Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA VARA EMPRESARIAL DA COMARCA DA CAPITAL
EMBRACON ADMINISTRADORA DE CONSÓRCIO LTDA. – relação de consumo –
contrato de adesão de grupo de consórcio – aquisição de imóveis, automóveis e outros bens duráveis – restituição de parcelas após o término do consórcio – cobrança de encargos em duplicidade – onerosidade excessiva – ofensa a direitos básicos do consumidor – violação do Código de Defesa do Consumidor – desconformidade com jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO, por intermédio do Promotor de Justiça que ao final subscreve, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, e com fulcro na Lei 7.347/85 e 8.078/90, ajuizar a competente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA CONSUMERISTA com pedido de liminar
em face de EMBRACON ADMINISTRADORA DE CONSÓRCIO
LTDA., inscrita no CNPJ/MF n.º 58.113.812/0001-23, com sede na Xxxxxxx Xxxxxx, xx 000, Xxxxxxx Xxxxxxxxxx, Xxxxxxx xx Xxxxxxxx – SP, XXX 00.000-000, pelas razões que passa a expor:
Legitimidade do Ministério Público
O Ministério Público possui legitimidade para propositura de ações em defesa dos direitos
difusos, coletivos e individuais homogêneos, nos termos do art. 81, parágrafo único, I, II e III c/c art. 82, I, da Lei nº. 8078/90, assim como nos termos do art. 127, caput e art. 129, III da CRFB. Ainda mais em hipóteses como a do caso em tela, em que o número de lesados é muito expressivo, sendo a matéria de elevada importância. Claro, portanto, está o interesse social que justifica a atuação do Ministério Público.
Nesse sentido podem ser citados vários acórdãos do E. Superior Tribunal de Justiça, entre os quais:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO COLETIVA. DIREITOS COLETIVOS, INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS E DIFUSOS. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. JURISPRUDÊNCIA. AGRAVO DESPROVIDO.
- O Ministério Público é parte legítima para ajuizar ação coletiva de proteção ao consumidor, inclusive para tutela de interesses e direitos coletivos e individuais homogêneos. (AGA 253686/SP, 4a Turma, DJ 05/06/2000, pág. 176).
Da ausência de interesse na realização de audiência de conciliação ou mediação
Em cumprimento ao art. 319, inciso VII do Código de Processo Civil em vigor, o autor informa que não possui interesse na realização de audiência de conciliação ou de mediação.
No caso em tela, existem fatores que estão a indicar que a mediação constitui um ato infrutífero, que apenas colaborará para o prolongamento desnecessário da lide, uma vez que, no curso do inquérito civil público, no qual foi constatada a irregularidade que constitui a causa de
pedir da presente ação, foi oferecido acordo, não se obtendo sucesso.
Com efeito, a ré expressamente negou o interesse em celebrar Termo de Ajustamento de Conduta. Dessa forma, não há razão para repetir a tentativa de acordo.
E o acordo cuja celebração foi negada pela ré dizia respeito apenas à correção das irregularidades verificadas. A ação proposta ainda busca a reparação dos danos de caráter individual e coletivo, pedidos indisponíveis. Nesse contexto, já se pode antever a absoluta impossibilidade do acordo, que deveria necessariamente englobar todos os pleitos realizados no feito (obrigação de fazer e reparatórios).
Ademais, se uma das partes manifesta que não há interesse em participar da audiência ela não deverá ser realizada.
Xxxxxx Xxxxxxxxxxx Xxxxx0 afirma que:
Não há sentido em designar aquela audiência nos casos em que o autor, indica seu desinteresse na conciliação ou mediação. Até porque seu não comparecimento pode ser entendido como ato atentatório à dignidade da justiça nos moldes do §8º do art. 334. Trata-se de interpretação que se harmoniza e que se justifica com o princípio da autonomia da vontade – tão enaltecido pelo CPC de 2015 – e que, mais especificamente preside a conciliação e a mediação. Expresso, nesse sentido, aliás, o art. 2º, V, da Lei nº 13140/2015, que disciplina a mediação. Ademais, de acordo com o
§ 2º, daquele mesmo art. 2º, ‘ninguém será obrigado a permanecer em procedimento de mediação’. De outra parte, ainda que o autor nada diga a respeito da sua opção em participar, ou não, da audiência de conciliação ou de mediação (quando se presume sua concordância com a designação da audiência consoante se extrai
1 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil.
2. ed. Volume único. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 295.
do §5º do art. 334), pode ocorrer de o réu manifestar-se, como lhe permite o mesmo dispositivo, contra sua realização, hipótese em que a audiência inicialmente marcada será cancelada, abrindo-se prazo para o réu apresentar sua contestação, como determina o inciso II do art. 335).
Por sua vez, Xxxxxxxxx Xxxxxx0 elabora que: “Apesar do emprego, no texto legal, do vocábulo “ambas”, deve-se interpretar a lei no sentido de que a sessão de mediação ou conciliação não se realizará se qualquer de seus pares manifestar, expressamente, desinteresse na composição consensual”.
DOS FATOS
A sociedade ré, Embracon, atua no mercado de consumo como formadora e administradora de grupos de consórcios, cuja participação se destina à aquisição de imóveis, automóveis e outros bens duráveis.
Por meio de procedimento investigatório (inquérito civil reg. 894/2016), cujos autos instruem o presente, foi apurado que os contratos de adesão formulados pelo réu contêm cláusulas extremamente onerosas aos consumidores, além de manifestamente contrárias à lei e à jurisprudência consolidada sobre seu objeto.
A conclusão foi alcançada pela análise de cópias de contratos; peças e decisões em processos judiciais movidos em face do réu; reclamações de consumidores e esclarecimento da própria Embracon, a qual admitiu manter a conduta aqui narrada.
2 XXXXXX, Xxxxxxxxx. Novo Processo Civil Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2016, p. 201.
Tais elementos confirmam a existência de previsão contratual estabelecida pelo réu, em que, nos casos de desistência por um integrante de seus consórcios, só efetiva a devolução dos valores pagos após o encerramento do grupo, o que afronta jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
Da mesma forma, o termo de adesão contém duas cláusulas penais por exclusão do consorciado, onerando de forma excessiva o contratante. Ademais, as sanções se destinariam a ressarcir os supostos prejuízos sofridos pelos consorciados e administradora, sem que haja qualquer comprovação de danos efetivos a serem indenizados.
Como consequência, foi apurada a existência de reiteradas queixas de consorciados da Embracon, os quais narram cobranças de taxas extremamente elevadas para extinção da relação contratual, em extremo prejuízo às suas finanças. Os relatos dão conta de que a devolução dos valores pagos não corresponderia sequer a vinte por cento do total investido, a demonstrar a abusividade dos encargos, conforme se extrai de fls. 67/78 do inquérito civil anexado. Destaca-se, nesse sentido, os seguintes trechos:
(...) Fiz um consórcio e paguei mais de 5mil reais em parcelas e desisti por ficar desempregado e procurei a administração para receber de volta o que paguei, mas fui informado que só receberia no final do grupo. Pois bem, esse final chegou e pasmem, (...) me disseram que eu só tenho direito a receber de volta apenas +- 1.300,00. Como assim, eu perguntei e eles me disseram que tem que descontar as taxas (...).
(...) Fui induzido a cancelar minha conta para entrar em outra cota para ser contemplado mais rápido com informação passada por e- mail por um vendedor da EMBRACON que O VALOR PAGO NA COTA CANCELADA SERIA PASSADA PARA A NOVA COTA
QUITANDO AS ULTIMAS PARCELAS. Isso não ocorreu e estão querendo descontar mais de 50% do valor pago (...).
(...) E na carta, vocês (EMBRACON) me disseram o que eu havia pago ao fundo comum é de R$ 5.729,44 e que teria direito caso estivesse disponível hoje, era de R$ 40.010,60 (-30% de multa contratual) (...).
Trata-se de situação absolutamente iníqua, em que o consorciado desistente enfrenta extrema diminuição patrimonial, sem que haja prova de que esse ônus efetivamente corresponda com os prejuízos porventura causados ao grupo. É patente, nesse cenário, a desproporcionalidade entre danos e benefícios na situação jurídica vertente, sendo injustificáveis e ilícitos os encargos contratuais impostos pelo réu.
Instada a prestar esclarecimentos no procedimento extrajudicial presidido pelo autor, a Embracon defendeu que a devolução retardada de valores pagos pelos consorciados excluídos possui amparo na lei nº 11.795/08, não obstante inexistir tal previsão no diploma legal.
Por outro lado, aduziu que realiza a cobrança de multa de 10% (dez por cento) para indenização do grupo e de 20% (vinte por cento) em favor da própria administradora, cujo acúmulo justifica com base no Código Civil e na Lei de Consórcios. Ocorre que a forma como o réu impõe tais sanções contratuais contraria o próprio ordenamento jurídico, mormente o Xxxxx Xxxxx e o Código de Defesa do Consumidor, além de afrontar jurisprudência que exige comprovação de prejuízos para cobrança de multas indenizatórias.
Com isso, foi proposto Termo de Ajustamento de Conduto que objetivou a convenção de obrigações no
sentido de regularizar os contratos e práticas abusivos da administradora ré. No entanto, a proposição foi rejeitada, extinguindo as tentativas de resolução extrajudicial da problemática.
Nessa esteira, conforme a seguir fundamentado, a procedência dos pedidos autorais é imperativa para coibir maiores lesões à coletividade consumerista ora tutelada, bem como para ressarcir os danos causados pelo réu.
DA FUNDAMENTAÇÃO
a) Falta de amparo jurídico para a restituição de valores pagos somente ao final do consórcio – prejuízo material ao consorciado
Conforme acima exposto, a Embracon, nos consórcios por ela geridos, impõe que a restituição de parcelas pagas pelo consorciado excluído só ocorrerá ao final do prazo de duração do grupo, na última assembleia de contemplação. Estabelece, por exemplo, a cláusula de um dos contratos celebrados:
Ocorre que tal parâmetro se revela extremamente prejudicial ao contratante, além de desprovido de qualquer amparo normativo.
Os consumidores do réu investem recursos significativos nos consórcios, os quais representam
quase a totalidade de suas economias, tendo em vista o objetivo de aquisição de bens de valor vultoso. Ao desistirem do sistema consorcial gerido pela Embracon, se encontram impedidos de reaver o dinheiro aplicado em prazo razoável, de modo a ter suas finanças severamente comprometidas.
A situação, embora ruinosa ao contratante, se revela benéfica ao réu, que assegura acúmulo de capital para sustentar o grupo de consórcio, não obstante a incidência de encargos já indenizatórios à coletividade do sistema.
Não obstante a patente antijuricidade da prática dentro de sua própria realidade, de se asseverar que não há qualquer esteio legal que a legitime.
A lei nº 11.795/08, ao tratar da exclusão de participantes, dispõe:
Art. 30. O consorciado excluído não contemplado terá direito à restituição da importância paga ao fundo comum do grupo, cujo valor deve ser calculado com base no percentual amortizado do valor do bem ou serviço vigente na data da assembléia de contemplação, acrescido dos rendimentos da aplicação financeira a que estão sujeitos os recursos dos consorciados enquanto não utilizados pelo participante, na forma do art. 24, § 1o.
Pela leitura do dispositivo, evocado pelo réu para justificar sua conduta, não se extrai qualquer determinação de que as restituições de valores pagos ocorram somente ao final do grupo de consórcio. A norma supratranscrita apenas dispõe que o cálculo da devolução será feito na apuração do bem ou serviço vigente da data da assembleia de
contemplação, sem especificar que seja a conta feita na última reunião do consórcio.
De fato, o art. 22 da lei em tela define contemplação como a atribuição ao consorciado ao crédito que fez jus, assim como para a restituição das parcelas pagas, no caso dos consorciados excluídos, seguindo a forma do art. 30. Nos termo do art. 18, as contemplações se realizam em assembleias realizadas em periodicidades regulares no curso do grupo.
Assim, ao menos que o contrato de adesão estipule apenas duas assembleias de contemplação, uma inicial e outra final, não há amparo normativo para que o réu imponha a restituição de parcelas pagas apenas com o término do grupo de consórcio.
Confirmando tal entendimento, o Superior Tribunal de Justiça estabeleceu o precedente de que a devolução de valores após o fim do consórcio apenas se aplica àqueles realizados antes da vigência da Lei nº 11.795:
RECLAMAÇÃO. DIVERGÊNCIA ENTRE ACÓRDÃO PROLATADO POR TURMA RECURSAL ESTADUAL E ORIENTAÇÃO FIXADA EM JULGAMENTO DE RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONSÓRCIO. DESISTÊNCIA. DEVOLUÇÃO DE VALORES PAGOS.
1.- A Segunda Seção, no julgamento do REsp nº 1.119.300/RS, prolatado sob o regime do artigo 543-C do Código de Processo Civil, assinalou que a restituição das parcelas pagas pelo participante desistente deve ocorrer em até 30 dias após o término do prazo previsto no contrato para o encerramento do grupo correspondente.
2.- Essa orientação, contudo, como bem destacado na própria certidão de julgamento do recurso em referência, diz respeito apenas aos contratos anteriores à edição da Lei nº 11.795/08.
3.- A própria Segunda Seção já ressaltou, no julgamento da Rcl 3.752/GO, a necessidade de se interpretar restritivamente a tese enunciada de forma genérica no julgamento do REsp
1.119.300/RS: "Para os contratos firmados a partir de 06.02.2009, não abrangidos nesse julgamento, caberá ao STJ, oportunamente, verificar se o entendimento aqui fixado permanece hígido, ou se, diante da nova regulamentação conferida ao sistema de consórcio, haverá margem para sua revisão".
4.- No caso dos autos, o consorciado aderiu ao plano após a edição da Lei 11.795/08, razão pela qual a determinação de devolução imediata dos valores pagos, constante do acórdão reclamado, não representa afronta direta ao que decidido no julgamento do REsp 1.119.300/RS.
5.- Reclamação indeferida e liminar cancelada.
(Rcl 16.112/BA, Rel. Ministro XXXXXX XXXXXX, SEGUNDA SEÇÃO,
julgado em 26/03/2014, DJe 08/04/2014)
Verifica-se no caso, então, prática manifestamente ilícita e lesiva aos consorciados, em violação ao seu direito básico de efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, expresso no art. 6º, VI, do Código de Defesa do Consumidor.
Por conseguinte, são nulas de pleno direito as cláusulas que estabelecem a devolução de quantias pagas ao grupo de consórcio somente ao seu final, vez que contrária ao sistema de proteção do consumidor (art. 51, XV). Dessa forma, esta ação deve ser julgada procedente para coibir o réu de manter convenções nesse sentido.
b) Multas indenizatórias aplicadas em duplicidade – onerosidade excessiva que exige redução da penalidade contratual
Além do diferimento ilícito da restituição das quantias pagas pelos consumidores, a Embracon ainda os onera de maneira excessiva por meio de penalidades contratuais abusivas.
No caso de exclusão de consorciados, os contratos de adesão do réu preveem multa de 10% (dez
por cento) a título indenizatório ao grupo de participantes, somada a multa de até 20% (vinte por cento) a favor da própria Embracon, por alegadas perdas e danos havidos com despesas para a formação inicial do grupo. Para tanto, o réu justifica seu pedido com base no art. 53, §2º, do Código de Defesa do Consumidor e art. 416 do Código Civil. Estabelece, por exemplo, as cláusulas de um dos contratos celebrados:
Contudo, no que tange à retenção de valores relativos ao prejuízo causado ao grupo, a mera previsão contratual não autoriza sua efetivação automática. Isso porque o Superior Tribunal de Justiça, em exegese do art. 53, §2º, da Lei Consumerista, estabeleceu que o desconto de percentual a título de reparação pelos prejuízos causados ao consórcio depende de efetiva prova do prejuízo causado, encargo que se imputa à administradora:
CONSÓRCIO. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE PARCELAS PAGAS. REDUTOR. ART. 53, § 2º, DO CDC. PROVA DO PREJUÍZO. ÔNUS DA ADMINISTRADORA. CORREÇÃO MONETÁRIA. ÍNDICE APLICÁVEL.
I - A possibilidade de se descontar dos valores devidos percentual a título de reparação pelos prejuízos causados ao grupo (art. 53, § 2º, do CDC) depende da efetiva prova do prejuízo sofrido, ônus que incumbe à administradora do consórcio.
II - A atualização monetária das parcelas a serem restituídas deve ser realizada com base em índice que melhor reflita a desvalorização da moeda, o que não corresponde à variação do valor do bem objeto do consórcio.
Recurso não conhecido.
(REsp 871.421/SC, Rel. Ministro XXXXXX XXXXXX, TERCEIRA
TURMA, julgado em 11/03/2008, DJe 01/04/2008)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO CONTRA DECISÃO DE INADMISSÃO DO RECURSO ESPECIAL. CONSÓRCIO. DESISTÊNCIA. COBRANÇA DE CLÁUSULA PENAL. NECESSIDADE DE PROVA DO PREJUÍZO AO GRUPO. PROVA. INEXISTÊNCIA.
SÚMULA 7/STJ.
1. Nos termos da jurisprudência do STJ, "a possibilidade de se descontar dos valores devidos percentual a título de reparação pelos prejuízos causados ao grupo (art. 53, § 2º, do CDC) depende da efetiva prova do prejuízo sofrido, ônus que incumbe à administradora do consórcio." (REsp 871.421/SC, Rel. Ministro Xxxxxx Xxxxxx, Terceira Turma, julgado em 11/3/2008, DJe de 1º/4/2008).
2. O Tribunal de origem, apreciando as peculiaridades fáticas da causa, concluiu que a desistência do agravado não trouxe prejuízo ao grupo consorcial. A modificação de tal entendimento lançado no
v. acórdão recorrido, como ora perseguido, demandaria a análise do acervo fático-probatório dos autos, o que é vedado pela Súmula 7 do STJ, que dispõe: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial".
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp 56.425/RS, Rel. Ministro XXXX XXXXXX, QUARTA TURMA, julgado em 02/02/2012, DJe 17/02/2012)
Em inquérito civil, o autor conferiu à Embracon a oportunidade confirmar os prejuízos na porcentagem estipulada em contrato, o que não foi feito, todavia, pela administradora.
Assim, o réu fixa percentual indenizatório sem aferir as reais perdas sofridas pelo grupo pela saída de um consorciado. A cobrança de encargo decorrente da exclusão só pode ocorrer se resultado
de estipulação criteriosa e técnica da ônus a ser aplicado, cuja conclusão deve ser transparente ao consumidor, em respeito ao dever de informação e boa- fé objetivo. Não é, contudo, o que ocorre no caso em pauta, em que a multa aplicada pela Embracon é convencionada arbitrariamente, sem qualquer informação aos consumidores acerca dos correspondentes prejuízos que ela visa a ressarcir.
Notório, portanto, é a desconformidade da prática comercial do réu com a jurisprudência vigente sobre a matéria, bem como no que diz respeito à aplicação do art. 53, §3º, do Código de Defesa do Consumidor.
Por outro lado, cumulada à multa indenizatória do grupo, os termos de adesão da Embracon aplicam penalidade de até 20% (vinte por cento) por rescisão contratual, a qual, segundo alegado pela empresa, se destina ressarcir perdas e danos da administradora.
No entanto, seguindo os esclarecimentos prestados por ela prestados em inquérito civil, tais prejuízos patrimoniais remunerariam suas despesas e investimentos na formação inicial do consórcio.
Ocorre que eventuais perdas sofridas pela administradora estão vinculadas ao desequilíbrio econômico do grupo consorcial decorrente da saída de um dos participantes. Os prejuízos patrimoniais ou cessação de lucros da empresa gestora são inerentes àqueles do consórcio, de forma que inexiste razão para que se incida encargo sancionatório extra ao excluído.
Ademais, os investimentos iniciais da Embracon são remunerados pelo contratante, ao entrar no sistema de consórcio, por meio de taxa de administração antecipada, cuja incidência pode ser confirmada na cláusula 41 do contrato de fl. 13 do procedimento investigatório anexado:
Desse modo, os prejuízos causados pela saída do participante se consolidam no decorrer do consórcio, não nas despesas iniciais para sua criação, as quais já foram pagas no ingresso ao grupo.
Por essa lógica, a aplicação das duas multas indenizatórias em questão significa penalizar em dobro, pelo mesmo fato, o consorciado excluído.
Por natureza, tal circunstância já representa enorme ônus ao consumidor, encargo que se agrava ao se considerar os índices sancionatórios praticados pelo réu, que, cumulados, alcançam até 30% (trinta por cento) dos valores investidos pelo consorciado (cumulados ainda com a perda da taxa de administração paga e sua antecipação, bem como prêmio de seguro).
Trata-se de onerosidade excessiva ao consumidor por incidência de cláusulas contratuais abusivas e iníquas, nos moldes do art. 51, IV c/c
§1º, do Código de Defesa do Consumidor:
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (...)
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
(...)
§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que: (...)
III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso. (Grifou-se_
No caso, a natureza do contrato é aquela de consumo, a qual envolve parte em vulnerabilidade econômica e técnica frente ao fornecedor contratado.
Os consórcios fornecidos pela Embracon tem por objeto a compra de bens duráveis, os quais estão sujeitos aos preços mais elevados do mercado de consumo. O sistema consorcial, diante disso, se mostra como alternativa para consumidores cujo poder aquisitivo não lhes permite arcar de forma direta com a aquisição dos produtos. Então, o comprometimento do potencial comprador, nesse caso, envolve vultoso dispêndio e subtração expressiva de suas finanças, sacrifício necessário para obter bem essencial que é o da moradia.
O corte dos valores aplicados pelo consumidor nesses consórcios, na forma feita pelo réu, portanto, se revela nefasto diante da acentuada hipossuficiência da parte contratante. A imposição de onerosidade excessiva em tais casos, tão sensíveis à subsistência dos interessados, exige repúdio à conduta tanto em esfera legal como judicial.
Na primeira hipótese, além dos dispositivos supracitados do Estatuto Consumeristas, o Código
Civil marca que a penalidade contratual manifestamente excessiva deve ser reduzida equitativamente tendo em vista a natureza e finalidade do negócio:
Art. 413. A penalidade deve ser reduzida eqüitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.
Cuida-se exatamente da hipótese em tela, na qual o réu estipula multas indenizatórias em duplicidade em contratos que se dedicam, na prática, à compra de bens duráveis, os quais dependem de investimentos volumosos por parte do contratante. Ao impor percentagens elevadas sobre esses valores, há evidente ruína do patrimônio do consumidor, gravame desmoderado sobre pessoa em posição vulnerável na relação contratual.
Por conseguinte, a prática deve ser igualmente repudiada na esfera judicial, com a prestação jurisdicional para reduzir a penalidade aplicada pela Embracon, o que se pleiteia por meio desta demanda em tutela da coletividade consumerista prejudicada.
Em casos análogos, o Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que a onerosidade excessiva de multa compensatória exige sua redução a patamar justo, a fim de evitar enriquecimento indevido pela parte contrária:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
CONTRATO DE COMPRA E VENDA. MULTA CONTRATUAL. ONEROSIDADE EXCESSIVA.
MATÉRIA QUE DEMANDA REEXAME DE PROVAS E DA RELAÇÃO CONTRATUAL.
SÚMULAS 5 E 7 DO STJ. DESPROPORCIONALIDADE DO VALOR. REDUÇÃO.
PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. O acórdão estadual consignou que o valor avençado acarretou excessiva onerosidade ao promissário-comprador e o enriquecimento sem causa do promitente-vendedor. A revisão do julgado demandaria reexame de todo âmbito da relação contratual estabelecida e incontornável incursão no conjunto fático-probatório dos autos, o que esbarra nas Súmulas n. 5 e 7 do STJ.
2. A jurisprudência consolidada neste Sodalício permite, quando verificada a onerosidade ao promissário-comprador, a possibilidade de redução da cláusula penal compensatória a patamar justo.
Precedentes.
3. Agravo interno não provido.
(AgInt no AREsp 996.306/MG, Rel. Ministro XXXX XXXXXX XXXXXXX, QUARTA TURMA, julgado em 14/02/2017, DJe
20/02/2017) (Grifou-se)
PROCESSO CIVIL - AGRAVO REGIMENTAL - CONTRATO - COMPRA E VENDA DE IMÓVEL - RESCISÃO - DEVOLUÇÃO DAS PARCELAS PAGAS - CLÁUSULA PENAL COMPENSATÓRIA - REDUÇÃO A PATAMAR JUSTO - ARTIGOS 920 E 924, DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 - POSSIBILIDADE - DESPROVIMENTO.
1 - A jurisprudência das duas Turmas que compõem a Segunda Seção, desta Corte, é firme no sentido da possibilidade de redução da cláusula penal no contrato de compra e venda, quando verificado, no caso concreto, que o valor avençado acarreta excessiva onerosidade do promissário-comprador e o enriquecimento sem causa do promitente-vendedor. Precedentes (REsp nºs 134.636/DF, 330.017/SP, 292.942/MG e 158.193/AM).
2 - Agravo Regimental desprovido.
(AgRg no Ag 660.801/RS, Rel. Ministro XXXXX XXXXXXXXXXX, QUARTA TURMA, julgado em 17/05/2005, DJ 01/08/2005, p. 469)
PROMESSA DE VENDA E COMPRA. RESOLUÇÃO. PERDA DAS PARCELAS PAGAS.
REDUÇÃO PROPORCIONAL NOS TERMOS DO ART. 924 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916.
– Na conformidade com o disposto no art. 924 do Código Civil/1916, acha-se o Juiz autorizado a reduzir a cláusula penal (perda total das prestações pagas) a patamar justo, com a finalidade de evitar o locupletamento indevido de qualquer das partes.
Segundo recurso especial conhecido e provido parcialmente, prejudicado o primeiro.
(REsp 134.636/DF, Rel. Ministro XXXXXX XXXXXXXX, QUARTA
TURMA, julgado em 27/05/2003, DJ 18/08/2003, p. 209)
Pelo tanto exposto, impende a redução das penalidades indenizatórias praticadas pela
administradora ré. Para tanto, as multas devem ser concentradas em porcentagem única, destinada a reparar o desequilíbrio sofrido pelo grupo de consórcio, sem, contudo, que haja ônus demasiado ao consorciado excluído.
Considerando que o réu não apresenta cálculo de efetivas perdas causadas na exclusão de participantes, deve ser fixado valor não superior a 10% (dez por cento) das contribuições do integrante, montante adequado aos fins aqui propostos.
d) Os danos materiais e morais causados aos consumidores considerados individualmente
Fica claro, pelo todo o exposto, que a conduta do réu é capaz de gerar danos aos consumidores individualmente considerados.
Para que haja condenação em danos morais e materiais individuais, não é necessário que o autor da ação civil pública demonstre os danos individualmente sofridos pelos consumidores.
Em sede de ação civil pública, devem os réus ser condenados ao ressarcimento dos consumidores, vez que o CDC expressamente prevê que, na ação coletiva visando a responsabilidade civil por danos causados aos consumidores individualmente considerados, deve ser prolatada sentença genérica, verbis:
Art. 91. Os legitimados de que trata o art. 82 poderão propor, em nome próprio e no interesse das vítimas ou seus
sucessores, ação civil coletiva de responsabilidade pelos danos individualmente sofridos, de acordo com o disposto nos artigos seguintes.
Art. 95. Em caso de procedência do pedido, a condenação será genérica, fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados.
A comprovação do prejuízo individual deve ser realizada em fase de liquidação de sentença, conforme previsto no artigo 97 do Código de Defesa do Consumidor:
Art. 97. A liquidação e a execução de sentença poderão ser promovidas pela vítima e seus sucessores, assim como pelos legitimados de que trata o art. 82.
Exatamente por isso, o art. 103, § 3º do CDC trouxe o instituto do transporte in utilibus secundum eventum litis da coisa julgada coletiva.
Para materialização do princípio do máximo benefício, os réus devem, no bojo da ação civil pública, ser condenados a indenizar as vítimas pelos danos provocados.
Nesse sentido, vale a pena citar o esclarecedor precedente do Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TELEFONIA MÓVEL. CLÁUSULA DE FIDELIZAÇÃO. DIREITO CONSUMERISTA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ARTS. 81 E 82, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ART. 129, III, DA CF. LEI COMPLEMENTAR N.º 75/93. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO OU QUAISQUER DOS ENTES ELENCADOS NO ARTIGO 109, DA CF/88. PROCESSUAL
CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. PREENCHIMENTO DOS PRESSUPOSTOS DO ARTIGO 273, DO CPC. SÚMULA 07/STJ. JULGAMENTO EXTRA PETITA. INOCORRÊNCIA.VIOLAÇÃO DO ART. 535, I e II, DO CPC. NÃO CONFIGURADA.
(...)
7. Deveras, o Ministério Público está legitimado a defender os interesses transindividuais, quais sejam os difusos, os coletivos e os individuais homogêneos.
8. Nas ações que versam interesses individuais homogêneos, esses participam da ideologia das ações difusas, como sói ser a ação civil pública. A despersonalização desses interesses está na medida em que o Ministério Público não veicula pretensão pertencente a quem quer que seja individualmente, mas pretensão de natureza genérica, que, por via de prejudicialidade, resta por influir nas esferas individuais.
9. A assertiva decorre do fato de que a ação não se dirige a interesses individuais, mas a coisa julgada in utilibus poder ser aproveitada pelo titular do direito individual homogêneo se não tiver promovido ação própria.
(...)
20. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido. (grifou-se).3
Conclui-se que o Código de Defesa do Consumidor exige que o autor da ação civil pública demonstre apenas a potencialidade lesiva da conduta perpetrada pelo réu e, no caso em tela, inegável a possibilidade de sofrimento de prejuízos de ordem moral e material, por parte dos consumidores, em razão da conduta por ele adotada, dado a significativa redução patrimonial acarretada, bem como retenção indevida de valores pagos.
Verifica-se, portanto, que restou demonstrada a potencialidade lesiva da conduta perpetrada pela ré, devendo a comprovação do prejuízo individual ser realizada na fase de liquidação de sentença, na forma do art. 97 do Código de Defesa do Consumidor.
e) Os danos morais e matérias causados aos consumidores considerados de forma coletiva
3 REsp. 700.206/MG, Rel. Ministro XXXX XXX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 09/03/2010, DJ em 19/03/2010.
Em face das circunstâncias fáticas aqui apresentadas, deve a Embracon ser condenada, ainda, a ressarcir da forma mais ampla possível os consumidores, coletivamente considerados, pela violação ao Código de Defesa do Consumidor.
Note-se que a administradora ré experimenta enriquecimento sem causa, na medida em que retém valores de elevada monta, relativos a porcentagem abusiva de multas aplicadas no caso de exclusão de consorciados, com onerosidade excessiva a esses. Trata-se de situação de prejuízo que merece reparação tanto em caráter coletivo como individual.
Em um primeiro momento, é importante frisar, com relação ao dano moral coletivo, a sua previsão expressa no nosso ordenamento jurídico nos art. 6º, VI e VII do CDC:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
VI - a efetiva proteção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;
VII – o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;
No mesmo sentido, o art. 1º da Lei nº.
7.347/85:
Art. 1º Regem-se pelas disposições desta lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: (grifou-se).
I – ao meio ambiente; II – ao consumidor;
III – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo;
V – por infração da ordem econômica e da economia popular; VI – à ordem urbanística.
Assim, como afirma Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx, em artigo dedicado especificamente ao tema, “além de condenação pelos danos materiais causados ao meio ambiente, consumidor ou a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, destacou, a nova redação do art. 1º, a responsabilidade por dano moral em decorrência de violação de tais direitos, tudo com o propósito de conferir-lhes proteção diferenciada”.4
De acordo com o autor, a concepção do dano moral coletivo não pode está mais presa ao modelo teórico da responsabilidade civil privada, de relações intersubjetivas unipessoais.
Tratamos, nesse momento, uma nova gama de direitos, difusos e coletivos, necessitando-se, pois, de uma nova forma de sua tutela. E essa nova proteção, com base no art. 5º, inciso XXXV da Constituição da República, se sobressai, sobretudo, no aspecto preventivo da lesão. Por isso, são cogentes meios idôneos a punir o comportamento que ofenda (ou ameace) direitos transindividuais.
Nas palavras do mesmo autor, “em face da exagerada simplicidade com que o tema foi tratado legalmente, a par da ausência de modelo teórico próprio e sedimentado para atender aos conflitos transindividuais, faz-se necessário construir soluções que vão se utilizar, a um só tempo, de algumas noções extraídas da responsabilidade civil, bem como de perspectiva própria do direito penal”.5
Portanto, a par dessas premissas, vemos que a função do dano moral coletivo é homenagear os princípios da prevenção e precaução, com o intuito de
4 XXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxx. Dano moral coletivo. In Revista de Direito do Consumidor nº 59/2006.
5 , Xxxxxxxx Xxxxxx. Dano moral coletivo. In Revista de Direito do Consumidor nº 59/2006.
propiciar uma tutela mais efetiva aos direitos difusos e coletivos, como no caso em tela.
Menciona, inclusive, Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx que “como reforço de argumento para conclusão relativa ao caráter punitivo do dano moral coletivo, é importante ressaltar a aceitação da sua função punitiva até mesmo nas relações privadas individuais.”.6
Ou seja, o caráter punitivo do dano moral sempre esteve presente, até mesmo nas relações de cunho privado e intersubjetivas. É o que se vislumbra da fixação de astreintes e de cláusula penal compensatória, a qual tem o objetivo de pré- liquidação das perdas e danos e de coerção ao cumprimento da obrigação.
Ademais, a função punitiva do dano moral individual é amplamente aceita na doutrina e na jurisprudência. Tem-se, portanto, um caráter dúplice do dano moral: indenizatório e punitivo.
É o mesmo se aplica, nessa esteira, ao dano moral coletivo.
Em resumo, mais uma vez se utilizando do brilhante artigo produzido por Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx, “a dor psíquica ou, de modo mais genérico, a afetação da integridade psicofísica da pessoa ou da coletividade não é pressuposto para caracterização do dano moral coletivo. Não há que se falar nem mesmo em “sentimento de desapreço e de perda de valores essenciais que afetam negativamente toda uma coletividade” (Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxx) “diminuição da estima, inflingidos e apreendidos em dimensão coletiva” ou “modificação desvaliosa do espírito coletivo” (Xxxxx Xxxxx). Embora a afetação negativa do estado anímico (individual ou coletivo) possa ocorrer, em face das mais diversos
meios de ofensa a direitos difusos e coletivos, a configuração do denominado dano moral coletivo é absolutamente independente desse pressuposto”.7
Constitui-se, portanto, o dano moral coletivo de uma função punitiva em virtude da violação de direitos difusos e coletivos, sendo devidos, de forma clara, no caso em apreço.
As prática comercial perpetrada pelo réu, conforme visto, viola o Código de Defesa do Consumidor. É necessário, pois, que o ordenamento jurídico crie sanções a essa atitude, a par da cessação da prática, sendo essa a função do dano moral coletivo.
Nesse sentido a jurisprudência, do STJ E TJ-RJ, com o reconhecimento do dano moral coletivo:
RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - EMPRESA DE TELEFONIA - PLANO DE ADESÃO - LIG MIX - OMISSÃO DE INFORMAÇÕES RELEVANTES AOS CONSUMIDORES - DANO MORAL COLETIVO - RECONHECIMENTO - ARTIGO 6º, VI, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - PRECEDENTE DA TERCEIRA TURMA DESTA CORTE - OFENSA AOS DIREITOS ECONÔMICOS E MORAIS DOS CONSUMIDORES CONFIGURADA - DETERMINAÇÃO DE CUMPRIMENTO DO JULGADO NO TOCANTE AOS DANOS MATERIAIS E MORAIS INDIVIDUAIS MEDIANTE REPOSIÇÃO DIRETA NAS CONTAS TELEFÔNICAS FUTURAS - DESNECESSÁRIOS PROCESSOS JUDICIAIS DE EXECUÇÃO INDIVIDUAL - CONDENAÇÃO POR DANOS MORAIS DIFUSOS, IGUALMENTE CONFIGURADOS, MEDIANTE DEPÓSITO NO FUNDO ESTADUAL ADEQUADO.
1.- A indenização por danos morais aos consumidores, tanto de ordem individual quanto coletiva e difusa, tem seu fundamento no artigo 6º, inciso VI, do Código de Defesa do Consumidor.
2.-Já realmente firmado que, não é qualquer atentado aos interesses dos consumidores que pode acarretar dano moral difuso. É preciso que o fato transgressor seja de razoável significância e desborde os limites da tolerabilidade. Ele deve ser grave o suficiente para produzir verdadeiros sofrimentos,
intranquilidade social e alterações relevantes na ordem extrapatrimonial coletiva.
Ocorrência, na espécie. (REsp. 1221756/RJ, Rel. Ministro XXXXXXX XXXXX, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/02/2012, DJe 10/02/2012).
3.- No presente caso, contudo restou exaustivamente comprovado nos autos que a condenação à composição dos danos morais teve relevância social, de modo que, o julgamento repara a lesão causada pela conduta abusiva da ora Recorrente, ao oferecer plano de telefonia sem, entretanto, alertar os consumidores acerca das limitações ao uso na referida adesão. O Tribunal de origem bem delineou o abalo à integridade psico-física da coletividade na medida em que foram lesados valores fundamentais compartilhados pela sociedade.
4.- Configurada ofensa à dignidade dos consumidores e aos interesses econômicos diante da inexistência de informação acerca do plano com redução de custo da assinatura básica, ao lado da condenação por danos materiais de rigor moral ou levados a condenação à indenização por danos morais coletivos e difusos.
5.- Determinação de cumprimento da sentença da ação civil pública, no tocante à lesão aos participantes do "LIG-MIX", pelo período de duração dos acréscimos indevidos: a) por danos materiais, individuais por intermédio da devolução dos valores efetivamente cobrados em telefonemas interurbanos e a telefones celulares; b) por danos morais, individuais mediante o desconto de 5% em cada conta, já abatido o valor da devolução dos participantes de aludido plano, por período igual ao da duração da cobrança indevida em cada caso;
c) por dano moral difuso mediante prestação ao Fundo de Reconstituição de Bens Lesados do Estado de Santa Catarina;
d) realização de levantamento técnico dos consumidores e valores e à operacionalização dos descontos de ambas as naturezas; e) informação dos descontos, a título de indenização por danos materiais e morais, nas contas telefônicas.
6.- Recurso Especial improvido, com determinação (n. 5 supra). (REsp. 1291213/SC, Rel. Ministro XXXXXX XXXXXX, TERCEIRA
TURMA, julgado em 30/08/2012, DJe 25/09/2012 – grifo nosso).
ADMINISTRATIVO - TRANSPORTE - PASSE LIVRE - IDOSOS - DANO MORAL COLETIVO - DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA DOR E DE SOFRIMENTO - APLICAÇÃO EXCLUSIVA AO DANO MORAL INDIVIDUAL - CADASTRAMENTO DE IDOSOS PARA USUFRUTO DE DIREITO
- ILEGALIDADE DA EXIGÊNCIA PELA EMPRESA DE TRANSPORTE - ART. 39, § 1º DO ESTATUTO DO IDOSO - LEI 10741/2003 VIAÇÃO NÃO PREQUESTIONADO.
1. O dano moral coletivo, assim entendido o que é transindividual e atinge uma classe específica ou não de pessoas, é passível de comprovação pela presença de prejuízo à imagem e à moral coletiva dos indivíduos enquanto síntese das individualidades percebidas como segmento, derivado de uma mesma relação jurídica-base.
2. O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de dor, de sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis de
apreciação na esfera do indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e coletivos.
3. Na espécie, o dano coletivo apontado foi a submissão dos idosos a procedimento de cadastramento para o gozo do benefício do passe livre, cujo deslocamento foi custeado pelos interessados, quando o Estatuto do Idoso, art. 39, § 1º exige apenas a apresentação de documento de identidade.
4. Conduta da empresa de viação injurídica se considerado o sistema normativo.
5. Afastada a sanção pecuniária pelo Tribunal que considerou as circunstancias fáticas e probatória e restando sem prequestionamento o Estatuto do Idoso, mantém-se a decisão.
5. Recurso especial parcialmente provido.
(REsp 1057274/RS, Rel. Ministra XXXXXX XXXXXX, SEGUNDA
TURMA, julgado em 01/12/2009, DJe 26/02/2010)
f) O Termo de Ajustamento de Conduta celebrado – garantia mínima
A assinatura de Termo de Ajustamento de Conduta noticiada pela ré em fls. 83 e segs. dos autos do Inquérito Civil não implica em qualquer óbice à propositura da presente ação.
A uma, porque ele foi firmado antes da edição da lei nº 11.795/08 que integra a fundamentação jurídica da presente ação.
A duas, porque os direitos em discussão são indisponíveis, de forma que o Termo de Ajustamento configura garantia mínima em prol da coletividade, mas não impede que a mesma matéria seja levada a juízo por um co-legitimado:
Em face das premissas que assentamos, especialmente em razão de não terem os legitimados ativos da ação civil pública ou coletiva qualquer disponibilidade sobre o conteúdo material da lide, só podemos concluir que o compromisso de ajustamento de conduta constitui garantia mínima em prol da coletividade: nada impede que os co-legitimados,
eventualmente insatisfeitos com o ajuste, peçam em juízo mais do que aquilo já acordado; nada impede que os lesados individuais, pelos mesmos motivos, peçam em ações individuais mais do que aquilo que espontaneamente lhes foi reconhecido no compromisso. (xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxx/xxxxxxx/xxxxxxx.xxx).
DO PEDIDO LIMINAR
Diante do quadro aqui exposto, impende que seja conferida tutela de urgência satisfativa à demanda, liminarmente.
Pelo presente, aduz-se a estipulação de cláusulas contratuais abusivas e iníquas aos consumidores, uma vez que o réu, Embracon, impinge multas indenizatórias em dobro em seus termos de adesão a consórcios, onerando de forma excessiva o consorciado. Ao mesmo tempo, os contratos contém previsão de que as parcelas pagas pelo consumidor só poderão ser reavidas com o término do grupo de consórcio, o que pode levar mais de dez anos. Tais medidas são desprovidas de qualquer amparo judicial, ao passo que afrontam, diretamente, direitos básicos dos consumidores previstos no Estatuto Consumerista, além de contrariar jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça.
Assim, a tese ora sustentada encontra esteio não só à luz dos preceitos constitucionais que conferem ao consumidor o direito a receber especial proteção do Estado, como também do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor que erige a direito básico do
consumidor a proteção e prevenção contra danos patrimoniais e morais.
As alegações autorais, nesse sentido, se encontram embasadas pelos documentos que instruem a petição inicial, consubstanciados em procedimento investigatório instaurado pelo Ministério Público. Nele foi colhido incontestável quadro probatório da prática abusiva abordada, sendo integrado por cópia do contrato de adesão da Embracon, reclamações de consumidores acerca dos fatos expostos, e admissão da própria empresa a respeito da prática narrada.
Tais elementos confirmam a probabilidade de existência do direito pleiteado, uma vez que o cenário ilustrado na demanda constitui, em cognição sumária, afronta aos direitos básicos dos consumidores envolvidos com embasamento por provas inequívocas.
Por outro lado, a demora de um provimento jurisdicional definitivo acerca da matéria em exame implica perigo de dano irreversível ao patrimônio dos consumidores afetados. Caso a prática comercial em comento permanece em vigência até o término desta ação, diversos consumidores integrarão consórcios geridos pelo réu, estando sujeitos às cláusulas lesivas que os regem.
Pelo exposto, estão preenchidos, no caso, os requisitos de fumus boni iuris e periculum in mora exigidos pela lei processual para o deferimento da tutela de urgência (art. 330).
Portanto, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO requer LIMINARMENTE E SEM A OITIVA DA
PARTE CONTRÁRIA que seja determinado initio litis ao réu que, sob pena de multa diária no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais):
I) restitua as parcelas pagas pelos consorciados excluídos na assembleia de contemplação subsequente ao seu pedido de exclusão, sem exigência de encerramento do grupo;
II) limite quaisquer descontos ou penalidades sobre a restituição das parcelas pagas pelos consorciados excluídos ao percentual máximo de 10% (dez por cento).
DOS PEDIDOS PRINCIPAIS
O Ministério Público requer ainda:
a) que, após apreciado liminarmente e deferido, seja confirmado o pleito formulado em caráter liminar, de forma a condenar o réu a, sob pena de multa diária no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais):
I) restituir as parcelas pagas pelos consorciados excluídos na assembleia de contemplação subsequente ao seu pedido de exclusão, sem exigência de encerramento do grupo, com a declaração de nulidade das cláusulas contratuais que disponham de modo diverso e alteração dos respectivos termos;
II) limitar quaisquer descontos ou penalidades sobre a restituição das parcelas pagas pelos consorciados excluídos ao percentual máximo de 10% (dez por cento), com a declaração de nulidade das cláusulas contratuais que disponham de modo diverso e alteração dos respectivos termos;
b) que seja o réu condenado a indenizar, da forma mais ampla e completa possível, os danos materiais e morais de que tenha padecido o consumidor, individualmente considerado, em virtude dos fatos narrados, a serem apurados em liquidação;
c) seja o réu condenado a reparar os danos materiais e morais causados aos consumidores, considerados em sentido coletivo, no valor mínimo de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), em consequência dos fatos narrados;
d) seja o réu condenado a publicar, às suas custas, em dois jornais de grande circulação no Estado do Rio de Janeiro, a parte dispositiva de eventual sentença condenatória, a fim de que os consumidores dela tomem ciência, para exercício de seus direitos individuais, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) corrigidos monetariamente.
e) seja o réu condenado à repetição em dobro dos valores que auferiu indevidamente em razão da conduta impugnada na presente ação;
f) sejam publicados os editais a que se refere o art.
94 do CDC;
g) a citação do réu para que, querendo, apresentar contestação, sob pena de revelia;
h) seja o réu condenado ao pagamento de todos os ônus de sucumbência, incluindo os honorários advocatícios.
Protesta o Ministério Público, nos termos do artigo 332 do Código de Processo Civil, pela
produção de todas as provas em direito admissíveis, notadamente a documental, sem prejuízo da inversão do ônus da prova previsto no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor.
Dá-se | a esta causa, por | força do | disposto |
no art. 258 do | Código de Processo | Civil, o | valor de |
R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais).
Rio de Janeiro, 22 de novembro de 2017.
Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx
Promotor de Justiça Mat. nº 2099