PARECER Nº 019/2020– PAJ
Processo n.º: 82057978/2020
Assunto: CONSULTA
Ementa: DIREITO ELEITORAL. DIREITO ADMINISTRATIVO. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE BENS, VALORES E BENEFÍCIOS DURANTE O ANO ELEITORAL. VEDAÇÕES. CONCESSÃO E PERMISSÃO DE USO. CESSÃO DE USO DE BENS PARA OUTRAS ESFERAS. PROGRAMA HABITACIONAL DO MUNICÍPIO PREVISTO NA LEI Nº 10.231/2018. CONDUTAS VEDADAS AOS AGENTES PÚBLICOS. ARTIGO 73, §10 DA LEI 9.504/1997.
PARECER Nº 019/2020– PAJ
I- Relatório
Trata-se de processo instaurado pelo Procurador-Geral do Município de Goiânia, nos termos do Despacho nº 688/2020 (fls. 03-04), com objetivo de consulta à esta Especializada quanto ao alcance da vedação prevista no artigo 73, §10 da Lei nº 9.504/1997 no que se refere à concessão, permissão e cessão de uso de bens públicos e ao programa habitacional do Município previsto na Lei Municipal nº 10.231/2018.
Neste contexto, foram suscitadas as análises dos seguintes pontos:
a) se a concessão e permissão de uso nos termos dispostos na LC 078/99 configura distribuição gratuita vedada no período eleitoral designado no artigo 73, §10 da Lei 9.504/97;
configura distribuição gratuita vedada no período designado no artigo 73, §10 da Lei 9.504/97 e;
c) se a cessão de uso de bens para órgãos públicos das demais esferas configura distribuição gratuita vedada no período designado no artigo 73, §10 da Lei 9.504/97.
Instruídos os autos com cópia do Acórdão AC-COM nº 07/2017 do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado de Goiás (fls. 05-15), Lei Complementar Municipal nº 078/1999 e Lei Municipal nº 10.231/2018 (fls. 16-21).
É o relatório. Passo à fundamentação.
II. Fundamentação
De início, cumpre ressaltar que o presente exame limitar-se-á ao aspecto jurídico da matéria, posto que considerações de ordem política, pessoal ou eminentemente técnica perpassam as atribuições deste órgão de assessoramento jurídico.
Pois bem.
A consulta posta versa sobre o alcance vedação prevista no artigo 73, §10 da Lei nº 9.504/1997 no que se refere à concessão e permissão de uso nos termos da Lei Complementar nº 078/1999, à cessão de bens para órgãos públicos das demais esferas e ao programa habitacional do Município previsto na Lei Municipal nº 10.231/2018.
Para melhor compreensão da matéria, procede-se à análise por tópicos:
ii.a) da concessão e permissão de uso nos termos da Lei Complementar nº 078/1999 e da cessão de uso de bens públicos para órgãos das demais esferas .
Na esteira dos ensinamentos de Xxxx xxx Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx0, depreende-se que a permissão de uso de bem público consiste em um ato administrativo, gratuito ou onersoso, por meio do qual a Administração admite que determinada pessoa faça uso privativo
de bem público, com atendimento simultâneo do interesse público e privado, tratando-se de ato unilateral, discricionário e precário.
Na mesma linha, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Di Pietro2 traz a conceituação do instituto:
Permissão, em sentido amplo, designa o ato administrativo unilateral, discricionário e precário, gratuito ou oneroso, pelo qual a Administração Pública faculta ao particular a execução de serviço público ou a utilização privativa de bem público. O seu objeto é a utilização privativa de bem público por particular.
No que tange à concessão de uso de bem público, obtempera Xxxxxxxx Xxxxx0 que se trata de um contrato administrativo, gratuito ou oneroso, firmado entre a Administração Pública e o particular, viabilizando-se também o uso privativo do bem público, independentemente de maior ou menor interesse público, sendo, portanto, bilateral, observando-se a conveniência e a oportunidade pelo concedente (discricionário), e a ausência de precariedade.
Quanto à concessão de direito real de uso, Xxxx Xxxxx Xxxxxxxx0 esclarece ser “o contrato pelo qual a Administração transfere o uso remunerado ou gratuito de terreno público a particular, como direito real resolúvel, para que dele se utilize em fins específicos de urbanização, industrialização, edificação, cultivo ou qualquer outra exploração de interesse social”.
Sobre a concessão de direito real de uso e à distinção quanto à concessão de uso, elucida Xxxx xxx Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx0:
A concessão de direito real de uso de bem público é o contrato administrativo pelo qual o Poder Público confere ao particular o direito real resolúvel de uso de terreno público ou sobre o espaço aéreo que o recobre, para os fins que, prévia e determinadamente, o justificaram. Essa forma de concessão é regulada expressamente pelo Decreto-Lei nº 271 de 28.2.1967.(...) O instituto de assemelha, em certos pontos, à concessão de uso. Mas há dois pontos diferenciais
2 DI XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Direito administrativo. 29. ed., rev., atual. e ampl. -Rio de Janeiro, Forense, 2016.
básicos. De um lado, a concessão de uso que estudamos anteriormente instaura relação jurídica de caráter pessoal, tendo as partes relação meramente obrigacional, enquanto que no presente tipo de concessão de uso é outorgado ao concessionário o direito real. De outro, os fins da concessão de direto real de uso são previamente fixados na lei reguladora. Destina-se à urbanização, à edificação, à industrialização, ao cultivo ou qualquer outro que traduza interesse social. Na concessão comum de uso nem sempre estarão presentes esses fins.
Quanto à cessão de uso de bem público, Xxxx Xxxxx Xxxxxxxxx define como a “transferência gratuita da posse de um bem público de uma entidade ou órgão para outro, a fim de que o cessionário o utilize nas condições estabelecidas no respectivo termo, por tempo certo ou indeterminado.”6
O autor acrescenta, ainda, não se confundir com nenhuma das formas de alienação, sendo, antes, um ato de colaboração em que uma repartição que tem bens desnecessários aos seus serviços cede o uso a outra que deles está precisando – há apenas transferência de posse do cedente para o cessionário, mas ficando sempre a Administração- proprietária com o domínio do bem cedido. 7
No mesmo sentido são as lições de Xxxx xxx Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx, para quem a cessão de uso se revela quando o “poder Público consente o uso gratuito de bem público por órgãos da mesma pessoa ou de pessoa diversa, incumbida de desenvolver atividade que, de algum modo, traduza interesse para a coletividade.”8
Quanto à disciplina legal da matéria, evidencia-se que a outorga do uso especial de bens imóveis de propriedade do Município de Goiânia é prevista genericamente pela Lei Orgânica municipal, nos termos do artigo 44, o qual dispõe em seus parágrafos sobre requisitos mínimos para a concessão administrativa dos bens públicos de uso especial e dominicais (§1º), concessão dos bens públicos de uso comum (§2º), permissão (§3), autorização de uso (§4º) e cessão de uso (§5
A Lei Complementar nº 078/1999 (fls. 16-17), por sua vez, estabelece normas para o uso especial de bem público por particulares, compreendendo no conceito a permissão de uso, a concessão de uso e a concessão de direito real de uso.
6 XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxx. Direito Administrativo Brasileiro. 34. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 534-535.
7 XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxx. Direito Administrativo Brasileiro. 34. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 535.
Quanto à cessão de uso, diante da parca referência na legislação local ao instituto e tendo em vista que a Lei Complementar Municipal n°. 078/199 trata somente do uso especial de bens públicos por particulares, o delineamento do instituto é obtido a partir das lições extraídas da doutrina administrativista.
Feitas tais considerações iniciais, no que se refere à normativa eleitoral, é sabido que a Lei nº 9.507/1997, que estabelece normas para eleições, disciplina nos artigos 73 a 78 as condutas vedadas aos agentes públicos em campanhas eleitorais e, especificamente no parágrafo 10 do artigo 73, incluído pela Lei nº 11.300, de 2006, preceitua a vedação de distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública durante todo o ano eleitoral, com exceção das hipóteses de calamidade pública, estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior. Pelo teor:
Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais: (...)
§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa.
Para efeitos do artigo 73 da Lei nº 9.507/1997, considera-se agente público quem exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nos órgãos ou entidades da administração pública direta, indireta, ou fundacional (§1º).
Nota-se que a conceituação de agente público trazida pela Lei das Eleições é amplíssima, abarcando agentes políticos, servidores efetivos e comissionados, empregados públicos permanentes ou temporários, estagiários e qualquer outro que se vincule à administração no exercício de mandato, cargo, emprego ou função.
As vedações previstas no citado artigo são norteadas pelo princípio da igualdade de oportunidades entre os candidatos e, em especial no parágrafo 10º, objetivou o legislador resguardar a não utilização da máquina pública em caráter eleitoreiro e, conseqüentemente, o desvirtuando a finalidade da conduta administrativa, dado o potencial favorecimento de um candidato ou partido político em desfavor de outro, em prejuízo ao exercício da democracia.
Inobstante, depreende-se que o artigo 73, §10 da Lei nº 9.507/1997 veda a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública no ano eleitoral, não havendo vedação literal expressa quanto à permissão ou concessão de uso, concessão de direito real de uso ou cessão de uso de bem público.
Embora o Tribunal Superior Eleitoral tenha entendimento de que as normas que encerram condutas vedadas devem ser interpretadas de maneira restritiva9, em consulta à jurisprudência, verifica-se que a referida Corte e os Tribunais Regionais Eleitorais consideram o conceito amplo de “bens, valores ou benefícios” para fins do artigo 73, §10 da Lei nº 9.507/1997, inclusive abarcando os institutos ora analisados.
Nesta linha, destaca-se que o acórdão prolatado em sede do Recurso Eleitoral nº 49578/MG, prolatado 21/10/2019, caso em que analisada a cessão de uso do imóvel, a doação de verba pública e a concessão de direito real de uso de imóvel realizadas em concreto, para fins de verificação de subsunção da norma prevista no artigo 73, §10 da Lei 9.504/97.
9 ELEIÇÃO 2016. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). CONDUTA VEDADA. ART. 77 DA LEI Nº 9.504/97. CANDIDATOS. CARGO. VEREADOR. COMPARECIMENTO. INAUGURAÇÃO. PARQUE TECNOLÓGICO. UNIVERSIDADE PRIVADA. APORTE FINANCEIRO. CONVÊNIO. ESTADO. TERRENO. DOAÇÃO. MUNICÍPIO. OBRA. NATUREZA JURÍDICA. DELIMITAÇÃO. NORMA RESTRITIVA. EXEGESE ESTRITA. TIPIFICAÇÃO DA
CONDUTA VEDADA. NÃO OCORRÊNCIA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.1. In casu, a orientação perfilhada no acórdão regional foi a de que o comparecimento de vereadores candidatos à reeleição, durante o período crítico, à inauguração de obra realizada por universidade privada, construída em terreno doado pelo município e patrocinada, em parte, com recursos públicos repassados por meio de convênio estadual, nos três meses que antecederam a data do pleito, caracteriza a conduta vedada descrita no art. 77 da Lei nº 9.504/97.2. Tal entendimento, contudo, contraria remansosa jurisprudência desta Corte Superior, no sentido de que as normas que encerram condutas vedadas devem ser interpretadas restritivamente.3. O artigo 77 da Lei das Eleições veda o comparecimento de candidatos à inauguração de obra pública stricto sensu, assim considerada aquela que integra o domínio público. Incidência dos princípios da tipicidade e da legalidade estrita, devendo a conduta corresponder exatamente ao tipo previamente definido na norma.4. Recurso especial ao qual se dá provimento. (Recurso Especial Eleitoral nº 18212, Acórdão, Relator(a) Min. Xxxxxxxx Xxxxxx Xx Xxxxxxxx Xxxx, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 216, Data 08/11/2017, Página 29/30)
Recurso eleitoral. Ação de investigação judicial eleitoral - AIJE. Eleições de 2016. Abuso do poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação social. Julgamento de improcedência pelo Juízo a quo.
(...)
5. Da concessão gratuita de benefícios e bens.
- Cessão de uso do imóvel para a Cooperativa de Trabalhadores Catadores de Recicláveis de Bom Despacho - Catabom. Mera formalização de benefício concedido pela Prefeitura à Catabom em ano anterior. Não caracterização de conduta vedada prevista no art. 73, § 10, da Lei das Eleições.
- Doação de verba pública em ano eleitoral. Convênio descaracterizado. Não há previsão contratual expressa de contraprestação correspondente para a Catabom. Doação de bens em ano eleitoral, na forma de distribuição gratuita. Incidência do § 10 do art. 73 da Lei nº 9.504/97.
- Concessão de direito real de uso de um imóvel à APPABD. O acordo firmado entre as partes envolve obrigações mútuas, descaracterizando por completo a hipótese de conduta vedada prevista no art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/1997.
- Cessão de uso de imóvel à Associação Bondespachense de Proteção aos Animais. O suposto Termo de Cessão escaneado na exordial não pode ser considerado como meio de prova. Ausência de elementos hábeis a comprovar a ilegalidade da cessão de uso do imóvel.
- Doação de verba pública em ano eleitoral. Convênio descaracterizado. Não há previsão contratual expressa de contraprestação correspondente para a Associação Bondespachense de Proteção aos Animais. Doação de bens em ano eleitoral, na forma de distribuição gratuita. Incidência do § 10 do art. 73 da Lei nº 9.504/97.
- Doação de imóvel à Máfia Azul de Bom Despacho. Mera promessa de campanha.
- Doação de imóvel ao Coral Voz e Vida. Ausência de lastro probatório do alegado benefício.
- Doação de lotes a particulares. Transferência de titularidade decorrente de processo de regularização dos imóveis com início em anos anteriores ao pleito. Excluída a hipótese de conduta vedada prevista no art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/1997.
6. Recurso a que se dá parcial provimento para julgar procedentes, em parte, os pedidos da inicial, cassando os diplomas de Xxxxxxxx Xxxx Xxxxxx Xxxxxx e de Bertolino da Costa Neto, além de decretar a inelegibilidade do primeiro, por 8 (oito) anos, aplicando a ambos a multa no montante de 30.000 Ufirs. (RECURSO ELEITORAL n 49578, ACÓRDÃO de 21/10/2019, Relator(aqwe) XXXXXXXXX XXXXXX XX XXXXXXXX, Publicação: DJEMG - Diário de Justiça Eletrônico-TREMG, Tomo 205, Data 05/11/2019 )
Na hipótese acima, verifica-se que a justiça eleitoral mineira analisou os institutos em comento à luz da vedação prevista no artigo 73, §10 da Lei nº 9.504/97, com entendimento de que: (i) a mera formalização de cessão de uso de imóvel concedida no ano
anterior não se caracteriza como a conduta vedada; (ii) a existência de obrigações mútuas, em contrato de concessão de direito real de uso de um imóvel, descaracteriza a gratuidade necessária; (iii) a doação de lotes decorrente de programa de regularização iniciado em anos anteriores não se amolda à vedação posta.
Evidencia-se também o teor do acórdão prolatado em 16/12/2016, em sede de julgamento da Representação nº 302537/PA, caso em que analisada a cessão de uso para fins de configuração da conduta prevista no artigo 73, §10 da Lei nº 9.504/97:
REPRESENTAÇÃO. PRELIMINAR DE INÉPCIA DA INICIAL AFASTADA. CONDUTA VEDADA. SUPOSTA VIOLAÇÃO AO ARTIGO 73, VI, A, E $ 10, DA LEI N' 9.504/1997. TRANSFERÊNCIAVOLUNTÁRIA. DOAÇÃO GRATUITA. SESSÕES DE USO INOCORRÊNCIA. IMPROCEDÊNCIA 1. Por se tratar de norma
de cunho restritivo, não se admite a nterpretação ampliativa da norma do art. 73, pelo que estão absolutamente fora do alcance do ínciso VI as transferências de recursos financeiros feitos para entidades privadas, pois para a caracterização da transferência como voluntária a que alude o dispositivo é preciso que repasse das verbas sela feito de um ente da federação faz a outro, na forma prevista no art. 25 da Lei Complementar n.' 101/2000(Lei de Responsabilidade Fiscal) 2. Cessões de uso não podem ser consideradas doações gratuitas (§10 do artigo 73 da Lei nº 9.504/1997), pois tratam de contratos que não transmitem a propriedade. Além disso, a cessão de uso quando estabelece encargos, por óbvio, destoa do elemento “gratuidade”. (Precedentes: Recurso Eleitoral n' 80058, Acórdão n 26960 de 16/10/2014, Relator XXXXXXXX XXXXXXXX XXXXX, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrõnico, Tomo 200, Data 29/10/2014, Página l e 2.) (...)3. A doação de terra não se caracteriza como gratuita, não obstante algumas normas concernentes ao direito agrário assim classificá-la. A referência normativa diz respeito a que a terra não é paga e não ao sentido técnico-jurídico concernente ao fato de que não possuem encargos. (Precedentes: Ação de Investigação Judicial Eleitoral nº 290846, Acórdão nº 28195 de 05/08/2016, Relator(a) XXXXX XXXXXX DE XXXX XXXXXXXX, Publicação: DJE -
Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 157, Data 30/8/2016, Página 1 a 3 ) 4. Representação julgada improcedente. (Representação n 302537. ACORDÃO n 28944 de 16/12/2016, Relator(a) XXXXXXX XXXX XXXXXX XXXXXXX, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrõnico, Tomo 6, Data 30/01/2017. Página 1, 2)
No caso acima destacado, o Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Pará considerou não estar configurada a conduta prevista no artigo Art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/1997 por se tratar de cessão de uso com encargos.
Ainda, destaca-se o acórdão prolatado em sede de julgamento do Recurso Especial Eleitoral nº 15297, em 07/10/2016, através do qual se depreende que o acórdão
regional, considerando o alcance da concessão do direito real de uso na exegese do artigo Art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/1997, afastou a configuração da conduta vedada pela ausência de prova de desvirtuamento do programa social que autorizou a benesse.
ELEIÇÕES 2012. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. PREFEITO E VICE-PREFEITO. ABUSO DE PODER. DISTRIBUIÇÃO DE BENEFÍCIOS ASSISTENCIAIS E DE LOTES AOS MUNÍCIPES. DESPROVIMENTO DOS RECURSOS.
(...)
4. Concessão de benefícios assistenciais. Art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/1997 e abuso de poder. O acórdão regional expressamente consignou que: i) a concessão de benefícios assistenciais estavam amparados em lei e em execuçãoorçamentária no ano anterior; ii) o aumento das concessões não ocorrera de forma abusiva; iii) existia critério na distribuição dos benefícios, padronizado desde 2009; iv) ausência de mínima prova indiciária acerca de conotação eleitoral, como pedido de votos, entre outras circunstâncias; v) o prefeito sequer participava da distribuição, mas apenas os servidores do município. Não há, pois, violação ao art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/1997, valendo ressaltar o entendimento do TSE no sentido de que "o incremento do benefício (de 500 para 761 cestas básicas) não foi abusivo, razão pela qual não houve ofensa à norma do art. 73, § 10 da Lei nº 9.504/97" (AgR-REspe nº 9979065-51/SC, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 1º.3.2011).
5. Concessão de direito real de uso Lotes. Art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/1997 e abuso de poder. O acórdão regional demonstrou que: i) a distribuição de terrenos se dera em continuidade a programa social estabelecido em lei e em execução orçamentária no ano anterior ao da eleição; ii) não há provas de desvio de finalidade do programa, a ensejar o reconhecimento de abuso de poder; iii) a simples leitura da Lei Municipal nº 740/2004 revela que há regramento específico a respeito da possibilidade de concessão de direito real de uso de modo oneroso, o que afasta de plano o art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/1997, que pressupõe distribuição gratuita.
(Recurso Especial Eleitoral nº 15297, Xxxxxxx, Relator(a) Min. Xxxxxx Xxxxxx, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 07/10/2016, Página 61-62)
Nesta esteira, destaca-se que juntado aos autos o Acórdão AC-CON nº 007/2017 exarado no Processo de Consulta nº 07944/2016 do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado de Goiás, através do qual, considerando ser a concessão do direito real de uso de bem público um benefício, firmou a Corte o entendimento de impossibilidade de firmatura do contrato administrativo referido, em caráter gratuito, em ano eleitoral, em atenção à disciplina do artigo 73, §10 da Lei nº 9.504/1997.
EMENTA: CONSULTA. CONCESSÃO DE DIREITO REAL DE USO DE TERRENO PÚBLICO GRATUITA. ANO ELEITORAL. PROIBIÇÃO. Não
será possível que município firme concessão de direito real de uso gratuita em ano eleitoral, ressalvadas as exceções previstas no §10 do artigo 73 da Lei n.O 9504/97. (Consulta nº 07944/2016, Relatoria Conselheiro Substituto Xxxxx X. X. Jambo, de 22/02/2017).
Ante o exposto, embora o artigo 73, §10 da Lei nº 9.504/1997 não tenha feito menção expressa à permissão de uso, à concessão de uso, à concessão de direito real de uso ou à cessão de uso, compreende-se que o conceito de bens, valores e benefícios deve ser concebido de forma ampla, de modo a serem incluídos os institutos ora analisados na concepção de benefícios, portanto, abarcados na vedação prevista no artigo 73, §10 da Lei nº 9.504/1997.
Acentua-se, neste ponto, que o entendimento ora exposto não faz distinção entre a concessão da benesse de uso de bem público à particulares e a cessão de uso bem público a outro órgão ou entidade.
Não se desconhece que a cessão de uso de bem se apresenta como ato de colaboração entre órgãos públicos com vistas ao desenvolvimento de uma atividade de interesse para a coletividade.
Inobstante, compreende-se que a vedação prevista no artigo 73, §10 da Lei nº 9.504/1997 visa impedir a prática de atos pela Administração Pública que possam causar desequilíbrio ao pleito eleitoral, dada a vinculação de um candidato ou partido político à benesses concedidas, seja à indivíduos ou à coletividade em geral.
Nesta esteira, as lições de Xxxxx Xxxx Xxxxxxx00 em artigo sobre as condutas vedadas a agentes públicos durante o processo eleitoral:
O §10 do art. 73 da Lei nº 9.504, de 1997, possui como princípio norteador assegurar a igualdade de oportunidades entre os candidatos, na medida em que objetiva coibir o uso da máquina pública para beneficiar candidato, partidos políticos ou coligações. Essa igualdade entre os candidatos, aliada à preservação da intangibilidade dos votos, forma o conteúdo ético e jurídico do processo eleitoral, bem como repercute no princípio republicano, já que, este, repudia o tratamento privilegiado ilegítimo e defende a igualdade de acesso aos cargos públicos.
10 QUINTAS, Xxxxx Xxxx; UNE, Xxxxxx Xxxxxxx. Condutas vedadas a agentes públicos durante o processo eleitoral: reflexões sobre a doação de alimentos perecíveis. In: XXX, Xxxx ; XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxxxx; AGRA, Xxxxxx xx Xxxxx; XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx (Xxxxx.). Abuso de Poder e Perda de Mandato: Tratado de Direito Eleitoral. V. 7.. Belo Horizonte: Fórum, 2018
Inclusive, a cessão de uso de bem público é pode se caracterizar como potencialmente mais prejudicial ao princípio da igualdade de oportunidades entre os candidatos que a permissão ou a concessão de uso de bem público a particulares, tendo em vista que terá reflexos em toda sociedade, isto é, tem abrangência consideravelmente superior à concessão de benefício a um indivíduo ou a um grupo limitado de pessoas.
Sob o raciocínio posto, salienta-se o teor do acórdão nº 3930 prolatado em sede de julgamento do Recurso Eleitoral nº 3930 em 13/10/2008, exarado o entendimento de que a norma do artigo 73, §10 da Lei 9.504/97 veda a distribuição gratuita de vantagens a qualquer pessoa, sem qualquer distinção, incluindo-se órgãos públicos na proibição:
REPRESENTACÃO. RECURSO ELEITORAL. CONDUTA VEDADA AOS AGENTES PÚBLICOS. ART. 73, § 10, DA LEI N. 9.504/97. MATERIALIZAÇÃO DO ATO DE DOAÇÃO OU DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE TERRENOS PÚBLICOS. DESNECESSIDADE DE SE VERIFICAR A POTENCIALIDADE DA CONDUTA VEDADA INFLUENCIAR O PLEITO ELEITORAL EM CURSO. IMPROVIMENTO. 1.
O § 10 do artigo 73 da Lei n. 9.504/97 veda a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da administração pública no ano eleitoral (Resolução TSE n. 22.579/08). 2. A materialização do ato de doação (ou distribuição gratuita) de lotes públicos, no caso de órgãos públicos, consubstancia com a publicação da referida lei de desafetação e autorização da doação no Diário Oficial do Município, afixação no átrio da prefeitura ou seu ato equivalente (artigo 17, inciso I, alineas b e f, "§ 1º", da Lei n. 8.666/93) . 3. Nesse caso, o fim da norma eleitoral e a proibição do ato do agente público de distribuir bens, valores ou benefícios a terceiros em ano eleitoral. 4. É desnecessário para caracterização do ato de doação, que se ocorra o registro da doação dos terrenos públicos no Cartório de Registro de Imóveis, devidamente desafetados e autorizados por Lei Municipal, pois a teor do artigo 1227 do Código Civil, tal providência apenas é necessária para que o donatário adquira a propriedade do bem imóvel. 5. Vale ressaltar, que o artigo 73, § 10, da Lei n. 9.504/97 não permite a distribuição gratuita de vantagens a qualquer pessoa, sem qualquer distinção, incluindo-se os órgãos públicos nessa vedação, a fim de não interferir no equilíbrio do pleito eleitoral. 6. A norma eleitoral em apreço faz três ressalvas a vedação: nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior. 7. Doações de terrenos públicos para instalação de órgãos públicos e para implantação de programas habitacionais de interesse social não se enquadram no permissivo legal, quando for comprovado nos autos a aprovação dos diplomas legislativos, o início da efetivação dos programas sociais e a sua execução orcamentária, ambos no ano eleitoral em curso. 8. Não se faz necessário, verificar a potencialidade da conduta vedada influenciar o pleito eleitoral, quando se tratar das proibições impostas pelo artigo 73 da Lei n. 9.504/97. (Precedente no TRE/GO: CONREP n. 1459).
9. Entretanto, a conduta da recorrente em doar quatro áreas públicas em ano eleitoral, sendo duas para fins de instalação de programas habitacionais de interesse social e duas para construção de sedes para órgãos públicos, tem a forca de influenciar o pleito a seu favor e desequilibrar a disputa, pois, sendo a recorrente candidata a reeleição, o ato de doação efetuado pela prefeitura capitaliza a recorrente como responsável pelas referidas doações e pela estruturação dos programas habitacionais. Recurso conhecido e improvido.
(RECURSO ELEITORAL n 3930, ACÓRDÃO n 3930 de 13/10/2008,
Relator(aqwe) XXXXX XXXXXXX XXXXX, Publicação: DJ - Diário de justiça, Volume 15347, Tomo 01, Data 16/10/2008, Página 01 )
De toda sorte, evidencia-se que a Controladoria-Geral da União, através do Parecer Plenário nº 002/2016/CNUDecor/CGU/AGU, de 28/06/2016, firmou o entendimento de que “a disposição do art. 73, §10, da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, dirige-se à distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios pela Administração Pública diretamente a particulares, não afetando as transferências realizadas entre entes públicos”, sendo aplicável a estes casos o disposto no art. 73, VI, "a", da mesma lei, vedando-se a destinação de bens a outros entes públicos nos três meses que antecedem o pleito eleitoral.
O entendimento supramencionado partiu da premissa de que a teologia da norma prevista no artigo 73, §10 da Lei 9.504/1997 é garantir a igualdade de oportunidade entre os candidatos, de modo que a vedação trazida no citado dispositivo recai sobre os programas de natureza assistencialista e, por conseguinte, “a distribuição gratuita de bens, valores e benefícios deve se dar diretamente à população, não podendo ser enquadrada nessa conduta vedada a doação, pela Administração Pública, de bens de sua propriedade a outros entes públicos.”
Em que pese os fundamentos exarados pela Controladoria-Geral da União, posta a divergência sobre o tema, como acima pontuado, entende-se que a norma do artigo 73, §10 da Lei 9.504/97 não distinguiu o beneficiário da distribuição dos bens, valores ou benefícios, sendo a vedação destinada a qualquer pessoa, inclusive órgãos públicos (e neste sentido o supramencionado Acórdão nº 3930 prolatado em sede de julgamento do Recurso Eleitoral nº 3930 em 13/10/2008).
Outrossim, verifica-se que artigo 73, VI, "a", da Lei 9.504/9711 veda expressamente a realização de transferências voluntárias de recursos, cujo conceito pode ser extraído do 25 da Lei Complementar nº 101/2000, que dispõe ser o instituto a entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra de determinação constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único de Saúde.
Deste modo, não se vislumbra a disciplina acerca da cessão de uso de bem público no artigo 73, VI, “a” Lei 9.504/97, tratando o dispositivo tão somente da transferência voluntária de recursos e, em sentido diverso, compreende-se que a vedação prevista no artigo 73, §10 da Lei 9.504/97 também abarca a cessão gratuita de uso de bem público a órgãos de outras esferas durante o ano eleitoral, assim como a concessão e a permissão gratuitas de uso de bem público a particulares nos termos da Lei Complementar Municipal nº 078/1999, conforme pontuado alhures.
Cumpre ressalvar, contudo, que a gratuidade é elemento essencial da conduta prevista no artigo 73, §10 da Lei 9.504/97, isto é, que a distribuição de bens, valores ou benefícios, por parte da Administração Pública, deve ser realizada sem qualquer contraprestação ou condições, de forma espontânea, sem cumprimento de critérios legais.
Neste sentido, pontua-se que o Tribunal Superior Eleitoral, em julgados recentes, reconheceu que a existência de critérios técnicos e contrapartidas afastam o caráter da gratuidade necessário para configuração da conduta prevista no citado artigo.
A título de exemplo, destaca-se o julgamento do Recurso Ordinário nº 171821, da relatoria do Ministro Xxxxxxxx Xxxxx Xxxx Xxxxx, em 26/06/2018, através do qual foi afastada a aplicabilidade do artigo 73, §10 Lei nº 9.507/1997 quanto à concessão de benefício fiscal implementado em ano eleitoral, considerando a existência de condicionantes para obtenção da benesse:
11 Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:VI - nos três meses que antecedem o pleito:
DA RENÚNCIA DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS, BENEFÍCIO FISCAL IMPLEMENTADO NO ANO DE 2014, RELATIVO AO IPVA E A TAXAS DO DETRAN VENCIDOS ATÉ 31.12.2013, CONCEDIDA PELA MEDIDA PROVISÓRIA ESTADUAL 215/2013, ALTERADA PELA MP 226/2014.
(...) 6. Ainda que se diga que a referida remissão tributária foi implementada somente no ano de 2014, ano este eleitoral, tal argumentação não se sustenta. Isso porque não se trata de benefício fiscal concedido gratuitamente, sem contrapartida. Basta simples leitura do teor do inciso I do art. 2º da MP 215/2013 e dos incisos I e III desse mesmo artigo para verificar que a concessão daquele benefício fiscal foi condicionada ao pagamento integral do IPVA e demais taxas devidas ao DETRAN/PB, relativos ao exercício financeiro de 2014, e ao pagamento de todas as multas de trânsito relacionadas às motocicletas e motonetas, ou seja, os benefícios fiscais em questão não foram concedidos por mera liberalidade do Governador aos eventuais contribuintes beneficiados. Em outras palavras, houve por parte do Gestor Público a estipulação de critérios objetivos à concessão do benefício fiscal, não atingindo a todos indistintamente, inclusive, condicionando a concessão do benefício à desistência de eventuais ações judiciais. Não há falar, portanto, em gratuidade da medida.
7. Desta forma, excluída a gratuidade do benefício, elemento normativo da conduta (gratuidade), afasta-se a ocorrência da conduta vedada prevista no § 10 do art. 73 da Lei das Eleições. Nesse sentido, cita-se o seguinte precedente: (...) a adoção de critérios técnicos previamente estabelecidos, além da exigência de contrapartidas a serem observadas pelos pais e alunos, também descaracterizam a conduta vedada em exame (art. 73, § 10, da Lei 9.504/97), pois não se configurou o elemento normativo segundo o qual a distribuição de bens, valores ou benefícios deve ocorrer de forma gratuita (REspe 555-47/PA, Rel. Min. XXXX XXXXXX XX XXXXXXX, DJe de 21.10.2015) .(...)
Recurso Ordinário a que se nega provimento. (Recurso Ordinário nº 171821, Xxxxxxx, Relator(a) Min. Xxxxxxxx Xxxxx Xxxx Xxxxx, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 126, Data 28/06/2018, Página 29-32)
Na mesma direção, em sede de julgamento do Recurso Especial Eleitoral nº 4535, da relatoria do Ministro Xxxxx Xxxxx, em 03/08/2018, o TSE afastou a aplicabilidade do artigo 73, §10 Lei nº 9.507/1997, considerando a jurisprudência já firmada na Corte de que a assinatura de convênios e o repasse de recursos a entidades públicas e privadas para projetos nas áreas de cultura, esporte e turismo não se amoldam ao conceito de "distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios", especialmente quando se exigem contrapartidas das instituições contempladas com as verbas.
RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. PREFEITO. REPRESENTAÇÃO. CONDUTA VEDADA. ART. 73, § 10, LEI 9.504/97. CONVÊNIO. PREFEITURA. SINDICATO. PATROCÍNIO PARCIAL. FESTIVIDADE TRADICIONAL. EVENTOS ARTÍSTICOS E CULTURAIS. CONTRAPARTIDA. ENTRADA FRANCA. DELIMITAÇÃO DA CONTROVÉRSIA. INCIDÊNCIA DO ART. 73, § 10, DA LEI 9.504/97.3.
O art. 73, § 10, da Lei 9.504/97 veda, em ano eleitoral, a "distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública", exceto nas hipóteses de "calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior".4. A controvérsia dos autos cinge-se a dois pontos: a) se a distribuição de ingressos para evento cultural, por entidade privada, como contrapartida a patrocínio público, enquadra-se no óbice legal; b) em caso positivo, se a perda de diplomas imposta aos recorrentes revela-se proporcional às circunstâncias do caso.INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA E RESTRITIVA. DOUTRINA. JURISPRUDÊNCIA. EVENTOS CULTURAIS. CONTRAPARTIDAS. INSTITUIÇÕES ORGANIZADORAS. NÃO ENQUADRAMENTO NO
TEXTO LEGAL.5. A teor da jurisprudência desta Corte, a assinatura de convênios e o repasse de recursos a entidades públicas e privadas para projetos nas áreas de cultura, esporte e turismo não se amoldam ao conceito de "distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios", especialmente quando se exigem contrapartidas das instituições contempladas com as verbas. Precedente: REspe 2826-75/SC, Rel. Min. Xxxxxxx Xxxxxxx, DJe de 22.5.2012.6. O télos do § 10 do art. 73 da Lei 9.504/97 é salvaguardar a lisura do pleito e a paridade de armas de programas assistenciais de cunho oportunista, por meio dos quais se manipula a miséria humana e a negligência do Estado em áreas sensíveis como, por exemplo, saúde e educação. Recurso especial provido para julgar improcedentes os pedidos formulados na representação e afastar as sanções de perda de diplomas e de multa impostas aos recorrentes, por não se vislumbrar a conduta vedada do art. 73, § 5º, da Lei 9.504/97.15. (...) Com base no princípio da eventualidade, recurso provido em menor extensão para afastar a perda dos mandatos de prefeito e vice-prefeito de Tiros/MG (Recurso Especial Eleitoral nº 4535, Acórdão, Relator(a) Min. Xxxxx Xxxxx, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 03/08/2018)
Ante o exposto, considerando ser amplo o conceito de “bens, valores e benefícios”, à luz da jurisprudência eleitoral, esta Especializada entende ser conduta vedada, nos termos do artigo 73, §10 da Lei 9.504/97, a permissão e a concessão de uso, bem como a concessão de direito real de uso e a cessão de uso, concedidos de forma gratuita durante o ano eleitoral.
ii.b) do programa habitacional do Município mediante doação de lotes ou unidades habitacionais a famílias de baixa renda previsto na Lei Municipal nº 10.231/2018.
A Lei 10.321/2018 dispõe sobre a política habitacional do Município mediante a doação de lotes ou unidades habitacionais de propriedade do Município a famílias de baixa renda e sobre a regularização fundiária de ocupações de imóveis de propriedade do Município.
Por conseguinte, preceitua no artigo 2º os requisitos a serem cumpridos pelos beneficiários da doação de lotes ou unidades habitacionais de propriedade do município, dentre eles: (i) o cadastro junto à Administração Pública Municipal; (ii) renda mensal inferior a 05 (cinco) salários mínimos vigentes; (iii) comprovação de residência fixa no Município de Goiânia há, no mínimo, 05 (cinco) anos; (iv) inexistência de alguém dentre os membros da família que seja proprietário de bem imóvel na data da ocupação do imóvel objeto de doação;
(v) inexistência de alguém dentre os membros da família que já tenha sido beneficiado em outro programa habitacional promovido pelo Poder Público, seja municipal, estadual ou federal.
Novamente, pelo teor do artigo 73, §10 da Lei 9.504/97, concebe-se que, dentre as exceções à proibição a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública no eleitoral, está a possibilidade de execução de programas sociais autorizados em lei e já em execução no exercício anterior:
Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais: (...)
§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, EXCETO nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa.
Na esteira das lições de Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx00, partindo do rol de direitos sociais previstos no artigo 6º da Constituição Federal de 1988 é possível classificar os “programas sociais” como os atos e as ações que se destinam à proteção
12 PESSUTI, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Programas sociais, processo eleitoral e a isonomia no pleito. In: XXX, Xxxx ; XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxxxx; AGRA, Xxxxxx xx Xxxxx; XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx (Xxxxx.). Abuso de Poder e Perda de Mandato: Tratado de Direito Eleitoral. V. 7.. Belo Horizonte: Fórum, 2018.
ou efetivação dos direitos à educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previ- dência social, proteção à maternidade, infância e assistência aos desempregados, não esgotando quaisquer outros direitos sociais constitucionais.
Nesta linha, conforme pontua Walber de Moura Agra13, pondera-se que a normativa do artigo supramencionado não visa impedir a implementação e execução de programas sociais e sim a utilização das políticas públicas para captação de votos, em desvirtuamento da finalidade do instituto.
Assim, pela ressalva contida no artigo 73, §10 da Lei nº 9.504/97, é possível a execução e manutenção dos programas sociais no ano eleitoral, desde que cumpridos os dois requisitos previstos: (i) autorização em lei e (ii) execução orçamentária no exercício anterior.
Cumpre destacar que, no que tange à autorização em lei, o TSE tem entendido que a regra do § 10 do art. 73 da Lei nº 9.504/97 não exige que haja norma específica e única para tratar do programa social (TSE, RespE nº 71923, rel. Min. Xxxxxxxx Xxxxx Xx Xxxxx, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 202, Data 23/10/2015), contudo, a instituição de programa social mediante decreto não atende à ressalva prevista, bem como a mera previsão na lei orçamentária anual dos recursos destinados a esses programas não tem o condão de legitimar sua criação (TSE, AgR-AI nº 116967, rel. Min. Xxxxx Xxxxxxxx, julgado em 30/06/2011).
Outrossim, pondera-se que a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da administração pública ressalvada pelo § 10 do art. 73 da Lei das Eleições deve observar os critérios da lei que institui o programa social, de modo a impedir eventual desvirtuamento de finalidade (TSE, AgR-AI nº 334-81/BA, rel. Min. Xxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxx, julgado em 10.10.2017, DJe de 17.11.2017).
Pontua-se que exigência de que haja execução orçamentária no exercício anterior é categórica, (RespE nº 3611, rel. Min. Xxxx Xxxxx, julgamento em 02/08/2018) sendo este requisito cumulativo à prévia autorização legal (RO nº 278378, Min. Xxxxxx Xxxxxxxx, publicação em 15/12/2016).
13 AGRA, Walber de Moura; AGRA, Walber de Moura. Manual Prático de Direito Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016.
Ainda, conforme o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, destaca-se que a continuação de programa social instituído e executado no ano anterior ao eleitoral não constitui conduta vedada, de acordo com a ressalva prevista no art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/97. (RespE nº 999874789, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgamento em 22/03/2011)
Assim, dadas as considerações acima postas, à luz da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, depreende-se que a Lei Municipal nº 10.321/2018 cumpre o primeiro requisito exigido (autorização em lei), nos termos do artigo 73, § 10, da Lei nº 9.504/97, para fins de execução de programa social no ano eleitoral.
Inobstante, quanto ao segundo requisito – execução orçamentária no exercício anterior, não há elementos nos autos que possam demonstrar seu cumprimento.
Ante o exposto, entende-se que o programa habitacional do Município mediante doação de lotes ou unidades habitacionais a famílias de baixa renda, previsto na Lei Municipal nº 10.231/2018, se enquadra na exceção prevista no artigo 73, §10 da Lei nº 9.504/97, considerando ser programa social já autorizado em lei, desde que tenha havido a execução orçamentária no exercício anterior.
III. Conclusão
Diante de todo o exposto, salvo melhor juízo, compreende-se que:
a) considerando ser amplo o conceito de “bens, valores e benefícios”, à luz da jurisprudência eleitoral, esta Especializada entende ser conduta vedada, nos termos do artigo 73, §10 da Lei 9.504/97, a permissão e a concessão de uso nos termos dispostos na Lei Complementar nº 078/1999, bem como a cessão de uso de bens para outros órgãos das demais esferas, concedidos de forma gratuita, isto é, sem qualquer contrapartida, contraprestação ou encargo, durante o ano eleitoral;
b) considerando ser programa social já autorizado em lei, o programa habitacional do Município mediante doação de lotes ou unidades habitacionais a famílias de baixa renda, previsto na Lei Municipal nº 10.231/2018, se enquadra na exceção prevista no
artigo 73, §10 da Lei nº 9.504/97, desde que tenha havido a execução orçamentária no exercício anterior.
É o parecer.
Ao Procurador-Geral do Município para apreciação e providências
subseqüentes.
PROCURADORIA ESPECIAL DE ASSESSORAMENTO JURÍDICO, aos 31 dias do mês
de janeiro de 2020.
XXXXX XXXXX XX XXXXX
Procuradora Especial de Assessoramento Jurídico