CLÁUSULAS ABUSIVAS NOS CONTRATOS BANCÁRIOS POR ADESÃO
CLÁUSULAS ABUSIVAS NOS CONTRATOS BANCÁRIOS POR ADESÃO
1. RESUMO
Este artigo analisa as cláusulas abusivas nos contratos bancários por adesão, sob o prisma do Direito do Consumidor e dos Princípios Gerais de Contratação. Na primeira parte, examina a vulnerabilidade técnica, fática e jurídica do consumidor que usufrui de serviços bancários, os quais são formalizados mediante contratos por adesão, elaborados previamente pelos estabelecimentos bancários. Na segunda, aborda as principais cláusulas abusivas verificadas pela doutrina e jurisprudência. Discute o âmbito de aplicação do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor (CDC) às operações bancárias em geral e respectivas correntes doutrinárias. A conclusão procura fornecer subsídios para que os consumidores exijam a adaptação de tais contratos aos patamares de equilíbrio e boa-fé previstos em nosso Direito.
2. PALAVRAS-CHAVE
Código de Defesa do Consumidor – Bancos - Contratos Bancários por Adesão – Consumidor - Cláusulas Abusivas – Obrigações - Princípios Gerais dos Contratos.
3. TEXTO
3.1. INTRODUÇÃO
A emergência do mercado de massa, fenômeno social, econômico e cultural do século XX, decorrente do período de expansão industrial e da implementação do comércio do século XIX, alterou as estruturas tradicionais do contrato, exigindo que tais negócios jurídicos impulsionassem a economia, de forma a agilizar a prestação de serviços e atender o crescente consumismo. A contratação individual ou paritária cedeu à contratação em massa, levando as relações privadas a assumirem uma conotação massificada. O comércio jurídico despersonalizou-se em face da consolidação do regime capitalista, que redirecionou a economia com uma nova realidade: a produção e o consumo em massa. Como bem salienta Arruda Alvim, a necessidade de satisfazer um número enorme de indivíduos fez nascer a imperativa necessidade de uma maior simplicidade e celeridade nas contratações (1996, passim). Nesse contexto, os estabelecimentos bancários lançam mão de contratos com conteúdo homogêneo e uniformizado, conhecidos como contratos por adesão. Tais negócios jurídicos consistem em verdadeiros impressos, com condições contratuais previamente estipuladas pelos bancos, sem que haja possibilidade do cliente discutir o conteúdo com o prestador de serviços. A peculiaridade dos contratos por adesão é delineada por Xxxxxxx Xxxxx (2000, p.113), sobretudo ao asseverar que nesse modo de formação contratual inexiste a fase de negociações preliminares. Isso significa que o esquema contratual vem pronto, devendo aceitá-lo integralmente aquele que se propõe a travar a relação. Essa modalidade contratual tem suscitado pertinentes controvérsias. No contrato por adesão, o contratante aderente não discute as cláusulas, o conteúdo do contrato, limitando-se apenas a aderir àquilo que lhe é oferecido. Diante da conjuntura socioeconômica atual, é bem certo que os serviços bancários tornaram-se imprescindíveis ao consumidor, razão pela qual este acaba aderindo a uma situação contratual definida em todos os seus termos. Se por um lado os contratos bancários por adesão facilitaram a contratação e agilizaram a prestação de serviços, por outro tornaram-se fonte de desequilibro contratual entre as partes. A explicação não é outra: os bancos, valendo-se da posição economicamente favorável, muitas vezes acabam por trazer ao contrato cláusulas abusivas que afrontam ao princípio da boa-fé, da lealdade, da tutela da confiança e do equilíbrio contratual. Dependente de explicações ou de informações técnicas alheias à sua compreensão, o consumidor contraente, então, adere a uma situação contratual sem conhecer a carga obrigacional e seu alcance, o que evidencia sua vulnerabilidade técnica, fática e jurídica (Bittar, 1991, p. 98).
Com o advento do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078, de 11.09.1990), as cláusulas abusivas passaram a ser combatidas de uma forma mais rígida, célere e eficaz..
Registre-se que, logo após a entrada em vigor do CDC, doutrinadores apoiados pela Confederação Brasileira dos Bancos, tentaram diminuir o âmbito de aplicação do diploma legal às operações bancárias, dando uma interpretação restritiva ao artigo 3º do referido diploma, como se verá adiante. O conceito e a natureza jurídica das cláusulas abusivas constituem matéria de longa discussão. De modo geral, poder-se-ia concebê-las como aquelas notoriamente desfavoráveis ao
*Departamento de Direito Privado, FHDSS, UNESP,14400-600 Franca- SP - Brasil.
sujeito mais fraco da relação contratual, no caso, o consumidor, consoante o art. 4º, inciso I do CDC. Tais cláusulas ofendem o postulado do equilíbrio e a cláusula geral de boa-fé contidos nos artigos 4º, III, e art. 51, IV, do CDC. As normas que proíbem as cláusulas abusivas são de ordem pública e, portanto, inafastáveis por vontade das partes. Essas normas aparecem como instrumentos do Direito para restabelecer o equilíbrio entre as partes, compensando, assim, a hipossuficiência do consumidor, usuário dos serviços bancários. Sem embargo, constitui tarefa difícil enumerar todas as cláusulas abusivas que figuram nos contratos bancários por adesão, mormente porque, em função da importância dos bancos na vida hodierna, as normas se multiplicam rapidamente. De qualquer modo, para combatê-las faz-se necessário partir da análise concreta de cada caso. Valendo-se dos princípios gerais de contratação e dos instrumentos jurídicos do CDC, os consumidores poderão procurar o respaldo de seus direitos lesados.
3.2. MATERIAIS E MÉTODOS
O tema exige análise dogmática sob perspectiva crítica. O método dialético permite considerar as influências sobre a elaboração normativa, o sistema político e ideológico dominante na sociedade. O confronto de teses possibilita visão do objeto de estudo como resultado de vários fatores, bem como pensar e analisar contradições existentes na relação entre sujeitos do universo pesquisado: consumidores e estabelecimento. Far-se-á, também, uso de método dedutivo com o intuito de, a partir dos textos legais e das obras doutrinárias, apresentar subsídios para uma tratamento jurídico uniforme do tema em apreço. Como o objeto da pesquisa recebe grande contribuição do labor dos tribunais, é imprescindível uma análise indutiva dos julgados para perscrutar as tendências jurisprudenciais em relação aos contratos bancários.
3.3 RESULTADOS
A expansão do consumo viabilizou a utilização de contratos por adesão pelos bancos, com vistas a agilizar sua prestação de serviços. Instaurou-se, porém, a prática de excessiva liberdade contratual por essas instituições que, valendo-se da vulnerabilidade técnica, fática e jurídica do consumidor, passaram a inserir em seus negócios jurídicos cláusulas abusivas. O CDC estabelece basicamente duas modalidades de controle das cláusulas abusivas: o administrativo e judicial. Na ausência de um controle administrativo sistemático, o controle judicial das cláusulas abusivas ganha importância. A nulidade de tais cláusulas, inclusive, é caracterizada como absoluta no direito brasileiro e deve ser declarada de ofício pelo julgador. Conquanto o CDC preveja regras particulares destinadas a coibir as cláusulas abusivas (art. 51 a 53 do CDC) e duas outras normas em matéria de crédito (arts. 52 e 53 do CDC), foi a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que conseguiu retirar de alguns contratos algumas cláusulas ex vi lege abusivas. A seguir,
abordar-se-á as cláusulas consideradas abusivas que aparecem com maior freqüência no comércio jurídico bancário.
A cláusula de decaimento, expressamente proibida pelo art. 54, caput, do CDC, prevê em caso de inadimplemento do devedor, a perda das quantias já pagas. Para as compras à prestação, sejam de móveis ou de imóveis, com garantia hipotecária, com cláusula de propriedade resolúvel, de alienação fiduciária, reserva de domínio ou outro tipo de garantia, o Código não permite que se pactue a perda total das prestações pagas, no caso da retomada do bem ou resolução do contrato pelo credor, por inadimplemento do consumidor. “A norma proíbe, ipso facto, o pacto comissório que faculte ao fornecedor ficar com o bem, no caso de inadimplemento do consumidor.” (Nery, 1999, p. 546). Outrossim, estão abrangidas pelo dispositivo ora analisado, as vendas feitas com garantia de alienação fiduciária que torna resolúvel a propriedade do consumidor. Note-se que do caput do art. 53 do CDC não decorre a devolução das parcelas pagas. Apenas não se poderá pactuar a perda total das prestações.
Nos contratos bancários, especialmente nos mútuos e nos contratos de cartão de crédito, aparece com freqüência uma cláusula em que o cliente outorga, ao Banco credor com o qual contrata, poderes para emitir, em seu nome, dele cliente, notas promissórias que serão contra ele executadas, no valor a descoberto em contrato com o banco mandatário. Essa cláusula foi considerada abusiva e expressamente proibida pelo art. 51, VIII do CDC. O Superior Tribunal de Justiça harmonizou a questão, ao editar a Súmula n.º 60 que dispõe: “É nula a obrigação cambial assumida por procurador do mutuário vinculado ao mutuante, no exclusivo interesse deste”. Os contratos de cartão de crédito merecem especial atenção. O Relatório Final dos trabalhos da Comissão de Estudos de Cláusulas Abusivas relata que a cláusula mandato “possibilita um aumento substancial na dívida do consumidor, fazendo incidir juros sobre ela entre 10% a 14% ao
mês, capitalizados, por alguns ou muitos meses conforma prefira a operadora, após a verificação da inadimplência do consumidor e o imediato corte de seu cartão” (Fundação Procon/SP, 2000, p. 201). É pacífico na jurisprudência que as operadoras de cartão de crédito não são Instituições Financeiras. Logo, quando as mesmas sub-rogarem-se, por inadimplência do consumidor, nos créditos do agente financeiro, só poderão cobrar juros respeitando à limitação legal. Ainda no que concerne ao Contrato de Cartão de Crédito, é “nula a cláusula que responsabiliza integralmente o consumidor pelas operações com seu cartão e com o uso de seu código secreto” (Fundação Procon/SP, 2000, p. 123). O Procon entende que é dever do banco checar se aquele que está pedindo o pagamento é realmente o titular do direito. Assevera ainda que se o banco foi suficientemente capaz de descobrir a natureza devida ou indevida da operação, com certeza, a sua colaboração será decisiva para combater as operações fraudulentas.
Outra cláusula considerada abusiva é aquela que permite o somatório ou a repetição das remunerações de juros sobre juros, de um duplo pagamento pelo mesmo ato, a qual estabelece um verdadeiro bis in idem remuneratório. Os contratos bancários por adesão incluem muitas dessas cláusulas, porém, sob vários nomes e taxas, cabendo ao consumidor demonstrar ou, em caso de inversão do ônus da prova, alegar a abusividade. A Comissão de Estudos de Cláusulas Abusivas, da Fundação Procon/SP, alerta para a abusividade da cláusula que prevê o refinanciamento automático da dívida, mês a mês, em caso de inadimplência, permitindo a capitalização mensal dos juros, em contratos de abertura de Crédito de Conta Corrente (Cheque Especial). Explica a Comissão: “O mecanismo que possibilita esta capitalização é o débito automático da soma dos juros vencidos do mês, do valor principal (empréstimo propriamente dito) e demais encargos da conta corrente, tudo isto em determinado dia do mês; ocorrendo a hipótese de o consumidor não possuir saldo, estes lançamentos são feitos do mesmo modo, passando os juros a correr sobre este novo valor principal apurado” (Procon, 2000, p. 122).
Releva mencionar, em matéria de crédito, as cláusulas penais e de juros moratórios. A cláusula penal é uma espécie de sanção contratual, pela violação por uma das partes de seus deveres contratuais; ela entra em ação, por exemplo, quando o consumidor deseja a rescisão do contrato por não poder mais pagar as prestações de seu imóvel em construção. A quantia estipulada na cláusula penal, ao contrário de uma simples avaliação de perdas e danos, é devida mesmo se a inexecução contratual não causou reais prejuízos ao credor (art. 917 do Código Civil). Em princípio, as cláusulas penais são aceitas pelo direito brasileiro. O Código Civil prevê (art. 924), entretanto, a possibilidade do juiz reduzir a pena se a obrigação foi em parte executada e se a cláusula penal é exorbitante. As cláusulas penais devem, portanto, ser submetidas a exame previsto na lista do art. 51 do CDC, em particular na norma do inciso IV, uma verdadeira cláusula geral de proibição de disposições contrárias à boa-fé. A jurisprudência considerou igualmente que o art. 52, § 1º, do CDC contém uma limitação às taxas de juros moratórios. A norma do CDC prevê que os contratos de crédito podem conter penas moratórias de no máximo 10% do valor da prestação em atraso.
Em 12 de março de 1998, o Ministério da Justiça, por meio da Secretaria de Direito Econômico (Portaria 04/98), divulgou rol complementar de cláusulas contratuais consideradas abusivas, em atendimento ao disposto pelo decreto 2181/97. Esse rol de cláusulas abusivas, elaborado e divulgado por força do disposto no art. 56 do mencionado decreto, tem por objetivo proporcionar a correta execução da Política Nacional das Relações de Consumo, com o exercício dos princípios desta política previstos pelo Sistema Nacional de Defesa do Consumidor.
É importante ressaltar que esse elenco de cláusulas abusivas é meramente exemplificativo, não estando encerrados outros casos de abusividade contratual não previstos pelo rol divulgado. Pelo contrário, sempre que surgirem cláusulas abusivas, os órgãos da Administração Pública são convocados a atuar em defesa dos direitos do consumidor, visando a resguardar os princípios da Política Nacional das Relações de Consumo (art. 4º, do CDC) ou mesmo as disposições legais do capítulo VI do Código de Defesa do Consumidor. O artigo 56, em seus §§ 1º e 2º, do Decreto 2181/97 revela claramente o caráter exemplificativo do elenco de cláusulas abusivas divulgado pelo Ministério da Justiça.
Em 19 de março de 1999, foi editada nova Portaria (n.º 3/99) da Secretaria de Direito Econômico apresentando nova lista complementar atualizada de cláusulas contratuais abusivas. Algumas delas merecem atenção, pois fazem referência expressa às práticas e cláusulas bancárias. São elas cláusulas que: a) estabeleçam prazos de carência para o cancelamento do contrato de Cartão de Crédito (n.º 4); b) estabeleçam que o consumidor reconheça o contrato de conta corrente,
acompanhado do extrato bancário, como título executivo extrajudicial para fins do art. 585, II , do Código de Processo Civil (n.º 7); c) estipulem o reconhecimento pelo consumidor de que os valores lançados no extrato da conta corrente ou na fatura do cartão de crédito constituem dívida líquida, certa e exigível (n.º 8); d) estabeleçam a cobrança de juros capitalizados mensalmente (n.º 9); e) exijam a assinatura de duplicatas, letras de câmbio, notas promissórias ou quaisquer outros títulos de crédito em branco (n.º 12); f) prevejam em contrato de arrendamento mercantil (leasing) a exigência, a título de indenização das parcelas vincendas, no caso de restituição do bem (n.º 14);
g) estabeleçam em contratos de arrendamento mercantil, a exigência do pagamento antecipado do Valor Residual Garantido, sem previsão de devolução desse montante, corrigido monetariamente, se não exercida a opção de compra do bem (n.º15). Note-se que a Portaria apenas corroborou cláusulas já combatidas pela doutrina e jurisprudência, tais como as de número 04, 07, 08, 09 e 12. A novidade refere-se às cláusulas consideradas abusivas nos contratos de arrendamento mercantil (leasing). Isso se explica em face da mudança da política cambial praticada pelo governo, com a conseqüente valorização do dólar no início de 1999. Vê-se, assim, que fatores socioeconômicos também são meios que permitem o desequilíbrio contratual.
4. DISCUSSÃO
A contratação por adesão e a ampla liberdade contratual conferida as instituições financeiras tornam o consumidor a parte hipossuficiente na relação jurídica de consumo. De sorte que o consumidor está exposto às práticas de cláusulas abusivas, inseridas nos contratos por adesão bancários. A problemática não se encerra aqui. Consoante mencionado alhures, hodiernamente, alguns doutrinadores com o apoio da Confederação Brasileira dos Bancos defendem a redução da aplicabilidade do CDC aos contratos bancários, de crédito e financiamento em geral, em face de uma interpretação restritiva do art. 3º do mencionado diploma legal. Xxxxxxx Xxxx (1999, p. 15), acolhendo tal tese, argumenta que o produto oferecido pelos bancos em suas operações (o dinheiro ou o crédito) não poderia ser objeto de consumo, não penetrando, assim, no âmbito tutelar do Código. O dinheiro, ou o crédito, para o respeitável jurista, destinam-se, pela própria natureza, à circulação. Data venia, parece mais coerente com o verdadeiro espírito de nossa legislação a aplicabilidade do CDC às operações bancárias, de crédito e financiamento. Contrapondo-se à tese da inaplicabilidade sustentada por Xxxx, vale enfatizar a postura de Xxxxxx de Lucca, que invoca a lição de Clóvis Beviláqua: “As coisas consumíveis ou são de fato, naturalmente, como os gêneros alimentares, ou juridicamente, como o dinheiro e as coisas destinadas a alienação” (2000, p. 145) . A jurisprudência não é uniforme, havendo decisões em ambos os sentidos. Afastada a tese de Wald, há ainda duas correntes doutrinárias que definem o campo de aplicabilidade do CDC: os finalistas e os maximalistas. Novamente, a jurisprudência se divide, alguns acórdãos acolhem tanto a teoria finalista quanto a maximalista.
Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx assinala que para os finalistas “a definição de consumidor é o pilar que sustenta a tutela especial, agora concedida aos consumidores. Esta tutela só existe porque o consumidor é a parte vulnerável nas relações contratuais de mercado, como afirma o próprio art. 4º, inciso I. Logo, convém delimitar claramente quem merece tutela especial e quem não a necessita, quem é consumidor e quem não é. Propõem, então, que se interprete a expressão destinatário final do art. 2º de maneira restrita, como requerem os princípios básicos do CDC, expostos nos art. 4º e 6º” (1999, p. 141). Nessa hipótese não bastaria a interpretação meramente teleológica ou que se prenda à destinação final do serviço ou do produto. Consumidor seria aquele que adquire o bem para utilizá-lo em proveito próprio, satisfazendo uma necessidade pessoal, e não para a revenda ou então para acrescentá-lo à cadeia produtiva.
Quanto aos maximalistas, pondera Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx, “vêem nas normas do CDC o novo regulamento do mercado de consumo brasileiro, e não normas orientadas para proteger somente o consumidor não profissional” (1999, p. 142). Segundo essa corrente, a definição do art. 2º deve ser interpretada o mais extensivamente possível, para que o CDC possa ser aplicado a um número cada vez maior de relações de mercado. Consideram que a definição do art. 2º é puramente objetiva, não importando se a pessoa física ou jurídica tem ou não fim lucrativo quando adquire um produto ou utiliza um serviço. Destinatário final seria o destinatário fático do produto ou serviço, aquele que o retira do mercado e o utiliza, o consome. Vale lembrar que o CDC não contempla em seu texto somente o conceito do consumidor destinatário final (art. 2º, caput), mas também as pessoas (físicas ou jurídicas) expostas às práticas abusivas em todo o capítulo V do CDC (art. 29 do CDC). Para Xxxxx Xxxxx Xxxxxx quando “se tratar de contrato bancário com um excedente de
atividade empresarial, visando ao implemento de sua empresa, deve-se verificar se este pode ser tido como consumidor. Se o empresário apenas intermedia o crédito, a sua relação com o banco não se caracteriza, juridicamente, como consumo, incidindo na hipótese, apenas o direito comercial” (1993, p. 429-430).
Entendemos ser, a tese finalista, mais razoável e consentânea com o sistema do CDC e demais diplomas legais pertinentes. Consideramos procedente a preocupação de Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx: “há um verdadeiro perigo que a interpretação extensiva do artigo 2º transforme o CDC em Lei de proteção ao consumidor profissional, do comerciante ou do industrial, quando destinatário final fático do produto e, de regra, destinatário final fático do serviço. Observando os princípios positivados do CDC, uma interpretação maximalista estaria realmente em desacordo com o espírito excepcional da tutela e o fim visado pelo Código, mas caberá à jurisprudência brasileira dar uma palavra decisiva sobre o assunto” (1999, p. 152). Na verdade, a hipossuficiência do consumidor é presumida pelo próprio Código, pois o fim do CDC é tutelar um grupo da sociedade mais vulnerável. À vista disso, parece-nos que a posição dos maximalistas não espelha o verdadeiro sentido do CDC, que é de proteção ao consumidor, entendido como a parte mais frágil numa relação contratual.
5. CONCLUSÃO
A realidade socioeconômica do início do século XX tornou perceptível uma situação não vislumbrada, até então, quando ainda reinava absoluta a autonomia da vontade. Tornou-se necessário criar novos aparatos jurídicos capazes de reequilibrarem os pólos contratuais, uma vez que se reconheceu a vulnerabilidade do consumidor no mercado de massa. O contrato por xxxxxx foi uma das figuras introduzidas pela expansão do comércio moderno. Esse instrumento desempenha importante função social pois agiliza a prestação de serviços pelos estabelecimentos bancários. Os consumidores, compelidos a aceitarem o conteúdo dos contratos, para poder usufruir dos serviços prestados, não têm consciência da carga obrigacional a que aderem.
As cláusulas abusivas são aquelas notoriamente desfavoráveis à parte mais fraca da relação contratual, o consumidor, conforme o art. 4º, inc. I, do CDC, no decreto 2181/97 e a Portaria n.º 3/99. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem desempenhado papel importante na coibição de tais cláusulas. O CDC aplica-se aos contratos e operações bancárias, desde que o consumidor seja o destinatário final dos serviços bancários. Não há meios de negar a aplicabilidade de tal diploma aos contratos bancários por adesão, alegando que dinheiro não é bem consumível. Os bens consumíveis são ou de fato (como os alimentos) ou jurídicos (como o dinheiro). Ademais, o CDC tutela os direitos do consumidor strictu sensu, aqueles que são hipossuficientes e vulneráveis em face do império econômico bancário (teoria finalista).
Posto isto, nota-se a importância social e jurídica da questão. Mesmo com todos os meios de proteção ao consumidor, este ainda tem seus direitos continuamente lesados. O consumidor não educado desconhece o alcance de seus direitos e com a idéia moral de honrar seus compromissos submete-se aos abusos cometidos pelos bancos. Na verdade, as polêmicas banco-consumidor têm fundas raízes no elemento cultural. Deste decorre a pouca habilidade da sociedade brasileira para lidar com seus direitos na relação de consumo, razão pela qual os bancos levam aos extremos suas práticas abusivas.
Assevera-se, ao final, que, não obstante os instrumentos de invalidação das cláusulas abusivas presentes na relação banco-consumidor, o melhor controle a ser efetuado será aquele realizado pelo próprio consumidor, educado para uma economia de mercado. A ausência de consumidores será a maior pena a ser aplicada ao banco que utiliza-se de cláusulas abusivas. Outra solução seria, como na Alemanha, adaptarem-se todos os contratos bancários por adesão aos patamares do equilíbrio e da boa-fé instituídos pelo CDC. Essa solução é mais econômica, pois evita a preocupação em determinar se o aderente é ou não consumidor, e baseia-se na realidade fática da superioridade econômica e técnica que possuem os bancos em relação à maioria de seus clientes.
6. AGRADECIMENTOS
À minha orientadora, Prof.a. Dra. Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx.
7. ABSTRACT
This article analyses the abusive clauses of the Banking Contracts by Xxxxxxxx, under the lights of the Consumer's Law and the General Principles of Agreement. At first, it underlines the technical, juridical and fact vulnerability of consumers who use banking services, formalised through Adhesion contracts previously made by the Banks. In the second part, it boards the main abusive clauses
verified by the doctrine and the jurisprudence. It analyses the applicability of the Brazilian Consumer’s Law to banking operations, by doctrinal understanding. The conclusion intent to give subsidies to the consumers, in order to make possible the claim for adjustment of these contracts to the standards of balance and trust presents in Brazilian Law System.
8. KEYWORDS
Brazilian Consumer’s Code – Bank’s – Adhesion Banking Contracts – Abusive Clauses – Obligations – Contracts General Principles.
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