ESCOLA DA MAGISTRATURA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO O CONTRATO DE GERAÇÃO DE FILHO NA COPARENTABILIDADE E OS LIMITES DA AUTONOMIA PRIVADA EM OPOSIÇÃO À PROTEÇÃO DA CRIANÇA
ESCOLA DA MAGISTRATURA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
O CONTRATO DE GERAÇÃO DE FILHO NA COPARENTABILIDADE E OS LIMITES DA AUTONOMIA PRIVADA EM OPOSIÇÃO À PROTEÇÃO DA CRIANÇA
Xxxxxxx Xxxxxxxx xxx Xxxxxx
Rio de Janeiro 2021
XXXXXXX XXXXXXXX XXX XXXXXX
O CONTRATO DE GERAÇÃO DE FILHO NA COPARENTABILIDADE E OS LIMITES DA AUTONOMIA PRIVADA EM OPOSIÇÃO À PROTEÇÃO DA CRIANÇA
Artigo científico apresentado como exigência de conclusão de Curso de Pós-Graduação Lato Sensu da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro.
Professores Orientadores: Xxxxxx X. X. Areal Nelson C. Tavares Junior Ubirajara da F. Neto
Rio de Janeiro 2021
O CONTRATO DE GERAÇÃO DE FILHO NA COPARENTABILIDADE E OS LIMITES DA AUTONOMIA PRIVADA EM OPOSIÇÃO À PROTEÇÃO DA CRIANÇA
Xxxxxxx Xxxxxxxx xxx Xxxxxx
Pós-Graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho. Advogada. Pós- Graduada em Educação. Graduada em História pela UFMG. Servidora pública do TRT1.
Resumo – As formas de constituição de famílias sofreram profundas transformações com o passar do tempo. A coparentalidade se apresentação como uma estrutura familiar cada vez mais comum na sociedade atual, de forma que se torna essencial discutir suas características e a forma como ela pode ser juridicamente formalizada. A essência do trabalho é verificar qual a relevância do contrato de geração de filhos na coparentalidade e discutir a necessidade ou não de uma homologação judicial.
Palavras-chave – Direito de família. Filiação. Coparentalidade. Contratos.
Sumário – Introdução. 1 Das transformações das formações familiares e o surgimento da coparentalidade. 2. Uma discussão acerca da eficácia e da validade do contrato de geração de filhos na coparentalidade. 3. A autonomia da vontade dos parceiros coparentais face as garantias da criança (previstas no ECA e na CRFB/88). Conclusão. Referências
INTRODUÇÃO
O presente artigo aborda o instituto da coparentalidade e o contrato de geração de filhos estabelecido entre os genitores e suas implicações do ponto de vista jurídico e social. Busca-se analisar os limites da atuação da autonomia privada dos genitores em oposição à garantia do melhor interesse da criança.
A Constituição Federal de 1988 reconheceu a igualdade entre cônjuge e filhos, a autonomia individual, pluralidade familiar e o afeto como fundamentos das relações familiares. Dentre as novas configurações de família da atualidade, a coparentalidade desponta como o instituto no qual duas pessoas, que não desejam o amor romântico entre si, se unem com o objetivo comum de exercer a maternidade e/ou a paternidade e planejam, desde a concepção, a divisão dos cuidados com a criança, numa relação de parentalidade responsável, que envolve cooperação, respeito, amizade e afeto.
O Direito, como ramo do conhecimento que se constrói e se molda a partir das mudanças da sociedade, não pode se privar a analisar a coparentalidade como fenômeno social com implicações jurídicas. Assim, é imprescindível discutir de que forma uma relação coparental atende ao princípio do melhor interesse da criança e se de fato estabelece uma paternidade responsável.
Trata-se de uma realidade ainda não abarcada no ordenamento jurídico e pouco debatida na doutrina e jurisprudência. Como não há legislação específica sobre o tema, as partes têm optado por estabelecer o chamado contrato de geração de filhos como forma de definir regras prévias. É fundamental discutir quais são os limites do que pode ser acordado pelos genitores, de forma que, ao mesmo tempo em que os direitos da criança sejam atendidos, seja garantida a liberdade negocial que a estrutura impõe.
No primeiro capítulo é a abordada a modificação das relações familiares na contemporaneidade e o surgimento da coparentalidade como uma dessas novas estruturas. Para tanto, se discute o conceito de coparentalidade dentro da perspectiva tratada na Psicologia e no Direito de Família, ou seja, tanto no aspecto da parentalidade responsável e compartilhada quanto nos efeitos jurídicos desse instituto.
Em sequência, o segundo capítulo trata do contrato firmado entre os genitores coparentais, o chamado contrato de geração de filhos. Inicialmente, analisa-se a importância de se atender aos requisitos de validade dos contratos previstos no art. 104 do Código Civil. Além disso, busca-se discutir se este instrumento contratual mostra-se hábil e pertinente para determinar questões tão fundamentais na vida da criança, quais são os seus limites negociais e se há necessidade ou não da homologação judicial.
No terceiro Capítulo discute-se como o instituto da coparentalidade e o contrato de geração de filhos se relacionam ao princípio do melhor interesse da criança e os princípios da paternidade responsável previstos no art. 227 da Constituição Federal. Pondera-se se deve prevalecer a liberdade contratual entre as partes, desde que obedecidos os princípios determinados no Direito Civil, ou se cabe alguma intervenção estatal para assegurar a observância dos direitos fundamentais da criança.
Ressalta-se que foi utilizada pesquisa pelo método hipotético-dedutivo com o levantamento de questões iniciais norteadoras, elaboração de proposições hipotéticas e revisão bibliográfica.
Assim, pode-se afirmar que se trata de uma pesquisa qualitativa na qual foi analisada bibliografia atual sobre o tema, aliada à legislação pertinente e pesquisa jurisprudencial.
1. DAS TRANSFORMAÇÕES NAS FORMAÇÕES FAMILIARES E O SURGIMENTO DA COPARENTALIDADE
A Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/88) trouxe significativas mudanças para a área do Direito de Família, que possibilitaram, inclusive, que alguns autores
defendam a mudança do nome da disciplina para “Direito das Famílias”, como Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx e Xxxxx Xxxxxxxx Xxxx. Tal denominação se deve ao fato que a CRFB/88, mesmo trazendo de forma expressa apenas três tipos de formação familiar (casamento, União Estável e família monoparental), permitiu o reconhecimento da existência de uma pluralidade de tipos famílias, como apresentado pelo ministro Xxxx Xxx0 no voto no RE 898060-SC:
A Constituição de 1988, em caráter meramente exemplificativo, reconhece como legítimos modelos de família independentes do casamento, como a união estável (art. 226 § 3º) e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, cognominada “família monoparental” (art. 226,§ 4º), além de enfatizar que espécies de filiação dissociadas do matrimônio entre os pais merecem equivalente tutela diante da lei, sendo vedada a discriminação e, portanto, qualquer tipo de hierarquia entre elas (art. 227, § 6º).
O reconhecimento da pluralidade de formações familiares da contemporaneidade possibilitou que o Direito se aproxime mais da realidade brasileira e sejam assegurados os direitos fundamentais dos indivíduos. Tipos de família como a família recomposta, família mosaico, família simultânea e família homoafetiva, por exemplo, que eram ignoradas tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência, atualmente são amparadas pelo Direito das Famílias. Outra mudança fundamental ocorrida após a Carta Magna foi a igualdade de gênero estabelecida no texto constitucional. Xxxxxx Xxxxxxx0 ressalta que essa igualdade propiciou o que ele denomina como Princípio da Igualdade na chefia familiar, previsto nos arts. 1.566, III e IV, 1.631 e 1.634 do Código Civil3 e art. 226, §§ 5.º e 7.º da CRFB/884. Para o autor essa inovação constitucional “desconstrói a hierarquia” existente na família patriarcal e estabelece uma diarquia, na qual as tarefas familiares são vistas como deveres dos adultos envolvidos, de
forma igual.
Também foi uma mudança fundamental trazida pela CRFB/88 o reconhecimento da igualdade entre os filhos havidos dentro e fora do casamento do art. 227 § 6º5. Tal mudança impõe que não pode haver qualquer diferenciação de tratamento e direitos entre filhos dentro de um núcleo familiar e outro, ou entre filhos biológicos e adotados ou socioafetivos. Essa igualdade, aliada à igualdade de gêneros e o reconhecimento da criança e adolescente como
1BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 898060-SC. Rel. Min. Xxxx Xxx, Tribunal Pleno, j. 21/09/2016. Disponível em: xxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxxxxx/xxxxxxxxxxxxxxXxxxxxxxxxx/xxxXxxxxxxxxXxxxxxxx. asp?incidente= 4803092&numeroProcesso=898060&classeProcesso=RE&numeroTema=622. Acesso em: 31 mar. 2021.
2 TARTUCE, Xxxxxx. Direito Civil: Direito de Família. V.5. 14. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019, p.50.
3 BRASIL. Código Civil. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxx/0000/x00000xxxxxxxxx.xxx, Acesso em: 31 mar. 2021.
4BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxxxxxxxxxx/xxxxxxxxxxxx.xxx, Acesso em: 31 mar. 2021.
5 Ibid.
sujeitos de direitos, constituiu o que Xxxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxx0 denomina “democratização das relações familiares” na qual é preservada a dignidade dos membros, na medida em que esses podem participar ativamente das decisões tomadas.
Porém, sem dúvida a mudança mais relevante na concepção de família nas últimas décadas foi o reconhecimento do afeto como elemento central nas relações familiares. Com isso foi possível que o Direito admitisse a parentalidade socioafetiva e a pluralidade de formações familiares. Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx0 afirma que o afeto legitima todas as formas de família.
Acerca da implementação do afeto como princípio do Direito de família, Xxxxxx Xxxxxxx0 afirma que se trata de um princípio implícito do sistema civil-constitucional brasileiro e que:
Buscar-se-á analisar o Direito de Família do ponto de vista do afeto, do amor que deve existir entre as pessoas, da ética, da valorização da pessoa e da sua dignidade, do solidarismo social e da isonomia constitucional. Isso porque, no seu atual estágio, o Direito de Família é baseado mais na afetividade do que na estrita legalidade, frase que é sempre repetida e que pode ser atribuída a Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Professora Titular da Faculdade de Direito da USP e uma das fundadoras do IBDFAM.
A centralidade do afeto nas relações familiares se relaciona diretamente com a ideia de família eudemonista, que tem como objetivo a busca da felicidade. Tem-se, portanto, uma perda da função sacralizada, religiosa ou patrimonialista da família na sociedade para a configuração de um novo papel da instituição na sociedade brasileira. Acerca dessa mudança, Xxxxx Xxxxxxxx Xxxx0 afirma:
O novo modelo de família funda-se sob os pilares da repersonalização, da afetividade, da pluralidade e do eudemonismo, impingindo uma nova roupagem axiológica ao direito de família (...) A família-instituição foi substituída pela família- instrumento, ou seja, ela existe e contribui tanto para o desenvolvimento da personalidade de seus integrantes, como para o crescimento e formação da própria sociedade, justificando, com isso, a sua proteção pelo Estado.
As mudanças ocorridas no campo do Direito de Família nas últimas décadas permitiram que uma nova forma de configuração familiar passasse a ser objeto de discussão na doutrina, a Coparentalidade. Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx00 define a família coparental : “ É a família parental, cujos pais se encontram apenas para ter filhos, de forma planejada, para
6 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxx de. A família democrática. Anais do V Congresso Brasileiro do IBDFAM. Disponível em: xxxxx://xxx. xxxxxx.xxx.xx/xxxxxx/xxxxxx/xxxxx/00.xxx. Acesso em: 14 mar. 2021.
7 XXXXXXX, Xxxxxxx xx Xxxxx. Direito das famílias. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p.99.
8 TARTUCE, op. cit., 2019. p.28.
9 DIAS, Xxxxx Xxxxxxxx Xxxx. Manual de Direito de família. 12 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p.420.
10 XXXXXXX, op. cit., 2020, p.29.
cria-los em sistema de cooperação mútua, sem relacionamento conjugal ou mesmo sexual, entres eles.”
Trata-se de uma parentalidade exercida conjuntamente, ou seja, dois adultos que se juntam com o objetivo de realizar um sonho de exercer a maternidade e/ou paternidade e agem em prol do interesse da criança ou adolescente, ao mesmo tempo em que são preservadas as características individuais dos parceiros coparentais. Kumpel11 afirma que:
A coparentalidade ou parentalidade responsável (coparenting) é a relação entre pais de uma criança em que ambos se apoiam na criação do menor e em suas funções de "chefes de família", compartilhando o poder parental e dividindo funções sem que necessariamente haja equilíbrio entre elas. Nesse sentido, as atribuições de cada um podem ser estipuladas contratualmente, mas sempre com as partes em consenso.
Essa forma de configuração familiar só foi possível com a dissociação da maternidade/ paternidade da conjugalidade, fenômeno bastante recente na sociedade. Além da ausência de conjugalidade, também não há necessidade de qualquer relacionamento sexual entre as partes. Na coparentalidade é indiferente a orientação sexual dos envolvidos e, na maior parte das vezes o processo de geração dos filhos é feita por inseminação artificial assistida ou caseira.
Observa-se que a coparentalidade pressupõe uma participação efetiva dos parceiros coparentais na criação e educação da criança, o que se aproximaria, segundo seus defensores, do princípio da paternidade responsável previsto no art. 226 § 7º da CRFB12 e do princípio do melhor interesse da criança previsto no art. 227 caput da CRFB13. A questão será discutida nos próximos capítulos do presente artigo.
Entre as características da coparentalidade, Kumpel14 ressalta a visão do instituto como formação familiar praticamente imune à alienação parental. Isso ocorreria porque como os coparentais estabelecem uma parceria, não haveria o interesse de macular a imagem do parceiro perante a criança.
Outro aspecto importante a ser ressaltado é que a coparentalidade já é uma prática mais comum em outros países. Nos Estados Unidos o aplicativo Modamily se popularizou como uma forma de encontrar um parceiro coparental.
No Brasil, atualmente é possível encontrar perfis em redes sociais criados específicas sobre a coparentalidade como a @fazumfilhocomigo no Instagram, a xxx.xxxxxxxxxx.xx.xx
11KUMPEL; Xxxxx Xxxxxxxxx; XXXXXXXXXX, Xxx Xxxxx. Coparentalidade. Disponível em xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/Xxxxxxxxxxxx/00,XX000000,00000-Xxxxxxxxxxxxxxx. Acesso em: 19 out. 2020. 12 BRASIL, op. cit., nota 4.
13 Ibid.
14 XXXXXX, op. cit., nota 11.
e algumas comunidades no Facebook. Os ambientes se diferem, ora facilitando o encontro dos parceiros coparentais, ora fornecendo um ambiente de discussão e informação. O número de interessados vem aumentando nos últimos anos e a rede @fazumfilhocomigo já conta com quase 10.000 seguidores.
Após o encontro dos parceiros coparentais e a decisão de levar adiante o projeto de maternidade e/ou paternidade, tem sido cada vez mais frequente a formalização por meio do chamado “Contrato de Geração de filho”. A eficácia, os limites desse contrato e as tensões entre a autonomia privada dos contratantes e a intervenção estatal serão objeto de análise em capítulo próprio desse artigo.
O instituto da Coparentalidade ainda não foi contemplado no ordenamento jurídico, embora já se manifeste como realidade na sociedade na realidade brasileira e tenha ganhado espaço nos últimos anos. No entanto, como afirma Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx00, o Direito não pode se privar à análise e proteção das diversas formas de constituição familiar, pois o reconhecimento da pluralidade dessas relações vai muito além do que um mecanismo de garantia dos direitos patrimoniais ou previdenciários; trata-se, também do exercício da cidadania e da concretização do princípio da dignidade humana.
2. UMA DISCUSSÃO ACERCA DA EFICÁCIA E VALIDADE DO CONTRATO DE GERAÇÃO DE FILHOS NA COPARENTALIDADE
Uma vez que o instituto da coparentalidade apresenta-se como uma realidade dentro da sociedade atual brasileira, faz-se necessária uma análise pormenorizada do instrumento mais frequentemente utilizado pelos parceiros coparentais para formalização jurídica desse novo tipo de família: o contrato de coparentalidade.
Xxxxxx Tartuce16 ressalta a conceituação clássica de contrato: “Em suma, e em uma visão clássica ou moderna, o contrato pode ser conceituado como sendo um negócio jurídico bilateral ou plurilateral que visa à criação, modificação ou extinção de direitos e deveres com conteúdo patrimonial”.
O autor cima referido também cita a doutrina de Xxxxxx de Miranda conhecida como a Escada Ponteana, que define como pressupostos de existência do contrato que o objeto contratual seja lícito, não contrarie o ordenamento jurídico, a boa fé, a função social e econômica e os bons costumes.
15 XXXXXXX, op. cit., 2020, p.9.
16 TARTUCE, Xxxxxx. Direito Civil: Manual de direito civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Método, 2018, p. 636.
Uma vez definido o conceito de contrato, dentro da doutrina civilista, uma importante discussão diz respeito aos tipos de contrato que devem e podem ser utilizados em cada situação. Evidenciam-se casos em que deve ser utilizado um instrumento de escritura pública, previstos em lei, enquanto em outros é permitida a livre contratação entre as partes para a realização de um negócio jurídico.
Em ambos os casos, para que haja validade no que foi acordado, devem ser atendidos os requisitos previstos no Art. 104 do Código Civil17: agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei.
Com relação ao instituto da Coparentalidade, não há regulamentação atualmente no Brasil quanto à possibilidade de serem realizados contratos, requisitos ou validade dos mesmos. O que ocorre é que muitos advogados aconselham seus clientes a firmar o chamado contrato de geração de filhos como forma de resguardar os direitos das partes e diferenciar a formação familiar coparental da união estável.
O contrato de geração e filhos é abordado por Xxxxx Xxxxxxxx Xxxx00 como a possibilidade viável para as pessoas que desejam ter filhos sem que exista uma relação amorosa ou que haja conjugalidade. Segundo a autora trata-se da formação de uma família parental pela via contratual. O conceito utilizado por ela foi retirado da obra Dicionário de Direito de Família e Sucessões, na qual Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx elucida conceitos considerados inovadores na área de Direito de Família.
Em recente artigo escrito pelo presidente do IBDFAM, acima referido, Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx00 afirma: “Isso já é uma realidade brasileira. Pessoas fazem contratos de geração de filhos e, portanto, formam apenas uma família parental. O número desses contratos no Brasil tem aumentado proporcionado pelos sites de relacionamento”.
O momento ideal para realização do ajuste contratual seria, segundo os advogados especialistas na área, ainda no período de gestação da criança. Outra orientação comum é que o contrato também deve ser feito de forma escrita. Com relação ao que deve ser contratado, aconselha-se20 que estejam previstas questões como o nome da criança, guarda, convivência, alimentos, suporte financeiro, forma de criação, entre outras.
17 BRASIL, op. cit., nota 3.
18 DIAS, op. cit., p. 427.
19 XXXXXXX, Xxxxxxx xx Xxxxx. O contrato de geração de filhos e os novos paradigmas da família contemporânea. Disponível em: xxxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/0000-xxx-00/xxxxxxxx-xxxxxxxx-xxxxxxxx-xxxxxxx- filhos-novos-paradigmas-familia. Acesso em: 14 mar. 2021.
20 XXXXXXX, Xxxxxxx xx Xxxxx. Famílias ectogenéticas e o contrato de geração de filhos. Disponível em: xxxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/0000-xxx-00/xxxxxxxx-xxxxxxxx-xxxxxxxx-xxxxxxxxxxxxx-xxxxxxxx-xxxxxxx-xxxxxx. Acesso em: 14 mar. 2021.
Dessa forma, seria possível que as partes já definissem questões relevantes da vida da criança de forma prévia. Além disso, ressalta-se que a existência do contrato de geração de filhos traz segurança aos parceiros coparentais tanto no sentido de afastar eventual reconhecimento de uma união estável quanto no estabelecimento de condutas e obrigações a serem realizadas pelas partes e que se descumpridas poderiam ser objeto de tutela judicial. Vanuza Pires Costa e Cláudia Magalhães Teixeira21 ressaltam: “Assim, aqueles que pretendem gerar filhos por meio dessa medida devem constituir um contrato de geração de filhos, dando uma maior segurança jurídica e social para a nova formação familiar”.
Acerca da segurança jurídica promovida pelo contrato de geração de filhos e a possibilidade de rever termos dele, Kumpell22 afirma: “Deve-se, contudo, frisar que as disposições contratuais não representam garantia absoluta contra eventuais conflitos, por exemplo, no que toca à formação moral da criança. Pode haver, em certa altura, divergência quanto à religião que será sugerida à criança”.
Se por um lado é pacificamente reconhecido que a existência do contrato de geração de filhos traz mais segurança jurídica à coparentalidade, por outro lado, faz-se necessário um questionamento quanto ao valor jurídico de tal contrato, pois, ao tratar-se de um contrato atípico e não previsto em lei, indaga-se sobre sua eficácia perante o Poder Judiciário e possibilidade de ser rediscutido pelas partes em momento posterior. Questiona-se se a eficácia do contrato de geração de filhos é a mesma do acordo extrajudicial de guarda compartilhada homologado por um juiz, por exemplo.
Questionado sobre a necessidade de homologação do contrato de geração de filhos por um juiz, o presidente do IBDFAM Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx00, respondeu em uma postagem realizada na rede social Instagram em 26/11/2020:
Os que eu fiz, nenhum deles eu homologuei judicialmente. Até porque na holomogação desses contratos a gente arrisca o juiz não homologar. No contrato de união poliafetiva arriscamos o juiz não homologar. Mas aqui é uma realidade e a realidade é muito mais viva, né, do que o direito. Tanto é que a principal fonte do Direito são os costumes. Todos os que eu fiz, em nenhum deles eu homologuei e eu não levaria para homologar. Mas é possível também, ou então se o juiz não homologar, não homologou. Daria um pouco mais de força, um pouco mais de legitimidade porque o Direito ele tem essa coisa de legitimar, né? Mas eu não fiz Bruna .Os que eu fiz, nenhum deles eu homologuei. Mas é até uma boa ideia porque como o contrato de coparentalidade ele é diferente do contrato de união poliafetiva.”
21 XXXXX, Xxxxxx Xxxxx. TEIXERA, Xxxxxxx Xxxxxxxxx. Da filiação Decorrente da Coparentalidade e a Validade Jurídica do Contrato de Geração de Filhos. Disponível em: xxxx://xxxxx.xxxx.xxx.xx/xxx/xxxxx.xxx/xxxx/0xxxx/xxxxx/xxxxXxxx/0000/0000. Acesso em: 14 mar. 2021. 22KUMPEL, op. cit., nota 11.
23 XXXXXXX, Xxxxxxx xx Xxxxx. Contrato de Coparentalidade precisa de homologação? São Paulo. 26 nov. 2020. Instagram: @rodrigodacunhapereira. Disponível em: xxxxx://xxx.xxxxxxxxx.xxx/x/XXXxxxXxXXX/. Acesso em: 20 mar.2021.
Autores que defendem a validade do contrato de geração de filhos como instrumento legítimo e suficiente para o instituto da coparentalidade argumentam que no caso de necessidade de serem revistos os termos do acordo judicialmente, haverá a intervenção do MP por se tratar de demanda em que se busca o melhor interesse da criança. 24
No entanto, a participação do MP ocorre previamente quando são homologados os acordos de guarda compartilhada e alimentos, conforme determinado no Art. 178 do CPC25, o Ministério Público deve ser intimado para intervir como fiscal da ordem nos processos que envolvam interesse de incapaz. Dessa forma, ainda permanece o questionamento acerca da necessidade ou não da homologação judicial e da participação do parquet para atendimento pleno das necessidades da criança.
É possível, inclusive, encontrar precedente no julgamento da Apelação Cível n. 2015.003429-6 (TJ-SC)26, no qual um acordo extrajudicial de guarda compartilhada e alimentos que não foi homologado judicialmente e não passou por intervenção do MP foi considerado nulo:
APELAÇÃO CÍVEL- AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE SOCIEDDE CONJUGAL- SENTENÇA QUE HOMOLOGA O ACORDO EXTRAJUDICIAL ENTRE AS PARTES E JULGA EXTINTO O FEITO COM RESOLUÇÃO DE MÉRITO- RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, ALÉM DA DIVISÃO DIS BENS DO CASAL, SOBRE A GUARDA, O DIREITO DE VISITAS E OS ALIMENTOS A SEREM PAGOS PELO GENITOR PARA A FILHA MENOS IMPÚBERE- AUSÊNCIA DE INTERVEVENÇÃO DO PARQUET- RECONHECIMENTO DO VÍCIO PROCEDIMENTAL- MEDIDA QUE SE IMPÕE COMO FORMA DE RESGUARDAR OS INTERESSES DA CRIANÇA- RECURSO PROVIDO. Não
oportunizada a intervenção do Ministério Público em demanda que a lei faz obrigatória – versando acerca de direitos de incapazes- verifica-se a ocorrência de nulidade absoluta do feito (CPC, art. 84 e 246). (TJSC, Apelação Cível n. 2015.003429-6, de Xxxxxxxx, rel. Des. Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxxx, Câmara Especial Regional de Chapecó, j. 28-09-2015).
Tendo em vista que não há legislação específica sobre o contrato de geração de filhos e que frequentemente é feita uma analogia com os acordos extrajudiciais de guarda e alimentos, questiona-se a efetividade deste tipo de contrato. Não tem o presente artigo a pretensão de afirma definitivamente a validade e eficácia dele, mas apenas levantar o questionamento.
24KUMPEL, op. cit., nota 11.
25BRASIL. Código de Processo Civil. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/_xxx0000- 2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 31 mar. 2021.
26 BRASIL. TJSC. Apelação Cível n. 2015.003429-6. Relator: Des. Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxxx. Disponível em: xxxxx://xx-xx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxxxx/000000000/xxxxxxxx-xxxxx-xx-00000000000- anchieta-2015003429-6. Acesso em: 14 mar. 2021
3. A AUTONOMIA DA VONTADE DOS PARCEIROS COPARENTAIS FACE AS GARANTIAS DA CRIANÇA (PREVISTAS NO ECA E NA CRFB/88)
Além da discussão acerca da forma como a coparentalidade se materializa no mundo jurídico, realizada no capítulo anterior, faz-se necessário refletir se essa formação familiar, que tão bem expressa a autonomia da vontade dos parceiros coparentais, atende aos princípios de proteção à criança expressos na Constituição Federal e no Estatuto da criança e do adolescente.
Inicialmente ressalta-se que a coparentalidade mostra-se como tipo de família que surge de uma materialização do desejo de dois ou mais parceiros, de forma consciente e planejada e, por isso reflete-se numa estrutura familiar que expressa plenamente o princípio da autonomia privada. Sobre esse princípio, Xxxxxx Xxxxxxx00 ressalta que a autonomia privada confere ao indivíduo a liberdade de regular os próprios interesses.
No entanto, embora o referido autor28 afirme que “(...) sendo o direito à contratação inerente à própria concepção da natureza humana, um direito essencial da personalidade advindo do princípio da liberdade”; há limitações à autonomia privada que precisam ser ressaltadas. A ideia de uma liberdade irrestrita de contratar perdeu espaço com os princípios sociais e a definição de matérias de ordem pública.
Especialmente quando a relação contratual trata de questões que ultrapassam o mero interesse patrimonial das partes, a função social do contrato ganha peso ainda maior, como previsto no Enunciado nº 23 da CJF/STJ29:
A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo código civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio, quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana.
Importante ressaltar que segundo Tartuce30, as situações de limitação à autonomia privada constituem exceções, não se admitindo analogia ou interpretação extensiva. E em caso de dúvida sobre o que deve prevalecer, deve-se privilegiar a liberdade das partes contratante. Cabe, no entanto uma interpretação extensiva ou analogia para proteção de uma parte mais vulnerável, como consumidor ou trabalhador, por exemplo.
27 TARTUCE, Xxxxxx. Direito Civil: Manual de direito civil. 10 ed. Rio de Janeiro: Método, 2020, p.879.
28 Ibid., p. 878.
29 Ibid., p. 881.
30 Ibid., p. 883
Quanto ao princípio da função social dos contratos, Tartuce31 afirma que “(...) o contrato não pode mais ser visto como uma bolha, que isola as partes do mundo social.” Nesse sentido, para o autor, um contrato não visa apenas conferir segurança jurídica entre as partes, mas também atende aos interesses da sociedade.
No que se refere ao Direito das Famílias, Xxxxxxx afirma que as normas a ele pertencentes são normas de ordem pública e, portanto não podem ser objeto de convenção entre as partes. Tal impossibilidade se verifica, por exemplo, na impossibilidade de se fazer um contrato no qual um filho se exime da responsabilidade de cuidado como pai idoso.
Ao mesmo tempo em que há questões em Direito das Famílias que são indisponíveis e objeto de proteção pelo Estado, o princípio da não intervenção ou da liberdade expresso no art. 1513 do CC32, define que não pode haver intervenção do Estado na comunhão de vida instituída pela família. Xxxxxx Xxxxxxx00 afirma que o princípio da não intervenção se relaciona diretamente com o princípio da autonomia privada e se traduz nas escolhas familiares feitas pelos indivíduos. Não cabe ao poder público qualquer intervenção nessas escolhas.
Portanto, não há obste para que se realize contrato de namoro, de união estável, de guarda compartilhada, entre outros. O que se procura discutir, no presente artigo, é se o contrato de geração de filhos, por envolver o interesse de um menor, parte hipossuficiente na relação e objeto de proteção do Estado, configura-se de forma ainda mais veemente a necessidade de que se atenda à função social do contrato e aos princípios de proteção à criança.
A partir dessa discussão é preciso pensar o instituto da coparentalidade, materializado no contrato de geração de filhos, não apenas como manifestação da vontade das partes, mas sim em uma visão ampliada de seus efeitos sobre os interesses sociais. Verifica-se que o objeto do contrato de geração de filhos não se encontra no rol expresso das matérias definidas como matéria de ordem pública, por isso não há exigência formal de realização por meio de escritura pública. Tendo em vista o princípio da intervenção mínima do Estado no âmbito familiar, Viegas e Pamplona34, afirmam que esse instrumento não deve ser submetido à validação do poder público.
31 Ibid., p. 886
32 BRASIL, op. cit., nota 3.
33 TARTUCE, op. cit., 2019. p.52
34 VIEGAS, Xxxxxxx Xxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx PAMPLONA FILHO, Xxxxxxx. Coparentalidade: a autonomia privada dos genitores em contraponto ao melhor interesse da criança. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxxxxxxxxxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/000000000/xxxxxxxxxxxxxxx-x-xxxxxxxxx-xxxxxxx-xxx- genitores-em-contraponto-ao-melhor-interesse-da-crianca. Acesso em: 31 mar. 2021
Resta discutir se a coparentalidade atende ao princípio do melhor interesse da criança. O princípio do melhor interesse da criança está expresso na Constituição federal no art.227 caput da CRFB35.
Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx00 ressalta que esse princípio “[...] deveria ser o suficiente para que o ordenamento jurídico brasileiro garantisse o convívio do(s) filhos(s) com ambos os pais e a assistência de ordem não material aos filhos, ou seja, participar, interferir, colocar limites, enfim, educar”. Para o autor, as necessitadas da criança devem ser supridas independentemente da existência de uma conjugalidade entre os pais (ou entre as mães).
Torna-se fundamental que o acordo previsto no contrato de geração de filhos abarque todas as necessidades da criança garantindo a proteção integral prevista no texto constitucional e no art. 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente. Dessa forma, a coparentalidade não se configura por si só como prejudicial à criança, mas apenas se o acordo que dela advier não abarcar o que é devido:
Desse modo, rechaça-se a afirmativa de que ausência de relação amorosa feriria o melhor interesse da criança, pois não há como prever se os filhos decorrentes da coparentalidade serão felizes, ou infelizes, como quaisquer outros filhos de famílias tradicionais. Xxxxxx, não se pode esquecer que casais heterossexuais abandonam seus filhos, cometem alienação parental, e seus filhos sofrem bullyng como qualquer outra criança ou adolescente37.
Outro ponto fundamental a ser discutido é a correlação do instituto da coparentalidade e o princípio da paternidade responsável. Para Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx00 “A paternidade responsável é um desdobramento do princípio da responsabilidade. Significa que os pais devem arcar com os ônus e os bônus da criação dos filhos, tenham sido planejados ou não”.
Tendo em vista que a coparentalidade inicia-se a partir de um planejamento familiar, fruto do desejo dos parceiros coparentais envolvidos, pode-se dizer que se traduz como uma formação familiar na qual há a concretização da paternidade responsável como um ideal desde o princípio. Além disso, por se tratar de uma relação na qual não houve o fim de uma conjugalidade, é quase nula a possibilidade de haver alienação parental.
Xxxxxxx Xxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx00. ressaltam que a coparentalidade por vezes é alvo de críticas, como a de Regina Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx:
35 BRASIL, op. cit., nota 4.
36 XXXXXXX, op. cit., 2020, p.390.
37 VIEGAS, op. cit., nota 34.
38 XXXXXXX, op. cit., 2020, p.389.
39 VIEGAS, op. cit., nota 34.
O filho, por outro lado, não decidiu ser gerado dessa maneira; não será um “filho da coparentalidade” por opção; não terá culpa nenhuma do mesmo estigma que nascerá e que tanto prejuízo emocional e psicológico certamente lhe trará. Tudo lhe será imposto pelo capricho egoísta de seus genitores, como se seus infortúnios fosse um preço pequeno a pagar pela autossatisfação de seus genitores.
No entanto, como entende-se que o tipo de família em que a criança está inserida não possui o condão de definir a sua felicidade e sim, se os princípios de proteção à criança estão sendo garantidos pelos membros daquele grupo.
CONCLUSÃO
Esta pesquisa constatou, como problemática essencial, os efeitos no mundo jurídico da coparentalidade como nova forma de estrutura familiar. A grande controvérsia materializa- se na necessidade ou não da utilização e da formalização de um contrato de geração de filhos, qual a validade do documento e se este precisa de alguma forma de homologação judicial.
A partir das reflexões fundamentadas na leitura de pesquisas acadêmicas e análises de perfis e sites de relacionamento sobre a coparentalidade, que se desenvolveram no decorrer da pesquisa, foi possível chegar à conclusão de que essa nova formação familiar possui características bastante peculiares.
É possível concluir que a coparentalidade expressa a autonomia da vontade dos parceiros coparentais ao mesmo tempo em que se apresenta como uma estrutura familiar na qual há maiores chances de que os princípios de proteção à criança sejam atendidos. Isso ocorre porque existe um planejamento familiar e um sistema de cooperação mútua que tende a minimizar ou até extinguir a alienação parental.
Quanto ao contrato de geração de filhos, problemática analisada no segundo capítulo, verifica-se que de um lado, há uma defesa por sua utilização como forma de dar segurança jurídica às partes ao resguardar seus direitos e definir o tipo de relação dos parceiros coparentais, diferenciando-a de uma união estável, por exemplo. Além disso, tal contrato é visto como uma forma de definir previamente a divisão das obrigações dos pais com a guarda, convivência, alimentos, educação, dentre outras necessidades da criança.
Por outro lado, não há impedimento legal para que se tenha relações coparentais sem a formalização contratual. Em caso de reprodução assistida, o Provimento 63/2017 do CNJ, bem como a Resolução do CFM – 2168/2017 regulam a situação de forma plena. E é importante ressaltar que as relações de coparentalidade que se formam sem a constituição de um contrato de geração de filhos não possuem menos legitimidade por causa disso e nem tampouco os direitos dos filhos devem ser desrespeitados.
Na prática, não há ainda legislação específica sobre o tema e os contratos de geração de filhos nas relações coparentais têm sido realizados por meio de instrumento particular, uma vez que não há determinação legal para que sejam feitos de forma diversa.
O entendimento a que chegou esta pesquisadora consubstancia-se na ideia de que é bastante pertinente a realização do contrato de geração de filhos na coparentalidade, pois além da segurança jurídica às partes envolvidas, proporciona uma definição clara dos papéis dos parceiros coparentais no atendimento das necessidades da criança.
Quanto à questão da necessidade ou não da homologação judicial, que se descortinou ao longo do segundo capítulo, entende-se que a homologação judicial poderia garantir de forma plena que todas as necessidades da criança foram previstas, mas não há forma de garantir o pleno atendimento.
Assim, da mesma forma que ocorre após um divórcio, em que o juiz homologa um acordo de guarda compartilhada, não há como o judiciário garantir que as necessidades do menor serão atendidas pelo casal. Não são raros os casos em que uma das partes busca o judiciário solicitando o cumprimento de alguma cláusula.
E em ambos os casos, coparentalidade ou guarda compartilhada após o divórcio, os acordos firmados podem ser revistos, a pedido de uma das partes, para maior proteção dos interesses da criança.
Torna-se evidente, portanto, que a existência de um contrato sem homologação, por si só, não tem o condão de causar prejuízo às partes. Tratando-se de documento realizado em respeito ao que determina o Código Civil, não há que se questionar a sua validade.
Tampouco há que se cobrar do poder público que edite uma legislação sobre a coparentalidade afirmando a necessidade de realização de contrato de geração de filhos e/ou a homologação desse. Tal determinação estaria seria uma afronta à liberdade e autonomia dos sujeitos constituírem suas famílias conjugais e parentais da forma que melhor entenderem.
Esta pesquisa pretende sustentar, portanto, que a coparentalidade é uma forma de constituição familiar que vem crescendo na nossa sociedade e deve ser reconhecida e amparada como os tipos de famílias.
Da mesma forma, as escolhas dos parceiros coparentais quanto à formalização contratual ou homologação judicial devem ser respeitadas, com base no princípio da não intervenção estatal nas formações familiares.
Assim, o Direito precisa acompanhar as transformações da sociedade e de suas formações familiares, de forma a amparar as partes envolvidas, garantindo que os princípios de proteção à criança sejam plenamente atendidos.
REFERÊNCIAS
XXXXXX, Xxxx Xxxxx Xxxxx. A intervenção do Estado na Relação de Famíla após a Constituição Federal de 1988. Disponível em: < xxxxx://xxxxxxxxxxx.xxxx.xx/xxxxx/xxxxxx/000000000/00000>>. Acesso em: 14 mar. 2021
BRASIL. Código Civil. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00./xxxx/0000/000000 compilada.htm. Acesso em: 14 mar. 2021
. Código de Processo Civil. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00./xxxx/0000/000000 compilada.htm. Acesso em: 14 mar. 2021
. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxxxxxxxxxx/xxxxxxxxxxxx.xxx>. Acesso em: 22 set. 2020
. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: < xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxx/x0000.xxx> . Acesso em: 22 set. 2020
. Supremo Tribunal Federal. RE 898060-SC. Relator: Ministro Xxxx Xxx. Disponível em: xxxx://xxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxx/xxxxxxxxx.xxx?xxxXXxXX&xxxXXx00000000 . Acesso em: 31 mar. 2021.
. TJSC. Apelação Cível n. 2015.003429-6. Relator: Des. Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxxx. Disponível em: xxxxx://xx-xx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxxxx/000000000/xxxxxxxx- civel-ac-20150034296-anchieta-2015003429-6. Acesso em: 14 mar. 2021
XXXXX, Xxxxxx Xxxxx. TEIXERA, Xxxxxxx Xxxxxxxxx. Da filiação Decorrente da Coparentalidade e a Validade Jurídica do Contrato de Geração de Filhos. Disponível em: xxxx://xxxxx.xxxx.xxx.xx/xxx/xxxxx.xxx/xxxx/0xxxx/xxxxx/xxxxXxxx/0000/0000. Acesso em: 14 mar. 2021.
XXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Manual de Direito das Famílias. 13 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020.
XXXXXX; Xxxxx Xxxxxxxxx; XXXXXXXXXX, Xxx Xxxxx. Coparentalidade. Disponível em xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/Xxxxxxxxxxxx/00,XX000000,00000-Xxxxxxxxxxxxxxx. Acesso em:19 out. 2020.
XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxx de. A família democrática. Anais do V Congresso Brasileiro do IBDFAM. Disponível em: xxxxx://xxx. xxxxxx.xxx.xx/xxxxxx/xxxxxx/xxxxx/00.xxx. Acesso em: 14 mar. 2021.
XXXXXXX, Xxxxxxx xx Xxxxx .Contrato de Coparentalidade precisa de homologação? São Paulo. 26 nov. 2020. Instagram: @rodrigodacunhapereira. Disponível em: xxxxx://xxx.xxxxxxxxx.xxx/x/XXXxxxXxXXX/. Acesso em: 20 mar.2021.
. Direito das famílias. Rio de Janeiro: Forense, 2020.
. O contrato de geração de filhos e os novos paradigmas da família contemporânea. Disponível em: xxxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/0000-xxx-00/xxxxxxxx-xxxxxxxx-xxxxxxxx-xxxxxxx- filhos-novos-paradigmas-familia. Acesso em: 14 mar. 2021.
. Famílias ectogenéticas e o contrato de geração de filhos. Disponível em: xxxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/0000-xxx-00/xxxxxxxx-xxxxxxxx-xxxxxxxx-xxxxxxxxxxxxx-xxxxxxxx- geracao-filhos. Acesso em: 14 mar. 2021.
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito de Família. V.5. 14. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019
. Manual de direito civil. 8 ed. Rio de Janeiro: Método, 2018
XXXXXX, Xxxxxxx Xxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx PAMPLONA FILHO, Xxxxxxx. Coparentalidade: a autonomia privada dos genitores em contraponto ao melhor interesse da criança. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxxxxxxxxxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/000000000/xxxxxxxxxxxxxxx-x-xxxxxxxxx- privada-dos-genitores-em-contraponto-ao-melhor-interesse-da-crianca. Acesso em: 31 mar. 2021.