. O problema é que a satisfação de uma das necessidades, em regra, engendra a insatisfação de outra.
1.2 Pluralidade de Entidades Familiares
Outro fator que teve grande contribuição para o surgimento do contrato de namoro e principalmente sobre o aumento em sua procura nos últimos anos, sem dúvida foi o surgimento de inúmeras entidades familiares, pois nos dias atuais há diversas outras formas de se constituir família que não o casamento, formas essas que em alguns casos já são amplamente aceitas, como a união estável que tem inclusive previsão constitucional, e também há outras entidades que ainda geram debates sobre sua validade, não possuindo previsão legal.
Podemos citar alguns casos, como as uniões poliafetivas, que possuem três ou mais pessoas em uma mesma união, ou as famílias simultâneas, que são a possibilidade de uma pessoa estar em duas uniões estáveis simultaneamente. Nesse último caso, apesar de o Supremo Tribunal Federal ter um precedente recente contrário à validade das uniões simultâneas,
14 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Contrato de namoro: Amor Líquido e Direito de Família Mínimo. Belo Horizonte: Fórum, 2021, p. 60.
entendimento esse firmado no julgamento do ARE 104527315, o resultado apertado em 6 a 5, mostra que há bastante divergência sobre o tema.
Essa pluralidade de entidades familiares que vemos nos dias de hoje, são o resultado de séculos de evolução, tanto do direito de família, como da sociedade como um todo, que foram aos poucos mudando sua percepção sobre a validade dessas novas formas de se constituir família, formas essas que já existiam na prática, mas não tinham seu devido reconhecimento jurídico, por conta de visões em sua maioria extremamente conservadoras e retrógradas, de uma sociedade baseada em visões machistas e patriarcais, que faziam com que apenas o casamento entre um homem e uma mulher fosse reconhecido como família legítima, casamento esse que seria literalmente “até que a morte os separasse”.
As mudanças dessas visões foram extremamente lentas, começando inicialmente com a mulher conseguindo buscar mais direitos e por consequência podendo passar a ter igualdade jurídica perante ao homem, para que só assim, depois de outro longo período, ela pudesse ter reconhecido seu direito ao divórcio, que em seu início era um processo extremamente moroso e demorado, mas, entretanto, veio sendo simplificado ao longo dos anos. Posteriormente houve o reconhecimento jurídico tanto das famílias monoparentais, como da união estável, que inicialmente só era permitida para casais heterossexuais e mais recentemente também foi reconhecido tal direito aos casais homossexuais.
No ordenamento jurídico brasileiro é possível observar essa profunda transformação social ocorrida em especial no século XX, realizando uma análise de todas as mudanças que o conceito de família sofreu desde o código civil de 1916 até os dias de hoje.
Na lei em questão fica claro o conceito de que as famílias só seriam formadas pelo casamento, tendo um caráter muito mais ligado a questões patrimoniais do que a questões de afeto, e reforçando a imagem do
15 BRASIL. STF. STF rejeita reconhecimento de duas uniões estáveis simultâneas. Disponível em:
<xxxxx://xxxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxXxxxxxxXxxxxxx.xxx?xxXxxxxxxxx000000&xxxx0>. Acesso em: 12 jan. 2022.
patriarcado como base de sustentação dessas famílias, como muito bem pontua Xxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx00:
No cenário político-social do Código Civil brasileiro de 1916 a família era vista como uma estrutura estanque, indissolúvel e intangível pela vontade do homem, uma vez que o matrimônio era sacramentado pela vontade divina. Estrutura esta engendrada com o fito de atender aos anseios da sociedade Industrial, era a estrutura basilar, também chamada de célula mater do corpo social contemporâneo a Revolução Industrial, pelo modelo econômico em vigor à época a família era hierarquizada, patrimonializada e patriarcal. Instaurou-se aí, o império das relações materiais, patrimonializadas, a primazia do ter em detrimento ao ser. Os indivíduos se agregam não com o fito de se satisfazerem afetivamente, mas sim patrimonialmente. A família era a reunião do patrimônio dos indivíduos que a comporiam com o desiderato de formar um só acervo, próspero e rico, com propensão a conservá-lo e a incrementá-lo. Tornando o corpo familiar e seus indivíduos por consequência cada vez mais ricos.
Esse modelo foi modificado aos poucos com a edição de diversas leis e decisões judiciais que foram lentamente transformando o conceito de família, que possuía uma definição muito fechada, em algo mais amplo que é o que podemos observar nos dias atuais.
Como exemplo dessas mudanças podemos citar a lei nº 883/4917 que possibilitou que os pais reconhecessem os filhos que fossem fruto de um relacionamento extraconjugal, pois esses eram considerados completamente ilegítimos e sem direitos hereditários, mas caso o casamento fosse dissolvido, poderiam ter sua condição jurídica modificada.
Outra lei bastante impactante para essa mudança foi a nº 4.121/6218 conhecida como estatuto da mulher casada, que retirou a mulher casada do rol dos relativamente incapazes do código civil, já que até aquele momento ela só poderia praticar inúmeros atos da vida civil, com a autorização do marido.
16 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxxx. As novas conformações familiares no Brasil da pós- modernidade. IBDFAM. Disponível em:
<xxxxx://xxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/0000/Xxxxxxxxxxxxxxxxx%X0%X0%X0%X0xxxxxxxxxxxxxxxxxXx asil+da+p%C3%B3s-modernidade>. Acesso em: 10 jan. 2022.
17 BRASIL, Lei 883 de 21 de Outubro de 1949. Dispõe sobre o reconhecimento de filhos ilegítimos. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxx/0000-0000/x0000.xxx>. Acesso em 25 mar. 2022.
18 BRASIL, LEI n. 4.121, DE 27 DE AGOSTO DE 1962. Dispõe sôbre a situação jurídica da mulher casada. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxx/0000-0000/x0000.xxx>. Acesso em: 10 jan. 2022.
Essas alterações também ocorreram na seara jurisprudencial, como por exemplo a edição da súmula 380 do STF19, que reconheceu a possibilidade de bens serem repartidos entre duas pessoas mesmo que não fossem casadas, por meio de um procedimento judicial de dissolução de sociedade de fato, o que na época foi um grande avanço já que apesar de considerar que essa relação teria um caráter mais empresarial do que de família, foi um passo para o reconhecimento da validade jurídica da união estável, que na época era conhecida como concubinato impuro.
Mas, talvez a maior mudança no aspecto legal pré constituição de 1988, foi a lei nº 6.515/7720, que legalizou o divórcio no país, ou seja, o casamento deixou ter o caráter indissolúvel que detinha anteriormente, podendo a partir dessa lei ser desfeito sem que uma das partes morresse, e não impedindo que essa mesma pessoa voltasse a se casar, que é o que ocorria anteriormente com o instituto do desquite, onde acontecia a separação, mas era mantido o impedimento de novo casamento.
Tal lei portanto, ao legalizar o divórcio, que ainda que naquele momento, fosse um processo demorado e muito burocrático, foi extremamente importante para possibilitar os avanços que aconteceram posteriormente, como muito bem ressaltou Xxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx00:
Outra lei de elevado quilate para o Direito Familiarista pátrio foi a que instituiu o divórcio no Brasil, Lei n. 6.515/77, dela adveio a novel possibilidade de dissolução do vínculo matrimonial, que até então era indissolúvel de forma absoluta. Logo, vulgarmente pode-se asseverar que “ela representou uma libertação aos corações cativos”. Lei esta que prima de forma explícita por um avanço secular no sentido de se respeitar o princípio da dignidade da pessoa humana e que caminhou em passos largos em direção a um dia lograr-se a família eudemonista, aquela que cultiva a felicidade dos indivíduos.
19 STF. Súmula 380. Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum. Disponível em:
<xxxxx://xxxxxxxxxxxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxx/xxxxxx/xxx-xxxxxx000/xxxxx>. Acesso em: 10 mar. 2022.
20 BRASIL, República Federativa do Brasil. Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977. Regula os casos de dissolução da sociedade conjugal e do casamento, seus efeitos e respectivos processos, e dá outras providências. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxx/x0000.xxx>. Acesso em: 10 mar. 2022.
21 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxxx. As novas conformações familiares no Brasil da pós- modernidade. IBDFAM. Disponível em:
<xxxxx://xxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/0000/Xxxxxxxxxxxxxxxxx%X0%X0%X0%X0xxxxxxxxxxxxxxxxxXx asil+da+p%C3%B3s-modernidade>. Acesso em: 10 jan. 2022.
Todo esse processo levou a assembleia constituinte a abranger um conceito mais amplo do que é família, provocando a edição do art. 226 da CF/1988 que trouxe em seus parágrafos terceiro e quarto outras formas de família reconhecidas que não fossem as formadas pelo casamento22:
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
Ainda existe um debate sobre se o rol que está disposto no artigo 226 seria taxativo ou exemplificativo, mas a posição que vem prevalecendo na doutrina e na jurisprudência é a de que se trata de rol meramente exemplificativo, pois limitar as formas de constituir uma família àquelas descritas nesse artigo seria contraditório com todo o contexto da elaboração da constituição, que buscava ter um aspecto mais progressista. Tal entendimento é muito bem exposto por Xxxxx Xxxx Xxxxx Xxxx00:
Os tipos de entidades familiares explicitados nos parágrafos do art. 226 da Constituição são meramente exemplificativos, sem embargo de serem os mais comuns, por isso mesmo merecendo referência expressa. As demais entidades familiares são tipos implícitos incluídos no âmbito de abrangência do conceito amplo e indeterminado de família indicado no caput. Como todo conceito indeterminado, depende de concretização dos tipos, na experiência da vida, conduzindo à tipicidade aberta, dotada de ductilidade e adaptabilidade.
No entanto, após a Constituição outros avanços ocorreram, sempre no sentido de facilitar o reconhecimento de novas entidades familiares e deixar sua regulação menos burocrática. Podemos citar como exemplos a lei 9.278/9624, que facilitou o reconhecimento de uma união estável, eliminando o prazo para o seu reconhecimento e a necessidade de ter filhos, o art. 1723
22 BRASIL. Constituição Federativa do Brasil. Artigo 226. Disponível em:
<xxxxx://xxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/00000000/xxxxxx-000-xx-xxxxxxxxxxxx-xxxxxxx-xx-0000>. Acesso em: 10 mar. 2022.
23 LÔBO. Xxxxx Xxxx Xxxxx. Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus. IBDFAM. Disponível em:
<xxxxx://xxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/000/Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx:xxxxxxxx%X0%X0 m+do+numerus+clausus>. Acesso 12 fev. 2022.
24 BRASIL. República Federativa do Brasil. Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996. Regula o § 0x xx xxx. 000 xx Xxxxxxxxxxxx Federal. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxx/x0000.xxx. Acesso em: 10 mar. 2022.
do Código Civil de 200225 que reforçou o reconhecimento da união estável como entidade familiar, a EC 66/1026 que eliminou a necessidade de separação para oficializar o divórcio e a decisão do STF no julgamento da ADPF 13227, julgada em conjunto com a ADI 4277, que reconheceu a validade da união homoafetiva.
Ainda há um debate cada vez maior sobre a possibilidade de se reconhecer as chamadas famílias simultâneas, ou seja, uma pessoa poderia fazer parte de duas famílias ao mesmo tempo, seja tendo um casamento e uma união estável ou duas uniões estáveis. Essa situação ainda não é reconhecida, nem pela legislação nem pela jurisprudência, mas devido ao aumento cada vez maior de sua incidência, é uma situação que ainda pode sofrer mudanças em um futuro próximo, pois como bem expôs Xxxxxx Xxxxxx00: “a sociedade caminha mais rápido que o direito” e essa posição atual de não reconhecer as uniões simultâneas já recebe diversas críticas doutrinárias, entre elas podemos destacar a feita por Xxxxx Xxxxx Xxxxx dos Santos, onde também cita a doutrinadora Xxxxx Xxxxxxxx, para fazer oposição à corrente que defende a monogamia como princípio absoluto29:
Neste caso, esta corrente é a que tem prevalecido no Brasil, diante de todas as dificuldades que as famílias simultâneas têm tido para ter o seu reconhecimento concedido, pois o princípio da monogamia impera no país. Um erro do judiciário brasileiro, que conforme Xxxxx Xxxxxxxx (2016, p.449-450) estas “relações geram consequências merecedoras da tutela do estado, principalmente se houver filhos ou aquisição de patrimônio”. As famílias simultâneas são vistas como um concubinato impuro, que não dá a garantia aos seus integrantes, neste caso, na maioria das vezes a mulher. Como dito anteriormente estas famílias geralmente são práticas do homem, portanto, o machismo predomina a partir do momento em que o judiciário
25 BRASIL. Código Civil. Artigo 1723 da Lei nº 10.406 de 10 de Janeiro de 2002. Disponível em:
<xxxxx://xxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/00000000/xxxxxx-0000-xx-xxx-x-00000-xx-00-xx-xxxxxxx-xx- 2002>. Acesso em: 10 mar. 2022.
26 BRASIL. República Federativa do Brasil. Emenda constitucional nº 66, de 13 de julho de 2010. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxxxxxxxxxx/xxxxxxx/xxx/xxx00.xxx>. Acesso em: 10 jan. 2022.
27 BRASIL. STF. Xxxxxxxx xx xxxxxxxxxxxxxx xx xxxxxxxx xxxxxxxxxxx 000 Xxx xx Xxxxxxx. Disponível em: <xxxxx://xxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxx/xxxxxxxxx.xxx?xxxXXxXX&xxxXXx000000. Acesso em: 10 jan. 2022.
00XXXXXX, Xxxxxx. Reinvenção do Ensino. Sociedade caminha cada vez mais rápido que o direito. CONJUR. Disponível em: <xxxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/0000-xxx-00/xxxxxx-xxxxxx-xxxxxxxxx- caminha-cada-vez-rapido-direito>. Acesso em: 10 jan. 2022.
29 SANTOS, Xxxxx Xxxxx Xxxxx dos. A pluralidade familiar: a quebra de paradigmas da família tradicional. Jus. Xxx.xx. Disponível em: <xxxxx://xxx.xxx.xx/xxxxxxx/00000/x-xxxxxxxxxxx-xxxxxxxx- a-quebra-de-paradigmas-da-familia-tradicional>. Acesso em: 19 mai. 2022.
aloca o vínculo do direito obrigacional e trata como sociedade de fato, apenas quando a mulher não tem o conhecimento da vida paralela do seu companheiro.
Todas essas mudanças no conceito de família, que culminaram no surgimento de uma grande pluralidade de entes familiares, apesar de inegavelmente se tratarem de avanços sociais importantes e terem sido extremamente necessárias para a evolução do direito e da sociedade como um todo, também ajudam a explicar o porquê do surgimento do contrato de namoro.
Tal fato ocorreu pois, na mesma medida em que se aumenta a possibilidade de uma relação ser considerada família e se diminuem as exigências para o seu reconhecimento jurídico, essa relação passa a ter, além da proteção do Estado, também efeitos patrimoniais. Essa nova realidade fez com que muitas pessoas recorressem ao Contrato de namoro para resguardar seus bens, por conta do sentimento de uma certa insegurança jurídica, uma vez que muitos critérios para definir a existência ou não de uma união estável, são subjetivos.
Isso aconteceu, pois critérios mais objetivos, como por exemplo, um tempo mínimo de relacionamento para reconhecer a união estável, foram retirados da legislação, ou seja, enquanto no passado apenas um casamento teria esse efeito, hoje se discute até mesmo a possibilidade de existirem duas relações simultâneas, com todos os efeitos incidindo sobre ambas. Analisando todo esse contexto fica mais fácil entender o porquê da procura por esse instrumento contratual, cuja validade, que será aqui debatida, é cada vez mais aceita.
O surgimento da pandemia da Covid-19 mudou drasticamente a vida e a rotina de todos os seres humanos, não só do Brasil como de todo o mundo, pois além de infelizmente ter tirado milhões de vidas pelo mundo, mergulhou a economia mundial em uma crise de grandes proporções, em especial devido
às restrições de circulação. Muitos comércios fecharam as portas e com isso diversas pessoas perderam seus empregos.
Com todos esses problemas acontecendo, não havia como as relações amorosas não serem afetadas e com isso serem criadas novas situações que devem ser abordadas pelo direito de família.
Muitas dessas mudanças ocorreram por conta do maior tempo de convivência entre os casais, visto que muitas pessoas, ou acabaram perdendo seus empregos ou passaram a trabalhar em casa no regime de “home office”, o que também aconteceu com quem estudava, por conta das instituições de ensino que também passaram a ministrar aulas de forma online.
Portanto, todos passaram a ficar em casa em tempo praticamente integral e com isso tiveram que conviver um com o outro, por um período muito maior do que estavam habituados. Isso trouxe consequências, tanto positivas para o relacionamento, tendo esse período servido para reforçar a relação e induzir uma vontade de oficializá-la, pois houve um aumento no número de registros de união estável, como também consequências negativas, já que o número de divórcios também cresceu.
Com relação ao aumento no número de uniões estáveis, muito se deve ao receio dos casais de que um dos membros ficasse desamparado caso o outro viesse a falecer, uma vez que a pandemia deixou milhões de mortos pelo mundo e o Brasil foi um dos países mais afetados, figurando em terceiro lugar em número de mortes no mundo.
Esses casais, por não terem uma relação oficializada, faziam com que existisse a chance de o companheiro sobrevivente não ter seus direitos hereditários ou de recebimentos de eventuais pensões pelo INSS reconhecidos, pois por se tratar de um procedimento judicial que se baseia em elementos subjetivos, o juiz que fosse analisar o caso poderia concluir que não haviam elementos suficientes para o reconhecimento da união estável, ou mesmo que reconhecesse, poderia ser um procedimento que levaria muito tempo para ser concluído e deixaria a pessoa em dificuldades em um dos piores momentos possíveis, já que além de perder o ente querido,
teria que ver sua renda reduzida de forma drástica em um período de forte recessão econômica, mas, se ela possuísse essa certidão de união estável, faria com que o reconhecimento desse direito ficasse mais fácil de ser comprovado.
Tal pensamento é reforçado pela declaração dada por Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxx, presidente do Colégio Notarial do Brasil em entrevista ao site G130: “Todos passaram a conviver com a possibilidade real da morte. Isso foi um dos fatores que impulsionou o crescimento”. Tudo isso, somado ao período maior em que ambos ficaram juntos e reforçaram os sentimentos da relação, explica esse aumento.
Tal aumento já pôde ser observado no ano de 2020, conforme demonstram os dados retirados do site do jornal Estado de Minas31 que mostram que entre os meses de maio e agosto houve um aumento de 32% no número de registros de uniões estáveis, com destaque para os estados do Ceará (124%), Roraima (100%), Acre (85%), Distrito Federal (72%),
Espírito Santo (60%), Bahia (55%), Alagoas (54%), São Paulo (52%), Maranhão (50%), Pernambuco (43%) e Rio Grande do Sul (39%), o que também mostra que se trata de um fenômeno nacional já que nessa lista estão presentes estados de todas as regiões do país.
Em 2021 esse aumento no número de registros continuou, conforme números extraídos do site de notícias G132, pois entre os meses de janeiro a agosto houve um aumento de 9% desses registros no estado do Rio de Janeiro em comparação ao mesmo período do ano anterior, aumento esse que também ocorreu nos estados de São Paulo e Minas Gerais, onde o crescimento foi de 27% e 27,4% respectivamente, mostrando que essa é uma
30 XXXXXX, Xxxxxx. Entenda como mortes na pandemia de Covid-19 impulsionaram aumento das uniões estáveis no DF. Disponível em: <xxxxx://x0.xxxxx.xxx/xx/xxxxxxxx- federal/noticia/2021/09/30/entenda-como-mortes-na-pandemia-de-covid-19-impulsionaram- aumento-das-unioes-estaveis-no-df.ghtml. Acesso em: 18 jan. 2022.
31 Estado de Minas. Uniões estáveis crescem no país durante a pandemia. Disponível em:
<xxxxx://xxx.xx.xxx.xx/xxx/xxxxxxx/xxxxxxxx/0000/00/00/xxxxxxx_xxxxxxxx,0000000/xxxxxx- estaveis-crescem-no-pais-durante-a-pandemia.shtml. Acesso em: 10 jan. 2022.
32 BRASIL, Xxxxxx. Registros de união estável no RJ crescem 9% em 2021 em relação ao ano passado, segundo cartórios. X0.xxxxx.xxx. Disponível em: <xxxxx://x0.xxxxx.xxx/xx/xxx-xx- janeiro/noticia/2021/09/28/uniao-estavel-rj.ghtml>. Acesso em: 10 jan. 2022.
preocupação que realmente aumentou nas pessoas, fazendo com que não seja um aumento puramente por conta de uma demanda reprimida dos meses em que os cartórios ficaram fechados no início da pandemia.
Mas, esses mesmos motivos também tiveram um efeito contrário em muitos outros casais, sendo observado um aumento no número de divórcios nesse período pandêmico, pois esse maior tempo de convivência fez com que antigas tensões acumuladas explodissem. Algo que era relevado por conta do tempo reduzido de contato, e acabou se tornando insustentável, como muito bem explica Xxxxxx Xxxxxxx em entrevista ao site do jornal O Tempo33:
Houve um acréscimo nos processos de divórcio porque na intimidade os conflitos aparecem mais. Às vezes, uma pessoa já tinha a separação em mente, mas não tinha coragem para se divorciar. Na convivência mais intensa, enxerga um motivo para uma decisão mais definitiva.
Outro motivo apontado para esse aumento, foram decepções de um dos membros do casal com o outro, com atitudes ou comportamento que antes não eram notados pelo pouco tempo de contato, como por exemplo atividades domésticas como limpeza ou cuidado com os filhos, como muito bem exemplifica Xxxxxxx Xxxxxxxx, também em entrevista ao site do jornal O Tempo34:
Em muitos casos, as pessoas passavam boa parte do tempo fora de casa e só se viam ao fim do dia. Mal tinham tempo para se ver e conversar. Mas a pandemia fez com que eles passassem a ter o dia todo para conviver. Problemas que antes não eram tão aparentes no relacionamento ficaram mais evidentes no momento em que o casal passou a conviver com maior intensidade. As tarefas domésticas, o cuidado com os filhos e a insegurança econômica são alguns pontos que levaram alguns casais a rever o relacionamento.
Esse aumento no número de divórcios registrados em cartório, de acordo com informações do Conselho Notarial do Brasil trazidos pelo site do jornal O Tempo35, já foi percebido em 2020, quando os divórcios haviam
33 XXXXXXXX, Xxxxxxx. Convivência se intensifica na pandemia e divórcios crescem 24% no Brasil. Jornal O Tempo. Disponível em: <xxxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxxx/xxxxxxxxxxx-xx-xxxxxxxxxxx- na-pandemia-e-divorcios-crescem-24-no-brasil-1.2518317. Acesso em: 12 mar. 2022.
34 Ibid.
35 Ibid.
aumentado 1,5% em relação a 2019, mas se intensificou no período de janeiro a junho de 2021 quando houve um novo aumento, desta vez 24% em comparação ao mesmo período de 2020.
Outra mudança foi na relação entre namorados, uma vez que muitos casais resolveram começar a morar juntos, tanto para conseguir passar mais tempo na companhia um do outro sem descumprir as restrições de circulação impostas pelas autoridades locais, e com isso poderem se apoiar emocionalmente em um momento tão difícil para todos, quanto por questões financeiras, dado que muitos tiveram seus rendimentos mensais reduzidos, por serem dispensados ou terem sua carga horária reduzida, com a proporcional redução de salário. Então, passar a morar em uma mesma residência, faria com que as despesas fossem divididas e assim ficasse mais fácil para os dois, manter suas contas em dia.
Mas, isso trouxe à tona uma preocupação de muitas pessoas, pois o que foi demonstrado nesse período de confinamento, ou confirmou que as pessoas realmente queriam continuar o relacionamento e estavam prontas para dar um passo adiante, ou mostrou que o relacionamento não daria certo, por motivos já pré-existentes ou novos motivos que surgiram durante esse período de convivência prolongada.
O medo de que o término do relacionamento pudesse dar início a uma briga judicial para o reconhecimento de união estável, fez com que a procura pelo contrato de xxxxxx também aumentasse.
Esse aumento, que chega a ser de 40% em alguns escritórios36 que realizam esse serviço, é explicado, pois muitas pessoas que procuram esse tipo de contrato são em geral, aquelas que já passaram por algum relacionamento frustrado, como por exemplo um divórcio complicado, e tem medo de terem que vivenciar novamente uma situação semelhante à que passaram no relacionamento anterior, ou mesmo terem que dividir o seu
36 VALOR ECONÔMICO. Busca por contratos de namoro aumenta durante a pandemia. Disponível em: <xxxxx://xxxxxxx.xxx.xx/xxxxx-xxx-xxxxxxxxx-xx-xxxxxx-xxxxxxx-xxxxxxx-x- pandemia-valor-economico/>. Acesso em: 20 fev. 2022.
patrimônio com alguém com o qual nunca tiveram a real intenção de constituir uma família.
Essa convivência na mesma residência durante a pandemia, fez com que muitos se utilizassem do contrato de namoro com o objetivo de buscar algum tipo de segurança jurídica e garantia da proteção do seu patrimônio.
O perfil de quem busca esse contrato é muito bem exemplificado pelo advogado Xxxxxxx Xxxxxxx que atua em um escritório especialista nessa área, em entrevista ao site Valor econômico37:
Alguns são firmados por casais de viúvos ou divorciados com famílias grandes, filhos e netos, acionistas de holdings em que já existe um planejamento sucessório que seria conturbado se os filhos de um herdassem participação na empresa do outro. Um contrato desse tipo foi feito recentemente pelo escritório durante a pandemia. O casal namora há alguns meses e passou a conviver por mais tempo na mesma casa. Ainda segundo Xxxxxxx, existem acordos de acionistas de holdings que têm recomendações para os membros da família sobre regime de bens de casamento – geralmente separação total de bens – e sugerem os contratos de namoro para afastar qualquer hipótese de união estável.
Após toda análise dos acontecimentos recentes, fica claro porque o contrato de namoro surgiu e é cada vez mais utilizado. Torna-se então necessário analisar se esse contrato estaria de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, para assim poder ter sua validade reconhecida. Essa análise será feita ao longo dos próximos capítulos.
37 XXXXXX, Xxxxxxx. Busca por contratos de namoro aumenta durante a pandemia. Valor Econômico. Disponível em: <xxxxx://xxxxx.xxxxx.xxx/xxxxxxxxxx/xxxxxxx/0000/00/00/xxxxx-xxx- contratos-de-namoro-aumenta-durante-a-pandemia.ghtml>. Acesso em: 23 mar. 2022.
2. DIFERENÇAS ENTRE NAMORO E UNIÃO ESTÁVEL
Antes de ser possível realizar qualquer discussão acerca do contrato de namoro em si, é preciso compreender que ele busca diferenciar o namoro, da união estável, já que são situações de fato bem distintas, apesar de terem suas semelhanças.
A união estável é um instituto jurídico que atualmente encontra-se positivado, tanto na Constituição Federal quanto no Código Civil, sendo inclusive equiparado ao casamento no ordenamento jurídico brasileiro, portanto trata-se de um relacionamento em estágio mais avançado e sério, onde as pessoas que estão nesse tipo de relação vivem como se fossem casadas e são vistas assim pela sociedade.
Reconhecer que um casal vive em união estável é um assunto que deve ser tratado com bastante seriedade, pois isso traz consequências tanto na vida social das pessoas, quanto com relação ao patrimônio dessas mesmas, uma vez que um reconhecimento de união estável em vida, no momento da separação do casal faz com que seja aplicado o regime da comunhão parcial de bens, conforme art. 1640 do Código Civil: “Não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial”, já um reconhecimento após a morte de uma das pessoas, faz com que a outra pessoa se torne herdeira do patrimônio do falecido. Para isso ocorrer é preciso que alguns requisitos sejam cumpridos, para que seja possível reconhecer uma relação como união estável.
2.1.1 Requisitos para o reconhecimento de uma união estável
Para que seja possível identificar a existência de uma união estável é necessário que sejam cumpridos três requisitos básicos definidos pelos art.
1723 do Código Civil38, que são uma convivência que seja pública, contínua e duradoura e com o intuito de constituir família.
A convivência pública é observada quando o círculo social do casal, isto é, amigos, familiares, colegas de trabalho e vizinhos, os veem como se fossem um casal, ou seja, relacionamentos feitos às escondidas, sem que ninguém saiba ou relacionamentos que as outras pessoas não enxergam como sendo algo sério, não cumprem essa exigência legal.
Como tal requisito tem esse aspecto bem subjetivo, de como a sociedade vê esse relacionamento, e isso pode variar de pessoa para pessoa, ele não pode ser analisado de forma isolada, tendo que estar sempre conjugado com os demais.
Já em relação a convivência contínua e duradoura, deve-se analisar se tal relacionamento se mantém durante um período considerável de tempo sem que tenha muitas idas e vindas.
Tais condições para o reconhecimento da união estável são muito bem sintetizados pelo doutrinador Xxxxxx Xxxxxxx, no momento em que cita o professor Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx00:
Como reconhece o professor Xxxxxxx, a lei não exige prazo mínimo para a sua constituição, sendo certo que o aplicador do direito deve analisar as circunstâncias do caso concreto para apontar a sua existência ou não. Os requisitos, nesse contexto, são que a união seja pública (no sentido de notoriedade, não podendo ser oculta, clandestina), contínua (sem que haja interrupções, sem o famoso “dar um tempo” que é tão comum no namoro) e duradoura, além do objetivo de os companheiros ou conviventes de estabelecer uma verdadeira família. Para a configuração dessa intenção de família, entram em cena o tratamento dos companheiros (tratactus), bem como o reconhecimento social de seu estado (reputatio). Nota-se, assim, a utilização dos clássicos critérios para a configuração da posse de estado de casados também para a união estável
No que concerne à questão de quanto tempo uma relação deve possuir para ser considerada duradoura, há um grande debate sobre isso, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, pois desde que o limite de 5 anos de
38 Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
39 TARTUCE, Xxxxxx. Direito Civil. Vol. 5: direito de família. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 319.
convivência foi retirado da legislação por meio da Lei 9.278/1996, que não há um parâmetro objetivo sobre a duração dessa relação, o que pode causar uma certa dúvida nas pessoas, mas em compensação a falta de prazo específico na Lei atendeu a demanda de diversos juristas que viam o fato de objetificar esse tipo de situação como algo problemático, como muito bem explica Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx em seu artigo no site Migalhas40:
Esta mudança atendeu a uma crítica que se fazia à existência de uma medida de tempo (cinco anos) rígida, sempre arbitrária, para a caracterização da estabilidade da união. Os juristas sustentavam que outros elementos poderiam determinar a estabilidade da união de fato, independentemente do tempo de convivência. Esta interpretação deu maior relevância a outros elementos caracterizadores da união de fato, em prejuízo da “duração”, concedendo liberdade mais ampla ao intérprete no reconhecimento da união estável.
Sobre esse aspecto vale ressaltar uma decisão de 2019 do STJ, que negou a existência de união estável em um relacionamento que durou dois meses - durante esse período houveram duas semanas de coabitação, e o seu encerramento de deveu à morte de uma das partes - mesmo tendo-se conhecimento de que inicialmente o plano do casal era estabelecer um relacionamento mais sério. Essa decisão mostra como a duração do relacionamento ainda é um aspecto super relevante na hora de se analisar um caso de reconhecimento de união estável:
RECURSO ESPECIAL. CIVIL. FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL POS MORTEM. ENTIDADE FAMILIAR QUE SE CARACTERIZA PELA CONVIVÊNCIA PÚBLICA, CONTÍNUA, DURADOURA E COM OBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA (ANIMUS FAMILIAE). DOIS MESES DE RELACIONAMENTO, SENDO DUAS SEMANAS DE COABITAÇÃO. TEMPO INSUFICIENTE PARA SE DEMONSTRAR A ESTABILIDADE NECESSÁRIA PARA RECONHECIMENTO DA UNIÃO DE FATO. 1. O
Código Civil definiu a união estável como entidade familiar entre o homem e a mulher, "configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família" (art. 1.723). 2. Em relação à exigência de estabilidade para configuração da união estável, apesar de não haver previsão de um prazo mínimo, exige a norma que a convivência seja duradoura, em período suficiente a demonstrar a intenção de constituir família, permitindo que se dividam alegrias e tristezas, que se compartilhem dificuldades e projetos de vida, sendo necessário um tempo razoável de relacionamento. 3. Na hipótese, o relacionamento do casal teve um tempo muito exíguo de duração - apenas dois meses de namoro,
40 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Novos Horizontes do Direito Privado - União de fato ou união estável: requisitos mínimos e efeitos plenos. Migalhas. Disponível em:
<xxxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx/xxxxx-xxxxxxxxxx-xx-xxxxxxx-xxxxxxx/000000/xxxxx-xx-xxxx- ou-uniao-estavel-requisitos-minimos-e-efeitos-pleno>. Acesso em: 23 mar. 2022.
sendo duas semanas em coabitação -, que não permite a configuração da estabilidade necessária para o reconhecimento da união estável. Esta nasce de um ato-fato jurídico: a convivência duradoura com intuito de constituir família. Portanto, não há falar em comunhão de vidas entre duas pessoas, no sentido material e imaterial, numa relação de apenas duas semanas. 4. Recurso especial provido." (REsp 1761887/MS, Rel. Ministro XXXX XXXXXX XXXXXXX, QUARTA TURMA, julgado em 06/08/2019, DJe 24/09/2019)41.
Alguns doutrinadores como Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx em seu artigo no site migalhas já aqui citado, tentam deixar essa situação mais objetiva, afirmando que a Lei dá vários indicativos de que um prazo aceitável para se considerar uma relação duradoura é de 2 anos, citando para embasar a sua tese, os artigos 25, 1572, § 2º, 1580, § 2º e 1830 do Código Civil, além da Lei 8213, alterada pela Lei 13.135, que em diversas situações ligadas a casamento e direitos sucessórios dão esse prazo legal, trazendo também a posição de Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxx00:
O prazo de dois anos foi considerado razoável e plausível para se aferir a instabilidade do casamento, proporcionando, assim, a sua pronta dissolução. O mesmo espírito na fixação desse prazo de dois anos (para a descaracterização da affectio maritalis) deve ser considerado para efeito de estabilidade das uniões extramatrimoniais, ou seja, o período necessário e razoável para a construção da affectio maritalis entre os companheiros.
Mas é sempre bom ressaltar que não há nenhum prazo positivado em Lei, cabendo ao magistrado julgar a situação fática de cada caso concreto.
O último requisito, que é o intuito de constituir família, talvez seja o que causa mais polêmica, já que entre todos é o mais subjetivo. Enquanto os outros requisitos tem seus aspectos subjetivos, visto que dependem de visões de outras pessoas, mas também são mais fáceis de serem identificados, sendo em muitos casos perceptíveis aos olhos da sociedade, o intuito de constituir família é um sentimento interno de cada um, ou seja, só a própria pessoa sabe qual sua verdadeira intenção com o relacionamento, sendo plenamente
41 BRASIL. STJ. Recurso Especial: REsp 1761887 MS 2018/0118417-0. Órgão Julgador: T4 – quarta turma. Relator: Ministro Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Disponível em:
<xxxxx://xxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxxxx/000000000/xxxxxxx-xxxxxxxx-xxxx-0000000-xx-0000- 0118417-0>. Acesso em: 23 mar. 2022.
42 XXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx da. O Companheirismo: uma espécie de família. 2ª edição. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2001, pp. 199-200.
comum a existência de relacionamentos que são públicos, contínuos e duradouros, mas nos quais nenhum dos participantes possui tal ânimo.
Devido a esse fato, as provas que devem ser produzidas com o intuito de comprovar essa exigência, devem ser mais vastas do que as colhidas para a comprovação dos demais requisitos. Tais provas podem ser as mais diversas possíveis, podemos citar como exemplos: existência de conta bancária conjunta, certidão de nascimento de um filho em comum, prova de coabitação, entre outros.
Mas, cabe ressaltar que nenhuma dessas provas é definitiva para a comprovação de união estável, sendo sempre necessário analisar o caso concreto, pois nem mesmo a existência de filhos, necessariamente faz com que seja comprovada a união estável, conforme decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina trazida pelo site Conjur43:
Não é um simples namoro [...] e nem mesmo a existência de uma filha razão bastante a qualificar a união estável, pois para a concepção basta uma simples relação sexual, sem nenhuma espécie de vínculo", explicou a desembargadora Xxxxx do Xxxxx Xxx Xxxxx Xxxxx, relatora da apelação. Por outro lado, o ex- companheiro fará jus à metade das parcelas do financiamento da unidade habitacional quitadas na vigência do relacionamento, presumivelmente consideradas aporte de capital conjunto.
Como também, não há a necessidade de coabitação por parte das pessoas do casal, conforme posição defendida por diversos doutrinadores como, por exemplo, Xxxxx Xxxx00:
Da realidade social brotam relações afetivas estáveis de pessoas que optaram por viver em residências separadas, especialmente quando saídas de relacionamentos conjugais, ou que foram obrigadas a viver assim em virtude de suas obrigações profissionais. A estabilidade da convivência não é afetada por essa circunstância, quando os companheiros se comportarem, nos espaços públicos e sociais, como se casados fossem.
Posição essa também defendida pelo STJ no julgamento do Recurso Especial 474.962/SP:
43 CONSULTOR JURÍDICO. Filho não é suficiente para caracterizar união estável. Disponível em: <xxxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/0000-xxx-00/xxxxxxxxxx-xxxxx-xxx-xxxxxxxxxx-xxxxxxxxxxxx-xxxxx- estavel>. Acesso em: 12 mar. 2022.
44 XXXX, Xxxxx. Direito civil: famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, pp. 172 e 173.
DIREITOS PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. UNIÃO ESTÁVEL. REQUISITOS. CONVIVÊNCIA SOB O MESMO TETO. DISPENSA. CASO CONCRETO. LEI
N. 9.728/96. ENUNCIADO N. 382 DA SÚMULA/STF. ACERVO FÁTICO- PROBATÓRIO. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. ENUNCIADO N. 7 DA SÚMULA/STJ. DOUTRINA. PRECEDENTES. RECONVENÇÃO. CAPÍTULO DA SENTENÇA. TANTUM DEVOLUTUM QUANTUM APELLATUM. HONORÁRIOS. INCIDÊNCIA SOBRE A CONDENAÇÃO. ART. 20, § 3º, CPC. RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE.I - Não exige a lei específica (Lei n. 9.728/96) a coabitação como requisito essencial para caracterizar a união estável. Na realidade, a convivência sob o mesmo teto pode ser um dos fundamentos a demonstrar a relação comum, mas a sua ausência não afasta, de imediato, a existência da união estável.II - Diante da alteração dos costumes, além das profundas mudanças pelas quais tem passado a sociedade, não é raro encontrar cônjuges ou companheiros residindo em locais diferentes.III - O que se mostra indispensável é que a união se revista de estabilidade, ou seja, que haja aparência de casamento, como no caso entendeu o acórdão impugnado.IV - Seria indispensável nova análise do acervo fático-probatório para concluir que o envolvimento entre os interessados se tratava de mero passatempo, ou namoro, não havendo a intenção de constituir família.V - Na linha da doutrina, ?processadas em conjunto, julgam-se as duas ações [ação e reconvenção], em regra, 'na mesma sentença' (art.318), que necessariamente se desdobra em dois capítulos, valendo cada um por decisão autônoma, em princípio, para fins de recorribilidade e de formação da coisa julgada".VI - Nestes termos, constituindo-se em capítulos diferentes, a apelação interposta apenas contra a parte da sentença que tratou da ação, não devolve ao tribunal o exame da reconvenção, sob pena de violação das regras tantum devolutum quantum apellatum e da proibição da reformatio in peius.VII - Consoante o § 3º do art. 20, CPC, "os honorários serão fixados (...) sobre o valor da condenação". E a condenação, no caso, foi o usufruto sobre a quarta parte dos bens do de cujus. Assim, é sobre essa verba que deve incidir o percentual dos honorários, e não sobre o valor total dos bens. (REsp 474.962/SP, Rel. Ministro XXXXXX XX XXXXXXXXXX XXXXXXXX, QUARTA TURMA, julgado em 23/09/2003, DJ 01/03/2004, p. 186)45
O que se observa, portanto, é que esse processo de reconhecimento de uma união estável é pautado por um extremo subjetivismo e para fugir desse sentimento de insegurança jurídica, muito presente nessas relações, é que muitos casais acabam optando por celebrar um contrato de convivência, espécie contratual que será detalhada no ponto a seguir.
Buscando ter um melhor controle de toda a situação que envolve a união estável, os participantes de um relacionamento podem optar por firmar
45 BRASIL. STJ. RECURSO ESPECIAL: REsp 474962 SP 2002/0095247-6. Órgão Julgador: T4 –
quarta turma. Relator: Ministro Xxxxxx xx Xxxxxxxxxx Xxxxxxxx. Disponível em:
<xxxxx://xxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxxxx/000000/xxxxxxx-xxxxxxxx-xxxx-000000-xx-0000- 0095247-6>. Acesso em: 22 mar. 2022.
um contrato de convivência, visto que esta seria a única forma de regular todos os efeitos que essa relação traz, sendo possível escolher o regime de bens, já que caso não exista tal instrumento contratual, será aplicado o regime da comunhão parcial, conforme art. 1725 do CC46.
Esse contrato não se limita a regular apenas o regime de bens, mas pode regular diversos outros tópicos da vida social, como muito bem explica Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxx em seu artigo no site Migalhas47:
A exemplo do Pacto Antenupcial, o Contrato de Convivência pode reger diversas outras situações, inclusive extrapatrimoniais. É o caso de eventuais doações entre os companheiros; repartição das despesas domésticas; fixação do domicílio do casal; convenções quanto à educação e religião dos filhos; designação de tutor, na falta dos pais; reconhecimento de paternidade socioafetiva de filho do companheiro; entre outras.
Mesmo não sendo imprescindível para a caracterização da união estável, dado que esta decorre de uma situação de fato, o contrato de convivência é extremamente benéfico para uma relação, pois além de evitar futuras discussões jurídicas, demonstra claramente as verdadeiras intenções do casal, sendo benéfico para a própria relação.
Além disso esse contrato sempre se tratará de uma manifestação bilateral de vontade das partes, conforme conceitua o doutrinador Xxxxxxxxx Xxxxxx00:
O contrato de convivência, na amplitude tratada neste estudo, representa o instrumento pelo qual os sujeitos de uma união estável promovem a auto- regulamentação quanto aos reflexos da relação, podendo revestir-se da roupagem de documento solene, escritura pública, escrito particular, levado ou não à inscrição, registro ou averbação, pacto informal, e, até mesmo, ser apresentado apenas como disposições ou estipulações esparsas, instrumentalizadas em conjunto ou separadamente em negócios jurídicos diversos, desde que contenham a manifestação bilateral da vontade dos companheiros, identificando o elemento volitivo expresso pelas partes.
46 Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.
47 VIANNA, Xxxxxxx Xxxxxxxxx. Contrato de convivência x contrato de namoro: precisamos falar sobre isso?. Migalhas. Disponível em: <xxxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx/000000/xxxxxxxx-xx- convivencia-x-contrato-de-namoro--precisamos-falar-sobre-isso>. Acesso em: 25 mar. 2022.
48 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxx. Contrato de convivência na união estável. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 306
Cabe ressaltar que o regime de bens escolhido no contrato de união estável abrange desde o início da relação, podendo ser firmado a qualquer tempo durante a vigência do relacionamento, como bem explica Xxxxxxxxx Xxxxxx00:
Temos para nós que não há qualquer impedimento para se conferir retroatividade ao contrato de convivência, no sentido de se fazer incidir suas previsões sobre situação pretérita ou já consumada. As partes são livres para dispor sobre o seu patrimônio atual, passado ou futuro. Nesse sentido, nada obsta que venham a estipular regras sobre os efeitos patrimoniais de união em curso.
Mas, após ser firmado o primeiro contrato, caso seja de interesse das partes modificar o regime de bens, tal modificação terá efeito “ex nunc”, ou seja, valerá apenas da data da nova escritura em diante, conforme decidiu o STJ no julgamento do Resp 1.845.416, sendo que essa mesma decisão também confirma que se o contrato não dispuser sobre regime de bens, será aplicado o regime da comunhão parcial, visto que não existe ausência de regime de bens50:
(...) 4- Conquanto não haja a exigência legal de formalização da união estável como pressuposto de sua existência, é certo que a ausência dessa formalidade poderá gerar consequências aos efeitos patrimoniais da relação mantida pelas partes, sobretudo quanto às matérias que o legislador, subtraindo parte dessa autonomia, entendeu por bem disciplinar. 5- A regra do art. 1.725 do CC/2002 concretiza essa premissa, uma vez que o legislador, como forma de estimular a formalização das relações convivenciais, previu que, embora seja dado aos companheiros o poder de livremente dispor sobre o regime de xxxx que regerá a união estável, haverá a intervenção estatal impositiva na definição do regime de bens se porventura não houver a disposição, expressa e escrita, dos conviventes acerca da matéria. 6- Em razão da interpretação do art. 1.725 do CC/2002, decorre a conclusão de que não é possível a celebração de escritura pública modificativa do regime de bens da união estável com eficácia retroativa, especialmente porque a ausência de contrato escrito convivencial não pode ser equiparada à ausência de regime de bens na união estável não formalizada, inexistindo lacuna normativa suscetível de ulterior declaração com eficácia retroativa. 7- Em suma, às uniões estáveis não contratualizadas ou contratualizadas sem dispor sobre o regime de bens, aplica-se o regime legal da comunhão parcial de bens do art. 1.725 do CC/2002, não se admitindo que uma escritura pública de reconhecimento de união estável e declaração de incomunicabilidade de patrimônio seja considerada mera declaração de fato pré- existente, a saber, que a incomunicabilidade era algo existente desde o princípio da
49 Ibid, pp. 76-77.
50 BRASIL. STJ. Recurso Especial N. 1845.416 – MS (2019/0150046-0) Relator: Ministro Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx. Disponível em:
<xxxxx://xxxxxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxxxxx/xxxxxxxxx/xxxxxxx/?xxxxxxxxxxxXXX&xxxxxxxxxxx0 033101&num_registro=201901500460&data=20210824&peticao_numero=-1&formato=PDF>.
Acesso em: 12 mar. 2022.
união estável, porque se trata, em verdade, de inadmissível alteração de regime de bens com eficácia ex tunc. 8- Na hipótese, a união estável mantida entre as partes entre os anos de 1980 e 2015 sempre esteve submetida ao regime normativamente instituído durante sua vigência, seja sob a perspectiva da partilha igualitária mediante comprovação do esforço comum (Súmula 380/STF), seja sob a perspectiva da partilha igualitária com presunção legal de esforço comum (art. 5º,caput, da Lei nº 9.278/96), seja ainda sob a perspectiva de um verdadeiro regime de comunhão parcial de bens semelhante ao adotado no casamento(art. 1.725 do CC/2002). (...)
Por fim, cabe frisar que o objetivo do contrato de convivência é exatamente o oposto do contrato de namoro, visto que enquanto um busca deixar claro que aquele casal vive em união estável, o outro busca demonstrar o contrário, ou seja, busca a descaracterização da união estável na relação em questão, mostrando que naquele momento, aquelas pessoas ainda estão em uma relação de namoro, conforme pontua Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxx em seu artigo no site Xxxxxxxx00:
O Contrato de Convivência é previsto no art. 1.725 do Código Civil, e tem por escopo regular a união estável entre duas pessoas do mesmo sexo ou sexos diversos. A união estável, por sua vez, é entendida como a "convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família" - os romanos a compreendiam a partir do brocardo "como se casados fossem" (more uxorio). Ou seja: o casal é encarado pela sociedade como uma família, ainda que não sejam casados. O termo juridicamente adequado para designar aqueles que vivem em união estável é companheiros, e seu estado civil é convivente em união estável. O Contrato de Xxxxxx, por sua vez, não tem previsão legal, e seu intuito é atestar a vontade do casal, declarando que naquele momento não vivem em união estável, tão somente como namorados.
Devido a tudo que foi aqui exposto, quem geralmente celebra um contrato de convivência, já está em um estágio bem avançado do seu relacionamento, tendo certeza do seu intuito de constituir família, fazendo esse contrato para que seu relacionamento não seja confundido com um namoro, tema que será abordado no próximo tópico.
51 VIANNA, Xxxxxxx Xxxxxxxxx. Contrato de convivência x contrato de namoro: precisamos falar sobre isso?. Migalhas. Disponível em: <xxxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx/000000/xxxxxxxx-xx- convivencia-x-contrato-de-namoro--precisamos-falar-sobre-isso>. Acesso em: 25 mar. 2022.
Já o namoro não traz nenhuma consequência jurídica, tratando-se de uma relação sem o mesmo compromisso da união estável, onde um ou mais requisitos não são cumpridos, em especial o intuito de se constituir família naquele momento.
Por conta disso, o namoro não é entendido como uma entidade familiar, visto que não tem nenhum efeito jurídico e não cria nenhum direito entre os namorados com por exemplo herança e regime de bens, conforme muito bem expõem Xxxxxx Xxxxx e Xxxxxxx Xxxxx00:
Diferentemente, dos companheiros, cujos direitos pessoais e patrimoniais são resguardados pela lei, os namorados não têm direito a herança nem a alimentos. Assim, com o fim do namoro, não há qualquer direito na meação dos bens do ex- namorado. Aliás, nem há de se falar em regime de bens ou em partilha de bens entre namorados. Os namorados não têm nenhum direito, pois o namoro não é uma entidade familiar.
Para muitos doutrinadores o namoro se trata do início de uma escalada de afeto, que ao final pode ou não resultar na formação de uma família, conforme dito por Xxxxxxxx xx Xxxxxxxx00:
Passo importante na escalada do afeto ocorre se o encontro inicial revela o início de uma efetiva relação amorosa. Dá-se então, o namoro, já agora um compromisso assumido entre homem e mulher que se entendem gostar um do outro. Pode ser paixão à primeira vista, embora nem sempre isso aconteça, pois o amor vai se consolidando aos poucos, com encontros e desencontros do casal embevecido. Do latim in amoré, o namoro sinaliza situação mais séria de relacionamento afetivo.
Mas, como nos outros casos, tais requisitos são bem subjetivos, uma vez que não há como saber exatamente o que as pessoas envolvidas em uma relação realmente pensam, como por exemplo o próprio intuito de constituir família, dado que as pessoas podem até pensar que em algum momento vão se envolver de forma mais séria, porém esse é um desejo para o futuro, pois no presente não há essa intenção, o que faz com que seja extremamente
52 MALUF, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx, XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx do Xxxx Xxxxxxx Xxxxx. Curso de Direito de família. São Paulo: Saraiva, 2013. pp. 376-377.
53 XXXXXXXX, Xxxxxxxx, 2006 apud TARTUCE, Xxxxxx. Direito de Família: Xxxxxx – Efeitos Jurídicos. São Paulo: Atlas, 2011, p. 256.
complexo conseguir saber em que momento esse plano passou de um desejo para o futuro, para a vivência no presente.
Por conta disso, houve o surgimento do contrato de namoro, que busca em suma, demonstrar a ausência de vontade de ambos do casal, em constituir união estável naquele momento em que o contrato é assinado.
O contrato de namoro, portanto, surgiu justamente com o objetivo de ser uma forma de comprovar que as reais intenções do casal naquele momento, não são no sentido de constituir família, conforme resume Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx00: “uma espécie de negócio jurídico no qual as partes que estão tendo um relacionamento afetivo acordam consensualmente que não há entre elas objetivo de constituir família”.
Seu surgimento é baseado no princípio da autonomia da vontade do casal, que não deseja que o relacionamento que possui naquele momento, tenha qualquer efeito patrimonial no futuro. Tal objetivo é muito bem explicado por Xxxxxx Xxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxx em seu artigo no site Migalhas55:
O objetivo do contrato de namoro é dar autonomia para o casal que não deseja se sujeitar a determinados efeitos jurídicos, cientes de que esse é o status do relacionamento dada a ausência de intenção de constituir família. Afinal, se não pactuado de maneira distinta (por instrumento público ou particular), a união estável atrairá o regime da comunhão parcial de bens. Findo o namoro, não será necessário fazer partilha de bens. Também não haverá efeito sucessório. Assim, o contrato de namoro é opção viável para os sujeitos que claramente não possuem intenção de constituir família e, com isso, não almejam determinados efeitos patrimoniais incidentes sobre as demais relações afetivas.
Tal contrato sempre deve conter prazo de validade, pois não se trata de um instrumento vitalício, devendo ser renovado ao final desse prazo, caso seja de interesse das partes, e deve deixar claro em suas cláusulas todos os
54 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Contrato de namoro: Amor Líquido e Direito de Família Mínimo. Belo Horizonte: Fórum, 2021, pp. 102-103.
55 XXXXX, Xxxxxx; XXXXXX, Xxxxxxx xxxxxxxxx. Xxxxxx, pra que serve o contrato de namoro? Migalhas. Disponível em: <xxxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx/000000/xxxxxx-xxxx-xxx-xxxxx-x- contrato-de-namoro>. Acesso em: 10 jan. 2022.
aspectos que explicam o porquê naquele caso não se trata de uma união estável.
Entre as cláusulas mais comuns nos contratos de namoro está a cláusula de coabitação, onde o casal afirma que o fato de estarem morando juntos, não significa que tenham interesse em constituir uma família, e estão nessa situação por conta de outros motivos como corte de custos, caso não morem juntos tal cláusula deve informar essa situação.
Outra cláusula muito utilizada é a da independência econômica dos membros do casal, onde é dito que cada um produz o próprio sustento e paga as próprias contas, não se utilizando de qualquer ajuda financeira do namorado, o que também indica uma ausência do intuito de constituir família. A cláusula que versa sobre a ausência de direitos sucessórios entre os namorados também é de extrema relevância no contrato de namoro, já que demonstra que ambos não serão herdeiros um do outro, em caso de
falecimento de um dos dois durante a relação de xxxxxx.
Outra cláusula que também pode ser colocada nesse contrato é a da possibilidade de se converter o namoro em união estável, caso seja de interesse das partes. Nesta cláusula pode haver alguma disposição de como será feito o contrato de convivência, caso ocorra essa conversão, como por exemplo pode ser escolhido o regime de bens a ser aplicado em caso de conversão para união estável.
Nenhuma dessas cláusulas é obrigatória no contrato de namoro, visto que se trata de um contrato atípico, portanto esse contrato pode conter apenas parte dessas cláusulas, como pode acrescentar diversas outras como que, caso nasça um filho desse relacionamento tal fato não indica que as partes passaram a viver em união estável, ou quem ficará com o animal de estimação do casal de namorados, em caso de término.
Por conta de todas essas características, o contrato de namoro tem basicamente a finalidade de demonstrar que o casal não tem a intenção de constituir família e por isso não deseja que todos os efeitos da união estável incidam sobre seu relacionamento, e em especial sobre o seu patrimônio.
Por isso, mesmo havendo discussão sobre a validade ou não desse tipo de contrato, muitos casais ainda assim optam em assiná-lo, em virtude de que ele pode servir como um bom meio de prova em uma eventual discussão sobre a existência ou não de união estável, como muito bem pontuaram Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxx e Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx xxx Xxxxxx, em um trecho de seu artigo no site Âmbito Jurídico, onde citam a professora Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx00:
Segundo Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx (2011), mestre em Direito da UFPR, o contrato de namoro protegeria o casal contra uma possível prova para desclassificar uma união estável, servindo para que o patrimônio do casal não se enquadre no âmbito jurídico. “O contrato de namoro serve para que o patrimônio do casal não se enquadre no campo Jurídico como uma União Estável, o contrato protegeria o casal contra uma possível prova para desclassificar uma União Estável.
Esse tipo de contrato, portanto, geralmente é feito por pessoas que tem uma relação de namoro que pode ser confundida com uma união estável, como por exemplo a coabitação, viagens conjuntas, idas a eventos familiares um do outro, entre outras coisas normalmente associadas a pessoas casadas, mas não possuem a intenção de constituir família naquele momento, apesar de aos olhos de muitos, parecer que sim, pois essas pessoas geralmente se enquadram em uma figura já utilizada pela jurisprudência para definir esse tipo de relação, o namoro qualificado, tema que será tratado a seguir.
56 XXXXX, Xxxxxx; XXXXXX, Xxxxxxx xxxxxxxxx. Xxxxxx, pra que serve o contrato de namoro? Migalhas. Disponível em: <xxxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx/000000/xxxxxx-xxxx-xxx-xxxxx-x- contrato-de-namoro>. Acesso em: 10 jan. 2022.
Essa figura do namoro qualificado é a linha tênue criada pelo subjetivismo que marca o reconhecimento ou não, de uma união estável. Isso ocorre em especial por conta da falta de regulação do tema da união estável, o que causa esses cenários de incertezas, como muito bem elucidado por Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx00:
No cenário descrito, de ausência de contornos mais nítidos da configuração de união estável, estes fazem com que essa entidade familiar e o namoro apareçam separados por uma linha tênue, quase imperceptível. Até mesmo os autores desfavoráveis ao contrato de namoro admitem que a diferença entre as entidades é nebulosa. Certamente, isso será ainda mais potencializado se o que estiver em jogo for um namoro qualificado.
Essa qualificação ganhou muita força na jurisprudência brasileira no julgamento realizado pelo STJ do Resp.1454643 RJ, no qual a corte analisou um caso onde um casal havia coabitado em um mesmo imóvel, por um período de 2 anos, antes de efetivamente se casarem. Nessa análise os ministros consideraram que isso ocorreu por motivos estritamente profissionais e serviu como uma preparação para a vivência em conjunto como se fossem uma família, o que só aconteceu de acordo com os ministros, após o casamento, caracterizando que a relação vivenciada até então, se tratou de um namoro qualificado:
RECURSO ESPECIAL E RECURSO ESPECIAL ADESIVO. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL, ALEGADAMENTE COMPREENDIDA NOS DOIS ANOS ANTERIORES AO CASAMENTO, C.C. PARTILHA DO IMÓVEL ADQUIRIDO NESSE PERÍODO. 1. ALEGAÇÃO DE NÃO COMPROVAÇÃO DO FATO CONSTITUTIVO DO DIREITO DA AUTORA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. 2. UNIÃO ESTÁVEL. NÃO CONFIGURAÇÃO. NAMORADOS QUE, EM VIRTUDE DE CONTINGÊNCIAS E INTERESSES PARTICULARES (TRABALHO E ESTUDO) NO EXTERIOR, PASSARAM A COABITAR. ESTREITAMENTO DO RELACIONAMENTO, CULMINANDO EM NOIVADO E, POSTERIORMENTE, EM CASAMENTO. 3. NAMORO QUALIFICADO. VERIFICAÇÃO. REPERCUSSÃO PATRIMONIAL. INEXISTÊNCIA. 4. CELEBRAÇÃO DE CASAMENTO, COM ELEIÇÃO DO REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. TERMO A PARTIR DO QUAL OS ENTÃO NAMORADOS/NOIVOS, MADUROS QUE ERAM,
57 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Contrato de namoro: Amor Líquido e Direito de Família Mínimo. Belo Horizonte: Fórum, 2021, p. 98.
ENTENDERAM POR BEM CONSOLIDAR, CONSCIENTE E VOLUNTARIAMENTE, A RELAÇÃO AMOROSA VIVENCIADA, PARA CONSTITUIR, EFETIVAMENTE, UM NÚCLEO FAMILIAR, BEM COMO COMUNICAR O PATRIMÔNIO HAURIDO. OBSERVÂNCIA . NECESSIDADE. 5. RECURSO ESPECIAL PROVIDO, NA PARTE CONHECIDA; E RECURSO ADESIVO PREJUDICADO. 1. O conteúdo
normativo constante dos arts. 332 e 333, II, da lei adjetiva civil, não foi objeto de discussão ou deliberação pela instância precedente, circunstância que enseja o não conhecimento da matéria, ante a ausência do correlato e indispensável prequestionamento. 2. Não se denota, a partir dos fundamentos adotados, ao final, pelo Tribunal de origem (por ocasião do julgamento dos embargos infringentes), qualquer elemento que evidencie, no período anterior ao casamento, a constituição de uma família, na acepção jurídica da palavra, em que há, necessariamente, o compartilhamento de vidas e de esforços, com integral e irrestrito apoio moral e material entre os conviventes. A só projeção da formação de uma família, os relatos das expectativas da vida no exterior com o namorado, a coabitação, ocasionada, ressalta-se, pela contingência e interesses particulares de cada qual, tal como esboçado pelas instâncias ordinárias, afiguram-se insuficientes à verificação da affectio maritalis e, por conseguinte, da configuração da união estável. 2.1 O propósito de constituir família, alçado pela lei de regência como requisito essencial à constituição da união estável - a distinguir, inclusive, esta entidade familiar do denominado "namoro qualificado" -, não consubstancia mera proclamação, para o futuro, da intenção de constituir uma família. É mais abrangente. Esta deve se afigurar presente durante toda a convivência, a partir do efetivo compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros. É dizer: a família deve, de fato, restar constituída. 2.2. Tampouco a coabitação, por si, evidencia a constituição de uma união estável (ainda que possa vir a constituir, no mais das vezes, um relevante indício), especialmente se considerada a particularidade dos autos, em que as partes, por contingências e interesses particulares (ele, a trabalho; ela, pelo estudo) foram, em momentos distintos, para o exterior, e, como namorados que eram, não hesitaram em residir conjuntamente. Este comportamento, é certo, revela-se absolutamente usual nos tempos atuais, impondo-se ao Direito, longe das críticas e dos estigmas, adequar-se à realidade social. 3. Da análise acurada dos autos, tem-se que as partes litigantes, no período imediatamente anterior à celebração de seu matrimônio (de janeiro de 2004 a setembro de 2006), não vivenciaram uma união estável, mas sim um namoro qualificado, em que, em virtude do estreitamento do relacionamento projetaram para o futuro - e não para o presente -, o propósito de constituir uma entidade familiar, desiderato que, posteriormente, veio a ser concretizado com o casamento.
4. Afigura-se relevante anotar que as partes, embora pudessem, não se valeram, tal como sugere a demandante, em sua petição inicial, do instituto da conversão da união estável em casamento, previsto no art. 1.726 do Código Civil. Não se trata de renúncia como, impropriamente, entendeu o voto condutor que julgou o recurso de apelação na origem. Cuida-se, na verdade, de clara manifestação de vontade das partes de, a partir do casamento, e não antes, constituir a sua própria família. A celebração do casamento, com a eleição do regime de comunhão parcial de bens, na hipótese dos autos, bem explicita o termo a partir do qual os então namorados/noivos, maduros que eram, entenderam por bem consolidar, consciente e voluntariamente, a relação amorosa vivenciada para constituir, efetivamente, um núcleo familiar, bem como comunicar o patrimônio haurido. A cronologia do relacionamento pode ser assim resumida: xxxxxx, noivado e casamento. E, como é de sabença, não há repercussão patrimonial decorrente das duas primeiras espécies de relacionamento. 4.1 No contexto dos autos, inviável o reconhecimento da união estável compreendida, basicamente, nos dois anos anteriores ao casamento, para o único fim de comunicar o bem então adquirido exclusivamente
pelo requerido. Aliás, a aquisição de apartamento, ainda que tenha se destinado à residência dos então namorados, integrou, inequivocamente, o projeto do casal de, num futuro próximo, constituir efetivamente a família por meio do casamento. Daí, entretanto, não advém à namorada/noiva direito à meação do referido bem. 5. Recurso especial provido, na parte conhecida. Recurso especial adesivo prejudicado. 58
Em virtude disso, o namoro qualificado, em suma, é caracterizado quando uma relação amorosa cumpre a maioria dos requisitos da união estável, já que é uma relação pública, contínua e duradoura, mas não satisfaz o último requisito, do intuito de constituir família, também chamado de “affectio maritalis”, lembrando que a duração de um relacionamento não faz com que necessariamente ele se torne uma união estável, tal definição é adotada por Clarissa Lavocat Xxxxxx xx Xxxxxxx00:
A ausência do affectio maritalis, assim, é o que define quando um relacionamento, independente de ser pautado por encontros amorosos constantes, relações sexuais regulares, viagens e eventos sociais conjuntos, entre outros, é namoro qualificado. Isso porque, para a efetiva configuração da união estável todos os outros requisitos são dispensáveis, desde que exista a constituição de família.
Esse “affectio maritalis” portanto, é a diferença central entre uma união estável e um namoro qualificado, visto que este faz com que as pessoas tenham uma relação muito mais similar ao casamento, do que ao namoro comum, todavia ainda sim seu projeto para constituição de família, ou é algo que ainda não foi pensado, ou está somente no campo da imaginação para um momento futuro, o que faz com não seja possível definir tal relação como uma união estável, dado que esta exige que tal projeto seja algo já colocado em prática, como muito bem afirma o doutrinador Xxxx Xxxxxxxx00:
A união estável exige pressupostos mais sólidos de configuração, não bastando o mero namoro, por mais estável ou qualificado que se apresente, porquanto apenas a convivência como casal estável, de comunhão plena e vontade de constituir
58 BRASIL. STJ. Recurso Especial: REsp 1454643 RJ 2014/0067781-5. Órgão Julgador T3 – terceira turma. Relator: Ministro Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx. Disponível em:
<xxxxx://xxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxxxx/000000000/xxxxxxx-xxxxxxxx-xxxx-0000000-xx-0000- 0067781-5>. Acesso em: 10 jan. 2022.
59 XXXXXXX, Xxxxxxxx Lavocat Xxxxxx de. O Affectio Maritalis como elemento divisor entre união estável e namoro qualificado (monografia de graduação). UniCEUB. Faculdade de Ciência Jurídicas e Sociais, pp. 37-38. Disponível em:
<xxxxx://xxxxxxxxxxx.xxxxxxx.xx/xxxxx/xxxxxxxxx/000/00000/0/00000000%00Xxxxxxxx%00xx%00Xxx eida.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2022.
60 XXXXXXXX, Xxxx. Curso de Direito de Família. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p.1.138.
família concretiza a relação estável, da qual o namoro é apenas um projeto que ainda não se desenvolveu e talvez sequer evolua como entidade familiar.
Logo, podemos concluir que o namoro qualificado é uma última etapa antes da união estável, não sendo levado em consideração o tempo de duração da relação, mas somente a intenção dessas pessoas, que devem demonstrar por meio de gestos, como o apoio moral e material, que estão totalmente comprometidos com a relação. Nesse sentido se posicionam Laryssa Kellen Xxxxxxx Xxxxxx e Xxxxx do Carmo Cota em seu artigo no site Xxx.xxx, no momento em que citam o doutrinador Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx00:
Para que se configure o namoro qualificado deverão ser observados os seguintes aspectos: maioridade, capacidade das partes, fidelidade recíproca, publicidade, solidez, convivência contínua e duradoura e a ausência da affectio maritalis. Conforme a visão de Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx (2015, p. 202) “namoro é o relacionamento entre duas pessoas sem caracterizar uma entidade familiar. Pode ser a preparação para constituição de uma família futura, enquanto na união estável a família já existe. Assim o que distingue esses dois institutos é o animus familiar, reconhecido pelas partes e pela sociedade (trato e fama). Existem namoros longos que nunca se transformaram em entidade familiar e relacionamentos curtos que logo se caracterizam como união estável. O mesmo se diga com relação á presença de filhos, que pode se dar tanto no namoro quanto na união estável.
Essa questão de o tempo de relacionamento ser um forte indicativo de uma possível união estável - afinal um dos requisitos para essa caracterização é ele ser durável - mas não ser necessariamente a prova definitiva, está descrita em um caso do TJRS, trazido pelo doutrinador Xxxxxx Xxxxxxx, em seu artigo no site migalhas, onde é demonstrado que mesmo um relacionamento de oito anos, ainda assim, pode ser considerado namoro qualificado e não união estável62:
Justamente por tais dispensas de formalidades, ao contrário do que ocorre com o casamento, tem variado muito a jurisprudência no enquadramento da união estável. Gosto sempre de citar, com o fim de ilustrar as dificuldades existentes na configuração da união estável, aresto do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que afastou a sua caracterização no caso em que duas pessoas namoravam havia cerca de oito anos, mas que não chegaram a constituir família. O relator do acórdão entendeu pela inexistência da união estável e pela presença de um namoro, pois
61 KELLEN, Laryssa. União Estável e namoro qualificado: diferenciações. Xxx.xxx.xx. Disponível em: <xxxxx://xxx.xxx.xx/xxxxxxx/00000/xxxxx-xxxxxxx-x-xxxxxx-xxxxxxxxxxx-xxxxxxxxxxxxxx>. Acesso em: 22 mar. 2022.
62 TARTUCE, Xxxxxx. União estável e namoro qualificado. Migalhas. Disponível em:
<xxxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx/xxxxxxx-x-xxxxxxxxx/000000/xxxxx-xxxxxxx-x-xxxxxx- qualificado>. Acesso em: 10 jan. 2022.
"faltou um requisito essencial para caracterizá-lo como união estável: inexistiu o objetivo de constituir família''. Com efeito, durante os longos anos de namoro mantido entre os litigantes, eles sempre mantiveram vidas próprias e independentes. Realizaram várias viagens juntos, comemoraram datas festivas e familiares, participavam de festas sociais e entre amigos, a autora realizava compras para a residência do réu - pagas por ele -, às vezes ela levava o carro dele para lavar, e consta que ela gozou licença-prêmio para auxiliar o namorado num momento de doença. Contudo, ainda que o relacionamento amoroso tenha ocorrido nesses moldes, nunca tiveram objetivo de constituir família" 63
Esse cenário, em que a diferenciação entre uma união estável e um namoro nunca esteve tão difícil de ser feita, fez com que a busca por uma maior contratualização das relações familiares aumentasse, pois assim as pessoas alcançariam uma maior segurança jurídica se eventualmente sua relação fosse judicializada por um ex-parceiro, de que sua vontade seria respeitada, ou seja, houve uma tentativa de deixar esse procedimento de reconhecimento um pouco mais objetivo.
Portanto, para as pessoas que desejam firmar um contrato com o seu parceiro, deixando claro o tipo relacionamento que tem, existem duas saídas: uma é caso vivam em união estável, estabelecer um contrato de convivência, que já tem sua validade reconhecida inclusive pelo Código Civil; ou, se a relação for um namoro, há a opção da nova figura do contrato de namoro, cuja validade será discutida no capítulo a seguir.
63 EMBARGOS INFRINGENTES.UNIÃO ESTÁVEL. CARACTERIZAÇÃO DE NAMORO. O
xxxxxx, embora público, xxxxxxxxx e continuado, não caracteriza união estável se nunca objetivaram os litigantes constituir família. EMBARGOS INFRINGENTES DESACOLHIDOS, POR MAIORIA. (Embargos Infringentes Nº 70008361990, Quarto Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx, Julgado em 13/08/2004)
(TJ-RS - EI: 70008361990 RS, Relator: Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx, Data de Julgamento: 13/08/2004, Quarto Grupo de Câmaras Cíveis, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia)
3. (IN)VALIDADE DO CONTRATO DE NAMORO
Uma das formas utilizadas para justificar a validade do contrato de namoro no ordenamento jurídico brasileiro, é analisá-lo por meio da perspectiva de dois princípios contratuais muito utilizados no direito de família, sendo eles: o princípio da não intervenção estatal nas relações de família, também conhecido como princípio da liberdade, e o da autonomia privada.
O princípio da liberdade foi consagrado na lei brasileira no art. 1513 do Código Civil64, onde fica explícito que o próprio núcleo familiar tem autonomia para definir todos os ditames do seu relacionamento, sejam eles os mais simples, como a decisão de quem irá realizar tarefas domésticas, ou mais rebuscados como a definição de regime de bens.
Partindo desse pressuposto de que a própria lei brasileira limita o poder de interferência do Estado nos relacionamentos das pessoas casadas ou em união estável, é que defensores do contrato de xxxxxx argumentam que não faria sentido que o mesmo tivesse essa ingerência, no caso em que um casal deseja apenas determinar se o seu relacionamento se trata ou não de namoro.
Dessa forma o Estado estaria fugindo de sua função principal no direito de família, pois seu papel é atuar em casos em que os próprios membros de um relacionamento não possam definir por eles mesmos, visto que não faria sentido se o Estado pudesse “obrigar” alguém a constituir uma família, mas logo após essa formação não tivesse mais nenhum poder de interferir nas futuras decisões do casal.
A função desse princípio foi muito bem abordada pelo doutrinador Xxxx Xxxxxxxx, que explica de forma precisa como o estado deve prestar um
64 Art. 1.513. É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família.
papel de apoio ao casal que resolve constituir família, e não, os obrigar a ter um determinado tipo de relacionamento65:
O princípio do livre-arbítrio se faz muito presente no âmbito familiar, pela liberdade de escolha na constituição de uma unidade familiar, entre o casamento e a união estável, vetada a intervenção de pessoa ou privada (CC, art. 1.513); na livre-decisão acerca do planejamento familiar (CC, art. 1.565, § 2º), só intervindo o Estado para propiciar recursos educacionais e informações científicas; na opção pelo regime matrimonial (CC, art. 1.639), e sua alteração no curso do casamento (CC, art. 1.639, § 2º), [...]; na liberdade de escolha entre o divórcio judicial ou extrajudicial e a extinção consensual da união estável, presentes os pressupostos de lei (CPC, art. 733).
Já o princípio da autonomia privada, que tem uma ligação direta com a não intervenção estatal nas relações de família, defende em suma que as pessoas devem ter o direito de decidir o que é melhor para elas, uma vez que se tratam de indivíduos autônomos, que possuem o discernimento necessário para tomar suas próprias decisões, só devendo ser impedidas de realizar tais ações caso estejam violando direitos de terceiros, como muito bem pontua o doutrinador Xxxxxx Xxxxxxx00:
Esse princípio tem como matriz a concepção do ser humano como agente moral, dotado de razão, capaz de decidir o que é bom ou ruim para si, e que deve ter a liberdade para guiar-se de acordo com estas escolhas, desde que elas não perturbem os direitos de terceiros nem violem outros valores relevantes para a comunidade
Esse princípio geralmente é interpretado e utilizado com um viés mais patrimonial, em especial nos contratos empresariais, onde os empresários por estarem em condições de equivalência, possuem maior autonomia para definir os termos dos seus próprios contratos. Mas apesar dessa visão continuar válida e sendo aplicada no âmbito do direito societário, também passou a ser muito utilizada no campo do direito de família em sua perspectiva mais existencial, principalmente quando se trata dos relacionamentos, dado que o casal em regra também se encontra em condições de igualdade e tem total noção do que está pactuando, por se tratar de duas pessoas adultas que compreendem suas responsabilidades. Portanto,
65 XXXXXXXX, Xxxx. Direito de Família. 9. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2019, p.93.
66 TARTUCE, Xxxxxx. Direito Civil: direito de família. 15 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p.23.
como afirma a professora Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, o princípio da autonomia privada também é aplicado em situações de direitos existênciais67:
A expressão “autonomia privada” deve ser entendida não mais apenas como liberdade contratual, sob acepção patrimonialista, mas no seu sentido mais amplo: como a manifestação do poder da vontade individual, ou melhor, como a manifestação da vontade do sujeito de direitos em relação a todos os atos da vida civil, sejam patrimoniais ou não patrimoniais.
A mesma autora ainda argumenta que o papel do Estado, na realidade, é de ser o garantidor de que essa autonomia seja preservada, visto que ela se trata de um direito fundamental. Em suma, a autora defende que essa atuação só deve ocorrer quando há uma violação da ordem jurídica com malefícios para uma das partes68:
Em verdade, o Estado somente deve interferir no âmbito familiar para efetivar a promoção dos direitos fundamentais de seus membros – como a dignidade, a igualdade, a liberdade, a solidariedade, etc. -, e, contornando determinadas distorções, permitir o próprio exercício da autonomia privada dos mesmos, o desenvolvimento de sua personalidade e o alcance da felicidade pessoal de cada um deles, bem como a manutenção do núcleo afetivo. Em outras palavras, o Estado apenas deve utilizar-se do direito de família quando essa atividade implicar uma autêntica melhora na situação dos componentes da família.
Nessa mesma linha se manifesta o doutrinador Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx, constatando que a interferência estatal só deve acontecer para a proteção dos mais vulneráveis e garantia da ordem jurídica69:
O afeto como valor jurídico importa nova concepção do Direito de Família na sua relação entre o público e o privado. A intervenção do Estado na família deve ser frequente, mas apenas protetiva, especialmente para os incapazes e pessoas fragilizadas, evitando abusos e proporcionando seu desenvolvimento, sem ingerência na sua constituição e manutenção. O Direito de Família, por consequência, é ramo de direito privado, regulado por normas cogentes ou de ordem pública, com forte intervenção protetiva do Estado, mas respeitando a vontade de seus membros; suas instituições jurídicas são de direito-deveres; é direito personalíssimo, irrenunciável e intransmissível.
Outros doutrinadores que se manifestaram sobre o tema foram Xxxxxx Xxxxxxxxx e Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx, demonstrando com clareza a mudança
67 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Contrato de namoro: Amor Líquido e Direito de Família Mínimo. Belo Horizonte: Fórum, 2021, p. 79.
68 Ibid, p. 81.
69 XXXXXXXX, Xxxxx Messias de. Direito das Famílias. São Paulo: Editora Saraiva, 2015.
do papel estatal nas relações familiares, uma vez que diferentemente de tempos passados onde a própria igreja tinha uma grande influência no Estado, fazendo com que ele tivesse uma intervenção maior na vida privada das pessoas, nos dias atuais o cenário é completamente inverso, já que a tendência é de cada vez menos interferência estatal nas relações pessoais e consequentemente maior força para a autonomia privada de todos70:
Forçoso reconhecer, portanto, a suplantação definitiva da (indevida e excessiva) participação estatal nas relações familiares, deixando de ingerir sobre aspectos personalíssimos da vida privada, que, seguramente, dizem respeito somente à vontade e à liberdade da autodeterminação do próprio titular, como expressão mais pura de sua dignidade. O Estado vai se retirando de um espaço que sempre foi lhe estranho, afastando-se de uma ambientação que não lhe diz respeito (esperando-se, inclusive, que venha, em futuro próximo, a cuidar, com mais vigor e competência das atividades que, realmente, precisam de sua direta e efetiva atuação). Nas relações familiares, a regra é a autonomia privada, com a liberdade da atuação do titular. A intervenção estatal somente será justificável quando for necessário para garantir os direitos (em especial, os direitos fundamentais reconhecidos em sede constitucional) de cada titular, que estejam periclitando.
Com isso a posição dominante no momento, é a que privilegia o afeto entre os participantes de um relacionamento, sendo ele a base tanto do início quanto do fim das relações, não tendo, portanto, motivos para o Estado interferir nessa relação, visto que se trata de algo pessoal, que apenas o íntimo de cada um consegue descrever com exatidão, conforme muito bem pontua Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx00:
O reconhecimento do afeto implica necessariamente em autorização do exercício da autonomia privada. Assim, se o afeto é o elemento estruturante da família hodierna, somente pode-se reconhecer a existência desta entidade quando tal elemento estiver presente, daí por que não é incoerente falar em liberdade de formação (se presente o afeto) e liberdade de extinção (se ausente o afeto) da família.
Ainda cabe ressaltar a posição de Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx, ao citar Xxxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxx, onde a doutrinadora deixa claro que o único princípio que deve se sobressair frente a autonomia privada, é o da
70 FARIAS, Xxxxxxxxx Xxxxxx e XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de Direito Civil: Famílias, Salvador: Ed. JusPodivm, 2016.
71 XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx. Direito de Família Mínimo: A Possibilidade da Aplicação e o Campo de Incidência da Autonomia Privada no Direito de Família, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010, p. 138.
solidariedade social, pois o bem estar coletivo é a base de todo o nosso sistema constitucional72:
Ao direito de liberdade será sempre contraposto o dever de solidariedade social. Se os direitos só podem ser exercidos em contextos sociais, nos quais se dão as relações entre pessoas, o exercício dos próprios direitos deve sempre ser temperado pelo exercício do princípio constitucional da solidariedade, que se identifica com o conjunto de instrumentos voltados para garantir uma existência digna, comum a todos, numa sociedade que se desenvolva como livre e justa, sem excluídos ou marginalizados
Sendo assim, a autonomia privada vem ganhando uma relevância cada vez maior, se tornando o pilar da nova visão sobre o direito de família e servindo de base para outros conceitos que somente puderam surgir por conta desse crescimento da importância da vontade das pessoas.
Baseado em especial nesses dois princípios anteriormente abordados, se funda o do direito de família mínimo, que é uma das bases para se analisar o surgimento do contrato de namoro de acordo com Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, visto que para a doutrinadora, o que sustenta sua utilização é a visão de que, na sociedade atual prevalecem o chamado amor líquido, conforme já demonstrado neste trabalho monográfico, e a valorização da autonomia dos casais para definirem o rumo de seu relacionamento, com pouca intervenção estatal, pensamento este demonstrado nessa passagem de sua obra73: “o amor líquido e o direito de família mínimo são, portanto, as duas premissas basilares que permitem o exame do contrato de namoro, servindo como verdadeiros sustentáculos dessa figura”.
Defensores da validade do contrato de xxxxxx afirmam que esse movimento de menor envolvimento estatal nas relações familiares está
72 MULTEDO, Xxxxxx Xxxxxx, apud XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxx de. Liberdade e Família – Limites para a intervenção do Estado nas relações conjugais e parentais. Ed. Processo. Rio de Janeiro, 2017, p. 23.
73 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Contrato de namoro: Amor Líquido e Direito de Família Mínimo. Belo Horizonte: Fórum, 2021, p. 64.
acontecendo nesse momento, e a tendencia é que ele continue evoluindo à medida que continua a evolução das legislações.
Devido a esse movimento, Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx defende, em sua obra sobre o contrato de namoro, no momento em que cita o doutrinador Xxxxx Xxxx, que esse movimento do direito de família mínimo faz com que haja uma completa troca no significado do que entendemos como a ideia de família.
No passado a intervenção do Estado na família era vista como necessária e por isso os indivíduos tinham pouca autonomia nesse campo, dado que eles deviam existir e servir para o bom funcionamento da estrutura familiar, sendo que sua felicidade e seu bem estar pouco importavam, pois o seu verdadeiro propósito era manter durante toda a vida, a sagrada estrutura familiar.
Essa lógica se inverteu em especial depois da Constituição de 1988, já que nos dias atuais não é a pessoa que deve existir para proporcionar o bom funcionamento da família e sim a família e os institutos ligados a ela, como o casamento, que devem existir para proporcionar a felicidade, a realização pessoal, a satisfação de suas vontades psicológicas enquanto ser humano. Portanto, de acordo com a doutrinadora a família existe para o indivíduo e não o contrário74:
Não resta dúvida de que houve uma repersonalização das relações de família, conforme escreveu Xxxxx Xxxx. Nesse sentido, importa demonstrar que “não é mais o indivíduo que existe para a família e para o casamento, mas a família e o casamento existem para o seu desenvolvimento pessoal, em busca de sua aspiração à felicidade”. Evidentemente, essa ratio também se aplica às outras formas de família. Dessa forma, a concepção institucional de família é superada pelo princípio eudemonista, centrado na realização pessoal dos membros. É essa dicção da primeira parte do art. 226 §8º, da Constituição da República: “o estado assegurará à família na pessoa de um dos que a integram [...]”. Tudo isso representa uma grande virada de Xxxxxxxxx na família contemporânea.
Essa ideia de se limitar ao máximo a interferência do estado nas relações veio inspirada na teoria do direito penal mínimo, onde se defende
74 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Contrato de namoro: Amor Líquido e Direito de Família Mínimo. Belo Horizonte: Fórum, 2021, pp. 67-68.
que poucas situações do direito penal sejam penalizadas com a pena privativa de liberdade, ou seja, delitos mais leves devem ser punidos com sanções de natureza civil ou outras penas diversas da prisão. Em suma, para a maior efetividade do direito penal, tal visão acredita que o rol de crimes de menor potencial ofensivo deve ser ampliado e as penas para tais delitos devem ser diversas da prisão, visão essa que vai na contramão do que se tem visto nos dias atuais, onde cada vez mais se defende um endurecimento das penas.
Mas, o mais relevante para a análise do contrato de namoro não é a questão se essa teoria seria ou não a melhor opção no âmbito penal e sim, analisar os preceitos que foram usados como base para a criação dessa teoria, e utilizá-los de forma adaptada para o direito de família, que no caso seria a ideia de que o estado só deve agir de forma mais veemente e intervencionista, em situações de extrema importância e relevância social.
Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx sintetiza bem essa visão da teoria minimalista penal e também a de família, afirmando que o estado deve agir de forma incisiva onde é necessário, mas ao mesmo tempo deve diminuir seu campo de atuação para que tenha ações mais efetivas e eficientes75:
Eis que, como contraponto, a doutrina minimalista propõe que o direito penal deve tutelar somente os bens jurídicos de maior relevância para o ser humano, tais como vida, dignidade e sexualidade. A proposta de redução penal impede que haja criminalização de condutas de menor potencial ofensivo, na hipótese de serem consideradas insignificantes. Com isso, evita-se a banalização da sanção penal, além de se tornar esse do direito mais eficaz.
Ainda cabe ressaltar que a teoria do direito de família mínimo, defende que se utilizar do poder judiciário para resolver questões sobre relacionamentos, muitas vezes é extremamente ineficiente, dado que os julgamentos costumam demorar devido ao acúmulo de ações no poder judiciário.
Tais números podem ser constatados observando-se os dados trazidos no relatório da justiça, realizado anualmente pelo conselho nacional de justiça, lançado em 2021, com dados referentes ao ano de 2020 (último
75 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Contrato de namoro: Amor Líquido e Direito de Família Mínimo. Belo Horizonte: Fórum, 2021, p. 64.
relatório lançado até a data de entrega do presente trabalho monográfico) onde as varas de família possuem uma taxa de congestionamento de 69%, ou seja, o número de processos esperando julgamento em uma vara de família é 69% maior do que o número de processos realmente julgados76.
Outro número que chama a atenção é o número de processos novos sobre essa matéria, já que de acordo com o mesmo relatório em 2020, mesmo sendo ano de pandemia, o que fez com que inclusive o número de ações judiciais caísse em relação a 2019, houve 1.303.589 novos processos sobre a matéria do direito de família, o que nos faz crer que ainda estamos longe de conseguir resolver a maioria dos problemas relacionados a essa matéria, fora do judiciário. E ainda pior é a constatação do fato de que no próprio judiciário, o litígio costuma continuar, já que foi observada uma queda no número de conciliações. Em 2019 12,5% dos processos foram resolvidos por meio de conciliação, enquanto em 2020 esse número foi de 9,9%, números estes que mesmo se referindo a todas as áreas do poder judiciário e não apenas ao direito de família, demonstram que ainda enfrentamos um excesso de judicializações, mostrando que a teoria minimalista precisa ainda de muito fortalecimento para ser mais aplicada.
Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx define bem o porquê da necessidade de utilizar essa teoria para diminuir os conflitos, uma vez que na maioria dos casos a judicialização só agrava os problemas do casal, tornando o clima ainda mais bélico entre as partes77:
O processo judicial poderá representar um estímulo aos acirramentos das diferenças entre os litigantes, tornando as partes “contentores de uma disputa segundo o código binário de tudo ou nada, de certo ou errado, de inocente ou culpado.
76 BRASIL. CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Justiça em números 2021. Brasília: CNJ, 2021, pp. 192, 224, 272. Disponível em: <xxxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xx-xxxxxxx/xxxxxxx/0000/00/xxxxxxxxx- justica-em-numeros2021-12.pdf>. Acesso em: 12 mar. 2022.
77 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Contrato de namoro: Amor Líquido e Direito de Família Mínimo. Belo Horizonte: Fórum, 2021, p. 72.
A autora também pontua muito bem, todos os problemas que levar esse tipo de caso para a apreciação de um juiz, pode causar, no momento em que cita a doutrinadora Xxxxx Xxxxxxxx Xxxx00:
Afinal, o magistrado, que possui uma gama inesgotável de processos, ainda precisa cumprir metas de produtividade. Diante disso, as decisões proferidas acabam não cumprindo a função esperada. Nas palavras de Xxxxx Xxxxxxxx Xxxx: A sentença raramente produz o efeito apaziguador desejado pela justiça. Principalmente nos processos que envolvem vínculos afetivos, em que as partes estão repletas de temores, queixas e mágoas, sentimentos de amor e ódio se confundem. A resposta judicial jamais responde aos anseios de quem busca muito mais resgatar prejuízos emocionais pelo sofrimento de sonhos acabados do que reparações patrimoniais ou compensações de ordem econômica. Independentemente do término do processo judicial, subsiste o sentimento de impotência dos componentes do litígio familiar além dos limites jurídicos. O confortante sentido de justiça e de missão cumprida dos profissionais quando alcançam um acordo, dá lugar à sensação de insatisfação diante dos desdobramentos das relações conflituosas
Portanto após analisar todos os dados fica claro que a judicialização de relacionamentos traz diversos prejuízos, que vão além do tempo e dinheiro gastos pelas partes, visto que sempre um dos lados, e às vezes até os dois lados, saem insatisfeitos com a decisão, achando que foram injustiçados. Por isso, quanto mais o estado intervier com leis que tentem limitar a autonomia privada das pessoas, em especial no que tange aos relacionamentos, maiores problemas ele irá criar entre as partes, sendo que o direito de família mínimo seria a melhor solução para apaziguar essa situação e devido a isso não deveria haver nenhuma limitação à celebração dos contratos de namoro.
3.3 Ausência de Vedação Legal vs Impossibilidade de se Afastar Temas de Ordem Pública
Nas discussões sobre a validade do contrato de namoro, os defensores de sua validade afirmam que o fato de ele não ter regulamentação em lei, sendo, portanto, um contrato atípico, não o torna inválido, uma vez que também não há nenhuma norma proibindo que ele seja feito, ou seja, não há uma vedação legal para a sua elaboração.
78 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Contrato de namoro: Amor Líquido e Direito de Família Mínimo. Belo Horizonte: Fórum, 2021, p. 71.
Já quem questiona sua validade defende que esse contrato estaria sim, ferindo a ordem jurídica brasileira, dado que seu objetivo principal é afastar a incidência de uma união estável e isso por si só, o torna inválido, porque não se pode afastar temas de ordem pública, ou seja, temas que sejam de grande interesse social, recebendo inclusive tratamento especial da legislação, por meio de contratos. Para quem considera o contrato de namoro inválido, a união estável faz parte desse rol.
O argumento de que o contrato de xxxxxx seria legítimo por não haver vedação legal, se baseia em especial na redação do art. 104 do código civil79, artigo esse que define quando um negócio jurídico é valido ou não, pois para esses defensores o contrato de namoro se encaixaria em todas as descrições ali presentes, já que se trata de um contrato realizado por dois agentes capazes, se trata de um objeto lícito, possível e determinável, no caso a relação de namoro e não há nada na lei que vete sua utilização.
Tal visão tem amparo no pensamento do grande jurista Xxxx Xxxxxx que defende que, para que algo seja proibido de ser feito em uma sociedade, tal proibição deve estar clara e expressa no ordenamento jurídico, já que não se pode privar alguém de fazer, se não houver alguma norma que proíba, visão essa que diga-se de passagem, também foi utilizada na constituição federal de 1988 no art. 5, II80.
Portanto defensores do contrato de namoro se baseiam nesse pensamento de Xxxxxx para defender sua visão, dado que para ele não há como presumir que algo não possa ser feito, se isso não estiver disposto na lei, conforme muito bem explica Xxxxx Xxxxx em seu artigo sobre o pensamento de Xxxxxx00: “para ele não há lacunas na lei, partindo da premissa
79 Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei.
80 Art. 5º. II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
81 XXXXX, Xxxxx. Breve exposição das linhas teóricas de Xxxx Xxxxxx sobre o Direito e a Hierarquia das Normas. Disponível em:
<xxxxx://xxxxxxxxxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/000000000/xxxxxx-x-x-xxxxxxx>. Acesso em: 19 mar. 2022.
da liberdade jurídica negativa, “tudo aquilo que não está proibido, está permitido”.
Entre os doutrinadores que defendem essa visão na doutrina brasileira, cabe destacar Xxxx Xxxxxx, que em seu artigo no site do IBDFAM, abordou a questão do contrato de namoro, concordando com sua validade utilizando como base o pensamento da ausência de vedação legal, ou seja, tudo que não é proibido é permitido82:
Diante disso, pela insegurança que envolve o assunto, para evitar riscos e prejuízos que podem advir de uma ação com pedidos de ordem patrimonial, alegando-se a existência de uma união estável, com o rol imenso de efeitos patrimoniais que enseja, quando, de fato e realmente, só havia namoro, sem maior comprometimento, algumas pessoas combinam e celebram o que se tem denominado contrato de namoro. Já se vê que não é acordo de vontades que tem por objeto determinar, singelamente, a existência de um namoro, que, se assim fosse, nem contrato, tecnicamente, seria. Mas, deixando de lado a questão terminológica e indo direto ao ponto, tal avença, substancialmente, é uma declaração bilateral em que pessoas maiores, capazes, de boa-fé, com liberdade, sem pressões, coações ou induzimento, confessam que estão envolvidas num relacionamento amoroso, que se esgota nisso mesmo, sem nenhuma intenção de constituir família, sem o objetivo de estabelecer uma comunhão de vida, sem a finalidade de criar uma entidade familiar, e esse namoro, por si só, não tem qualquer efeito de ordem patrimonial, ou conteúdo econômico. Sintetizando: as partes declaram, expressa e inequivocamente, sem conotação de fraude, intuito dissimulatório ou ilicitude, observados os princípios de probidade e boa-fé, e sem violar normas imperativas, a ordem pública e os bons costumes, a inexistência de uma relação jurídica. Em que lei há uma proibição de que isso seja feito? E se não há proibição, em nome do liberalismo, da autonomia privada, da democracia, vigora o secular princípio: permittitur quod non prohibetur = tudo o que não é proibido é permitido.
Com relação à impossibilidade de se afastar temas de ordem pública, tal entendimento é fundado na ideia de que esses temas merecem especial proteção do estado, sendo privilegiados em face de interesses individuais, portanto em situações como essas, a autonomia privada seria relativizada.
Isso ocorre, pois como ressalta Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, o cumprimento das normas de ordem pública é fundamental para o bom funcionamento da própria sociedade em si, dando a segurança de que
82 XXXXXX, Xxxx. É namoro ou união estável?. IBDFAM. Disponível em:
<xxxxx://xxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxx/0000#:x:xxxxxXxx%00xxx%X0%X0x%00xx%00xxxxxxxxxx%X0%X0
%C3%A3o%20sistem%C3%A1tica,entre%20pessoas%20do%20mesmo%20sexo>. Acesso em: 19 mai. 2022.
determinados temas sensíveis, que, portanto, mexem na vida de todo o corpo social, terão uma proteção redobrada83:
Oferece alguns elementos para uma melhor definição do que seja ordem pública. São objetivamente, as normas de direito que se voltam para a organização social. O civilista reconhece a dificuldade dessa definição e procura esclarecer o sentido de ordem pública, ao afirmar que "as normas revestidas desse caráter visam garantir e assegurar a existência do corpo social".
Isso faz com eventuais direitos que estejam resguardados nas tais normas de ordem pública, passem a ter um caráter de direitos indisponíveis, não podendo ser afastados por meio de contratos ou de qualquer outro instrumento, mesmo que isso seja feito por livre e espontânea vontade das partes. Trata-se, portanto, de um limite à autonomia da vontade que não é absoluta, o que faz com que, conforme o entendimento majoritário da doutrina, exista sempre uma supremacia dos interesses públicos em face dos privados, como expõe o doutrinador Xxxxxx Xxxxxxx00:
Na visão clássica, pelo princípio da supremacia da ordem pública, o contrato não poderia trazer preceitos em conflito com a moral, com as normas de ordem pública e com os bons costumes. [...] A melhor expressão da supremacia do interesse público é o dirigismo contratual, que traz claros limites à autonomia privada e à vontade. [...] A questão aqui é delimitar o que são normas públicas e normas dispositivas, pois enquanto estas são disponíveis, aquelas são indisponíveis.
Esses temas são considerados as bases não só do sistema jurídico, mas de toda a estrutura social e entre eles, como pontua Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx, está toda a organização do direito de família85:
A ordem pública é também cláusula geral, que está no nosso ordenamento por meio do art. 17 da Lei de Introdução ao Código Civil, regra de direito internacional privado que retira eficácia de qualquer declaração de vontade ofensiva da ordem pública. A doutrina considera de ordem pública, dentre outras, as normas que instituem a organização da família (casamento, filiação, adoção, alimentos); as que estabelecem a ordem de vocação hereditária e a sucessão testamentária... enfim,
´´as regras que o legislador erige em cânones basilares da estrutura social política e econômica da Nação.
83 XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx Brasileiro. Revista do Curso de Direito da UNIFACS Universidade Salvador: Autonomia Privada e Negócio Jurídico. Vol. 5. 2005. Fascículo de periódicos.pp.69-87. 84 TARTUCE, Xxxxxx. Função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de 2002. São Paulo: Método, 2007.
85 XXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Direito Civil Brasileiro: contratos e atos unilaterais. Vol. III. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2009a. p. 24.
Dentre o que se considera organização da família, por óbvio está a união estável, em especial devido a sua paridade com o casamento prevista na Constituição Federal, sendo que por isso, a união estável é tratada como matéria de ordem pública, conforme explica o artigo da Comissão de Direito das Famílias e Sucessões da ABA RJ 86:
Primeiramente falaremos da união estável. Essa é entendida como um relacionamento conjugal não adulterino, não eventual, com a finalidade de constituir uma família, sem o vínculo formal e solene do casamento. A união estável recebe na semelhança do casamento a proteção do Estado por ser questão de ordem pública. Esta entidade familiar foi adotada pela Constituição Federal de 1988 no artigo 226, § 3º
Por conta disso que doutrinadores como Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx defendem a nulidade do contrato de namoro, uma vez que ele tem como função demonstrar que uma relação não é uma união estável, e esse instituto não pode ser contratualizado, a não ser que seja para tratar de suas regras próprias, ou seja, só seria válido nessa situação, celebrar um contrato de convivência87:
Por isso, não se poderia reconhecer validade a um contrato que pretendesse afastar o reconhecimento da união, cuja regulação é feita por normas cogentes, de ordem pública, indisponíveis pela simples vontade das partes. Trata-se, pois, de contrato nulo, pela impossibilidade jurídica do objeto. Lembre-se, ademais, em abono de nosso pensamento, que a Lei n. 9278 de 1996 teve alguns de seus artigos vetados pelo Presidente da República exatamente porque se pretendia admitir a "união estável contratual", em detrimento do princípio segundo o qual a relação de companheirismo seria um fato da convivência humana e que não poderia ser previamente discutida pelas partes em um contrato. O que é possível, sim, ressalve- se, é a celebração de um contrato que regule aspectos patrimoniais da união estável
– como o direito aos alimentos ou à partilha de bens -, não sendo lícita, outrossim, a declaração que, simplesmente, descaracterize a relação concubinária, em detrimento da realidade.
Essa visão também é compartilhada por outros doutrinadores como Xxxxxx Xxxxxxx, Xxxx Xxxxxxxx Xxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxx, que consideram que por ser contra a ordem pública, o contrato de namoro
86 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxxxxx xx Xxxxx. União estável e namoro qualificado: breves considerações e cuidados que os casais devem se atentar. JUSBRASIL. Disponível em:
<xxxxx://xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/000000000/xxxxx-xxxxxxx-x- namoro-qualificado-breves-consideracoes-e-cuidados-que-os-casais-devem-se-atentar>. Acesso em: 10 jan. 2022.
87 GAGLIANO, Xxxxx Xxxxxx. Contrato de namoro. Xxx.xxx.xx. Disponível em:
<xxxxx://xxx.xxx.xx/xxxxxxx/0000/xxxxxxxx-xx-xxxxxx>. Acesso em: 24 mar. 2022.
contraria o art. 166, VI do código civil, sendo também contrário ao princípio da boa-fé88:
Existindo entre os envolvidos uma união estável, conforme outrora manifestado, posiciono-me pela nulidade do contrato de namoro, por afrontar às normas existenciais e de ordem pública relativas a união estável, notadamente por desrespeito ao art. 226, parágrafo 3, da Constituição 78 Federal. Como fundamento legal ainda pode ser citado o artigo 166, inciso VI, do Código Civil, pelo qual é nulo o negócio jurídico quando houver intuito das partes à fraude a lei imperativa. In casu, a lei imperativa é aquela que aponta os requisitos para existência de uma união estável, categoria que tem especial proteção do Estado, subsidiariamente, serve como argumento a função social do contrato que, em sua eficácia interna, deve ser utilizada para a proteção da dignidade da pessoa humana nas relações contratuais (art. 421 do CC/2002).
Visão essa, também compartilhada por Maria Luiza Póvoa Cruz que em seu artigo defende que a violação da boa-fé protagonizada pelo contrato de xxxxxx, por consequência também acaba violando o princípio da boa-fé objetiva89:
Esse contrato, a meu ver, é nulo. Não se pode permitir, prevalecer a fraude em detrimento da boa-fé objetiva. O negócio pretendido, “contrato de namoro”, objetiva unicamente conferir vantagens (geralmente ao detentor de maior patrimônio), em ofensa aos alicerces do Direito de Família e da dignidade da pessoa humana. Sob minha ótica pessoal, o contrato é nulo de pleno direito, nos termos do artigo 166, inciso VI, do Código Civil.
Outro princípio que o contrato de namoro fere, de acordo com quem defende a sua nulidade, é o da função social, pois a ordem pública busca resguardar toda a sociedade, sendo, portanto, que qualquer desrespeito a essa ordem é automaticamente contrário a função social, visto que preservar essa função é o objetivo principal das matérias de ordem pública, como muito explicou Xxxxxxxxxx xx Xxxxx Xxxx em seu trabalho monográfico90:
A doutrina civilista contemporânea adotada a mesma visão do magistrado Des. Xxxx Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx, proc. nº 70000635287, data de julgamento 16.06.2004, sob três argumentos: 1) A união estável envolve direitos existenciais de
88 TARTUCE, Xxxxxx, XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx; XXXXXXXX XXXX, Xxxxxxx. Direito de Família - Novas Tendências e Julgamentos Emblemáticos – 2 ed. Atlas. 2012, p.313.
89 XXXX, Xxxxx Xxxxx Xxxxx. Namoro ou união estável. RECIVIL. Disponível em:
<xxxxx://xxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx-xxxxxx-xx-xxxxx-xxxxxxx-xxx-xxxxx-xxxxx-xxxxx-xxxx/>. Acesso em: 04 mai. 2022.
90 JUCÁ, Xxxxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx. Temas polêmicos envolvendo direitos da personalidade. Monografia (Pós-Graduação em Direito Privado e Civil). Universidade Xxxxxxx Xxxxxx. Rio de Janeiro: 2012. Disponível em: <xxx.xxx.xxx.xx/xxxxxx/xxxxxxxxxxx_xxxxxxxxxx/x000000.xxx>. Acesso em: 21 mai 2013, p. 18.
personalidade, que não podem ser renunciados. Ademais, o próprio Código Civil consagra a irrenunciabilidade dos alimentos, conforme previsto no artigo 1707; 2) São normas de ordem pública que irão apontar , dependendo da análise pelo aplicador, a configuração ou não da entidade familiar, que constitui um fato jurídico e social. Logo, há no ´´contrato de namoro´´ uma fraude à lei imperativa, causa de nulidade absoluta, conforme prevê o artigo 166, VI, do CC; 3) A autonomia privada (antiga autonomia da vontade) manifestada em um contrato encontra limitações nas normas de ordem pública e nos preceitos relacionados com a dignidade da pessoa humana, melhor expressão do princípio da função social do contrato. Essa conclusão pode ser percebida pelo teor do Enunciado nº 23, do CJF/STJ da I Jornada de Direito Civil. A proteção dos direitos da personalidade em rede contratual constitui um dos aspectos da eficácia interna da função social dos contratos, entre as partes contratantes. Outro enunciado, de nº 360, aprovado na X Jornada de Direito Civil, reconhece a eficácia interna do novo princípio contratual.
Ainda cabe ressaltar a visão de Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx Xxxxx e Xxxx Xxxxx Xxxx Xxxxxxxxxx, que em seu artigo no site do IBDFAM, afirmam que acreditar que o contrato de namoro não iria contra a ordem pública e por consequência seria válido, é retroceder em relação a grande parte dos avanços que o direito de família teve nas últimas décadas. Isso seria um privilégio ao individualismo e favoreceria em suma às pessoas com melhores condições financeiras, que poderiam acabar “usando” companheiros sem a mesma instrução e se protegendo com essa espécie contratual91:
Ou seja, percebe-se que há uma preponderância do individualismo, inclusive por uma das partes, pois observando diante de uma conjuntura cultural um dos contraentes, que possui menor poder aquisitivo, sairia desse dito relacionamento de xxxxxx (sendo que vivera em união estável) em total desvantagem patrimonial, isso porque um mero contrato desqualificou uma entidade familiar protegida pela Carta Magna e por Leis Federais, onde por muito tempo foi objeto de luta para seu reconhecimento. Em suma, esse parece ser o entendimento mais acertado, pois não poderia o contrato se utilizar de sua função para dispor sobre assunto de ordem pública que inclusive possui tutela da Constituição Federal e que, ainda, passou por uma evolução tamanha para poder receber o tratamento e aceitação pelo ordenamento jurídico, isso porque, como demonstrado no capítulo inicial, a união estável por muito tempo foi marginalizada e não reconhecida como entidade familiar. Então, deixar que um contrato que visa descaracterizá-la tenha validade no ordenamento jurídico é retroceder em anos de conquistas.
91 NUNES, Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx; CAVALCANTI, Xxxx Xxxxx Xxxx. A (in)validade do contrato de namoro e a possível descaracterização da união estável. IBDFAM. Disponível em:
<https://xxxxxx.xxx.xx/artigos/1644/A+%28in%29validade+do+contrato+de+namoro+e+a+poss% C3%ADvel+descaracteriza%C3%A7%C3%A3o+da+uni%C3%A3o+est%C3%A1vel>. Acesso em: 12 mai. 2022.
Esse contraponto de ideias é só mais uma amostra de como o contrato de namoro gera muitas discussões no âmbito doutrinário, sendo que, o grande embate geralmente diz respeito ao grau de importância dada aos interesses públicos e privados, o que fica ainda mais claro no próximo tópico sobre a real natureza jurídica da união estável.
3.4 Discussão sobre Natureza Jurídica da União Estável
Outro ponto extremamente debatido pelos doutrinadores que se posicionam sobre o contrato de namoro, diz respeito à qual é a natureza jurídica da união estável, pois fazer essa caracterização é de extrema importância para concluir se o contrato de namoro tem ou não validade.
A discussão que as duas correntes principais sobre o tema têm, é justamente se é necessário ou não, existir uma manifestação de vontade das pessoas, para se caracterizar uma união estável, o que faz total diferença na análise que está sendo feita neste trabalho monográfico.
Se considerarmos que a manifestação de vontade é irrelevante, o contrato de namoro não teria nenhuma validade, mas se considerarmos que a manifestação de vontade é necessária para caracterizar a união estável, então o contrato de xxxxxx se torna extremamente relevante, já que seria uma comprovação de que essa vontade não foi manifestada pelo casal.
A visão sobre a natureza jurídica da união estável ser um ato-fato jurídico é encabeçada pelo doutrinador Xxxxx Xxxx, que em síntese, defende que a união estável é uma situação puramente fática, portanto para constatar sua existência ou não, basta observar a realidade dos fatos e chegar à conclusão. Por isso, como explica o doutrinador, não cabe analisar sua validade ou não, muito menos se há algum vício de vontade, dado que o que realmente aconteceu é inalterável, não cabendo uma revisão posterior92:
92 XXXX, Xxxxx. A concepção da união estável como ato-fato jurídico e suas repercussões processuais. Disponível em:
<https://xxxxxx.xxx.xx/artigos/953/A+concep%C3%A7%C3%A3o+da+uni%C3%A3o+est%C3% A1vel+como+ato- fato+jur%C3%ADdico+e+suas+repercuss%C3%B5es+processuais#:~:text=Por%20ser%20ato%2
Os atos-fatos jurídicos, por sua natureza singular, não estão sujeitos aos princípios da validade, isto é, não podem ser nulos ou anuláveis. Tampouco a eles se aplicam às hipóteses de vícios de vontade (erro, coação, dolo, lesão, simulação). Esse ponto é de grande relevância, pois se a união estável pudesse ser originada em ato jurídico, como o casamento, estaria passível de anulação, por exemplo, por coação ou erro essencial sobre a pessoa do companheiro.
O doutrinador prossegue em seu artigo no site do IBDFAM, esclarecendo o porquê entende a natureza jurídica da união estável dessa forma, explanando que para ele, todos os elementos caracterizadores da união estável são matérias aferidas puramente por uma análise fática do caso concreto, portanto pouco importa a vontade demonstrada pelas pessoas participantes do relacionamento, bastando que os requisitos para a caracterização da união estável sejam cumpridos, para que ela automaticamente seja declarada como existente93:
O Código Civil estabelece que a união estável é “configurada na convivência, pública, contínua e duradoura”. A convivência, a publicidade, a continuidade e duração são situações exclusivamente de fato, que apenas em juízo podem ser comprovadas. Independem inteiramente de declaração de vontade dos companheiros, pois - como diria Pontes de Miranda-, o quid psíquico fica em parênteses, para fins de sua configuração como entidade familiar. Se houver divergência entre a vontade dos figurantes e o fato real da convivência com natureza familiar, este prevalece sobre aquela. Com tais características, a união estável, no direito brasileiro, não é fato jurídico em sentido estrito, ou ato jurídico em sentido estrito, ou negócio jurídico. É fato juridicamente não volitivo, ainda que de origem faticamente volitiva (ações e comportamentos). Neste sentido é ato-fato jurídico. Por ser ato-fato jurídico, a união estável não necessita de qualquer manifestação ou declaração de vontade para que produza seus jurídicos efeitos. Basta sua configuração fática, para que haja incidência das normas constitucionais e legais cogentes e supletivas e a relação fática converta-se em relação jurídica. Pode até ocorrer que a vontade manifestada ou íntima de ambas as pessoas - ou de uma delas - seja a de jamais constituírem união estável; de terem apenas um relacionamento afetivo sem repercussão jurídica e, ainda assim, decidir o Judiciário que a união estável existe. Difere, portanto, o modelo brasileiro do modelo francês do “pacto civil de solidariedade – PACS” (art. 515-1 a 7 do Código Civil da França), que depende de contrato celebrado entre os parceiros.
Para Xxxxx Xxxx, essa definição pode ser constatada realizando uma análise do código civil, na parte em que este regula o instituto do casamento, e comparando-o com a união estável, pois no primeiro caso trata-se somente de um fato jurídico, suscetível portanto a análises de legalidade que podem
Dfato%20jur%C3%ADdico,converta%2Dse%20em%20rela%C3%A7%C3%A3o%20jur%C3%A Ddic>. Acesso em: 10 mai. 2022.
93 Ibid.
acabar levando a sua anulação. Já no segundo, essa possibilidade não ocorre, se tratando somente de uma análise de fatos feita com o objetivo de averiguar se aquela união aconteceu ou não, logo enquanto para o casamento se fala em causas de nulidade, na união estável o que se tem é a análise da existência, por isso se pede uma declaração de inexistência da união estável94:
As causas de invalidade do casamento (nulidade e anulabilidade) não podem ser aplicáveis à união estável, porque esta, diferentemente daquele, não é ato jurídico. No plano da validade apenas estão submetidos os atos jurídicos, mas não os fatos jurídicos em sentido estrito ou os atos-fatos jurídicos, nestes últimos enquadrando- se a união estável. Portanto, a união estável existe juridicamente ou não existe, produz efeitos ou não os produz; mas não é válida ou inválida. Para o casamento, a incidência de impedimentos leva à nulidade (art. 1.548); para a união estável, à inexistência (art. 1.723, § 1º, que alude a “não se constituirá”). Nesta hipótese, pede-se judicialmente a declaração da inexistência da relação jurídica de união estável. Consequentemente, as hipóteses de anulação do casamento (art. 1.550) não podem ser aplicáveis à união estável, pois dizem respeito à celebração do ato, inexistente na segunda.
Xxxx ainda defende que mesmo o ânimo de constituir família, que por muitos é considerado como algo que dependeria de manifestação de vontade, é aferido somente observando-se os fatos, não se tratando de uma situação subjetiva, portanto ou ela existe ou não existe, independentemente de qualquer manifestação de vontade em contrário.
Se o magistrado ao analisar uma situação concreta, constatar que estão presentes todos elementos caracterizadores, a união estável será reconhecida, pois na opinião do doutrinador, caso a análise dependesse da manifestação de vontade das partes, de nada adiantaria o exame de um juiz a respeito dos fatos ali presentes, indo de forma contrária a um bom funcionamento do sistema jurídico95:
Nesse sentido, o objetivo de constituição de família não apresenta características subjetivas, devendo ser aferido de modo objetivo, a partir dos elementos de configuração real e fática da relação afetiva (a exemplo da convivência duradoura
94 XXXX, Xxxxx. A concepção da união estável como ato-fato jurídico e suas repercussões processuais. Disponível em:
<https://xxxxxx.xxx.xx/artigos/953/A+concep%C3%A7%C3%A3o+da+uni%C3%A3o+est%C3% A1vel+como+ato- fato+jur%C3%ADdico+e+suas+repercuss%C3%B5es+processuais#:~:text=Por%20ser%20ato%2 Dfato%20jur%C3%ADdico,converta%2Dse%20em%20rela%C3%A7%C3%A3o%20jur%C3%A Ddic>. Acesso em: 10 mai. 2022.
95 Ibid.
sob o mesmo teto), para se determinar a existência ou não de união estável. As expressões “com objetivo de constituição de família” têm o mesmo significado de natureza familiar. A configuração da natureza familiar da união estável não depende de qualquer ato de vontade, ou seja, da vontade de constituir família. Ainda que os companheiros ou conviventes declarem expressamente, em algum ato jurídico, que não desejam constituir família, a natureza desta será apurada objetivamente pelo juiz, ante as circunstâncias fáticas. Se de ato de vontade se cuidasse, não haveria necessidade de ser apurada a publicidade, a duração, a continuidade, que são situações fáticas objetivas. A união do homem e da mulher pode não ter natureza familiar, nas hipóteses comuns de amizade duradoura, contínua e pública ou de namoro longo, com tais requisitos. O problema é que essas situações, exclusivamente fáticas (o direito não as reconhece como fatos jurídicos), podem migrar para a união estável, ultrapassando a zona cinzenta que há entre esta e aquelas, sem consciência ou vontade dos figurantes.
Devido a isso, para Xxxxx Xxxx, o contrato de namoro não tem sentido em existir, dado que o que será analisado é única e exclusivamente a matéria de fato, como por exemplo o tempo de convivência, se eles são vistos como casal pelas outras pessoas, entre outras situações que independem de uma manifestação em um instrumento contratual, afirmando que não é a vontade das partes contrair união estável.
Para o doutrinador a única forma de se ter alguma proteção patrimonial é assinando um contrato de convivência, onde é possível escolher o regime de bens, não havendo nada que eles possam fazer para descaracterizar sua relação como união estável, afinal para o doutrinador, ou ela existe ou não existe, sendo reconhecida automaticamente se os requisitos fáticos forem cumpridos96:
Em virtude da dificuldade para identificação do trânsito da relação exclusivamente fática (namoro) para a relação jurídica (união estável), alguns profissionais da advocacia, instigados por seus constituintes, que desejam prevenir-se de consequências jurídicas, adotaram o que se tem denominado “contrato de namoro”. Se a intenção de constituir união estável fosse requisito para sua existência, então semelhante contrato produziria os efeitos desejados. Todavia, considerando que a relação jurídica de união estável é ato-fato jurídico, cujos efeitos independem da vontade das pessoas envolvidas, esse contrato é de eficácia nenhuma, jamais alcançando seu intento. Ou quando muito, pode ser recebido como elemento de prova negativa da união estável, mas que é suscetível de ser contraditada pela
96 XXXX, Xxxxx. A concepção da união estável como ato-fato jurídico e suas repercussões processuais. Disponível em:
<https://xxxxxx.xxx.xx/artigos/953/A+concep%C3%A7%C3%A3o+da+uni%C3%A3o+est%C3% A1vel+como+ato- fato+jur%C3%ADdico+e+suas+repercuss%C3%B5es+processuais#:~:text=Por%20ser%20ato%2 Dfato%20jur%C3%ADdico,converta%2Dse%20em%20rela%C3%A7%C3%A3o%20jur%C3%A Ddic>. Acesso em: 10 mai. 2022.
comprovação fática da convivência pública, contínua e duradoura, com natureza familiar. Compreende-se a apreensão que acomete muitos que não desejam ter problemas de ordem patrimonial, com o que supõem ser ainda mero namoro. Entendemos que o contrato que pode prevenir futuros problemas é o contrato de regime patrimonial – por exemplo, estabelecendo algum modelo de separação de bens adquiridos durante o relacionamento -, previsto no art. 1.725 do Código Civil, se o namoro se converter no futuro em união estável. Teria a função analógica do pacto antenupcial, que pode ser celebrado antes do casamento.
Já outra corrente defende que na verdade a manifestação de vontade é um elemento fundamental para a caracterização da união estável, pois o próprio legislador prevê essa manifestação no caput do art. 1723 do código civil, quando traz a expressão “com intuito de constituir família”, o que na visão de seus apoiadores deixa nítido e claro que as pessoas devem ter essa intenção de constituir família, portanto mesmo que os outros requisitos previstos neste artigo sejam cumpridos, caso os membros do casal não tenham o interesse de formar uma família, a união estável estará descaracterizada.
Essa corrente também reconhece que a mera manifestação de vontade não é suficiente para se caracterizar uma união estável, sendo imprescindível realizar uma análise dos fatos para ver se os outros requisitos foram atendidos.
É inútil alguém querer constituir família, mas não ter uma união contínua e pública com o outro, logo a caracterização da união estável é um processo que junta ambas as análises, por isso sua natureza é a de um ato jurídico compósito, conforme muito bem explica Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx no momento em que cita o pensamento do doutrinador Xxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx00:
O contraponto à tese de Xxxxx Xxxx Xxxxx Xxxx foi realizado por Xxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx. O jurista afirma que, de acordo com a norma do art. 1723, do Código Civil, existe, além da descrição de uma situação fática, um elemento subjetivo relevante configurado no “intuito de constituição de família”. Assim, “o ser preciso que haja manifestação consciente de vontade em estabelecer a união estável não permite tê-la como ato-fato jurídico”. No entanto, também não é possível afirmar que a união estável é um negócio jurídico, pois além da vontade são exigidos os requisitos de convivência pública, contínua e permanente. Ou seja, a norma exige
97 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Contrato de namoro: Amor Líquido e Direito de Família Mínimo. Belo Horizonte: Fórum, 2021, p. 100.
também um suporte fático para que se reconheça a existência da união estável. Feitas essas considerações, Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxx conclui que a união estável só pode ser classificada como um ato jurídico composto por manifestação de vontade e por suporte fático que a complete. Esta categoria é denominada “atos jurídicos compósitos.
Para a autora, essa corrente se mostra a mais adequada com as mudanças de como a família é vista nos dias atuais, onde pela corrente do direito de família mínimo, ela existe para proporcionar o bem estar do indivíduo, o que faz com que não faça sentido a formação dela não necessitar de sua manifestação de vontade.
Seria impossível para alguém viver em uma relação familiar com o objetivo de ter sua satisfação pessoal atendida, se essa família foi formada por fatos objetivos, na qual a sua manifestação de vontade não foi relevante. Isso seria uma supremacia do interesse estatal sobre o interesse individual, regra essa que segundo a doutrinadora, não é mais aplicável nos dias de hoje98:
Na realidade, com a passagem do modelo transpessoal de família para o modelo eudemonista, centrado no bem-estar e na realização dos sujeitos, os indivíduos adquiriram maior autonomia e liberdade. A família passou a ser entendida sob um enfoque muito mais democrático, pelo que a vontade de seus componentes importa muito mais do que o interesse estatal.
Xxxxxx ainda acredita que desconsiderar a vontade das pessoas em uma análise sobre um tema tão sensível como a caracterização da união estável, é totalmente descabido, pois é fundamental que todos tenham autonomia para tomar decisões sobre os seus próprios relacionamentos afetivos, para a manutenção de sua dignidade como pessoa. Por isso, não há como fazer uma gradação sobre a importância que a manifestação de vontade e a análise dos fatos concretos possuem na caracterização da união estável, uma vez que ambos têm importância equivalente nesse processo99
Este nível de ingerência estatal viola frontalmente o princípio da autonomia privada. Com a imposição da união estável aos variados relacionamentos, o indivíduo perde uma de suas únicas faculdades no âmbito do direito de família existencial: escolher a forma de realização de seu projeto afetivo, inclusive com
98 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Contrato de namoro: Amor Líquido e Direito de Família Mínimo. Belo Horizonte: Fórum, 2021, p. 101.
99 Ibid, p.102.
quem ele será desenvolvido. A ingerência estatal, neste nível, nada mais faz do que retirar do indivíduo a liberdade afetiva. Por consequência, a tese do ato-fato jurídico pode, paradoxalmente, contribuir para a diminuição da própria dignidade da pessoa humana. É imperioso, portanto, que se reconheça a natureza da união estável como ato jurídico compósito, sendo que a vontade e o suporte fático são igualmente importantes.
Devido a isso, quem defende essa visão de que a natureza jurídica da união estável é um ato jurídico compósito, acredita na plena validade do contrato de namoro, já que este seria uma demonstração da ausência de vontade de constituir família, e que poderia sim, ter uma influência decisiva para determinar que alguém não vive nesse regime.
Por fim, cabe fazer uma análise sobre um dos poucos aspectos no qual, tanto os que defendem a validade do contrato de namoro, quanto os que são contra, concordam, que é a supremacia da primazia da realidade.
Apesar de argumentarem de formas diferentes, ambos os lados defendem que se pela análise dos fatos, for constatado que o casal vive em união estável, esta deve ser reconhecida, independente das pessoas terem feito um contrato de namoro que diga o contrário.
Isso está previsto na própria legislação brasileira, em especial o art. 1723 do código civil100, que consagrou que a realidade dos fatos sempre irá se sobressair em relação ao que estiver escrito.
Entre os defensores do contrato de namoro, a afirmação é de que a prevalência da primazia da realidade não faz com que o contrato de namoro perca sua validade, pois o consideram como uma prova de que aquelas pessoas nunca tiveram o ânimo de constituir família e manifestaram essa vontade por meio daquele contrato.
Essa manifestação é fundamental para o reconhecimento de uma união estável, para quem vê sua natureza como a de um ato jurídico compósito,
100 Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
conforme abordado no tópico anterior, mas essa manifestação não tem caráter absoluto e deve ser analisada conjuntamente com as outras provas, para determinar se ela refletia a realidade ou foi apenas uma forma de esconder a verdadeira relação do casal.
Mas, para doutrinadores como Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, não é certo dizer que quem firmou um contrato de namoro tem a intenção de fraudar a realidade, visto que isso não é o que está previsto em nossa legislação, onde inicialmente deve se considerar que as pessoas estão agindo de boa-fé e qualquer coisa contrária a isso, é que deve ser provada101:
Com efeito, entre o que consta no documento e o desenvolvimento no plano fático, deve prevalecer o segundo. No entanto, não há razão justificável para previamente imputar às partes o ânimo de fraude à lei. Frise-se que no direito pátrio vigora o princípio da presunção da inocência.
Na verdade, quem defende o contrato de namoro, acredita que ele ao invés de ter a intenção da fraudar a lei, tem um papel de auxílio para podermos melhor compreender os relacionamentos alheios.
Ao darmos grande relevância a autonomia privada dos indivíduos, permitindo que eles possam regular suas próprias vidas privadas, em especial no que diz respeito aos seus relacionamentos amorosos, estamos na prática também privilegiando a primazia da realidade, já que ninguém melhor do que as próprias pessoas que estão vivendo aquela relação, pode demonstrar o que de fato está acontecendo, como muito bem demonstra Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx no momento em que cita a doutrinadora Xxxx Xxxxx Cattoni Poffo102:
Diante de uma possível confusão, nada melhor que facultar às próprias partes a regulamentação jurídica de um assunto tão íntimo. O exercício dessa pactuação garantiria, em última instância, um relacionamento mais xxxxx, tendo em vista que possíveis desconfianças restariam afastadas. Não há fundamento idôneo que justifique o ato autoritário de impedir que o casal se autorregule. Como sintetiza Mara Rúbia Cattoni Poffo: “Deve-se permite-se que estas pessoas, que pretendem namorar sem criar direitos e deveres entre si, possam se relacionar sem o receio de serem lesadas quando tiver fim a relação afetiva. Caso contrário, as relações não serão mais amorosas, mas sim negociais, de modo que antes de iniciaram qualquer aproximação, os pares deverão celebrar contrato de namoro para resguardarem seu patrimônio.” Nesse sentido, acredita-se que “o contrato de namorar é possível
101 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Contrato de namoro: Amor Líquido e Direito de Família Mínimo. Belo Horizonte: Fórum, 2021, p.104.
102 Ibid, p.105.
assim como cautela e caldo de galinha não fazem mal algum”. Não se pode esquecer que a judicialização nem sempre representa o melhor caminho para a solução de um litígio conjugal. Ao enfraquecermos as bases da autonomia privada do casal, o resultado disso certamente será a vigência de uma lógica paternalista de desresponsabilização e de infantilização dos indivíduos.
Essa visão, de que o contrato de namoro tem a intenção de demonstrar qual a real situação daquele casal, também é compartilhada por Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxx em seu artigo no site conteúdo jurídico, no momento onde cita a doutrinadora Regina Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx, defendendo que o contrato de namoro não tem o poder de alterar a realidade, mas nem por isso ele seria inválido de forma automática, como se fosse um ato ilícito, e sim deveria ser submetido a uma análise, para constatar se o que está ali disposto, é ou não verdade, e caso não seja, aí sim ele deveria ser invalidado, pois a primazia da realidade é sempre soberana103:
Para Regina Beatriz Tavares da Silva (2016), o termo “contrato de namoro” é desacertado, porquanto os contratos são celebrados objetivando criar, modificar ou extinguir direitos e em uma relação de namoro não existem direitos nem obrigações, sendo um irrelevante jurídico. A diretora da Associação de Direito de Família e das Sucessões critica a opinião dos que afirmam que o contrato de namoro é um ato ilícito, pois estes esquecem que […] a declaração de namoro serve para provar o que efetivamente existe, ou seja, relação de afeto sem consequências jurídicas. Essa declaração somente pode ser tida como ilícita se falsear a verdadeira relação que existe entre aquelas duas pessoas, ou seja, declararem que há namoro quando, na verdade, o que existe é união estável. (XXXXX, 2016) Citando que a declaração é significativa, por exemplo, em casos de rompimento do namoro em que um dos ex namorados recorra ao Judiciário e queira se enriquecer inadequadamente da união estável que jamais houve, adverte a autora que o documento é perfeitamente lícito e válido se transparecer a realidade do relacionamento. Afirma-se, portanto, que não obstante a existência desse documento declaratório para coibir a comunicabilidade patrimonial ou o direito à sucessão, se a relação com o passar do tempo alterou-se para uma união estável ou se a realidade de fato for diferente do acordado, o contrato de namoro não terá validade e não se sobressairá a vontade convencionada e sob o relacionamento recairá os efeitos da união estável.
Baseando-se na primazia da realidade, há também quem defenda, que na verdade o contrato de namoro pode até ser válido, mas é totalmente ineficaz, podendo ele retratar no máximo como está o estágio do
103 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx. Contrato de namoro: validade jurídica e impedimento dos efeitos patrimoniais e sucessórios da união estável. Conteúdo Jurídico. Disponível em:
<xxxxx://xxxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxxxxx/00000/xxxxxxxx-xx-xxxxxx-xxxxxxxx-xxxxxxx-x- impedimento-dos-efeitos-patrimoniais-e-sucessrios-da-unio-estvel>. Acesso em: 25 abr. 2022.
relacionamento naquele momento, tendo, portanto, efeitos presentes e pretéritos, mas nunca futuros.
Não há como o casal de antemão prever como estaria o seu relacionamento daqui a um ano por exemplo, por isso, esse contrato nada mais seria, do que uma declaração de namoro, sendo autorizada caso não for usada, para esconder a situação fática do caso, mas como foi dito, não afetaria a análise do relacionamento dali pra frente, como muito bem aponta Xxxxxxxx Xxxx Xxxxxxx Medrado em seu trabalho monográfico, no momento em que cita os doutrinadores Americo Xxx Xxxxxxxxx, Regina Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx e Xxxxx Xxxxxxxx Xxxx000:
Outro ponto importante diz respeito à relação com o princípio da primazia da realidade. O contrato de namoro preenchendo os requisitos da união convivencial, mesmo com um contrato com manifestação de vontade em contrário de ambas as partes, não excluirá esse reconhecimento, até porque as normas são cogentes e indisponíveis pelas partes. Conforme o idealizador do princípio da primazia da realidade, Xxx Xxxxxxxxx (1978, p. 217): "O princípio da primazia da realidade significa que, em caso de discordância entre o que ocorre na prática e o que emerge de documentos ou acordos, deve-se dar preferência ao primeiro, isto é, ao que sucede no terreno dos fatos". Segundo Xxxxxxx xx Xxxxx (2004c, p. 1): Assim, a declaração de namoro é ato lícito, perfeitamente válido perante o ordenamento jurídico, desde que seja firmado com a finalidade de refletir em documento escrito a realidade, já que não viola direitos, que não existem nessa relação, não podendo, portanto, causar qualquer dano. Não há ilicitude no pacto, configurando uma declaração de namoro, que pode ser feita por meio de documento público ou particular só possuindo caráter de ilícito quando for usado para afastar regras de Direito de Família.” Porém, se o contrato de namoro tiver a finalidade de relatar a real situação fática, ou seja, declarar o namoro, não seria um contrato, mas sim uma declaração, pois o contrato visa criar, modificar ou extinguir direitos, e sendo namoro, a declaração é existente, válida e ineficaz, e não terá importância alguma, pois o namoro não gera direitos e obrigações, não produzindo efeitos jurídicos. Conforme Dias (2009, p. 182): “A única possibilidade é os namorados firmarem uma declaração referente à situação de ordem patrimonial presente e pretérita. Mas não há como previamente afirmar a incomunicabilidade futura, principalmente quando segue longo período de vida, no qual são amealhados bens pelo esforço comum. Nessa circunstância, emprestar eficácia a contrato firmado no início do relacionamento pode ser fonte de enriquecimento ilícito. Não se pode olvidar que, mesmo no regime da separação convencional de bens, vem a jurisprudência reconhecendo a comunicabilidade do patrimônio adquirido durante o período de vida em comum.” Logo, essa declaração de namoro será ineficaz, pois será fonte de enriquecimento ilícito, prejudicando uma das partes. Resta claro que a
104 MEDRADO, Xxxxxxxx Xxxx Xxxxxxx. A (In)validade do contrato de namoro (Monografia de graduação). Faculdade Baiana de Direito. 2013, p.80-81. Disponível em:
<xxxx://xxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx/xxxxxxxxxxx/Xxxxxxxx%00Xxxx%00Xxxxxxx
%20Medrado.pdf>. Acesso em: 19 mai. 2022.
presunção é de namoro, mas quando preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos da união estável essa configurará.
O doutrinador Xxxx Xxxxxxxx em seu artigo no site Gen Xxxxxxxx, em que cita os também doutrinadores Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx e Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx, vai em uma linha parecida, afirmando que o contrato de namoro só teria validade se estivesse de acordo com o que está sendo vivenciado pelo casal, ou seja, para o autor essa manifestação de vontade não tem influência na realidade dos fatos, mas não torna o contrato completamente inválido.
De acordo com o mesmo, tal contrato pode inclusive trazer alguns pontos relevantes para a união estável, como por exemplo, escolha de regime de bens a ser aplicado caso o relacionamento se transforme em união estável, ou, caso o judiciário entenda que no momento da assinatura desse contrato a união estável já estava configurada, o regime de bens ali disposto será aplicado105:
Contudo, contratos de namoro, de convivência ou de coparentalidade não criam automática e inquestionavelmente a instituição contratada pelos partícipes, ou seja, tais convênios formalizados por contrato escrito particular ou por escritura pública não têm valor absoluto e, erga omnes, apenas porque foram livre e conscientemente assinados pelas partes contratantes, imaginando os outorgantes que basta externarem formalmente a relação como um mero namoro para afastarem a realidade fática desenvolvida com o seu relacionamento, como se o contrato escrito apagasse e ignorasse a presença dos pressupostos fáticos que podem ou não contrariar a vontade escrita perante a vontade vivenciada, porquanto, embora no papel conste o aparente desejo de não formalizar uma vida semelhante ao casamento, o papel desempenhado na vida real termina desmentindo o contrato escrito pela presença de pressupostos de configuração de uma união estável, muitas vezes agravada pela existência de coabitação. Um contrato de namoro ou de coparentalidade pode, em realidade, estar configurando ou não uma união estável, fazendo todo o sentido a referência doutrinária de Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx, quando assevera que a “interferência não pode ampliar demasiadamente a compreensão de união estável a ponto de impedir o reconhecimento de outras formas de relacionamento breves e passageiras, conforme apontou Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx, frequentes na sociedade líquida contemporânea, e gerando direitos e obrigações àqueles que declaradamente, em consenso e livre consentimento, acordaram não o fazer, de modo a garantir a primazia da autonomia da vontade”. Nessa manifestação escrita, doutrinadores indicam deixar claro inexistir qualquer intenção de constituir família e do descabimento de partilha de patrimônio particular e próprio de cada contratante, presente no relacionamento, e sugerem,
105 XXXXXXXX, Xxxx. Fraude e contrato de namoro ou de cparentalidade. GENJURÌDICO. Disponível em: <xxxx://xxxxxxxxxxx.xxx.xx/0000/00/00/xxxxxx-x-xxxxxxxx-xx-xxxxxx/>. Acesso em: 15 mai. 2022.
inclusive, possa o contrato determinar outros detalhes, por exemplo: a) que o casal se compromete a ter respeito mútuo; b) que não poderá haver traição; c) que, em caso de traição, pode ser exigida indenização pela parte traída; d) que, em caso de morte, a parte sobrevivente não terá direito a herança; e) prazo de duração do relacionamento ou previsão de necessidade de renovação do contrato após certo período; e f) possibilidade de ser incluída cláusula que determine a obrigação da assinatura de contrato de união estável, já definido o regime de bens, caso o casal decida transformar o contrato de namoro em união estável. Não obstante, quanto mais cláusulas constem e mais a relação se identifique por seus pressupostos presentes com uma efetiva união estável, de nada xxxxxxx as ressalvas, especialmente quando a realidade dos fatos não cansa de desmentir a manifestação escrita, parecendo mais realista contratar de maneira singela a intenção do namoro e que, se porventura o Poder Judiciário identificar nesse relacionamento os indícios identificadores de uma união estável, que então sobre ela recaia, desde o seu início, o regime da separação de bens.
Já os que pensam que o contrato de namoro é completamente inválido, acreditam que a primazia da realidade faz com que todos os seus efeitos sejam anulados, dado que a realidade fática é a única que deve ser analisada no momento de uma possível configuração de união estável, defendendo, portanto, a união estável como um ato-fato jurídico onde, como já visto no tópico anterior, a manifestação de vontade não tem peso na análise dos fatos. Com isso o contrato de xxxxxx teria como único intuito fraudar a legislação brasileira de direito de família, dispondo de direitos futuros indisponíveis conforme demonstram Dayanne Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx Xxxxx
e Xxxx Xxxxx Xxxx Xxxxxxxxxx em seu artigo no site do IBDFAM106:
Portanto, analisando-se do prisma da realidade pode-se exemplificar uma situação onde o casal conviveu por 20 anos juntos como se casados fossem, ou seja, há uma evidente união estável, e firmaram contrato estabelecendo que tal relação trata-se de um simples namoro, apesar de as condições fáticas não demonstrarem tal conduta e supondo-se que um dos companheiros vem a falecer, nesse caso se for prestado a tal contrato validade e eficácia, o sobrevivente a nada faria jus no âmbito sucessório, pois, há instrumento, inclusive assinado por ele próprio, que não havia futura pretensão de família e, portanto, não estariam em união estável nem no ato da realização do contrato e nem, tampouco, no futuro. Por essa razão, não merece tal avença ser admitida nem no plano de validade e nem, tampouco, no plano da eficácia, pois após tal análise fica evidenciado que essa modalidade contratual, além dos demais defeitos já demonstrados, constitui inclusive meio de uma das partes ou de ambas fugirem dos deveres conjugais e obrigacionais inerentes à união estável e, por essa razão, não devem prevalecer. Portanto, compreende-se que tal contrato é inválido, pois não possui objeto lícito. A união estável é um ato-fato
106 NUNES, Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx; CAVALCANTI, Xxxx Xxxxx Xxxx. A (in)validade do contrato de namoro e a possível descaracterização da união estável. IBDFAM. Disponível em:
<https://xxxxxx.xxx.xx/artigos/1644/A+%28in%29validade+do+contrato+de+namoro+e+a+poss% C3%ADvel+descaracteriza%C3%A7%C3%A3o+da+uni%C3%A3o+est%C3%A1vel>. Acesso em: 12 mai. 2022.
jurídico do qual não precisa de reconhecimento das partes para que possa restar comprovado, isso porque, nesse caso há uma prevalência da realidade em detrimento do pactuado e, por isso, não se pode prestar validade a um contrato que visa desmitificar a presença dos requisitos da união estável.
3.6 A experiência jurisprudencial e os contratos de namoro
O tema do contrato de namoro ainda é muito pouco explorado pelos tribunais brasileiros, visto ser um instrumento desconhecido de grande parte da população, o que faz com que ele seja raramente encontrado, mesmo com o aumento recente na sua procura provocado pela pandemia, conforme já abordado.
Soma-se a esse desconhecimento o fato de não haver muitas discussões entre as próprias pessoas que estão em relacionamentos afetivos, sobre temas patrimoniais, como muito bem pontua Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx000:
No entanto, por conta da ausência de uma cultura contratual no direito de família pátrio, o tema central dessa pesquisa enfrenta grandes resistências. Principalmente se comparado a outros países como os Estados Unidos da América, percebe-se um constrangimento implícito na postura do cidadão brasileiro ao tratar dos seus bens. Muitos parceiros têm receio de iniciar uma discussão sobre esse assunto com o seu par.
Então, devido a todo esse cenário, poucos contratos de namoro são celebrados e um número menor ainda acaba sendo judicializado, mas já há alguns casos recentes em que tribunais de segunda instância abordaram o tema, além de uma decisão do STJ que pode demonstrar como deverá ser o posicionamento do tribunal, quando algum caso sobre a validade do contrato de namoro chegar a sua apreciação.
Inicialmente cabe ressaltar duas decisões do TJSP que consideraram o contrato de namoro como válido, sendo que ele foi inclusive decisivo para que fosse constatado, em ambos os casos, que o ânimo de constituir família
107 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Contrato de namoro: Amor Líquido e Direito de Família Mínimo. Belo Horizonte: Fórum, 2021, p.89.
não estava presente, ou seja, consideraram que a manifestação de vontade é decisiva para determinar o reconhecimento ou não, da união estável.
Isso faz com que o fato de as partes terem assinado um contrato de namoro, seja uma demonstração de que, na verdade a manifestação foi no sentido de não querer formar um núcleo familiar, e essa vontade deve ser respeitada:
APELAÇÃO. Ação de reconhecimento e dissolução de união estável cumulada com partilha de bens. Sentença que julgou improcedente a ação. Inconformismo da parte autora. Não preenchidos os elementos essenciais caracterizadores da união estável previstos na lei. Contrato de namoro firmado pelas partes. Caracterizado simples namoro, sem intenção de formação de núcleo familiar. Sentença mantida. Recurso desprovido.108
Apelação. Família. Ação de divórcio litigioso, alimentos e partilha de bens. Sentença que decreta o divórcio e partilha, na proporção de 50% para cada um, os valores pagos pelo imóvel durante o casamento. Recurso de ambas as partes. Partes que firmaram contrato de namoro, que exclui a existência de união estável anterior ao casamento. Contrato firmado que não constitui pacto antenupcial. Obrigações lá assumidas que não podem ser discutidas na ação de divórcio. Bens adquiridos antes do casamento que não devem ser partilhados. Prestações do imóvel de propriedade exclusiva do réu pagas durante o casamento que devem ser partilhadas na proporção de 50% para cada um. Alimentos que não são devidos à autora. Requerente pessoa jovem e apta a trabalhar, ainda que momentaneamente desempregada. Sentença mantida. RECURSOS DESPROVIDOS.109
Mas, o mesmo TJSP já havia decidido de forma diferente em um julgamento anterior, onde foi considerado que o reconhecimento de um contrato de namoro era um pedido juridicamente impossível, visto que não existe previsão legal sobre essa espécie contratual no ordenamento jurídico brasileiro, conforme trecho do desembargador relator, que diga-se de passagem, foi o mesmo entendimento do magistrado de primeiro grau:
AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE CONTRATO DE
NAMORO CONSENSUAL. Falta de interesse de agir e impossibilidade jurídica
108 BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo TJ-SP - Apelação Cível: AC 1000884- 65.2016.8.26.0288 XX 0000000-00.0000.0.00.0000. Relator: Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx. Disponível em: <xxxxx://xx-xx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxxxx/000000000/xxxxxxxx-xxxxx-xx- 10008846520168260288-sp-1000884-6520168260288>. Acesso em: 08 mai. 2022.
109 BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo TJ-SP – Apelação Cível: AC 1007161- 38.2019.8.26.0597 XX 0000000-00.0000.0.000000. Relator: Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Disponível em: <xxxxx://xx-xx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxxxx/0000000000/xxxxxxxx-xxxxx-xx- 10071613820198260597-sp-1007161-3820198260597>. Acesso em: 07 mai. 2022.
do pedido. Inicial Indeferida. Processo Julgado Extinto. Sentença mantida. RECURSO DESPROVIDO. 110
No caso, o pedido posto na inicial é de ação de reconhecimento e dissolução de contrato de namoro consensual. Essa pretensão não encontra amparo no ordenamento jurídico, não podendo ser posta em juízo para solução pelo Poder Judiciário. Como bem salientou o i. magistrado “(...) A impossibilidade jurídica do pedido decorre da ausência de previsão legal que reconheça o denominado “contrato de namoro”. Ademais, a hipótese não se assemelha ao reconhecimento e dissolução de sociedade de fato para que os autos possam ser encaminhados a uma das Varas de Família da comarca, haja vista que se trata de “contrato”, diga-se, não juntado aos autos, parecendo se tratar de contrato verbal (...) A preocupação dos requerentes, notadamente a do autor, no sentido de encerrar a relação havida de modo a prevenir outras demandas, o que o requerente não quer que ocorra “em hipótese nenhuma” sic (último parágrafo de fl. 2) não basta para pedir.
No STJ o contrato de xxxxxx nunca chegou a ser discutido diretamente, mas houve um posicionamento interessante do ministro Xx Xxxxxxxxx, em um caso onde ele era relator de um processo que analisava a configuração ou não, de uma união estável, pois durante a fundamentação do seu voto o ministro relator citou o contrato de xxxxxx, afirmando que esse não teria o condão de alterar a realidade dos fatos, mostrando que para ele a primazia da realidade é soberana, e nem mesmo o contrato de convivência teria presunção absoluta de veracidade, ou seja, todo e qualquer contrato no direito de família que não seja um pacto antenupcial, poderá ser desconsiderado se a realidade fática indicar algo diferente do que está ali disposto:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DEFICIÊNCIA NA ALEGAÇÃO DE CONTRARIEDADE AO ART. 1.022 DO CPC/2015. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 284/STF. OFENSA À LEI N. 9.278/1996. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE DISPOSITIVO VIOLADO. DEFICIÊNCIA NA ARGUMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF. UNIÃO ESTÁVEL. NÃO CONFIGURAÇÃO. REVISÃO DO JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME DAS PROVAS DOS AUTOS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ.
1. É deficiente a fundamentação do recurso especial em que a alegada ofensa ao art. 1.022 do CPC/2015 se faz sem a demonstração objetiva dos pontos omitidos pelo acórdão recorrido, individualizando o erro, a obscuridade, a contradição ou a omissão, supostamente ocorridos, bem como sua relevância para a solução da controvérsia apresentada nos autos. Incidência da Súmula 284/STF. 2. O Tribunal a quo, soberano na análise do material cognitivo produzido nos autos, concluiu pela
110 BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo TJ-SP – Apelação : APL 1025481 – 13.2015.8.26.0554 SP. Relator: Xxxxxxx xx Xxxxxxxx. Disponível em: <xxxxx://xx- xx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxxxx/000000000/xxxxxxxx-xxx-00000000000000000000-xx-0000000- 1320158260554/inteiro-teor-355995892>. Acesso 05 mai. 2022.
não configuração de união estável entre o agravante e a servidora pública falecida, em virtude da ausência de demonstração de comunhão de vidas e de esforços, consubstanciada na assistência moral e material recíproca irrestrita, não fazendo jus, portanto, ao recebimento de pensão por morte pleiteada na hipótese vertente. Nesse contexto, a inversão do julgado exigiria, inequivocamente, incursão na seara fático-probatória dos autos, o que é inviável, na via eleita, nos termos do enunciado sumular n. 7/STJ. 3. Agravo interno a que se nega provimento. 111
Nessa ordem de ideias, pela regra da primazia da realidade, um “contrato de namoro” não terá validade nenhuma em caso de separação, se, de fato a união tiver sido estável. A contrário senso, se não houver união estável, mas namoro qualificado que poderá um dia evoluir para união estável “o contrato de união estável” celebrado antecipadamente à consolidação dessa relação não será eficaz, ou seja, não produzirá efeitos no mundo jurídico.
Após analisar esses casos podemos constatar que a maioria da escassa jurisprudência sobre o tema não tira a validade do contrato de namoro de forma automática, levando-o em consideração como uma forma de manifestação de vontade, mas sem que ele tenha caráter absoluto, visto que nunca se irá dispensar a análise de outras provas, para que se chegue na verdade real dos fatos. Portanto, conforme muito bem expuseram Xxxxxx Xxxxx Xxxxxx e Xxx Xxxx Xxxxxxxx Xxxxx em seu artigo sobre o contrato de namoro, a jurisprudência se baseia em dois pilares: a vontade de constituir família e a primazia da realidade112:
Portanto, como visto acima, os tribunais têm se posicionado pautando em dois pilares que se destacam entre os demais, quais sejam, a vontade de constituir família e a realidade fática, ou melhor, primazia da realidade. Sendo assim, como visto acima, o contrato de namoro tem validade e pode evitar a comunicação de bens, se de fato não existir a união estável, pois se por outro lado, existir, aplica-se o Regime da Comunhão Parcial de Bens, que é o regime supletivo legal, aplicado quando ocorre o silêncio das partes.
Tais posicionamentos mostram o caminho que deve ser trilhado na interpretação dos contratos de namoro, e nada mais são do que a continuidade do que já é feito na análise de outras espécies contratuais do direito de família,
111 BRASIL. STJ. AREsp nº 1149402 / RJ (2017/0196452-8) . Disponível em:
<xxxxx://xxxxxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxxxxxx/?xxxxxx0000000- 38.2014.4.02.5101&aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&chkordem=DE SC&chkMorto=MORTO>. Acesso em: 10 mai. 2022.
112 XXXXXX, Xxxxxx Xxxxx; XXXXX, Xxx Xxxxx Xxxxxxxx. Contrato de namoro x União estável. Disponível em:
<xxxxx://xxx.xxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxx/xxxxxxxx/xxxxx/XXXXXX%00XXXXX%00XXXXXX.xxx>. Acesso em: 03 mai. 2022.
que nesse caso, consiste em sempre levar em conta o desejo manifestado pelas pessoas e observar se essa vontade foi manifestada no campo prático da vida real.
CONCLUSÃO
Após analisar tudo o que foi abordado neste trabalho monográfico, observa-se que o tema do contrato de namoro ainda está longe de ser pacificado, pois mesmo com a doutrina se posicionando em regra de forma contrária à sua validade, o tema está sendo cada vez mais discutido, já há muitos doutrinadores que passaram a defendê-lo, e a tendência é que ele ganhe cada vez mais importância.
Dito isto, é possível perceber que o direito de família no Brasil, vem sofrendo inúmeras modificações , com cada vez mais as pessoas tendo maior autonomia para definir que tipo de relacionamento desejam ter, podendo isso ser visto tanto com o próprio crescimento da união estável que está equiparada ao casamento na Constituição Federal, como com mudanças nas regras do casamento, com a permissão de que pessoas do mesmo sexo também pudessem se casar, fora outras questões que ainda estão em discussão, como por exemplo a possibilidade de se ter uniões estáveis simultâneas, ou existir uma união estável com mais de uma pessoa, as chamadas relações poliafetivas.
Isso sem contar outras modificações em outros campos do direito de família, como por exemplo a possibilidade da adoção de crianças por casais homossexuais, além das discussões sobre a coparentalidade e sobre a paternidade ou maternidade socioafetiva.
Em resumo, o Estado está cada vez mais se retirando das relações familiares e deixando as pessoas auto regularem os seus relacionamentos, o que faz com que o contrato de xxxxxx passe a ser considerado válido, com a teoria do direito de família mínimo ganhando cada vez mais espaço, sendo reforçada pelos princípios da liberdade e da autonomia privada.
Ser a favor da validade do contrato de namoro, além de ser um reconhecimento de que as pessoas são indivíduos autônomos, dotados de plena capacidade para poder decidir o que é melhor para si, sem a necessidade de o estado tomar essa decisão por elas, também as capacita para que possam através do contrato de namoro, deixar o procedimento de reconhecimento da união estável um pouco mais objetivo.
Nos dias atuais esse processo é extremamente subjetivo, ficando a cargo de um magistrado definir qual era o verdadeiro ânimo daquele casal enquanto ele esteve junto.
Isso em certa medida, já foi muito positivo, pois evitou que diversas pessoas de má-fé, que tratavam suas companheiras ou seus companheiros como casados, mas assim que terminavam o relacionamento, queriam fugir de todas as responsabilidades que isso acarretava, conseguissem levar a bom termo seu intento.
Mas por outro lado, também trouxe uma gigantesca insegurança para outros casais que, como já foi demonstrado tanto na introdução quanto no primeiro capítulo, vivem de uma forma extremamente intensa e próxima, o que foi ainda mais potencializado pela pandemia, mas que não tem o desejo de constituir uma família naquele momento e como consequência, arcar com todas as responsabilidades patrimoniais e sucessórias que decorrem desse reconhecimento.
Nesse caso, esses casais veem o contrato de namoro como a melhor saída para deixar claras a suas intenções, o que é de extrema importância, visto que diferente do que alguns defendem, identificar os requisitos da união estável não é um processo nada simples, e pode variar dependendo da pessoa que está analisando aqueles fatos.
Quanto à natureza jurídica da união estável, acredito que a melhor descrição é a de que ela é um ato jurídico compósito, pois não há como nos dias atuais, não atribuir uma grande relevância à manifestação de vontade das pessoas, porque conforme foi dito, seria extremamente incoerente com todo o processo de evolução que o direito de família vem passando.
Isso ocorre, pois a autonomia privada vem ganhando cada vez mais destaque, e considerar que a manifestação de vontade não tem nenhum peso em uma análise sobre os fatos concretos de um relacionamento, é algo que vai contra todo esse movimento recente.
Tal natureza jurídica, de forma alguma é contrária ao princípio da primazia da realidade. Na verdade, considerar a manifestação de vontade como um fator decisivo é uma enorme contribuição para se chegar na realidade dos fatos, dado que para alguém ter o ânimo ou intuito de constituir família, essa pessoa tem que demonstrar essa vontade publicamente.
Cabe ainda frisar, que reconhecer o contrato de namoro como válido, não faz com que ele tenha um caráter absoluto, imune a qualquer tipo de contestação, podendo ser submetido ao judiciário para uma análise, se de fato o que está escrito ali corresponde à realidade.
A união estável é sim, considerada um tema de ordem pública, mas isso não torna o contrato de namoro inválido e ineficaz, não existindo problema algum em levá-lo em consideração como um meio de prova importante, para determinar a inexistência do ânimo de constituir família por parte daquele casal.
Deve-se ressaltar ainda que um instrumento semelhante a esse já existe no ordenamento jurídico dos Estados Unidos, e essa experiência do direito estrangeiro pode servir de base para analisarmos se esse é o caminho certo ou não. Até o momento, o resultado lá vem sendo bastante positivo, pois mantém a tendência de o indivíduo ter protagonismo nas relações afetivas.
Trata-se do instituto do “agreement of not to have a common law marriage”, que é muito bem explicado por Xxxxxxx Xxxxxxx Xavier113:
Conforme explanado, o common law marriage se perfaz sem que tenha havido a celebração de qualquer tipo de cerimônia ou a observância de formalidades perante o Estado. Basta que o casal (homem e mulher) tenha capacidade para contrair o matrimônio, deseje ter um relacionamento permanente e exclusivo, coabite e, ainda, que a comunidade em que reside reconheça seus integrantes como marido e
113 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Contrato de namoro: Amor Líquido e Direito de Família Mínimo. Belo Horizonte: Fórum, 2021, p.110-111.
mulher. Considerando o cunho informal que norteia sua constituição, não seria exagero aventar situações em que as partes – plenamente capazes, vivendo um relacionamento amoroso, coabitando, e identificadas como casal pela sociedade – simplesmente não quisessem ver configurado um common law marriage. Eis que, diante da extensão de seus efeitos e da possibilidade de ser reconhecido em todo o território norte-americano, casais que não têm a intenção de sofrer efeitos do common law marriage adotam uma medida muito semelhante àquela defendida neste trabalho: assinam um acordo em que deixam claro o intento de não ver reconhecida essa modalidade matrimonial. O acordo de intenções em comum para a não configuração de common law marriage (agreement of not to have a common law marriage) pode ser firmado por inúmeras razões. Afinal é cada vez maior o número de casais que vive junto sem, no entanto, contrair matrimônio.
Devido a tudo que foi exposto, considero que o contrato de namoro é válido e deve ter sua eficácia reconhecida, para continuarmos no progresso rumo ao objetivo de tornar os indivíduos cada vez mais livres e donos da própria vida.
REFERÊNCIAS
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