Palavraschave: Poder Público. Administração Pública. Parcerias PúblicoPrivadas (PPP). Fundo Garantidor de Parcerias (FGP).
Os sistemas de garantia nas parcerias públicoprivadas*
Vitor Rhein Schirato
Palavraschave: Poder Público. Administração Pública. Parcerias PúblicoPrivadas (PPP). Fundo Garantidor de Parcerias (FGP).
Sumário: 1 Introdução A necessária mudança de paradigma 2 As formas de constituição de garantias nos contratos de PPP 2.1 Vinculação de receitas 2.2 Criação de fundos especiais previstos em lei 2.3 Segurogarantia 2.4 Garantia de organismos internacionais ou instituições financeiras 2.5 Garantia outorgada por empresa estatal ou fundo 2.6 Outras formas admitidas em lei 2.6.1 Fiança 2.6.2 Penhor 2.6.3 Hipoteca 2.6.4 Alienação fiduciária 2.6.5 Outras formas 3 O Fundo Garantidor de Parcerias (FGP) 3.1 Natureza, patrimônio e regime jurídico do FGP 3.2 Constituição de garantias pelo FGP 3.3 O Banco do Brasil como gestor do FGP 4 Empresas estatais garantidoras 4.1 Fundo Garantidor Estadual ou Municipal 5 A exigibilidade das garantias prestadas 6 A questão da constitucionalidade do sistema de garantias 6.1 Constitucionalidade formal 6.2 Constitucionalidade material (artigo 100) 7 As garantias das PPP e o artigo 40 da Lei Complementar nº 101/2000 8 Conclusão
1 Introdução A necessária mudança de paradigma
Uma breve análise do histórico da prestação dos serviços públicos no Brasil mostra claramente três momentos distintos: nos primórdios do Estado brasileiro, em razão da falta de recursos e de capacidade, os serviços públicos foram praticamente integralmente transferidos à iniciativa privada por meio de concessões ou permissões de serviços de serviços públicos; em um segundo momento, a política desenvolvimentista adotada pelo Governo teve como consequência a assunção, pelo Estado, dos ônus decorrentes da prestação dos serviços públicos o pêndulo passava a pender para o lado do Estado; por fim, em um terceiro momento, advindo com a reforma do Estado, buscouse a volta da transferência dos serviços públicos para a iniciativa privada, com fundamento na "nova" lei de concessões (Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995) tentavase retornar o pêndulo à iniciativa privada.1
O primeiro momento acima descrito foi marcado pela ineficiência regulatória do Estado e pela consequente prestação ineficiente dos serviços pelas empresas delegatárias, visto que a prestação dos serviços destinavase apenas a atender aos interesses das empresas prestadoras, sem compromissos com o usuário e sem metas de universalização (vide, por exemplo, o caso dos transportes ferroviários, que apenas era prestado em regiões economicamente estratégicas).
O segundo momento, ao contrário, é marcado pelo compromisso desenvolvimentista do Estado, cujas marcas primordiais eram a universalização e a ampliação da qualidade dos serviços prestados, mesmo que, em muitas oportunidades, não houvesse retornos econômicos ao Estado, responsável direto pela prestação dos serviços. As consequências primordiais das políticas públicas desta época foram o aumento considerável do endividamento público e o inchaço desproporcional da máquina estatal, que levaram à falência do modelo no início dos anos 90, quando do esgo tamento da capacidade de investimento, decorrente da incapacidade de endividamento.
Finalmente, o terceiro momento, no qual se busca levar o pêndulo novamente para a iniciativa privada, tem como característica marcante a implementação de um marco legal e de um marco regulatório que possibilitem que a delegação da prestação de serviços públicos à iniciativa privada com a garantia de universalização, qualidade dos serviços e modicidade tarifária. Procurase transferir os ônus decorrentes da prestação dos serviços públicos à iniciativa privada, assegurando se de outro lado os direitos dos usuários dos serviços e exonerando o Poder Público de todos os investimentos necessários à atualização e à universalização dos serviços públicos.
Todavia, após a implementação de consi derável parcela do terceiro momento, constante de grande movimento de privatizações conduzidas por todos os entes federativos, verificouse que ainda há uma parcela de atividades públicas (não apenas serviços públicos propriamente ditos) que não comportam a transferência pura e simples por meio de concessão ou permissão de serviços públicos à iniciativa privada, pois não são economicamente viáveis, não se mostram convenientes ou não se encaixam na noção de serviço público adotada pela Lei nº 8.987/95.2
Verificouse haver serviços em que as tarifas arrecadadas pelo prestador não são suficientes para a cobertura integral dos investimentos. Da mesma forma, verificouse não ser, em determi nados casos, conveniente transferir para a iniciativa privada a totalidade das atividades afetas à prestação de um dado serviço público, pois tal transferência implicaria na perda de todo knowhow e de toda expertise acumulada pelo Poder Público no desempenho da atividade em questão.
Por outro lado, a emergência do direito a uma boa administração como um direito fundamental dos cidadãos (não positivado de forma expressa em nosso sistema jurídico, mas presente de forma tácita em diversas normas constitucio nais e legais) fez advir a necessidade de melhoria do aparelhamento estatal, para melhor funcionamento da máquina pública, o que, obviamente, demanda grandes montas de investimento. Entretanto, a realização por particulares de empreen dimentos para a melhoria do aparelhamento estatal não poderia ocorrer sob a égide da Lei nº 8.987/95, pois não haveria um serviço público segundo os termos de tal lei.
Nesta senda, foi necessária a criação de um novo instituto no Direito brasileiro, que possibilitasse a formação de enlaces entre a Administração Pública e particulares com vistas à transferência para os particulares dos ônus decorrentes de investimentos em infraestruturas não diretamente relacionadas aos serviços públicos objeto da Lei nº 8.987/95, ou que não se referissem à totalidade das atividades afetas à prestação de um dado serviço público. Tal instituto é a concessão administrativa, uma das modalidades de parce ria públicoprivada prevista na Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004.
Na mesma esteira, era necessário o fortalecimento e o esclarecimento da possibilidade de transferência à iniciativa privada dos serviços públicos deficitários, ou seja, aqueles serviços públicos cujas receitas não são suficientes para a cobertura de todos os investimentos necessários. Não obstante a concessão com subsídios públicos ser possível na sistemática prevista na Lei nº 8.987/95,3 havia ainda muitas dúvidas e incertezas, que não permitiram sua larga utilização entre nós.
Deparamonos, destarte, com uma nova forma de prestação de serviços públicos ou de prestação de serviços à Administração Pública: as parcerias públicoprivadas. Nesta nova forma, os particulares remuneramse com tarifas pagas pelos usuários (e/ou advindas de receitas comple
mentares, tais como a exploração de espaço para anúncios publicitários) e complementadas pelo Poder Público (concessão patrocinada), ou apenas com quantias pagas pelo Poder Público (conces são administrativa).
Em teoria, o modelo funciona à perfeição, sobretudo se considerada a experiência anterior de países como Reino Unido. Contudo, a realidade brasileira é distinta. Por uma série de razões históricas, o Estado brasileiro mostrouse um mau pagador (falta de pontualidade no pagamento de operações financeiras, alterações súbitas no marco legal e institucional motivadas por razões meramente políticas etc.). Essa noção de um Estado mau pagador faz com que haja risco con siderável em qualquer empreendimento cuja viabilidade financeira dependa exclusiva ou parcial mente de pagamentos desse Estado.
No atual cenário econômico mundial, os agentes econômicos apreçam os riscos associados ao empreendimento. Independentemente de ser o empreendimento realizado com capital próprio ou de terceiro, quanto maior o risco, maior será a remuneração exigida pelo particular para aceitar realizar os investimentos demandados pelo Estado. Via de consequência, o sucesso das PPP depen dia de uma questão bastante simples: a redução dos riscos assumidos pelo particular, para que este não elevasse a remuneração exigida a montas que inviabilizassem o empreendimento.
Por conseguinte, a Lei nº 11.079/2004 trouxe consigo diversos elementos que procuravam mitigar riscos constantemente associados a enlaces com a Administração Pública. Dentre tais elementos, o que mais se destaca é a possibilidade de constituição de garantias pelo Poder Público em favor do particular que vier a assumir os ônus da realização de investimentos em infraestruturas e/ou serviços públicos.4
Desta forma, os mecanismos de garantia criados pela Lei nº 11.079/04 apenas referemse à necessidade de mitigação do risco de crédito do Poder Público brasileiro, contribuindo para a viabilidade econômica do empreendimento a ser realizado por meio de PPP, na medida em que possibilitam uma redução do valor exigido pelos parceiros privados para participação em uma PPP. Não se trata mais da visão unilateral e autoritária na qual apenas se assumia a totalidade dos riscos ou os transferia em sua integralidade ao particular. Tratase de um sistema de parceria em sua acepção plena, na qual os riscos devem ser compartilhados e mitigados na melhor medida possível, de forma a se obter o melhor negócio possível a todas as partes.
Em simples palavras, os sistemas de garantias das PPP são o que retiram as PPP de um mundo ideal, dos papéis, em que tudo funciona à perfeição, e as trazem para a realidade brasileira, tornando possível sua realização em nossa realidade.
2 As formas de constituição de garantias nos contratos de PPP
Em função da necessidade de instituição de sistema de garantias que possibilitasse aos particulares terem interesse, em bases come rciais viáveis, de participar de projetos de PPP e, consequentemente, investir em infraestrutura pública, a Lei nº 11.079/04 criou diversas formas de constituição de garantia de fiel pagamento dos valores devidos pelo Poder Público nos contratos de PPP. Tais formas são as seguintes, previstas no artigo 8º da Lei nº 11.079/04: (i) vinculação de receitas públicas; (ii) instituição ou utilização de fundos especiais previstos em lei; (iii) contratação
de segurogarantia; (iv) garantia de organismos internacionais ou instituições financeiras; (v) garantia prestada por fundo ou empresa estatal criados para essa finalidade; e (vi) outras formas permitidas pela legislação aplicável.
Passemos, portanto, a analisar cada uma das formas de garantia acima mencionadas, com as particularidades que lhes são aplicáveis.
2.1 Vinculação de receitas
A vinculação de receitas públicas é tema recorrentemente envolto em considerável polê mica. Desde há muito existe no Brasil o entendimento de que receitas públicas não seriam passíveis de qualquer gravame, em razão das características especiais de que gozam os bens públicos (inter alia, inalienabilidade, imprescritibilidade e impenhorabilidade).5
Preliminarmente, acerca deste tema, um esclarecimento fazse necessário: as receitas públicas são direitos de crédito constituídos por lei ou outro mecanismo juridicamente apto em favor do Poder Público. As receitas, de per se, não são bens públicos, mas sim direitos de crédito do Poder Público. Os recursos advindos da realização de tal direito de crédito, se e quanto realizados, serão bens públicos. Há, portanto, uma distinção fundamental: ao se falar em receitas, falase em direitos (de natureza jurídica obrigacional) e não em bens (de natureza jurídica real). Destarte, não há como se falar que sobre o conceito de receita possa recair o regime jurídico dos bens públicos.
Nada obstante, os recursos provenientes das receitas, quando de sua realização, tornarseão bens públicos e, portanto, terão sobre si incidente o regime de bens públicos. Tal regime, além das características acima mencionadas, demanda uma determinada afetação, isto é, uma destinação do bem. Segundo a classificação mais tradicional, cujo conteúdo não pode mais ser considerado de forma estanque e absoluta,6 os bens públicos poderão ser: (i) de uso comum do povo, afetados ao uso indistinto de todos os cidadãos; (ii) de uso especial, afetados a um uso específico pela Administração Pública no desempenho de uma função administrativa (considerada lato sensu); ou
(iii) dominicais, sem uma afetação específica (artigo 99 do Código Civil).
Uma vez determinada a afetação de um determinado bem público, este deixará de ser um bem dominical e passará a ser de uso comum ou de uso especial. No caso específico dos recursos públicos (receitas públicas realizadas), sempre haverá uma determinada afetação, nos termos da lei orçamentária vigente (artigos 9º e ss. da Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964). Portanto, os recursos públicos serão bens públicos de uso especial, pois serão utilizados na realização de uma determinada atividade da Administração Pública (suportarão receitas públicas específicas).
A vinculação de receitas, destarte, nada mais será do que a afetação7 a priori de um bem público (recursos públicos advindos da realização da receita pública vinculada) para a finalidade específica de garantir as obrigações da Administração Pública em contratos de PPP. Não se está a ferir a inalienabilidade ou a impenhorabilidade dos bens públicos, mas sim estáse apenas a estabelecer a afetação de um determinado bem público a uma finalidade pública instituída por lei.8
expresso dispositivo constitucional (inciso IV do artigo 167 da Constituição Federal),10 as receitas decorrentes de determinados impostos não poderão ser vinculadas, excetuados os casos excepcionados pela própria Constituição Federal. Imaginar que nenhuma receita pública pode ser vinculada é, a nosso ver, um erro, pois, caso assim fosse, a Constituição Federal não contemplaria apenas uma exceção com relação aos impostos, mas sim determinaria que toda e qualquer receita pública não poderá ser vinculada. Parecenos ser questão simples de interpretação do texto constitucional.
Cabe, inclusive, neste ponto, uma advertência relativa a uma certa imprecisão corriqueiramente vista entre os profissionais do Direito: não é toda receita corrente que não poderá ser vinculada, mas sim apenas aquelas expressamente vedadas pelo texto constitucional. Poderão ser vinculadas quaisquer receitas cuja vinculação não seja expressamente vedada pelo Ordenamento Jurídico, inclusive as receitas tributárias. Neste sentido, há determinados tributos que têm como carac terística fundamental o fato de serem vinculados (taxas e contribuições, por exemplo), o que corrobora ainda mais a ideia de que tributos podem ser receitas vinculadas para o fim de garantir contratos de PPP.11
Vistas essas considerações vestibulares, é necessária a análise do regime jurídico da garantia oferecida por meio da vinculação de receitas, prevista no inciso I do artigo 8º da Lei nº 11.079/04. Tal análise, na esteira do que já expusemos, par tirá do pressuposto de que a receita destacada à vinculação é uma receita cuja natureza jurídica não enfrenta óbices legais à vinculação (i.e., trata se de receita corrente passível de vinculação, ou de receita de capital).
A vinculação de receitas é um mecanismo orçamentário e, conforme a estruturação no negócio, contratual. A sistemática de vinculação de receitas não permite a constituição de um direito real de garantia em favor do particular. Apenas acena com a existência de uma receita específica que servirá para garantir o integral e pontual pagamento das obrigações do parceiro público nos termos do contrato de PPP celebrado.
Haverá uma obrigação (legal e, dependendo do arranjo do projeto, contratual) de o parceiro público utilizar os recursos vinculados para o pagamento dos valores devidos. Todavia, não é asse gurado ao particular o direito de tomar os recursos para si e proceder à sua excussão, conforme mecanismo assegurado ao credor contemplado com direito real de garantia.
Como bem afirmam Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx e Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx, a vinculação não é uma forma de garantia, segundo o significado comumente associado a esse termo e operações asse melhadas. Seria apenas a indicação de que uma fonte específica de receitas (corrente ou de capital) será empregada para o pagamento das con traprestações devidas, com a finalidade de dar maior certeza à efetiva realização do pagamento.12
É evidente que toda e qualquer despesa na qual a Administração Pública incorrerá deverá conter a previsão orçamentária de sua fonte de recursos. É o que há tempos está previsto na Lei nº 4.320/64, no artigo 7º, §2º, inciso III, da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993 e no artigo 16 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, por exemplo. Contudo, na vinculação de receitas prevista no inciso I do artigo 8º da Lei nº 11.079/04, procurouse constituir como compromisso da Administração Pública a utilização de uma determinada receita pública especificamente para os contratos de PPP, a fim de dar mais segurança ao parceiro privado.
Entretanto, essa sistemática apresenta alguns riscos para o parceiro privado, pois não é mais concreta, sólida e líquida das formas de garantia em operações dessa natureza. Os riscos decor rentes da inexistência de direito real de garantia são, ainda, agravados pela impossibilidade de ação de execução patrimonial direta com vistas à penhora dos recursos vinculados contra a Admi nistração Pública, com fundamento no artigo 100 da Constituição Federal, o que dificulta ainda mais o acesso do parceiro privado aos recursos vinculados.13
Demais disso, a vinculação de receitas pode estar sujeita a riscos políticos o maior de todos os riscos em qualquer enlace envolvendo a Administração Pública na medida em que pode o parceiro público, no decorrer da vigência do contrato, procurar extinguir a vinculação existente no orçamento público, com a finalidade de aumentar as receitas disponíveis para outros investimentos.
Finalmente, a vinculação de receitas públicas como instrumento de garantia apresenta como risco a realização da receita. Conforme mencionamos acima, as receitas públicas não se constituem bens públicos. Apenas se constituirão após sua realização, que é evento futuro e incerto. Destarte, com a vinculação de receitas deverá o particular assumir o risco de realização daquela receita durante todo o período de duração do contrato.
Novamente, como bem alardeiam Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx e Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx, um importante elemento de mitigação dos riscos acima apontados (principalmente no que se refere aos riscos políticos e de realização das receitas) seria a previsão legal do sistema de pagamento dos contratos de PPP. Como acima deixamos dito, a vinculação de uma determinada receita deve se dar por meio de lei. Portanto, somente com a revogação da lei anterior é que se poderia alterar o regime de pagamentos vigente.14
2.2 Criação de fundos especiais previstos em lei
A instituição ou utilização de fundos especiais referese, basicamente, à criação de fundos contábeis para a instituição de mecanismos para se garantir a existência de recursos para o paga mento das obrigações assumidas pelo Poder Público nos Contratos de PPP. Como se verá, é meca nismo existente apenas no âmbito do orçamento público, em conformidade com as normas de Direito Financeiro vigentes.
Fundos contábeis constituem uma forma de segregação de recursos orçamentários, operada dentro do próprio orçamento público. Vale dizer, por meio da instituição de um fundo orçamen tário, o Poder Público estabelece que determinadas receitas orçamentárias serão segregadas das demais e destinadas a finalidades específi cas. Constituem forma de exceção ao princípio da unicidade de tesouraria, insculpido no artigo 56 da Lei nº 4.320/64, na medida em que determinam que parcela das receitas públicas especialmente designadas terá como finalidade específica a cobertura de uma certa e especificada despesa pública.
Os fundos orçamentários especiais são regidos pelo artigo 71 da Lei nº 4.320/64, que, com expresso esteio constitucional previsto no artigo 167, inciso IX, da Constituição Federal, determina ser necessária prévia autorização legislativa para a instituição de tais fundos.15 Segundo o me canismo previsto em referidas normas, é lícito à Administração Pública, por meio de autorização
legislativa expressa e específica, instituir reser vas orçamentárias constituídas por específicas receitas públicas para a cobertura de determinada despesa pública, sendo a aplicação das receitas designadas realizadas por meio de dotação consignada em lei orçamentária (artigo 72 da Lei nº 4.320/64).
A Lei nº 11.079/04 não previu apenas a possibilidade de se constituir fundos contábeis para o fim de se garantir as obrigações do Poder Público em contratos de PPP, mas contemplou também a possibilidade de utilização de fundos contábeis já existentes. Contudo, é de se mencionar que, no caso de utilização de fundos já existentes, poderá ser necessária autorização legislativa, a fim de que a finalidade do fundo seja adequada ao fim de garantia das PPP.
Como distinção da vinculação de receitas, a criação de fundos contábeis tem função de garantia propriamente dita mais claramente definida. Isto ocorre, pois os recursos que serão utilizados para o pagamento corriqueiro das obrigações financeiras do Poder Público nos contratos de PPP não são, ao menos em sua integralidade, os recursos alocados ao fundo contábil. Os valores segregados no fundo contábil servirão para apresentar ao parceiro privado uma garantia da existência de recursos para a realização dos pagamentos devidos, no caso de não haver a realização dos recursos originalmente previstos para a realização dos pagamentos devidos.
Nesta senda, é perfeitamente possível compreenderse que a criação de fundo contábil para a garantia dos pagamentos devidos nos termos de contratos de PPP poderá coexistir com o me canismo de vinculação de receitas descrito no item precedente, eis que tais formas de garantia têm finalidades distintas. A vinculação de receitas tem como finalidade garantir a existência de fluxo de recursos suficientes para o pagamento dos valores devidos e os fundos contábeis têm como finalidade garantir a existência de reserva de recursos, caso haja qualquer problema com o fluxo vinculado.
Demais disso, devese mencionar que a lei que instituir um fundo especial contábil poderá prever mecanismos de controle das atividades e das destinações dos recursos do fundo, sem que seja excluída a competência dos Tribunais de Contas competentes (artigo 74 da Lei nº 4.320/64). Caso haja, ao término do exercício, saldo positivo no fundo contábil, tal saldo será transferido a crédito do mesmo fundo no exercício subsequente (artigo 73).
Vistas as questões constitutivas dos fundos, é importante mencionar que esses não são oponíveis a terceiros, sendo vinculantes apenas com relação à Administração Pública que os houver instituído. É dizer, não é válido qualquer pleito em face do fundo orçamentário, nem tampouco a tentativa de execução, penhora, sequestro, ou outro meio de tomada, dos recursos neles contidos. Tais fundos são simples reservas orçamentárias de recursos.
Em vista disso, vislumbramos, com relação aos fundos contábeis, risco semelhante ao vislumbrado com relação à vinculação de receitas. É bem verdade que os fundos contábeis apresentam um certo nível de segurança ao particular em razão da existência de reserva de recursos para a realização dos pagamentos devidos (é o denominado mecanismo de cash trap em operações similares).
Contudo, a inexistência de direito real sobre os recursos contidos no fundo especial apresenta risco ao particular, que dependerá (i) da manu tenção da existência do fundo durante toda a vigência do contrato de PPP (risco político) e (ii) da efetiva existência de recursos no fundo (risco de realização das receitas alocadas ao fundo) e (iii) da efetiva utilização, pela Administração Pública, dos
recursos existentes no fundo para o saldo de suas obrigações (novamente, risco político).
A impossibilidade, por qualquer razão que seja, de utilização dos recursos do fundo contábil para o saldo das obrigações oriundas de contrato de PPP, fará com que o parceiro privado não tenha outra saída senão a propositura de ação contra a Administração Pública com fundamento no contrato de PPP, o que fará com que a satisfação dos créditos venha por meio de precatórios, salvo no caso de o poder concedente ser uma empresa estatal, o que é um risco bastante considerável.
A natureza dos recursos alocados ao fundo contábil e o cenário político do ente concedente poderão ser elementos bastante importantes na mitigação dos riscos acima apontados, na medida em que poderão prover (i) considerável margem de certeza quanto à realização da receita pública destinada ao fundo e (ii) um panorama dos riscos políticos de extinção do fundo, ou destinação diversa dos recursos nele contidos.
2.3 Segurogarantia
O segurogarantia, também usualmente denominado performance bond, é uma espécie de seguro na qual o elemento segurado não é um bem material, como normalmente ocorre com os seguros, mas sim é o cumprimento das obrigações de uma determinada pessoa de suas obrigações contratuais. No caso específico dos segurosgarantia previstos no inciso III do artigo 8º da Lei nº 11.079/04, o que se garante por meio de referido seguro é a solvência do parceiro público no que concerne a suas obrigações previstas no respectivo contrato de PPP.
A figura do segurogarantia não é inovação trazida pela Lei nº 11.079/04, posto que é instrumento jurídico largamente utilizado em contratos de empreitada, como garantia do cumprimento integral das obrigações do empreiteiro. Demais disso, o segurogarantia é uma das formas de garantia de fiel cumprimento das obrigações do contratado previstas pelo artigo 56 da Lei nº 8.666/93 (inciso II).16
Tal como qualquer contrato de seguro exis tente no Direito brasileiro, haverá o pagamento, pela instituição seguradora, da quantia segurada, no caso de inadimplemento das obrigações da Admi nistração Pública assumidas em um contrato de PPP. Contrariamente ao que ocorre com os segurosgarantia contratados no âmbito da Lei nº 8.666/93, ou no âmbito de contratos de empreitada privados, a obrigação segurada pelo segurogarantia do inciso III do artigo 8º da Lei nº 11.079/04 é meramente obrigação de dar coisa certa, consistentes na contraprestação pública pre vista no contrato de PPP (que poderá ser dada em qualquer uma das formas previstas no artigo 6º da Lei nº 11.079/04). Portanto, não havendo o adimplemento das obrigações seguradas (dar coisa certa), haverá o sinistro que ensejará o pagamento pela seguradora.
Em que pese ter mecanismo bastante semelhante no caso sub examine, o segurogarantia não se confunde com a figura da fiança bancária (que será analisada no tópico subsequente), uma vez que o segurogarantia é contrato autônomo (e não acessório como a fiança), além de não conferir, prima facie, à seguradora direito de subrogação contra o segurado no lugar do beneficiário, em razão dos valores de prêmio pagos no âmbito do contrato de seguro.
Demais disso, é importante mencionar que a Lei nº 11.079/04 determina que a contratação de segurogarantia pela Administração Pública não poderá ser realizada com instituição seguradora
controlada pelo Poder Público.17 Neste ponto, inclusive, cabe uma breve observação: a nosso ver a vedação apenas se aplica àquelas instituições seguradoras controladas pelo mesmo ente federativo que figura como parceiro público em um contrato de PPP. Sendo assim, poderá, a nosso ver, haver a contratação de segurogarantia com instituição seguradora controlada por outro ente federativo que não o poder concedente.
Nossa opinião se justifica, além de outras questões, por uma analogia com o disposto no artigo 36 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, que veda a contratação de operação de crédito entre a Administração Pública e instituição financeira por ela controlada. Não há vedação quanto à contratação de operações de crédito com instituições financeiras controladas por outros entes de federação, mas apenas com instituições controladas, direta ou indiretamente, pelo devedor da operação de crédito.
Desta forma, se a operação de crédito, que é operação mais complexa e demandante de maior atenção por parte dos operadores do Direito, poderá ser contratada junto a instituições financeiras controladas por ente federativo distinto daquele que toma os recursos, não vemos razão para im pedir que instituições seguradoras controladas por ente federativo distinto do parceiro público possam fornecer segurogarantia em contratos de PPP, desde que a contratação se dê em bases de mercado para contratos do mesmo gênero.
Segundo entendemos, a finalidade da vedação contida no inciso III do artigo 8º da Lei nº 11.079/04 é assegurar que o segurogarantia será contratado em bases de mercado e proverá a segurança necessária ao parceiro privado, o que, a nosso ver, seria garantido com a eventual con tratação de segurogarantia junto a entidade seguradora controlada por ente federativo distinto do poder concedente.
Adicionalmente, devese frisar que em qualquer caso indistintamente se a instituição seguradora for controlada pelo Poder Público ou não deverá ser o segurogarantia contratado de acordo com as normas editadas pela Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), entidade reguladora competente para regular e normatizar o setor de seguros no Brasil.
Finalmente, do ponto de vista do parceiro privado, o segurogarantia, desde que contratado junto a instituição seguradora sólida e com patrimônio condizente com o valor segurado e com termos e condições adequados em face do contrato de PPP, provê considerável nível de segurança adequado, sendo, ao menos em tese, uma garantia eficaz. A possibilidade de inclusão dos financiadores do projeto como beneficiários do seguro pode configurar importante instrumento de garantia nos financiamentos a serem contratados, podendo, até mesmo, reduzir os custos da operação a ser contratada.
2.4 Garantia de organismos internacionais ou instituições financeiras
A terceira das formas de constituição de garantia em favor do parceiro privado nos contratos de PPP, prevista no inciso IV do artigo 8º da Lei nº 11.079/04, é a garantia apresentada por organismos internacionais ou instituições financeiras não controladas pelo Poder Público. Esta forma de garantia tem, em geral, a constituição jurídica da fiança, prevista nos artigos 818 et seq. do Código Civil brasileiro.
Não há relação expressa de quais seriam os órgãos internacionais que poderiam figurar como garantidores do parceiro público em contratos de PPP. Contudo, é possível depreender que a refe rência a organismos internacionais contida no inciso IV do artigo 8º da Lei nº 11.079/04 seja uma referência às instituições de fomento, constituídas pela comunhão de interesses de diversos países (por exemplo, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Banco Mundial, Corporação Andina de Fomento (CAF), entre outros) ou por um país individualmente (por exemplo, Kredit für Weltwiederaufbau (KfW), constituída pela Alemanha, ExportImport Bank, constituído pelos Estados Unidos da América, entre outros) para o financiamento de empreendimentos de interesses comuns dos países envolvidos.
As garantias concedidas por tais organismos internacionais são outorgadas na forma de fiança, segundo a qual o organismo multilateral comprometese a honrar os compromissos do parceiro público, em caso de inadimplemento. Havendo o pagamento pelo organismo multilateral garan tidor, este se subrogará nos direitos do parceiro privado, tornandose credor do parceiro público no exato valor do montante desembolsado nos termos da fiança e de acordo com os mesmos termos e condições previstos no contrato de PPP.
Do ponto de vista do parceiro privado, o mecanismo de garantia outorgada por organismos internacionais configurase uma forma extremamente sólida de garantia, uma vez que prati camente não existe risco de solvência dos organismos internacionais, que equivale ao risco soberano de todos os países signatários. A certeza de pagamento é bastante elevada no caso da existência de fiança concedida por organismos internacionais, o que reduz consideravelmente os riscos decorrentes do projeto e, via de consequência, propicia ao parceiro privado a captação de recursos em melhores condições financeiras.18
Da mesma forma, do ponto de vista do parceiro público, o mecanismo de fiança de orga nismo internacional é bastante interessante, pois permite ao parceiro público contar com garantia líquida, sólida e certa reduzindo os custos da operação em termos e condições mais interessantes do que aquelas oferecidas por uma instituição privada.
Nada obstante, do ponto de vista do organismo internacional garantidor o mecanismo de concessão de garantia não seria, de lege lata, interessante. Isto ocorre, pois, de acordo com o artigo 3º, da Resolução nº 3.218, de 30 de junho de 2004, editada pelo Banco Central do Brasil, os órgãos multilaterais garantidores de obrigações contratadas no mercado interno assumem considerá vel risco cambial, na medida em que somente poderão receber os valores em reais internalizados no Brasil quando da realização dos pagamentos devidos nos termos da fiança outorgada.
Vale dizer, no momento em que há o paga mento dos valores devidos nos termos da respectiva fiança, há a conversão de dólares para real do montante desembolsado e o montante em reais resultante de tal conversão é o valor máximo a ser remetido ao organismo internacional pelo parceiro público após a subrogação. Destarte, para que o mecanismo de fiança de organismos internacionais possa, efetivamente, tornarse um instrumento interessante às PPP, é necessário encontrarse mecanismo jurídico que mitigue o risco cambial alocado ao garantidor.
Ademais, o mesmo inciso IV do artigo 8º da Lei nº 11.079/04 prevê a possibilidade de contratação de fiança concedida por instituição financeira não controlada pelo Poder Público. Trata se de mecanismo distinto do acima descrito, na medida em que não se refere a organismos inter
nacionais de fomento, mas sim a instituições financeiras privadas (nacionais ou internacionais). Em suma: o segundo mecanismo de garantia contemplado no inciso IV é a fiança bancária, instru mento de garantia largamente utilizado no Brasil para operações do mesmo gênero.
A fiança bancária tem exatamente o mesmo mecanismo de funcionamento da fiança disciplinada pelo Código Civil brasileiro. A única distinção reside no fato de ser o fiador instituição financeira, que fará jus a uma remuneração pela concessão da fiança, ao passo que as fianças comumente outorgadas com base no Código Civil não preveem tal remuneração. Portanto, a fiança bancária é contrato oneroso também em relação ao afiançado e não somente com relação ao fiador, como normalmente ocorre com o contrato de fiança.19
A lei não faz menção a qualquer distinção entre instituições financeiras nacionais ou estrangeiras para a concessão de garantia em contratos de PPP. Assim, entendemos que poderá haver a contratação de garantia tanto junto a instituições financeiras brasileiras quanto junto a instituições financeiras estrangeiras, caso no qual não se aplicam as restrições decorrentes da Resolução nº 3.218/04 do Banco Central do Brasil, visto que essas somente se aplicam a organismos interna cionais, não abrangendo instituições financeiras.
Outra questão que, a nosso ver, emerge do tema referese à garantia concedida por institui ções financeiras controladas pelo Poder Público. Novamente, a Lei nº 11.079/04 faz apenas uma ressalva genérica, determinando que não poderão conceder garantia (fiança) instituições financei ras controladas pelo Poder Público. Segundo entendemos, tal restrição aplicase apenas às institui ções financeiras controladas pelo mesmo ente que figura como poder concedente (parceiro público) no contrato de PPP, exatamente como expusemos com relação às instituições seguradoras. Nossa posição, nesse caso, é corroborada com até maior intensidade pelo disposto no artigo 36 da Lei Complementar nº 101/2000.
Finalmente, é importante consignar que a garantia concedida por organismos internacio nais ou instituições financeiras, ao contrário do que verificamos com relação ao segurogarantia, gerará direito de subrogação do garantidor nos direitos no parceiro privado, na hipótese de desembolso de recursos em cumprimento da garantia. Sendo a garantia contrato acessório, os termos e condições da obrigação do fiador em face do afiançado serão exatamente os mesmos contidos no respectivo contrato de PPP.
2.5 Garantia outorgada por empresa estatal ou fundo
Nos termos do inciso V do artigo 8º da Lei nº 11.079/04 é lícito, ainda, à Administração Pública recorrer a entidades da Administração Indireta para a concessão de garantias nos contratos de PPP, desde que tais entidades tenham sido constituídas com a finalidade específica de garantir as obrigações do Poder Público oriundas do contrato de PPP.
Preliminarmente, é importante mencionar que a Lei nº 11.079/04 veio neste caso (assim como havia feito com relação aos fundos contábeis especiais, também já eram previstos em legislações estaduais) a ratificar possibilidade que já era contemplada na legislação estadual da matéria de PPP. Isto ocorre, pois, exempli gratia, o Estado de São Paulo já havia criado, por meio da Lei nº 11.688, de 19 de maio de 2004, a Companhia Paulista de Parcerias (CPP), cuja função exclusiva é
a garantia das obrigações contraídas por entes estaduais em contratos de PPP.
No que concerne à adoção de fundos garantidores, é importante mencionar que esses não se confundem com os fundos contábeis analisados no item 2.2 acima, posto que os fundos mencio nados no inciso V do artigo 8º da Lei nº 11.079/04 são fundos constituídos com natureza de fundos de investimento (com características sui generis, como se verá no item subsequente com relação ao FGP) e patrimônio próprio e não simplesmente reservas contábeis denominadas fundos.
A garantia de entidade da Administração indireta é a mais ampla das formas de garantia previstas na Lei nº 11.079/04, visto que poderá a garantia concedida tomar diversas formas juridicamente aceitáveis. Vale dizer, ao permitir que uma entidade da Administração indireta garanta obrigações emergentes de um contrato de PPP, permite a lei que tal entidade escolha, dentre diversas formas legalmente admitidas, qual será a forma efetivamente adotada para a concessão da garantia.
Tal mecanismo, a nosso ver, é bastante positivo, eis que as entidades garantidoras, por serem constituídas sob a égide do Direito Privado, têm maior flexibilidade em sua atuação e na gestão de seus bens, podendo optar pela forma de constituição de garantia melhor aceita pelos padrões de mercado vigentes quando da contratação da PPP e em função do objeto do contrato, o que, indubitavelmente, melhora as condições de tal contratação.
Ademais, por serem entidades de Direito privado, as empresas estatais ou fundos garantidores não se sujeitam ao regime de precatórios consagrado no artigo 100 da Constituição Federal, recaindo qualquer execução diretamente contra seus respectivos patrimônios. Esse expediente facilita consideravelmente a aceitabilidade do sistema de garantias constituídas por empresa ou fundo, na medida em que aumentam a certeza de recebimento dos recursos.
Para que se possa optar pela concessão de garantia por entidade da Administração indireta, deverá ser observado o procedimento previsto no inciso XIX do artigo 37 da Constituição Federal, nos termos do qual é necessária autorização legislativa para a constituição de empresa pública, ou sociedade de economia mista (além de autarquias e fundações controladas pelo Poder Público, que não vêm ao caso). Desta forma, deverá haver a autorização legislativa para a constituição de entidade da Administração indireta para garantir obrigações previstas em contratos de PPP, bem como deverá haver a atribuição, por lei, da função de garantidora a tal entidade.
No cenário da contratação de PPP atualmente existente, a adoção de empresas estatais ou fundos garantidores tem se mostrado a forma mais recorrente de constituição de garantias. Por esta razão, exploraremos o tema com maior riqueza de detalhes nos itens subsequentes, nos quais serão analisadas as principais questões jurídicas relacionadas ao Fundo Garantidor de Parcerias (FGP) e às distinções entre as empresas estatais e os fundos garantidores.
2.6 Outras formas admitidas em lei
Finalmente, o inciso VI do artigo 8º da Lei nº 11.079/04 conferiu certa flexibilidade à Administração Pública para a constituição de garantias nos contratos de PPP ao dispor que "outros mecanismos admitidos em lei" poderão ser utilizados para garantir obrigações oriundas de contratos de PPP. A nosso ver, tratase de caso típico de vinculação negativa da Administração Pública à lei, uma vez que permite que qualquer forma de garantia legalmente admitida, cuja uti
lização não seja expressamente vedada à Administração Pública, poderá ser utilizada.20 Há margem de discricionariedade na adoção de um ou outro mecanismo de constituição de garantia, conforme mais conveniente.
Considerandose ser bastante ampla a acepção de "outros mecanismos admitidos em lei", passaremos neste ponto a, brevemente, analisar as formas de garantia previstas na legislação do Direito Privado, que são mecanismos de garantia admitidos em lei e, portanto, na medida em que não haja vedações, poderão ser utilizados pela Administração Pública em contratos de PPP. Rati fica, ainda, nossa escolha pelos mecanismos previstos na legislação do Direito Privado como alguns dos demais mecanismos admitidos em lei o fato de serem eles arrolados como as formas de garantia que poderão ser constituídas pelo FGP, nos termos do §1º do artigo 17 da Lei nº 11.079/04.
Nesta senda, teceremos breves comentários a alguns dos mecanismos de garantia previstos na Lei Civil (a saber: fiança, penhor, hipoteca e alienação fiduciária) e à sua aplicabilidade à Administração Pública para a constituição de garantias nos contratos de PPP.
2.6.1 Fiança
Como precisamente define Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxxx: "fiança é a promessa que um ou mais indivíduos fazem de satisfazer a obrigação de um terceiro e com o fim de dar maior segurança ao credor; é, em uma palavra, um contrato em que alguém se obriga para com o credor pela prestação do devedor".21
Face à definição do contrato de fiança acima apresentada, verificase que poderá ser contra tada fiança para a garantia das obrigações do parceiro público em contratos de PPP, além das hipóteses de fiança bancária ou fiança prestada por organismo multilateral, descritas no tópico 2.4 acima.
A questão que se coloca com relação à fiança concerne mais à sua efetiva utilidade do que à sua legalidade. Em consonância com a definição exposta acima, fica nítida a natureza meramente obrigacional da fiança. A constituição de uma fiança não confere um direito real de garantia em favor do credor, mas apenas coloca à sua disposição outro patrimônio, além do patrimônio do devedor originário, criando entre eles relação de obrigação solidária.
Desta forma, muito pouca (ou nenhuma) utilidade prática tem o contrato de fiança no caso de o fiador não estar sujeito à ação de execução, como ocorre com os órgãos da Administração Pública direta e com as autarquias, cujas condenações judiciais são saldadas por meio de preca tórios, com esteio no artigo 100 da Constituição Federal. Isto ocorre, pois o risco que se busca mitigar com o mecanismo de garantias da Lei nº 11.079/04 é exatamente o risco de se ter o crédito adimplido por meio de precatórios, retirando a utilidade da fiança, caso esta possa ter como forma final de pagamento os precatórios.
Nesta senda, apenas fará sentido a adoção de fiança como instrumento de garantia em con trato de PPP, caso o fiador não esteja sujeito ao regime de precatórios, como ocorre, por exemplo, com as empresas estatais. Portanto, poderá haver a adoção do contrato de fiança como forma de garantia na hipótese de o fiador ser empresa estatal criada para garantir obrigações oriundas de contrato de
PPP, ou empresa estatal legalmente habilitada a prestar garantia fidejussória (por exemplo, empresa estatal controladora de outra empresa estatal que figure como poder concedente em contrato de PPP, em razão da vedação contida no §6º do artigo 40 da Lei Complementar nº 101/2000).
2.6.2 Penhor
Segundo Xxxxxx Xxxxxxxxx, penhor "é o direito real, que competente ao credor sobre coisa móvel ou mobilizável, suscetível de alienação, que o devedor, ou alguém por ele, entrega, efetivamente, ao mesmo credor, em garantia de débito".22
Diante da definição acima, verificase que o penhor é uma garantia real outorgada pelo devedor, ou por terceiro em seu nome e lugar, sobre bem móvel passível de alienação, como garantia do fiel e pontual pagamento de uma determinada obrigação. Atualmente, o penhor é regido pelos artigos
1.431 e seguintes do Código Civil brasileiro e pode ser constituído por meio de escritura pública ou instrumento particular. Há diversos tipos de penhor arrolados no Código Civil brasileiro, variáveis conforme a natureza do bem apenhado e não mais em função da natureza da obrigação garantia, como havia no antigo regime do Código Civil de 1916 e do Código Comercial.23
No sistema legal atualmente vigente com relação ao penhor, no caso de inadimplemento da obrigação garantida, tem o credor o direito de alienar o bem empenhado em venda pública ou privada (neste último caso, desde que o contrato assim permita), devendo aplicar o valor apurado com a alienação do bem ao pagamento das obrigações garantidas. Não é lícito ao credor manter para si o bem empenhado (o denominado pacto comissório), pois, como bem lembra Xxxx Xxxxxxx, "a finalidade do penhor não é fazer com que o credor fique com o objeto, mas apenas que o mesmo objeto sirva de garantia do cumprimento da obrigação assumida pelo devedor".24
A posse direta do bem será transferida ao credor pignoratício na maioria das espécies de penhor previstas no Direito Civil brasileiro, que os deterá como depositário. Apenas são excetuados os casos de penhor mercantil, agrícola ou industrial e o caso de penhor de automóveis, nos quais a posse direta do bem permanece com o devedor pignoratício, assim como a propriedade do bem.
Vistas estas considerações vestibulares, surgem algumas questões a serem resolvidas para tornar viável a adoção do penhor como forma de garantia das obrigações oriundas de um contrato de PPP. A primeira dessas questões é a natureza do bem empenhado.
Como se deixou assentado acima, somente poderá ser empenhado o bem que puder ser alienado. Sendo o bem classificado como público,25 dois de seus atributos serão inalienabilidade e não onerabilidade (consequência direta da inalienabilidade). Destarte, os bens públicos não poderiam ser objeto de penhor, já que não são alie náveis e não oneráveis, conforme entendimento mais recorrente sobre a matéria, o qual, a nosso ver, demanda revisão, como passaremos a expor.
Concordamos com tal assertiva, mas entendemos que não será aplicável a todos os casos. A regra da inalienabilidade e da não onerabilidade dos bens públicos não é absoluta. Os bens públicos podem ser alienados, desde que (i) desafetados (i.e., tenham sido destacados de sua função por meio de instrumento jurídico apto para tanto), (ii) tenha sido sua alienação previamente auto
rizada por lei, (iii) tenha havido um processo de avaliação do bem e (iv) tenha havido a declaração de interesse público na alienação. É o que se depreende dos artigos 100 e 101 do Código Civil brasileiro, bem como e, sobretudo, do artigo 17 da Lei nº 8.666/93.
O peso do atributo da inalienabilidade dos bens públicos eclipsa o raciocínio dos operadores do Direito público a ponto de se negar a possibilidade de constituição de penhor sobre bem público desafetado ou melhor, afetado à finalidade de constituição de garantia e com alienação autorizada por lei, com o que, evidentemente, não concordamos.
Nesta toada, poderá haver a constituição de penhor sobre um determinado bem público, caso tenha sido desconstituída sua afetação para um fim público e tenha sido sua gravação autorizada por lei. É evidente que a simples constituição de penhor não implica em alienação do bem como já observamos acima, a constituição de penhor não importa em transferência de propriedade. Contudo, é praticamente ineficaz o penhor cuja excussão fique condicionada a uma aprovação legislativa. Ainda que fosse mecanismo juridicamente possível, não seria comercial mente aceitável.
Ademais, nada impede que a afetação de um bem seja exatamente a finalidade de garantir uma obrigação contraída pelo Poder Público, fazendo com que sua única destinação seja a constituição de um penhor para viabilizar uma determinada operação. Neste caso, muito embora o bem permaneça sob o domínio do Poder Público, poderá ser alienado a qualquer tempo, no caso de excussão do penhor constituído.26
O penhor constituise por meio de instrumento público ou particular, devidamente regis trado perante o cartório competente, que variará em função da espécie de penhor e da natureza do bem empenhado. Via de regra, o registro realizase perante os cartórios de registro de títulos e docu mentos das jurisdições das partes, nos termos dos artigos 127, 129 e 130 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Contudo, casos específicos requerem registro perante o cartório de registro de imóveis da situação do bem (penhor industrial ou mercantil).
Outra questão que não pode passar sem análise referese ao procedimento de alienação dos bens públicos. Nos termos do artigo 17 da Lei nº 8.666/93, a alienação de bens públicos móveis, independentemente de sua categoria, depende de prévia avaliação e processo de licitação pública, o qual poderá ser dispensado nas hipóteses arroladas no inciso II do mesmo artigo.
Face a tal dispositivo, é necessário tecer alguns comentários acerca dos procedimentos a serem observados para a excussão de penhor sobre bens públicos para a garantia de contratos de PPP, visto que esta não se encontra entre as hipóteses de dispensa previstas no artigo 17 da Lei nº 8.666/93. Conforme mencionado acima, não é lícito ao credor pignoratício apoderarse do domínio do bem empenhado. É obrigatória sua alienação com a aplicação dos recursos daí advindos à satisfação das obrigações garantidas, podendo a alienação ocorrer judicialmente em hasta pública, ou por meio de venda amigável, desde que autorizada esta última expressamente pelo instrumento de penhor (inciso IV do artigo 1.433 do Código Civil brasileiro).
No caso da venda judicial em hasta pública, parecenos não haver qualquer contrariedade ao artigo 17 da Lei nº 8.666/93, visto que o processo de alienação do bem empenhado por meio de venda pública é uma forma de processo licitatório. Não obstante não ser exatamente o processo formal previsto na Lei nº 8.666/93, é processo público que assegura igualdade de chances a todos os
interessados e procura assegurar o recebimento da melhor proposta financeira, em estrita consonância com a finalidade da licitação.
Por outro lado, a questão se coloca de forma mais aguda naquilo que concerne à possibilidade de venda amigável do bem empenhado. Vale dizer: em vista da exigência legal de prévia licitação para a alienação de bens públicos (excetuados os casos expressamente arrolados no inciso II do artigo 17 da Lei nº 8.666/93) colocase o questionamento da possibilidade de realização da venda amigável do bem, esteada em autorização contratual prevista no instrumento de criação do penhor.
A nosso ver, a venda amigável poderá ser forma legalmente admitida de excussão do penhor sobre um bem público, desde que haja processo público que assegure a todos os eventualmente interessados a chance de participar do processo de alienação do bem. Não é admissível, segundo entendemos, que a venda amigável seja realizada de forma privada, sendo a alienação dirigida apenas a uma determinada pessoa, ou a grupo préselecionado de pessoas.
Destarte, segundo entendemos, a excussão do penhor sobre um dado bem público poderá ser realizada sem maiores questionamentos por meio de venda judicial em hasta pública, bem como por meio de venda amigável, desde que neste último caso seja realizada a alienação em processo que assegure a todos os potenciais interessados o direito de participar da disputa e arrematar o bem excutido, em consonância com as determinações do artigo 17 da Lei nº 8.666/93.
Finalmente, é de se observar que o penhor como forma de garantia dos contratos de PPP somente será eficiente se o bem dado em garantia tiver efetivamente algum valor e for bem líquido, que possa ser alienado de forma célere. Caso contrário, a constituição de penhor pouca utilidade terá, pois não representará garantia eficiente. Nesta senda, o penhor de determinadas receitas (que não tenham natureza tributária) do parceiro público, com fundamento nos artigos 1.451 e seguintes do Código Civil brasileiro, pode ser instrumento bastante interessante para a realização de projetos de PPP.
2.6.3 Hipoteca
A hipoteca é uma forma de garantia real que recai sobre bens imóveis e pode ser conceituada como "um direito real que recai sobre imóvel, navio ou aeronave, alheio, para garantir qualquer obrigação de ordem econômica, sem transferência da posse do bem gravado para credor".27
A partir da definição supra, verificase que a hipoteca tem como distinções fundamentais do penhor o fato de apenas recair sobre bens imóveis, ou bens equiparados a bens imóveis pela legislação (aeronaves, navios, vias férreas e outros direitos reais sobre bens imóveis previstos no artigo
1.473 do Código Civil) e o fato de não contemplar a transferência da posse direta do bem do devedor hipotecário ao credor hipotecário.
Além desta distinção, é de se mencionar que a hipoteca apenas constituise por meio de escritura pública, não sendo admissível a constituição por meio de instrumento particular e que poderão ser gravadas diversas hipotecas sobre um mesmo bem (artigo 1.476 do Código Civil).28
Em linhas gerais, os comentários apresentados acima com relação ao penhor também são
aplicáveis à hipoteca, inclusive naquilo que concerne ao tema da necessidade de autorização legislativa para a gravação e possível alienação do bem. A maior distinção referese ao processo de alienação, visto que os bens imóveis hipotecados somente podem ser alienados por meio de venda pública, o que satisfaria o requisito de licitação. Segundo entendemos, o bem imóvel público poderá ser hipotecado e alienado, caso seja desafetado (melhor dizendo: tenha sido afetado para a finalidade de constituição de garantia) por meio da autorização legislativa competente.
Por fim, devese mencionar que a constituição de garantia por meio de hipoteca pode apresentar problemas quanto à liquidez do bem hipotecado, o que pode prejudicar as condições do projeto garantido, mesmo nos casos do valor de avaliação do bem ser suficiente para a garantia das obrigações do parceiro público. Contrariamente ao que ocorre com certos bens móveis (ações de empresas, direitos creditórios e outros), bens imóveis podem ter processo de alienação consideravelmente mais lento, por não terem a mesma liquidez dos citados bens móveis. Tal fato certamente será considerado no momento do parceiro privado apreçar o projeto.
2.6.4 Alienação fiduciária
A alienação fiduciária em garantia é uma forma de garantia real, prevista nos artigos 1.361 e seguintes do Código Civil, por meio da qual o devedor transfere a propriedade resolúvel e a posse indireta de bem móvel e infungível alienado fiduciariamente ao credor como garantia do paga mento de uma dada obrigação pecuniária.29 O devedor constituise como depositário do bem alie nado no caso de constituição de alienação fiduciária, aplicandoselhe, por conseguinte, todos os deveres contidos nos artigos 627 e seguintes do Código Civil.
A principal distinção existente entre penhor e alienação fiduciária reside no fato de no penhor não haver a transferência da propriedade do bem dado em garantia no penhor, enquanto que é pressuposto da alienação fiduciária a transferên cia da propriedade resolúvel do bem ao credor. Dizse ser resolúvel a propriedade em razão do fato de que a propriedade resolverseá imedia tamente quando do pagamento das obrigações garantidas, retornando ao devedor.
De tal fato emerge considerável distinção no que concerne à questão da autorização legislativa necessária à constituição de garantia sobre bens públicos. Enquanto no caso do penhor a autorização deverá cingirse à desafetação do bem e à autorização para uma alienação futura, pos sível e incerta, no caso da alienação fiduciária, a autorização legislativa deverá contemplar a desa fetação do bem, bem como a expressa autorização para que haja, de forma resolúvel, a transferência da propriedade do bem dado em garantia.
A autorização a priori para a transferência da propriedade do bem poderia suscitar questio namentos quanto a uma violação do disposto no artigo 17 da Lei nº 8.666/93, visto que haveria a transferência da propriedade de um dado bem público sem a necessária prévia licitação. Contudo, tal violação não resiste a uma análise mais detida do caso, em razão do regime jurídico da alienação fiduciária.
Exatamente da mesma forma que se verifica com relação ao penhor, é vedado ao credor beneficiado por alienação fiduciária reter a propriedade do bem alienado no caso de não paga mento das obrigações garantidas. Nos termos do artigo 1.365 do Código Civil brasileiro, é nula a
cláusula contratual que permita ao credor reter a coisa alienada, podendo o credor, nos termos do artigo 1.364, promover a venda judicial ou extrajudicial da coisa alienada, no caso de inadim plemento das obrigações do devedor.
Destarte, tal como observamos com relação ao penhor, não há qualquer choque entre o procedimento legalmente previsto para a venda do bem alienado fiduciariamente e o regime de alienação dos bens públicos previsto no artigo 17 da Lei nº 8.666/93. Apenas poderá haver restri ções no caso de procedimento de venda amigável em que não haja procedimento público que asse gure a todos os interessados igualdade de condições. O procedimento de venda em hasta pública e a venda extrajudicial realizada com procedimento público não confrontam de qualquer forma com o artigo 17 da Lei nº 8.666/93.
Do ponto de vista do credor (beneficiário da garantia), a grande distinção entre se adotar penhor ou alienação fiduciária como forma de garantia de obrigações pecuniárias referese à hipótese de falência do devedor. Isto ocorre, pois, no caso de alienação fiduciária, o bem alienado não fará parte da massa falida e, portanto, não será arrecadado para liquidação do ativo, ao contrário do que ocorre com relação ao penhor, em que o bem empenhado integrará a massa falida por não ter sua propriedade sido transferida ao credor.
No caso específico das garantias constituídas para aumento da segurança dos contratos de PPP, essa vantagem acaba por não fazer muito sentido, uma vez que os órgãos, entes e entidades que poderão figurar como poder concedente em contratos de PPP e, via de consequência, que serão os constituintes de garantia não estão sujeitos à falência,30 fazendo com que, em termos práticos, não haja distinções relevantes entre penhor e alienação fiduciária como forma de garantia dos contratos de PPP.
2.6.5 Outras formas
Conforme mencionamos anteriormente, o inciso VI do artigo 8º da Lei nº 11.079/04 con templa caso claro de vinculação negativa da Administração Pública à lei. Portanto, adicionalmente às formas de garantia mencionadas acima, poderá haver outras formas que sejam contempladas pelo ordenamento jurídico e que possam legalmente ser aplicadas visàvis a natureza do bem a ser dado em garantia. Por razões metodológicas, optamos por tratar apenas das formas de garantia pre vistas na legislação civil por serem as formas de garantia mais comuns e usuais, além das novas formas previstas nos demais incisos do artigo 8º da Lei nº 11.079/04.
Finalmente, insta mencionarmos que outras formas de garantia real constantes da legislação do Direito Civil não foram objeto de nossa análise em razão de, a nosso ver, não serem legalmente admitidas para os contratos de PPP. São os casos da alienação fiduciária de bens imóveis e de bens fungíveis em garantia e da cessão fiduciária de créditos em garantia.
A alienação fiduciária de bens imóveis não seria direito real de garantia legalmente admissível para os contratos de PPP em razão de ser forma de garantia admissível apenas em operações de financiamento imobiliário, em conformidade com o que dispõe a Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997. Da mesma forma, a cessão fiduciária de créditos em garantia e a alienação fiduciária de bens fungíveis são direitos reais de garantia que somente poderiam ser aplicáveis em operações
financeiras realizadas junto a instituições financeiras integrantes do Sistema Financeiro Nacional, conforme se depreende do artigo 66B da Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965 (com redação dada pela Lei nº 10.931, de 2 de agosto de 2004).
3 O Fundo Garantidor de Parcerias (FGP)
No âmbito da União Federal, optouse por instituir regramento legal para a forma de garantia prevista no inciso V do artigo 8º da Lei nº 11.079/04. De acordo com os artigos 16 e seguintes da Lei nº 11.079/04, foi autorizada a instituição, pela União e órgãos e entidades a ela vinculados, do Fundo Garantidor de Parcerias, com patrimônio total de até R$6.000.000.000,00 (seis bilhões de reais) e função de garantir as obrigações da União e órgãos e entidades federais em contratos de PPP.
Preliminarmente, é necessário consignar que a existência de disciplina legal do FGP como espécie de garantia a ser constituída em projetos de PPP da União Federal não tolhe da União e demais órgãos e entidades federais o direito de adotar uma das demais formas de garantia previstas no artigo 8º da Lei nº 11.079/04. Em outras palavras: o fato de haver o legislador federal optado por já disciplinar legalmente o FGP não impede que qualquer das demais formas de garantia legal mente previstas possa ser utilizada em outros projetos específicos.
Nada obstante, o FGP deverá ser a principal forma de garantia a ser adotada em projetos de PPP federais, visto que, além dos dispositivos específicos contidos na Lei nº 11.079/04, há diversos outros diplomas legais que versam sobre o tema, conforme se passará a expor.
3.1 Natureza, patrimônio e regime jurídico do FGP
A partir do disposto nos §§1º e 2º do artigo 16 da Lei nº 11.079/04, entendemos que o FGP tem a mesma natureza jurídica dos fundos de investimento comumente constituídos em operações do mercado de capitais, qual seja, a natureza jurídica de condomínio. Nos termos do caput do artigo 2º da Instrução nº 409, de 18 de agosto de 2004, da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), fundos de investimento são definidos como "uma comunhão de recursos, constituída sob a forma de condomínio, destinado à aplicação em ativos financeiros" (in verbis).
Segundo nosso entendimento, a definição acima aplicase integralmente ao FGP, posto que sua natureza jurídica é a mesma dos demais fundos de investimento existentes no Direito brasileiro (i.e., natureza jurídica de condomínio). O FGP tem a natureza jurídica de um condomínio de Direito privado. Não obstante, o FGP é um fundo de investimento bastante sui generis, visto que seu regime jurídico contempla algumas peculiaridades não comumente aplicáveis aos demais fundos de investimento existentes, tais como a possibilidade de oneração dos ativos que compõem seu patrimônio.
Como fundo de investimento que é (ainda que sui generis), o FGP é um condomínio, o que traz como consequência a aplicabilidade das normas relativas a condomínios previstas no Código Civil. Em consonância com as lições de Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxx Xxxxx, o condomínio tem como caracteres fundamentais: "1º) a pluralidade de sujeitos; 2º) a indivisão material, ou seja, a unidade no
objeto, pois não se pode dizer que o direito de cada condômino recaia sobre cada uma das molé culas da coisa e ali se encontrem com o direito dos demais proprietários; 3º) a atribuição de cotas (divisão intelectual) representativas da proporção dentro da qual os coproprietários deverão fruir dos benefícios da coisa, suportarlhe os encargos e obter uma parte material da mesma quando se fizer a divisão (ou do valor, se for materialmente divisível)".31
Nesta senda, ao realizar uma contribuição ao patrimônio do FGP por meio da conferência de um dado bem sem afetação específica, a entidade pública quotista passa a deter quotas repre sentativas do patrimônio do FGP em valor equivalente ao dos bens transferidos. Tais bens passarão a fazer integrar a massa patrimonial do fundo e não mais o patrimônio do quotista espe cificamente. O patrimônio do quotista, todavia, não sofre qualquer redução com a contribuição ao FGP, posto que será acrescido de quotas do fundo em valor idêntico ao dos bens transferidos. As quotas, por sua vez, correspondem a frações ideais do patrimônio do condomínio.
Ao identificar o FGP como um fundo de investimento sui generis e, consequentemente, afirmar que sua natureza jurídica é a natureza de um condomínio de direito privado, afirmamos também que o FGP não tem personalidade jurídica própria, exatamente como é próprio dos condomínios no Direito brasileiro, visto que os condomínios não estão arrolados entre as pessoas jurídicas existentes no Direito brasileiro nos termos do artigo 44 do Código Civil (associações, fundações e sociedades).32
Tanto é assim que o patrimônio do FGP é dividido em quotas que representam frações ideais de seu patrimônio e são detidas por seus quotistas e o FGP é administrado por uma instituição financeira controlada pela União que desempenha o papel de administrador para os fins do artigo
1.323 do Código Civil e da Instrução CVM nº 409/2004.33
Não obstante poder um condomínio ser titular de direitos e obrigações, contraídos por seu administrador, não possui o condomínio, con soante já se deixou assentado, personalidade jurídica. Tratase somente de um patrimônio constituído para a realização de uma determinada ati vidade a partir da versão de contribuições de uma coletividade e que, no âmbito da atividade a ser desempenhada, poderá contrair obrigações e ser titular de direitos, conforme mecanismos de representação previstos no ordenamento jurídico.
Sem prejuízo da ausência de personalidade jurídica do FGP, em razão de sua natureza jurídica de fundo de investimento (condomínio), entendemos ser necessária a autorização legislativa para sua constituição, exatamente nos moldes contemplados nos artigos 16 e seguintes da Lei nº 11.079/04.34
Nosso entendimento é esteado em interpretações lógica e teleológica dos incisos XIX e XX do artigo 37 da Constituição Federal. Muito embora referidos dispositivos contemplem apenas autarquias, empresas estatais e fundações e a participação de entidades públicas no capital de outras sociedades, o que pretende a Constituição Federal é também condicionar à autorização legislativa a versão de patrimônio das pessoas de Direito público para uma atividade específica, exatamente como ocorre com a criação e contribuição patrimonial do FGP, o que não pode condu zir a outro entendimento que não seja ao entendimento da necessidade de autorização legislativa.
O patrimônio do FGP poderá ser constituído de bens móveis, incluídas ações de emissão de
sociedades de economia mista que excedam ao mínimo para a manutenção do controle societário, bens imóveis, títulos da dívida pública e outros direito com valor patrimonial (§4º do artigo 16 da Lei nº 11.079/04). Todos e quaisquer bens transferidos ao FGP deverão passar por prévio processo de avaliação por empresa especializada que emitirá laudo fundamentado, em conformidade com o
§3º do artigo 16 da Lei nº 11.079/04.
Os quotistas do FGP serão a União Federal e órgãos e entidades a ela vinculados. A transferência de bens ao FGP por seus quotistas inde pende de prévia licitação, mas dependerá da desafetação do bem transferido, por meio dos instrumentos legislativos competentes, nos termos dos §§6º e 7º do artigo 16 da Lei nº 11.079/04.
Atualmente, o patrimônio do FGP é composto por apenas ações de empresas estatais excedentes ao controle societário e outras empre sas que integravam o patrimônio da União. A transferência foi autorizada por meio do Decreto nº 5.411, de 6 de abril de 2005, que determinou ademais o valor das ações no momento da transferência.
O regime jurídico aplicável ao FGP advém de regulamentação específica expedida pela CVM para o FGP e para os fundos de investimento em geral,35 em complementação ao disposto nos artigos 16 e seguintes da Lei nº 11.079/04. Por meio da Instrução CVM nº 426, de 28 de dezembro de 2005, a CVM disciplinou o regime jurídico específico aplicável ao FGP, em vista de suas peculiaridades.
Considerandose que apenas participações acionárias compõem atualmente o patrimônio do FGP, este acaba por se aproximar dos fundos de investimentos em ações, espécie própria de fundos de investimentos regulamentada pela Instrução CVM nº 409/2004, bem como a uma Carteira de Valores Mobiliários, regulamentada pela Instrução CVM nº 306, de 5 de maio de 1999. Tais instru ções, a nosso ver, também têm aplicação subsidiá ria no regime jurídico do FGP, no que couber.
3.2 Constituição de garantias pelo FGP
As formas de constituição de garantias pelo FGP estão disciplinadas no artigo 18 da Lei nº 11.079/04. São elas: fiança sem benefício de ordem, penhor de bens integrantes de seu patrimô nio, hipoteca de bens integrantes de seu patrimônio, alienação fiduciária de bens integrantes de seu patrimônio com a posse direta permanecendo com o FGP ou com agente fiduciário nomeado, outras formas de garantia ou outras garantias reais ou pessoais vinculadas a patrimônio de afetação.
Os comentários tecidos no item 2.6 acima acerca das formas de constituição de garantia previstas no Direito Civil são integralmente apli cáveis às possibilidades de constituição de garantia pelo FGP nos termos do artigo 18 da Lei nº 11.079/04, exceto no que concerne às questões afetas ao tema dos bens públicos, uma vez que os bens que integram o patrimônio do FGP são bens privados, em razão de ter o FGP natureza jurídica de Direito privado e de não terem referidos bens qualquer afetação pública (i.e., os bens integrantes do patrimônio do FGP não são bens públicos nem pelo critério objetivo, nem tampouco pelo critério objetivo ou funcionalista).
A previsão expressa em lei da possibilidade de outorga de fiança em nome do fundo e de gravação (por meio de hipoteca, penhor ou alienação fiduciária) de seus bens para a constituição de garantia
é, a nosso ver, a maior peculiaridade do FGP visàvis os demais fundos de investimento regulamentados pela CVM. A corroborar esse entendimento, é importante mencionar que a possi bilidade de realização de tais operações (outorga de fiança e oneração de patrimônio) é expres samente restrita à realização de projetos de PPP em conformidade com o regulamento do FGP (artigo 6º da Instrução CVM nº 426/2005).
As garantias, reais ou fidejussórias, outorgadas pelo FGP recaem diretamente sobre seu patrimônio e são constituídas por meio de ato do administrador do FGP, na qualidade de seu representante legal. Toda e qualquer constituição de garantia pelo FGP depende da prévia e expressa aprovação pela assembleia de quotistas do FGP, nos termos do §1º do artigo 18 da Lei nº 11.079/04. Na medida em que sejam adimplidas as obriga ções da Administração Pública nos contratos de PPP garantidos pelo FGP serão liberadas as garantias constituídas pari passu.
A constituição de garantias pelo FGP em projetos de PPP será sempre proporcional à participação do quotista que figure como poder concedente no respectivo projeto de PPP. Não é lícito a nenhum dos quotistas do FGP utilizar valor superior ao de sua participação no patrimônio do fundo para garantir suas obrigações em contratos de PPP.
Finalmente, é importante mencionar que há considerável flexibilidade, conferida pela legislação aplicável, para as formas de constituição de garantias pelo FGP. Isto ocorre, pois poderão ser utilizados os mecanismos previstos no artigo 18 da Lei nº 11.079/04 individualmente ou de forma combinada, bem como poderão ser utilizados outros mecanismos previstos no artigo 8º da Lei nº 11.079/04 conjuntamente com o FGP. O FGP poderá, inclusive, prestar garantia aos garantidores da União no caso de garantia de instituições financeiras, órgãos multilaterais ou sociedades seguradoras, conforme §2º do artigo 18 da Lei nº 11.079/04.
3.3 O Banco do Brasil como gestor do FGP
Conforme descrito acima, o Banco do Brasil, na qualidade de instituição financeira controlada pela União, atua como administrador, gestor e representante do FGP. Ao Banco do Brasil incumbe representar o FGP em qualquer relação jurídica, judicial ou extrajudicialmente, devendo sempre cumprir as determinações da assembleia geral de quotistas.
Na qualidade de administrador, gestor e representante do FGP, o Banco do Brasil assume todas as obrigações e responsabilidades previstas na Instrução CVM nº 426/2005 e, subsidiariamente e na medida em que aplicáveis, nas Instruções CVM nºs 306/99, 391/2003 e 409/2004. O Banco do Brasil responde por todos e quaisquer atos cometidos de forma contrária à legislação aplicá vel, ao regulamento do FGP, às normas e deter minações da CVM e às decisões da assembleia geral de quotistas, tal como o administrador de qualquer outra espécie de fundo de investimento.
4 Empresas estatais garantidoras
Em âmbito estadual, o modelo utilizado vem sendo o de empresas estatais garantidoras de projetos de PPP, ao invés do modelo de fundo garantidor adotado pela União Federal. É de se mencionar, inclusive, que o modelo de empresa estatal garantidora antecede o modelo de fundo garantidor,
visto que, como já mencionado, a legislação de determinados Estados (notadamente o Estado de São Paulo) previu a criação de empresas estatais garantidoras anteriormente à edição da Lei nº 11.079/04.
O sistema de funcionamento das empresas estatais garantidoras de projetos de PPP é bastante assemelhado ao sistema de funcionamento do FGP. Vale dizer, as empresas estatais garantidoras das PPP exercem funções muito semelhantes às funções desempenhadas pelo FGP descritas acima, quais sejam, prestar garantias nos contratos de PPP. As formas de prestação de garantia pelas empresas estatais garantidoras são as mesmas aplicáveis ao FGP, conforme mencionadas no item anterior.
Consoante se deixará assentado definitivamente ao diante, devemos repisar que o objetivo de se utilizar empresas estatais ou fundo garantidor (desde que se trate de fundo com natureza condominial, tal como o FGP) é o de evitar que eventual processo de execução desemboque no regime de precatórios, preconizado no artigo 100 da Constituição Federal. A razão para tanto é absolutamente simples: sendo as empresas estatais e o fundo garantidor entidades de direito privado, não se lhes aplica o disposto no artigo 100 da Constituição Federal, recaindo eventual execução diretamente sobre o patrimônio da empresa estatal ou do fundo garantidores.36
É importante consignar que as empresas estatais apresentam, além das questões formais de constituição e funcionamento, uma significativa distinção em face do FGP: as empresas estatais podem atuar também como entidades especializadas do Poder Público no processo de formulação de um projeto de PPP, além de ser a entidade garantidora. Isso é o que ocorre, por exemplo, no Estado de Santa Catarina, onde a legislação local de PPP conferiu à SC Parcerias (empresa estatal de PPP) a competência para participar do processo de formulação de projetos de PPP, além da constituição de garantias, conforme necessário.
Por fim, necessário repisar que, nos termos do inciso XIX do artigo 37 da Constituição Federal, a constituição de empresas estatais depende de prévia autorização legislativa. Desta forma, para que se possa constituir uma empresa estatal garantidora de projetos de PPP, será necessária prévia autorização legislativa, que deverá estabelecer o objeto social e os campos de atuação da entidade a ser constituída.
4.1 Fundo Garantidor Estadual ou Municipal
Conforme expusemos anteriormente, o modelo adotado pela União Federal para a constituição de garantias em projetos de PPP contemplou a constituição de fundo de investimento sui generis, ao passo que o modelo adotado pelos Estados vem contemplado, em sua maioria, a constituição de empresas estatais garantidoras, ao invés de fundos. Ao lume de tal fato, colocase a questão da aceitabilidade de constituição de fundos de investimentos sui generis pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios para a garantia de suas obrigações previstas em contratos de PPP, em modelo idêntico ou materialmente semelhante ao modelo adotado pela União Federal.
É bem verdade que o inciso V do artigo 8º da Lei nº 11.079/04 faculta a todos os entes federativos a constituição de fundo garantidor, o que pode levar ao entendimento de que Estados, Distrito Federal e Municípios poderiam consti tuir fundos assemelhados ao FGP para garantir suas
obrigações em contratos de PPP.
Todavia, em consonância com o exposto no tópico 3 acima, o FGP tem regime absoluta mente próprio, decorrente em parte da própria Lei nº 11.079/04, em capítulo próprio aplicável apenas à União Federal, e parte de regulamentação específica editada pela CVM (Instrução nº 426/2004 e, subsidiariamente, demais instruções aplicáveis a fundos de investimento e carteiras de valores mobiliários).
O FGP apresenta determinadas peculiaridades que o distinguem das demais espécies de fundos de investimento existentes no Direito brasileiro, as quais contam com autorização legislativa principalmente contidas nos artigos 16 e 18 da Lei nº 11.079/04 e autorização regulamentar específicas Instrução CVM nº 426/2004. Para que houvesse a constituição de fundo com finalidade idêntica à do FGP em âmbito estadual, distrital ou municipal, seria necessária a existên cia de autorização legislativa semelhante para Estados, Distrito Federal e Municípios, o que não há na Lei nº 11.079/04.
Na ausência de autorização legislativa prevista na Lei nº 11.079/04, é necessário perquirir se haveria competência legislativa para que Estados, Distrito Federal e Municípios pudessem criar fundos assemelhados ao FGP. A nosso entender, tal autorização não existe, uma vez que à União Federal compete privativamente legislar sobre Direito Comercial, nos termos do inciso I do artigo 22 da Constituição Federal.
Muito embora possa haver certa controvérsia, entendemos ser clara a inclusão da matéria de fundos de investimento no campo do Direito Comercial, visto que se trata de tema afeto à realização de operações financeiras comerciais. Destarte, não poderiam Estados, Distrito Federal e Municípios entrar em campo de competência privativa da União Federal e criar fundo de inves timento sui generis, com regime próprio, tal como fez a Lei nº 11.079/04 com relação ao FGP.
Ratificando o anteriormente discorrido, a competência legislativa da União Federal no tema dos fundos de investimentos foi transferida, por meio de processo de deslegalização37 contemplado na Lei nº 6.385/76, para a Comissão de Valores Mobiliários, à qual incumbe, em última instância, criar e regulamentar as diferentes espécies de fundos de investimento no Direito brasileiro.
Nesta senda, a constituição de fundo nos moldes do FGP em âmbito estadual, distrital ou municipal demandaria a existência de autorização legislativa específica, bem como a regulamentação, por parte da CVM, de categoria específica de fundo de investimento ou carteira de valores mobiliários autorizados a realizar as operações afetas a um fundo garantidor.
A necessária autorização legislativa específica poderá ser contemplada em lei estadual, distrital ou municipal. Não é necessária, a nosso ver, autorização legislativa federal, visto que, no caso sub examine, o que deve ser autorizado por lei é a versão de patrimônio de entidade pública em outra entidade para a realização de uma determinada atividade específica, em respeito ao disposto nos incisos XIX e XX do artigo 37 da Cons tituição Federal. As autorizações legislativas contempladas nos artigos 16 e seguintes da Lei nº 11.079/04 não se referem a matérias incluídas em competência privativa da União Federal, mas sim referemse a autorizações para a disposição de bens públicos.
Apenas no que concerne à criação de fundo de investimento sui generis, dotado de autorização
regulamentar para outorgar garantias fidejussórias ou para constituir garantias reais sobre seu patrimônio no interesse exclusivo do quotista, é que será necessário edição de norma federal, por ser matéria inclusa no rol de competências legislativas privativas da União Federal (competência para legislar sobre Direito Comercial, conforme inciso I do artigo 22 da Carta Política).
Sendo assim, entendemos que, de lege lata, não é possível a constituição, por Estados, Distrito Federal e Municípios, de fundo de investimento para a garantia de projetos de PPP, em modelo semelhante ao adotado pela União Federal, com relação ao FGP. No que concerne ao inciso V do artigo 8º da Lei nº 11.079/04, podem Estados, Distrito Federal e Municípios optar por constituir empresa estatal garantidora, ou uma das modalidades de fundo de investimento atualmente existentes, sendo que no último caso a garantia seria representada pelas quotas do fundo e não pelo patrimônio do fundo, tal como ocorre com o FGP.
5 A exigibilidade das garantias prestadas
Vistas as formas legalmente admitidas para a constituição de garantias em favor do parceiro privado, ainda será necessária uma análise, ainda que breve, do momento a partir do qual as garantias constituídas serão exigíveis e das consequências da execução das garantias prestadas em favor do parceiro privado em um projeto de PPP.
Preliminarmente, é imperioso ressaltar que esta é uma matéria que deverá ser disciplinada no respectivo contrato de concessão (patrocinada ou administrativa), nos termos do inciso VI do artigo 5º da Lei nº 11.079/04. Com isso queremos dizer que há considerável margem de flexibilidade para a fixação dos eventos de inadimplemento da Administração Pública, dos períodos de cura e dos elementos e fatos ensejadores da execução das garantias, conforme melhor convier de acordo com a estruturação do projeto e sempre tendose em vista que o exercício dos direitos do parceiro privado é uma faculdade que a lei lhe confere de forma potestativa.
Como bem adverte Xxxxxxxxx Xxxxx, é necessário, preliminarmente, distinguir mora de inadimplemento, embora ambas sejam casos de descumprimento de obrigações. Afirma o autor "haverá mora, no caso em que a obrigação não tenha sido cumprida no lugar, no tempo, ou na forma convencionados, subsistindo, em todo caso, a possibilidade de cumprimento". De outro turno, ainda em consonância com as lições do autor, haverá o inadimplemento, total ou parcial, quando a obrigação não puder mais ser cumprida, em razão do perecimento de seu objeto.38
Em vista disso, devese verificar se poderá o parceiro privado partir para a execução das garantias oferecidas pelo parceiro público somente no caso de inadimplemento, ou se poderá haver a execução no caso simples de mora. Ainda na mesma esteira, é necessário aferir qual seria a consequência da execução das garantias prestadas em contratos de PPP em um e outro casos.
Em primeiro lugar, é necessário advertir que o §4º do artigo 18 da Lei nº 11.079/04 estabe lece o prazo de 45 dias contados do vencimento de crédito líquido e certo e aceito pelo parceiro público para que o parceiro privado possa acionar as garantias prestadas pelo FGP. Na mesma toada, poderá o parceiro privado demandar o FGP com relação a débitos constantes de faturas não apro vadas dentro de 90 dias de seu vencimento, desde que não tenha ocorrido sua expressa rejeição (§5º do artigo 18 da Lei nº 11.079/04).
Devese advertir, em primeiro lugar, que os dispositivos mencionados acima referemse apenas às garantias prestadas pelo FGP e não aos demais sistemas de garantia previstos na Lei nº 11.079/04
via de consequência, referemse apenas à União Federal. Ademais, é silente a Lei nº 11.079/04 quanto às consequências da execução das garantias prestadas, exceto quanto ao direito de sub rogação do FGP nos direitos do parceiro privado (§6º do artigo 18 da Lei nº 11.079/04).
Demais disso, segundo entendemos, na maior parte dos casos, haverá apenas a mora no cum primento das obrigações do parceiro público, visto que suas obrigações garantidas recairão sobre pagamentos pecuniários, que tendem a não perecer, podendo ser feitos de forma distinta da avençada, mas, ainda assim, poderão ser feitos. O inadimplemento efetivo somente haverá em casos extremos, nos quais, ainda que possa ser feita a entrega dos valores avençados, não haverá mais utilidade prática em fazêlo (por exemplo, porque o parceiro privado já terá tido suas obri gações financeiras antecipadamente vencidas, prejudicando consideravelmente o projeto).
Nesta senda, poderá o parceiro privado, respeitados os períodos de cura estabelecidos no respectivo contrato de concessão e na lei, proceder à execução das garantias prestadas pelo parceiro público em caso de simples mora, não sendo necessário o efetivo inadimplemento (o que é expressamente corroborado pelos §§4º e 5º do artigo 18 da Lei nº 11.079/04). A razão para esse posicionamento decorre da razão de existência do sistema de garantias e das consequências da mora do parceiro público sobre o parceiro privado.
A ratio legis do sistema de garantias das PPP é, a nosso ver, conferir ao parceiro privado a cer teza de que os valores a ele devidos serão pagos, mesmo no caso de haver algum imprevisto durante a execução do contrato, sem que reste prejudicada tal execução. Buscase assegurar a execução per feita do contrato, mitigandose o risco de crédito do parceiro público e preservandose a realização do objeto contratual. Não se trata apenas de garantir os pagamentos devidos ao concessionário pri vado após o término completo do projeto. Esta garantia a própria Constituição Federal, em seu artigo 100, confere com o mecanismo de precatórios.39
Demais disso, é importante mencionar que a lógica das PPP estruturada na Lei nº 11.079/04 parte do pressuposto absolutamente real de que o parceiro privado buscará financiamento externo para cumprir suas obrigações de investimento decorrentes do contrato de concessão. No caso de mora no adimplemento das obrigações pecuniárias do parceiro público, a capacidade do parceiro privado de adimplir suas obrigações para com seus financiadores também restará, por consequência, seriamente abalada, pondo em risco a continuidade do projeto.
Portanto, se fosse necessário o efetivo inadimplemento do parceiro público para que seja possível procederse à execução das garantias por ele prestadas, poderseia chegar a uma situação de término do contrato de concessão em razão da incapacidade do parceiro privado de cumprir suas obrigações por conta dos sérios desequilí brios econômicofinanceiros sofridos em decorrência da mora do parceiro público, que poderão desembocar no vencimento antecipado de suas obrigações financeiras, sem que as garantias fossem executadas, despindoas de qualquer utilidade prática.
Na esteira das considerações precedentes, entendemos que o parceiro privado poderá proceder à execução das garantias prestadas na hipótese de ocorrência de simples mora no cumprimento das obrigações do parceiro público, não sendo necessário o efetivo inadimplemento. Por conta disso, a execução das garantias não acarretará, necessariamente, o encerramento do contrato de con
cessão, podendo este ser mantido em vigência após a satisfação dos direitos do parceiro privado, desde que haja condições para tanto.
Evidentemente, para que seja possível a continuidade do contrato de concessão após a execução das garantias, é necessário que ainda haja garantia existente em favor do parceiro privado ou que tenha havido o oferecimento de garantias que possam ser reconstituídas pelo parceiro público em valores e qualidade equivalentes às originalmente existentes após a execução (por exemplo, oferecimento de outros bens em garantia ou recomposição das garantias fidejussórias outorgadas).
Nesta toada, entendemos que (i) no caso de execução das garantias em decorrência de mora do parceiro público, a extinção do contrato de concessão não será automática, dependendo da efetiva impossibilidade de continuidade da execução contratual e (ii) no caso de execução das garantias em decorrência de inadimplemento das obrigações do parceiro público, haverá necessariamente a extinção do contrato de concessão, em razão do perecimento de seu objeto. No entanto, a execução decorrente de inadimplemento é caso extremo no qual todos os possíveis mecanismos de cura já foram ultrapassados e não há mais condições de continuidade da vigência do contrato de concessão.
Finalmente, é importante advertir que a execução das garantias poderá ocorrer em outras hipóteses, além daquelas previstas no contrato de concessão, em função do regime legal aplicável a cada forma de garantia. É o que ocorre, por exemplo, no caso de garantias constituídas na forma de penhor e hipoteca de acordo com o disposto no artigo 1.425 do Código Civil brasileiro.
6 A questão da constitucionalidade do sistema de garantias
Desde a edição da Lei nº 11.079/04, vem a doutrina debatendo sobre uma série de questões relacionadas à constitucionalidade do sistema de garantias criado para as PPP. Este cenário é abso lutamente comum em qualquer situação de mudança, uma vez que os operadores do Direito veem se obrigados a lidar com novas realidades e novos paradigmas. E, no caso específico das PPP, as discussões são ainda maiores, uma vez que há mudanças que têm impacto direto sobre a concepção de Estado e de suas funções tida por ideal por alguns e, em conformidade com o que expusemos na introdução a este estudo, há uma mudança significativa nos paradigmas do Direito Administrativo em face dos dogmas historicamente reconhecidos (mais uma vertente da desverticalização da relação Administração Pública/particulares).
Dentre as diversas questões que foram e vêm sendo suscitadas na doutrina pátria, entendemos que duas são mais relevantes e, portanto, demandam análise com maior detença, quais sejam: a questão da constitucionalidade formal do sistema de garantias visàvis o disposto no inciso III do artigo 163 da Constituição Federal e a questão da constitucionalidade material do sistema de garantias ao lume do disposto no artigo 100 da Constituição Federal. Essas duas questões cons tituirão o objeto de nossa análise neste tópico.
6.1 Constitucionalidade formal
Com relação à constitucionalidade formal do sistema de garantias, há aqueles que argumentam que tal sistema seria inconstitucional, uma vez que o inciso III do artigo 163 da Constituição Federal exige tratamento por meio de lei complementar da prestação de garantias pelas entidades
públicas e a Lei nº 11.079/04 é lei ordinária, desrespeitando, segundo entendimento desta parcela da doutrina, as exigências constitucionais para a matéria.
Segundo nosso entendimento, não há inconstitucionalidade de natureza formal nos dispositivos da Lei nº 11.079/04 que versam sobre os mecanismos de constituição de garantias em contratos de PPP, uma vez que a espécie de garan tia regulada pelo inciso III do artigo 163 da Constituição Federal não é a mesma espécie de garantia criada pela Lei nº 11.079/04. Não obstante serem as garantias previstas para o caso específico das PPP garantias de natureza financeira, as garantias para as quais há exigência constitucional de lei complementar são as garantias constituídas em operações de crédito, de natureza financeira, matéria distinta das PPP.
Qualquer tentativa de interpretação da Constituição Federal deve levar em consideração não apenas os dizeres literais de determinado dispositivo, mas também o contexto em que se insere e os objetivos a que visa alcançar. O artigo 163 da Constituição Federal parecenos bastante claro como dispositivo que disciplina finanças públicas e endividamento público, com o objetivo de asse gurar o equilíbrio fiscal da Administração Pública no Brasil.
Ao versar sobre "a concessão de garantias pelas entidades públicas", referese o inciso III do artigo 163 da Constituição Federal às garantias concedidas em operações de crédito, ou seja, em ope rações que envolvem a contratação de dívida pela Administração Pública, tendo impacto sobre as metas de equilíbrio fiscal. É dizer, as garantias mencionadas no artigo 163 referemse, a nosso ver, àquelas garantias fidejussórias prestadas pelas enti dades públicas em operações de crédito, sobretudo àquelas que importem em garantia soberana da União Federal a operações contratadas por entidades a ela vinculadas ou por Estados e Municípios.40
Em que pese estarem as garantias mencionadas na Lei nº 11.079/04 insertas no campo das finanças públicas, não são garantias relacionadas a operações financeiras, nem garantias com impacto direto sobre as metas de equilíbrio fiscal. PPP não é operação de crédito. O objetivo das garantias prestadas em projetos de PPP não tem como objetivo único a mitigação do risco de crédito das entidades públicas, mas também tem como objetivo mitigar o risco político presente nos contratos de concessão, considerandose que tais contratos têm longuíssima duração. A mitigação de risco político é matéria que, irrefutavelmente, foge ao tema do puro Direito Financeiro.
Inserir projetos de PPP no mesmo campo das operações de crédito das entidades públicas importa em gravíssimo erro conceitual da matéria. PPP é uma conjugação de esforços entre Poder Público e iniciativa privada com vistas à realização de investimentos necessários ao atendimento ao interesse público. Não se trata de operação de financiamento, mas tratase de tentativa de conjugação de esforços para que Poder Público e particulares aproveitem suas melhores características no desenvolvimento de empreendimentos de interesse público.
Desta forma, interpretar um dispositivo constitucional que nitidamente referese ao equilíbrio fiscal das contas públicas e aos critérios e limites de endividamento das entidades públicas como abarcador das garantias prestadas no âmbito dos contratos de PPP significa incluir as PPP exclusivamente no campo das operações de crédito, equiparandoas, o que, a nosso ver, não parece a melhor forma de interpretação à aplicação do texto constitucional.
Adicionalmente, é interessante trazer à baila o argumento apresentado por Xxxxxxx Xxxxxxxxx acerca da constitucionalidade do sistema de garantias das PPP. Segundo o autor, o sistema de
garantias previsto na Lei nº 11.079/04 seria uma espécie de regulamento do artigo 32 da Lei Complementar nº 101/2000. Portanto, o requisito constitucional de lei complementar teria restado atendido com a Lei Complementar nº 101/2000, podendo eventuais regulamentos a tal lei serem editados por meio de lei ordinária.41
A nosso ver, o argumento é interessante e válido, mas, para sua aceitação, devese enten der que o sistema de garantias das PPP está relacionado às garantias em operações de crédito, do que discordamos. De toda forma, ainda que se entenda que as garantias previstas na Lei nº 11.079/04 pertencem à mesma espécie das garantias previstas no inciso III do artigo 163 da Constituição Federal, é possível entenderse que o requisito de lei complementar foi devidamente satisfeito com a edição da Lei Complementar nº 101/2000.
Finalmente, devese mencionar que o mesmo autor ainda apresenta como argumento pela cons titucionalidade do sistema de garantias o entendimento segundo o qual o inciso III do artigo 163 da Constituição Federal não se aplicaria às garantias constituídas em projetos de PPP, por serem estas constituídas por entidade de Direito privado (FGP).42 Entretanto, não concordamos com tal entendimento, pois, em consonância com o exposto acima, poderá haver a constituição de garan tias também por entidades públicas. O FGP é apenas um dos veículos para a constituição de garantias, mas não o único.
6.2 Constitucionalidade material (artigo 100)
O segundo ponto comumente levantado pela doutrina para pôr em discussão a constitucionalidade do sistema de garantias das PPP referese a uma possível violação ao disposto no artigo 100 da Constituição Federal, na medida em que o sistema de garantias das PPP poderia ser interpretado como uma burla ao sistema de precatórios insculpido em referido dispositivo constitucional.
Dentre os diversos juspublicistas que suscitam a inconstitucionalidade do sistema de garantias das PPP, merece menção a posição de Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx, segundo a qual a instituição de tal sistema estaria a "produzir burla ao sistema de satisfação dos créditos insolutos contra o Poder Público, estabelecido no art. 100, e a incidir na violação aos princípios da igualdade, impessoalidade e moralidade administrativas".43
Permissa maxima venia, ousamos discordar. Novamente, somos da opinião de que não há qualquer forma de inconstitucionalidade na forma de constituição de garantias para os projetos de PPP, tanto na hipótese de constituição de garantias diretamente pelas entidades públicas quanto na hipótese de constituição de garantias por entidades de Direito Privado.
No que concerne às garantias constituídas por entidades de Direito privado, a questão é bastante simples. Por força de expresso comando constitucional, o regime de precatórios apenas se aplica às entidades integrantes das administrações direta e autárquica, não se aplicando às entidades de Direito privado controladas pelo Poder Público. Destarte, qualquer obrigação assumida por qualquer de tais entidades de Direito privado não estará sujeita ao regime de precatórios, mas sim estará sujeita ao regime de execução patrimonial ordinário, não havendo nada de inconstitucional nisso.
A este respeito, insta trazer à colação o entendimento de Xxxxxx Xxx Xxxxxxxx sobre o tema.
Segundo o autor:
O oferecimento de garantia pelo FGP que, não sendo por ele honrada, levará a uma execução nos moldes privados em nada se choca com o disposto no art. 100 da CF, que submete ao regime de precatório a execução de débitos das pessoas de direito público. A execução contra o FGP será privada, porque privada é sua personalidade e, portanto, privados são seus bens. São lícitas a desafetação e a transferência de bens do domínio público para o privado (isto é, para o patrimônio do FGP) justamente para permitir sua utilização como lastro real de garantias oferecidas, em regime privado, pelo FGP aos concessionários. Aliás, tais desafetação e transferência são justamente o que ocorre em toda criação de empresa estatal, que fica, como se sabe, sujeita ao regime privado, inclusive quanto à execução de suas dívidas. A medida de modo algum implica a criação, por via de lei, de um sistema de execução de débitos públicos paralelo ao disposto no art. 100 da CF. Isso é evidente: a execução contra o parceiro público seja movida pelo concessionário, seja pelo garantidor será sempre a do citado art. 100. O que se submete a outro regime é a execução do débito contraído por uma pessoa privada o FGP ao prestar contratualmente uma garantia de pagamento de débito público. Evidentemente, o uso dessa solução será circunscrito às possibilidades patrimoniais da empresa pública FGP, não podendo se genera lizar. Por isso, descabe falar em burla à norma constitucional.44
A questão se coloca de forma mais aguda, segundo entendemos, com relação à possibilidade de constituição, por meio de um dos mecanismos legalmente admitidos, de garantias diretamente por uma entidade pública (oneração de bens públicos, por exemplo). Seria tal procedimento uma afronta à isonomia consignada no artigo 100 da Constituição Federal?
A nosso ver, não há inconstitucionalidade na constituição de garantias diretamente por enti dades públicas em favor do parceiro privado em contratos de PPP. A igualdade entre os credores do Poder Público prevista no artigo 100 da Constituição Federal referese a credores que estejam na mesma situação, isto é, uma mesma categoria de credores detentores de títulos judiciais transitados em julgado em desfavor da Administração Pública.
Entretanto, se a lei permite que em determinados casos especiais, para a efetiva consecução do interesse público lembrese novamente: contratos de PPP são celebrados para satisfazer necessidades públicas, não caprichos da Administração Pública, ou interesses da Administra ção , seja criada uma categoria especial de credores, detentores de garantias especiais, não há que se falar em violação ao artigo 100, visto que não haverá distinção entre os credores sujeitos a tal dispositivo.
A segregação de credores entre distintas categorias é mecanismo usual no Direito privado do qual o Estado se beneficia, em defesa do interesse público. É sobre tal segregação que sempre foram construídas as leis de falência e insolvência no Brasil. Nesta senda, em vista do especial interesse público a ser protegido nos contratos de PPP (i.e., garantia de funcionamento adequado de instalações e serviços públicos), qual seria o problema em se criar uma categoria especial de credores?
O artigo 100 da Constituição Federal não determina, segundo nossa interpretação, que todos os credores da Administração Pública devam ser parte de uma única categoria. Em outras palavras,
não há impossibilidade jurídica, de ordem constitucional, para a segregação dos credores da Administração Pública em distintas categorias, excetuados os credores existentes em virtude de judiciária.
O que estabelece o artigo 100 é que aqueles credores que detêm títulos executivos judiciais transitados em julgado contra a Administração Pública não terão a satisfação de seus créditos em processo de execução patrimonial contra a Administração Pública, mas terão de submeterse a processo de pagamento por meio de precatório, respeitandose a isonomia entre os credores que se encontram na mesma situação.
Não se pode depreender de tal dispositivo que todos os credores devam pertencer a uma mesma espécie, mas sim que todos os credores pertencentes a uma mesma espécie devem ter exatamente o mesmo tratamento. Nesta toada, entendemos que poderá haver a criação de diferentes espécies de credores da Administração Pública, com tratamentos jurídicos distintos, devendo, em qualquer hipótese, o tratamento aos credores da mesma categoria ser idêntico. Não viola o Princípio da Isonomia a concessão de tratamentos jurídicos distintos a pessoas que se encontram em situações jurídicas distintas.45
Entender que a outorga de garantias em favor de determinados credores da Administração Pública, com expressa autorização legislativa, viola o artigo 100 da Constituição Federal, conforme entendemos, não é a melhor interpretação do Direito. Isto ocorre, pois credores dotados de garantias especiais sequer demandarão uma sentença judicial transitada em julgado para o exercício de seus direitos, fazendo com que sequer ocorra no mundo fático a hipótese de incidência de tal dispositivo constitucional.
Em consonância com o que expusemos acima, a execução de garantias sequer demanda a existência de ação judicial. Isto fica bastante claro nos casos em que haja a constituição de garantias, exempli gratia, por meio de penhor, visto que em tal caso a excussão da garantia constituída depende apenas (i) da existência de uma obrigação vencida e não paga e (ii) da observância dos procedimentos aplicáveis (venda pública, por exemplo).
Sendo assim, esposamos o entendimento segundo o qual a constituição de garantias em favor de particulares em projetos de PPP não ofende, de qualquer forma, o artigo 100 da Constituição Federal, seja porque, nos casos de execução patrimonial de entidades de Direito privado não haverá a incidência do artigo 100, seja porque a constituição de garantias em favor de particulares por entidades públicas apenas cria situação jurídica distinta para credores em situação distinta que não serão credores em virtude de sentença judiciária.
7 As garantias das PPP e o artigo 40 da Lei Complementar nº 101/2000
Um último ponto afigurasenos relevante para a conclusão da exposição do tema deste estudo, qual seja, a aplicabilidade do disposto na Lei Complementar nº 101/2000 sobretudo seu artigo 40
às garantias concedidas no âmbito de projetos de PPP.
Nos termos do inciso IV do artigo 29 da Lei Complementar nº 101/2000, garantia é definida como "compromisso de adimplência de obrigação financeira ou contratual assumida por ente da
Federação ou entidade a ele vinculada". Ademais, nos termos do artigo 40 do mesmo diploma legal, a concessão de garantia está condicionada à existência de limite de endividamento, de acordo com os limites legalmente estabelecidos.
A análise de tais dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal no caso em apreço traz à baila duas colocações: a primeira diz respeito ao campo de incidência das garantias regulamentadas pela Lei Complementar nº 101/2000 às garantias constituídas nos projetos de PPP e a segunda diz respeito às condições para a constituição de tais garantias.
Com relação à primeira colocação, é necessário mencionar que o inciso IV do artigo 29 da Lei Complementar nº 101/2000 não se aplica somente às garantias oferecidas no âmbito de operações de crédito (essencialmente financeiras), mas aplicase a todo e qualquer compromisso de adimplência de pagamento apresentado pela Administração Pública, em razão de expressa menção a uma obrigação contratual. Em virtude de tal aplicabilidade, a noção de garantia para fins da Lei de Responsabilidade Fiscal se estende também às garantias constituídas em projetos de PPP, na medida em que sejam compromissos de adimplência de obrigações contratuais.
Todavia, a aplicabilidade da Lei de Res ponsabilidade Fiscal às garantias dos projetos de PPP não se espraia a todo e qualquer caso, mas apenas e tão somente aos casos de constituição de garantias fidejussórias (notadamente nos casos de fianças). Nosso entendimento deriva do exato conteúdo do inciso IV do artigo 29 da Lei Complementar nº 101/2000. Ao mencionar "compromisso de adimplência", fica evidente que se trata de garantia fidejussória e não garantia real, visto que, no caso das garantias reais, a garantia não advém da pessoa do garantidor, mas do bem oferecido em garantia.
Nesta esteira, no que concerne à segunda colocação (condições para o oferecimento de garantia), não parece haver controvérsia quanto à necessidade de existência de limite de endividamento para a outorga de garantias fidejussórias, não sendo necessária a existência de tal limite no caso das garantias reais, até mesmo porque sequer será aplicável a Lei de Responsabilidade Fiscal ao caso.
Em virtude do exposto, entendemos que as garantias tratadas na Lei Complementar nº 101/2000 somente serão aplicáveis aos projetos de PPP no caso de garantias fidejussórias e não no caso de garantias reais, sendo decorrente, no primeiro caso, a necessidade de existência de atendimento aos limites legalmente impostos ao endividamento das entidades públicas para a constituição da respectiva garantia.
8 Conclusão
Procuramos, ao longo deste breve estudo, apresentar algumas considerações acerca do regime de garantias passível de ser constituído em favor de agentes privados em projetos de PPP. Todavia, na tentativa de expor nossas concepções, fizemolo de forma a procurar romper barreiras históricas entre a estanque distinção entre Direito público e Direito privado.
O tema das PPP é um tema contemporâneo, que marca, de forma incontestável, uma alteração do Estado e de sua forma de agir. O Estado se aproxima dos particulares, na medida em que tem que com eles desenvolver efetivas parcerias para a consecução dos objetivos públicos, e os particulares se aproximam do Estado, na medida em que também passam a ser responsáveis pela consecução
do interesse público.
Em vista disso, qualquer tema relacionado às PPP deve partir sempre do pressuposto do fim do paradigma da atuação verticalizada e autoritária do Estado. A consequência imediata do fim desse paradigma é também o rompimento das barreiras estanques que segregam o Direito da Administração Pública e o Direito dos particulares.
Perde o sentido alegar que este ou aquele instituto jurídico é típico do Direito privado ou do Direito público. Há inegável tendência de adoção de instrumentos privados pela Administração Pública e somente com a efetivação desta tendência é que se poderá ter projetos sérios e sólidos no campo da PPP. Conquanto sejam atendidos os direitos e as garantias fundamentais dos cidadãos e sejam realizados legalmente tendo o termo legalmente função ampla, incluindo todo o Direito, que é uno e indivisível os fins do Estado, de acordo com os cânones da Constituição Federal, não há o que se questionar, há apenas de se aplicar a lei aplicável.
Trazendo à baila lição da doutrina italiana, uma "conseqüência desta tendência é a perda da importância da própria natureza jurídica pública ou privada; ao seu turno, adquirem relevo regras mais substanciais, como aquelas relativas à acessibilidade [à coisa pública], à imparcialidade etc."46
* Texto originalmente elaborado para publicação na obra coletiva Estudos sobre a Lei das Parcerias PúblicoPrivadas, coordenada por Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxx e Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxx (Belo Horizonte: Fórum, 2011. No prelo).
1 Sobre o tema, confirase: XXXXXX, Caio. O retorno do pêndulo: serviço público e empresa privada, o exemplo brasileiro. In: XXXXXX, Xxxx. Temas de direito público: estudos e pareceres. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. v. 1, p. 721 et seq.
2 Sobre a questão da relação entre serviços públicos e PPP, confirase: SCHIRATO, Xxxxx Xxxxx. A noção de serviço público nas parcerias públicoprivadas. Revista de Direito Público da Economia RDPE, Belo Horizonte, ano 5, n. 20, p. 219235, out./dez. 2007.
3 Sobre a questão, confirase: XXXXXXX XXXX, Xxxxxxxx xx Xxxxxxx. Concessão de serviço público em ônus para o usuário. In: XXXXXX XXXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Direito público: estudos em homenagem ao Professor Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx. Belo Horizonte: Xxx Xxx, 2004. p. 340 et seq.
4 A falta de uma estrutura de garantias sólida que mitigasse o risco de crédito do Estado era, até a edição da Lei nº 11.079/2004, o maior óbice à realização de concessões de serviços públicos que demandassem subsídios (contrapartidas) por parte do Estado sob a égide da Lei nº 8.8987/95.
5 Sobre uma abordagem mais tradicional do tema, confirase: XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx de.
Curso de direito administrativo. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 860 et seq.
6 Sobre o tema, confirase: XXXXXXX XXXX. O regime jurídico das utilidades públicas: função
social e exploração econômica dos bens públicos. Tese (Livre docência) Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. f. 228 et seq. Mimeografado.
7 Podese entender como afetação: "a consagração do bem a uma utilização concernente a uma atividade pública". Cf. XXXXXXX XXXX, Xxxxxxxx xx Xxxxxxx. O regime jurídico das utilidades públicas: função social e exploração econômica dos bens públicos, p. 135.
8 É importante mencionar que a destinação dos recursos públicos deverá sempre ser realizada em consonância com a lei orçamentária vigente, nos termos do artigo 167 da Constituição Federal.
9 É importante mencionar que, nos termos do artigo 11 da Lei nº 4.320/64, as receitas públicas são classificadas como receitas correntes (tributos e demais receitas assim qualificadas pela Lei nº 4.320/64) ou receitas de capital (receitas decorrentes de operações financeiras, realização de patrimônio e outras).
10 Dispõe referido dispositivo (in verbis): "Art. 167. São vedados: (...) IV a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para a manutenção e desenvolvimento do ensino e para a realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, §2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, §8º, bem como disposto no §4º deste artigo."
11 Muito embora não seja o foco de nosso estudo, neste ponto, imperiosa é a menção à classificação dos tributos apresentada por Xxxxxxx Xxxxxxx, segundo a qual os tributos são vinculados ou não vinculados, sendo o regime jurídico de cada qual absolutamente distinto e a distinção de tal regime jurídico diretamente aplicável à análise da possibilidade ou impossibilidade de vinculação pela via legislativa (In: Hipótese de incidência tributária. 6. ed. 2. tir. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 123 et seq.).
12 Cf. XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxx; XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Comentários à Lei de PPP. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 219 et seq.
13 Evidentemente, essa regra não se aplica no caso de empresas estatais e fundações controladas pelo Poder Público, como se verá ao diante.
14 Cf. RIBEIRO; PRADO. Comentários..., op. cit., p. 225.
15 Fundos contábeis são definidos pelo artigo 71 da Lei nº 4.320/64 como (in verbis): "o produto de receitas especificadas que por lei se vinculam à realização de determinados objetivos ou serviços, facultada a adoção de normas peculiares de aplicação".
16 No âmbito da Lei nº 8.666/93, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx define o segurogarantia como "contrato firmado entre o particular contratado e instituição seguradora, pelo qual esta última compromete se a arcar com o risco de eventos danosos, relativos à inexecução da prestação devida à Administração Pública" (In: Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 8. ed. São Paulo: Dialética, 2002. p. 516).
17 É importante advertir neste ponto que a noção de controle não abrange apenas controle acionário direto, mas também o controle indireto e a existência de instituições sob controle comum da mesma pessoa.
18 É importante mencionar que a existência de fiança de organismos internacionais não elide completamente todos os riscos decorrentes do projeto, mas apenas o risco de solvência do parceiro público, na medida em que garantidos pelo instrumento de fiança. Outros riscos tais como o risco de performance do parceiro privado, o risco de construção, o risco de demanda, entre outros permanecerão existindo e serão mensurados no momento da definição dos termos e condições do financiamento a ser concedido ao parceiro privado.
19 Neste sentido, confirase, entre outros: XXXXXXXX, Xxxxxxxxxx xx Xxxxxx. Curso de direito civil. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. v. 5, p. 363; e XXXXXXXXX, Xxxxxxx. Dos contratos nominados no direito civil brasileiro. Campinas: Bookseller, 2002. p. 604.
20 Sobre o tema da vinculação negativa e da vinculação positiva, confirase: XXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Administración pública, actividad reglada, discricional y técnica: nuevos mecanismos de control judicial. 2. ed. Buenos Aires: Lexis Nexis Depalma, 2004. p. 21 et seq.
21 MENDONÇA, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx xx. Contratos no direito civil brasileiro. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1957. p. 408.
22 XXXXXXXXX, Xxxxxx. Direito das coisas. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1956. v. 2, p. 42.
23 Sobre o tema, confirase: XXXXXXX, Xxxx. Contratos e obrigações comerciais. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 331 et seq.
24 Idem, p. 333.
25 No Direito brasileiro, um bem poderá ser classificado como público caso pertença a uma pessoa jurídica de Direito público (critério subjetivo, adotado pelo Código Civil) ou caso seja destinado a uma utilidade pública, independentemente de seu proprietário (critério objetivo, tradicionalmente empregado pela doutrina do Direito Administrativo). sobre o tema, confirase: XXXXXXX XXXX, Xxxxxxxx xx Xxxxxxx. O regime jurídico das utilidades públicas: função social e exploração econômica dos bens públicos, p. 114 et seq.
26 Exatamente sobre esta questão, afirma Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxx: "temos conosco que ao menos nas hipóteses em que a lei reservar um conjunto de bens dominicais, consagrandoos às finalidades de servir como garantia real a operações de crédito (por exemplo, parcerias público privadas regidas pela Lei nº 11.079/2004), não se poderá falar em não onerabilidade dos bens públicos, traço característico a nosso ver não aplicável a todos os bens públicos" (O regime jurídico das utilidades públicas: função social e exploração econômica dos bens públicos, p. 355).
27 BEVILAQUA. Direito das coisas, op. cit., p. 105.
28 Muito embora com relação ao penhor também seja possível, em princípio, cogitarse da
29 Como bem observam Xxxxx Xxxxxxxx Xxxx e Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx: "a alienação fiduciária é efetivamente uma espécie do gênero negócio fiduciário, guardando os traços comuns deste. O devedor aliena a coisa sob a condição suspensiva de retorno ipso iure do domínio, mediante o pagamento da dívida assim garantida. E o credor investese no domínio da coisa alienada em garantia fiduciária, sob condição resolutiva" (Garantia fiduciária. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 313, grifos do autor).
30 Devese mencionar que, nos termos do inciso I do artigo 2º da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, empresas públicas e sociedades de economia mista estão ex vi legis excluídas do processo de falência.
31 XXXXX, Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxx. Curso de direito civil. 5. ed. Rio de Janeiro: Xxxxxxx Xxxxxx, 2001. v. 6, p. 351.
32 Neste particular discordamos de Xxxxxxxx Xxxxxxx Portugal e Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx, que entendem (i) não ter o FGP natureza jurídica de fundo de investimento e (ii) ter o FGP personalidade jurídica própria, que seria assemalhada à natureza das sociedades empresárias limitadas, sendo uma espécie de sociedade sui generis. Cf. Comentários, op. cit., p. 347 et seq. Por outro lado, Xxxxxxxxx Xxxxxx de Aragão considera que o FGP tem a natureza de uma espécie de patrimônio de afetação, não tendo, por consequência, natureza jurídica, o que se aproxima de nosso entendimento aqui esposado, apesar de não ser com ele coincidente. Cf. XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de. As parcerias públicoprivadas: PPP's no direito positivo brasileiro. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 240, p. 130, abr./jun. 2005.
33 Nos termos do Regulamento e do Estatuto do FGP, aprovado por seus quotistas, o Banco do Brasil S.A. foi nomeado gestor e administrador, assumindo todas as responsabilidades previstas na legislação aplicável aos administradores de fundos de investimentos e carteiras de valores mobiliários.
34 Segundo entendemos, é descabida qualquer discussão acerca da necessidade de lei complementar para a disciplina do FGP, com fundamento no inciso II do §9º do artigo 165 da Constituição Federal. A razão de nosso entendimento é o fato de a matéria que constitucionalmente exige lei complementar estar tratada em lei complementar (artigo 71 da Lei nº 4.320/64, recepcionada como lei complementar pela Constituição Federal de 1988) e o fato de o FGP não ser a espécie de fundo prevista em referido dispositivo da Constituição Federal. O FGP é uma espécie de fundo que muito mais se assemelha a uma empresa do que a um fundo contábil, conforme já apontado neste estudo. Sobre o tema, confirase: XXXXXXXX, Xxxx. Legislação de parceria públicoprivada no Brasil: aspectos fiscais desse novo modelo de contratação. In: XXXXXXXX, Xxxxxx Xxx. (Coord.). Parcerias públicoprivadas. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 102 et seq.
35 É importante mencionar que fundos de investimento não encontram seu regramento jurídico contemplado em lei de caráter formal, mas apenas em regulamentos infralegais expedidos pela CVM, em consonância com suas competências arroladas na Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976. Sobre o tema, confirase: XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxx. A regulação brasileira do mercado de capitais: restrição da autonomia privada para a satisfação do interesse público. Revista de Direito Público da Economia RDPE, Belo Horizonte, ano 4, n. 16, p. 183220, out./dez. 2006.
36 Sobre esta questão, é interessante mencionar que uma das discussões mais relevantes ocorridas no processo legislativo do marco legal das PPP referiuse exatamente à mitigação do risco de crédito do Poder Público ao mesmo tempo que fosse criado sistema cuja execução fosse célere, não sujeita ao sistema de precatórios. No desembocar dessas discussões, optouse por transferir a entidades de Direito privado o ônus de garantir, com ativos líquidos e de fácil excussão, as obrigações oriundas de contratos de PPP, visto que tais entidades ex vi o próprio artigo 100 da Constituição Federal não se encontram sujeitas ao regime de precatórios.
37 Deslegalização, conforme definição emanada da doutrina italiana, pode ser definida como a "transferência da disciplina normativa de uma determinada matéria ou atividade da sede legislativa para a sede regulamentar" e tem lugar por conta da "exigência de descongestionar a atividade do órgão legislativo subtraindo desse uma série de matérias que, em razão de suas características, não devem ser incluídas na fase de elaboração de intensa mediação das mais diversas forças políticas". Cf. XXXXXXX, Xxxxxxxx. La delegificazione. 4a ed. Nápoles: Jovane, 2005. p. 55, 56, tradução nossa. Sobre o tema no Direito brasileiro, confirase: XXXXXXX XXXX, Xxxxx xx Xxxxxxxxxx. Direito regulatório. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 126.
38 XXXXX, Xxxxxxxxx. Da inexecução das obrigações e suas conseqüências. São Paulo: Saraiva, 1949. p. 15.
39 Neste sentido, é importante mencionar que nas concessões comuns haverá, em qualquer caso, o direito do concessionário privado receber valores do poder concedente, não sendo necessário, para tanto, qualquer mecanismo de garantia de pagamento em favor do concessionário. Isto ocorre, pois os artigos 36 e ss. da Lei nº 8.987/95 asseguram ao concessionário o direito a uma indenização calculada de acordo com a parcela dos investimentos ainda não amortizada quando do encerramento da concessão. Destarte, se o escopo das garantias nas PPP fosse apenas o de garantir o recebimento integral de todos os valores devidos pelo parceiro público ao fim e ao cabo do contrato de concessão após o inadimplemento das obrigações do parceiro público, não haveria necessidade alguma de mecanismos de garantia. Tal fato corrobora, a nosso ver, a natureza do sistema de garantia das PPP de instrumento de manutenção da execução adequada e contínua do contrato de concessão, mais do que apenas instrumento de garantia de recebimento dos valores após o encerramento do vínculo contratual.
40 A corroborar nosso entendimento, é importante mencionar que Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx entende que o inciso III do artigo 163 da Constituição Federal referese à "concessão de garantias da dívida pública" (In: Curso de direito constitucional positivo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 711).
41 BINENBOJM, Xxxxxxx. As parcerias públicoprivadas (PPPS) e a Constituição. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 241, p. 170, jul./set. 2005.
42 Idem, p. 171.
43 MELLO. Curso..., op. cit., p. 742.
44 XXXXXXXX, Xxxxxx Xxx. Guia jurídico das parcerias público-privadas. In: XXXXXXXX, Xxxxxx Xxx (Coord.). Parcerias públicoprivadas. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 43 et seq.
45 Acerca do entendimento de distinções jurídicas a pessoas em situações distintas e do verdadeiro substrato do Princípio da Igualdade, confira-se o magistral: XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1999.
46 XXXXXXX, Xxxxxx et al. Manuale de diritto pubblico. 3a ed. Milano: Giuffrè, 2005. Tradução nossa.
Como citar este conteúdo na versão digital:
Conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:
XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Os sistemas de garantia nas parcerias público-privadas. Fórum de Contratação e Gestão Pública FCGP, Belo Horizonte, ano 10, n. 109, jan. 2011. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxx/XXX0000.xxxx?xxxXxxxx00000>. Acesso em: 16 fev. 2014.
Como citar este conteúdo na versão impressa:
Conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto científico publicado em periódico impresso deve ser citado da seguinte forma:
XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Os sistemas de garantia nas parcerias público-privadas. Fórum de Contratação e Gestão Pública FCGP, Belo Horizonte, ano 10, n. 109, p. 29-55, jan. 2011.