Apelação Cível n. 2014.025722-4, de Joinville Relator: Des. Artur Jenichen Filho
Apelação Cível n. 2014.025722-4, de Joinville Relator: Des. Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxx
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL C/C CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO E PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. CONTRATO PARTICULAR DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE BEM IMÓVEL. DEMANDA JULGADA EXTINTA SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO EM DECORRÊNCIA DA INSTITUIÇÃO DE COMPROMISSO ARBITRAL. RECURSO INTERPOSTO PELA AUTORA CONTRATANTE.
PRETENDIDA CASSAÇÃO DA DECISÃO AMPARADA EM ALUDIDA NULIDADE DA INSTITUIÇÃO DO JUÍZO ARBITRAL. TESE IMPROFÍCUA. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA VÁLIDA. CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM DEVIDAMENTE PACTUADA. OBRIGATORIEDADE DE RESOLUÇÃO DO LITÍGIO NO JUÍZO ARBITRAL. EXTINÇÃO CORRETAMENTE APLICADA EM PRIMEIRA INSTÂNCIA, EM CONSONÂNCIA COM O ENTENDIMENTO PREDOMINANTE NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E NESTA CORTE. SENTENÇA MANTIDA. ANÁLISE DOS DEMAIS PEDIDOS PREJUDICADA.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
Alegada a exceção da incompetência do juízo estatal por uma das partes em face de cláusula compromissória existente no contrato objeto da lide, a extinção do processo sem julgamento de mérito é medida impositiva, nos termos do artigo 267, VII, do Código de Processo Civil (Apelação Cível n. 2006.042205-3, rel. Des. Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxxxxx, j. em 21-9-2010).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2014.025722-4, da comarca de Joinville (7ª Vara Cível), em que é apelante Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx, e apelada Irineu Imóveis Ltda:
A Primeira Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.
O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Xxxxxxxx Xxxxxx.
Florianópolis, 15 de outubro de 2015.
Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxx RELATOR
RELATÓRIO
Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx ingressou com ação cognominada de Declaratória de Nulidade de Cláusula Contratual c/c Consignação em Pagamento c/c Pedido de Tutela Antecipada para não inserção no SPC em face de Irineu Imóveis Ltda.
Asseverou, em síntese, que adquiriu da demandada "um terreno sem benfeitorias, lote nº 13 da Quadra L do Parque Residencial Gustavo, com 225,90 metros quadrados" (fl. 03), situado no município de Joinville-SC, para tanto pactuando o pagamento do valor de R$ 5.340,00 (cinco mil, trezentos e quarenta reais) através de 144 (cento e quarenta) e quatro prestações mensais e consecutivas.
Todavia, alegando a existência de afronta ao disposto no art. 52 do Código de Defesa do Consumidor, sustentou que a vendedora não inseriu no instrumento o valor do bem para pagamento à vista. Ao contrário, consignou no referido contrato um valor acrescido de juros e outros encargos ilegais, que totalizaram R$ 28.080,00 (vinte e oito mil e oitenta reais), que seria pago em 144 (cento e quarenta e quatro) parcelas mensais e consecutivas, no valor individual de R$ 195,00 (cento e noventa e cinco reais), com reajuste mensal pelo IGP-M.
Ressaltou que na Cláusula 2ª, § 2º, consta que a empresa requerida quantificou as 72 (setenta e duas) primeiras parcelas em 1/2 (meio) salário mínimo, e as 72 (setenta e duas) parcelas restantes no equivalente a 3/4 (três quartos) do salário-mínimo legal, o que resultaria R$ 23.400,00 (vinte e três mil e quatrocentos reais), e não em R$ 28.080,00 (vinte e oito mil e oitenta reais).
Alegou, mais, que a utilização do salário-mínimo como indexador contraria o disposto no art. 7, inc. IV, da Constituição Federal, e que há capitalização mensal composta de juros, em total afronta aos preceitos legais.
Diante disso, requereu os benefícios da assistência judiciária gratuita e a antecipação da tutela jurisdicional, com a finalidade de impedir a inscrição de seu nome nos cadastros restritivos de crédito, bem como: a) o deferimento do depósito da quantia de R$ 98,29 (noventa e oito reais e vinte e nove centavos) e demais parcelas que forem se vencendo, para não incidir em mora; b) a declaração de nulidade do preço de venda à prazo constante no contrato, excluindo-se os juros compostos; c) a declaração da nulidade da Cláusula 2ª, § 2º, do contrato; d) a fixação do valor do imóvel em R$ 5.340,00 (cinco mil, trezentos e quarenta reais), acrescendo-se os juros na forma simples; e) a repetição do indébito, diante dos pagamentos já efetuados; f) a nulidade da cláusula compromissória e, g) a condenação da ré ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios (fls. 2-23).
O magistrado singular concedeu a gratuidade da justiça em caráter precário, e deferiu, em parte, o requerimento de antecipação dos efeitos da tutela, determinando que a autora procedesse ao depósito das parcelas já vencidas, e que as vincendas seriam pagas no curso da lide, ressaltando que a proibição de inscrição do nome da autora nos cadastros de restrição ao crédito seria analisado após o contraditório (fls. 34-35).
Citada (fl. 41), Irineu Imóveis Ltda. apresentou resposta em forma de
contestação escrita, arguindo, preliminarmente, a incompetência absoluta da Justiça Estadual, em razão de cláusula de convenção de arbitragem estipulada no contrato de promessa de compra e venda, onde foi eleita a Câmara de Mediação e Arbitragem de Joinville - CMAJ, como foro competente para analisar as questões relativas ao contrato.
Arguiu, ainda, a falta de interesse de agir quanto ao pleito de repetição de indébito, ao argumento de que a autora não foi induzida à erro. Afirmou que Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx não cumpriu a decisão judicial de fls. 34/35, e que há litigância de má fé. No mérito, sustentou que: a) não há se falar em nulidade do preço à prazo;
b) não existe capitalização de juros compostos no contrato; c) o cliente tem a opção de escolher pelo reajuste segundo a variação do salário mínimo quando da contratação; d) não foram pagos valores indevidos ou superiores ao ajustado. Por fim, pugnou pela total improcedência da ação, com a condenação da autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios de sucumbência, estes fixados em 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa (fls. 42-53).
Após, sobreveio sentença que declarou extinto o processo, sem resolução do mérito, em razão da existência de cláusula compromissória, condenando a autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, fixados em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), mas cuja exigibilidade foi suspensa, diante do disposto no art. 12 da Lei n. 1060/1950 (fls. 106-107).
Inconformada, Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx interpôs recurso de apelação, aduzindo, em síntese, que, apesar de existir cláusula instituindo a arbitragem, esta não encontra respaldo, uma vez que o contrato contraria a Constituição Federal e inexiste cláusula excluindo sua apreciação pelo Poder Judiciário. No mérito, repisou os argumentos lançados na inicial (fls. 111-119).
Recebido o recurso no duplo efeito (fl. 121), Irineu Imóveis Ltda. apresentou contrarrazões, defendendo a manutenção da sentença objurgada (fls. 124-127).
Após, os autos ascenderam a esta Corte. É o relatório.
VOTO
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
A apelante insurge-se contra a sentença que, reconhecendo a prevalência da convenção de arbitragem, extinguiu o processo sem resolução do mérito, condenando-a ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios.
Para tanto, em que pese a existência de cláusula de arbitragem, assevera que não se pode refutar a apreciação do contrato pelo Poder Judiciário.
No mais, repisou os argumentos esposados na exordial, alegando que o contrato de promessa de compra e venda firmado entre as partes contém cláusulas abusivas, utiliza o salário mínimo como fator de reajuste das prestações e aplica a capitalização de juros, contrariando a legislação vigente e a Constituição Federal.
Pois bem. O art. 267, inc. VII, do Código de Processo Civil, dispõe que
"extingue-se o processo, sem resolução de mérito pela convenção de arbitragem".
Importante destacar o que dispõe a respeito a Lei n. 9.037/96, que versa sobre a convenção de arbitragem, in verbis:
Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
[...]
Art. 3º As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.
Art. 4º A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.
§ 1º A cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito, podendo estar inserta no próprio contrato ou em documento apartado que a ele se refira.
§ 2º Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula.
Não olvida-se a existência de entendimento doutrinário e jurisprudencial no sentido de que a previsão contratual de privilégio da arbitragem para a solução de impasses relativos a contratos constitui apenas mera faculdade outorgada pela Lei n. 9.307/1996, sem retirar do contratante o direito de buscar perante o Judiciário a tutela pretendida.
Entretanto, este Tribunal de Justiça tem entendimento predominantemente filiado à corrente contrária, que considera que a cláusula compromissória tem força vinculante no sentido de permitir a renúncia da via jurisdicional em prevalência do procedimento arbitral.
Ressalta-se que a Lei n. 9.037/1996 só é aplicável para a solução de litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis, que são submetidos ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, em que as partes, de comum acordo, renunciam à jurisdição estatal.
doutrinam:
Sobre o assunto, Xxxxxx Xxxx Xxxxxx e Xxxx Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxx
Havendo convenção de arbitragem (Larb 3º ss.), as partes renunciam à
jurisdição estatal, preferindo nomear um árbitro que resolva a lide eventualmente existente entre elas. Neste caso, a denúncia da existência da convenção acarreta a extinção do processo sem julgamento do mérito. [...] A convenção de arbitragem é o conjunto formado pela cláusula compromissória e pelo compromisso arbitral. A simples existência de cláusula compromissória pode ensejar a argüição da preliminar. O réu pode alegar que a demanda não pode ser submetida ao juízo estatal, quer diante apenas da cláusula ou do compromisso, quer esteja em curso o procedimento arbitral. A conseqüência do acolhimento desta preliminar é a extinção do processo sem julgamento do mérito (CPC 267 VII), já que a lide será julgada pelo árbitro, isto é, pelo juízo não estatal. O juiz não poderá conhecer dessa matéria de ofício, devendo aguardar a provocação do réu (Código de processo civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor. 7ª ed. São Paulo, RT, 2003, p. 630-686).
No mesmo sentido, Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx:
O antecedente natural do juízo arbitral é a cláusula compromissória [...] Embora a instalação do procedimento da arbitragem não possa prescindir do 'compromisso arbitral', ou de decisão judicial que o supra, a grande solução realizada pela Lei nº
9.307 foi a de tornar obrigatória a 'cláusula compromissória', de sorte que, por si só, esse tipo de pacto se apresenta como adequado para afastar o conflito da apreciação judicial. Institui-se um mecanismo judicial para compelir a parte omissa a sofrer a execução específica da cláusula compromissória, que, como as demais obrigações de fazer, passou a contar também com via de acesso a um adequado procedimento de execução forçada. Deu-se à cláusula compromissória, dessa maneira, o mesmo tratamento que, de longa data, se dispensava ao compromisso de compra e venda irretratável e outras promessas similares (Curso de direito processual civil, 31. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2003, p. 317-318).
O Superior Tribunal de Justiça vem assim decidindo:
PROCESSO CIVIL. JUÍZO ARBITRAL. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. EXTINÇÃO DO PROCESSO. ART. 267, VII, DO CPC. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. DIREITOS DISPONÍVEIS.
1. Cláusula compromissória é o ato por meio do qual as partes contratantes formalizam seu desejo de submeter à arbitragem eventuais divergências ou litígios passíveis de ocorrer ao longo da execução da avença. Efetuado o ajuste, que só pode ocorrer em hipóteses envolvendo direitos disponíveis, ficam os contratantes vinculados à solução extrajudicial da pendência.
2. A eleição da cláusula compromissória é causa de extinção do processo sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267, inciso VII, do Código de Processo Civil.
3. São válidos e eficazes os contratos firmados pelas sociedades de economia mista exploradoras de atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços (CF, art. 173, § 1º) que estipulem cláusula compromissória submetendo à arbitragem eventuais litígios decorrentes do ajuste.
4. Recurso especial provido (Resp. n. 2003.0205290-5, rel. Ministro Xxxx Xxxxxx Xx Xxxxxxx, julgado em 8-6-2007, grifou-se).
Ainda:
Com a alteração do art. 267, VII, do CPC pela Lei de Arbitragem, a pactuação
tanto do compromisso como da cláusula arbitral passou a ser considerada hipótese de extinção do processo sem julgamento do mérito. [...] Pelo Protocolo de Genébra de 1923, subscrito pelo Brasil, a eleição de compromisso ou cláusula arbitral imprime às partes contratantes a obrigação de submeter eventuais conflitos à arbitragem, ficando afastada a solução judicial. Recurso especial parcialmente conhecido e improvido." (Recurso Especial n. 712.566/RJ, Terceira Turma, Rel. Ministra Xxxxx Xxxxxxxx, DJ de 05-09-2005)
Também nos seguintes julgados: Resp 1.297.974/RJ, 3ª Turma, minha relatoria, DJe de 19.06.2012; Resp 933.371/RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxx, DJe de 20.10.2010; AgRg na MC 14.130/RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Xxxxxx Xxxxxx, DJe de 30.10.2008; e Resp 712.566/RJ, 3ª Turma, minha relatoria, DJ de 05.09.2005.
No mesmo rumo esta Corte de Justiça:
APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS DE DEVEDOR. CONTRATO DE LOCAÇÃO COMERCIAL. CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM. PROCEDIMENTO INICIADO NO JUÍZO ARBITRAL. PARTES VINCULADAS AO TRIBUNAL DE MEDIAÇÃO E ARBITRAGEM QUE IMPÕE A EXTINÇÃO DO FEITO, SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, NOS TERMOS DO ARTIGO 267, VII, DO CPC. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
A eleição da cláusula compromissória é causa de extinção do processo sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267, inciso VII, do Código de Processo Civil. (Apelação Cível n. 2011.022961-1, rel. Des. Subst. Xxxx Xxxxx, x. Em 09.08.2011).
E:
Alegada a exceção da incompetência do juízo estatal por uma das partes em face de cláusula compromissória existente no contrato objeto da lide, a extinção do processo sem julgamento de mérito é medida impositiva, nos termos do artigo 267, VII, do Código de Processo Civil (Apelação Cível. n. 2006.042205-3, de Ibirama, rel. Des. Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxxxxx, j. em 21-9-2010)" (Apelação Cível n. 2011.092908-9, rel. Des. Xxxxxxxx Xxxxxxx, julgada em 31-1-2012, grifou-se).
Ainda:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INSTITUIÇÃO DE JUÍZO ARBITRAL CONTRATO DE USO DA REDE DE DISTRIBUIÇÃO DA CELESC POR EMPRESA DE TV A CABO. DISCUSSÃO QUE VERSA SOBRE A RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DOS TRIBUTOS DECORRENTES DO CUMPRIMENTO DA AVENÇA. CLÁUSULA CONTRATUAL COMPROMISSÓRIA. SUBMISSÃO DO LITÍGIO AO JUÍZO ARBITRAL QUE SE IMPÕE. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
1. Cláusula compromissória é o ato por meio do qual as partes contratantes formalizam seu desejo de submeter à arbitragem eventuais divergências ou litígios passíveis de ocorrer ao longo da execução da avença. Efetuado o ajuste, que só pode ocorrer em hipóteses envolvendo direitos disponíveis, ficam os contratantes vinculados à solução extrajudicial da pendência.
2. A eleição da cláusula compromissória é causa de extinção do processo sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267, inciso VII, do Código de Processo Civil [...] (Resp 612439/RS, rel. Min. Xxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx, julgado em 25/10/2005). (TJSC, Apelação Cível n. 2008.001490-0, da Capital, rel. Des. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx Xxx, j. 05-08-2008) (Apelação Cível n. 2012.045828-4, da Capital, rel. Des. Xxxxx Xxxxx Xxxxx, j. 20-11-2014 - grifou-se).
No caso em tela, verifica-se que as partes, ao alterarem a data para o pagamento das parcelas, estabeleceram cláusula compromissória, prevendo que (fl. 73):
Fica estabelecida entre a VENDEDORA e o COMPRADOR que de ora e diante, qualquer conflito decorrente do Contrato Particular de Compra e Venda, do Termo de Transferência de contrato e do presente Termo de Novação de divida, inclusive no que tange a sua execução ou interpretação, serão resolvidas pela ARBITRAGEM, conforme a Lei 9.037 de 23.09.96, elegendo as partes contratantes, o Tribunal de Mediação e Arbitragem de Joinville e seus regulamentos [...]
Assim, é evidente a presença de cláusula compromissória de submissão ao juízo arbitral no aludido contrato de promessa de compra e venda firmado entre as partes, de modo que, consoante o Código de Processo Civil, havendo dita cláusula, o magistrado pode extinguir o processo, sem resolução do mérito, desde que a matéria tenha sido suscitada em Juízo pelo réu antes de discutir o mérito, conforme prevê o respectivo art. 301, o que efetivamente ocorreu no caso dos autos.
Ademais, "não havendo a agravante comprovado o fato de que a cláusula compromissória lhe fora imposta pelo locador, sob o argumento de que o contrato de locação teria sido um contrato de xxxxxx, deve prevalecer a cláusula compromissória, prosseguindo-se o procedimento arbitral" (Apelação Cível n. 1.0024.08.181553-2/001, relª. Desª. Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx, j. em 19.03.2009).
Ademais, mostra-se de absoluta relevância transcrever paradigmático excerto - absolutamente relevante e judicioso -, de lavra do Desembargador Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx, versando acerca da inviabilidade de o Judiciário se pronunciar acerca de alegada nulidade do compromisso arbitral:
Discute-se em sede recursal a validade da decisão que, acolhendo requerimento da agravante, extinguiu o procedimento recursal, bem como a ação originária por falta de condição da ação diante da existência de compromisso arbitral. A respeito da competência para analisar a validade do contrato que estabelece cláusula compromissória, pode-se destacar dois sistemas distintos, conforme magistério de Xxxxxx Xxxxxxxx (Temas de Direito Internacional. Rio de Janeiro:
Xxxxxxx, 0000, p. 293-299).
O sistema adotado pela França, estabelece que a competência deve ser verificada previamente pelo árbitro e, posteriormente, pelo magistrado.
O sistema estadunidense é distinto, tendo a Suprema Corte Norte Americana assentado no caso Prima Paint v. Flood & Conklin Manufacturing Co. que o Poder Judiciário detém competência para decidir sobre a validade da cláusula e demais matérias correlatas.
Em setembro de 1958, foi editada a Convenção de Nova Iorque, cujas diretrizes foram bem sintetizadas pelo professor da Universidade Panthéon-Assas de Paris, Xxxxxxxx Xxxxx:
Nos sistemas que seguem a Lei-modelo da UNCITRAL ou o modelo da Convenção de Nova Iorque de 1958, o árbitro não se beneficia de nenhuma prioridade, enquanto que o juiz dispõe de um poder de pleno exame da cláusula arbitral. [...] A dimensão contratual do acordo compromissório se faz sentir aqui: o juiz estatal é competente para se pronunciar sobre a existência, a validade, a força obrigatória do contrato de arbitragem como ele o é para toda espécie de contrato (ANCEL, Bertrand. O controle de validade da convenção de arbitragem: o efeito
negativo da "competência-competência". Revista Brasileira de arbitragem. Porto Alegre: Síntese. abr-maio/jun/2005, p. 57).
É cediço que o Brasil não ratificou a Convenção de Nova Iorque naquela época, sendo que no plano internacional, por questões políticas, houve modificação do regramento contido nessa convenção, de modo que em 21.06.1985 foi aprovada a Lei Modelo pela Uncitral.
No plano interno, a matéria foi regulada através da Lei 9.307/96, de 23 de setembro de 1996, que, em seu artigo 8º, assim estabelece:
A cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato em que estiver inserta, de tal sorte que a nulidade deste não implica, necessariamente, a nulidade da cláusula compromissória.
Parágrafo único. Caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória.
Tal preceito consagrou entre nós o sistema criado pelo Tribunal Federal Alemão denominado kompetenz kompetenz, segundo o qual o árbitro ou Tribunal arbitral detém a prerrogativa de decidir a respeito da sua própria competência.
Destaque-se que o nosso país segue a linha do sistema francês. Nesse sentido, registra com propriedade a professora Xxxxxx Xxxxxxxx:
Sobre a questão da validade da cláusula, no Brasil, a regra adotada determina que o árbitro irá decidir acerca de sua competência em primeiro lugar, podendo essa questão ser reexaminada posteriormente pelo Judiciário (TIBURCIO, Xxxxxx. Temas de direito internacional. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 300).
A doutrina aponta dois efeitos do princípio competência-competência, a saber: o positivo e o negativo.
Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx sintetiza bem a matéria nos seguintes termos:
De acordo com o efeito positivo do princípio competência-competência, é o árbitro que deve decidir primeiramente sobre a sua própria competência; quanto ao efeito negativo, não cabe ao juiz dispor sobre a matéria antes do pronunciamento do árbitro (XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx da. O princípio competência-competência na arbitragem: uma perspectiva brasileira. Revista de arbitragem e mediação. São Paulo: Editora RT. Ano 3-9, abril-junho de 2006, p. 284).
Tal fundamentação já seria suficiente por si só para afastar a pretensão recursal deduzida no presente agravo seqüencial.
Ocorre que em 2002, o Brasil ratificou a Convenção de Nova York modificando significativamente o regime jurídico acerca do princípio da kompetenz kompetenz, porquanto o artigo II, 3 gera uma aparente antinomia com o artigo 8º da Lei 9.307/96 ao estabelecer que:
3. O tribunal de um Estado signatário, quando da posse de ação sobre matéria com relação á qual as partes tenham estabelecido acordo nos termos do presente artigo, a pedido de uma delas, encaminhará as partes à arbitragem, a menos que constate que tal acordo é nulo e sem efeitos, inoperante ou inexequível (grifado agora).
A doutrina diverge acerca dos efeitos gerados pela ratificação da Convenção de Nova York em nosso ordenamento jurídico no tocante a aplicação do princípio kompetenz kompetenz.
De uma parte, alinham-se aqueles que defendem a aplicação da Convenção de Nova York, por se tratar de norma posterior que teria o condão de suspender a
eficácia da legislação interna que lhe for contrária. O fundamento jurídico dessa corrente é a aplicação do princípio de que lei posterior derroga lei anterior (lex posterior derogat priori).
De outra parte, a ratificação tardia da convenção internacional recebe críticas, por representar um retrocesso na medida em que toda invocação de nulidade acarretará a análise da matéria perante o Poder Judiciário retirando a celeridade almejada com a convenção arbitral e esvaziando o instituto da arbitragem.
O professor da USP, Xxxx Xxxxxx xx Xxxxxxxxx, após discorrer sobre a questão da derrogação de dispositivos da Lei 9.307/96 por força da Convenção de Nova York arremata que:
É de se esperar que a disposição da parte final do item 3 do art. II da Convenção deixe de ser empregada e mantido o preceito da lei, até em nome da uniformidade de tratamento que deve presidir o processo (XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxxx xx. A tardia ratificação da Convenção de Nova Iorque sobre a arbitragem: um retrocesso desnecessário e inconveniente. Revista de arbitragem e mediação. São Paulo: Editora RT. Ano 5-18, julho-setembro de 2008, p. 39).
Diante desse contexto, entendo que assiste razão àqueles que adotam uma interpretação sistemática do nosso ordenamento jurídico, aplicando a legislação atento aos fins a que ela se destina, conforme artigo 5º da LICC, de sorte que o princípio da competência-competência não foi extirpado do nosso ordenamento jurídico com a ratificação da Convenção de Nova Iorque. (Agravo (§ 1º art. 557 do CPC) em Agravo de Instrumento n. 2009.000674-8/0002.00, de Lages. Julgado em 16/07/2009).
Xxxxxxxx, em face da livre pactuação da convenção de arbitragem, por meio da cláusula compromissória válida, contando com a concordância inequívoca, expressa e específica da contratante, por meio de destaque no contrato e assinatura específica, há que se reconhecer eficaz a instituição do Juízo arbitral.
Diante de todo o exposto, voto no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento, mantendo a sentença objurgada em todos os seus termos, restando prejudicada a análise dos demais temas controvertidos.
Este é o voto.