PARECER DE ORIENTAÇÃO CVM Nº 38, DE 25 DE SETEMBRO DE 2018.
PARECER DE ORIENTAÇÃO CVM Nº 38, DE 25 DE SETEMBRO DE 2018.
Deveres fiduciários dos administradores no âmbito dos contratos de indenidade celebrados entre as companhias abertas e seus administradores.
1. Objeto deste Parecer de Orientação
Este Parecer cuida dos contratos de indenidade celebrados entre as companhias abertas e seus administradores1, por meio dos quais as primeiras se comprometem a garantir o pagamento, reembolso ou adiantamento de recursos para fazer frente a determinadas despesas relacionadas a processos arbitrais, judiciais ou administrativos que envolvam atos praticados por seus administradores no exercício de suas atribuições ou poderes.
A depender de seus termos, os contratos de indenidade podem trazer um impacto patrimonial substancial para a companhia, em contraposição ao que ocorre nos contratos de seguro de responsabilidade civil, comumente conhecidos como “D&O”. Nestes, a companhia se obriga ao pagamento do prêmio, fixado na apólice de seguro, em contrapartida à indenização oferecida pela seguradora. No contrato de indenidade, conforme mostra a prática, a companhia assume parte do risco financeiro individual do administrador, relativo à investigação, acusação ou responsabilização da qual seja alvo, observados os termos e condições fixados no contrato.
Além disso, na hipótese de a realização dos desembolsos previstos nos contratos de indenidade depender de avaliação feita por órgão composto por administradores da própria companhia ou por pessoas sob sua influência, há razões para se identificar risco de atuação de tais pessoas em conflito de interesses, seja na definição dos termos do contrato, seja nas tomadas de decisão relativas aos desembolsos.
Ao mesmo tempo em que reconhece o valor do contrato de indenidade como instrumento para a atração e retenção de profissionais qualificados, a CVM considera que os administradores de companhias abertas têm uma função importante a cumprir em relação a tais instrumentos2, de forma a zelar para que sejam elaborados e executados em conformidade com os deveres fiduciários que a Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, atribui aos administradores de sociedades anônimas, em especial aqueles refletidos em seus artigos 153, 154, 155 e 156.
A fim de garantir o cumprimento desses deveres, a CVM recomenda a adoção de regras e procedimentos que mitiguem os riscos de conflito de interesses inerentes a esse tipo de contratação e que confiram o
1 Este Parecer trata especificamente da relação entre as companhias abertas e seus administradores, no tocante aos contratos de indenidade, bem como aos membros de comitês estatutários aos quais se aplicam os deveres e responsabilidades de administradores, nos termos do art. 160 da Lei nº 6.404/76. Não obstante, reconhecemos a possibilidade de companhias decidirem celebrar esses contratos com outros ocupantes de cargo ou função na companhia, hipótese na qual entendemos também se aplicarem as recomendações aqui contidas, no que couber.
2 É possível que se opte por incluir os termos e condições usualmente constantes em contratos de indenidade em outros instrumentos como, por exemplo, no estatuto social, em regimento interno ou em política da companhia sobre o tema. Nessa hipótese, também se aplicam as orientações contidas neste Parecer.
necessário equilíbrio entre, de um lado, o interesse da companhia de proteger seus administradores contra riscos financeiros decorrentes do exercício de suas funções, no âmbito de processos administrativos, arbitrais ou judiciais e, de outro, o interesse da sociedade de proteger seu patrimônio e de garantir que seus administradores atuem de acordo com os padrões de conduta deles esperados e exigidos por lei.
Este Parecer de Orientação não pretende esgotar todas as matérias relacionadas aos contratos de indenidade, mas apenas orientar os administradores e o mercado em geral a respeito de algumas questões importantes relacionadas ao processo de elaboração, aprovação e execução de tais contratos.
2. Atos e despesas passíveis de indenização
A CVM não vê óbice legal à previsão, em contrato de indenidade, do direito a indenização em favor dos administradores por despesas sofridas em razão de seu cargo ou função. Não obstante, a concessão de indenização aos administradores com base no contrato de indenidade não deve ocorrer em todos os casos, como, por exemplo, naqueles em que não tiverem sido observados os padrões de conduta legais a que estão sujeitos.
Nesse sentido, entende-se que não são passíveis de indenização, entre outras, as despesas decorrentes de atos dos administradores praticados:
a) fora do exercício de suas atribuições;
b) com má-fé, dolo, culpa grave ou mediante fraude; ou
c) em interesse próprio ou de terceiros, em detrimento do interesse social da companhia3.
A CVM recomenda que as excludentes estejam previstas no contrato de indenidade e, uma vez que o administrador solicite algum desembolso por parte da companhia, a aferição sobre sua incidência no caso concreto ocorra anteriormente a qualquer decisão sobre sua concessão. Agindo dessa forma, as companhias evitam a criação de incentivos para que administradores pautem suas condutas em desacordo com padrões refletidos na Lei nº 6.404, de 1976.
O contrato de indenidade pode prever o adiantamento de despesas aos seus beneficiários – por exemplo, daquelas relativas à defesa dos administradores em processos em curso. Nesses casos, é esperado que o órgão responsável pela análise em tela decida, ao analisar o pedido de adiantamento, com base no conjunto fático-probatório disponível no momento da deliberação sobre sua concessão.
Destaca-se que, por um lado, eventual decisão preliminar pelo não adiantamento ao administrador não vincula novo juízo a ser realizado pelo órgão competente após o final do processo, destacadamente em caso de absolvição. Por outro, caso a companhia delibere pelo adiantamento de despesas antes de decisão final no âmbito arbitral, judicial ou administrativo, o administrador estará obrigado a devolver os valores
3 Aqui incluídos os valores relativos a indenizações decorrentes de ações de responsabilidade previstas no art. 159 da Lei nº 6.404, de 1976, ou ao ressarcimento dos prejuízos de que trata o art. 11, § 5º, II da Lei nº 6.385, de 07 de dezembro de 1976.
adiantados nos casos em que, após tal decisão, restar comprovado que o ato praticado pelo administrador não é passível de indenização nos termos deste Parecer ou do respectivo contrato de indenidade.
Finalmente, é importante que, ao estabelecer os termos e condições dos contratos de indenidade, seja feita a devida reflexão a respeito da abrangência da cobertura que será oferecida aos administradores, de forma a evitar que um instrumento legítimo de atração e retenção de executivos ganhe feições de blindagem para condutas não condizentes com o grau de zelo que se exige de cada integrante da administração.
3. Decisão sobre a concessão de indenização
Dados os riscos de conflito de interesses inerentes aos contratos de indenidade, para cumprir com seus deveres fiduciários, os administradores devem zelar para que a companhia desenvolva procedimentos aptos a garantir que as decisões que autorizam o dispêndio de recursos sejam tomadas com independência e sempre no melhor interesse da companhia.
Em função disso, a administração da companhia deve se certificar de que o contrato inclua regras claras e objetivas, especificando:
a) o órgão da companhia que será responsável por avaliar se o ato do administrador se enquadra em alguma das excludentes de que trata o item 2 deste Parecer; e
b) os procedimentos que serão adotados para afastar a participação dos administradores cujas despesas poderão vir a ser indenizadas no processo de avaliação de que trata o item ‘a’ acima, nos termos do art. 156 da Lei nº 6.404, de 1976.
As decisões que autorizarem o dispêndio de recursos com base no contrato de indenidade devem considerar a razoabilidade dos valores envolvidos, assim como todas as informações necessárias e disponíveis no momento para avaliar a adequação da concessão de indenização. Os administradores devem se assegurar de que a companhia adotou procedimentos apropriados para garantir a adequada formalização do processo decisório, incluindo os motivos pelos quais se entendeu que o ato do administrador era passível de cobertura.
Caberá aos administradores avaliar, no caso concreto, a existência de conflito de interesses e a necessidade de adoção de procedimentos adicionais para proteger a independência das deliberações sobre a indenização, bem como garantir que sejam tomadas no interesse da companhia.
Além de outros casos em que a companhia julgue pertinente, a CVM entende que procedimentos adicionais de governança que reforcem a independência das decisões, bem como sua orientação no interesse da companhia – como o encaminhamento para deliberação em assembleia geral –, devem ser considerados nas situações em que: (i) mais da metade dos administradores sejam beneficiários diretos da deliberação sobre o dispêndio de recursos; (ii) houver divergência de entendimento sobre o enquadramento do ato do administrador como passível de indenização; ou (iii) a exposição financeira da companhia se mostre significativa, considerando os valores envolvidos.
4. Termos e condições do contrato
Os riscos de conflito de interesses e o impacto que os contratos de indenidade podem causar ao patrimônio da sociedade impõem à administração da companhia o dever de assegurar que os termos e condições propostos no contrato de indenidade sejam adequadamente divulgados, de modo que os acionistas possam avaliar as possíveis consequências patrimoniais para a companhia, e, conforme o caso, tomar as providências que entenderem cabíveis a respeito.
Nesse tocante, a CVM considera que o envolvimento dos acionistas na decisão sobre a celebração de contratos de indenidade – por meio, por exemplo, da inclusão de disposição estatutária que autorize a companhia a indenizar seus administradores ou da submissão dos termos e condições gerais da minuta do contrato à assembleia geral – tem o potencial de mitigar as preocupações mencionadas no parágrafo anterior.
Adicionalmente, a CVM recomenda que, no mínimo, as seguintes informações sejam divulgadas pela companhia:
a) se há previsão estatutária sobre a indenidade e, em caso afirmativo, seus termos;
b) se o contrato terá que prever valor-limite para a indenização oferecida e, em caso positivo, qual é esse valor;
c) o período de cobertura que poderá ser abrangido pelo contrato;
d) os administradores que poderão celebrar contrato de indenidade com a sociedade;
e) as hipóteses excludentes do direito à indenidade;
f) os tipos de despesa que poderão ser pagas, adiantadas ou reembolsadas com base no contrato; e
g) os procedimentos relativos às decisões quanto ao pagamento, reembolso ou adiantamento de despesas decorrentes do compromisso de indenidade, indicando: (i) órgão da companhia que será responsável pelas decisões referentes à sua concessão; e (ii) as regras e os procedimentos que serão adotados para mitigar conflitos de interesses, garantir a independência das decisões e assegurar que sejam tomadas no interesse da companhia.
A CVM considera desejável que a celebração de um contrato de indenidade seja respaldada por prévio parecer circunstanciado elaborado pela Diretoria e aprovado pelo Conselho de Administração, em que se descreva os fundamentos pelos quais os órgãos entendem que os termos e condições fixados no contrato mitigam os riscos de conflito de interesses inerentes a esse tipo de contratação e equilibram os interesses da companhia em jogo.
Depois de assinados, recomenda-se, ainda, que os contratos de indenidade, seus aditivos e eventuais outros documentos que também reflitam os termos e condições aplicáveis ao regime de indenidade –
como atas – sejam encaminhados, em até 7 (sete) dias úteis a contar da data de sua assinatura, ao sistema eletrônico disponível na página da CVM na rede mundial de computadores.
Enquanto não houver disposição específica na regulamentação da CVM, as companhias devem disponibilizar os documentos e informações mencionados nos parágrafos anteriores conforme orientação a ser expedida pela Superintendência de Relações com Empresas (SEP), cabendo ressaltar que já foi criada a categoria “Contratos de Indenidade”, no Módulo IPE do Sistema Xxxxxxxx.XXX, para o envio dos referidos contratos.
5. Aplicação e efeitos deste Parecer de Orientação
O cumprimento formal das orientações contidas neste Parecer de Orientação não afasta a possibilidade de responsabilização dos administradores caso se verifique, na supervisão de casos concretos, que sua atuação não atendeu às finalidades e aos objetivos regulatórios aqui especificados.
Por fim, na aplicação deste Parecer, a CVM observará, quando aplicável, o art. 2º, parágrafo único, XIII da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que veda a incidência retroativa de nova interpretação, e do Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, conforme alterado pela Lei nº 13.655, de 25 de abril de 2018, que dispõe sobre segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do direito público.
Aprovado pelo Colegiado em reunião no dia 29 de agosto de 2018.
Original assinado por