Introdução
Introdução
Por fiança (ou caução fidejussória, como também é chamada), entendemos o contrato por meio do qual uma pessoa, denominada fiador, compromete-se a satisfazer ao credor o cumprimento de uma obrigação assumida pelo devedor, em caso de descumprimento por parte desse último. Sendo assim, podemos dizer, por meio de outras palavras, que se trata de um negócio jurídico no qual existe um terceiro que garante a eventual inadimplência da parte devedora, dispondo seu próprio patrimônio para tal responsabilidade.
Tal contrato está tipificado no Código Civil de 2002 em seus artigos 818 a 839, e a supracitada definição encontra seu respaldo legal já no artigo 818:
Art. 818. Pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra.
É importante que se atente para o fato de, apesar de ambos serem meios de garantia pessoal, não se deve confundir a fiança com o aval, haja vista que o primeiro se apresenta como contrato acessório enquanto o segundo se relaciona com uma relação jurídica autônoma, além de o aval se definir como obrigação cambial e trazer a solidariedade entre o devedor principal e o avalista.
Natureza jurídica
Ao tratarmos do campo específico da fiança, especialmente no que diz respeito a seu âmbito estrutural, vemos duas relações jurídicas em tal negócio: a interna, verificada entre o credor e o fiador, e a externa, vista entre o devedor e o fiador. Faz-se a consideração da primeira relação como essencial ao contrato, em consonância, inclusive com o apontado pelo artigo 820:
Art. 820. Pode-se estipular a fiança, ainda que sem consentimento do devedor ou contra a sua vontade.
Além disso, constatamos, na fiança, um contrato especial de notável complexidade, apresentando-se como clássico exemplo de negócio sui generis. Isso ocorre por conta de sua natureza jurídica especial, que a distingue de outros negócios jurídicos e que passaremos a estudar a partir de agora.
A princípio, é colocado que a fiança se trata de um contrato unilateral, uma vez que as obrigações geradas se destinam apenas ao fiador, o qual assume tais obrigações em relação
à parte credora, com quem firma o contrato. Acerca da correspondência entre os ganhos e perdas, podemos classificar, por via de regra, como contrato gratuito, tendo em vista que o fiador não é remunerado. No entanto, há situações nas quais se verifica uma fiança onerosa, em virtude de remuneração recebida pelo fiador na forma de prestação de garantia à dívida, como acontece nas fianças realizadas com as instituições bancárias. Nesses casos, é possível, inclusive, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, caso o destino final do serviço apontar para o interessado.
Embora o contrato de fiança não seja marcado pela solenidade, visto que não há a exigência de escritura pública, é necessário que tal contrato se apresente na forma escrita, conforme enuncia o artigo 819:
Art. 819. A fiança dar-se-á por escrito, e não admite interpretação extensiva.
Ainda a respeito da natureza jurídica da fiança, é necessário que se atente para o fato de ser um contrato acessório, submetendo-se, por conseguinte, ao princípio da gravitação jurídica. Dessa ideia, vemos o advento de algumas relevantes consequências. Uma delas se relaciona com a nulidade do contrato principal, a qual, por si, implica a nulidade da fiança também, ressalvada a devida exceção, como pontua o artigo 824, caput:
Art. 824. As obrigações nulas não são suscetíveis de fiança, exceto se a nulidade resultar apenas de incapacidade pessoal do devedor.
Podemos ainda elencar, como outras consequências do caráter acessório da fiança:
A exoneração do fiador em caso de novação feita sem seu consentimento. Limitação do valor da fiança estabelecido pelo valor da obrigação principal.
No que tange à obrigação que é inexigível judicialmente (a obrigação natural), temos que a fiança pode se enquadrar nessa categoria na possibilidade de a obrigação principal também o ser.
Regras e efeitos da fiança no Código Civil
Primeiramente, é apresentada a possibilidade de, para além das dívidas atuais ou presentes, também as dívidas futuras poderem ser o objeto da fiança, respeitadas as peculiaridades de tal caso, conforme enuncia o artigo 821:
Art. 821. As dívidas futuras podem ser objeto de fiança; mas o fiador, neste caso, não será demandado senão depois que se fizer certa e líquida a obrigação do principal devedor.
Adiante, como mencionado anteriormente, o valor da obrigação existente no débito principal serve como limite ao valor da fiança, o que significa que, em caso de essa última ser mais
onerosa que a obrigação principal, deverá haver a redução da fiança até o limite da dívida afiançada, como explicitado pelo artigo 823:
Art. 823. A fiança pode ser de valor inferior ao da obrigação principal e contraída em condições menos onerosas, e, quando exceder o valor da dívida, ou for mais onerosa que ela, não valerá senão até ao limite da obrigação afiançada.
É possível que exista a celebração da fiança de maneira parcial, caso assim se acorde através do instrumento contratual. Apesar disso, a regra presente no artigo 822 prevê, na ausência dessas exceções, abrangência total da fiança:
Art. 822. Não sendo limitada, a fiança compreenderá todos os acessórios da dívida principal, inclusive as despesas judiciais, desde a citação do fiador.
Com relação ao credor, os artigos 825 e 826 estipulam medidas destinadas a protegê-lo, baseadas, inclusive, no princípio da boa-fé:
Art. 825. Quando alguém houver de oferecer fiador, o credor não pode ser obrigado a aceitá-lo se não for pessoa idônea, domiciliada no município onde tenha de prestar a fiança, e não possua bens suficientes para cumprir a obrigação.
Art. 826. Se o fiador se tornar insolvente ou incapaz, poderá o credor exigir que seja substituído.
Prosseguindo, também se chama a atenção para o benefício de ordem, elemento presente na fiança por meio do qual o fiador tem o direito de exigir a execução, primeiramente, dos bens do devedor, até a contestação da lide (artigo 827 do CC, caput). Exceções a esse benefício se encontram no artigo 828:
Art. 828. Não aproveita este benefício ao fiador: I - se ele o renunciou expressamente;
II - se se obrigou como principal pagador, ou devedor solidário; III - se o devedor for insolvente, ou falido.
Como se pode extrair dos artigos 827 e 828, não existe responsabilidade solidária do fiador para com o devedor, sendo essa responsabilidade de caráter apenas subsidiário. Todavia, o
artigo 829 versa sobre a solidariedade existente entre os fiadores, a qual se apresenta como regra, sem deixar de levar em consideração a exceção presente na possível convenção das partes com respeito à divisão da dívida entre os fiadores.
Os artigos 830 e 831 estabelecem as regras referentes à delimitação da responsabilidade de cada fiador, de tal modo que sejam respeitadas as respectivas quotas existentes nos contratos que possuírem mais de um fiador.
Quanto à relação do fiador com o devedor, o artigo 832 estabelece deveres da parte devedora para com o sacrifício executado pelo fiador:
Art. 832. O devedor responde também perante o fiador por todas as perdas e danos que este pagar, e pelos que sofrer em razão da fiança.
Ainda dentro dos direitos legais previstos em favor do fiador, a codificação apresenta o direito aos juros do desembolso, em consonância com a taxa estabelecida pela obrigação principal, e, na ausência dessa taxa, o direito aos juros decorrentes da mora (artigo 833 do CC), além do direito de promoção do andamento da execução contra o devedor (artigo 834 do CC).
Para o caso de fiança estabelecida sem prazo determinado, aplica-se o artigo 835, um dos mais comentados de nosso código:
Art. 835. O fiador poderá exonerar-se da fiança que tiver assinado sem limitação de tempo, sempre que lhe convier, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança, durante sessenta dias após a notificação do credor.
No que tange ao contrato de fiança com relação à sucessão, tem-se o que é disposto no artigo 836 do Código Civil:
Art. 836. A obrigação do fiador passa aos herdeiros; mas a responsabilidade da fiança se limita ao tempo decorrido até a morte do fiador, e não pode ultrapassar as forças da herança.
Por fim, além do caso já apontado no artigo 836, a extinção da fiança pode se fundamentar em outras causas, as quais são trazidas pelos artigos 837, 838 e 839:
Art. 837. O fiador pode opor ao credor as exceções que lhe forem pessoais, e as extintivas da obrigação que competem ao devedor principal, se não provierem simplesmente de incapacidade pessoal, salvo o caso do mútuo feito a pessoa menor.
Art. 838. O fiador, ainda que solidário, ficará desobrigado:
I - se, sem consentimento seu, o credor conceder moratória ao devedor;
II - se, por fato do credor, for impossível a sub-rogação nos seus direitos e preferências;
III - se o credor, em pagamento da dívida, aceitar amigavelmente do devedor objeto diverso do que este era obrigado a lhe dar, ainda que depois venha a perdê-lo por evicção.
Art. 839. Se for invocado o benefício da excussão e o devedor, retardando-se a execução, cair em insolvência, ficará exonerado o fiador que o invocou, se provar que os bens por ele indicados eram, ao tempo da penhora, suficientes para a solução da dívida afiançada.