SOCIAL FUNCTION AND SOLIDARY OF THE CONTRACT AS A TOOL FOR SUSTAINABLE DEVELOPMENT
A FUNÇÃO SOCIAL E SOLIDÁRIA DO CONTRATO COMO INSTRUMENTO PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
SOCIAL FUNCTION AND SOLIDARY OF THE CONTRACT AS A TOOL FOR SUSTAINABLE DEVELOPMENT
Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxxxxx Xxxx0 Maitê Xxxxxxx Xxxxxx Xxxx 2
Resumo
O presente artigo tem por objetivo verificar se o princípio da função social e solidária do contrato, vincula os contratos empresariais e terceiros ao princípio do desenvolvimento sustentável. Os direitos de terceira geração estão voltados à tutela da solidariedade. Neste sentido, a sociedade empresária, preocupada com a ética empresarial e ambiental, não deve preocupar-se apenas com a lucratividade, mas sim buscar, por meio da função social da empresa, a melhoria das condições de toda a sociedade, a proteção ao meio ambiente e o desenvolvimento sustentável. Também analisa se os princípios constitucionais possuem eficácia direta nas relações privadas, e se tanto o princípio da função social do contrato quanto o princípio do desenvolvimento sustentável podem regular as relações privadas, e entre elas, as relações contratuais. Por meio de extensa pesquisa bibliográfica, este artigo, que trata de contratos empresariais com terceiros, utiliza o método hipotético-dedutivo para atingir o objetivo almejado.
Palavras-chave: Função Social; Contrato; Solidariedade; Desenvolvimento Sustentável; Função Social da Empresa; Princípios.
Abstract
This paper aims to determine whether the principle of social solidarity function of contract, binds business contracts and third parties to the principle of sustainable development. The third generation rights are aims protection of solidarity. In this sense, business associations, concerned with business and environmental ethics, should not be concerned only with profitability, but may seek, through the company's social function, the improvement of the whole society, the environmental protection and sustainable development. Also considers whether the constitutional principles have direct efficacy in private affairs, and if both the principle of the social function of the contract and the principle of sustainable development can regulate private relations , and among them, the contractual relationships. Through extensive literature research, this article, which deals with business contracts with third parties, uses the hypothetical- deductive method to achieve the desired objective.
Key-words: Social function; Contract; Solidarity; Sustainable Development; Company's Social Function; Principles.
1 Advogada, mestranda em Direito pela Universidade Nove de Julho, na linha de pesquisa Empresa, Sustentabilidade e Funcionalização do Direito; e-mail: xxxxxxx00@xxxxx.xxx
2 Doutora em Direito pela PUC-SP, Professora do Programa de Mestrado da Universidade Nove de Julho.
INTRODUÇÃO
O presente artigo utilizará o método hipotético-dedutivo com o objetivo de verificar, por meio de extensa pesquisa bibliográfica, se o princípio da função social e solidária do contrato, vincula os contratos empresariais à questão do desenvolvimento sustentável.
O desenvolvimento sustentável é hoje considerado valor supremo acolhido pela Constituição Federal, no caput de seu artigo 225, que impõe tanto ao Poder Público quanto à coletividade, o dever de defesa e preservação do meio ambiente para as presentes e futuras gerações. Considerado o direito ao desenvolvimento como pertencente aos direitos de terceira geração, ou seja, aqueles voltados à tutela da solidariedade, somente poderão ser supridos a partir da união dos esforços de toda sociedade, para a construção de um mundo melhor. Esta preocupação está voltada para a concretização da paz, do desenvolvimento econômico e de um meio ambiente saudável.
Nessa linha de raciocínio e do contexto atual que estamos inseridos, observa-se que todos são agentes para as mudanças da sociedade com vistas à concretização dos direitos humanos. Entende-se que a empresa não foge desse esforço conjunto e, por isso, analisa-se neste artigo a necessidade/obrigatoriedade da empresa privada, ao contratar, preocupar-se também com a questão ética e ambiental, e não apenas com o seu lucro. Indo além nas reflexões, se a sociedade como um todo, deve ser objeto das preocupações empresariais, e, de modo especial, acerca da conscientização da iniciativa privada com a adoção de práticas sustentáveis.
No âmbito dos contratos empresariais, é importante ressaltar o princípio da função social do contrato, presente no artigo 421 do Código Civil. Este assevera que a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. Isto significa que o contrato deve atender à sua função social, ou seja, deve-se levar em consideração os aspectos relacionados com o desenvolvimento social e econômico, geração de tributos e empregos, preservação do meio ambiente, dentre outros.
Este conceito estaria ligado à ideia de finalidade ou utilidade com relação ao meio que o cerca. A importância deste princípio na atualidade é tal, que poderá, em caso de não observância, ensejar a nulidade do contrato, fato que justifica a relevância da pesquisa.
É assunto que gera muitas discussões doutrinárias, o que justifica a relevância deste
artigo.
O artigo analisará também de forma perfunctória, se a responsabilidade social e solidária da empresa, voltada para a melhoria das condições de vida de todos, deve integrar as preocupações sociais e ecológicas das atividades empresariais, como propósito de satisfazer as obrigações jurídicas aplicáveis, investindo no capital humano e no meio ambiente.
Para melhor expor o tema, optou-se, primeiramente, por tratar do direito ao desenvolvimento, adentrando no princípio do desenvolvimento sustentável e da função social da empresa. Contextualizado o tema, na sequência, serão tratados conceitos e aspectos doutrinários e polêmicos acerca da função social e solidária do contrato.
E, para finalizar, será tratada a questão da efetividade dos princípios mencionados neste artigo, bem como a hipótese da vinculação dos contratos empresariais3 ao desenvolvimento sustentável.
1. GLOBALIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Xxxxxx Xxxx entende que globalização significa politização, pois,
o aparecimento da globalização permite aos empresários e suas associações a reconquista e o pleno domínio do poder de negociação que havia sido politicamente domesticado pelo Estado do bem-estar social capitalista organizado em bases democráticas. A globalização viabilizou algo que talvez já fosse latente no capitalismo, mas ainda permanecia oculto no seu estágio de submissão ao Estado democrático do bem-estar, a saber: que pertence à empresa, especialmente àquelas que atuam globalmente, não apenas um papel central na configuração da economia, mas a própria sociedade como um todo – mesmo que seja “apenas” pelo fato de que ela pode privar a sociedade de fontes materiais (capital, impostos, trabalho).4
Xxxx sustenta que a economia globalizada enterra os fundamentos do Estado e da economia nacional, o que estaria de acordo com a desestruturação do Estado moderno que ora se observa. Para Beck, o aparecimento da globalização romperia não apenas com as correntes sindicais, mas também com as do Estado nacional, pelo desmantelamento do aparelho e da tarefa do Estado com vistas à “concretização da utopia anarco-mercadológica do Estado mínimo”5. As empresas ganham papel relevante nesse contexto.
3 O presente trabalho não alcançará os contratos de constituição das sociedades e os contratos nas relações de consumo, voltando-se mais especificamente para os contratos entre as sociedades empresárias e terceiros.
4 XXXX, Xxxxxx. O que é Globalização? Equívocos do Globalismo: Respostas à Globalização. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1999, p. 14.
5 Idem, p. 16.
Mas existem visões menos pessimistas da globalização, as quais não deixam de enxergar os seus problemas complexos. Xxxxxx Xxxxxx propõe que, através de uma visão sistêmica, ou seja, da “possibilidade de enxergar as situações e as causas atuantes como conjuntos e de localizá-los como um todo, mostrando a sua interdependência,”6
deverão permitir a implantação de um novo modelo econômico, social e político que, a partir de uma nova distribuição de bens e serviços, conduza à realização de uma vida coletiva solidária e, passando da escala do lugar à escala do planeta, assegure uma reforma do mundo, por intermédio de outra maneira de realizar a globalização.7
O reconhecimento da necessidade da promoção do desenvolvimento sustentável para o planeta é um aspecto positivo da globalização, ainda que ele se encontre em diferentes estágios nos diversos Estados nacionais.
O princípio do desenvolvimento sustentável é um reflexo da visão política relacionada à problemática ambiental, consagrada pela Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. A proteção do meio ambiente possui a mesma importância dos valores econômicos e sociais protegidos pela ordem jurídica vigente. A exploração dos recursos naturais de maneira racional, consciente e eficiente; a preservação, a restauração dos ecossistemas e dos processos ecológicos essenciais para as futuras gerações; bem como o controle das atividades potencialmente poluidoras, estão implícitos neste princípio constitucional.8
O direito ao desenvolvimento compreenderia, para Xxxxxx Xxxxxxxx, três dimensões:
a) a importância da participação, com realce ao componente democrático a orientar a formulação de políticas públicas, dotando-lhes de maior transparência e accountabilitty,; b) a proteção às necessidades básicas de justiça social, enunciando a Declaração sobre o Direito ao desenvolvimento que: “A pessoa humana é o sujeito central do desenvolvimento e deve ser ativa, participante e beneficiária do direito ao desenvolvimento”; e c) a necessidade e adotar programas e políticas nacionais, como de cooperação internacional – já que a efetiva cooperação internacional é essencial para prover aos países mais pobres meios que encorajem o direito ao desenvolvimento. A respeito, adiciona o artigo 4º da Declaração que os Estados têm o dever de adotar medidas, individual ou coletivamente, voltadas a formular políticas de desenvolvimento internacional, com vistas a facilitar a plena realização de direitos.9
6 XXXXXX, Xxxxxx. Por uma outra Globalização. Do pensamento único à consciência universal. 23ª ed. São Paulo: Editora Record, 2013, p. 169.
7. Idem, p.170.
8 XXXX, Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxxxxx; MORO, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxx. A Responsabilidade Social da Empresa como forma de concretização do Direito ao Desenvolvimento. Artigo a ser publicado no XXII Congresso Nacional do CONPEDI 2013.
9 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e justiça internacional. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 54.
No entender da mencionada autora, o desenvolvimento deve ser concebido como um processo de expansão das liberdades reais, que as pessoas podem usufruir. Adota, neste sentido, a concepção de Xxxxxxx Xxx, para quem a expansão da liberdade é vista concomitantemente como uma finalidade em si mesma, e seu principal significado é o desenvolvimento.10
Xxxxxxx Xxx procura demonstrar que o desenvolvimento pode ser visto como um processo de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam. Essas liberdades dependem não apenas de índices como o Produto Nacional Bruto ou do aumento das rendas pessoais, industrialização, avanço tecnológico ou modernização social, mas também das disposições sociais e econômicas, como serviços de educação e saúde, e do respeito aos direitos civis. O desenvolvimento depende também da remoção das principais fontes de privação da liberdade, como pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas, negligência dos serviços públicos, intolerância e repressão estatal.11
O autor entende, ainda, que a expansão da liberdade humana é o principal fim e meio do desenvolvimento, e o objetivo do desenvolvimento relaciona-se à avaliação das liberdades reais desfrutadas pelas pessoas:
As capacidades individuais dependem, crucialmente, entre outras coisas, de disposições econômicas, sociais e políticas. Ao se instruírem disposições institucionais apropriadas, os papéis instrumentais de tipos distintos de liberdade precisam ser levados em conta, indo-se muito além da importância fundamental da liberdade global dos indivíduos. (...) Correspondendo a múltiplas liberdades inter- relacionadas, existe a necessidade de desenvolver e sustentar uma pluralidade de instituições, como sistemas democráticos, mecanismos legais, estruturas de mercado, provisão de serviços de educação e saúde, facilidades para a mídia e outros tipos de comunicação, etc. (...) Os fins e os meios do desenvolvimento exigem que a perspectiva da liberdade seja colocada no centro do palco. Nessa perspectiva, as pessoas têm de ser vistas como ativamente envolvidas – dada a oportunidade – na conformação de seu próprio destino, e não apenas como beneficiárias passivas dos frutos de engenhosos programas de desenvolvimento. O Estado e a sociedade têm papéis amplos no fortalecimento e na proteção das capacidades humanas. São papéis de sustentação, e não de entrega sob encomenda. (...)12
Xxxx Xxx xx Xxxxx segue a mesma linha, ao identificar que desenvolvimento não se confunde com crescimento econômico, o qual seria apenas uma condição necessária, mas não suficiente. O desenvolvimento depende de cultura, e não se pode ignorar as relações complexas das sociedades humanas e a evolução da biosfera. A sustentabilidade, por sua vez,
10 Idem, p. 48.
11 XXX, Xxxxxxx. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Editora Schwarcz S.A., 2012, p.p. 16-17.
12 Idem, pp. 76-77.
dependerá da capacidade das civilizações humanas de se submeterem aos preceitos de prudência ecológica e de fazer bom uso dos recursos naturais.13
Xxxxxx Xxxxxxx define o princípio do desenvolvimento sustentável como
(...) o princípio constitucional que determina, com eficácia direta e imediata, a responsabilidade do Estado e da sociedade pela concretização solidária do desenvolvimento material e imaterial, socialmente inclusivo, durável e equânime, ambientalmente limpo, inovador, ético e eficiente, no intuito de assegurar, preferencialmente de modo preventivo e precavido, no presente e no futuro, o direito ao bem-estar.14
Deve-se ainda ressaltar que a Constituição Federal de 1988 estabeleceu, em seus princípios fundamentais, o princípio da dignidade da pessoa humana,15 adotando, portanto, uma visão antropocêntrica. Neste sentido, é lícito interpretar que o direito ao meio ambiente deve estar voltado para a satisfação das necessidades humanas. E o que se pode depreender do artigo 3º da Política Nacional de Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81)16, cujo conceito de meio ambiente foi inteiramente recepcionado.17
Retomando a ideia de sustentabilidade, esta, segundo Xxxxxx Xxxxxxx, é multidimensional. Em outras palavras, é ela jurídico-política, ética, social, econômica e ambiental, vinculada de modo especial à ética e à dimensão jurídica, pois se trata de princípio constitucional implícito incorporado por norma geral inclusiva (artigo 5º, parágrafo 2º da Constituição Federal), e de acordo com a qual se requer eficácia direta e imediata de imperativos da responsabilidade partilhada pelo ciclo de vida dos produtos e serviços.18
Esta noção de multidimensionalidade da sustentabilidade está em sintonia com as noções de Xxxx Xxx xx Xxxxx, pois ainda de acordo com Xxxxxx Xxxxxxx, a sustentabilidade não
13 XXXXX, Xxxx Xxx. Desenvolvimento Sustentável: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Editora Garamond Ltda., 2010, p.p. 9-10
14 XXXXXXX, Xxxxxx. Sustentabilidade. Direito ao futuro. 2ª ed. Belo Horizonte: Editora Forum, 2012, p. 41.
15 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana;
16 Art 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I - meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas; II - degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente; III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos; IV - poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental; V - recursos ambientais, a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo e os elementos da biosfera.
17 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx. Curso de direito ambiental brasileiro. São Paulo: Editora Saraiva, 2008, pp.15-16.
18 XXXXXXX, Xxxxxx. Sustentabilidade – direito ao futuro. 2ª ed. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2012, pp. 50-54.
se coaduna com a crença no crescimento material como fim em si, importando preservar o legado da biodiversidade. O progresso material não pode sonegar o imaterial, devendo também estar indissoluvelmente associado ao bem estar duradouro, no que tange ao stress climático e às vulnerabilidades sociais. Isto implica na prática da equidade, tanto na relação com as gerações futuras, quanto com a presente, a fim de erradicar a miséria, as estruturas de injustiças e as discriminações, promover a segurança e a reeducação alimentar, entre outros, requerendo assim uma cidadania ecológica ativista do bom desenvolvimento, aliada da justiça ambiental.19
A proteção ao meio ambiente é, portanto, dever de todos. E o princípio do desenvolvimento sustentável tem, por conteúdo, a manutenção das bases vitais da produção e reprodução do homem e de suas atividades, para garantir uma relação satisfatória entre os homens e o meio ambiente. Tudo isto é necessário para que as futuras gerações tenham a oportunidade de desfrutar dos mesmos recursos que estão hoje à nossa disposição.20
Nesse contexto até aqui explicado, o artigo 225 da Constituição Federal visa garantir a proteção ao meio ambiente, determinando como legitimados passivos pelos danos ao meio ambiente tanto o Poder Público, quanto a coletividade.
A necessidade de se levar em conta a questão da sustentabilidade nas relações privadas também encontra diversos porta-vozes no mundo atual globalizado. O setor privado, mesmo que ainda em escala reduzida, tem buscado atrair e motivar talentos, aumentar a competitividade, a eficiência e a redução de custos, conforme o entendimento de Xxxxxxxx Xxxxxxx, no prefácio da obra Conversas com os Mestres da Sustentabilidade. Para ele, somente a atividade empresarial com visão de futuro sobreviverá a longo prazo, e existem pontos interconectados que deverão permanecer na agenda dos gestores, como a redução dos riscos, a influência sobre inovação de produtos e serviços, o fortalecimento da imagem da marca e da reputação e melhoria da imagem da empresa, ligados ao progresso social e à preservação do meio ambiente.21
19 XXXXXXX, Xxxxxx. Sustentabilidade – direito ao futuro. 2ª ed. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2012, pp. 50-54. 20 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx. Curso de direito ambiental brasileiro. 9ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2008, p. 28.
00 XXXXX, Xxxxx; XXXXX, Xxxxxxx. Conversas com os Mestres da Sustentabilidade. São Paulo: Editora Gente, 2010, p. XIV.
2. EMPRESA E FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA
Existe a noção de que o que prejudica o meio ambiente em um determinado país, atinge o planeta como um todo. E são muitas as iniciativas de empresas preocupadas com a questão ambiental.
Um bom exemplo é a Climate Change Capital, empresa de consultoria e gerenciamento de investimentos, fundada por Xxxxx Xxxxxxx, sediada no Reino Unido e especializada em oportunidades geradas pela transição global para a economia de baixa emissão de carbono. A empresa assessora e investe em companhias que reconhecem que o combate ao aquecimento global é não apenas uma necessidade, mas também uma oportunidade econômica. As atividades da empresa incluem financiamentos de instalações de energia renovável no Reino Unido, a destruição e gases de efeito estufa na Índia e na China, além de projetos de transformação do lixo em fontes de energia na também na China e na Hungria.22
As empresas que possuem certificação ambiental em seus produtos, como “Selo Verde” e “ISO-14001,” possuem maior aceitação e são mais valorizadas, pois agregam valor à marca e, consequentemente, à empresa. Ademais, para exportar seus produtos, a empresa precisa muitas vezes estar adequada às normas da ABNT e possuir a certificação ambiental. Caso contrário, não encontrará mercado internacional e, muitas vezes, até mesmo nacional, para seus produtos.
Logo, a empresa privada, que nas palavras de Newton de Lucca é a “célula base de toda a economia industrial”, pela sua importância na sociedade, não pode deixar de lado a questão da ética ambiental e do desenvolvimento sustentável, pois
Em economia de mercado, é, com efeito, no nível da empresa que se efetua a maior parte das escolhas que comandam o desenvolvimento econômico: definição de produtos, orientação de investimentos e repartição primária de rendas, esse papel – motor da empresa é, por certo, um dos traços dominantes de nosso modelo econômico: por seu poder de iniciativa, a empresa está na origem da criação constante da riqueza nacional; ela é, também, o lugar da inovação e da renovação. 23
A empresa não deve se preocupar apenas com a questão do lucro, que obviamente é objetivo societário, deve, também, se preocupar com a sociedade como um todo,
00 XXXXX, Xxxxx; XXXXX, Xxxxxxx. Conversas com os Mestres da Sustentabilidade. São Paulo: Editora Gente, 2010, p. 21.
23 DE LUCCA, Newton. Da ética geral à ética empresarial. São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2009, p. 313-314.
principalmente com a conscientização da adoção de práticas sustentáveis. Cada vez mais é as empresas estão se dando conta que o egoísmo lucrativo não é mais bem visto pela sociedade e pelos consumidores, e que elas precisam também mostrar que cuidam da engrenagem e dos recursos que têm à disposição, sob pena de não terem estes recursos e não obterem seu lucro adiante.
Xxxx Xxxxxx Xxxxxx, ao discorrer sobre a questão da ética empresarial e da sustentabilidade, entende que
A sofisticação do mercado e o esclarecimento do consumidor permitem que ele distinga a escala valorativa do produto e do fornecedor. Não basta à empresa se autodenominar ecologicamente correta, se incide e reincide em más práticas ambientais, e mostra que a sua opção ecológica é puro marketing. Verdade, franqueza, transparência, são valores de que nem as pessoas, nem as entidades formadas para os mais distintos objetivos podem descuidar. 24
2.1. Responsabilidade social da Empresa
A responsabilidade social da empresa deve estar voltada para a melhoria das condições de vida de todos, integrando as preocupações sociais e ecológicas das atividades empresariais, além das relações entre todas as partes envolvidas, o que inclui diretores, membros de conselhos de administração e fiscais, administradores, funcionários, prepostos, fornecedores, clientes, etc. a fim de satisfazer as obrigações jurídicas aplicáveis, investindo no capital humano e no meio ambiente.25
Não basta simplesmente falar estar preocupado com questões ambientais e com a sociedade, deve-se agir e demonstrar essa real preocupação. Xxxxxx xx Xxxxx afirma ainda que cumprir uma função social implica em assumir a plenitude da responsabilidade social. Isto quer dizer que, como cidadãos ou empresários, existe o indeclinável dever ético de praticar políticas sociais tendentes a melhorar as condições e a qualidade de vida de todos os nossos semelhantes.26
Por tudo o que foi exposto, mostra-se claro que
24 XXXXXX, Xxxx Xxxxxx. Sustentabilidade e ética empresarial. In SILVEIRA, Xxxxxxxx da; XXXXXXXXX, Orides (Coord.). Justiça, empresa e sustentabilidade. Vol. 2. Empresa, sustentabilidade funcionalização do direito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 121
25 XXXX, Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxxxxx; MORO, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxx. A Responsabilidade Social da Empresa como forma de concretização do Direito ao Desenvolvimento. Artigo a ser publicado no XXII Congresso Nacional do CONPEDI 2013.
26 DE LUCCA, Newton. Da ética geral à ética empresarial. São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2009, p. 329
o empresário não deve apenas visar a atividade empresarial como uma dimensão individual, mas coletiva da sociedade, no qual deve-se preservar o meio ambiente através de uma postura ética, em conformidade com preceitos legais e a dignidade da pessoa humana. A empresa assim agindo também estará cumprindo com sua função social.27
Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxxx e Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxxx vão além, considerando a questão da ética como uma nova fase dos direitos humanos. Para os autores, observa-se um novo processo dinamogênico em curso, alimentado pelo valor responsabilidade.28
Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxxx assevera que a responsabilidade social é tema de grande relevância para as empresas, e uma das razões para, ao falar sobre Responsabilidade Social Corporativa, seria que
(...) o impacto que as questões ligadas à RSC podem ter no valor econômico das empresas. Além de impactos econômicos diretos de uma atitude socialmente irresponsável, como o aparecimento de multas, paralisações e indenizações, há também o impacto sobre a marca da empresa a longo prazo. (...) Questões sociais e ambientais refletem o valor da marca da empresa. Quaisquer problemas podem ter um impacto significativo no valor da marca (acidentes, falsificações, etc.). Uma empresa, ou até mesmo setor econômico, com uma marca ruim em termos de RSC pode ser sujeita a mais regulações do estado ou ter uma maior rejeição de seus projetos por parte da população ou de governantes. Ninguém quer ter por perto um vizinho com má fama.29
E nisto inclui-se tanto a sustentabilidade no ambiente interno das sociedades empresárias, quanto no ambiente externo. A atividade empresarial causadora do dano ambiental afeta a todos, aplicando-se a teoria da responsabilidade objetiva aos causadores do dano, que pode ser tanto do empreendedor, do Estado, ou do profissional civil.
Portanto, a ética ambiental e empresarial, bem como a função social da empresa é assunto de grande relevo na atualidade, pois assumir a responsabilidade pela promoção do desenvolvimento sustentável, é uma forma de a empresa promover a responsabilidade social. Duas são as possibilidades que se vislumbra nessa linha de pensamento: ou a empresa contemporânea assume este seu papel de responsabilidade social, ou poderá não sobreviver a uma sociedade cada vez mais preocupada com essa postura ética e responsável das empresas, fornecedores e prestadores de serviços.
27 XXXX, Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxxxxx; MORO, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxx. A Responsabilidade Social da Empresa como forma de concretização do Direito ao Desenvolvimento. Artigo a ser publicado no XXII Congresso Nacional do CONPEDI 2013.
28 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx da; XXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Direito humanos: conceitos, significados e funções. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 183-184.
29 XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx de. Empresas na Sociedade. Sustentabilidade e Responsabilidade Social. Rio de Janeiro: Elsevier Editora, 2008, pp. 4-5.
É dentro deste contexto que a grande parte dos contratos empresariais são firmados, não podendo estes últimos ficarem à margem dos princípios éticos e valores que devem reger estas relações jurídicas.
3. A FUNÇÃO SOCIAL E SOLIDÁRIA DO CONTRATO
A nova realidade social exigiria, hoje, a reconstrução da Teoria Geral do Contrato, para que haja uma “uniformização” das teorias que expliquem essa nova realidade. Xxxxxxx, assim, uma nova maneira de interpretação do contrato.
Essa nova realidade social, acima mencionada seria consequência da transição do Estado Liberal para o chamado welfare state, pelo qual o dogma da vontade, base do estabelecimento das relações contratuais (autonomia negocial), cederia lugar à admissão de que o contrato também encerraria uma dimensão social, que iria além da esfera jurídica das partes contratantes.30
Xxxx Xxxx afirma que a crise do contrato nos remete a doutrinadores como Xxxxx Xxxxxxx00. O discurso sobre a crise do contrato e a necessidade de um novo paradigma, seria então desenrolado a partir da análise da teoria clássica do contrato. Mas este discurso seria não o da chamada “morte do contrato”, mas sim em favor da sua vida, na medida em que propõe a superação daquela teoria. A morte do contrato, corresponderia ao fim da teoria clássica, a qual cederia a uma necessidade de análise dos interesses concretos que o acordo entre as partes expressa, não segundo o método formal, mas mediante o exame dos interesses substanciais, ao que corresponde a objetivação e despersonalização do contrato.32
Para Grau, não existe e não deve ser perseguido um novo paradigma de contrato, pois este sempre segue e viabiliza a fluência das relações de mercado, pois o “contrato segue e sempre seguirá viabilizando a fluência das relações de mercado e somente enquanto atender a
30 XXXXX, Xxxxxxx Xxxx Xxxxx de. Função Social do Contrato. In Coleção Prof. Agostinho Alvim. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p. 18.
31 Vide XXXXXXX, Xxxxx. The Death of Contract. Ohio State University Press, Columbus, 1995.
32 GRAU, Xxxx Xxxxxxx. Um novo Paradigma dos Contratos? In Revista Crítica Jurídica, Nº 18, 2001.
< xxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxx-xxx.xxx.xx/xxxx/xxxxxx/0/00/Xxxx.Xxxx_xxxxxxxxx.xxxxxxxxx.xxx> Acesso em 21/11/2013
essa função (e apenas nessa justa medida) a proteção do consumidor (ou do hipossuficiente) encontrará abrigo no sistema jurídico.”33
Assim, grande parte dos desencontros doutrinários sobre o moderno contrato, derivam do esquecimento de uma premissa básica: “todo contrato instrumenta a jurisdicização de uma ou mais relações negociais travadas entre as partes que dele participam e por ele se obrigam.”34
Ainda segundo Xxxx, a afirmação da necessidade de um novo paradigma ganha corpo por causa dos contratos de consumo. Isto porque o novo paradigma exige que o Poder Judiciário tenha condições de amoldar as avenças à realidade, protegendo assim a parte mais fraca. Porém, a objetivação e a despersonalização do contrato em nada alteraram sua essência e o seu papel desempenhado no sistema.35
Xxxxxxx Xxxxxxxx procura responder a essa questão da seguinte maneira:
(...) há, de fato, uma nova teoria contratual? Seria consentido entrever uma nova teoria geral dos contratos por força ou no âmbito dos direitos do consumidor? Eu responderia com fórmula aparentemente contraditória – mas só aparentemente contraditória -, dizendo sim e não. Responderia afirmativamente, no sentido de que há alterações profundas dos conceitos jurídicos derivados do Código de Defesa do Consumidor. Poderíamos dizer, sem hesitar, que aquela percepção da doutrina tradicional, segundo a qual os conceitos jurídicos e a própria dogmática seriam imutáveis, já a muito deixou de prevalecer. A resposta seria negativa, entretanto, se pensarmos que a relativização dos conceitos jurídicos, conquista indiscutível da civilística atual, altera a compreensão do fenômeno jurídico contemporâneo e permeia, portanto, a própria dogmática. No momento exato em que rompe com o caráter absoluto dos institutos jurídicos, obriga-nos a considerar sempre em mutação nossas categorias e teorias, todas historicamente condicionadas. E, sob este ponto de vista, nem mesmo precisaríamos recorrer ao adjetivo novo para qualificar a teoria contratual que floresce das relações de consumo, senão apenas para, em homenagem à retórica ou – vá lá – à didática, enfatizar as transformações ocorridas nesta mesma dogmática 36
Para Xxxxx Xxxxxxx, a doutrina clássica sobre a autonomia da vontade nos contratos tem como pressuposto a igualdade dos contratantes, pois “só há deliberação efetivamente livre quando uma das partes não se veja na contingência de ter de se submeter à vontade da outra”.37 Para que o contrato seja livremente concluído, seria então necessário repartir, equitativamente, a liberdade entre os contratantes, citando o entendimento de Xxxxxxxxx
33 GRAU, Xxxx Xxxxxxx. Um novo Paradigma dos Contratos? In Revista Crítica Jurídica, Nº 18, 2001.
< xxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxx-xxx.xxx.xx/xxxx/xxxxxx/0/00/Xxxx.Xxxx_xxxxxxxxx.xxxxxxxxx.xxx> Acesso em 21/11/2013.
34 GRAU, Xxxx Xxxxxxx. O Estado, a Empresa e o Contrato. São Paulo: Malheiros Editores Ltada: 2005, p 15.
35 Idem, pp. 17-19.
36 XXXXXXXX, Xxxxxxx. Temas de Direito Civil. 3ª ed. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, pp.217/ 218.
37 BESSONE, Darcy. Do Contrato. Teoria Geral. São Paulo: Editora Saraiva, 1997, p. 33.
Cosentini. Foi necessária a criação de um sistema de defesas e garantias a fim de impedir que os fracos sejam espoliados pelos fortes, assegurando o predomínio dos interesses sociais sobre os individuais. Isso implicaria que a liberdade não deve ser o princípio supremo dos contratos.38
Se esse sistema de defesas e garantias já existia, o entendimento de Xxxx Xxxx, de que não existiria um novo paradigma de contrato estaria correto, assim como o entendimento aparentemente contraditório de Xxxxxxx Xxxxxxxx.
Porém, entende-se que, nesta fase “pós-moderna”, resultado da globalização e da competitividade e flexibilidade dos mercados, existe um movimento de desregulamentação estatal das relações contratuais, como bem dito por Xxxxxxx Xxxx Xxxxx de Xxxxx. Essa desregulamentação é fruto do enfraquecimento da noção de Estado como modelo de organização política, justamente pela internacionalização dos mercados e capitais, ultrapassando fronteiras jurídicas e institucionais. Rejeita-se um direito representativo de normativismo abstrato e conceitual, de tendência massificadora em favor de um direito voltado às individualidades e diferenças, flexível, capaz de moldar e transformar os valores externos a cuja penetração se submete.39
Para Xxxx Xxxx, “a desestruturação pela qual passa o chamado Estado moderno o modifica, mas ele ainda funciona como ente regulador produzindo textos normativos vinculantes para os agentes.”40
Este é um tema bastante polêmico, que este artigo não tem a pretensão de esgotar.
Novos princípios contratuais, como o do equilíbrio contratual, da boa-fé objetiva e o da função social do contrato, que será abordado com mais profundidade neste artigo, somam- se àqueles princípios fundantes do direito contratual, como a liberdade das partes ou autonomia da vontade, da força obrigatória do contrato ou pacta sunt servanda, e o da relatividade de seus efeitos.
Na exposição de motivos do anteprojeto do Código Civil, Xxxxxx Xxxxx ressalta que a redação final do Projeto apresenta algumas modificações à matéria proposta pelo Prof. Agostinho Alvim, resultantes da orientação seguida nas demais partes do sistema, bem como para acentuar o atendimento às já apontadas exigências de socialidade e concreção, em
38 Idem, pp. 34-35
39 XXXXX, Xxxxxxx Xxxx Xxxxx de. Função Social do Contrato. 4ª ed. In Coleção Prof. Agostinho Alvim. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, pp. 22-24.
40 GRAU, Xxxx Xxxxxxx. O Estado, a Empresa e o Contrato. São Paulo: Malheiros Editores Ltada: 2005, p. 22.
consonância com o imperativo da função social do contrato, “ad instar” do que se dá com o direito de propriedade. Como princípio condicionador de todo o processo hermenêutico, a liberdade de contratar só pode ser exercida em consonância com os fins sociais do contrato, implicando os valores primordiais da boa-fé e da probidade. Trata-se de preceito fundamental, dispensável talvez sob o enfoque de uma estreita compreensão positivista do Direito, mas essencial à adequação das normas particulares à concreção ética da experiência jurídica.41
Além do artigo 421 do CC, faz-se necessário citar o parágrafo único do artigo 2.035, do mesmo Código Civil, o qual assevera que nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos pelo Código, para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.
De acordo com Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxx, existem dois paradigmas conflitantes no Direito Brasileiro, no que diz respeito à função social do direito contratual: o primeiro seria o modelo solidarista ou paternalista do direito contratual, embasado em uma visão coletivista sociológica da sociedade e, consequentemente, dos contratos; e o segundo, o modelo de direito e economia do direito contratual, que se valeria da noção individualista e própria dos economistas, do que seria um contrato e a sua função na sociedade.42 Neste artigo, daremos ênfase apenas do modelo paternalista, sem deixar de reconhecer a importância do modelo de direito e economia.
Essa opção deve-se basicamente porque, além da Constituição de 1988 positivar direitos sociais e econômicos, o próprio Código Civil que entrou em vigor em 2003 ensejou intensos debates no direito contratual, principalmente aqueles provocados pelo seu artigo 421.
Como mencionado acima, o modelo solidarista ou paternalista do direito contratual, baseia-se na visão coletivista dos contratos. Segundo Xxxxxxx Xxxxxxxx,
Para viabilizar a convivência social, há necessidade de correspondência entre os direitos e deveres ou obrigações. Não se pode prescindir da ideia do direito a ideia da obrigação. Esta a antítese normal dos direitos: a decorrência de obrigações, tanto no campo pessoal como no real. Do direito reconhecido em favor de uma pessoa advém uma obrigação de também reconhecer o direito de outra pessoa. O direito à
41 <xxxx://xxx0.xxxxxx.xxx.xx/xxxx/xxxxxxxxx/xxxxxx/xx/00000/000000.xxx?xxxxxxxxx0> Acesso em 21/01/2014
42 XXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Ainda sobre a Função Social do Direito Contratual no Código Civil Brasileiro: justiça distributiva versus eficiência econômica.
<xxxx://xxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxx/xxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxx/xxxx/Xxxxx%X0%X0xxxx%00xx%00Xxxxxxxx%00-
%20Luciano%20Timm.pdf> Acesso em 16/01/2014.
Também publicado Na Revista de Instituciones, Ideas y Mercados Nº 52. Mayo 2010, pp. 5-51, ISSN 1852- 5970, sob o título La Función Social del Derecho Contractual em el Código Civil Brasileño: justiia distributiva vs. Eficiência económica.
< xxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxx/xxxx/XXXX_00/00_0_xxxxxxx_xxxx.xxx> Acesso em 21/12/2013
propriedade exige o dever de seu exercício segundo as limitações naturais e legais existentes..43
Xxxxxx Xxxxxxx conceitua o princípio da função social dos contratos como “um regramento contratual, de ordem pública (art. 2.035, parágrafo único, do CC), pelo qual o contrato deve ser, necessariamente, analisado e interpretado de acordo com o contexto da sociedade.”44.
O poder de contratar livremente, também chamado de autonomia da vontade, está limitado pela ordem pública e pela função social do contrato. Esta última está assegurada pelo artigo 421 do Código Civil, conferindo aos contratantes o poder de regular, por sua própria vontade, as relações das quais participam, porém, não da forma ampla e irrestrita permitida pelo princípio da autonomia da vontade. Este direito está limitado pelas normas de ordem pública, de modo particular, pelos princípios sociais contratuais, ou seja, a boa-fé objetiva, a função social do contrato e o equilíbrio contratual.
A função social do contrato não objetiva simplesmente coibir a liberdade de contratar, mas sim legitimar a liberdade contratual. De acordo com Xxxxxx Xxxxxxxxx,
A liberdade de contratar é plena, pois não existem restrições ao ato de se relacionar com o outro. Todavia, o ordenamento jurídico deve submeter à composição do conteúdo do contrato a um controle de merecimento, tendo em vista as finalidades eleitas pelos valores que estruturam a ordem Constitucional45.
Existe uma diferença entre a liberdade de contratar, a qual abrange a questão da autonomia privada, e a liberdade contratual, que determina o conteúdo do contrato. E também existem divergências doutrinárias acerca de qual das liberdades acima mencionadas, se refere o artigo 421 do CC.
Para muitos doutrinadores, entre eles Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxxx e Xxxxxxx Xxxx Xxxxx xx Xxxxx, a função social do contrato incidiria sobre a liberdade contratual. Se for este o entendimento, o juiz poderia modificar o conteúdo do contrato, de modo que este se adeque ao que seria a visão de uma maioria doutrinária e jurisprudencial acerca da função social do contrato. Mas, se o entendimento for de que o
43 XXXXXXXX, Xxxxxxx. Contratos. 13ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2013, p. 1.
44 TARTUCE, Flavio. Função Social dos Contratos. Do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de 2002. São Paulo: Método, 2007, p. 248.
45 XXXXXXXXX, Xxxxxx. A função Social do Contrato. In HIRONAKA, Xxxxxxx M. F. Novaes; TARTUCE, Flávio (Coord.). Direito Contratual. Temas Atuais. São Paulo: Ed. Método, 2009, p.85.
princípio atingiria a liberdade de contratar, como poderia a lei e o magistrado determinarem que uma pessoa pactue ou não um contrato, sem ferir o ordenamento jurídico?46
Para Xxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx, a função social do contrato limita a liberdade de contratar, a qual encontra limites dentro do ordenamento jurídico. Um juiz não poderia então alterar o conteúdo de um contrato baseado em algo que seria ou não social. O artigo 421 do CC limitaria assim a liberdade de contratar, e não a liberdade contratual.47
Xxxxxxx entende que a maneira correta de entendimento do artigo 421 do CC, seria a seguinte: “desde que haja razoabilidade, a liberdade de contratar poderá sofrer limites, positivos ou negativos, interferindo-se, assim, no direito de acesso a bens e serviços. Essa interferência poderá ocorrer por meio de decisões judiciais ou de leis em sentido lato.”48
O autor entende ainda que, se a função econômica, a mais importante delas, é aquela que permite a circulação de bens e serviços, e se a função pedagógica é a responsável por civilizar e educar o povo, na medida em que aproxima os homens e torna clara a impossibilidade de adquirir bens à força e de que a palavra empenhada deve ser cumprida, então, por questões de lógica e de coerência, a função social só pode ser aquela que permite às pessoas terem acesso a bens e serviços.49
Apesar de toda a polêmica doutrinária acerca de a qual liberdade se refere o artigo 421 do Código Civil, é certo que, se a função social do contrato procura harmonizar os interesses dos contratantes e da sociedade em geral. É a função social que fundamenta o exercício da liberdade de contratar, não mais fundada na simples vontade privada de contratar das partes envolvidas, mas sim em razão do seu alcance social atingido pelo negócio jurídico. Evita-se assim que as partes contratantes sejam vítimas de suas próprias fragilidades ao realizar o negócio jurídico, respeitando-se, sempre, o princípio da dignidade humana.
Neste sentido, Xxxxxxx X. X. Xxxxx afirma que “o contrato traduz mesmo um instrumento de promoção da dignidade da pessoa humana e do solidarismo social (arts. 1º, III e IV, e 3º, I, da CF).”50
De acordo com Xxxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx,
46 XXXXXXX, Xxxxxxxx xx Xxxxx. Função Social do Contrato. Contributo para a Construção de uma Nova Teoria. Belo Horizonte: Del Rey Editora, 2011, pp. 50-51
47 Idem, pp. 196-197.
48 Idem, p. 205.
49 Idem, p. 202.
50 XXXXX, Xxxxxxx Xxxx Xxxxx de. Função Social do Contrato. 4ª ed. In Coleção Prof. Agostinho Alvim. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p. 112.
A contribuição da função social do contrato como postulado da justiça contratual tem exuberância (i) na exigência de solidarismo para o amparo da dignidade da pessoa humana nas avenças celebradas entre as partes; (ii) na investigação dos efeitos e efetividade do estipulado pelas partes ante determinado terceiro; (iii) na verificação de efeitos negativos perante a sociedade; e na (iv) solução do contrato na falta de fim.51
Entende em sua citação Xxxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx que o princípio da dignidade da pessoa humana deve ser observado como limite máximo dos contratos, por este ser um valor- fonte de nosso ordenamento jurídico.
Em relação aos efeitos e efetividade do contrato perante terceiros, importante frisar que, por ser o contrato um fenômeno social, este não é neutro perante a sociedade em geral, principalmente uma sociedade globalizada como a nossa. Por isso, o terceiro pode se opor em relação aos efeitos negativos do contrato, e as partes, por sua vez, não podem se opor perante terceiros, como em casos de terceiros como vítima (art. 17 do Código de Defesa do Consumidor)52
No que tange à investigação dos efeitos e efetividade do estipulado pelas partes ante determinado terceiro, refere-se o autor especialmente ao abuso de posição dominante no mercado e abuso de dependência, o que geraria o desequilíbrio dos contratos. Incluem-se aqui, por exemplo, as cláusulas abusivas dos contratos de adesão, e a proteção ao consumidor, parte mais fraca das relações de consumo.
E, ainda, quanto à menção da solução do contrato pela falta de fim, a função social do contrato manifesta-se quando não há mais a possibilidade da finalidade do contrato ser atingida, devolvendo-se assim, às partes, o equilíbrio e a normalidade.
O Enunciado 360, aprovado na IV Jornada de Direito Civil do Conselho de Justiça Federal, assevera ainda que o princípio da função social dos contratos também pode ter eficácia interna entre as partes contratantes. Neste sentido, sugere-se que o princípio da função social do contrato afasta as cláusulas contratuais que colidam com as normas de ordem pública.
Assume-se igualmente que o princípio do pacta sunt servanda teria sido relativizado pela cláusula rebus sic stantibus, ou também chamada cláusula da imprevisão contratual, segundo a qual “os contratos devem ser cumpridos, enquanto as condições externas vigentes no momento da celebração se conservarem imutáveis.”53. É o que fundamentaria a Teoria da
51 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxxx. Princípio da Justiça Contratual. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 294.
52 Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.
53 TARTUCE, Xxxxxx. Direito Civil. Vol. 3. São Paulo: Método, 2008, p. 171.
Imprevisão, permitindo a revisão de um contrato comutativo e de execução continuada ou diferida, na ocorrência de fato superveniente e imprevisível.
Diante desses fatores, observa-se que a função social do contrato possui uma dupla eficácia, interna e externa.
Somente para exemplificar à eficácia interna, tomemos o artigo 157 do Código Civil, segundo o qual ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta. Este dispositivo possui eficácia interna da função social dos contratos, pois tem repercussões sociais, uma vez que fere a cláusula geral da boa-fé.
Em relação à eficácia externa da função social dos contratos, podemos exemplificar com o artigo 436 do Código Civil: O que estipula em favor de terceiro pode exigir o cumprimento da obrigação. Parágrafo único. Ao terceiro, em favor de quem se estipulou a obrigação, também é permitido exigi-la, ficando, todavia, sujeito às condições e normas do contrato, se a ele anuir, e o estipulante não o inovar nos termos do art. 438. Neste tipo de obrigação, o promitente se obriga a prestar uma obrigação ao promissário (ou estipulante), e o terceiro é apenas o beneficiário, e não parte da relação obrigacional. É o que ocorre em casos de ação direta da vítima contra veículo segurado. O terceiro beneficiário tem legitimidade para acionar diretamente a seguradora, para cobrar indenização contratual prevista em seu favor.
Essa dupla eficácia é confirmada pelo Enunciado 23, debatido e aprovado na I Jornada de Direito Civil: “A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana”.
Não só no plano da eficácia observa-se o impacto do princípio da função social do contrato, no plano da validade deste, também se encontra presente. Exemplo desse impacto se verifica ao se coibir o abuso de direito contratual, seja por ilicitude do objeto ou fraude à lei imperativa, como nas cláusulas contratuais abusivas, fato que pode motivar até mesmo a nulidade do contrato. Neste caso, a nulidade não seria de todo o contrato, mas apenas das cláusulas abusivas, o que não interferiria na vontade das partes de contratar. Em situações como esta caberá, portanto, ao juiz analisar, no caso concreto, as condições sob as quais o
contrato foi firmado, e se a conduta dos contratantes correspondeu a determinado contexto social.
A função social, segundo Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx, permite ainda que deveres acessórios sejam acrescentados ao contrato, mas este fato não poderá ocasionar uma desmedida intervenção judicial, anulando a própria vontade criadora da convenção, substituindo-a pela sua própria vontade.54
Para Xxxxx Xxxxxx Xxxxx, o artigo 421 do Código Civil, revitalizaria o contrato para atender aos interesses sociais, limitando a manifestação de vontade dos contratantes, visando tutelá-los no meio social e criando condições para o equilíbrio econômico-contratual, facilitando a revisão das prestações e até mesmo a resolução do contrato.55
Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx entendem que a função social do contrato é compatível com os ideais do Estado social, limitando a autonomia privada, ao mesmo tempo que fundamenta outras limitações a esta autonomia, como o reconhecimento da lesão e do estado de perigo como vício do consentimento, da boa-fé objetiva e da resolução por onerosidade excessiva. Para as autoras, a função social encontra-se em posição hierarquicamente superior a outras limitações citadas. Neste sentido, em sua essência, o contrato não se prestaria mais apenas à função de criar direitos e obrigações para as partes enquanto indivíduos (função individual), devendo também se preocupar e obedecer limites fixados pelos interesses sociais, sob pena de sofrer interferência do Poder Público (função social).56
A Constituição Federal de 1998, ao expressar seu ideal de sociedade, limitou a iniciativa privada e a propriedade, em seus arts. 1º, III e IV; 3º, I; 5º, XXIII e 170, III. O Estado Social, inaugurado pela Constituição Federal de 1934, foi muito bem delineado na Constituição de 1988, ao regular a ordem econômica e social para além do que era possível em um Estado Liberal, uma vez que a livre-iniciativa, deve ter um valor social.57
Além de compreender a função social do contrato, necessário ainda esclarecer e diferenciar a função solidária dos contratos.
54 XXXXXXXX XXXXXX, Xxxxxxxx. O Contrato e sua Função Social. Rio de janeiro: Forense, 2003. 55 XXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. 17. ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p. 36.
56 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Função Solidária: A Terceira Dimensão dos Contratos. <xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/?xxxx0000000x00x00x00> Acesso em 21/01/2014.
57 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Princípio da Função Social do Contrato. Curitiba: Juruá, 2008.
O princípio da solidariedade está expresso no art. 3º, I, da Constituição Federal: constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária.
Como princípio constitucional, a solidariedade atinge todas as áreas do direito, orientando rumos a serem seguidos e impedindo a manutenção de atos a ela contrários.
Os direitos de solidariedade estão fundamentados em uma nova concepção de Estado, de ordem internacional e de relacionamento entre os povos, assim como na realização efetiva dos direitos anteriores (de primeira e segunda dimensão).58 Os direitos de solidariedade expressam-se como direito a paz, meio ambiente sadio, autodeterminação dos povos e desenvolvimento econômico. Comprometem, além do poder público, os sujeitos particulares, as empresas e a coletividade.59
Acerca da função solidária dos contratos, Lívia G. B. Campello e Xxxxxxx X. Xxxxxxxx esclarecem que não se deve confundi-la com os conceitos de boa-fé objetiva e função social dos contratos. A função social dos contratos obriga os contratantes a não se afastarem das expectativas sociais, referentes a um dado negócio, não se desviando para propósitos inúteis ou contrários à coletividade, sob pena de se observar a interferência estatal na readequação do negócio. O princípio da solidariedade nos contratos possui uma conotação diversa, pois agrega uma ideia de que se deve também colaborar, por meio do negócio, para o desenvolvimento da sociedade, numa perspectiva de auxílio às pessoas, de uma forma positiva, inclusive sob o ângulo das gerações futuras.60
Para Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxxx,
A função social e solidária do contrato é um princípio de ordem pública pelo qual o contrato deve necessariamente ser interpretado e visualizado de acordo com o contexto em que se insere, a fim de que seu conteúdo – além de expressar a vontade das partes – esteja conforme aos interesses supraindividuais constitucionais, em harmonia com o sistema jurídico como um todo.61
58 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx da; XXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Direitos humanos: conceitos, significados e funções. São Paulo: Saraiva, 2010.
59 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx Xxx Xxxxx Xxxxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx. A função sócio-solidária da empresa privada e o desenvolvimento sustentável. Artigo no prelo.
60 CAMPELLO, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Função Solidária: A Terceira Dimensão dos Contratos. <xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/?xxxx0000000x00x00x00> Acesso em 21/01/2014.
61 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx da. Os Contratos na Perspectiva Humanista do Direito: o Nascimento de uma Nova Teoria Geral dos Contratos. In Revista Jurídica Cesumar - Mestrado, x. 00, x. 0, x. 00-00, xxx./xxx. 0000 - XXXX 0000-0000.
<xxxx://xxx.xxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxxxxxxxx/xxxxx.xxx/xxxxxxxxxxx/xxxxxxx/xxxx/0000/000> Acesso em 21/01/2014.
Se os titulares do direito de solidariedade são tanto os indivíduos quanto a coletividade, aplica-se, com certeza, o princípio da solidariedade às relações contratuais.
4. A FUNÇÃO SOCIAL E SOLIDÁRIA DO CONTRATO E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
O artigo 5º, parágrafo 1º da Constituição brasileira assevera que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.62
Para o autor Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxx, todo e qualquer preceito da Constituição é dotado de certo grau de eficácia jurídica e aplicabilidade. 63
No entendimento de Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, em uma Constituição devem predominar normas de princípio ou esquema, com grande caráter de abstração. Isto porque necessita alcançar situações que não foram expressamente contempladas ou detalhadas no texto. Para tal, a interpretação constitucional serve-se de princípios próprios, apresentando especificidades e complexidades a ela inerentes, conectada à interpretação das leis infraconstitucionais, e a jurisdição constitucional se verifica pela compatibilidade entre as leis ordinárias e as normas constitucionais. 64
Para Barroso, no sistema brasileiro são escassas as regras de interpretação positivadas em texto legal e as existentes estão concentradas na Lei de Introdução do Código Civil (hoje, Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, pela redação dada pela Lei nº 12.376, de 2010). Entende que
Ao lado de normas sobre vigência das leis, direito intertemporal e direito internacional privado, consagrou apenas duas proposições afetas ao tema: uma sobre a integração (“Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito”) e outra de cunho teleológico (“Art. 5º Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”). A doutrina converge no sentido de que as normas sobre interpretação, ainda quando constantes no Código Civil ou de um texto que se lhe anteponha, revestem-se de cunho materialmente constitucional.65
62 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: § 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
63 XXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. A eficácia dos direitos fundamentais. Uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11ª ed. Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012, p. 257.
64 XXXXXXX, XXXX Xxxxxxx. Interpretação e aplicação da Constituição. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999, pp. 103/105.
65 Idem, p. 105.
Segundo Xxx Xxxxxx Xxxxxxxxx, o princípio constitucional teria natureza de norma, de lei, de preceito jurídico. Assevera que, “Assim, em sua própria essência, evidenciam mais do que comandos generalíssimos estampados em normas, expressando opções políticas fundamentais, além de configurarem a eleição de valores éticos e sociais como fundantes de uma ideia de Estado e de Sociedade.”66
Entende, ainda, que os princípios constitucionais são vinculantes e vinculados, pois veiculam em normas jurídicas que possuem qualidade impositiva, coercitiva e insuperável. “Essa vinculabilidade se expressa, ainda, no sentido de que todas regras e princípios constitucionais, bem como as demais normas infraconstitucionais, se vinculam ao quanto ‘principiologicamente definido’ na Constituição”.67
Xxxxxx Xxxxxxxx explica que,
o paradigma pós-positivista hoje vigente, que investe na juridicidade dos princípios, paga um certo preço à segurança jurídica: a interpretação e aplicação do direito tornam-se mais dinâmicas, elásticas, ricas do ponto de vista axiológico, mas também
– é verdade – menos seguras.68
No entanto, mesmo reconhecendo esta “insegurança jurídica” que pode ser causada por esta interpretação, Sarmento ressalta que existem outras formas que podem reduzir esta incerteza: “as chamadas ‘relações de precedência condicionada entre princípios’ a que aludiu Xxxxxx Xxxxx, ao tratar da ponderação de interesses, que a doutrina e a jurisprudência na ausência de lei, vão consolidando, reduzindo com isso as margens residuais de subjetividade nas futuras decisões sobre questões semelhante.” 69
Além disso, como diz o autor, a segurança jurídica não é o único valor almejado pelo Direito, pois, acima de tudo, está a justiça. E acrescenta, ainda, que existem ganhos obtidos através da aplicação direta às relações privadas dos direitos fundamentais, visto que ao lado da democracia, estes seriam a verdadeira reserva de justiça da ordem jurídica.70
Para Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx,
66 XXXXXXXXX, Xxx Xxxxxx. Conceito de Princípios Constitucionais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 75.
67 Idem, p. 82.
68 XXXXXXXX, Xxxxxx. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p. 243.
69 XXXXXXXX, Xxxxxx. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p. 243.
70 Idem, p. 243.
Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de valores fundamentais contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada.71
Se os princípios constitucionais possuem eficácia direta nas relações privadas, tanto o princípio da função social do contrato quanto o princípio do desenvolvimento sustentável podem e devem regular as relações privadas, e entre elas, as relações contratuais.
Neste sentido, entendemos da mesma maneira que Xxxxxxx Xxxxx Poli e Xxxxx Xxxxxx Xxxxx, como o interesse particular não pode se opor ao interesse social, os contratos, instrumento à disposição das partes para a satisfação das necessidades das partes envolvidas no negócio jurídico, não afasta a concepção de que o pode ser destinado à promoção do bem comum. Exigir dos contratantes um comportamento altruístico, e que garanta, por intermédio da contratação, um meio ambiente equilibrado não reflete apenas um interesse social, mas também o interesse das próprias partes que estão inseridas nesse ambiente.72
CONCLUSÃO
O princípio da função social do contrato é uma nova diretriz para a teoria geral dos contratos, e a função social do contrato procura harmonizar o interesse dos contratantes e da sociedade em geral, fundamentando o exercício da liberdade de contratar, que não mais se funda na simples vontade privada de contratar das partes envolvidas, mas sim em razão do alcance social obtido pelo negócio jurídico.
Assim como o princípio da função social, os direitos de solidariedade expressam-se como direito à paz, ao meio ambiente sadio, à autodeterminação dos povos e ao desenvolvimento econômico, comprometendo, além do poder público, os sujeitos particulares, as empresas e a coletividade. E o desenvolvimento sustentável, valor supremo acolhido pela Constituição Federal e presente no caput de seu artigo 225, impõe ao Poder
71 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx de. Curso de direito administrativo. 12ª ed. São Paulo: Malheiro, 2000, p. 748.
72 XXXX, Xxxxxxx Xxxxx; XXXXX, Xxxxx Xxxxxx. A função social dos contratos como instrumento para a sustentabilidade. Revista Direito e Liberdade, Natal, n. 1, vol. 15, p. 140-159, jan/abr. 2013.
Público e à coletividade o dever de defesa do meio ambiente, bem como de preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Exposto este contexto, a empresa privada, ao contratar, deve preocupar-se com a questão ética e ambiental, e não apenas com a questão da lucratividade, mas com a sociedade como um todo. E, de modo especial, com a conscientização da iniciativa privada da adoção de práticas sustentáveis.
Como os princípios constitucionais possuem eficácia direta nas relações privadas, tanto o princípio da função social do contrato quanto o princípio do desenvolvimento sustentável podem e devem regular as relações privadas, e entre elas, as relações contratuais.
Um contrato estará adequado à sua função social, quando as partes o celebrarem de acordo com os princípios que norteiam o bom funcionamento da sociedade em geral, preservando, assim, os interesses da coletividade, o que inclui o desenvolvimento sustentável.
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