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PROCESSO: SES-EXP-2020/52815
J
INTERESSADO:
PARECER: NDP n.º 61/2021
EMENTA: REFORMA DA PREVIDÊNCIA. APOSENTADORIA.
EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO.
FUNÇÃO DE FATO. 1. Consulta sobre os efeitos da má-fé no exercício da função de fato no caso de empregada pública aposentada que, mesmo tendo sido cientificada em meados de julho de 2020 que não poderia permanecer em exercício após a concessão da aposentadoria pelo INSS, não comunicou a sua jubilação ao órgão de recursos humanos, permanecendo em labor de forma irregular. 2. Necessidade de verificação da má-fé por meio de processo administrativo próprio. 3. A cobrança dos valores indevidamente pagos ao agente público de fato que exerceu suas funções com má-fé deve ser autônoma (em relação às verbas rescisórias), sendo feita de forma administrativa e amigável, em um primeiro momento; e judicialmente, posteriormente, caso a parte interessada se negue a pagar voluntariamente. 4. O período em que a parte interessada exerceu de fato as suas funções não integra mais o seu contrato de trabalho, que se findou com o deferimento do benefício de aposentadoria. Dessa maneira, o período não deve integrar os cálculos das verbas rescisórias. 5. Precedentes: Parecer PA 23/2020 e Parecer PA 60/2020. 6. Remessa dos autos para a SECRETARIA DA SAÚDE.
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I. RELATÓRIO
1. Versa a presente consulta sobre o procedimento a ser adotado em relação à situação da empregada aposentada
, Auxiliar de Saúde, contratada sob o regime jurídico da Consolidação das
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Leis do Trabalho (CLT), que, conforme informação do órgão de recursos humanos, “mesmo tendo sido cientificada em meados de julho de 2020 que não poderia permanecer em exercício após a concessão da aposentadoria pelo INSS”, não comunicou a sua jubilação ao órgão de recursos humanos, permanecendo em labor de forma irregular.
2. A síntese da dúvida pode ser bem observada na Informação
lavrada pela Coordenadoria de Recursos Humanos da Secretaria da Saúde, in verbis:
“A interessada preenche função-atividade regida pela Consolidação das Leis do Trabalho, conforme se infere do incluso Termo Individual de Contrato de Trabalho firmado com esta Secretaria da Saúde, fls. 02/07.
Noticiada a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 103/2019 a servidora, ciente de que seu contrato seria extinto com a aposentadoria, firmou termo se comprometendo a entregar no seu órgão de pessoal o comunicado de aposentadoria expedido pelo INSS, fls. 08.
No dia 28 de outubro de 2020, a interessada noticiou ao seu órgão de recursos humanos que lhe havia sido concedida aposentadoria voluntária pelo Instituto Nacional do Seguro Social, fl. 20.
Por ocasião da entrega da Carta de Concessão do Benefício, fls. 09/19, verificou-se que a aposentadoria foi requerida no dia 24 de abril de 2020, data que corresponde ao início do benefício.
Contudo, a carta de concessão foi emitida no dia 05 de agosto de 2020.
Assim, de acordo com o entendimento firmado nos itens 62 e 63 do Parecer PA nº 60/2020, salvo melhor juízo, o contrato da servidora deve ser extinto a partir de 04 de agosto de 2020.
Considerando que a servidora entregou no RH o documento comprobatório da concessão do benefício no dia 28 de outubro de 2020, teria trabalhado indevidamente no período compreendido entre 05.08.2020 a 28.10.2020.
Nos termos do item 66 do Parecer retro mencionado, deve-se analisar individualmente a situação da interessada a fim de verificar a viabilidade de considerar o período como exercício de fato.
Com isso e considerando a ruptura do vínculo da interessada, questiona-se:
1. O período indevidamente trabalhado deve ser descontado das verbas rescisórias eventualmente devidas ou eventual cobrança, caso apurada a má- fé, se dará por outros meios?
2. Caso constatada a boa-fé e autorizado o pagamento a título de exercício de fato, o período deve integrar os cálculos das verbas rescisórias posteriormente?
Com estas considerações, propomos o encaminhamento à Coordenadoria de Recursos Humanos do Estado, para conhecimento e orientação.
É a informação que submetemos à consideração superior.”
(fls. 96 e 97)
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3. Nestas condições, os autos foram encaminhados ao NÚCLEO DE DIREITO DE PESSOAL, nos termos da Resolução PGE n. 2/2018. Sendo esses os fatos, passo à fundamentação.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
4. Com a entrada em vigor da EC n. 103/2019, o novel §14 do art. 37 da CRFB passou a determinar que a “aposentadoria concedida com utilização de tempo de contribuição decorrente de cargo, emprego ou função pública, inclusive do Regime Geral de Previdência Social, acarreta o rompimento do vínculo que gerou o referido tempo de contribuição” (g.n.).
5. Na jurisprudência administrativa paulista, os Pareceres PA
n. 23/2020 e n. 60/2020 se dedicaram à análise da temática. Na ocasião, restou consagrado o entendimento institucional de que o novo §14 do art. 37 da CRFB acarreta o rompimento do vínculo funcional-celetista dos empregados que tiverem a suas aposentadorias concedidas após a data de entrada em vigor da EC n. 103/2019 (i.e., dia 13 de novembro de 2019). Frisou-se, com clareza, que
“(...) é a aposentadoria ‘concedida’ que acarreta o rompimento automático do vínculo laboral, considerar-se-á extinto o contrato de trabalho no dia anterior ao da concessão do benefício previdenciário. Por conseguinte, a data para o cálculo das verbas rescisórias será aquela imediatamente anterior à da efetiva concessão da aposentadoria, tal qual previsto no artigo 51 da Lei Federal nº 8.213, de 24 de julho de 1991, para hipótese assemelhada.
Cabe alertar que a data de concessão da aposentadoria voluntária no âmbito do RGPS não se confunde com a data a partir da qual o benefício previdenciário passa a produzir efeitos que, no caso da aposentadoria voluntária, corresponde à data do requerimento. A data da concessão é aquela em que o benefício é efetivamente deferido por ato do INSS. Assim, tomando de empréstimo o exemplo fornecido na consulta apresentada pelo Centro Estadual de Educação Tecnológica “Xxxxx Xxxxx”, em que o empregado público teria requerido aposentadoria ao INSS em 1/12/2019, mas apenas teria obtido o deferimento do benefício em 1/07/2020, a data a ser considerada para fins de rompimento do vínculo não coincidirá com a data do requerimento do benefício, mas será aquela imediatamente anterior à da concessão da aposentadoria (30/06/2020).”
(Parecer PA n. 60/2020, p. 21)
6. Dessa maneira, a extinção do contrato de trabalho do agente público que se aposenta com utilização de tempo de contribuição decorrente de vínculo
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público (i.e., cargo, emprego ou função pública) se opera automaticamente a partir do dia imediatamente anterior à data de deferimento do benefício, ainda que outra seja a data de notificação do fato ao interessado.
7. Nessa senda, como ficou registrado com maestria no Parecer PA n. 60/2020, de autoria da Dra. XXXXXXX XX XXXXXXXX XXXXXX XXXXXXXX, cabe ao ente
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ou entidade administrativa empregadora operacionalizar a extinção do contrato de trabalho, dando concretude ao preceito do §14 do art. 37 da CRFB. Certo, ademais, que, na hipótese de a Administração não tomar ciência da concessão da aposentadoria, há de ser aplicada, de forma individualizada, a teoria do agente público de fato e suas consequências práticas.
O que é o agente público de fato? É aquele cuja investidura na função pública foi irregular ou inexistiu, mas cuja situação tem aparência de legalidade. Nesta esteira, o princípio da aparência autoriza a convalidar os atos praticados pelos agentes de fato, assegurando-lhes a percepção da remuneração, desde que presente a boa-fé. A rigor, essa lógica conservatória configura uma projeção dos princípios da segurança jurídica e da presunção de legitimidade e veracidade dos atos administrativos. Por isso, salvo a comprovação de má-fé do agente de fato, os atos por ele praticados nesta condição podem ser convalidados (se por outra razão não estiverem viciados) e a remuneração recebida não precisará ser devolvida, pois, do contrário, ter-se-ia um locupletamento sem causa do Estado-empregador, que se aproveitaria do trabalho do agente sem remunerá-lo.(1)
8. Similarmente, já tivemos a oportunidade de pontuar, academicamente, que
“O empregado público que tem a aposentadoria concedida após a EC 103/2019, nos termos do art. 37, § 14, da CF, rompe o seu vínculo com a Administração. Uma nova investidura dependeria de aprovação em concurso público, nomeação e posse; ou, ao menos, designação para um provimento em comissão. Ausentes tais requisitos para o reingresso do empregado no serviço público, a sua continuação no vínculo se dá de maneira irregular, razão por que se atrai a teoria do agente de fato.
Portanto, após a concessão da aposentadoria ao empregado público, caso esse continue irregularmente a trabalhar para a Administração, ter-se-á configurada a situação de agente de fato. Como consequência, ressalvada a demonstração de má-fé por parte do empregado, os atos por ele praticados nessa condição podem ser convalidados, e a remuneração recebida será a ele devida, sem necessidade de restituição. Bom alertar, no entanto, que as pessoas que deram causa à continuação irregular do empregado no vínculo terão a sua responsabilidade funcional apurada, por meio do devido processo administrativo”(g.n.).(2)
(1) cf., por todos, o clássico: XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx de. Contribuições ao estudo da função de fato. São Paulo: Saraiva, 1957, p. 59-71; mais modernamente: XXXXXXX XXXX, Xxxxx xx Xxxxxxxxxx.
Curso de direito administrativo. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 285.
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(2) XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx xx. “O rompimento do vínculo empregatício em razão da aposentadoria: uma análise a respeito dos efeitos da EC 103/2019 sobre a aposentadoria dos empregados públicos”. Revista dos Tribunais, v. 1019, ano 109, p. 21-56, São Paulo: Ed. RT, set.-2020, p. 49-50. No mesmo sentido, também já registramos o fato nos seguintes artigos: “Quais empregados públicos são afetados pela norma do §14 do art. 37 da CRFB? Uma análise da aplicabilidade do rompimento do contrato de trabalho em razão de aposentadoria aos empregados públicos do quadro permanentes e aos empregados públicos em comissão (pura ou não pura)”. Revista Fórum Justiça do Trabalho, Belo Horizonte, ano 37, n. 438, p. 11-25, jun.-2020; e “O direito intertemporal e o artigo 6º da EC nº 103/2019: o caso dos empregados públicos”. Revista Fórum Administrativo, Belo Horizonte, ano 20, n. 232, p. 52-60, jun.-2020.
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9. Fixadas as premissas, entendo já ser possível a análise do caso concreto que dá azo à consulta.
10. Conforme consta dos autos, a interessada teve deferido o seu benefício de aposentadoria por tempo de contribuição no dia 05 de agosto de 2020 (fl. 17). A ciência do deferimento do benefício, ao que parece, ocorreu na mesma data (fls. 15, 16 e 18(3)). Ocorre que apenas em 26 de outubro de 2020 a interessada levou ao conhecimento da Administração paulista o deferimento de sua aposentadoria (fl. 10(4)). Bem antes, todavia, a ela já havia sido informado que, com a vigência do §14 do art. 37 da CRFB, a concessão do benefício de aposentadoria acarretaria a extinção de seu contrato de trabalho, ocasião em que se comprometeu a noticiar eventual deferimento de seu pedido de aposentadoria junto ao INSS. Este dever ficou plasmado pelo “Termo de Compromisso” assinado pela interessada no dia 09 de julho de 2020 (fl. 8).
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(3) O pedido de revisão do benefício efetuado pela interessada no dia 12 de agosto de 2020, a meu ver, denota que antes desta data, a interessada já tinha ciência do deferimento de seu benefício, confirmando o que se extrai dos autos, a saber: muito provavelmente, desde 05 de agosto de 2020, a interessada já tinha consciência do deferimento de sua aposentadoria. De todo modo, esta é uma circunstância que deverá ser aferida em processo administrativo próprio para a constatação da boa ou má-fé da interessada.
(4) Embora os órgãos setoriais tenham relatado que a interessada comunicou o deferimento de sua aposentadoria no dia 28 de outubro de 2020, a rigor, a data de protocolo constante à fl. 10 é 26 de outubro de 2020.
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11. Nesse cenário, parece-me que, à luz do entendimento institucional fixado por esta Procuradoria-Geral do Estado, o contrato de trabalho da interessada se rompeu, automaticamente, na data de 04 de agosto de 2020, isto é, um dia antes do deferimento de sua aposentadoria pelo INSS, conforme estabelecido no Parecer PA n. 60/2020.
12. No interregno que compreende a aludida data e o protocolo junto à Administração paulista da comunicação de deferimento do benefício lavrada pelo INSS, ou seja, entre 04 de agosto de 2020 e 26 de outubro de 2020, em vista da provável má-fé da interessada, compreendo impossível a aplicação dos efeitos benéficos da teoria do agente de fato, de modo tal que a remuneração recebida pela interessada durante o período deve ser reposta ao erário.
13. Com efeito, parece evidente que a interessada descumpriu o compromisso atermado junto à Administração em julho de 2020, denotando a sua provável má-fé. Assim, não há como chancelar o efeito tuitivo do princípio da aparência jurídica e, por consequência, a admissão da regularidade no recebimento dos valores estipendiários pela interessada, já que, ao que tudo indica, faltou-lhe a boa-fé – que é elemento primordial à aplicação ampliativa e protetora da teoria do agente de fato.
14. De todo modo, e tendo em consideração tudo o que se expôs, julgo que casos como o presente merecem, tal como indigitado no Parecer PA n. 60/2020, tratamento individualizado, no qual se reserve à parte interessada os direitos fundamentais ao contraditório e à ampla defesa, por meio do devido processo administrativo (vide Lei Estadual n. 10.177/1998). Assim sendo, entendo cabível a instauração de processo administrativo próprio para apurar a boa ou má-fé da interessada no caso em questão, bem assim balizar o alcance da teoria do agente de fato e da reposição de verbas ao erário, se pertinentes ao caso.
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15. Caso constatada, por meio de processo administrativo, a existência de má-fé da interessada e, por isso, afastada a aplicação da teoria da função de fato de boa-fé durante o interregno compreendido entre 04 de agosto de 2020 e 26 de outubro de 2020, cumprirá à Administração saber como irá cobrar da interessada os valores
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pagos a título de remuneração durante o período em que o exercício de fato da função pública se deu de má-fé.
16. A primeira possibilidade que se pode aventar é o desconto dos valores – pagos irregularmente – no ato de pagamento das verbas rescisórias à interessada. Esta, porém, não me parece uma escolha juridicamente segura. Explico. Se bem analisada a questão, perceberemos que o complexo normativo que rege os descontos nas parcelas salariais e nas verbas rescisórias indica uma extrema excepcionalidade da medida (vide art. 7º, inc. X, da CRFB; art. 833, inc. IV, §§1º e 2º, do CPC; arts. 462 e 477 da CLT; e Lei Federal n. 10.820/2003).(5) É dizer: há de se ter extrema cautela na realização de descontos nas verbas rescisórias, sob pena de reversão das deduções outrora feitas e condenação do Estado no Judiciário, o que só implicaria maiores dispêndios públicos.
17. O art. 462 da CLT estabelece a vedação geral aos descontos salariais, excetuando, expressamente, hipóteses bem delimitadas nas quais os descontos seriam permitidos. A reposição de valores despendidos em razão de função de fato exercida de má-fé não parece se enquadrar, a meu ver, em nenhuma das hipóteses excepcionais que a legislação trabalhista permite o desconto salarial.
18. Com algum esforço hermenêutico, é verdade, a situação poderia ser encaixada nas hipóteses de dano – culposo ou doloso – causado pelo empregado ao empregador, ocasião em que o desconto lícito nos salários e verbas rescisórias da interessada dependeria da comprovação de sua atuação dolosa ou culposa (art. 462, §1º, da CLT).(6) Ainda assim, o referido desconto não poderia ultrapassar o valor de um mês de sua remuneração (art. 477, §5º, da CLT). Por isso, tem-se compreendido que
nestes casos a cobrança dos valores deve se dar por meio de demanda judicial própria, evitando-se as deduções unilaterais nas verbas rescisórias devidas à trabalhadora.(7)
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(5) “A supressão das parcelas rescisórias afigura-se como abusiva, pois viola direito fundamental do trabalhador, qual seja, a dignidade quanto a sua mantença ou de sua família, ou melhor, o mínimo existencial (art. 1º, III, da CR/88)”. TRT-3, 5ª T., RO 0010479-77.2017.5.03.0186, Rel. XXXXXXX XXXXX X. XXXXXX, x. em 27/03/2018, DEJT de 04/04/2018.
(6) À fl. 5 se vê que há previsão de descontos por danos culposos levados a cabo pela empregada.
(7) Sobre o tema: “A empresa deve efetuar os descontos salariais permitidos por lei ao longo do contrato de trabalho (art. 462), evitando o acúmulo para a rescisão. Os descontos fiscais, previdenciários, alimentícios, sindicais e do vale-transporte provavelmente serão feitos mês a mês, como manda a
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19. Vale pontuar, ademais, que a interpretação que atrela o exercício irregular da função de fato à existência de dano do empregado ao empregador é deveras arrojada. Essa interpretação, por não se afeiçoar à literalidade da norma trabalhista, bem como se afastar do princípio tutelar que rege as relações de trabalho, traz inerente risco judicial em sua implantação.(8) Desse modo, entendo que esta exegese deve ser afastada ou, ao menos, compreendida com superlativa cautela.
20. De qualquer forma, segundo o entendimento cristalizado doutrinária(9) e jurisprudencialmente(10), a compensação/dedução de parcelas trabalhistas depende da identidade da natureza das prestações (vide arts. 370 e 373, inc. III, do CC c/c art. 8º, §1º, da CLT), sendo impossível a compensação de créditos laborais do obreiro com as suas dívidas não trabalhistas. Destarte, compreendo não ser possível a compensação de verbas rescisórias trabalhistas com verbas cuja causa se origina de uma relação civil-administrativa, como é o caso do exercício de função de fato de má-fé.
21. Por tudo isso, compreendo que a solução mais segura à cobrança dos valores indevidamente pagos ao agente público de fato que exerceu suas
legislação. O problema surge em descontos como os prejuízos causados pelo empregado por culpa ou dolo, ou o crédito consignado. Não se poderá aproveitar a rescisão para zerar os débitos. O legislador fixou em uma remuneração o máximo de descontos que poderá ser implementado nas verbas rescisórias (§ 5º) e isso gera muitos embaraços. No caso dos prejuízos causados pelo empregado, somente restará ao empregador acionar o empregado na Justiça do Trabalho para o ressarcimento – ou, se for acionado, apresentar reconvenção – porque não se admite o desconto superior ao ganho mensal do empregado. No caso do empréstimo consignado, o art. 1º, § 1º, da Lei 10.820/2013, autoriza o desconto de até 35% do valor das verbas rescisórias. Ao que parece, os descontos se somam, ou seja, o desconto do art. 477, § 5º, de até uma remuneração, diz respeito às questões trabalhistas já mencionadas, e o desconto de 35% das verbas diz respeito a questões civis, do empréstimo contraído no mercado. A solução não é simpática ao empregado e mexe com o declinado tema do superendividamento da população, incentivado pelo legislador, mas, se fôssemos interpretar como um único desconto, a lei seria anacrônica, porque “35% das verbas rescisórias” pode ser um valor maior do que “uma remuneração”. Melhor concluir que eles caminham em lados diferentes, como já se falou quanto à pensão alimentícia – esta, no caso, dependente de como foi fixado por acordo ou decisão judicial” [g.n.] (XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx da. CLT comentada. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2018, p. 351).
(8) Xxxxx, a doutrina tem acentuado a dificuldade de o empregador provar judicialmente a existência do dolo ou da culpa do empregado em tais situações. Ver, por todos, XXXXX. Op. cit., p. 327 e 328.
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(9) “A restrição de caráter absoluto refere-se à inviabilidade de compensação de créditos laborais do obreiro com suas dívidas não trabalhistas. Não se compensam créditos laborais com quaisquer outros que tenham distinta natureza (civil, comercial, tributário, etc.). Insista-se: a inviabilidade desse tipo de compensação ocorre mesmo perante dívidas não trabalhistas assumidas pelo empregado com relação a seu próprio empregador (Súmula 18, TST)” (XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho. 16. ed. São Paulo: LTr, 2017, p. 968).
(10) TST, 8ª T., RR 3789820145040851, Rel. XXXXXX XXXXXX XXXXXX XXXXX, x. em 21/02/2018, DEJT de 23/02/2018.
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funções com má-fé é a cobrança autônoma (em relação às verbas rescisórias), primeiramente, de forma administrativa e amigável, por meio de notificação à parte interessada, acompanhada da planilha de cálculos e do motivo da cobrança, dando à interessada prazo e modos de quitação do débito razoáveis; e, caso infrutífera a cobrança administrativa, segue-se à via judicial, mediante ajuizamento de ação de cobrança em face da parte interessada.
22. Por fim, julgo curial frisar que, a cobrança, administrativa ou judicial, deverá ocorrer após a verificação, em processo administrativo próprio, da má-fé da parte interessada. É fundamental garantir à parte o direito ao contraditório e à ampla defesa, por intermédio do devido processo legal-administrativo (art. 5º, inc. LV, da CRFB). Apenas após o recolhimento de todos os dados hábeis a atestar a má-fé da parte interessada no exercício da função de fato será possível a cobrança dos valores indevidamente pagos.
III. CONCLUSÃO
23. Passo, pois, às respostas aos quesitos levantados pela autoridade consulente:
1. O período indevidamente trabalhado deve ser descontado das verbas rescisórias eventualmente devidas ou eventual cobrança, caso apurada a má-fé, se dará por outros meios?
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RESPOSTA — Entendo que o meio mais apropriado para a cobrança dos valores despendidos no período indevidamente trabalhado não é o desconto nas verbas rescisórias eventualmente devidas à interessada. Compreendo que a solução mais segura à cobrança dos valores indevidamente pagos ao agente público de fato que exerceu suas funções com má-fé é a cobrança autônoma (em relação às verbas rescisórias), sendo esta feita de
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forma administrativa e amigável, em um primeiro momento; e judicialmente, posteriormente, caso a parte interessada se negue a pagar voluntariamente.
2. Caso constatada a boa-fé e autorizado o pagamento a título de exercício de fato, o período deve integrar os cálculos das verbas rescisórias posteriormente? RESPOSTA — Não. O período em que a parte interessada exerceu de fato as suas funções não integra mais o seu contrato de trabalho, que se findou com o deferimento do benefício de aposentadoria. Dessa maneira, o período não deve integrar os cálculos das verbas rescisórias.
24. Antes de qualquer medida, porém, entendo ser imprescindível o atendimento das determinações alinhavadas nos articulados n. 14 e n. 22.
25. Feitas as devidas observações, após a análise da Coordenação deste NÚCLEO, se pertinente, encaminhem-se os autos à SECRETARIA DA SAÚDE, a fim de que as devidas providências sejam adotadas.
São Paulo, 25 de fevereiro de 2021.
(assinatura incluída eletronicamente)
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ASSUNTO: REFORMA DA PREVIDÊNCIA. APOSENTADORIA. EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. FUNÇÃO DE
FATO. 1. Consulta sobre os efeitos da má-fé no exercício da função de fato no caso de empregada pública aposentada que, mesmo tendo sido cientificada em meados de julho de 2020 que não poderia permanecer em exercício após a concessão da aposentadoria pelo INSS, não comunicou a sua jubilação ao órgão de recursos humanos, permanecendo em labor de forma irregular.
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Aprovo o Parecer NDP nº 61/2021 e reforço as recomendações insertas no item 23, subitens 1 e 2, e 24.
Encaminhem-se os autos à Coordenadoria de Recursos Humanos do Estado – CRHE, para ciência e, após, à Secretaria da Saúde (Coordenadoria de Recursos Humanos – Grupo de Gestão de Pessoas – Centro de Orientação e Normas).
São Paulo, 9 de março de 2021.
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Procuradora do Estado Coordenadora do Núcleo de Direito de Pessoal