HÁLISSON LUIS MELO DA SILVA
XXXXXXXX XXXX XXXX XX XXXXX
A IMPENHORABILIDADE DO ÚNICO IMÓVEL DE PROPRIEDADE DO FIADOR EM CONTRATO LOCATÍCIO: DO BEM DE FAMÍLIA COMO MÍNIMO PATRIMONIAL PARA A EFETIVAÇÃO DE DIREITOS DE PERSONALIDADE
BRASÍLIA 2017
A IMPENHORABILIDADE DO ÚNICO IMÓVEL DE PROPRIEDADE DO FIADOR EM CONTRATO LOCATÍCIO: DO BEM DE FAMÍLIA COMO MÍNIMO PATRIMONIAL PARA A EFETIVAÇÃO DE DIREITOS DE PERSONALIDADE
Monografia apresentada como requisito para conclusão do curso de bacharelado em Direito no UniCEUB – Centro Universitário de Brasília
BRASÍLIA 2017
A IMPENHORABILIDADE DO ÚNICO IMÓVEL DE PROPRIEDADE DO FIADOR EM CONTRATO LOCATÍCIO: DO BEM DE FAMÍLIA COMO MÍNIMO PATRIMONIAL PARA A EFETIVAÇÃO DE DIREITOS DE PERSONALIDADE
Monografia apresentada como requisito para conclusão do curso de bacharelado em Direito no Uniceub – Centro Universitário de Brasília
Orientador: Prof. Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxx Brasília – DF,
Banca Examinadora
Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxx
Orientador
Examinador
Examinador
A minha família, que afetuosamente me incentivou durante minha vida acadêmica. Meus amigos, Xxxxx, Xxxxx Xxxxx, Xxxx, Xxxx Xxxxxxx e Xxxxxxxx, sem os quais o curso não teria sido o mesmo. Xxxxxxxx à Xxxxxxxx, meu amor, pelo apoio inestimável durante a realização desta monografia.
A meu orientador, Xxxxx Xxxxxx, que traçou desde cedo o caminho a ser seguido na realização desta monografia e tornou possível o desafio deste árduo período.
RESUMO
O inciso VII do art. 3º da Lei 8.009/90(lei de bem de família) é uma exceção que permite a penhora do bem de família que consiste no único imóvel de propriedade do fiador em contrato locatício. O bem de família é instituto do direito brasileiro essencial para a proteção do patrimônio do devedor dos efeitos da penhora, desta forma, existe confronto entre interesses creditícios e interesses do fiador. À luz do direito civil constitucional e da doutrina, o patrimônio é meio para a realização de um fim, a própria pessoa, sendo que deve haver harmonia na interpretação de qualquer dispositivo que regule a vida privada com a Constituição. O panorama atual prima pela repersonalização do direito, em que o patrimônio jurídico mínimo é necessário para a realização da dignidade da pessoa humana, que não deve ser violada. Discute-se a constitucionalidade do dispositivo destacado diante dos princípios constitucionais pertinentes, a dignidade da pessoa humana, função social do contrato, direito à moradia e isonomia.
Palavras-chave: Direito constitucional. Direito de família. Bem de família. Penhora. Lei 8.009/90. Impenhorabilidade do bem de família do fiador.
SUMÁRIO
1. BEM DE FAMÍLIA E CONTRATO DE FIANÇA NA LOCAÇÃO 12
1.1. Noções preliminares de bem de família 12
1.2. Origem histórica do bem de família 12
1.2.1. O bem de família no Brasil 14
1.3. Conceito, natureza jurídica e classificação 17
1.4. Impenhorabilidade do bem de família e exceções 18
1.5. Contrato de fiança na locação 20
1.5.1. Características do contrato de fiança 23
2. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PERTINENTES 25
2.1. Dignidade da pessoa humana 25
2.2. Função social do contrato 29
2.4. Igualdade substancial (Isonomia) 37
3. (IM)PENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA NOS CONTRATOS DE LOCAÇÃO 41
3.1. Interpretação segundo a constituição 41
3.1.1. Direito civil constitucional 41
3.1.2. Mínimo existencial e bem de família do fiador em contrato de locação 45
3.1.3. Controle difuso de constitucionalidade 48
3.2. Análise das jurisprudências de tribunais superiores 50
INTRODUÇÃO
Recentemente, em 2015, o STJ publicou a Súmula n. 549, cujo enunciado dispõe ser válida a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, de forma a sedimentar o entendimento jurisprudencial até então. Antes da referidade súmula, o artigo 3º da Lei 8.009/90 já trazia esta exceção de penhorabilidade do bem de família.
Embora tanto a lei como a jurisprudência, inclusive com súmula publicada por tribunal superior, sejam a favor desta exceção, não é tão claro o alinhamento de tal posição com o Direito. Diante da ideia de Direito, permeado pelo constitucionalismo, como instrumento de realização de valores e tutela de direitos fundamentais, consagrados na Constituição, principalmente a dignidade humana e o patrimônio jurídico mínimo, que surge a necessidade de confronto ao alinhamento favorável à penhora do bem de família em questão.
Resta, portanto, uma razão acadêmica suficiente para explorar o tema da impenhorabilidade do bem de família do fiador em contrato de locação, que embora tenha um suporte jurisprudencial e legal sedimentado, não parece esgotado à discussão acadêmica.
Em contrapartida à regra geral de impenhorabilidade, esta lei trouxe também exceções, entre elas a que se mencionou do bem de família do fiador, no art. 3º, inciso VII, da Lei n. 8.009/90. Para se compreender a penhorabilidade deste, é necessário elucidar a tese jurídica do patrimônio mínimo. O mínimo existencial, núcleo fundamental do princípio da dignidade humana, são os recursos imprescindíveis para o exercício de direitos de personalidade, aquilo que é essencial.
No objetivo de analisar os interesses conflitantes entre credores e fiadores nos contratos locatícios, pretende-se realizar uma pesquisa bibliográfica de cuja análise possa se chegar a uma conclusão que esclareça a harmonia do dispositivo legal que possibilita a penhora do bem de família em questão com os valores constitucionais e a ordem jurídica.
Desta forma, no primeiro capítulo será abordado o instituto do bem de família, tanto no seu aspecto histórico bem como conceitual. Deste ponto, será seguido pela
apresentação do contrato de fiança na locação, para que ao final seja possível completar a o tema com a comparação entre os interesses que envolvem ambos.
Como se pretende analisar o dispositivo legal em questão à luz da Constituição, no segundo capítulo serão tratados os princípios constitucionais pertinentes ao tema. São eles a dignidade da pessoa humana, de grande relevância e conteúdo, função social do contrato, direito à moradia e igualdade substancial (isonomia).
Os dois primeiros capítulos fornecerão conteúdo necessário para a síntese no terceiro capítulo, onde será abordada a interpretação constitucional da penhora do bem de família do fiador de contrato locatício. Serão abordadas tanto as visões doutrinárias e jurisprudenciais, enquanto do uso dos conceitos apresentados no decorrer do capítulo e nos demais capítulos.
1. BEM DE FAMÍLIA E CONTRATO DE FIANÇA NA LOCAÇÃO
Antes de se considerar a penhorabilidade do bem de família consistente em imóvel do fiador em contratos de locação, é imprescindível delimitar o próprio instituto do bem de família e do contrato de fiança na locação.
1.1. Noções preliminares de bem de família
Conceitualmente, o bem de família importa em um imóvel, prédio rural ou urbano, no qual os cônjuges ou entidade familiar residem, garantindo a lei, em regra, a sua impenhorabilidade.
O elemento fundamental e base para a estrutura estatal é a família, sem a qual o Estado não atinge suas finalidades e estabilidade para seu desenvolvimento e manutenção. Neste sentido, é evidente a importância da família como núcleo integrante do Estado e sua proteção imprescindível. Nesta linha de raciocínio que surgiu o instituto do bem de família, como “forma de assegurar essa mais cara instituição, quanto ao mínimo necessário, quanto ao mínimo suficiente à sua existência, equilibrando os interesses particulares com os coletivos”. 1
Embora o objeto de estudo presente seja o bem de família regulado na legislação brasileira, é útil integrar a concepção deste instituto em outras legislações em nível comparativo, de forma a esclarecer suas finalidades, abordagem e adequação ao resguardo da família brasileira.
1.2. Origem histórica do bem de família
Discute-se doutrinariamente a origem histórica do bem de família, se em Roma ou nos Estados Unidos. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx entende pela inexistência do instituto em Roma, apesar de vozes contrárias na doutrina, como as de Xxxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxxx e Xxxxxxx xx Xxxxxxxx, e conclui pelo surgimento nos Estados Unidos da América do Norte, sob o nome de homestead, local do lar (home = lar;
1 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Bem de família: com comentários à Lei 8.009/90. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 15.
stead = local), que se destinava à proteção da pequena propriedade agrícola, residencial, da família.2
Foi pelo Homestead Exemption Act, de origem no estado do Texas, promulgado pela lei local de 1839, incorporado pelos EUA em 1845, que se consagrou o bem de família em sua primeira forma técnica. Tal instituto inovou com a atribuição de impenhorabilidade dos bens imóveis, para além dos bens domésticos móveis. A finalidade do instituto então era de “fixar o homem à terra, objetivando o desenvolvimento de uma civilização, cujos cidadãos tivessem o mínimo necessário a uma vida decente e humana”.3
A preocupação por trás da lei que criou o homestead e seu conceito era a proteção da família pela garantia do mínimo necessário à sua sobrevivência contra as diversas situações econômicas desfavoráveis que pudessem desestabilizar a família. O homestead era o contraponto aos interesses creditícios daquele tempo, manifestação da vontade do legislador de conferir especial proteção à propriedade que era objeto da lei. Assim, diante de grandes dificuldades econômicas que atingiram o território naquele tempo, de consequências negativas desproporcionais, surgiu o instituto aqui estudado, para tutelar a estabilidade familiar e evitar experiências semelhantes no futuro.4
O homestead, então, “é o imóvel destinado ao domicílio familiar, isento de penhora, em defesa a pequena propriedade. Na então República do Texas, pela lei de 26.01.1839, cada família podia possuir, livre de execuções, uma porção de terra rural (50 hectares) ou um terreno urbano de certo valor, nunca superior a 500 dólares”.5
Como explorado acima, o homestead é a figura mais antiga do bem de família em sua forma técnica, o qual despertou em vários outros Estados o interesse pelo instituto para proteger o núcleo familiar de suas respectivas sociedades.6
Embora apenas explorada a origem histórica e não seus desdobramentos no direito comparado, que não é o objeto do estudo, é convenie nte elucidar que o bem
2 AZEVEDO, Xxxxxx Xxxxxxx. Bem de família: com comentários à Lei 8.009/90. 4ª. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 27.
3 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Bem de família: com comentários à Lei 8.009/90. 4ª. S ão Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 30.
4 SANTOS, Xxxxxxxx Xxxxxxx dos. Bem de família: voluntário e legal. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 6.
5 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Bem de família: com comentários à Lei 8.009/90. 4ª. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 93.
6 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Bem de família: com comentários à Lei 8.009/90. 4ª. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 93.
de família conquistou um conceito comum globalmente, qual seja, “meio de garantir um asilo à família, tornando-se o imóvel onde a mesma se instala domicílio impenhorável, enquanto forem vivos os cônjuges e até que os filhos completem sua maioridade.”7
Não foi diferente com o Brasil, que incorporou em sua legislação o bem de família em sentido similar e que se explora a seguir.
1.2.1. O bem de família no Brasil
A dignidade da pessoa humana assumiu papel central a partir da Constituição de 1988, com força de impor a inconstitucionalidade à normas jurídicas em desacordo com o seu conteúdo. O contexto é da repersonalização das normas posteriores à atual Constituição, que trouxe um vasto acervo de novos direitos. Logo, qualquer preferência que se opere em face da tutela do indivíduo, reputa-se inconstitucional. Embora esteja em um panorama de inovações, o bem de família é um dos direitos cuja origem precede a atual Constituição, mas toda a nova perspectiva constitucional se aplica a ele e contribui para sua maior efetividade na finalidade e proteção da família brasileira.8
É vasto o material legislativo que abordou sobre o bem de família no ordenamento jurídico pátrio, que não foi inserido com facilidade e imediatamente. Antes da analise da legislação mais recente e atual (Lei n. 8.009/90 e Lei n. 10.406/2002 – Novo Código Civil), é oportuno destacar a evolução dos diversos projetos de leis que precederam o atual cenário. embora seja grande a discussão que precedeu (Projeto Xxxxxxxxxx Xxxxxxxxxx, de 1893; Projeto de Código Civil de Xxxxxx Xxxxxxxxx; Projeto Malta, de 1903; Lei n. 3.071/16; Decreto -Lei n. 1.608/39; Decreto-Lei n. 3.200/41; Lei n. 6.015/73).9
A primeira ocorrência do bem de família no ordenamento pátrio foi com o projeto Xxxxxxxxxx Xxxxxxxxxx, de 1983, de número 10, que, embora não tenha sido discutido na Câmara, fazia referência ao homestead americano e era bastante adequado à época, pois conferia a impenhorabilidade para os bens móveis da casa.
7 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Bem de família: com comentários à Lei 8.009/90. 4ª. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 93.
8 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de; XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de direito civil: direito das famílias. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 805.
9 SANTOS, Xxxxxxxx Xxxxxxx dos. Bem de família: voluntário e legal. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 49.
No mesmo ano, houve o projeto de Código Civil de Xxxxxx Xxxxxxxxx, que continha artigos que tratavam do homestead, mas que ainda se distanciava deste por não tornar impenhorável o lar da família apesar de ser caracterizado como patrimônio da família, inalienável e indivisível. Este projeto também não foi discutido no Congresso.10
Em 1903, foi criado o projeto Malta, que tratava do homestead no que diz respeito à impenhorabilidade do imóvel rural e, embora não aplicável aos imóveis urbans, já trazia contornos mais criteriosos que abrangia tanto a impenhorabilidade dos imóveis como dos móveis da casa. O projeto foi arquivado e não discutido na Câmara.11
Antes de adentar na legislação específica do bem de família no ordenamento pátrio, um último projeto de lei que não teve sucesso merece ser destacado, o projeto Esmeraldino Bandeira, de 1910, que chegou a ser aprovado, mas foi suspenso para pronunciamento do Congresso que nunca ocorreu. Este projeto demonstrava sua influência marcante do homestead por tratar da impenhorabilidade dos imóveis, apesar de considerar limite de valor.
O bem de família veio a ter regulamentação primeiramente no código civil de 1916, que demonstrou o interesse do legislador em proteger seu objeto, por dar a ele impenhorabilidade e inalienabilidade, como forma de proteção a família contra tos de administração falha ou outros que levassem a família a ter o perigo e não ter moradia.12
Logo mais, também houve regulamentação pelo código de processo civil de 1939, que trazia inovações quanto ao procedimento para instituição do bem de família. Depois, em 1941, surgiu o decreto-lei n. 3.200, que trouxe suporte processual ao que já havia sido disposto pela lei processual da época, para melhor realização do instituto. Por fim, antes de se atingir o atual cenário de normas que atuam sobre o bem de família, a Lei n. 6.015/1973 – Registros Públicos veio para
10 XXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx dos. Bem de família: voluntário e legal. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 49-54.
11 XXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx dos. Bem de família: voluntário e legal. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 54-58.
12 XXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx dos. Bem de família: voluntário e legal. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 59-60.
estabelecer o processo de instituição do bem de família, sem alterar rigorosamente o que já havia de disposto em lei processual.13
Apesar deste grande número de incursões legislativas no tema, o bem de família não teve êxito em cumprir suas finalidades. Diversas vezes, antes do Código Civil de 2002, tentou-se instituir o bem de família, mas nunca com a efetividade no cumprimento de suas finalidades, até pelo uso fortuito da forma voluntária do bem de família, que foi a única existente até a Lei 8.009/90, que não se incorporou nas práticas sociais.14
A inovação mais notável no instituto do bem de família foi pela lei n. 8.009, promulgada em 29 de março de 1990, a qual veio tutelar a família por meio do instituto de bem de família legal, a partir da qual a proteção do bem de família contra a penhora independe da manifestação de vontade individual do proprietário do imóvel de residência da família.15
Assim, o bem de família teve seu núcleo ampliado pela referida norma, com disposição de nítida ordem pública, destinada a salvaguardar a residência do casal ou entidade familiar.16 No âmbito processual é igualmente verificável a impenhorabilidade do bem de família como questão de ordem pública. O ponto mais alto é o da hipótese de revelia, quando o devedor não oferece defesa em juízo mas mesmo assim pode ser reconhecida a impenhorabilidade de ofício, ou seja, é nítida a qualidade de ordem pública da lei na proteção da família. Em outro ponto, esta tutela é irrenunciável, pois não se permite que o bem de família seja nomeado à penhora.17
Ocorre que o bem de família voluntário, embora previsto legalmente, era inefetivo e perdeu muito do eu espaço na prática com o surgimento da lei de bem de família, de ordem pública, que nesta qualidade institui uma modalidade obrigatório do insituto. A lei inspirou-se no bem de família tradicional, do Código Civil, mas trouxe o bem de família legal que conferiu o alcance prático que o instituto merece. O imóvel residencial de moradia familiar passou a ser inatingível, em virtude de disposição legal, não recaindo penhora sobre ele, ainda com o benefício de dispensa de constituição voluntária do instituto, que não possui praticidade alguma.
13 XXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx dos. Bem de família: voluntário e legal. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 61-66.
14 XXXXXX, Xxxxxx xx Xxxxx. Direito civil: direito de família. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 419.
15 XXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx dos. Bem de família: voluntário e legal. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 67
16 XXXXXX, Xxxxxx xx Xxxxx. Direito civil: direito de família. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 422.
17 XXXXXX, Xxxxxx xx Xxxxx. Direito civil: direito de família. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 422.
A lei 8.009/90, portanto, aumentou a abrangência do bem de família tradicional e conferiu utilidade prática ao instituto, que se tornou efetivamente protetor da entidade familiar.18
Sucessivamente, o Código Civil, Lei n. 10.406/2002 ,interessado na efetividade do bem de família, reputada insuficiente na lei anterior, regulamentou o instituto no Livro IV – Do Direito de Família, Título II – Do Direito Patrimonial, Subtítulo IV – Do Bem de Família, arts. 1.711 a 1.722.19
1.3. Conceito, natureza jurídica e classificação
Para se delimitar com maior precisão o conceito do bem de família, antes é oportuno restringir seu objeto. O bem de família tem como objeto um imóvel, qual seja prédio rural ou urbano, de residência da família, protegido de execuções promovidas pelos credores e eventuais penhoras. O Código Civil traz no seu artigo 1.712 “O bem de família consistirá em prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família”20.
Quanto à natureza jurídica do instituto, embora existam alguns embates sobre esta questão, em geral é identificado um consenso. Defende-se que o bem de família possui natureza de “forma de afetação de bens a um destino especial, qual seja, assegurar a dignidade humana dos componentes do núcleo familiar. Isto é, protege-se o bem que abriga a família com o escopo de garantir a sua sobre vivência digna, reconhecida a necessidade de um mínimo existencial de patrimônio, para a realização da justiça social”.21
Com o tempo, houve a alteração do bem de família para se adequar à
sociedade e família brasileira. Até pouco tempo atrás, antes do atual Código Civil e da lei de bem de família, só existia a modalidade voluntária de instituição, como direito subjetivo ligado a uma faculdade, à vontade do instituidor, que decidia pela
18 XXXXXX, Xxxxxx xx Xxxxx. Direito civil: direito de família. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 424.
19 SANTOS, Xxxxxxxx Xxxxxxx dos. Bem de família: voluntário e legal. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 67.
20 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em < xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/XXXX/0000/X00000.xxx>. Acesso em: 8 set. 2016
21 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de:;XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de direito civil: direito das famílias. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 805.
escolha de um imóvel familiar a ser protegido, de pouca aplicação prática e demasiado rigor de disciplina. Com o advento da Lei n. 8.009, o bem de família obrigatório transporta o instituto da qualidade de direito subjetivo para objetivo. Tal juízo é resultado da observação dos aspectos que envolvem a atual configuração deste instituto na modalidade legal, porque, nas palavras de Xxxxxxx Xxxxxxxxx Credie:22
dispensa ato formal de instituição, porque já constituído pela própria lei, ou pelo Estado, e atinge todo e qualquer imóvel onde viva um grupo familiar ou residente isolado, tornando-o impenhorável, e assim os móveis quitados que o guarneç am, ou ainda esses mesmos móveis quitados existentes na casa que, não sendo própria, for alugada, as alfaias, pertenças ou valores agregados.23
As normas que regulam o bem de família, sejam do Código Civil ou da Lei n. 8009/90, devem ser interpretadas para se atingir a finalidade buscada pelo instituto. Não é suficiente a mera extração literal do texto da lei, sob a pena de não se cumprir a finalidade do instituto e sua razão de ser. Logo, a interpretação, tanto doutrinária como jurisprudencial, deve ser operada pelo método teleológico ou finalístico, que deve ser predominante sobre os outros tipos de interpretação de dispositivos legais.24 A finalidade que se almeja é “assegurada constitucionalmente, que é dar a cada família, entidade familiar ou residente único, o próprio teto e, como consequência, sua existência digna”.25
1.4. Impenhorabilidade do bem de família e exceções
Não é possível separar do bem de família o benefício de sua impenhorabilidade, sua característica fundamental. Trata-se do núcleo que traz, junto com a constituição legal do bem, o instrumento para a efetiva proteção da estabilidade do lar familiar. “É este o próprio cerne do instituto, como diz o art. 1.716,
22 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx. Bem de família: teoria e prática. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 23.
23 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx. Bem de família: teoria e prática. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 23.
24 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx. Bem de família: teoria e prática. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 25.
25 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx. Bem de família: teoria e prática. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 24.
deixando o bem “isento de execução por dívida”, salvo(erro, há outras) as provenientes de impostos relativos ao mesmo prédio”.26
Apesar do valor exercido pela impenhorabilidade do bem de família, ele possui exceções veiculadas pelo art. 3º da Lei nº 8.009/90, que se transcreve a seguir:
Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de
execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;
III – pelo credor da pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida;
IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;
V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;
VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.
VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.27
A impenhorabilidade do bem de família legal tem como fundamento a tutela da dignidade do devedor e, consequentemente, de seu patrimônio mínimo. Todavia, a lei traz exceções visto que existem hipóteses em que a dívida possui uma natureza especial com poder de afastar a impenhorabilidade do bem, incidindo penhora e execução sobre ele, com a finalidade de assegurar ao fim a dignidade do credor. 28
A inovação da Lei n. 8.009/90 foi evidente e necessária, embora possua algumas questões controversas, instituindo a impenhorabilidade do bem de família legal, salvo as exceções da própria lei. Se antes o instituto não era efetivo pelo bem de família voluntário, burocrático e nada prático, passa a ter maior aplicabilidade na modalidade legal, cuja “impenhorabilidade do imóvel de moradia decorre imperativamente da lei, independendo da vontade do titular do direito”. A inovação
26 XXXXXX, Xxxxxx xx Xxxxx. Direito civil: direito de família. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 430.
27 BRASIL. Lei nº 8.009, de 29 de março de 1990. Disponível em: < xxxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/Xxxx/X0000.xxx>. Acesso em: 7 set 2016.
28 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de, XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de direito civil: direito das famílias. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 823.
acabou por dar fim ao bem de família voluntário, desestimulado e de utilidade reduzida, o que se verifica no mundo empírico pela recepção do bem de família legal nas relações jurídicas e sociais após vigência da lei.29
1.5. Contrato de fiança na locação
O contrato de fiança é regulado nos artigos 818 a 839 do Código Civil.30
Pela fiança, um terceiro garante o cumprimento de uma obrigação alheia com o seu respectivo patrimônio e assume a responsabilidade de adimplir a obrigação em favor do credor de forma pessoal. Diante da preocupação creditícia pelo eventual descumprimento da obrigação pelo devedor, a fiança é instrumento útil ao credor para que tenha a garantia do objeto contratual.31
Quanto às características do instituto, destacam-se a acessoriedade e a subsidiariedade, as quais determinam que a obrigação assumida pelo credor é própria e independente da obrigação do devedor no contrato, logo, “possui um dever especial de prestar”. Logo, cumprida a obrigação pelo fiador, sua posição é de um terceiro interessado que pagou o débito que garante e por isso assume o direito de receber o valor de volta pela sub-rogação.32
A função da fiança é, portanto, colocar bens de terceiro em condições de execução e penhora, de forma a suprir o inadimplemento da obrigação contratual do devedor e oferecer uma garantia mais forte ao cumprimento além do vínculo contratual. Assim, ao ser efetivada, exerce esta função e cumpre a finalidade da modalidade contratual, qual seja, dar maior força à expectativa creditícia.33
De um lado, o negócio jurídico que envolve a fiança é bilateral, mas do outro o contrato é caracterizado como unilateral. Quer dizer que nesta modalidade contratual apenas uma das partes assume obrigação, ou seja, é bem definido que uma parte é somente credora e a outra somente devedora. Somente o fiador assume obrigação por este contrato, em oposição à situação jurídica do contrato
29 XXXXXX, Xxxxxx xx Xxxxx. Direito civil: direito de família. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 437.
30 XXXXXXX, Xxxxxxxxxx. Contrato de fiança. São Paulo: Atlas, 2013. p. 3.
31 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de; XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de direito civil: contratos. 5. ed. São
Xxxxx: Saraiva, 2015. p. 1.021.
32 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de; XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de direito civil: contratos. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 1.021.
33 FIGUEIREIDO, Xxxxxxx Xxxxx Xxxx de. Contrato de fiança. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 40.
bilateral, onde existe uma relação recíproca de débito e crédito, onde não é possível precisar com exatidão o polo ativo e passivo da obrigação.34
No ordenamento jurídico brasileiro, a fiança é posicionada como a mais importante e relevante modalidade de garantia contratual a com alcance abrangente na ordem econômica e social pátria. É negócio de garantia de natureza pessoal, sem semelhantes expressos na legislação civil, que resulta na predominância desta modalidade na garantia dos contratos. A relevância é ainda mais evidente quando se verifica a sua utilização nos contratos de locação de imóveis, nos quais incide com maior frequência.35
No entanto, esta garantia expressa no Código Civil de 2002 é cercada de polêmicas que atingem vários temas caros ao Direito, inclusive o que se discute. Apesar de toda a polêmica envolvida e que será explorada oportunamente, a dinâmica econômica, em sentido estrito, beneficia-se de um sistema de proteção creditícia eficaz que diminua a preocupação com o eventual inadimplemento e obrigações que antes seriam tuteladas apenas pelo vínculo contratual originário. Estes fatores contribuem com o crescimento econômico, mas devem ser analisados diante de todas as perspectivas, de forma a atingir as finalidades do Direito. Note-se que a jurisprudência não tem olvidado os efeitos das garantias de crédito sobre a economia. 36
Tal predominância da fiança como garantia aos créditos de contratos, especialmente locatícios, demonstra sua amplitude. Assim é por conta da facilidade e custos reduzidos para sua constituição. A acessibilidade da fiança como modalidade de garantia creditícia acaba por possibilitar a inserção de pessoas de variadas camadas sociais e classificações patrimoniais na ordem econômica e movimentação financeira, vide sua ampla incidência no mercado de locações, que exige a constituição deste contrato como requisito para celebração da locação.37
Assim, este contrato leva à responsabilização de um sujeito, chamado fiador, pelo débito de outrem. Se na maioria dos contratos coincidem no mesmo sujeito as obrigações contratuais originárias (dever contratual) e secundárias (responsabilidade), aqui a garantia materializada pela fiança incide sobre o sujeito
34 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de; XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de direito civil: contratos. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 1.022.
35 XXXXXXX, Xxxxxxxxxx. Contrato de fiança. São Paulo: Atlas, 2013. p. 3.
36 FIGUEIREIDO, Xxxxxxx Xxxxx Xxxx de. Contrato de fiança. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 42.
37 FIGUEIREIDO, Xxxxxxx Xxxxx Xxxx de. Contrato de fiança. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 40.
que a assume, somente como sujeito passivo, obrigação e posteriormente não adimple a garantia. Apesar da prevalência da fiança como garantia das relações jurídicas contratuais, não existe impedimento do oferecimento de outras garantias alheias ao patrimônio do fiador, com a finalidade de fortalecimento do contrato. “Na obrigação fidejussória, mediante uma avença entre o fiador e o credor do afiançado, aquele presta caução, tornando-se garantidor de débitos alheios, sem que contudo seja o devedor da prestação de dar, fazer ou não fazer”.38
Por fim, é útil trazer uma distinção clássica apta a sustentar o melhor entendimento da dinâmica contratual da fiança, que se conheceu na doutrina alemã como a diferenciação entre schuld (obrigação, débito) e haftung (responsabilidade), que demonstra a especialidade desta modalidade contratual.39
Schuld “é o conteúdo da obrigação”, o objeto contratual exigível pelo sujeito ativo do contrato contra o passivo, enquanto a haftung carrega o significado de responsabilidade. O último traduz a obrigação jurídica secundária que nasce do direito creditício de fazer do patrimônio do devedor o recurso para satisfação patrimonial substanciada pelo contrato. Em consonância com o explorado acima, estes dois elementos, schuld e haftung, coincidem no devedor. Mas aqui reside a especialidade da fiança enquanto contrato destinado a garantir uma obrigação contratual principal, na atribuição ao fiador apenas a haftung, afastada a schuld, em oposição à regra.40
No próximo tópico será coletado de forma pormenorizada o conjunto de características da fiança, mas ainda cabe concluir e realizar a coesão deste com o próximo. Esta distinção de figuras da doutrina alemã serve para afirmar fiador como unicamente responsável por adimplir o débito que garantiu, nunca assumindo a posição de codevedor ou titular passivo da obrigação. Como será visto, a subsidiariedade é uma característica fundamental da fiança, assim , o fiador não pode ser obrigado a cumprir obrigação principal, que em caso contrário seria uma confusão com a função precípua do devedor.41
38 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de; XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de direito civil: contratos. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 1021.
39 XXXXXXX, Xxxxxxxxxx. Contrato de fiança. São Paulo: Atlas, 2013. p. 4. 40 XXXXXXX, Xxxxxxxxxx. Contrato de fiança. São Paulo: Atlas, 2013. p. 4. 41 XXXXXXX, Xxxxxxxxxx. Contrato de fiança. São Paulo: Atlas, 2013. p. 4.
1.5.1. Características do contrato de fiança
Primeiramente, de modo a destacar as características fundamentais do contrato de fiança, vale resaltar que ela por via de regra será gratuita. Quando se classificam os contratos entre gratuitos e onerosos, deseja-se saber se na origem a intenção das partes era a atribuição e vantagem patrimonial para uma das partes ou ambas. 42
O contrato é classificado como oneroso caso exista uma contrapartida para a vantagem patrimonial relativa a cada sujeito contratual, ou seja, se ocorre uma reciprocidade de prestações. A classificação do contrato como gratuito, que é a mais relacionável com a fiança, verifica-se quando é bem definido que a uma das partes somente é atribuída vantagem patrimonial, enquanto a outro só possui sacrifícios. Além da fiança, também são modalidades contratuais desta espécie a doação e o comodato, que operam justamente pela concessão voluntária de benefícios sem uma respectiva contraprestação. Geralmente o fiador assume esta posição de garantidor em um contrato gratuito, como sujeito que não possui benefícios no meio contratual, apenas sacrifícios, pois está prestando algum favor em razão de vínculos de parentesco, amizade ou qualquer que seja, razões comuns de manifestação deste contrato.43
As características que definem o contrato e fiança são a acessorieade e a sibsidiariedade.Primeiro, a acessoriedade coloca a obrigação do fiador em relação de subordinação ou dependência da obrigação principal relativa ao devedor, “sendo determinada por essa obrigação em termos genéticos, funcionais e extintivos.44
Além da acessoriedade, a fiança tem como ponto central de caracterização a subsidiariedade e benefício de ordem. Significa que a obrigação assumida pelo fiador é subsidiar, ou seja, sua exigibilidade depende do inadimplemento do evedor da obrigação principal, garantida por fiança. A subsidiariedade fica aparente quando manifestado o benefício de ordem, ou excussão, pelo qual o fiador tem o poder de alegar e exigir, caso seja convocado a pagar o débito da obrigação principal, que
42 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de; XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de direito civil: contratos. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 1.023.
43 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de; XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de direito civil: contratos. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 1.023.
44 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de; XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de direito civil: contratos. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 1.027.
antes sejam atingidos os bens do patrimônio do devedor, não os seus, por questão de ordem oriunda da subsidiariedade. 45
Como já tratado, mas cabe reafirmar, no contexto braileiro a fiança tem maior amplitude de incidência nos contratos de locações de imóveis urbanos, com marco legislativo na Lei n. 8.245 de 1991, que veio a sofrer grades alterações por reforma levada à efeito pela Lei n. 12.112, de 9 de dezembro de 2009.46
A análise do que trata a lei que regula os contratos de locação permite identificar 4 (quatro) modalidades de garantia que podem ser exigidas pelo locador do imóvel objeto de locação, como consta do art. 37 da referida lei. Segue, in verbis, o teor do artigo:
Art. 37. No contrato de locação, pode o locador exigir do locatário as seguintes modalidades de garantia:
I - caução; II - fiança;
III - seguro de fiança locatícia.
IV - cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento.
Parágrafo único. É vedada, sob pena de nulidade, mais de uma das modalidades de garantia num mesmo contrato de locação.47
Dentre estas modalidades de garantia trazidas pela lei, a fiança é aquela que, por sua facilidade e custo reduzido, quando há algum custo, logrou a conquista de ser a mais comumente exigida pelos locadores na celebração de contratos locatícios. Como se expôs, em regra estes negócios são celebrados na forma gratuita, pelos mais variados motivos, basta identificar os garantes, geralmente pessoas de confiança do fiador, como, por exemplo, familiares e amigos próximos.48 Evidente a relevância da fiança no território dos contratos de locação, mas igualmente importante a noção da insegurança jurídica que permeia estas relações. Nas diversas manifestações desta forma de garantia nos contratos locatícios, observa-se um risco indesejado e grave para as partes destes contratos, tanto credores como fiadores, materializado nas mudanças de entendimentos
jurisprudenciais nos tribunais superiores.49
45 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de; XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de direito civil: contratos. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 1.030.
46 XXXXXXX, Xxxxxxxxxx. Contrato de fiança. São Paulo: Atlas, 2013. p. 104.
47 BRASIL. Lei nº 8.245 de 18 de outubro de 1991. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxx/x0000.xxx>. Acesso em: 3 set. 2016 48 XXXXXXX, Xxxxxxxxxx. Contrato de fiança. São Paulo: Atlas, 2013. p. 104. 49 XXXXXXX, Xxxxxxxxxx. Contrato de fiança. São Paulo: Atlas, 2013. p. 104.
2. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PERTINENTES
2.1. Dignidade da pessoa humana
Uma grande preocupação que existe no ordenamento jurídico brasileiro é relativa à efetivação de um direito justo em seu âmago. Diante desta situação, o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, por fornecer suficiente conteúdo axiológico, revela-se como o elemento que torna possível a materialização do direito justo. 50
A relevância de tal princípio é tão grande que é possível verificar sua expressão como fundamento prioritário da maioria das declarações de direitos humanos e constituições de países democráticos.51 Apesar de sua evidente importância, dada sua prioridade sobre as demais normas jurídicas, alguns problemas quanto ao seu conteúdo devem ser solucionados para que seja concretizado e, por fim, seja efetivado o direito justo. 52
Duas questões da maior importância quanto ao conteúdo devem ser resolvidas: qual a justificação e qual o conceito do princípio da dignidade da pessoa humana. É importante destacar que apesar do claro benefício operado pelo princípio, tais questões devem ser superadas sob pena de aplicação arbitrária, visto que sua abrangência é ampla. 53
Em primeiro lugar, a dignidade da pessoa humana é considerada princípio fundamental. Destacada essa posição do princípio, é relevante informar que além de princípio fundamental, é o fundamento prioritário de nossa ordem jurídica, o principal dentre os direitos fundamentais, para os quais serve de parâmetro interpretativo. 54 Consta do teor do art. 1º da Constituição pátria, no título dos princípios fundamentais:
50 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: em busca do direto justo. São Paulo: Saraiva. 2010. p. 17.
51 XXXXX, Xxxxx Xxxxx. O princípio da dignidade humana : reflexões a partir da filosofia de Xxxx.
São Paulo: Saraiva, 2013. p. 19.
52 XXXXX, Xxxxx Xxxxx. O princípio da dignidade humana: reflexões a partir da filosofia de Xxxx. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 23.
53 XXXXX, Xxxxx Xxxxx. O princípio da dignidade humana: reflexões a partir da filosofia de Xxxx. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 23.
54 XXXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 59.
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Munic ípios e do Distrito Federal, constitui- se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania; II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição55.
São dois os aspectos apontados pela dignidade humana, análogos e distintos ao mesmo tempo: o primeiro relativo àquilo que é inerente à pessoa, na qualidade de pessoa que nasceu assim; o outro aspecto é relativo a vida das pessoas, como condição de possibilidade para o exercício de uma vida digna. 56
Neste sentido, a dignidade da pessoa humana se revela como um “supraprincípio constitucional”, que nesta qualidade irradia sobre todos os princípios e regras que compõem as normas constitucionais e infraconstitucionais. Assim, este princípio funciona como norte interpretativo que não pode ser desconsiderado em nenhum caso em que se discuta aplicação ou criação de normas jurídicas, dado seu status de prevalência. É questão importante, pois muito se discute sobre a efetiva aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana, quando pode ser dito que é um conceito vago e abstrato que dificilmente pode ser compreendido. Neste sentido, reconhecida sua importância, é preciso o esforço da comunidade jurídica em lhe conferir vigência, em qualquer situação, visto é princípio “vivo, real e pleno”. 57
Neste campo de incertezas, apesar da fundamentalidade de atuação reconhecida ao princípio da dignidade da pessoa humana no escopo do direito positivo, ainda existe a questão dos obstáculos quanto a clareza e revelação de seu conteúdo e significado. Muito desta problemática acontece pelo conceito polissêmico que o princípio possui, o que chega a ser uma ideia pacífica na doutrina entre os autores que já exploraram a sua determinação conceitual. Trata-se de uma expressão “vaga, fluida e indeterminada, de uma noção ambígua e ambivalente ou
55 BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em < xxxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx. br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 25 de out. 2016
56 XXXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana : doutrina e jurisprudência. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 64.
57 XXXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 65.
de uma categoria axiológica aberta”, que exige o constante empenho em sua concretização e realização. 58
Grande problema que se verifica é quanto à banalização do princípio, por causa da vagueza de seu conceito, que o leva a ser reiteradamente aplicado de forma incerta e arbitrária. O problema deste uso irracional leva o princípio a “justificar soluções ou interesses diametralmente opostos”. Tal situação é constante e o princípio muitas vezes é desvirtuado de forma abusiva, constituindo um argumento forte, que também é facilmente aceito, ou então serve como um recurso retórico a favor de interesses particulares e arbitrários dos quais usam os interessados na sua expressão, evidentemente contrária ao conteúdo material do princípio. 59
Cabe deixar claro que na forma de cláusula geral pela qual se manifesta o princípio da dignidade da pessoa humana não é por si só o elemento que prejudica sua aplicação. No ordenamento jurídico, não é a intenção das cláusulas gerais a solução prévia ou uma resposta aos mais diversos casos fáticos que venham a ocorrer. Na verdade, as soluções e “opções hermenêuticas são progressivamente construídas pela jurisprudência e doutrina”. As cláusulas gerais, ao contrário de gerar insegurança, são fundamentais ao ponto que trazem vantagem da superação do “anacronismo jurídico”, pela mobilidade que apresentam, pois levam o intérprete a refletir mais do que o texto ou conceito nele veiculado, abrindo-se caminho para outros espaços da sociedade ou da própria ordem jurídica. 60
Para que exista maior segurança na aplicação deste princípio, é relevante que
se defina sua justificação, que contribui para sua efetiva proteção no cotidiano das atividades jurídicas. A justificação começa por definir materialmente no que consiste a dignidade da pessoa humana, pela sua delimitação material, que permite o consequente entendimento de seu objeto de tutela e de quando é violado nos casos concretos. Portanto, tão importante quanto à proteção prática do princípio, é que se opere sua justificação racional, para que se restrinja a sua aplicação desarrazoado, como constantemente ocorre no Judiciário. 61
58 XXXXX, Xxxxx Xxxxx. O princípio da dignidade humana: reflexões a partir da filosofia de Xxxx . São Paulo: Saraiva, 2013. p. 97.
59 XXXXX, Xxxxx Xxxxx. O princípio da dignidade humana: reflexões a partir da filosofia de Xxxx. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 110.
60 XXXXX, Xxxxx Xxxxx. O princípio da dignidade humana: reflexões a partir da fi losofia de Xxxx. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 119.
61 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: em busca do direto justo. São Paulo: Saraiva. 2010. p. 139.
Na pretensão de se delimitar seu conceito e justificação, a seguir será tratada a concepção ontológica do princípio da dignidade da pessoa humana. Esta concepção é entendida como “toda aquela que considera a dignidade humana como um atributo intrínseco à essência do ser humano”, ou seja, uma condição inerente ao ser humano, inseparável se si e por isso não pode ser violada e de ve sempre se concretizar sua aplicação nos casos concretos. 62 Segue citação de uma tentativa de delimitação de um sentido ético-jurídico do princípio:
Decerto, a dignidade da pessoa humana expressa um conjunto de valores civilizatórios incorporados ao patrimônio da humanidade, cujo conteúdo ético-jurídico vem associado a todo um plexo axiológico de direitos humanos fundamentais dos cidadãos, que se vão agregando historicamente como valores que materializam uma existência digna.63
A ideia apresentada é apoiada majoritariamente, tanto na camada jurídica como política. Tal conclusão se retira da observação da doutrina nacional e estrangeira, no que tange aos “instrumentos éticos e jurídicos internacionais, que frequentemente e reportam a uma perspectiva intrínseca”.64
É importante que se faça a distinção entre as dimensões de eficácia objetiva e subjetiva da dignidade da pessoa humana, uma vez que já esclarecido que possui força normativa e prioridade no ordenamento jurídico pátrio, por sua superioridade valorativa e teleológica. 65
A eficácia subjetiva da dignidade da pessoa humana é correlacionada com sua condição negativa, pela qual o Estado não pode intervir na esfera de atuação da liberdade individual, que abre ao sujeito o direito de resistência. Também é ligada à condição positiva do princípio, quando o Estado é obrigado a concretizar as condições mínimas de vida digna aos seus tutelados, uma vez que o indivíduo possui um “status de liberdade positiva a que pressupõe a atividade estatal” 66
62 XXXXX, Xxxxx Xxxxx. O princípio da dignidade humana: reflexões a partir da filosofia de Xxxx . São Paulo: Saraiva, 2013. p. 154.
63 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: em
busca do direto justo. São Paulo: Saraiva. 2010. p. 142.
64 XXXXX, Xxxxx Xxxxx. O princípio da dignidade humana: reflexões a partir da filosofia de Xxxx . São Paulo: Saraiva, 2013. p. 154.
65 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: em busca do direto justo. São Paulo: Saraiva. 2010. p. 144.
66 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: em busca do direto justo. São Paulo: Saraiva. 2010. p. 144.
Já no que diz respeito à eficácia objetiva do princípio da dignidade da pessoa humana, parte-se do pressuposto de que os direitos fundamentais transcendem o particular e independem dele. Ocorre que os direitos fundamentais manifestam-se como “conjunto de valores objetivos básicos e fins diretivos de ação positiva dos poderes públicos” De outra forma, o status objetivo de direitos fundamentais representa, objetivamente, permissão de controle abstrato de constitucionalidade, visto que se concede algo ao indivíduo enquanto, de forma objetiva, se retira do Estado. 67
2.2. Função social do contrato
Historicamente, a função social do contrato teve uma concepção restrita à função social da propriedade, fruto de uma relação tipicamente oriunda do liberalismo do período moderno, cujos valores supremos da liberdade contratual eram o caminho para se atingir a propriedade. No entanto, “o comércio jurídico não se desenvolve apenas no plano estrutural do utilitarismo econômico. O crédito é um fenômeno social e a riqueza não mais se concentra na propriedade física” . 68
Desta forma, as obrigações manifestam função social, uma finalidade presente no seio da sociedade, em oposição ao estado em que a função social do contrato era ligada à função social da propriedade. Pretende-se, portanto, por sua aplicação, a realização de valores maiores do ordenamento jurídico, como “justiça, a segurança, o valor social da livre-iniciativa, o bem comum e o princípio da dignidade da pessoa humana”, que transcendem a mera circulação de riquezas. 69
O art. 421 do Código Civil, que consta do título V do Livro das Obrigações, é responsável por trazer a norma que consagra o princípio da função social do contrato, além de estabelecer um ponto de relação entre os princípios da solidariedade e liberdade, in verbis: 70
67 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: em busca do direto justo. São Paulo: Saraiva. 2010. p. 144.
68 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de; XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de direito civil: contratos. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 185.
69 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de; XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de direito civil: contratos. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 185.
70 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de; XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de direito civil: contratos. 5. ed. São Paulo, 2015: Atlas. p. 184.
Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. 71
Primeiramente, identifica-se a natureza jurídica de tal princípio como uma cláusula geral. A doutrina traz que são três as cláusulas gerais constantes do dispositivo do artigo mencionado, que são: autonomia privada, respeito à ordem pública e a própria função social do contrato. 72
Superado este ponto, deve ser esclarecido que a norma que traz a função social do contrato possui a funcionalidade de limitação da autonomia da vontade e é de ordem pública, que implica sua aplicabilidade de ofício e a qualquer momento em sede judicial, característica protetiva contra vícios processuais de extra e ultra petita. Outra função do princípio que a doutrina traz é a função instrumentalizadora, por meio da qual o próprio magistrado é levado a participar do contrato, pela prerrogativa de concretizar o disposto pela lei de forma geral e abst rata, ou seja, aplicar a função social do contrato ao caso concreto, nítido reflexo da posição do princípio aludido como cláusula geral. 73
Embora limitadora da autonomia da vontade, em um aspecto interno da relação contratual, não pode ser cometido o engano de que a função social do contrato pretende impedir a liberdade de contratar, como pode ser erroneamente concebido do teor do art. 421 do Código Civil. Ao contrário, pretende legitimar a liberdade de contratar, não impedir, reconhecida então sua a plenitude da autonomia da vontade, mas que deve realizar as finalidades instruídas pelos valores maiores do ordenamento jurídico, como a dignidade da pessoa humana. 74
Ocorre que o contrato está submetido à função social. Até se incluir a ideia de função social no contrato, a ordem jurídica o compreendeu como meio de se consagrar a liberdade negocial. Esta concepção se alterou com a percepção da relevância social do instituto, passando a haver interesse legal em corresponder a princípios como boa-fé e confiança. Desta forma que surge a função social do contrato, relacionada à limitação das liberdades formais. Importante notar que
71 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxxx. gov. br/ccivil_03/leis/2002/L10406. htm> Acesso em: 27 de out. 2016
72 XXXXX XXXX, Xxxxxxx. Função social do contrato. São Paulo, Saraiva, 2011. p. 198.
73 XXXXX XXXX, Xxxxxxx. Função social do contrato. São Paulo, Saraiva, 2011. p. 198.
74 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de, XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de direito civil: contratos. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 198.
limitando o contrato , acaba por afetar seu conteúdo, mas esta limitação acaba por ser justificada pelo papel social que o instituto poss ui. 75
A última função destacada, a instrumentalizadora, é de clara importância. Por meio desta função, o princípio da função social do contrato adquire efetividade e afasta-se qualquer ideia de que seja um princípio abstrato cuja aplicação não seja imediata. Esta acaba por ser uma das maiores preocupações que envolvem o tema, a efetividade e aplicabilidade do princípio dada sua positivação na forma de cláusula geral. 76
Como cláusula geral, o que se propicia à função social do contrato é maior flexibilidade na sua aplicação, visto que as normas desta natureza apresentam este contorno de indeterminação, vagueza e abertura. 77 No entanto, como já apontado, não é um fator que limite a sua efetividade, tão somente é necessário para que se evitem injustiças no campo contratual, embora sempre deva ser observada certa cautela na utilização, visto que cláusulas gerais possuem fins imprecisos.78
Nos moldes da técnica de cláusulas gerais utilizadas pelo legislador, a função social do contrato é um valor que orienta a aplicação de preceitos no ordenamento jurídico. No entanto, a cláusula geral, devido ao seu conteúdo axiológico, não pode ser lida e nem aplicada como uma norma que prescreva conduta, mas como um padrão ou parâmetro hermenêutico. A função social enquanto cláusula geral acaba por ser o ponto de conexão do Código Civil com a Constituição, visto que é nesta onde se dispõe os princípios e valores fundamentais. 79
É perigoso entender a publicização do Direito Civil como uma maneira encontrada de sobreposição do interesse público sobre o privado. Este contraste denota inclusive certo autoritarismo do Estado nas relações privadas. Quando se fala em constitucionalização ou publicização do direito privado, na verdade a questão de ordem pública visa tutelar não um interesse maior ou coletivo, mas um
75 XXXXXXXX XXXXXX, Xxxxxxxx. O contrato e sua função social: A boa-fé objetiva no ordenamento jurídico e a jurisprudência contemporânea. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. Disponível em: <xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/000-00-000-0000-0/>. Acesso em: 28 de out. 2016.
76 XXXXX XXXX, Xxxxxxx. Função social do contrato. São Paulo, Saraiva, 2011. p. 201.
77 XXXXX XXXX, Xxxxxxx. Função social do contrato. São Paulo, Saraiva, 2011. p. 201.
78 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de; XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de direito civil: contratos. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 185.
79 XXXXXXXX XXXXXX, Xxxxxxxx. O contrato e sua função social: A boa-fé objetiva no ordenamento jurídico e a jurisprudência contemporânea. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. Disponível em: <xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/000-00-000-0000-0/>. Acesso em: 28 de out. 2016.
direito fundamental, que em última análise envolve, inclusive, os direitos de liberdade. Perseguindo a realização do direito fundamental, que é um interesse geral, o objetivo é de atender o interesse individual, pois o contrato ainda é instrumento de liberdades e interesse individuais. 80
O que se espera com um princípio como a função social do contrato é a sobreposição do solidarismo em face do individualismo exarcebado. O contexto é de regular as relações privadas e públicas para que realizem o valor almejado por um padrão de solidarismo social, o que não quer dizer a eliminação da autonomia da vontade. É a limitação da liberdade negocial quando em contraposição a direitos fundamentais, estando o contrato numa posição mais abrangente do que a simples disposição de vontade das partes. 81
Neste diapasão, a função social do contrato não pode ser meio para a destruição do próprio contrato. O contrato é termo jurídico que instrumentaliza um fenômeno anterior de ordem econômica. Dada a naturalidade e imprescindibilidade deste fenômeno na ordem social, o direito pode limitar, mas não impedir seu desenvolvimento, visto que o contrato é impactante na sociedade, sendo a base para satisfação de necessidades e aquisição dos bens da vida. O direito tem legitimidade para sua regulamentação, mas jamais a pretexto de alterar sua função precipuamente econômica. 82
Ainda em relação à natureza jurídica da função social do contrato, é necessário trazer a sua já mencionada característica de ordem públi ca, pois é neste ponto que a positivação no Código Civil o levou além e lhe conferiu maior poder, em virtude do disposto no art. 2.035, parágrafo único, in verbis:83
Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus
80 XXXXXXXX XXXXXX, Xxxxxxxx. O contrato e sua função social: A boa-fé objetiva no ordenamento jurídico e a jurisprudência contemporânea. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. Disponível em: <xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/000-00-000-0000-0/>. Acesso em: 28 de out. 2016.
81 XXXXXXXX XXXXXX, Xxxxxxxx. O contrato e sua função social: A boa-fé objetiva no ordenamento jurídico e a jurisprudência contemporânea. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. Disponível em: <xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/000-00-000-0000-0/>. Acesso em: 28 de out. 2016.
82 XXXXXXXX XXXXXX, Xxxxxxxx. O contrato e sua função social: A boa-fé objetiva no ordenamento jurídico e a jurisprudência contemporânea. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. Disponível em: <xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/000-00-000-0000-0/>. Acesso em: 28 de out. 2016.
83 XXXXX XXXX, Xxxxxxx. Função social do contrato. São Paulo, Saraiva, 2011. p. 201.
efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução.
Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.84
Outra questão a ser analisada é a posição da função social do contrato no próprio âmbito contratual. Compreende-se que a autonomia privada não é exercida isoladamente ao princípio ora explorado, visto que tem como razão ou fundamento o próprio princípio. Não se vislumbra a função social do contrato como mera limitação externa ao exercício da autonomia privada, mas sim como um fundamento interno ao seu exercício. Neste sentido que deve ser compreendido o art. 421 do Código Civil, pela correta harmonização dos conceitos que traz, sendo que a autonomia privada tem a função social do contrato presente sempre, como limite interno, não externo, pois não restringe a liberdade de contratar ou contratual, mas regula o contrato com o marco inicial das intenções e desejos das partes por meio deste instrumento. 85
Outra distinção doutrinária diz respeito à eficácia da função social do contrato, que possui pacífico consenso doutrinário na divisão entre função social externa e interna do contrato. 86
Para se falar em função social interna do contrato, é preciso que se realize sua ligação com o já explorado princípio da dignidade da pessoa humana. A dignidade da pessoa humana exerce o mais essencial papel de limite à liberdade do contratante. Este limite é tão importante, pois serve como fator de equilíbrio a uma abstrata liberdade plena do individuo, pela qual tudo faria e nada seria proibido salvo por lei. Isto porque a liberdade e a dignidade da pessoa humana diferem em um ponto, a primeira é um valor pessoal, enquanto a segunda é um valor universal. 87
Esta ideia de dignidade da pessoa humana é imprescindível para a delimitação da função social interna dos contratos, pois é neste sentido que o
84 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxxx. gov. br/ccivil_03/leis/20 02/L10406. htm> Acesso em: 27 out. 2016
85 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de; XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de direito civil: contratos. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 186.
86 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de; XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de direito civil: contratos. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 187.
87 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de; XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de direito civil: contratos. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 190.
contrato é exercido de forma que o indivíduo seja protegido de seus próprios anseios no decorrer da iniciativa contratual. Não é diferente a ideia kantiana, pela qual o indivíduo é um fim em si, não meio, de modo que a função social interna dos contratos o protege de sua instrumentalização sob a égide da liberdade contratual. 88 Desenvolvida a função interna, agora cabe delimitar a função social externa
dos contratos. Como visto, a função interna é relativa às partes do contrato, em que a liberdade é respectiva aos desejos individuais, enquanto a dignidade fornece o equilíbrio ao tratar as partes do contrato como membros do gênero humano e não seres isolados, ou seja, um valor universal. Agora, a função social externa dos contratos transcende esta ideia e trata-se do meio pelo qual a sociedade se manifesta nos contratos elaborados por particulares. Tal função é importante pois reconhece que não existe uma sociedade próxima aos indivíduos e que qualquer distanciamento entre estes dois polos, das partes do contrato e da sociedade, acabaria por tornar ineficaz o princípio da função social do contrato. 89
A função social do contrato então surge como um adicional à função precipuamente econômica. Como fenômeno anterior ao direito, fundado na liberdade negocial e livre iniciativa, o contrato permite a circulação de riquezas e aquisição de bens, sendo esta a sua razão de ser. Se sob o pretexto de limitar o contrato o direito acabasse por retirar a sua economicidade, fundamentado na função social, estaria na verdade impedindo o contrato. Não é compatível o uso do contrato para cumprir uma função social em favor de assistência social ou como caridade a custa do patrimônio de outro, pois desta forma não se estaria falando em contrato propriamente dito. Por isso a função social não seria meta a ser atingida, mas fator de limitação do contrato a partir de dados sociais. A análise da função do contrato se dá a partir de dados econômicos para só então ir a uma análise de dados sociais.90
88 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de; XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de direito civil: contratos. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 187.
89 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de; XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de direito civil: contratos. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 190.
90 XXXXXXXX XXXXXX, Xxxxxxxx. O contrato e sua função social: A boa-fé objetiva no ordenamento jurídico e a jurisprudência contemporânea. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. Disponível em: <xxxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/#/xxxxx/000-00-000-0000-0/>. Acesso em: 28 de out. 2016.
Antes de explorar o conteúdo deste direito constitucionalmente garantido, vale destacar sua disposição textual no corpo da Constituição, em seu art. 6º, transcrito in verbis:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.91
Antes que se explore o que os limites do direito à moradia, é preciso uma breve incursão quanto aos aspectos da vida digna. Pelo seu art. 6º, a Constituição Federal destaca na forma de garantia o que seria o mínimo existencial o u imprescindível para o desenvolvimento de uma vida digna, embora se perceba com facilidade que na realidade muitas são as pessoas que não desenvolvem suas vidas sobre esta proteção.
Não é possível a compreensão deste princípio sem que se considere seu vínculo estreito ao princípio da dignidade da pessoa humana. É evidente que se trata de direito fundamental autônomo, cujo núcleo é o mínimo existencial, neste ponto se aproximando da dignidade humana e sendo considerado direito de personalidade.92
É requisito para o respeito do princípio da dignidade da pessoa humana que sejam assegurados no caso concreto os direitos sociais do art. 6º da Constituição, que está vinculado ao art. 225 da mesma carta, por meio de normas que “garantem como direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma da Constituição, assim como direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida.” 93
São diversas as finalidades dos princípios no ordenamento jurídico, mas uma delas é mais importante neste momento, a de afirmar direitos. Neste contexto, o legislador positivou o princípio da dignidade da pessoa humana, um dos quais
91 BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em
<xxxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx. br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>.
92 XXXXXX, Xxxx; XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx; XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 631.
93 XXXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. 3. ed. São Paulo, 2010: Saraiva. p. 66.
ganhou mais espaço atualmente. O conteúdo deste princípio é associado aos direitos fundamentais, sendo amplo no seu alcance, evidentemente por condensar valores essenciais, enquanto sustenta-se que seu núcleo fundamental é o mínimo existencial. Este comporta tanto o aspecto da subsistência física e o de condições para o exercício de direitos de personalidade, como a liberdade e também o direito à moradia. Desta forma, não pode ser aplicada norma ou princípio que atente contra a dignidade humana, com cautela para que não se operem arbitrariedades indesejadas. 94
No esforço de compreensão do que vem a ser o conteúdo do direito
fundamental à moradia deve ser lembrada a estreita relação com o princípio da dignidade da pessoa humana. Neste sentido, o direito à moradia deve ser entendido como a garantia dada pela ordem jurídica aos indivíduos para que tenham “padrões qualitativos mínimos a uma vida saudável, tudo a revelar a importância, também neste contexto, dos critérios vinculados ao mínimo existencial.”95
O direito à moradia é direito fundamental e, nesta condição, igualmente aos demais direitos fundamentais, admite duas condições jurídicas, a positiva, que diz respeito ao direito de defesa, e a negativa, a qual é relacionada ao direito a prestações. Enquanto na posição jurídica de direito de defesa, ou seja, na condição negativa, o presente direito não permite a arbitrária privação ao indivíduo de uma moradia digna e sem alternativas, numa injustiça produzida tanto pelo Estado como por outros indi víduos. Aqui existe o ponto de convergência com o tema ora tratado, pois verifica-se a impenhorabilidade legal do bem de família no que se refere ao imóvel que serve de moradia ao devedor. 96
É evidente que os direitos sociais são vinculados ao art. 5º, §1º, da Constituição Federal, o qual dispõe que normas definidoras de direitos fundamentais possuem aplicabilidade imediata. “Assim, a impenhorabilidade do patrimônio mínimo de moradia é mandamento dotado de plena eficácia e blindado contra qualquer
94 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. Aplicação e interpretação da Constituição. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 382
95 XXXXXX, Xxxx; XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx; XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 632.
96 XXXXXX, Xxxx; XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx; XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 631.
forma de retrocesso social, apenas sofrendo as ponderações legislativas do art. 3º da Lei no 8.009/90.”. 97
Por fim, como reflexo da constitucionalização do direito civil, o direito à moradia, como mínimo existencial, é vinculante em relação também aos particulares, em semelhança aos demais direitos fundamentais, pela imposição das normas constitucionais ao campo das relações privadas 98
2.4. Igualdade substancial (Isonomia)
O art 5º, caput, da Constituição Federal faz menção ao princípio da igualdade,
in verbis:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:99
Ao tratar da igualdade de todos em razão da lei, não se deve simplificar o conteúdo do disposto na Constituição. Aborda-se a igualdade em sentido mais elaborado, tanto nos aspectos formal como substancial. Desta forma, a proteção constitucional abrange e ultrapassa o formalismo e demanda a aplicação substancial do princípio, como isonomia. 100
A igualdade é o princípio que veda restrições, as quais, quando aparecem, são da própria Constituição ou alinhadas com seus valores. Também possui prestígio em todos os ramos jurídicos, tamanha sua influência. É uma barreira para a própria produção legislativa, com fim de tutelar o tratamento justo dos particulares.101 No sentido classificado pela doutrina como formal, a igualdade é aquela em
que se afirma, sem maior elaboração, a igualdade de todos perante a lei. Contudo,
97 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de, XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de direito civil: contratos. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 333.
98 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de, XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de direito civil: contratos. 5. ed. São
Paulo: Atlas, 2015. p. 334.
99 BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em
<xxxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx. br/ccivil_03/constituicao/ constituicao.htm>. Acesso em: 24 fev. 2017
100 XXXXXXXXX XXXXXX, Xxxxx. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 275.
101 XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx. Manual de direito constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 204
esta afirmação não se preocupa em disponibilizar caminhos para sua concretização substancial. 102
Já a igualdade substancial, também chamada de material, deseja afirmar a a igualdade de forma a superar eventuais desequilíbrios que venham a propiciar injustiças nas relações individuais. Tal fim e concretizado pelo suporte de meios que compensem indivíduos injustamente colocados em uma posição de desvantagem em relação a outros, sejam elas de qualquer espécie, para que o acesso aos bens seja concretizado de forma isonômica. Cabe salientar que os desequilíbrios que se repugnam são aqueles qualificados como injustos, visto que a Constituição não os proíbe quando alinhados com seus valores. Deste panorama que se traduz a máxima de origem aristotélica do princípio da isonomia, datada do Século IV, a.C.: “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de sua desigualdade.” 103 Tal máxima foi elaborada pela doutrina, elaborada a partir da teoria ética de Xxxxxxxxxxx, pela qual o direito é ramificação da ética. 104
Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx identifica os critérios para identificação de desrespeito à isonomia. Para tanto, deve ser realizada a investigação do critério discriminatório, que deve ser justificado racionalmente, pela identificação da correlação lógica abstrata entre o fator de discriminação e o tratamento jurídico específico. Ultrapassada esta investigação preliminar, deve ser realizada a verificação concreta de harmonia da discriminação com o sistema normativo constitucional. 105
Este princípio é dirigido ao aplicador da lei e ao legislador, na medida em que sua atividade de elaboração de leis não permite discriminações ou distinções . “É preciso que o discrímen (fator de discriminação) entre a pessoa e o fato discriminado seja lógico.” 106
Sobre o fator de discriminação, complementa Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx:
102 XXXXXXXXX XXXXXX, Xxxxx. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 275.
103 XXXXXXXXX XXXXXX, Xxxxx. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p.
275.
104 XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx. Manual de direito constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 204
105 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 21-22.
106 XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx. Manual de direito constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 205
Aquilo que é, em absoluto rigor lógico, necessário e irrefragavelmente igual para todos não pode ser tomado como fator de diferenciação, pena de hostilizar o princípio isonômico. Diversamente, aquilo que é diferenciável, que é, por algum traço ou aspecto, desigual, pode ser diferençado, fazendo-se remissão à existência ou sucessão daquilo que dessemelhou as situações. 107
Tal fator de discriminação deve ser compatível com os valores constitucionais, devendo existir lógica na sua atribuição com o princípio da isonomia. A distinção “pode residir nas coisas, pessoas ou situações”, não fora delas, como também não pode ser individualizadora. 108 No Mesmo sentido Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx afirma: “O que se põe em pauta, nuclearmente, portanto, são sempre as pessoas, fatos ou situações, pois só neles pode residir as diferenças”. 109
Qualquer diferenciação estabelecida em lei não pode ser gratuita. A isonomia é afrontada quando o fator de diferenciação não possui correlação lógica com “a inclusão ou exclusão no benefício deferido ou com a inserção ou arredamento do gravame imposto”. 110
Ao elaborar a lei, o legislador deve sempre identificar a existência de ofensa
ao princípio da isonomia. Nesta empreitada, perceberá que muitas vezes ocorrerá diferenciação entre indivíduos, logo deverá identificar quando a diferenciação é ou não devida. De frente à lei, o intérprete também deve, por seus recursos, identificar as discriminações e se elas harmonizam-se com a Constituição. 111
Não é qualquer justificativa racional da diferença que consolida a harmonia de uma lei com a Constituição. In concreto, o bem público é o valor que se deseja realizar, para isso, a diferença deve ser fundamentada “em razão valiosa”, que seja suficiente para estabelecer a harmonia da correlação lógica da diferença com os valore constitucionais. 112
Afinal, a injustiça não cabe na lei. Os recursos para o equilíbrio isonômico nas relações jurídicas é balizado pela por um valor maior, a justiça. Qualquer lei que seja
107 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 32.
108 XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx. Manual de direito constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 205
109 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo:
Malheiros, 2000. p. 33.
110 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 38.
111 XXXXXXXXX XXXXXX, Xxxxx. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 275.
112 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 41.
injusta e atente contra a isonomia, acaba por ser inconstitucional, pois impede o alcance do fim social de fins sociais pacíficos e solidários. 113
Cumpre ainda evidenciar a influência da isonomia nas relações entre indivíduos. Se, em primeiro lugar, mostrou-se que a isonomia irradia-se por todo o sistema jurídico, cabe também esclarecer sua posição de direito subjetivo. 114
A isonomia nas relações privadas se fundamenta pela eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Esta eficácia também é conhecida como privada e sua abrangência é ampla, de modo que os direitos fundamentais tenham aplicabilidade em cenários variados, inclusive entre indivíduos. Distingue -se da eficácia vertical, que tem poder público como sujeito, pelo seu grau de difusão e por atuar no campo dos particulares. 115
Os direitos fundamentais possuem aplicabilidade imediata e não precisam de regulamentação por lei. Tal é a conclusão da teoria imediata da eficáci a horizontal, que apesar de não constar do texto constitucional, é a teoria admitida tanto por doutrina e jurisprudência, que fortalece a normatividade e efetividade constitucional.116
Por fim, a isonomia existe como um dos fundamentos da dignidade da pessoa humana. Sem igualdade, não existe liberdade nem realização do bem comum. Se a lei trata todos como iguais perante a ela, a desigualdade enfrenta a dignidade humana. Salvo exceções, o Estado não pode permitir discriminações em seu sistema jurídico, sob pena de contrariar seus valores e a justiça das relações jurídicas. 117
113 XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx. Manual de direito constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 206
114 XXXXXXXXX XXXXXX, Xxxxx. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p.
277.
115 PUCCINELI XXXXXX, Xxxxx. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 263.
116 XXXXXXXXX XXXXXX, Xxxxx. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 264.
117 XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx. Manual de direito Constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 208
3. (IM)PENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA NOS CONTRATOS DE LOCAÇÃO
3.1. Interpretação segundo a constituição
3.1.1. Direito civil constitucional
Conceitualmente, direito civil constitucional “pode ser definido como a corrente metodológica que defende a necessidade de permanente releitura do direito civil à luz da Constituição.” 118 Contudo, antes de se aprofundar no conceito, cabe uma reflexão histórica do surgimento do instituto.
A lógica do Código Civil de 1916 era marcada pela dimensão da importância
dada ao patrimônio. Tal influência veio do liberalismo do Código Civil francês de 1804, em que se valorizava a liberdade entre os particulares. Regulando as relações do domínio privado, o patrimônio individual era o alicerce que sustentava aquela legislação civil. Naquele panorama, o indivíduo podia dispor de seus bens ou adquirir o de outros com maior liberdade. Era a manifestação da liberdade de contratar. 119
Desta forma, o Código Civil de 1916 destinou a maior parte de seus dispositivos para regular e proteger a relação privada com o patrimônio. A ideia era ter “uma situação não prevista pela legislação como não regulada pelo direito”. 120 No entanto, os eventos que se sucederam no decorrer do século mostraram que os casos concretos eram inúmeros e distintos, esta ideia de “completude” da legislação civil acabou por ser questionada. 121
O Código Civil de 2002 foi reflexo desta mudança de paradigma, inovando em seus valores. Se antes o contrato devia ser cumprido, pela ideia do liberalismo clássico e de princípios como pacta sunt servanda, que vincula as partes ao cumprimento de suas obrigações assumidas, passou a se falar nos princípios da
118 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Direito civil e constituição. In: XXXXXXXXX, Xxxxxxxx; XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx (coord.). Direito civil constitucional. São Paulo: Atlas, 2016. p. 1
119 LISBOA, Xxxxxxx Xxxxxx. Manual de direito civil: teoria geral do direito civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 99.
120 LISBOA, Xxxxxxx Xxxxxx. Manual de direito civil: teoria geral do direito civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 99.
121 LISBOA, Xxxxxxx Xxxxxx. Manual de direito civil: teoria geral do direito civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 100.
eticidade, socialidade e operabilidade. As relações jurídicas não mais eram analisadas pela ótica patrimonial, mas também ela ética e boa-fé objetiva, onde a regulação das relações privadas passou a ser feita também por cláusulas gerais. 122
Especificamente, o termo direito civil constitucional surgiu no Brasil aproximadamente ao mesmo tempo da Constituição de 1988, como se percebe do seguinte trecho:
No Brasil, a expressão “direito civil constitucional” começou a ser
empregada a partir da década de 1990, em estudos de dois civilistas pioneiros. Xxxxxxx Xxxxxxxx e Xxxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxx, recém-chegados da Itália, onde concluíram o curso da prestigiosa Scuola di Specializzazione in Diritto Civile da Università di Camerino, trouxeram na bagagem uma nova metodologia, apreendida diretamente das lições do seu maior expoente no direito italiano, Xxxxxx Xxxxxxxxxxx: a doutrina do direito civil na legalidade constitucional. 123
A herança do Código Civil foi resultado das mudanças sociais brasileiras durante a década de 70. Esta inovação de paradigma consistiu na mudança de percepção do indivíduo, em parte abandonada por uma ideia compatível com o direito mais moderno, pretendendo também uma tarefa menos árdua para o intérprete da lei, por sua operabilidade. Embora tenha ocorrido esta adaptação da lei, já se pode falar em anacronismo da mesma em razão das transformações socioeconômicas que já ocorreram desde então. De toda forma, naquele contexto surgiram princípios que valorizaram a sociedade, como a função social do contrato e da propriedade. Tais princípios vieram como reflexo dos valores já elaborados na Constituição de 1988, que fixou o fim de um era em que se primava por códigos completos. 124
Na tarefa de aplicação do direito civil constitucional, não se propõe uma simplificação ou restrição de seu alcance. Trata-se de, em face de uma situação de relação jurídica do domínio privado, admitir que uma norma constitucional possa ser aplicada diretamente, além do que se chama “aplicação indireta da Constituição”, quando a norma civil é interpretada à luz da norma constitucional. Mas também é
122 LISBOA, Xxxxxxx Xxxxxx. Manual de direito civil: teoria geral do direito civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 101.
c123 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Direito civil e constituição. In: XXXXXXXXX, Xxxxxxxx; XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx (coord.). Direito civil constitucional. São Paulo: Atlas, 2016. p. 1
124 LISBOA, Xxxxxxx Xxxxxx. Manual de direito civil: teoria geral do direito civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 102.
importante ressaltar, deseja-se tanto a aplicação direita como a indireta da Constituição, que ao fim realizam o direito civil constitucional. 125
O direito civil constitucional é consequência destes eventos e mudanças de paradigmas. Por ele, a grande preocupação é a efetividade na tutela dos interesses sociais mais relevantes, tanto sociais como particulares. O que se nota é a superação de qualquer embate ideológico que se proponha, que resulta da era do pós-modernismo, que sucede à postura liberal clássica anterior. 126
Visto que a Constituição deve ser aplicada nas relações privadas direta e indiretamente, tal prática não visa diminuir o Código Civil. Pelo contrário, decidiu-se ultrapassar os limites que separavam a Constituição da lei que rege as relações privadas, de modo que se pretende a maior efetividade possível na realização dos valores da Constituição. Isso porque o ordenamento jurídico admitiu os valores constitucionais como instrumentos que permitem a aproximação. 127
Ao fim, o que se pretende é a realização da justiça. Isto só é possível em virtude dos princípios e harmonia com os valores constitucionais, no que se percebe um constitucionalismo solidário, onde a dignidade humana é de evidente relevância e sem a qual não se realiza a igualdade e isonomia, como justiça distributiva. 128
O liberalismo clássico foi a grande fonte das legislações civis historicamente. Desde a revolução francesa, os recursos para proteção do patrimônio formam o norte que se seguiu na produção legislativa, vide exemplos clássicos de proteção da propriedade privada e a força vinculante dos contratos (pacta sunt servanda). 129
Estes institutos oriundos do liberalismo clássico acabaram por sofrer uma releitura. Com os valores constitucionais da Carta Magna de 1988, ocorreu a funcionalização dos institutos com intenção de atingir a finalidade da realização da dignidade da pessoa humana e solidariedade social. O que se percebe é uma forte mudança de paradigma que visa ao fim a concretização de uma justiça distributiva nas relações privadas, finalidade de âmbito constitucional, onde se busca atingir o
125 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Direito civil e c onstituição. In: XXXXXXXXX, Xxxxxxxx; XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx (coord.). Direito civil constitucional. São Paulo: Atlas, 2016. p. 1.
126 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Direito civil e constituição. In: XXXXXXXXX, Xxxxxxxx; XXXXXX, Xxxxxx
Xxxxxx (coord.). Direito civil constitucional. São Paulo: Atlas, 2016. p. 1.
127 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Direito civil e c onstituição. In: XXXXXXXXX, Xxxxxxxx; XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx (coord.). Direito civil constitucional. São Paulo: Atlas, 2016. p. 1.
128 LISBOA, Xxxxxxx Xxxxxx. Manual de direito civil: teoria geral do direito civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 103.
129 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de; XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de direito civil: direito das famílias. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2015p. 799
princípio da igualdade substancial. Neste sentido, a pessoa está acima do patrimônio no que se refere à proteção concedida pelos institutos civis, que se traduz em despatrimonialização das relações jurídicas.
Conhecidos os princípios da dignidade da pessoa humana e da isonomia, é imprescindível identificá-los como fins da ordem jurídica, não meio. Nesta ótica de despatrimonizalização das relações jurídicas privadas, a finalidade é a pessoa, logo a lei deve fornecer meios para que a dignidade humana seja atingida. Assim, “ é necessário ultrapassar as fronteiras dos direitos da personalidade para buscar, também nos direitos patrimoniais, a afirmação da proteção funcionalizada da pessoa humana.”
Este é o mínimo existencial ou patrimonial, o essencial para a realização da dignidade humana. A Constituição Federal tem em seu art. 3°, III, exemplo de norma que corrobora para este entendimento, onde se prevê a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
Pela garantia do mínimo existencial, fica evidente a orientação pela qual se regem as relações privadas. O patrimônio situa -se abaixo da pessoa, sendo funcionalizado para a realização da dignidade humana, que num contexto maior contribui para a erradicação da pobreza e das desigualdades sociais.
O princípio da dignidade da pessoa humana tem como núcleo fundamental o mínimo existencial, ou a tese do patrimônio mínimo. Em síntese, esta é a resposta do Direito para satisfazer a transição de um modelo fundado na proteção da relação jurídica creditícia para a perspectiva de centralidade da pessoa. 130
A valorização da pessoa acaba por revirar a tese economicista aplicada ao Direito. O patrimônio deixa de ser um fim em si e passa a ser o meio para consecução de um fim, a realização da esfera pessoal. Dado que a perspectiva atual
130 XXXXXX, Xxxx Xxxxx. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000. p. 47.
é a de constitucionalização do direito civil, isto significa olhar para o indivíduo de forma solidária. 131
O direito civil constitucional e o novo cenário conhecido a partir da Constituição de 1988, além de superar o liberalismo clássico, também contribui para a reconfiguração de “institutos antes vocacionados, exclusivamente, à garantia do crédito”. Estes institutos passaram a ser observados em conjunto com os valores constitucionais, onde se deseja realizar a dignidade humana e eles tornam-se meio.132
3.1.2. Mínimo existencial e bem de família do fiador em contrato de locação
Uma das manifestações do ordenamento jurídico na tutela do mínimo existencial, ou patrimônio jurídico, é o bem de família. Além do bem de família, ainda existem outros exemplos de proteção patrimonial, como a proibição da prodigalidade, no entanto, o bem de família assume posição ímpar no ordenamento jurídico para a consagração do mínimo existencial. Por fim, toda proteção neste sentido é destinada é reconhecida “como necessária a preservação de um mínimo de patrimônio para o desenvolvimento de determinadas atividades humanas ”. 133
O doutrinador Xxxxxxxxx Xxxxxx de Xxxxxx ainda faz importante adendo “Forçoso afirmar, ainda, que esse reconhecimento de um patrimônio mínimo à pessoa humana não pode estar limitado à situação econômica ou social do titular .” Desta forma, o patrimônio jurídico mínimo “não tem cifra mensurável” e depende do caso concreto para ser analisado. Como observado, o patrimônio é meio para realização de um fim, a dignidade da pessoa humana, este deve ser o parâmetro de qualquer decisão. 134
Diante do caso concreto que deve ser analisada a ofensa ou não ao mínimo
existencial. Isto se dá em razão da necessidade de sua funcionalização de maneira concreta, para que casuisticamente se verifique a proteção da dignidade da pessoa
131 XXXXXX, Xxxx Xxxxx. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000. p. 47.
132 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de; XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de direito civil: direito das famílias. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 800.
133 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de; XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de direito civil: direito das famílias. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 800.
134 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de; XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de direito civil: direito das famílias. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 800.
humana. O que se nota, portanto, é a alterabilidade do resultado visto que cada indivíduo possui suas particularidades e também, pois a dignidade da pessoa humana é um conceito fluído, diferente ara cada pessoa dependendo do caso. Logicamente, em razão disto o patrimônio jurídico mínimo não pode ser estimado sem um caso prático. 135
Portanto, não seria possível delimitar todas as hipóteses de ocorrência de ofensa ou ao do mínimo existencial. Esta não taxatividade, contudo, é compreensível, em razão da vasta dinâmica das relações jurídicas entre particulares. Sempre existirão casos onde há conflito entre bens particulares e direitos creditícios, sem que seja possível afirmar aprioristicamente o valor dos bens como patrimônio jurídico mínimo. O que se exige da comunida jurídica, portanto, é “importante atuação interpretativa e construtiva”, para que a pessoa seja fim e não meio nas relações em que for titular. Ou seja, ao próprio caso cabe fornecer os elementos que possibilitam afirmar, interpretados sob a luz do direito civil constitucional, o que deve preponderar, os interesses do devedor ou do credor.136
O bem de família e sua impenhorabilidade possuem fundamento justamente
no patrimônio mínimo. Apesar disto, existem exceções à impenhorabilidade desta categoria de bens, em que a dignidade do devedor é preservada mesmo com a penhora. De forma ampla, afirma-se:
as excepcionais hipóteses autorizadoras da penhora do bem de família se justificam através da técnica de ponderação de interesses , uma vez que o pagamento das referidas dívidas se apresenta de grande valor, autorizando a penhora do bem 137.
No entanto, existe uma exceção da impenhorabilidade do bem de família que o doutrinador Xxxxxx Xxxxxxx trata como ofensiva os valores constitucionais, a que se refere ao bem de família do fiador em contrato de locação. São vários os argumentos contra a penhorabilidade do bem de família em questão, mas destaca - se a inconstitucionalidade pela “lesão à isonomia e à proporcionalidade.” Os outros seriam a lesão ao princípio da dignidade da pessoa humana, em suas mais variadas
135 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de; XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de direito civil: direito das famílias. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 799.
136 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de; XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de direito civil: direito das famílias. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 801.
137 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de; XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de direito civil: direito das famílias. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 823.
expressões, seja na função social do contrato e direito à moradia, mas que também guarda relação com a inconstitucionalidade por desrespeito à isonomia. Caso seja possível a penhora do bem “o fiador perde o bem de família e, em direito de regresso, não conseguirá penhorar o imóvel de residência do locatário, que é o devedor principal.” 138
Xxxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxx e Xxxxxx Xxxxxxxxx defendem que “o devedor principal (locatário) não pode ter o seu bem de família xxxxxxxxx, enquanto o fiador (em regra, devedor subsidiário) pode suportar a constrição.” Os autores ainda percebem a irrazoabilidade em “em autorizar o sacrifício genérico do bem de família para o cumprimento de aluguéis .” 139
A lesão à isonomia é facilmente verificada quando se definem os elementos obrigacionais da relação jurídica do fiador em contrato de locação. No contrato de locação está a base jurídica entre fiador e locatário. Pela natureza de suas obrigações, é nitidamente desigual o tratamento dispensado caso se permita a penhora do bem de família do fiador, visto que o do locatário não garante o pagamento da dívida.140 Em sintonia com a teoria do direito civil constitucional, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx sintetizam esta questão:
À luz do Direito Civil Constitucional — pois não há outra forma de pensar modernamente o Direito Civil —, parece-nos forçoso concluir que tal dispositivo de lei viola o princ ípio da isonomia, insculpido no art. 5.o, da CF, uma vez que trata de forma desigual locatário e fiador, embora as obrigações de ambos tenham a mesma causa jurídica: o contrato de locação. 141
Ao elaborar o dispositivo que permite a penhora do bem de família do fiador em contrato locatício, o legislador não exerceu sua atividade de acordo com a Constituição, cometendo grande erro. O bem de família do devedor originário da obrigação, o locatário, ficou protegido pela impenhorabilidade, nos termos da respectiva lei. No entanto, a própria lei admite a penhora do imóvel em que reside o
138 TARTUCE, Xxxxxx. Direito civil: direito de família. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 622.
139 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de, XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de direito civil: direito das famílias. São Paulo: Atlas, 2015. p. 826.
140 GAGLIANO, Xxxxx Xxxxxx; PAMPLONA FILHO, Xxxxxxx. Novo curso de direito civil: direito de família. 6. Ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 404.
141 GAGLIANO, Xxxxx Xxxxxx; PAMPLONA FILHO, Xxxxxxx. Novo curso de direito civil: direito de família. 6. Ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 404.
fiador desta obrigação, o que atenta contra sua dignidade e direito à moradia, bem como a isonomia. 142
Pela incompatibilidade constitucional do dispositivo do art. 3º, inciso VII, da lei 8009/90, Xxxxxx Xxxxxxx cita alguns projetos de leis que pretendem alterar o texto da lei, sendo eles:
Projeto de Lei 408/2008, em trâmite no Senado Federal, proposto
pelo Senador Xxxxxxx Xxxx. Na Câmara dos Deputados, com o mesmo intuito, estão em trâmite pelo menos três projeções para a mesma revogação: XX 0.000/0000, XX 2.368/1996 e PL 1.458/2003.143
Enfim, a doutrina moderna, à luz do direito civil constitucional, entende ser inconstitucional a exceção à impenhorabilidade do bem de família no que tange ao bem do fiador em contrato de locação. Está posição é assim defendida, pois devedores que assumem suas obrigações em razão da mesma base jurídica devem ser tratados igualmente, em virtude da igualdade constitucional, o que não justifica a exceção da exceção que se comenta.144
3.1.3. Controle difuso de constitucionalidade
Conforme as definições expostas acima, Xxxxxxxxx Xxxxxx de Xxxxxx e Xxxxxx Xxxxxxxxx defendem o controle difuso de constitucionalidade como meio para suprir a inconstitucionalidade do dispositivo que permite a penhora de bem de família do fiador em contrato de locação..145
O controle de constitucionalidade é previsto na Constituição de 1988 na forma mista, pois admite tanto o controle pela via difusa como concentrada. Cabe definir os dois sistemas de controle. 146
O controle de constitucionalidade na modalidade concentrada, também conhecido como sistema austríaco ou europeu, concede força para julgar matérias
142 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de; XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de direito civil: direito das famílias. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 826.
143 TARTUCE, Xxxxxx. Direito civil: direito de família. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 625.
144 TARTUCE, Xxxxxx. Direito civil: direito de família. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 622.
145 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de; XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de direito civil: direito das famílias. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 826.
146 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica de jurisprudência. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 87
constitucionais somente aos tribunais superiores ou a uma Corte Constitucional para. 147
O controle difuso de constitucionalidade, também conhecido como americano, difere do concentrado no ponto em que um órgão jurisdicional, não superior, possui o poder-dever para declarar inconstitucional uma lei em determinado caso em que se verifique lesão à valores constitucionais.148
O precedente histórico deste sistema de controle é de origem norte- americana, no caso Marbury v. Madison. Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx contextualiza este julgado, tão influente no direito brasileiro:
Naquela decisão considerou-se competência própria do Judiciário dizer o Direito, estabelecendo o sentido das leis. Sendo a Constituição uma lei, e uma lei dotada de supremacia, cabe a todos os juízes interpretá-la, inclusive negando aplicação às normas infraconstitucionais que com ela conflitem. 149
O Brasil admite a forma difusa de controle desde que é república e ainda tem sua previsão na Constituição de 1988. “Do juiz estadual recém concursado até o Presidente do Supremo Tribunal Federal, todos os órgãos judiciários têm o dever de recusar aplicação às leis incompatíveis com a Constituição.” 150
Desta forma, o controle de constitucionalidade difuso deve ser utilizado para afastar a penhora do bem de família do fiador em locação. Assim, ao magistrado, de ofício, cabe identificar no caso concreto o desacordo desta medida com os valores constitucionais que visam tutelar a dignidade da pessoa humana diante de cada caso concreto, “porque afronta a isonomia constitucional, bem como por ignorar o direito social à moradia”. 151
147 XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx; BRANCO, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx. Curso de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 1080
148 XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx; BRANCO, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx. Curso de direito constitucional. 11.
ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 1081
149 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica de jurisprudência. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 70
150 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica de jurisprudência. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 70
151 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de; XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de Direito Civil: Direito das Famílias.
7. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 826.
3.2. Análise das jurisprudências de tribunais superiores
São dois os julgados paradigmas do STF que tratam da (im)penhorabilidade do bem de família do fiador em contrato de locação. O primeiro é o RE 352.940/ SP, de relatoria do Ministro Xxxxxx Xxxxxxx 152, julgado em 25/04/2005, já o segundo se refere ao RE 407.688/SP, de relatoria do ministro Xxxxx Xxxxxx 153, julgado em 08/02/2006. Cabe ressaltar que os acórdãos divergem entre si, sendo que o último mantém a constitucionalidade do inciso VII do art. 3º da Lei 8.009/90. Esta ultima posição veio a se consolidar com a recente Súmula n. 549 do STJ, de 19 de outubro de 2015.154 Diz a súmula: “É válida a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação.” 155
Na decisão monocrática do Ministro Xxxxxx Xxxxxxx, defendeu-se a inconstitucionalidade da penhora do bem de família do fiador por discordância com Constituição. Tal decisão traduz o entendimento da doutrina civilista contemporânea,
152 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. CONSTITUCIONAL. CIVIL. FIADOR: BEM DE FAMÍLIA: IMÓVEL RESIDENCIAL DO CASAL OU DE ENTIDADE FAMILIAR: IMPENHORABILIDADE. Lei nº 8.009/ 90, arts. 1º e 3º. Lei 8. 245, de 1991, que acrescentou o inciso VII, ao art. 3º, ressalvando a penhora "por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação": sua não - recepção pelo art. 6º, C.F., com a redação da EC 26/2000. Aplicabilidade do princípio isonômico e do princípio de hermenêutica: ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio: onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de Direito. Recurso extraordinário conhecido e provido. Recurso Extraordinário nº 352.940 -4/SP. Requerente: Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxx e Outros. Requerido: Xxxxxx Xxxxxxx xxx Xxxxxx Xxxxx. Relator: Ministro Xxxxxx Xxxxxxx. Brasília, 25 de abril de 2005. Disponível em:
<http://xxx.xxx.xxx.xx/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28%28352940%2ENUME%
2E+OU+352940%2EDMS%2E%29%29+NAO+S%2EPRES%2E&base=baseMonocraticas&url=xxxx://x xxxxxx.xxx/xxxxx vo>. Acesso em: 17 mar. 2017.
153 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. FIADOR. Locação. Ação de despejo. Sentença de procedência. Execução. Responsabilidade solidária pelos débitos do afiançado. Penhora de seu imóvel residencial. Bem de família. Admissibilidade. Inexistência de afronta ao direito de moradia, previsto no art. 6º da CF. Constitucionalidade do art.3º, inc. VII, da Lei nº 8.009/90, com a redação da Lei nº 8.245/91. Recurso extraordinário desprovido. Votos vencidos. A penhorabilidade do bem de família do fiador do contrato de locação, objeto do art. 3º, inc. VII, da Lei nº 8.009, de 23 de março de 1990, com a redação da Lei nº 8.245, de 15 de outubro de 1991, não ofende o art. 6º da Constituição da República. Recurso extraordinário nº 407.688-8/SP. Tribunal Pleno. Requerente: Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx. Requerido: Xxxxxxx Xxxxx. Relator: Ministro Xxxxx Xxxxxx. Brasília, 08 de fevereiro de 2006. Disponível em: <xxxx://xxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxx/xxxxxxxxx.xxx?xxxXXxXX&xxxXXx000000>.
Acesso em: 17 mar. 2017.
154 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de; XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de direito civil: direito das famílias. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 826.
155 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 549. É válida a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxx.xxx.xx/XXXX/xxxxxxx/xxx.xxx?xxxxxx000&&xxX UMU&thesaurus=JURIDICO&p=true#D OC1>. Acesso em: 17 mar. 2017
à luz do direito civil cons titucional, do princípio da isonomia e da proteção do patrimônio jurídico mínimo. 156 Neste sentido cabe a seguinte transcrição da decisão:
Não há dúvida que ressalva trazida pela Lei 8.245, de 1991, inciso VII do art. 3º feriu de morte o princípio isonômico, tratando desigualmente situações iguais, esquecendo-se do velho brocardo latino: ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio, ou em vernáculo: onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de Direito. Isto quer dizer que, tendo em vista o princ xxxx isonômico, o citado dispositivo inciso VII do art. 3º, acrescentado pela Lei 8.245/91, não foi recebido pela EC 26, de 2000. Essa não recepção mais se acentua diante do fato de a EC 26, de 2000, ter estampado, expressamente, no art. 6º, C.F., o direito à moradia como direito fundamental de 2ª geração, direito social. Ora, o bem de família Lei 8.009/90, art. 1º encontra justificativa, foi dito linha atrás, no constituir o direito à moradia um direito fundamental que deve ser protegido e por isso mesmo encontra garantia na Constituição. 157
Em primeiro momento, o STJ também seguiu esta primeira decisão, como se verifica de acórdão de relatoria do ministro Xxxxx Xxxxxxx no REsp nº 699.837/RS.158
Contudo, um ano depois, o entendimento do ministro Xxxxxx Xxxxxxx se mostrou minoritário, em virtude de nova decisão no RE nº 407.688/SP, de relatoria do ministro Xxxxx Xxxxxx. No acórdão, a maioria, representada pelos ministros Xxxxxxx Xxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxx, Xxxxx Xxxxxx, Xxxxx Xxxxxxx, Xxxxxxxxx Xxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx, votou pela constitucionalidade do dispositivo do inciso VII, da Lei de
156 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de, XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de direito civil: direito das famílias. São Paulo: Atlas, 2015. p. 827.
157 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. CONSTITUCIONAL. CIVIL. FIADOR: BEM DE FAMÍLIA: IMÓVEL RESIDENCIAL DO CASAL OU DE ENTIDADE FAMILIAR: IMPENHORABILIDADE. Lei nº 8.009/ 90, arts. 1º e 3º. Lei 8. 245, de 1991, que acrescentou o inciso VII, ao art. 3º, ressalvando a penhora "por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação": sua não- recepção pelo art. 6º, C.F., com a redação da EC 26/2000. Aplicabilidade do princípio isonômico e do princípio de hermenêutica: ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio: onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de Direito. Recurso extraordinário conhecido e provido. Recurso Extraordinário nº 352.940-4/SP. Requerente: Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxx e Outros. Requerido: Xxxxxx Xxxxxxx xxx Xxxxxx Xxxxx. Relator: Ministro Xxxxxx Xxxxxxx. Brasília, 25 de abril de 2005 . Disponível em:
<http://xxx.xxx.xxx.xx/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28%28352940%2ENUME% 2E+OU+352940% 2EDMS% 2E%29%29+NAO+S%2EPRES%2E&base=baseMonocraticas&url=xxxx://x xxxxxx.xxx/xxxxx vo>. Acesso em: 17 mar. 2017.
158 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. LOCAÇÃO. FIADOR. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. ART. 3º, VII, DA LEI Nº 8.009/90. NÃO RECEPÇÃO. Com respaldo em recente julgado proferido pelo Pretório Excelso, é impenhorável bem de família pertencente a fiador em contrato de locação, porquanto o art. 3º, VII, da Lei nº 8.009/90 não foi recepcionado pelo art. 6º da Constituição Federal (redação dada pela Emenda Constitucional nº 26/ 2000). Recurso desprovido. Recurso especial nº 699.837/RS. Quinta Turma . Recorrente: Xxxxx Xxx Xxxxxx Xxxxxxxxx e outro. Recorrido: Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx e outro. Relator: Ministro Xxxxx Xxxxxxx. Brasília, 26 de setembro de 2005. Disponível em:
<xxxxx://xx0.xxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxxxxx/xxxxxxxxx/xxxxxxx/?xxxxxxxxxxxXXX&xxxxxxxxxxx0000000 &num_registro=200401563532&data=20050926&tipo=51&formato=PDF>. Acesso em 17 mar. 2017
Bem de Família. Já os demais ministros, Xxxx Xxxx, Xxxxx Xxxxxx e Xxxxx xx Xxxxx, seguiram a posição anterior e tiveram os votos vencidos. 159
Os ministros que decidiram a constitucionalidade do dispositivo utilizaram-se da defesa de que tal penhora sobre o bem de família do bem de família do fiador no contrato de locação seriam fundamentais para o mercado imobiliário. 160 Segue trecho do acórdão, no voto do relator, Ministro Xxxxx Xxxxxx:
Castrar essa técnica legislativa, que não pré-exclui ações estatais concorrentes doutra ordem, romperia equilíbrio do mercado, despertando exigência sistemática de garantias mais custosas para as locações residenciais, com consequente desfalque do campo de abrangência do próprio direito constitucional à moradia. 161
Do outro lado, defende-se o mesmo que a doutrina de direito civil mais atual, a inconstitucionalidade do da penhora do bem de família do fiado em contrato locatício. O Ministro Xxxx Xxxx foi acompanhado dos Ministros Xxxxx Xxxxxx e Xxxxx xx Xxxxx quando alegou quebra da isonomia constitucional pelo aplicação do dispositivo. Em síntese, o argumento se refere à acessoriedade do contrato de fiança, que não pode conduzir a mais obrigações que o próprio principal. 162 Trecho do voto do Ministro Xxxx Xxxx que resume a posição vencida no acórdão é a seguinte:
Por fim, no que concerne ao argumento no sentido de afirmar que a impenhorabilidade do bem de família causará forte impacto no mercado das locações imobiliárias, não me parece possa ser esgrimido para o efeito de afastar a incidência de preceitos constitucionais, o do artigo 6º e a isonomia. Não hão de faltar
159 TARTUCE, Xxxxxx. Direito civil: direito de família. 11. ed. Rio de Janeiro, 2016: Forense. p. 625.
160 FARIAS, Xxxxxxxxx Xxxxxx de; XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de direito civil: direito das famílias. 7.
ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 827.
161 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. FIADOR. Locação. Ação de despejo. Sentença de procedência. Execução. Responsabilidade solidária pelos débitos do afiançado. Penhora de seu imóvel residencial. Bem de família. Admissibilidade. Inexistência de a fronta ao direito de moradia, previsto no art. 6º da CF. Constitucionalidade do art.3º, inc. VII, da Lei nº 8.009/90, com a redação da Lei nº 8.245/91. Recurso extraordinário desprovido. Votos vencidos. A penhorabilidade do bem de família do fiador do contrato de locação, objeto do art. 3º, inc. VII, da Lei nº 8.009, de 23 de março de 1990, com a redação da Lei nº 8.245, de 15 de outubro de 1991, não ofende o art. 6º da Constituição da República. Recurso extraordinário nº 407.688-8/SP. Tribunal Pleno. Requerente: Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx. Requerido: Xxxxxxx Xxxxx. Relator: Ministro Xxxxx Xxxxxx. Brasília, 08 de fevereiro de 2006. Disponível em: <xxxx://xxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxx/ paginador.jsp?doc TP=AC& doc ID=261768>. Acesso em: 17 mar. 2017.
162 TARTUCE, Xxxxxx. Direito civil: direito de família. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 625.
políticas públicas, adequadas à fluência desse mercado, sem comprometimento do direito social e da garantia constitucional. 163
Cabe ressaltar que instâncias não superiores ainda podem declarar a inconstitucionalidade do dispositivo em foco. Trata-se de possibilidade patente, visto que o STF não exerceu controle de constitucionalidade concentrado164. Desta forma, outras instâncias podem afastar a penhora do bem de família do fiador, pois o acórdão não tem efeito vinculante, visto que seus efeitos não são erga omnes. Complementam Xxxxxxxxx Xxxxxx de Xxxxxx e Xxxxxx Xxxxxxxxx:
De qualquer sorte, com todas as vênias, não nos parece que a possibilidade de penhora do bem de família do fiador locatício seja um instrumento facilitador de uma política eficaz de moradia no Brasil. Muito pelo contrário. Dificultará. Afinal, ninguém, em sã consciência, prestará fiança em contrato de locação de imóvel urbano (regido pela Lei no 8.245/91), impondo ao locatário maior ônus, tendo de assumir os custos de eventual fiança bancária ou mesmo em ter verba pecuniária sobrando para prestar outro tipo de
garantia. 165
Embora o plenário do STF tenha votado pela constitucionalidade do dispositivo e o STJ tenha consolidado jurisprudência por meio de súmula, cabe ressaltar a posição doutrinária pelo controle de constitucionalidade difuso para sanar a inconstitucionalidade de tal penhora. Desta forma, mesmo após a decisão do STF, instâncias inferiores manifestaram sua correspondência com a primeira decisão do STF, do Ministro Xxxxxx Xxxxxxx, e com a doutrina contemporânea do direito civil. 166
163 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. FIADOR. Locação. Ação de despejo. Sentença de procedência. Execução. Responsabilidade solidária pelos débitos do afiançado. Penhora de seu imóvel residencial. Bem de família. Admissibilidade. Inexistência de afronta ao direito de moradia, previsto no art. 6º da CF. Constitucionalidade do art.3º, inc. VII, da Lei nº 8.009/90, com a redação da Lei nº 8.245/91. Recurso extraordinário desprovido. Votos vencidos. A penhorabilidade do bem de família do fiador do contrato de locação, objeto do art. 3º, inc. VII, da Lei nº 8.009, de 23 de março de 1990, com a redação da Lei nº 8.245, de 15 de outubro de 1991, não ofende o art. 6º da Constituição da República. Recurso extraordinário nº 407.688-8/SP. Tribunal Pleno. Requerente: Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx. Requerido: Xxxxxxx Xxxxx. Relator: Ministro Xxxxx Xxxxxx. Brasília, 08 de fevereiro de 2006. Disponível em: <xxxx://xxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxx/ paginador.jsp?doc TP=AC& doc ID=261768>.
Acesso em: 17 mar. 2017.
164 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de; XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de direito civil: direito das famílias. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 827.
165 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de; XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de direito civil: direito das famílias. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 828.
166 GAGLIANO, Xxxxx Xxxxxx; PAMPLONA FILHO, Xxxxxxx. Novo curso de direito civil: direito de família. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 404.
O primeiro voto de destaque, embora vencido, é o do Desembargador Xxxxxxx Xxxxxxxxx, do TJMG, em 2009, onde percebeu a inconstitucionalidade pela quebra da isonomia e violação do direito à moradia. Transcreve-se a conclusão de seu voto
Posto isso, veja-se a contradição: a Lei 8.245, de 1991, excepcionando o bem de família do fiador, sujeitou o seu imóvel residencial, imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, à penhora. Não há dúvida que ressalva trazida pela Lei 8.245, de 1991, - inciso VII do art. 3º - feriu de morte o princípio isonômico, tratando desigualmente situações iguais, esquecendo-se do velho brocardo latino: ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio, ou em vernáculo: onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de Direito. Isto quer dizer que, tendo em vista o princípio isonômico, o citado dispositivo - inciso VII do art. 3º, acrescentado pela Lei 8.245/91, não foi recebido pela EC 26, de 2000. Essa não recepção mais se acentua diante do fato de a EC 26, de 2000, ter estampado, expressamente, no art. 6º, C.F., o direito à moradia como direito fundamental de 2ª geração, direito social. Ora, o bem de família - Lei 8.009/90, art. 1º - encontra justificativa, foi dito linha atrás, no constituir o direito à moradia um direito fundamental que deve ser protegido e por isso mesmo encontra garantia na Constituição. 167
Outro julgado de instância inferior que se destaca é o da Apelação Cível nº 70001903590/RS, da Desembargadora Genacéia da Xxxxx Xxxxxxxx, de 2001. Em seu voto, a relatora afastou a penhora que se discute e sintetizou o que a doutrina veio a defender mais tarde, como se nota do seguinte trecho:
Portanto, válida é a norma que, vigente, não está em contradição com nenhuma norma hierarquicamente superior ou em choque com princípios constitucionais. Conseqüentemente, afastada a noção legalista tradicional, é possível que nós, operadores, identifiquemos a
167 BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. FIANÇA - BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR - IMPENHORABILIDADE - EXCEÇÃO PREVISTA NO ART. 3º, VII DA LEI 8.009/90 - CONFLITO COM O DIREITO À MORADIA -- IMPOSSIBILIDADE. A Lei 8.009/90, ao dispor sobre bem de família, vedou a penhora do imóvel residencial do casal ou da entidade familiar e dos móveis que guarneçam a residência e não constituam adornos suntuosos, estabelecendo, todavia, algumas exceções em seu art. 3º. No que se refere à exceção prevista no inciso VII do art. 3º da Lei 8. 009/ 90 - penhorabilidade do bem de família do fiador em contrato de locação -, o que se observa é que tal disposição, além de afrontar o direito à moradia, garantido no art. 6º, caput, da CF/88, fere os princípios constitucionais da isonomia e da razoabilidade, uma vez que não há razão para estabelecer tratamento desigual entre o locatário e o seu fiador. Agravo de instrumento nº 1.0596. 05.027486 -6/001. 18ª Câmara Cível. Comarca de Santa Rita do Sapucaí. Agravante: Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx. Agravado: Telecel Flui-Ar Comercial Ltda e outro(a)(s) e outros. Relator: Desembargador Elpídio Xxxxxxxxx. 10 de fevereiro de 2009. Disponível em:
<xxxx://xxx0.xxxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xx/xxxx_xxxxxxxxx0.xxx?xxxxxXxxxxxxxxx00000000000000000>. Acesso em: 17 mar. 2017.
invalidade/injustiça de uma norma e deixemos de aplicá-la em observância a um princípio maior.168
Outros julgados que demonstram divergência com o atual posicionamento dos tribunais superiores podem ser citados, são eles: Agravos de Instrumento 010208597169 e 2008203947170, ambos do TJSE; embargos de declaração nº 2006.027903-6171, do TJSC; Agravo de instrumento nº 352151-1172 , do TJPR.
168 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. LOCAÇÃO. E XE CUÇÃO FUNDADA EM CRÉDITO LOCATÍCIO. IMPENHORABILIDADE DO IMÓVEL RESIDENCIAL DO FIADOR. Em se tratando de bem imóvel, sendo o mesmo residência da família, a ele se estende o princípio excepcional da impenhorabilidade do único bem imóvel que sirva de residência familiar, porque o art. 82 da Lei 8.245 que acrescentou o inc. VII ao art. 3º da lei 8.009 afronta o princípio da isonomia constitucional e o direito social à moradia (art. 1º, inc. III, art. 5º, caput, e art. 6º, da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda nº 26/00). Apelo provido, por maioria. Inversão dos ônus da sucumbência. Apelação cível nº 70001903590/RS. 16ª câmara cível. Comarca de Porto Alegre. Apelante: Xxxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx e Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx. Apelado: Astra Cia de Administracao e Comercio. Relator: Desembargadora Genacéia da Silva Alberton. Porto Alegre, 15 de agosto de 2001. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxx.xxx.xx/xxxxx/xxxxxx?xxxxxxx:xxx0.xxxx.xxx.xx/xxxx_xxx/xxxxxxxx/xxxxxxxx_xxxxxxxx.x hp%3Fnome_comarca%3DTribunal%2Bde%2BJusti%25E7a%26versao%3D%26versao_fonetica%3 D1%26tipo%3D1%26id_comarca%3D700%26num_processo_mask%3D70001903590%26num_proc esso%3D70001903590%26codEmenta%3D506240+70001903590++++&proxystylesheet=tjrs_index& client=tjrs_index&ie=UTF-8&site=ementario&access=p&oe=UTF-
8&numProcesso=70001903590&comarca=PORTO%20ALEGRE&dtJulg=15/08/2001&relator=Genac
%C3%A9ia%20da%20Silva%20Alberton&aba=juris>. Acesso em: 17 mar. 2017
169 BRASIL. Tribunal de Justiça de Sergipe. Processo Civil - Execução - Exceção de Pré- Executividade - Contrato de locação - Fiadores - Legitimidade para responder à demanda executiva - Prazo contratual - Prorrogação automática - Responsabilidade até a entrega das chaves - Precedentes do STJ - Inconstitucionalidade da penhora sobre o bem de família do fiador - Entendimento consolidado pelo Plenário deste TJ - Caráter vinculante da decisão - Constrição nula - Prosseguimento do feito executivo em relação a outros bens penhoráveis. I - Não obstante a inexistência de expresso propósito acerca da permanência da fiança para além do prazo fixado contratualmente, havendo prorrogação automática do contrato e existindo cláusula específica prevendo a responsabilidade dos fiadores até a entrega das chaves do imóvel, não há que se falar em exoneração da garantia, permanecendo os mesmos responsáveis pelos débitos existentes até efetiva devolução das chaves, sendo, pois, partes legítimas para responderem a ação executiva respectiva, em conformidade com o entendimento do STJ; II - Restando comprovado se revestir o imóvel constrito da característica de bem de família, impõe-se o reconhecimento da nulidade da penhora, ante o caráter vinculante da decisão proferida pelo Plenário deste Tribunal que reconheceu a inconstitucionalidade do inciso VII, constante do art. 3º, da Lei nº 8.009/90, devendo -se prosseguir a execução em face dos agravantes, sobre outros bens suscetíveis de penhora; III - Recurso conhecido e parcialmente provido. Agravo de instrumento nº 010208597. 2ª câmara cível. Agravante: Xxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxxx e Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Agravado: Xxxx xx Xxxx Xxxxxxxxx x Xxxxx. Relator: Desembargadora Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx. Aracaju, 10 de agosto de 2010. Disponível em:
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170 BRASIL. Tribunal de Justiça de Sergipe. Agravo de instrumento - Execução - Bem de família do
fiador de contrato de locação - Impenhorabilidade - Dignidade da pessoa humana e isonomia - Violação pelo inciso vii do artigo 3º da lei 8.009/90, acrescido pelo artigo 82 da lei 8.245/91 - Inconstitucionalidade - Inexistência de súmula vinculante do stf em sentido contrário - Controle difuso realizado pelo pleno do tribunal de justiça de Sergipe no incidente de inconstitucionalidade 0003/2008
- Recurso desprovido - Decisão unânime. Agravo de instrumento nº 2008203947. 1ª câmara cível. Agravante: Espólio de Xxxxxxxx Xxxx Xxxxxxx. Agravado: Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx Relator: Desembargador Xxxxxxx Xxxxxx Xxxx Xxxxxx. Aracaju, 05 de maio e 2009 . Disponível em:
Portanto, apesar da jurisprudência dos tribunais superiores ter se posicionado pela manutenção do dispositivo do art. 3º, inciso VII, da Lei nº 8.009/90, vide o RE 407.688/SP, de relatoria do Ministro Xxxxx Xxxxxx, e Súmula nº 549 do STJ, não é possível defender o esgotamento da questão. Tal conclusão é possível da análise da jurisprudência que adentra no mérito da questão, que se mostra historicamente divergente. Enquanto a posição atual seja pela constitucionalidade da lei, existem ainda vários julgados que declaram a violação de valores constitucionais pela penhora do bem de família do fiador em contrato de locação. Os principais argumentos neste sentido são a quebra da isonomia constitucional, pela mesma
<xxxx://xxx.xxxx.xxx.xx/xxxxx/xxxxxxxxxxxxxx/xxxxxxxxx_xxx. wsp?tmp. numprocesso=2008203947&xxx.xx mAcordao=20093245&wi. redirect=VXNUX5R2MX0LF0RQX2Y 4>. Acesso e 04 abr. 2017.
171 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - CONTRADIÇÃO - INOCORRÊNCIA - REDISCUSSÃO DE MATÉRIA - IMPOSSIBILIDADE - CABIMENTO RESTRITO ÀS HIPÓTESES ELENCADAS EM LEI (CPC, ART. 535) - PREQUESTIONAMENTO - ART. 3º, VII DA LEI N. 8.009/90 - FIANÇA EM CONTRATO DE LOCAÇÃO - CONSTRIÇÃO DE BEM DE FAMÍLIA - RECONHECIMENTO DA IMPENHORABILIDADE - EXCEÇÃO LEGAL - INCONSTITUCIONALIDADE - DIREITO À MORADIA - CF/88, ART. 6º, CAPUT.I - Não se olvida que " os embargos declaratórios não consubstanciam critica ao oficio judicante, mas servem -lhe ao aprimoramento. Ao aprecia-los, o órgão deve faze-lo com o espirito de compreensão, atentando para o fato de consubstanciarem verdadeira contribuição da parte em prol do devido processo legal". (STF. AI-AgR-ED n. 163047/PR, rel. Min. Xxxxx Xxxxxxx, x. 18-12-1995)II - À luz da legislação processual civil, o cabimento dos embargos de declaração se restringe às hipóteses em que houver obscuridade, contradição ou omissão na sentença ou no acórdão, sobre o qual de via pronunciar-se o juiz ou o tribunal, não servindo, portanto, para obrigar o julgador a renovar ou reforçar a fundamentação do decisório, situação que fica evidenciada quando os embargos se limitam a rediscutir a matéria analisada. III - Para efeito de prequestionamento, a oposição de embargos de declaração pressupõe a existência de obscuridade, contradição ou omissão, não se constituindo no recurso adequado para reanalisar as questões decididas e o acerto do julgado. IV - Não obstante a decisão do Suprem o Tribunal Federal, proferida no RE n. 407.688, reconhecer válida a penhorabilidade do bem de família de fiador em contrato de locação, este órgão fracionário filia-s e à corrente que entende ser a presente exceção uma regra de natureza antiisonômica, e que afronta o direito à moradia, previsto no art. 6º, caput, da norma normarum. Sendo assim, descabe autorizar a constrição do imóvel de família pertencente ao fiador do contrato locatício. Embargos de declaração nº 2006.027903-6. 2ª câmara de direito civil. Comarca de Blumenau. Embargante: Xxxx Xxxxxxxxx e Ivete Xxxxx Xxxxxxxx. Embargado: Administradora John Ltda Relator: Desembargadora Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx. Florianópolia, 07 de fevereiro de 2008. Disponível em:<xxxx://xxxxx.xxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxxxx/xxxx.xx?xx&xxxx_xxxxxxx&xxxxxx&xxxXXXxxXXXXXXXx p6AAB&categoria=acordao >. Acesso em: 04 abr. 2017
172 BRASIL Tribunal de Justiça do Paraná. AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXISTÊNCIA DE DOIS SOBRADOS NO IMÓVEL CONSTRITO. XXXXXXX NÃO ENFRENTADA PELO JUÍZO A QUO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA E INOVAÇÃO RECURSAL CARACTERIZADA. PEDIDO QUE NÃO SE CONHECE - PENHORA DE BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR EM CONTRATO DE LOCAÇÃO. ARTIGO 3º, INCISO VII da Lei 8.009/90. INCONSTITUCIONALIDADE. AFRONTA AOS ARTIGOS 5º E 6º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NA PARTE CONHECIDA, DESPROVIDO. Agravo de instrumento nº 352151-1. 16ª câmara cível. Comarca de Curitiba. Agravante: Xxxxxxxx Xx Xxxxxx Xxxxxxxx: Xxxxxxx Xxxx Xxx E Outra. Relator: Desembargadora Maria Mercis Gomes Aniceto. Curitiba, 16 de novembro de 2016. Disponível em:
<https://xxxxxx.xxxx.xxx.xx/jurisprudencia/j/1531543/Ac%C3%B3rd% C3%A3o-352151-
1#integra_1531543>. Acesso em: 04 abr. 2017.
causa jurídica das obrigações do fiador e do locatário, que atentam contra a dignidade da pessoa humana, função social do contrato e direito à moradia. 173
173 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de, XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de direito civil: direito das famílias. São Paulo: Atlas, 2015. p. 826.
CONCLUSÃO
A penhorabilidade ou não do bem de família do fiador em contrato locatício envolve dois interesses podem se confrontar, a garantia de crédito e o direito à moradia. No entanto, o interesse que deve prevalecer deve ser sempre coerente com os valores constitucionais.
Neste sentido a doutrina elaborou a teoria do direito civil constitucional, pela qual toda atividade do legislador e prática do aplicador da lei nas relações de domínio privado deve ser integrada com a Constituição e seus princípios.
O que se deseja como finalidade é a realização da pessoa, ara a qual o patrimônio é meio. Nestes termos, o princípio da dignidade da pessoa humana alcança relevância ímpar no ordenamento jurídico, de forma que sua violação é inconstitucional. Como princípio, a dignidade da pessoa humana condensa valores da sociedade, sendo que o seu núcleo fundamental é o patrimônio jurídico mínimo da pessoa.
Neste sentido, o bem de família apresenta-se como instituto de maior relevância. É questão de ordem pública e tem a finalidade institucional de proteger o mínimo existencial não somente do fiador, neste caso, mas o de sua família. Esta finalidade existe para conferir estabilidade e perpetuar a moradia familiar, ou seja, tem uma importância social maior. A relevância social do instituto é reconhecida quando surge a lei 8.009/90, que trouxe o regime legal do bem de família demonstrando a preocupação do Estado com a sua eficácia.
Segundo a perspectiva de constitucionalização ou repersonalização do direito civil, à luz do direito civil constitucional, o patrimônio não é mais fim, sim meio para a realização da esfera individual, ou até da família, quando tratando do próprio bem de família. Assim, por esta tese o princípio da dignidade da pessoa humana prepondera sobre interesses de crédito ou estritamente patrimoniais.
Mas diante de toda a harmonia que se busca entre as normas jurídicas, o que se busca é a compatibilidade entre as normas com o mínimo de sacrifícios, no projeto de harmonia e compatibilidade com a Constituição.
A base da relação jurídica que se trata é o contrato de fiança. Por este contrato, o fiador se compromete a garantir o adimpleme nto de uma prestação, respondendo por ela com todo seu patrimônio. A questão é o alcance desta responsabilidade, que pela lei abrange até mesmo o bem de família.
O contrato tem como sua principal função a economicidade, sendo esta a sua finalidade natural. A intervenção estatal é indevida senão nos hipóteses legais, em virtude do risco que se correria com a arbitrariedade. No entanto, a impenhorabilidade do bem de família quando posto em risco o direito à moradia não desnatura esta economicidade, somente diminui o alcance da responsabilidade. Continua o fiador respondendo com seu patrimônio, com exceção do bem de família, isto em razão de um interesse de ordem pública.
De outro lado, a doutrina mais atual alega a inconstitucionalidade da penhora de bem de família do fiador em contrato de locação. Fundamentam sua posição na quebra da isonomia, visto que a causa jurídica das obrigações do fiador e locatário é a mesma e não admite tratamento desigual. Assim, o dispositivo do art. 3º, inciso VII, da lei n. 8.009/90, seria inconstitucional diante da construção doutrinária, por atentar contra a dignidade da pessoa humana, direito à moradia, isonomia constitucional e função social do contrato. Para tanto, defende o controle de constitucionalidade difuso como meio para vencer o dispositivo tratado como inconstitucional.
A jurisprudência dos tribunais superiores, no entanto, apesar de movimento inicial pela inconstitucionalidade, atualmente aceita o dispositivo como constitucional. Apesar deste posicionamento, instâncias inferiores ainda encontram divergência e adotam a doutrina moderna influenciada pelo direito civil constitucional para afastar a penhora do imóvel do fiador em alguns casos.
No confronto do interesse creditício com o a dignidade do fiador, é impenhorável o bem de família do fiador em contrato locatício, apesar de dispositivo legal em sentido contrário. Esta é uma exceção à possibilidade de penhora, fundamentada em interesses patrimoniais de crédito, mas que não destrói o contrato de fiança, apenas limita-o na responsabilidade do devedor. Na solução adequada deste conflito de interesses, entende-se que deve ser realizado o fim socialmente almejado, com a manutenção da harmonia do sistema, sendo este fim é tutela do individuo ou da família em desfavor de interesses meramente patrimoniais, consoante a tese jurídica do patrimônio mínimo e do direito civil constitucional, amparada pela doutrina.
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