A Formação dos Contratos no Comércio Electrónico
Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxx
A Formação dos Contratos no Comércio Electrónico
Mestrado em Direito: Ciências Jurídico-Privatísticas
Trabalho realizado sob a orientação de Prof. Doutora Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx
Julho/2011
RESUMO
O Decreto-Lei nº 7/2004, de 7 de Janeiro, que procedeu à transposição para o ordenamento jurídico português da Directiva 2000/31/CE, de 8 de Junho, que regula certos aspectos legais do comércio electrónico, prevê um esquema contratual de formação dos contratos distinto daquele tradicionalmente aceite. Na verdade, por força daqueles diplomas legais, existiriam quatro etapas no processo de formação de um contrato electrónico: a oferta em rede, a ordem de encomenda, o aviso de recepção e a confirmação.
Face àquela que poderia significar uma alteração significativa das normas gerais do direito dos contratos, o objectivo que norteou o presente estudo foi precisamente clarificar qual o momento da formação do contrato no comércio electrónico.
Para o efeito, começa-se por referir os vários regimes legais aplicáveis a estas matérias, sendo que são tidas como prioritárias ao longo de todo o trabalho as normas e princípios gerais do Código Civil.
Segue-se uma análise cuidada da natureza jurídica de cada um dos momentos deste novo iter negocial, com especial ênfase na qualificação da oferta em rede como proposta contratual ou como mero convite a contratar, por daquela depender necessariamente a determinação do momento da perfeição do negócio jurídico. Defendendo-se, neste âmbito, a existência de um dever de emissão de propostas contratuais vinculativas. Já o aviso de recepção e a confirmação da ordem de encomenda são qualificáveis como meros deveres contratuais.
Referem-se também os contratos celebrados por correio electrónico e aqueles com imediata prestação em linha, por existir em relação a estes uma diferença de regime.
É ainda desenvolvida a matéria da eficácia das declarações negociais, questão central da contratação entre ausentes, e fulcral, portanto, para a problemática em apreço.
Finalmente, defende-se que a formação do contrato electrónico se dá com a mera aceitação, aquando da ordem de encomenda. Conclui-se, assim, pela manutenção, na medida do possível, das regras gerais do direito dos contratos, tal como consagradas no nosso Código Civil.
ABSTRACT
The Portuguese Decreto-Lei 7/2004, dated January 7, which implements the EU Directive 2000/31/CE, dated June 8, that provided a legal framework for certain aspects of electronic commerce, stipulates a contract formation scheme which is different from the one traditionally accepted. In fact, according to the aforementioned legal instruments, there are four stages to the contracting process of an e-contract: an online offer, an order, an acknowledgement of receipt and a confirmation.
Confronted with a potentially significant alteration of the general rules of Contract Law, this study aims precisely at clarifying the moment at which the contract is concluded.
To that effect, we begin by referring to the various legal regimes applicable to these matters. In the course of this work, the norms and principles of the Portuguese Código Civil are acknowledged as holding a priority.
We proceed with a thorough analysis of the legal nature of each of the stages of this novel method of contract formation. Special emphasis is given to the qualification of the online offer as an enforceable offer or as a mere invitation to treat, since the determination of the moment of agreement depends on the conclusion thereby reached. Here we support the existence of an obligation to issue contractually binding offers. As far as the obligation of acknowledgement of receipt and the confirmation of the order go, they are classified as contractual duties.
We also consider those contracts concluded by exchange of electronic mail and those executed immediately online, since for these there are differences in regime.
Concomitantly, we focus on the question of when messages are deemed to be received, a central matter for all contracts concluded between absent subjects, and therefore of the utmost importance in this regard.
Finally, we argue that the electronic contract is concluded when acceptance takes place, which in this case is at the placement of the order. Accordingly, we conclude by proposing that the general rules of Contract Law, as stated in the Portuguese Código Civil, are to be maintained and applied whenever possible.
ÍNDICE
ABREVIATURAS 5
1. Introdução 6
2. Regime jurídico 8
2.1. O regime específico 8
2.2. Os sujeitos intervenientes 9
2.3. Contratos celebrados à distância 11
2.4. Cláusulas Contratuais Gerais 13
2.5. O Regime Geral do Código Civil 14
3. O iter negocial na contratação em linha com prestação mediata/indirecta de bens e serviços
.................................................................................................................................................. 16
3.1. A oferta em linha de produtos ou serviços 16
3.1.1. A proposta contratual 17
3.1.2. O convite a contratar 19
3.1.3. Natureza da oferta em rede – proposta contratual ou convite a contratar? 20
3.1.4. O papel da publicidade 22
3.1.5. Dever de emitir propostas contratuais? 25
3.1.6. Período de eficácia da oferta em rede 26
3.2. A ordem de encomenda 27
3.3. O aviso de recepção 29
3.4. A Confirmação 32
4. Os contratos celebrados exclusivamente por correio electrónico e os contratos com imediata prestação em linha – a diferença de regime 36
4.1. Os contratos celebrados exclusivamente por correio electrónico 36
4.2. Os contratos com imediata prestação em linha 38
5. O momento de recepção das declarações negociais 41
6. O momento da conclusão do contrato 47
7. Conclusão 52
BIBLIOGRAFIA 54
ABREVIATURAS
B2B – Business to Business
B2C – Business to Consumer
BMJ – Boletim do Ministério da Justiça
CC – Código Civil
CNUDCI – Comissão das Nações Unidadas para o Direito Comercial Internacional UNCITRAL – United Nations Commission on International Trade Law
DCE – Directiva do Comércio Electrónico DL – Decreto-Lei
EDI – Electronic Data Interchange – Transferência Electrónica de Dados ROA – Revista da Ordem dos Advogados
1. Introdução
As transacções comerciais efectuadas através de meios electrónicos, em especial através da Internet, assumem especial importância prática nos dias de hoje. Assistimos a um gradual aumento de utilização daqueles meios de comunicação pelo consumidor médio, na aquisição e acesso aos mais variados bens e serviços.
A realidade não é nova, muito pelo contrário: muito antes de a Internet se tornar o meio de comunicação por excelência, já as empresas transaccionavam de forma automática, com recurso ao então chamado EDI, ou transferência electrónica de dados. Contudo, enquanto que nestes antecedentes aquele tipo de relações comerciais se cingiam ao comércio entre empresas (B2B – business to business), a realidade hoje é muito distinta; qualquer sujeito singular acede com a maior facilidade à Internet, a todo um conjunto de bens, à escala mundial, constituindo o comércio electrónico entre empresas e consumidores (B2C – business to consumer) uma porção significativa do conjunto das transacções realizadas. Esta é uma via de comércio que pode trazer todo um conjunto de mais-valias, não só para os empresários, que desta forma comercializam os seus bens ou serviços a nível global sem um aumento significativo de custos, como para os consumidores, que têm assim acesso a um maior leque de escolha nas suas relações comerciais. No entanto, verifica-se que muitos consumidores, presos ainda ao paradigma do papel e do comércio tradicional, olham esta nova forma de comercialização com alguma desconfiança, pelo que a regulamentação se afigurou, para as instâncias internacionais e europeias, como fundamental, no sentido de incentivar o aproveitamento das potencialidades daqueles meios de comunicação.
As normas gerais do direito dos contratos estariam aptas a regular estas novas realidades, sendo que, em muitos casos, a melhor solução seria precisamente que a legislação específica, criada para fazer face a estas novas situações práticas com a intenção de promover uma maior certeza e segurança jurídica, se cingisse aos aspectos completamente inovadores e por isso sem solução directa nos quadros gerais, de forma a não distorcer normas com grande tradição jurídica.
Ainda assim, foram várias as iniciativas europeias criadas no sentido de fornecer um quadro sólido e harmonizado para estas novas temáticas, tendo como objectivo essencial a protecção dos consumidores – num âmbito em que estariam especialmente vulneráveis, fruto do desconhecimento relativamente às normas aplicáveis aos contratos formados.
O diploma fundamental é, para esta matéria, a Directiva 2000/31/CE, de 8 de Junho de 2000, que regula certos aspectos legais do comércio electrónico. Uma das principais controvérsias com aquele relacionadas diz respeito ao momento de perfeição do contrato. De facto, definiu-se o que pareceria ser um novo esquema contratual para os contratos celebrados por meios electrónicos, o qual, afastando-se do esquema tradicional de “oferta encontra aceitação”, viria exigir um passo adicional – o aviso de recepção, em prol da protecção do consumidor. A natureza daquele novo momento no iter negocial foi alvo de indagação pela generalidade da doutrina, no sentido de determinar se se trataria de um aspecto necessário para a conclusão do contrato, ou antes uma exigência já em fase de cumprimento do contrato. Esta questão estaria intrinsecamente dependente da caracterização da oferta em rede como uma verdadeira proposta contratual, ou como mero convite a contratar.
O diploma de transposição da Directiva para o ordenamento jurídico interno português
– o Decreto-Lei n.º 7/2004, de 7 de Janeiro – veio acompanhado de ainda mais dúvidas, já que (adoptando uma solução contida inicialmente na Proposta da Directiva, mas abandonada na versão final do diploma) prevê, para além do aviso de recepção, a confirmação da nota de encomenda, levantando em relação a esta as mesmas questões quanto à natureza e ao papel na perfeição do contrato, numa solução que só tem merecido reprovações pela doutrina nacional. O âmbito deste trabalho será precisamente a clarificação destas matérias. Começar-se-
á por tratar o regime jurídico aplicável aos contratos celebrados através da internet, seguindo- se uma análise detalhada dos vários momentos do iter negocial, com especial enfoque na qualificação da oferta em rede como proposta ou convite a contratar para, depois de se ter em atenção as soluções legais e doutrinais relativas ao momento de recepção das declarações negociais, se chegar finalmente a uma conclusão quanto ao momento da perfeição do contrato.
Cumpre referir que se versará apenas o comércio electrónico realizado através da Internet, e dentro desta nos Websites colocados na rede, e já não tanto o correio electrónico (a propósito do qual se referirá meramente a diferença de regime), os chamados “chat rooms” ou mesmo os leilões electrónicos.
Haveria todo um outro conjunto de matérias relacionadas cuja abordagem poderia assumir algum interesse: as assinaturas electrónicas e sua certificação, a responsabilidade civil das operadoras de Internet, a contratação automatizada, a forma, os pagamentos
electrónicos…No entanto, todas aquelas cabem necessariamente fora do âmbito de um estudo como este, que se pretende breve e com um objecto restrito.
2. Regime jurídico
2.1. O regime específico
A Directiva 2000/31/CE, de 8 de Julho de 2000, do Parlamento e Conselho da União Europeia, sobre o comércio electrónico1(DCE), foi elaborada com um propósito expresso: “garantir a segurança jurídica e a confiança do consumidor, [para o que] é essencial que a presente directiva estabeleça um quadro geral claro, que abranja certos aspectos legais do comércio electrónico no mercado interno.”2 A matéria dos contratos electrónicos vem prevista nos artigos 9º e seguintes. A Directiva foi transposta para o ordenamento interno português pelo Decreto-Lei n.º 7/2004, de 7 de Janeiro3 que, por sua vez, regula a contratação electrónica nos artigos 24º e seguintes.
1 Por comércio electrónico podemos entender – “la oferta y la contratación electrónica de productos y servicios a través de dos o más ordenadores o terminales informáticos conectados a través de una línea de comunicación dentro del entorno de red abierta que constituye Internet” (XXXXXX XXXXX DE ROS, “El consentimiento electrónico en los contratos Bancarios”, in Revista de Derecho Bancario y Bursátil, nº 79, ano XIX, Editorial lex nova, 2000, p. 8.) Para outros conceitos de comércio electrónico v. ainda: XXXXX XXXXXX XXXXXXXX, “Comércio Electrónico e Protecção dos Consumidores”, in Themis, Ano II, nº 13, Coimbra, Almedina, 2006, p. 41-62, p. 41; XXXXXX XXXXXXXXX XXXXXX, “La contratación alectrónica y la defensa del consumidor”, in ECHEBARRÍA SÁENZ,
J. A. (Coord.), El Comércio Electrónico (Edisofer, 2001), pp. 31-80, p. 31; XXXXX XXXXXX XXXXXXX, “O Comércio Electrónico, Algumas Questões Jurídicas”, in XXXXXXXX, Glória (coord.), O Comércio Electrónico, Estudos Jurídico-económicos, Coimbra, Almedina, 2003, p. 39; XXXXXXXXX X. XXXX XXXXXXX, Serviços da sociedade da informação : alguns problemas jurídicos do comércio electrónico na Internet, Lisboa, Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, 2001, p. 4; XXXX XXXXXXX XXXXX XXXXXXX, Direito da Internet e Comércio Electrónico, Lisboa, Quid Juris?, 2001, p.31; XXXXX XXXXXXXXXX XXXXXXXXX, “Comércio Electrónico e Valores Mobiliários”, in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários (disponível em xxx.xxxx.xx), Dezembro 2000, p. 2.
2 Considerando 7 do Preâmbulo da DCE.
3 Criticando o processo de transposição da DCE, nomeadamente pela falta de discussão pública e de estudo justificativo das políticas legislativas v. XXXXX XXXXXXXX XXXXXX, “A transposição da Directiva Comércio Electrónico", Boletim da Ordem dos Advogados, N. 22, Lisboa, 2002, p. 20-21.
Um dos princípios fundamentais a retirar tanto da Directiva como do diploma de transposição, é o princípio da admissibilidade. De facto, o artigo 25º do DL, em cumprimento do artigo 9º da DCE4, prevê a livre “celebração de contratos por via electrónica sem que a validade ou eficácia destes seja prejudicada pela utilização deste meio”5, prevendo no seu n.º 2 uma série de excepções. No que diz respeito ao âmbito de aplicação daqueles diplomas, nas palavras de Xxxxxxxx Xxxxxxxx, “a Directriz é ambígua (…) O art. 9/1 prevê a matéria de modo que parece ser geral: englobaria tanto matérias comerciais como não comerciais.”6. Já no DL a questão é menos dúbia, o artigo 24º determina a sua aplicação a “todo o tipo de contratos celebrados por via electrónica ou informática, sejam ou não qualificáveis como comerciais”.
2.2. Os sujeitos intervenientes
Um passo importante para delimitar o regime jurídico aplicável passa por caracterizar os sujeitos intervenientes no tipo de contratos em análise – os contratos realizados através de meios electrónicos. Teremos assim, de um lado, o prestador de serviços da sociedade da informação7 e, de outro, o destinatário do serviço. Pelo primeiro poderemos entender
4 Pode ler-se no artigo 9º da Directiva “Os Estados-membros assegurarão que os seus sistemas legais permitam a celebração de contratos por meios electrónicos”. V. ainda considerando (37) da DCE, esclarecendo esta questão.
5 Previsão desnecessária para alguns autores, pois o mesmo se retiraria das normas gerais do CC, em especial dos princípios da liberdade contratual (art. 405º) e de forma (art. 219º). Neste sentido v. XXXXXX X. XXXX XXXXXXX, Direito Comercial: direito da empresa, 11ªEdição, Lisboa, Ediforum, 2009, p.593; NUNO TROCADO DA COSTA, “Regulando a contratação electrónica”, in Verbo Jurídico, Março de 2005, p.19; MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, Lei do Comércio Electrónico Anotada, Coimbra, Coimbra Editora, 2005, p.97; XXXXXX X. XXXXXX XXXXXXXXX, Derecho-e: Derecho del Comercio Electrónico, Madrid, Xxxxxxx Xxxx, 2002, p.33-36; XXXXX XXXX XXXXX, Declaração tácita e comportamento concludente no negócio jurídico, Coimbra, Almedina, 1995, nota 444, p. 415; XXXX XXXXX XXXXX, “A Conclusão dos Contratos no Comércio Electrónico”, in Verbo Jurídico, Maio de 2007, p.5.
6 XXXX XX XXXXXXXX XXXXXXXX, “Perspectiva jurídica” in AA.VV, O Comércio electrónico em Portugal. O quadro legal e o negócio, ANACOM, 2004, p. 104-142, p. 112.
7 Apesar de o âmbito de aplicação do diploma não o deixar claro, para efeitos dos artigos 27º, 28º, 29º e 34º do DL nº 7/2004 (os quais terão relevância para este trabalho), terá que haver uma necessária remissão para o conceito de serviço da sociedade da informação. Neste sentido v. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, Lei do Comércio Electrónico Anotada…, p. 94-95. Para um conceito de sociedade da informação v. MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E DA TECNOLOGIA, Livro verde para a Sociedade da Informação em Portugal, ed. Missão para a Sociedade da Informação, Lisboa, 1997, p. 9.
“qualquer pessoa, singular, ou colectiva, que preste um serviço no âmbito da sociedade de informação” (art. 2º, alínea b) da DCE), sendo que “Entende-se por ‘serviço da sociedade da informação’ qualquer serviço prestado à distância por via electrónica, mediante remuneração, ou pelo menos no âmbito de uma actividade económica na sequência de pedido individual do um destinatário” (art. 3º, n.º 1, do DL n.º 7/2004)8 9. Por outro lado, destinatário será “qualquer pessoa, singular ou colectiva, que, para fins profissionais ou não, utilize um serviço da sociedade da informação, nomeadamente para procurar ou para tornar acessível determinada informação;” (art. 2º, alínea d) da DCE)10. Deste modo, o destinatário do serviço poderá ser, ou não, um consumidor. A DCE oferece uma definição de consumidor no artigo 2.º, alínea e): – “qualquer pessoa singular que actue para fins alheios à sua actividade comercial, empresarial ou profissional”; porém, poderá sempre recorrer-se à definição contida no artigo 2.º, n.º 1 da Lei de Defesa do Consumidor (Lei nº 24/96, de 31 de Julho, alterada pelo DL nº 67/2003, de 8 de Abril): “aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços, ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios.”11. Xxxxxxxxxxx, assim, com Xxxx Xxxx Xxxxxxxx quando afirma que “Não nos parece que a noção de consumidor deva assumir particularidades pelo facto de ser utilizado um determinado meio de comunicação em vez de outro, sendo certo que as especialidades poderão eventualmente surgir (…) em relação aos contratos específicos que forem celebrados e não pelo facto de ser utilizada a Internet”12 13.
8 Para OLIVEIRA ASCENSÃO (“Contratação electrónica”, in Direito da Sociedade de Informação, Volume IV, Coimbra, Coimbra Editora, 2003, p. 45 ss., p. 50) – “Com esta amplitude qualquer exercício de comércio electrónico em rede é um serviço da sociedade da informação.” Sendo que, para XXXXXXXXX XXXX XXXXXXX (“Princípios do comércio electrónico: breve apontamento ao DL 7/1004”, in IDET/ Miscelâneas nº 3, Coimbra, Almedina, 2004, nota 6, p.79) – “Nada obsta, com efeito, a que serviços tradicionalmente não qualificados como comerciais, nomeadamente no âmbito das profissões regulamentadas, integrem a noção de serviços da sociedade da informação e constituam, nessa medida, comércio electrónico sem serem uma actividade juridicamente comercial”.
9 De salientar também que, de acordo com o artigo 3º, n.º 3 do DL n.º 7/2004: “A actividade de prestador de serviços da sociedade da informação não depende de autorização prévia.”
10 V. ainda o considerando (20) da DCE, esclarecendo a definição do art. 2º, alínea d).
11 Para XXXXX XXXXXX XXXXXXXX, não contendo o DL do Comércio Electrónico uma noção de consumidor, seria esta última definição que deveria prevalecer para efeitos da sua aplicação. (“Comércio Electrónico e Protecção…”, nota 1, p. 43).
12 XXXX XXXX XXXXXXXX, A protecção dos consumidores nos contratos celebrados através da internet, Coimbra, Almedina, 2003, p. 57-58.
2.3. Contratos celebrados à distância
Uma das questões também tratada pela doutrina é a possível classificação dos contratos electrónicos como contratos à distância. Nesse caso, haveria que equacionar a aplicação neste âmbito da Directiva 97/7/CE, de 20 de Maio de 1997, e do correspondente diploma de transposição: o DL n.º 143/2001, de 26 de Abril. Por contrato celebrado à distância podemos entender: a “relação contratual entre um fornecedor e um consumidor, tendo por objecto bens ou serviços, integrada num sistema de venda ou prestação de serviços a distância organizado pelo fornecedor, que utilize elementos básicos de apoio: a técnica de comunicação à distância e o operador de técnica de comunicação”14. Apesar de alguns autores se debaterem com a questão de saber se a Internet seria um meio de comunicação praticamente instantâneo (o que seria incompatível com o conceito de contratação à distância)15, em regra, a doutrina é maioritária em incluir os contratos electrónicos na categoria de contratos celebrados à distância16.
13 Para outras noções de consumidor e maiores desenvolvimentos sobre a matéria v. XXXXXXXXX-XXXXX XXXXXX, “Aspectos Fundamentales de la contratacion electrónica”, in XXXXX XXXXXX, Comércio electrónico en internet, Madrid, Marcial Pons, 2001, p. 263 ss., p. 272; XXXX XXXX XXXXXXXX, A protecção…, p. 49 ss.; XXXXXX X. X. XXXXX, (Ed.), Internet Law and Regulation, 2ª Ed., Londres, Law and Tax, 1996, p. 219-220.
14 Noção oferecida por XXXX XXXXXXX (Direito Comercial…, p. 602), com base nos artigos 2º, n.º 1 e 2º, alínea
a) da Directiva 2000/31/CE e do DL n.º 143/2001. O autor define ainda técnica de comunicação à distância – “é um meio que torna dispensável a presença física e simultânea das partes para a formação do contrato, permitindo a transmissão de uma ou de todas as declarações de vontade que o integram, tais como as constantes do enunciado exemplificativo do Anexo I da Directiva 97/7/CE (que o DL nº 143/2001 não reproduz), que engloba meios de comunicação tradicional (…) e também meios de comunicação electrónica.” – e operador de técnica de comunicação - “é qualquer pessoa singular ou colectiva que fornece aos fornecedores (e decerto, também aos consumidores) uma técnica de comunicação: desde a empresa operadora de correios à fornecedora de acesso à Internet, passando pela empresa operadora de serviço telefónico (…)” (Idem, p. 602-603).
15 Desenvolvendo a questão, v. XXXXXX XXXXXXXXX XXXXXX, “Contratación electrónica y protección de consumidores: régimen jurídico”, in Revista Critica de Derecho Inmobiliario, nº 660, Ano LXXVI, 2000, p. 2327 ss., p. 2343-2344, chegando no entanto o autor à conclusão de que a as comunicações em Internet não seriam absolutamente imediatas, solução claramente maioritária na doutrina, v. neste sentido: MARILLIANA XXXX XXXXXXXX, “La oferta y la aceptación en la contratación electrónica”, in Revista de Derecho Informático, Agosto de 2000 (disponivel em xxx.xxxx-xxxx.xxx/xxx-xxxxxxxx.xxxxx?xx000 – consultado em Novembro de 2010), p.1; XXXXXX XXXXXXXXX, Derecho-e:…, p. 47; XXXX XXXXXX XXXXX XXXXXXX, “A Formação dos contratos”, in Direito da Sociedade da Informação, Volume III, Coimbra, Coimbra Editora, 1999, pp. 69 ss, p. 89-90; XXXXXX XXXXX, Internet Law and…, p. 213-214. Diferentemente v. XXXXXX XXXXX XX XXX, “El consentimiento y el proceso de contratación electrónica”, in XXXXX XX XXX, Xxxxxx e XXXXXX XX XXXX, Xxxx X. X., (coord..) Derecho de Internet – Contratación Electrónica y Firma Digital, Elcano, Aranzadi, 2001, p. 29 ss, p.43.
Concordamos que na Internet nem sempre as transacções se concretizarão de forma completamente imediata, já que nem sempre os computadores estarão ligados de forma ininterrupta, estando dependentes de servidores intermediários e havendo sempre a possibilidade de falhas de ligação, sendo por isso de classificar os contratos realizados através de meios electrónicos como “contratos entre pessoas distantes e de formação sucessiva”17. Assim, é possível e desejável aplicar o regime da contratação à distância aos contratos electrónicos18: os dois regimes são compatíveis, como aliás prevê a DCE19. Cumpre apenas fazer a precisão de que tal só se poderá verificar quando a contratação electrónica tenha como uma das partes um consumidor, pois caso contrário ficar-se-ia fora do âmbito de aplicação da Directiva 97/7CE e do DL n.º 143/000000, mas tal não significará grandes incompatibilidades com a DCE ou com o DL do comércio electrónico, pois, como veremos, grande parte da matéria que iremos desenvolver faz parte de um regime derrogável para não consumidores.
16 Neste sentido v. XXXXXX XXXXXXXX XX XXXXXXX, Contratos I: Conceito, Fontes, Formação, 4ªEd. (Coimbra, Almedina, 2008), p. 170; OLIVEIRA ASCENSÃO, “Contratação electrónica…”, p. 46; XXXX XXXXXXXX, “La oferta y la aceptación…”, p. 1; XXXXX XXXXXX XXXXXXXX, “Comércio Electrónico e Protecção…”, p. 42; TROCADO DA COSTA, “Regulando a contratação…”, p. 15; XXXXXXXXX-XXXXX, “Aspectos Fundamentales…”, p. 275; XXXXXXXXX XXXXXX, “Contratación electrónica…”, p. 2343-2344; XXXXX XXXXXXXX XXXXX, La protección del consumidor en los contratos electrónicos, in XXXXXX XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx (Dir.), Contratación y Comercio Electrónico, Valência, Tirant lo Blanch, 2003, p. 365 ss., p. 275; MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, Lei do Comércio Electrónico Anotada…, p. 111-112; XXXXX XXXXXXX, “A Formação dos contratos…”, p. 89. Considerando o contrato electrónico como uma subespécie de contrato à distância – XXXXXX XXXXXXXXX, Derecho-e …, p. 47.
17 XXXXX XXXXXXX, “A Formação dos contratos…”, p. 89.
18 A este propósito afirma OLIVEIRA ASCENSÃO: “A Directriz sobre comércio electrónico aparenta ser uma complementação da directriz sobre contratos a distância. Nesta nada se diz sobre a celebração electrónica, e na primeira só se regula a celebração por meios electrónicos. Daqui resultaria que a Directriz sobre contratos à distância seria aplicável à celebração de contratos por via informática, sempre que o seu regime não fosse incompatível com o regime da Directriz nº 00//31. (…) A aplicação complementar da Directriz não pode assim deixar de se verificar no que respeita à celebração de contratos electrónicos” (“Contratação electrónica…, p. 46).
19 No considerando (11) da DCE pode ler-se “A presente Directiva não prejudica o nível de protecção, designadamente, da saúde pública e do consumidor, estabelecido por instrumentos comunitários; nomeadamente (…) a Directiva 97/7/CE (…) Essas directivas aplicam-se igualmente na sua integralidade aos serviços da sociedade da informação (…)”; a Directiva 97/7/CE é referida ainda nos considerandos (29) e (30) e no artigo 7º, nº 2. O DL nº 7/2004 ao transpôr a DCE teve presente esse mesmo espírito complementar referindo- se no preâmbulo ao “conteúdo de outras directivas” e declarando expressamente o “carácter subsidiário” do diploma de transposição da directiva sobre contratos à distância – o DL n.º 143/2001.
20 Para mais desenvolvimentos sobre o âmbito de aplicação e as exclusões da Directiva 97/7/CE v. XXXXXXXXX- XXXXX, “Aspectos Fundamentales…”, p. 275-276; XXXXXXXX XXXXX, La protección…, p. 372-374. Já quanto ao DL n.º 143/2001 v. PUPO CORREIA, Direito Comercial…, p. 603 e XXXXXXX XXXXXXX XXXXXXXX, Tratado de Direito Civil I: Parte Geral, Tomo I, 3ª Edição, Coimbra, Almedina, 2007, p. 586-587.
2.4. Cláusulas Contratuais Gerais
Como vimos, uma porção significativa da contratação electrónica terá lugar na modalidade B2C (business-to-consumer), e no tipo de transacções que temos vindo a focar – aquelas realizadas através de uma página de Internet – aqueles contratos serão classificáveis como contratos de adesão21, “padronizados através de cláusulas contratuais gerais”22. De facto, na contratação via Internet o consumidor limitar-se-á a aceitar os termos e condições vertidos na página Web, sem qualquer possibilidade de influenciar o seu conteúdo, e muitas vezes através de um mero “clique”, concretizando os chamados “click-wrap agreements”23. Assim, seria de aplicar a esta modalidade de contratação o regime geral do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, relativo às cláusulas contratuais gerais24. Particularmente relevantes no regime das cláusulas contratuais gerais são o dever de informação e o ónus de comunicação, previstos nos artigos 5º e 6º do DL n.º 446/85, que expressam uma preocupação de protecção do consumidor partilhada pelo DL do comércio electrónico, que no art. 31º/1 (que transpõe os
21 Para OLIVEIRA ASCENSÃO, nestes contratos “As cláusulas contratuais estão pré-fixadas e aos interessados só resta aderir ou não a tais cláusulas, sem terem poder para as modificar.” (Direito Civil Teoria Geral, vol. II, 2ª Edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2003, p. 215). Mais aprofundadamente v. ainda (Idem, p. 214-216) e XXXXXXXX XX XXXXXXX, Contratos I…, p. 192-200. Neste sentido, classificando os contratos electrónicos como contratos de adesão, do tipo que recorrem a cláusulas contratuais gerais, v. XXXXXX XXXXXXXX, Informatica e conclusione del contrato, Xxxxx, Giuffré editore, 1985, p. 153-157; PUPO CORREIA, Direito Comercial…, p. 612- 613; XXXXXXXXX-XXXXX, “Aspectos Fundamentales…”, p. 283-284; XXXXXXXX XXXXX, La protección…, p. 366 ss.; XXXXXX XXXXXXXXX, Derecho-e …, p. 47-49; MATEU DE ROS, “El consentimiento electrónico en los contratos…”, p. 10.
22F XXXXXXX XX XXXXXXX, Contratos I…, p. 192.
23 “In a click-wrap agreement the online purchaser agrees to the terms of the contract by clicking on an icon at the end of the terms. The icon is usually labelled something like “accept” or “I agree” or “I wish to continue”. The purchaser must agree by clicking the icon before the purchaser can complete the transaction.” - XXXXXXXXX XXXXXXX, Internet Law: A click-wrap agreement helps with online transactions (disponível em xxx.xxxxxxxxxxxxx.xxx.)
24 O art, 1º, n.º 1 do DL n.º 446/85 define cláusulas contratuais gerais como aquelas “elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar”. Já para XXXXXXXX XX XXXXXXX, cláusulas contratuais gerais seriam as “proposições destinadas à inserção numa multiplicidade de contratos, na totalidade dos quais se prevê a participação como contraente da entidade que, para esse efeito, as pré-elaborou ou adoptou.” (Contratos I…, p. 181). Para maiores desenvolvimentos sobre a matéria v. XXXXXXXX XX XXXXXXX, Contratos I…, p.175 ss; OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil…, p. 213 ss.; MENEZES CORDEIRO, Tratado…, p. 593 ss.; XXXXX XXXXX XX XXXXXXX XXXXX e XXXXXXX XXXXXXX XXXXXXXX, Cláusulas Contratuais Gerais. Anotação ao Decreto-Lei nº 446/85 de 25 de Outubro, Coimbra Almedina, 1991; XXXXX XXXXXXXX, “Contratos de Adesão: o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais instituído pelo Decreto-Lei nº 446/85 de 25 de Outubro”, in ROA, III, 1986, p. 733 ss.
artigos 10º/3 e 11º/1 da DCE) impõe a comunicação dos termos contratuais e das cláusulas gerais “de maneira que permita ao destinatário armazená-los e reproduzi-los”. Deste modo, os consumidores têm no regime das Cláusulas Contratuais Gerais um novo patamar de protecção cumulativo com o regime específico do comércio electrónico, sendo no entanto de precisar que poderão surgir transacções que utilizem a Internet às quais este regime não se aplique, por haver um grau de individualização que permita influenciar os termos contratuais, como será o caso, nomeadamente, daquelas realizadas via correio electrónico25.
2.5. O Regime Geral do Código Civil
Finalmente, cumpre referir a aplicação do regime geral do Direito Civil. Enquanto alguns autores chegavam mesmo a ver na Internet um fenómeno exterior ao Direito26, cuja regulação seria desadequada, outros defendiam vivamente a criação de um regime específico para segurança dos consumidores27. Verificou-se efectivamente a proliferação de normas específicas sobre o fenómeno do comércio electrónico e da Internet, desde numerosas Directivas sobre aspectos específicos do comércio electrónico – como a Directiva sobre assinaturas electrónicas (Directiva 1999/93/CE, de 13 de Dezembro de 1999), a já referida DCE ou da Directiva relativa à privacidade e às comunicações electrónicas (Directiva 2002/58/CE, de 12 de Julho de 2002)28 –, a instrumentos internacionais29 – como a Lei
25 As especificidades deste meio de comunicação são ressalvadas no art. 30º do regime do comércio electrónico, aspecto desenvolvido infra no capítulo 4.1.
26 Neste sentido v. XXXX XXXXX XXXXXX, A Declaration of the Independence of Cyberspace, 1996 (disponível em xxxx://xxx.xxx.xxx/xxxxxxx/Xxxxxxxxxxx-Xxxxx.xxxx - consultado em Janeiro de 2011).
27 Com este entendimento v. TROCADO DA COSTA, “Regulando a contratação…, p. 6; XXXXX XXXX AND XXXX XXXXXX, “Electronic Commerce”, in XXXX, Xxxxx, Computer Law, 4ª Ed., Londres, Blackstone, 2000, p. 299 ss.,
p. 301; XXXX XXXXX XXXXX, “As Leis do Comércio Electrónico Tentativa de Desconstrução de um Complexo Puzzle”, in Verbo Jurídico, Novembro de 2007, p. 6.
28 Para uma enumeração mais completa dos diplomas comunitários vigentes v. TROCADO DA COSTA, “Regulando a contratação…, p. 8-11. XXXX XXXXXXX XXXX e XXXX XXXXXXX, ao fazerem uma análise comparativa do tipo de regulação do comércio electrónico na UE e nos EUA, afirmam sobre a proliferação de normas europeias – “It is selective and fragmentary in the same time because this gap filling legislation does not result in an all-inclusive legal background for electronic commerce providing for complete guidance, but in singular instruments which have to be coordinated.” – “Electronic promises: contract law reform and e-commerce in a comparative perspective”, in European Law Review, vol. 27, n.º 5, Outubro, 2002, p.3. (disponível em xxx.xxx.xxxxxxxxxx.xxx/Xxxxxxxxx/xxxx/Xxxx/Xxxxxxxxxx_Xxxxxxxx_Xxxxxxx.xxx - consultado em Novembro de 2010).
Modelo CNUDCI/UNCITRAL para o comércio electrónico30. Estes instrumentos legislativos tiveram influência no ordenamento jurídico interno português, encontrando-se vigentes numerosos diplomas sobre a matéria, como a já antiga Lei da Criminalidade Informática (Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto) e ainda vários diplomas de transposição de normas comunitárias, como o DL n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, sobre o documento e a assinatura electrónicos31, relativo à já mencionada Directiva 1999/93/CE ou como o DL n.º 7/2004 sobre o comércio electrónico, a que nos temos vindo a referir. Ainda assim, a maioria dos autores continua a afirmar a adequação das normas gerais do CC para acolherem novas realidades, entendendo ainda que muitas das disposições vertidas no DL no comércio electrónico contêm soluções um pouco redundantes que já resultariam, sem grandes dificuldades de interpretação, daquelas regras gerais32.
A regulação específica do comércio electrónico é, a nosso ver, necessária, adequada e de grande utilidade, sendo que, apesar de conter algumas soluções dispensáveis, ao dispor sobre os aspectos inovadores daquela espécie de contratação, contribui para criar um sentimento de maior confiança nos consumidores. Ainda assim, o regime geral do Direito Civil deverá estar sempre presente, como base para o esclarecimento de qualquer dúvida de
29 Para um estudo mais completo v. XXXXXX XXXXXXXXX, Derecho-e …, p. 11-22; XXXXXX XXXXX XXXXXXX, “Contratación electrónica y pago electrónico (en el derecho nacional e internacional)”, in XXXXXX XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx (Dir.), Contratación y Comercio Electrónico, Valência, Tirant lo Bllanch, 2003, p. 429 ss., p.
443 ss; XXXXXXXXX XXXXXXXX XXXXXXX, “The E-commerce Directive and formation of contract in a comparative perspective”, in European Law Review, vol. 26, n.º 5, Outubro, 2001, p. 429 ss, p. 430-432; XXXXX XXXXX X XXXXX, - Transferência electrónica de dados: a formação dos contratos, in “Direito da Sociedade da Informação”, Vol. I, Coimbra, Coimbra Editora, 1999, p. 215 e ss., p. 217-222.
30 COMISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DIREITO COMERCIAL INTERNACIONAL, Lei Modelo UNCITRAL sobre o
Comércio Electrónico, Organização das Nações Unidas, Nova Iorque, 1996.
31 A matéria das assinaturas electrónicas e da sua certificação é de enorme importância neste contexto, mas fica de fora do âmbito deste trabalho. Assim, para maiores desenvolvimentos v. MENEZES CORDEIRO, Tratado…, p. 588-589; PUPO CORREIA, Direito Comercial…, p. 576-585; XXXXXX XXXX, “Secrecy and Signatures – Turning the legal Spotlight on Encryption and Electronic Signatures”, in XXXXXXX, L. & XXXXXX, X. (org.), Law & the internet, Oxford, Hart Publishing, 2ª Ed. 2002, p. 37 ss; J. XXXXX XXXXXXXX, “Direito Privado Europeu – Assinatura electrónica e certificação”, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 133º, n.º 3918, p. 261 ss; XXXXXXXXXX XXXXXXXXX, “Comércio Electrónico e…”, p. 10-15; XXXXXX XXXXX, Internet Law…, p. 218 ss.
32 Neste sentido, na doutrina nacional v. XXXX XXXXX, Declaração tácita…, nota 444, p. 415; XXXXXX XXXXXXX XXXXXX, “A boa-fé objectiva na formação do contrato electrónico”, in Revista de Direito de Informática e Telecomunicações – RDIT, ano 2, nº 3, Editora Fórum, Julho/Dezembro 2007, p. 109 ss., p. 118 ss.; XXXXX XXXXX X XXXXX, - Transferência…, p. 216-217 e Contratação Electrónica, in MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, Lei do Comércio Electrónico Anotada…, p. 181 ss., p. 183. Quanto à questão da redundância de algumas normas já nos tínhamos pronunciado supra – v. nota 5, p. 9. Na doutrina estrangeira v. CLARIZIA, Informatica e conclusione…,
p. 162; MATEU DE ROS, “El consentimiento y…”, p. 42 e XXXXX XXXXXXX, “A Formação dos contratos…”, p. 89.
interpretação e obviamente para o preenchimento de quaisquer lacunas de regulação, não causando nenhum constrangimento a sua aplicação neste âmbito, tendo em conta a sua característica adaptabilidade a novas situações práticas33.
3. O iter negocial na contratação em linha com prestação mediata/indirecta de bens e serviços
No capítulo V do DL n.º 7/2004 (correspondente aos artigos 24º e seguintes), previu o legislador um modelo de formação do contrato bem mais complexo do que o esquema tradicional e unanimemente aceite: a aceitação de uma proposta. É de clarificar que aquele se destina especificamente aos contratos realizados em linha com prestação mediata dos bens ou serviços, pois, como veremos, grande parte do regime é excluído para os contratos celebrados por correio electrónico ou com imediata prestação em linha dos bens ou serviços.
Assim, são definidos quatro momentos do iter negocial: a oferta em linha, a ordem de encomenda, o aviso de recepção e a confirmação da ordem de encomenda. Ora, a natureza jurídica e significado daqueles irá influenciar directamente a questão basilar do nosso estudo: o momento da perfeição do contrato, pelo que passaremos agora a uma análise detalhada de cada um desses aspectos.
3.1. A oferta em linha de produtos ou serviços
A questão que nos propomos a este respeito destrinçar, e que tem vindo a ser tratada profusamente pela doutrina nacional e internacional, é a seguinte: naquelas situações em que o prestador de serviços da sociedade da informação oferece publicamente, num site da Internet, os seus produtos e serviços, pretendeu aquele sujeito vincular-se a um negócio jurídico pela mera aceitação pelo destinatário dos termos por aquele meio enunciados? Constituirá aquela oferta online uma proposta ou um mero convite a contratar?
33 Este ponto é salientado e desenvolvido, a propósito da responsabilidade das operadoras de Internet, por XXXXXX X. CARNEIRO DA FRADA, “Vinho novo em odres velhos? A responsabilidade civil das "operadoras de Internet " e a doutrina comum da imputação de danos”, in ROA, Ano 59, II, 1999 (disponível em xxx.xx.xx).
O legislador do DL do comércio electrónico, entendendo dever clarificar esta questão, remeteu-se no entanto nesta matéria a reproduzir o entendimento comummente aceite pela doutrina relativo àquela distinção, dispondo no artigo 32º, n.º 1 que “A oferta de produtos ou serviços em linha representa uma proposta contratual quando contiver todos os elementos necessários para que o contrato fique concluído com a simples aceitação do destinatário, representando, caso contrário, um convite a contratar”34. Deste modo, cumpre esclarecer as noções de proposta e de convite a contratar.
3.1.1. A proposta contratual
Para Xxxxxxxx xx Xxxxxxx dar-se-ia o nome de proposta àquela “declaração em que a iniciativa de vinculação contratual pertence ao seu autor”35, sendo de acrescentar que, para Menezes Cordeiro, aquela “deixa facilmente isolar-se no contrato entre ausentes: havendo, entre as declarações contratuais um espaço de tempo juridicamente relevante, a proposta surge como a primeira das declarações.”36. Cumpre ainda referir que, “uma declaração pode ser qualificada como proposta contratual se reunir as seguintes características: se for completa e precisa, firme e formalmente adequada.”37, sendo que fundamental para afirmar a completude da proposta é que constitua um clausulado acabado, que face a ela, baste um “sim” do destinatário, para que aquela se considere aceite e o contrato concluído. A partir do momento em que é formulada, “independentemente de ser ou não aceite, investe cada uma das pessoas
34 A propósito deste artigo diz-nos XXXXXX XXXXXXX XXXX: “O nº 1 representa a prática de uma acção perigosa por parte do legislador: a tarefa de definir institutos jurídicos é uma incumbência da doutrina; ao definir, o legislador corre o risco de fazer uma delimitação que, depois é ultrapassada pelo regime estabelecido ou fica aquém dele. (…) Vejamos a utilidade desta acção do legislador. A disposição legislativa limita-se a receber a orientação que é geralmente aceite pela doutrina. (…) Na ausência de regra expressa no direito nacional, em sentido oposto, e dada a neutralidade da Directiva que teve o cuidado de não falar em proposta ou convite a contratar, aquele nº 2 do artigo não introduzir qualquer inovação na ordem jurídica portuguesa.” (“Notas sobre o regime da Contratação Electrónica, Internet, Direito e Tribunais”, in Sub-Júdice, 2006, Abr-Jun, p. 57 ss, p. 69).
35 XXXXXXXX XX XXXXXXX, Texto e enunciado na teoria do negócio jurídico, Coimbra, Almedina, 1992, p. 784.
36 MENEZES CORDEIRO, Tratado…, p. 553.
37 XXXXXXXX XX XXXXXXX, Contratos I…, p. 115. Para um estudo aprofundado dos requisitos da proposta contratual v. XXXXXXXX XX XXXXXXX, Texto…, p. 784 ss. e Contratos I…, p. 115 ss; XXXXXXX XXXXXXXX, Tratado…, p. 552 ss.; XXXX XXXX XXXXXXXX, A protecção dos…, p. 81 ss.; INOCÊNCIO GALVÃO TELES, Manual do Contratos em Geral, 4ª Edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2002, p. 247 ss.
que satisfaça aos requisitos nela previstos no direito potestativo de formação do contrato e coloca o proponente na situação de sujeição correspondente.”38 39
A proposta pode ter como destinatário um sujeito determinado ou um conjunto de sujeitos indeterminados, ora, no caso da contratação via Internet, claramente verifica-se a última hipótese, pelo que seria aqui de equacionar a possibilidade de estarmos perante a modalidade da proposta ao público.
A admissibilidade da figura da proposta ao público foi durante muito tempo alvo de discussão por parte da doutrina40, mas é hoje unanimemente aceite em Portugal, vindo inclusivamente prevista no artigo 230º, nº 3 do CC41, ainda que de forma meramente negativa.
38 XXXXXXXX XX XXXXXXX, Texto…, p. 788.
39 A doutrina diverge quanto à natureza a atribuir à proposta e, consequentemente à aceitação. De facto, para XXXXXXXX XX XXXXXXX a proposta tería uma dupla natureza: “declaração negocial, cujo conteúdo proposicional se dissolve no texto contratual sempre que uma outra declaração conforme (a aceitação) a venha completar no processo formativo; e negócio jurídico unilateral, independente quanto à sua eficácia jurídica, embora carecido da reacção de outrem para que tenha êxito o seu objectivo económico-social pleno.” (Texto…, p. 789-790), afirmando já a propósito da aceitação que esta “é igualmente uma declaração negocial, porque está integrada na formação de um contrato. Produzindo efeitos conformes ao seu significado, a aceitação tem a natureza de um acto jurídico. É todavia simples acto jurídico, ao qual se aplica o regime do artigo 295.º, e não negócio jurídico, porque a sua estrutura e efeitos estão estritamente dependentes da proposta a que corresponde.” (Contratos I…,
p. 135). Já XXXXXXX XXXXXXXX, considera ambas as figuras, proposta e aceitação, como verdadeiros negócios jurídicos unilaterais, com base no entendimento de que ambos são actos eficazes, livres e com conteúdo também livremente estipulável – mesmo no caso da aceitação, a propósito da qual afirma: “a aceitação/não aceitação não esgota as opções do destinatário da proposta. Este pode rejeitar, nada fazer ou contrapropor. Conserva pois, intacta, a liberdade de estipulação.” (Tratado…, p. 562-563). Finalmente, XXXXXX TELES, vê tanto na proposta como na aceitação meros actos jurídicos unilaterais em sentido estrito, sendo que “não são negócios jurídicos. Negócio jurídico é o contrato no seu todo; não é cada uma das manifestações de vontade que o integram” (Manual do Contratos…, p. 246).
40 Tratando os vários momentos da evolução doutrinal desta figura v. XXXXXXXX XX XXXXXXX, Texto…, p. 804 ss.
41 Pode ler-se no artigo 230º, n.º 3 do CC: “A revogação da proposta, quando dirigida ao público, é eficaz, desde que seja feita na forma da oferta ou em forma equivalente”. Esta figura da proposta ao público vem referida também no artigo 1336.º, I do Código Civil Italiano, no qual se pode ler – “L'offerta al pubblico, quando contiene gli estremi essenziali del contratto alla cui conclusione è diretta, vale come proposta, salvo che risulti diversamente dalle circostanze o dagli usi.”. Bem como no artigo 9º da Ley Ordenación Comercio Minorista (Ley 7/1996 – alterada pela Ley 47/2002 de 17 de deciembre, de transposição para o ordenamento jurídico espanhol da Directiva 97/7/CE sobre a contratação à distância) no qual se pode ler – “1. La oferta pública de venta o la exposición de artículos en establecimientos comerciales constituye a su titular en la obligación de proceder a su venta a favor de los demandantes que cumplan las condiciones de adquisición, atendiendo, en el segundo caso, al orden temporal de las solicitudes. Quedan exceptuados de esta obligación los objetos sobre los que se advierta, expresamente, que no se encuentran a la venta o que, claramente, formen parte de la instalación o decorado.” (Este artigo não faz parte das normas incorporadas no Real Decreto Legislativo 1/2007 de 16 de noviembre, que aprova o “Texto refundido de la Ley General para la Defensa de los
Para Xxxxxxx Xxxxxxxx, esta “é uma modalidade particular de proposta contratual, caracterizada por ser dirigida a uma generalidade de pessoas”42, sendo que, para Xxxxxxxx xx Xxxxxxx, apesar de os requisitos de validade serem os mesmos da proposta geral, a proposta ao público teria como características específicas: a indeterminação pessoal, a fungibilidade da pessoa do futuro ou futuros contraentes e a utilização de um meio público de difusão dos enunciados que integram a declaração43. Tendo em conta estas características particulares, a proposta ao público será “uma modalidade de proposta adequada a sistemas decorrentes de negociação massificada, em que não se torna, pelo menos, prático formular propostas individualmente dirigidas”44.
3.1.2. O convite a contratar
Por outro lado, estaremos perante um convite a contratar quando “um enunciado com aptidão para a formação de um ou mais contratos não satisfaça os requisitos de uma proposta. O convite a contratar inicia o diálogo contratual, delimita o âmbito de futuros contratos, cria expectativas, mas não é suficiente para colocar o enunciatário numa posição jurídica tal que, pela aceitação, conclua o contrato.”45. A verdadeira proposta distingue-se assim do convite a contratar pois, para aquela existir torna-se “necessário o propósito de fazer um contrato, como algo de vinculativo. Não bastam tentativas de aproximação, como se se pergunta o preço ou outras condições de venda de um objecto, ou por algum modo se revela somente a disposição de contratar, em termos a definir. Não se fazem, neste últimos casos, mas provocam-se
Consumidores y Usuarios y otras leyes complementarias”, pois aqui foram incluídas apenas aquelas disposições relativas em especial à protecção dos consumidores).
42 MENEZES CORDEIRO, Tratado…, p. 557.
Para XXXXX XXXXXXX, a proposta ao público “pode ter como destinatários a comunidade em geral ou um grupo mais reduzido como pode ser, por exemplo, um colectivo profissional.” (“A Formação dos contratos…”, p. 86).
43 Para maiores desenvolvimentos v. XXXXXXXX XX XXXXXXX, Texto…, p. 808 e ss.
44 XXXX XXXXXXXX XXXXXXXXX, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, 3ª Ed., Lisboa, Universidade Católica Editora, 2001, p. 252.
45 XXXXXXXX XX XXXXXXX, Texto e…, p. 808.
propostas. São efectivamente realidades distintas. Uma coisa, sabemo-lo da experiência quotidiana, é propor, oferecer; outra, convidar alguém a fazer uma oferta”46.
Um convite a contratar, pode tal como a proposta, ser dirigido a uma pessoa determinada ou ao público.
3.1.3. Natureza da oferta em rede – proposta contratual ou convite a contratar?
Com qual destas figuras se deverá então identificar a oferta de produtos em rede? A doutrina portuguesa é maioritária no sentido de afirmar que estaríamos no âmbito de uma proposta ao público47, desde que cumpridos os requisitos de validade, muito especialmente desde que a estivesse presente o conteúdo mínimo do contrato concretamente em causa48, e desde que a vontade de vinculação ao negócio jurídico fosse retirada objectivamente pelo destinatário, em consonância com o artigo 236º do CC. Alguns autores entendem que aquele
46 GALVÃO TELES, Manual do Contratos…, p. 247.
47 Neste sentido: XXXXXXXX XX XXXXXXX, Contratos I…, p. 170-171; OLIVEIRA ASCENSÃO, “Bases para uma transposição da Directriz nº. 00/31, de 8 de Junho (comércio electrónico) ”, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Vol. 44, nº 1-2, 2003, p. 215-252, p. 245-246, “Contratação electrónica…”, p. 63, “Perspectiva jurídica…”, p. 113; XXXXXXXXX-XXXXX, “Aspectos Fundamentales…”, p. 278-279; MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, Lei do Comércio Electrónico Anotada…, p. 126 ss.; XXXX XXXX XXXXXXXX, A protecção…, p. 89; A. XXXX XXXXXXX, “Comércio electrónico e consumidor”, in Estudos de Direito do Consumidor, nº 6, Coimbra, Centro de Direito do Consumo, 2004, p. 341 ss, nota 14, p. 351-354;. E ainda, de origem estrangeira, v. XXXXXXXXX XXXXXX, Il Contratto concluso mediante computer, Padova, CEDAM, 1987, p. 34; XXXX XXXXXXXX, “La oferta y la aceptación…”, p.2; XXXXXXX XXXXXXXX, “Il consumatore tra «point and click» e firma digitale”, in XXXXXXX, Xxxxxxxx (coord.), Commercio Elettronico e Tutela del consumatore, Milão, Giuffrè Editore, 2003, p. 183 ss, p. 190-193 e XXXXX XXXXXXX, “I contratti del commercio elettronico”, in Idem p. 249 ss, p. 265-266. Já MATEU DE RÓS tem uma posição um pouco diferente, na medida em que distingue websites activos de websites passivos, sendo que os primeiros seriam verdadeiras propostas, ao passo que os segundos se tratariam de meros convites a contratar; para o autor websites activos “hacen referencia a una presencia en Internet en la que el proveedor no se limita a exhibir y publicitar sus productos y servicios sino que promueve la comercialización de los mismos mediante la formulación, en la propia página o a través de campañas instrumentadas mediante “e-mails”, correo convencional, publicidad en TV, prensa, etc. (…) Se trata de una comercialización proactiva, en la que el cliente potencial es invitado expresamente a contratar en unas condiciones determinadas y publicadas.”, ao passo que passivos seriam aqueles websites em que “se ubica una oferta pública genérica, un escaparate exterior que, desde luego, puede provocar ofertas de contratación por parte de la clientela potencial, pero que ni constituye una oferta formal para contratar ni, al menos en todos los casos, incurrirá en la tipificación legal del concepto de publicidad” (“El consentimiento electrónico en los contratos Bancarios”, p. 61-62).
48 Para um estudo mais aprofundado da questão do conteúdo mínimo de um contrato v. XXXXXXXX XX XXXXXXX, Contratos I…, p. 115; XXXXXXXXX-XXXXX, “Aspectos Fundamentales…”, p. 280-281; XXXX XXXX XXXXXXXX, A protecção…, p. 82; GALVÃO TELES, Manual do Contratos…, p. 253 ss.
que formula a oferta nunca teria pretendido vincular-se49, nomeadamente porque face a um conjunto de sujeitos indeterminados, poderia não haver mercadoria suficiente. Este argumento, para além de significar um esvaziamento do sentido prático da figura da proposta ao público, é facilmente afastado, pois nessas situações estaríamos perante uma “incapacidade de facto, que justifica o não cumprimento”50, ou bastaria invocar uma condição resolutiva tácita51. Este e outros argumentos52, como por exemplo o facto de o autor da oferta poder não querer contratar com um dado ordenamento jurídico ou o facto de não saber a solvência do destinatário, estão na base de muita doutrina estrangeira (em especial anglo-saxónica), que é em regra maioritária no sentido de condicionar necessariamente os contratos com sujeitos indeterminados à categoria de mero convite a contratar53.
A nosso ver, apesar de os artigos 11º da DCE e 29º, n.º 1 do DL n.º 7/2004 exigirem o aviso de recepção, o que poderia indiciar que o contrato só se concluiria naquele momento e “desqualificar a encomenda como aceitação”54, tendo em conta a redacção do artigo 32º/1 do
49 Para XXXXXX XXXXX, a intenção de contratação que possibilitaria a qualificação da oferta como verdadeira proposta é algo dificilmente avaliável, pelo que haveria sempre um grau de incerteza nesta matéria. Assim, para o autor, a melhor solução seria sempre que o oferente determinasse expressamente qual o procedimento a seguir para o surgimento de um contrato vinculativo (Internet Law…, p. 211).
50 OLIVEIRA ASCENSÃO, “Bases…”, p. 246.
51 Neste sentido, MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, Lei do Comércio Electrónico Anotada…, p. 129, acrescentando-se ainda que “Em certas situações, esta cláusula resulta tacitamente do contrato celebrado.”. E ainda XXXXXXXX XX XXXXXXX, Texto e…, p. 113 – “Quando seja este o caso, vale a já aludida condição tácita que faz depender a eficácia da proposta da subsistência de stocks bastantes; quando o proponente disponha apenas do objecto exposto, só é eficaz a primeira aceitação que chegue ao seu poder.” – afirmação feita a propósito da exposição de mercadorias em montras, que parece estar no entanto revestida da mesma lógica do comércio electrónico, nomeadamente no caso das lojas virtuais. V. ainda XXXXXXXX XX XXXXXXX, Contratos I…, p. 122 e XXXX XXXX XXXXXXXX, A protecção…, p. 89.
52 Elencando os argumentos das várias doutrinas v. XXXX XXXX XXXXXXXX, A protecção…, p. 87 ss.
53 Com este entendimento v. XXXX XXXXXX, “Contract Formation on the Internet (Shattering a few myths)”, in
XXXXXXX, X. & XXXXXX, X. (org.), Law & the internet, Oxford, Hart Publishing, 1997, p. 97 ss., p. 115; ANDREW
D. XXXXXX, “Entering Into Contracts Electronically: The real W.W.W.”, in XXXXXXX, X. & XXXXXX, X. (org.), Law & the internet, Oxford, Hart Publishing, 2ª Ed. 2002, p. 17 ss., p. 22; XXXXXXXXX X. PERDUE, “Creating contracts online”, in XXXXXXXXXXX, Xxxxxx X. (ed.), Online Law: the SPA’s legal guide to doing business on the Internet, Addison-Wesley Developers Press, Massachusetts, 1996, p. 81-82; XXXXX XXXX, Internet law : text and materials, 2ª Ed., Cambridge, Cambridge University Press, 2004, p. 205; XXXXXX XXXXX, Internet Law…, p. 210-211. Também neste sentido o art. 14.º, n.º 2 da Convenção de Viena sobre a Compra e Venda Internacional de Mercadorias, no qual se pode ler: “Uma proposta dirigida a pessoas indeterminadas é considerada apenas como um convite a contratar, a menos que a pessoa que fez a proposta tenha indicado claramente o contrário”.
54 OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil…, p. 483.
DL, o melhor entendimento parece ser o de considerar as ofertas em rede como verdadeiras propostas ao público, vinculando portanto o seu autor ao negócio jurídico. Naturalmente, tal avaliação terá de ser feita caso a caso55, dependendo também do tipo de contrato em causa, só sendo possível chegar àquela conclusão desde que cumpridos os requisitos necessários, e desde que o destinatário normal, dentro dos limites da boa-fé, interpretasse a declaração negocial como contendo uma intenção de vinculação manifesta – assumindo este factor uma maior importância do que o desejo subjectivo do oferente de se vincular ou não56.
A solução contrária significaria que o autor da oferta em rede teria arbitrariedade na aceitação da proposta do destinatário/consumidor e, consequentemente, no cumprimento do contrato, o que iria inclusivamente contra a lógica de sistema de protecção do consumidor57
58. No entanto, e como afirma Xxxx Xxxx Xxxxxxxx: “a fronteira entre a proposta e o convite a contratar pode ser muito ténue e nem sempre será fácil nem pacífico qualificar a situação em causa”59.
3.1.4. O papel da publicidade
A publicidade na Internet assume hoje proporções nunca vistas, em qualquer página visitada, seja com o objectivo de adquirir um produto ou não, o consumidor é contemplado com anúncios de todo o tipo, e a todo o tipo de produtos. É hoje o canal por excelência para as
55 XXXX XXXX XXXXXXXX afirma neste sentido que “a doutrina preferível é a que defende que não é possível, nem desejável, qualificar, apriori, as informações e indicações do fornecedor, relativas ao bem ou serviço, como convite ou proposta. O fornecedor que tem um sítio na Internet, no qual procede à divulgação de bens, deverá poder decidir se quer correr, ou não, o risco de contratar com todos os potenciais consumidores do mundo com acesso à rede. Assim as mensagens que integram todos os elementos de uma proposta, devem ser entendidas como tal” (A protecção…, p. 89).
56 É de ter ainda em atenção que, como afirma XXXXXXXX XXXXXXXX, “Ainda que formalmente a relação seja apresentada como dependente de uma proposta do destinatário do serviço, isso não é razão definitiva para a qualificação como convite a contratar” (“Contratação electrónica…”, nota 21, p. 63).
57 Neste sentido v. XXXXXXXX XX XXXXXXX, Texto e…, p. 826 e OLIVEIRA ASCENSÃO, “Contratação electrónica…”, p. 60.
58 A solução contraria ainda o regime das Cláusulas Contratuais Gerais também aplicável neste âmbito, como vimos supra no capítulo 22. De facto, pode ler-se no artigo 11º do DL nº 446/85, de 25 de Outubro: “1 - As cláusulas contratuais gerais ambíguas têm o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real. 2 - Na dúvida, prevalece o sentido mais favorável ao aderente.” Xxx, claramente vai no sentido mais favorável ao aderente a classificação da oferta em rede como verdadeira proposta contratual.
59 XXXX XXXX XXXXXXXX, A protecção…, p. 84-85.
entidades económicas levarem informação sobre os seus produtos a um público alargado à escala global60. Em primeiro lugar cumpre delimitar o conceito de publicidade.
Assim, para Xxxxxxxx xx Xxxxxxx, “A publicidade será então toda a acção dirigida ao público com o objectivo de promover, directa ou indirectamente, produtos, serviços ou uma actividade económica”61. Já o artigo 2º, al. f) da DCE dá-nos um conceito mais abrangente de “comunicação comercial” como “todas as formas de comunicação destinadas a promover, directa ou indirectamente, mercadorias, serviços ou a imagem de uma empresa, organização ou pessoa que exerça uma profissão regulamentada ou uma actividade de comércio, indústria ou artesanato”.
A publicidade, no seu objectivo de promoção dos produtos, contém normalmente um conjunto de elementos informativos e descritivos da qualidade ou da espécie do produto publicitado, de forma a aliciar o destinatário à sua aquisição. De facto, no sentido de proteger os consumidores face a publicidades enganosas, a DCE previu no artigo 6º uma série de requisitos a cumprir pelas mensagens publicitárias, artigo esse transposto para o nosso ordenamento pelo artigo 21º do DL n.º 7/2004. Assim, por força deste artigo, devem ser claramente identificados, e “de forma a serem apreendidos com facilidade por um destinatário comum”: a sua natureza publicitária, o anunciante e as condições de quaisquer ofertas promocionais62. Sendo ainda que, por força do artigo 7º, n.º 5 da Lei de Defesa do Consumidor “As informações concretas e objectivas contidas nas mensagens publicitárias de determinado bem, serviço ou direito consideram-se integradas no conteúdo dos contratos que se venham a celebrar após a sua emissão, tendo-se por não escritas as cláusulas contratuais em contrário”, solução corroborada pelo artigo 2º, n.º 2, al. d) do DL n.º 67/2003, sobre a
60 Muita desta promoção é feita através do chamado SPAM, esta matéria foge contudo ao âmbito deste trabalho, para um estudo desta temática v. AA.VV., O Comércio electrónico em Portugal. O quadro legal e o negócio, ANACOM, 2004, p. 171 ss; XXXX XXXXXXX, “Conformação de contratos pela publicidade na Internet”, in Direito da Sociedade de Informação, Vol. VIII, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, p. 189 ss, p. 202 ss.; XXXXXXXX XXXXXXX XXXXXX, “Publicidade na Internet”, in Direito da Sociedade de Informação, Vol. V, Coimbra, Coimbra Editora, 2004, p. 285 ss.
61 XXXXXXXX XX XXXXXXX, “Conceito de Publicidade”, in BMJ, nº 349, 1985, p. 115-134, p. 134.
62 Para maiores desenvolvimentos sobre esta matéria v. XXXX XXXXXXX, “Conformação…”, p. 197-198; A. XXXX XXXXXXX, “Princípios do comércio…”, p. 87-91 (o autor relaciona aqui os deveres de informação com o princípio da transparência).
venda de bens de consumo63. Para além daqueles artigos, parece ser também de aplicar as disposições protectoras do Código da Publicidade64 e ainda o diploma regulador das Cláusulas Contratuais Gerais, pois pelo próprio formato e objectivo da publicidade, os contratos assim contraídos serão contratos de adesão, dirigidos a uma generalidade de pessoas.
Ora, a questão colocada por muita doutrina diz respeito a saber se, aquelas informações disponibilizadas podem integrar o conteúdo da oferta contratual, contribuindo para o preenchimento dos elementos essenciais do contrato e vinculando o oferente pela mera aceitação do destinatário, ou se, por outro lado, se tratarão de meros convites a contratar.
Deste modo, enquanto que para alguns autores, a relevância contratual das mensagens publicitárias enquanto propostas contratuais é uma afirmação plausível desde que cumpridos os requisitos necessários65, nomeadamente (e acrescendo aos requisitos já mencionados a propósito da proposta e da proposta ao público): a expressão concreta e determinada da qualidade assegurada e da informação transmitida, a oportunidade temporal e a adequação formal66. Para outros, uma forma de comunicação tão marcada pela necessidade de captar a atenção do público e pela metaforização da linguagem, não pode ser levada seriamente como declaração contratual, não pretendendo o oferente vincular-se, nem a interpretando o público nesse sentido67, razão pela qual estaria confinada à categoria de mero convite a contratar68.
63 Nos termos deste artigo: “2 - Presume-se que os bens de consumo não são conformes com o contrato se se verificar algum dos seguintes factos:
(...) d) Não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem.”
64 Neste sentido, A. XXXX XXXXXXX, “Princípios do comércio…”, p. 87.
65 Com este entendimento v. XXXXXXXX XX XXXXXXX, “Relevância contratual das mensagens publicitárias”, in Revista Portuguesa de Direito do Consumo, nº 6, 1996, p. 9-25, p. 10 e Contratos I…, p. 122; XXXX XXXXXXX, “Conformação…”, p. 199; XXXXXXXXX-XXXXX, “Aspectos Fundamentales…”, p. 279-280; XXXXXXXXX XXXXXX, Il Contratto…, p. 34. Já XXXX XXXX XXXXXXXX, embora concorde com esta posição, entende que serão raras as ocasiões em que a publicidade contenha os elementos suficientes para que se possível falar de proposta contratual (A protecção…, p. 86-87).
66 Enunciando os vários requisitos e o seu significado v. XXXXXXXX XX XXXXXXX, “Relevância…”, p. 15-18 e ainda em Texto e…, p. 914 ss.
67 Com estes argumentos: NUNO TRIGO DOS REIS, “A eficácia negocial da mensagem publicitária”, in Temas de Direito Comercial - Cadernos O Direito, n.º 4, Coimbra, Almedina, 2009, p. 183 ss, p. 218-220. Aos quais responde XXXXXXXX XX XXXXXXX, afirmando que “Todo o reclame de uma actividade económica denota a intenção genérica de concluir negócios. (…) Há uma insanável contradição entre usar a publicidade como instrumento para incitar à contratação, fazendo crer que os bens têm estas e aquelas qualidades, e, quando elas
A nosso ver, apesar de esta avaliação ter de ser feita caso a caso, se as informações prestadas forem suficientes para que se possam considerar cumpridos os requisitos necessários, e se for essa a interpretação de “um declaratário normal integrado no público concreto a quem a mensagem se dirige”69, uma mensagem publicitária pode ser considerada como verdadeira proposta contratual, o que significaria que tudo o que constasse daquele enunciado passaria a fazer parte do contrato com a aceitação pelo destinatário.
3.1.5. Dever de emitir propostas contratuais?
Na linha da protecção do consumidor a que nos temos vindo a referir, o artigo 4º do DL n.º 143/2001, sobre os contratos realizados à distância diz-nos que: “O consumidor deve dispor, em tempo útil e previamente à celebração de qualquer contrato celebrado a distância, das seguintes informações”, enumerando de seguida uma série de elementos nas alíneas a) a
i) como a identidade do fornecedor e as características essenciais do bem. Ora, por força deste artigo, qualquer oferta contratual em rede, na medida em que cabe no âmbito de aplicação do diploma (como havíamos referido no cap. 2.3), terá que conter aqueles elementos. Estes, poderão ser vistos como cláusulas contratuais e, tendo em conta que cobrem um amplo espectro de informação, é legítimo afirmar que o requisito da completude – necessário para que uma declaração possa revestir a natureza de proposta contratual – está cumprido.
sejam reclamadas por quem contratar, acreditando, contestar a pretensão com o fundamento de que o que se propagandeara não era a sério, era exagerado ou não passava de uma simples (e neutra?) recomendação ou opinião! No modelo actual de mercado e de funcionamento dos circuitos de comercialização, a publicidade desempenha o papel e está no lugar de quem anteriormente assegurava qualidades, de modo directo e individualizado. (…) é pela medida da confiança que suscita que se mede a sua própria eficácia empresarial” (“Relevância…”, p. 12-14).
68 Neste sentido v. MENEZES CORDEIRO, Tratado…, p. 557; XXXX XXXXXX, “Contract Formation…”, p. 115; XXXXXX X. XXXXXX, “Entering Into…”, p. 22; XXXXXXXXX X. PERDUE, “Creating contracts…”, p. 82; XXXXX XXXX, Internet law…, p. 205; TRIGO DOS REIS, “A eficácia negocial…”, p. 221; XXXX XXXXXXXX, “La oferta y la aceptación…”, p.2; XXXXXX XXXXX, Internet Law…, p. 210.
69 XXXXXXXX XX XXXXXXX, “Relevância…”, p. 12.
Deste modo, pode dizer-se que a oferta em rede fica necessariamente completa o suficiente para que se possa classificar como verdadeira proposta ao público, deitando por terra muita da doutrina produzida relativa à querela proposta vs. convite a contratar70.
Por esta via, e como vem afirmando a doutrina71, os prestadores de serviços da sociedade da informação, quando pretendam contratar à distância com consumidores, ficam obrigados a emitir ofertas em rede com o teor de verdadeiras propostas, o que significará a sua vinculação aos termos contratuais com a mera aceitação do destinatário, e em concordância com esquema tradicional de formação dos contratos.
3.1.6. Período de eficácia da oferta em rede
Finalmente, relativamente ao período de eficácia da oferta em rede, diz-nos o artigo 4.º, n.º 1, al. h) do DL n.º 143/2001 que o prestador de serviços deverá informar o consumidor do “Prazo de validade da oferta ou proposta contratual”. O que entender porém quando tal prazo não seja fixado? Nos termos do artigo 228.º, n.º 1, al. b) e c) do CC: “Se não for fixado prazo, mas o proponente pedir resposta imediata, a proposta mantém-se até que, em condições normais, esta e a aceitação cheguem ao seu destino;” e “Se não for fixado prazo e a proposta for feita a pessoa ausente ou, por escrito, a pessoa presente, manter-se-á até cinco dias depois do prazo que resulta do preceituado na alínea precedente”72.
Ora, em especial para a contratação electrónica, de iure constituendo, o melhor entendimento seria aquele consagrado nos artigos 27º e 28º da Lei espanhola para o comércio electrónico, nos quais se prevê que as ofertas serão válidas durante todo o tempo que o
70 Cumpre ainda mencionar a alínea h) do já referido artigo 4.º que, ao incluir nos elementos exigidos o “Prazo de validade da oferta ou proposta contratual”, parece partilhar daquele entendimento.
71 Neste sentido, XXXXX XXXXXX XXXXXXXX, “Comércio Electrónico e Protecção…”, p. 47; MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, Lei do Comércio Electrónico Anotada…, p. 129; A. XXXX XXXXXXX, “Comércio electrónico e…”, nota 14, p. 352 e “Princípios do comércio…”, nota 33, p. 98. V. ainda XXXX XXXX XXXXXXXX, segundo a qual estas imposições legais irão inverter a tendência referida supra na nota 65 (A protecção…, p. 86-87).
72 Para mais desenvolvimentos sobre a questão da duração da proposta em geral v. MENEZES CORDEIRO,
Tratado…, p. 554 ss.
oferente tenha fixado, ou subsidiariamente, durante todo o tempo que permaneçam acessíveis aos destinatários do serviço, entendimento este partilhado por Oliveira Ascensão73.
3.2. A ordem de encomenda
A expressão “ordem de encomenda” consta das epígrafes tanto do artigo 11º da DCE, como do seu correspondente art. 29º do DL n.º 7/2004. Contudo, ambos aqueles artigos referem-se àquele momento do iter negocial apenas como base para o consequente dever de aviso de recepção, não nos esclarecendo quanto ao seu conteúdo ou natureza.
De facto, como vem afirmando a doutrina portuguesa, a própria designação “ordem de encomenda” é estranha ao ordenamento jurídico português, advindo meramente de fidelidade ao texto da Directiva74. Poder-se-ía assim entender a ordem de encomenda como “toda a declaração dirigida ao cibercomerciante pelo cliente, consumidor ou profissional, que exterioriza a intenção de celebrar um contrato nos termos expostos na loja virtual”75.
Contudo, questão mais relevante aqui a salientar é a dupla natureza que a ordem de encomenda, enquanto declaração receptícia, poderá revestir, derivada da qualificação dada à oferta em rede supra desenvolvida. Deste modo, se se considerar que a oferta é uma verdadeira proposta contratual, a ordem de encomenda constituirá uma aceitação. Já se a primeira se tratar de um convite a contratar, a ordem de encomenda equivalerá a uma proposta, marcando o início da relação contratual entre as partes.
73 OLIVEIRA ASCENSÃO, “Contratação electrónica…”, p. 52. Sobre esta questão v. ainda XXXXXXXXX XXXXXX, “Contratação na Internet. Regime Jurídico da contratação na Internet. Novas Questões? Novos princípios jurídicos?”, in Temas de Direito da Informática e da Internet, Coimbra, Coimbra Editora, 2004, p. 137 ss, p. 142 e XXXXX XXXX AND XXXX XXXXXX, “Electronic Commerce”, p. 304.
74 Com este entendimento ver XXXX XXXXX XXXXX, “A Conclusão…”, p. 13, para o qual esta seria uma “expressão profundamente infeliz” e ainda XXXXXX XXXXXXX XXXX, “Notas sobre…”, p. 67, que afirma a este propósito que “As expressões «ordem de encomenda» e «aviso de recepção» não são utilizadas habitualmente na linguagem técnico-jurídica, não as encontramos no Código Civil nem no pouco que resta do Código Comercial. Têm uma conotação económica e comercial acentuada. Trata-se de expressões introduzidas no léxico jurídico pela Directiva comunitária. (…) Foi o meio encontrado para superar as divergências entre os Estados Membros sobre a natureza jurídica da oferta realizada através da loja virtual”. Também XXXXXXXXX XXXXXXXX XXXXXXX, (“The E-commerce…”, p. 440) afirma serem estranhas à legislação de formação dos contratos a expressão “order” e “acknowledgement”.
75 XXXXXX XXXXXXX XXXX, “Notas sobre…”, p. 67.
Como referimos supra, as ofertas em rede não só podem ser propostas contratuais (desde que dotadas dos elementos necessários), como haveria neste âmbito um verdadeiro dever de apresentação de propostas para os prestadores de serviços em linha. Assim, a ordem de encomenda teria a natureza de aceitação.
A aceitação “é uma declaração recipienda, formulada, pelo destinatário da proposta negocial ou por qualquer interessado, quando haja uma oferta ao público, cujo conteúdo exprima uma total concordância com o teor da declaração do proponente.”76, sendo que, de acordo com Xxxxxxxx xx Xxxxxxx, se poderá “exprimir através de um só vocábulo (“sim”, “aceito”) ou um só gesto com o mesmo valor”77.
Sendo um dos requisitos da aceitação a conformidade com os termos da proposta, de acordo com o artigo 233º do CC, qualquer modificação daquela poderá significar a apresentação de uma contra-proposta. Ora, neste âmbito da contratação electrónica através de uma página Web, e tendo em conta que estaremos claramente perante contratos de adesão em que o consumidor não tem qualquer possibilidade de influenciar os termos contratuais, aquele risco não se apresenta78.
Cumpre por fim referir que, tal como nos contratos em geral, e por força do artigo 234º do CC, a aceitação de uma proposta num site da Internet poderá ter lugar através de uma declaração tácita79 ou de comportamentos concludentes. De acordo com aquele artigo “Quando a proposta, a própria natureza ou circunstâncias do negócio, ou os usos tornem dispensável a declaração de aceitação, tem-se o contrato por concluído logo que a conduta da outra parte mostre a intenção de aceitar a proposta.” Ora, no comércio electrónico, o acto de efectuar uma encomenda ou de aceitar o meio de pagamento oferecido, apesar de não
76 MENEZES CORDEIRO, Tratado…, p. 559.
Para um estudo mais completo da figura da aceitação v. XXXXXXXX XX XXXXXXX, Texto…, p. 790 ss. e Contratos I…, p. 123 ss; OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil…, p. 460 ss; MENEZES CORDEIRO, Tratado…, p. 559 ss; XXXXX XXXXXXX, “A Formação dos contratos…”, p. 86-87; GALVÃO TELES, Manual do Contratos…, p. 246ss.
77 XXXXXXXX XX XXXXXXX, Texto…, p. 791.
78 Salientando também a improbabilidade de a problemática da “battle of the forms” se verificar no âmbito da contratação electrónica v. XXXXXX XXXXX, Internet Law…, p. 211.
79 Sobre a aceitação tácita v. XXXXXXXX XX XXXXXXX, Texto…, p. 792 ss. e Contratos I…, p. 125-126; XXXX XXXXX, Declaração tácita…, p. 568 ss; XXXXX XXXXXXX, “A Formação dos contratos…”, p. 87; GALVÃO TELES, Manual do Contratos…, p. 250.
constituírem uma declaração expressa de aceitação, demonstram claramente uma intenção do destinatário de aceitar a proposta e se vincular ao contrato assim formado80.
3.3. O aviso de recepção
O momento que se segue à ordem de encomenda neste especial iter negocial é o aviso de recepção81, que vem previsto no artigo 11º da DCE e 29º do DL n.º 7/2004. Este será uma “declaração receptícia, tem por destinatário o autor da encomenda.”82 e consiste no dever para o prestador de serviços de “acusar a recepção da encomenda do destinatário do serviço, sem atraso injustificado e por meios electrónicos”83.
De acordo com o n.º 3 do artigo 29º do DL, o aviso de recepção “deve conter a identificação fundamental do contrato a que se refere”e de acordo com o n.º 4 deve ser enviado para o endereço electrónico “indicado ou utilizado pelo destinatário do serviço”84.
Quanto à forma que o aviso de recepção deve revestir diz-nos o artigo 31º, nº 1 do DL que deverá ser comunicado “de maneira que permita ao destinatário armazená- los e reproduzi-los”85.
Por força do art. 11º, n.º 1 da DCE e 29º, n.º 1 do DL, é possível o acordo em contrário entre partes que não sejam consumidores e, por força do art. 11º, n.º 3 da DCE e 29.º e 30º do
80 Neste sentido XXXXXXXXX-XXXXX, “Aspectos Fundamentales…”, p. 284-285; XXXX XXXXXXXX, “La oferta y la aceptación…”, p. 5; XXXXXX XXXXX, Internet Law…, p. 211.
81 Sobre a utilização e adequação da expressão “aviso de recepção”, valem aqui as mesmas considerações feitas
supra na nota 74.
82 XXXXXX XXXXXXX XXXX, “Notas sobre…”, p. 57.
83 Artigo 11º, n.º 1, primeiro travessão da DCE.
84 É também esta a solução do artigo 28º da Lei espanhola sobre o comércio electrónico – a Ley 34/2002 de 11 de Julho – sobre esta matéria pronunciou-se também OLIVEIRA ASCENSÃO, dizendo que com aquela solução “ultrapassa-se o princípio geral de Direito Civil, que não exige o conhecimento, mas apenas que a comunicação tenha entrado, em condições normais, na esfera do destinatário. Aqui, porque há já uma vinculação contratual, o destinatário é responsável pelo endereço electrónico que deu” (“Bases…”, p. 245).
85 Como afirma TROCADO DA COSTA: “se, muito simplesmente, o sistema do prestador de serviços fizer aparecer, após a ordem de encomenda do destinatário, o aviso de recepção numa janela do browser deste, estará cumprido o dever. Trata-se de um meio electrónico, e o destinatário poderá armazená-lo e reproduzi-lo, copiando-o para outro suporte ou imprimindo-o. Sendo a rapidez e a simplicidade umas das vantagens do comércio electrónico, não será sensato aniquilá-las pela exigência de formalidades adicionais” (“Regulando a contratação…”, p. 23 e no mesmo sentido v. MATEU DE ROS, “El consentimiento y…”, p. 47).
DL, o aviso de recepção é também dispensado para os contratos celebrados por correio electrónico ou outro meio de comunicação individual equivalente e ainda para os contratos com imediata prestação em linha, excepção de regime a que já nos referimos e que será desenvolvida infra.
A grande questão que a este propósito se coloca a doutrina diz respeito à natureza deste aviso de recepção. A dúvida residiria assim em saber se estaremos perante uma formalidade necessária para a conclusão do processo de formação do contrato, específico para o comércio electrónico, ou uma obrigação legal posterior à conclusão do contrato.
De facto, a própria previsão desta figura poderia apontar no sentido de ter querido o legislador assegurar que o contrato não se concluiria com a ordem de encomenda, mesmo nos casos em que esta configurasse uma aceitação da proposta em rede86. É este o entendimento de autores como Xxxxx Xxxx Xxxxxxxx, que vêm no aviso de recepção “uma formalidade necessária à conclusão do contrato, e logo uma mera obrigação no âmbito da responsabilidade ‘in contraendo’”87.
Apesar de a mera interpretação literal do preceito assim poder indicar, aquele entendimento esbarra desde logo com o art. 32º, n.º 2 do DL sobre o comércio electrónico, que afirma expressamente que “O mero aviso de recepção da ordem de encomenda não tem significado para a determinação do momento da conclusão do contrato.”, o que significa que o legislador não pretendeu alterar as regras gerais da formação dos contratos – intenção expressa no ponto 5 do preâmbulo do diploma, onde se pode ler: “o aviso de recepção destina-se a assegurar a efectividade da comunicação electrónica, apenas, e não a exprimir uma posição negocial”. No mesmo sentido afirma Xxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx: “To change the fundamentals of contract law is very delicate and requires a more important rationale”88.
86 Naturalmente, quando estivermos perante um mero convite a contratar o aviso de recepção corresponde a uma aceitação da iniciativa contratual levada a cabo pelo consumidor.
87 XXXXX XXXX XXXXXXXX, (“O contrato electrónico e o momento da sua conclusão”, in Xxxx Xxxxxxxx, Ano IV, n.º 2, Associação Jurídica da Maia, Setembro de 2007, p. 61 ss, p. 72).
88 XXXXXXXXX XXXXXXXX XXXXXXX, “The E-commerce…”, p. 441-442, acrescentando ainda a autora que “In my view, European Union does not need a rule on acknowledgement of orders of electronic contracts. It is likely that most businesses will choose to use confirmations voluntarily (as is often the case in paper-based transactions). This is in harmony with good practise and in most cases lowers the costs for businesses by reducing the risks of misunderstandings. The introduction of a legislative rule on acknowledgement of orders will only result in a bureaucratic and formalistic regulation and, even worse, different requirements in different Member States”.
No que ao direito comparado diz respeito, qual o tratamento dado a esta figura? Numa posição que parece ser maioritária, tanto o ordenamento Francês como o Espanhol, respectivamente nos seus artigos 1369-5 do Code Civil e no art. 28º da Ley 34/2002, de 11 de julio, classificam o aviso de recepção como um acto posterior à formação do contrato89.
Deste modo, o melhor entendimento parece ser aquele que vê o aviso de recepção como uma mera formalidade ad probationem, irrelevante para a determinação do momento de conclusão do contrato, e destinada apenas a promover a certeza nas comunicações dos prestadores de serviços da sociedade da informação com consumidores90. Previsto portanto com a mera finalidade de assegurar ao consumidor que a sua ordem de encomenda foi recebida pelo prestador de serviços, e compensando de certa forma o desequilíbrio contratual entre prestador de serviços e consumidor característico deste ambiente de contratação, e de
89 Em sentido contrário encontramos Lei luxemburguesa de 14/8/2000, em cujo artigo 52º se pode ler “le contrat est conclu quand le destinataire du service a reçu, par voie électronique, de la part du prestataire l’accusé de réception de l’acceptation du destinataire du service”. Mais sobre o tratamento da questão no direito comparado
v. XXXXXX XXXXXXX XXXX, “Notas sobre…”, p. 61-62.
90 Neste sentido v. XXXXXXXX XX XXXXXXX, Contratos I…, p. 171; OLIVEIRA ASCENSÃO, “Bases…”, p. 243-245 e Direito Civil…, p. 484; XXXXX XXXXXX XXXXXXXX, “Comércio Electrónico e Protecção…”, p. 49; PUPO CORREIA, Direito Comercial…, p. 594-595;TROCADO DA COSTA, “Regulando a contratação…”, p. 24; XXXXXX XXXXXXX, “Contratação Electrónica”, in O Comércio Electrónico em Portugal, quadro Legal e o Negócio, Lisboa, ANACOM, 2004, p. 157 ss, p. 167; MATEU DE ROS, “El consentimiento y…”, p. 45 e “El consentimiento electrónico en los contratos…”, p. 71; MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, Lei do Comércio Electrónico Anotada…, p. 116 ss; A. XXXX XXXXXXX, “A via electrónica da negociação: alguns aspectos”, in Estudos de Direito do Consumidor, nº 8, Coimbra, Centro de Direito do Consumo, 2007, p. 275 ss, p. 281; PLAZA PENADÉS, “Contratación electrónica...”, P. 437; XXXXXXXXX XXXXXXXX XXXXXXX, “The E-commerce…”, p. 439-442; XXXX XXXXX XXXXX,
“A Conclusão…”, p. 13. Diferentemente, v. XXXXXXXXX XXXXXX, “La contratación alectrónica...”, p. 37; XXXXXX XXXXXX XXXX, “Contratação Electrónica”, in MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, Lei do Comércio Electrónico Anotada, Coimbra, Coimbra Editora, 2005, p. 191 ss, p. 199; XXXXX XXXXX X XXXXX, -“Contratação Electrónica”, in MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, Lei do Comércio Electrónico Anotada, Coimbra, Coimbra Editora, 2005. p. 181 ss, p.
188. Bem como, XXXXXX XXXXXXX XXXX, (“Notas sobre…”, p. 60-61), fazendo no entanto o autor a distinção entre aviso de recepção simples e complexo: “A lei, com a expressão “mero aviso de recepção” admite uma outra modalidade de aviso de recepção, que não seja mero aviso; ao mero aviso poderíamos chamar aviso simples, ao aviso que não se destine apenas a dar conhecimento de que alguma coisa aconteceu com conhecimento do autor do aviso, mas que tenha um conteúdo mais amplo, poderíamos chamar de aviso complexo. Nesta maneira de ver as coisas, o que acabamos de dizer no texto aplica-se ao mero aviso, o aviso simples; a outra modalidade, dotada de conteúdo mais alargado, combinará a declaração de conhecimento com a declaração de vontade negocial; terá, por isso, uma natureza mista. Enquanto o mero aviso d recepção não tem significado para o momento da conclusão do contrato, este outro aviso já poderá ter significado também nesse e noutros domínios. Mas este outro efeito não é um efeito especial da LCE” (“Notas sobre…”, nota 19, p. 62).
qualquer outro para negociação massificada91. Como afirma ainda Xxxxxx Xxxxx Vide, o entendimento contrário “confunde, además, la perfección del contrato con la prueba del mismo, no sabe o no quiere distinguir entre ambas”92.
Relativamente ao prazo para o envio do aviso de recepção, o artigo 29º, n.º 1 diz-nos apenas que deverá ser “Logo que receba uma ordem de encomenda”, sendo que, por esta fórmula indeterminada poderá entender-se que: “O prestador de serviços deve, portanto, enviar o aviso de recepção assim que tiver oportunidade para o fazer, o que pode depender do meio pelo qual teve acesso à ordem de encomenda”93. Já de acordo com Xxxxxxxx Xxxxxxxx, poderia aplicar-se aqui o mesmo critério do art. 28º, n.º 1, al. a), da Lei espanhola e impôr que o aviso de recepção se fizesse em 24 horas94.
O DL também não oferece uma solução clara em caso de incumprimento do dever de acusar a recepção pelo prestador de serviços. Na verdade, não se encontra naquele diploma uma sanção para violação daquele dever legal, parecendo assim ser o melhor entendimento aquele defendido por Xxxx Trocado da Costa: “Se o objectivo pretendido é ‘assegurar a efectividade da comunicação electrónica’ [Ponto 5 do preâmbulo], o risco de possíveis falhas de ‘efectividade’ correrá então por conta do inadimplente, que terá de indemnizar à contraparte os danos que esta sofra por causa da incerteza gerada pela não emissão de aviso de recepção ou confirmação”95.
3.4. A Confirmação
O aviso de recepção faz nascer na esfera jurídica do destinatário o poder de confirmar a ordem de encomenda. A confirmação, corresponde ao momento final do iter negocial a que nos vimos referindo e vem prevista no artigo 29º, n.º 5, do DL n.º 7/2004, que nos diz que “A
91 Neste mesmo sentido v. XXXXXX XXXXXXX XXXXXX, “A boa-fé objectiva…”, p. 121-123, vendo também o autor o aviso de recepção como manifestação do dever de lealdade, corolário do princípio da boa fé objectiva contido no artigo 227º do CC.
92 XXXXXX XXXXX VIDE, “En torno al momento y lugar de perfección de los contratos concluídos via Internet”, in Direito da Sociedade de Informação, vol II, Coimbra, Coimbra Editora, 2001, p. 57 ss, p. 74-75.
93 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, Lei do Comércio Electrónico Anotada…, p. 118.
94 OLIVEIRA ASCENSÃO, “Bases…”, p. 246.
95 TROCADO DA XXXXX, “Regulando a contratação…”, p. 24.
encomenda torna-se definitiva com a confirmação do destinatário, dada na sequência do aviso de recepção, reiterando a ordem emitida”.
A confirmação da ordem de encomenda vinha prevista no projecto inicial da DCE, num artigo cuja epígrafe consistia precisamenta na expressão “Momento de conclusão do contrato”. No entanto, foi abandonada na versão final do diploma, fruto das várias críticas que lhe foram dirigidas pela doutrina96, e essencialmente por apenas contribuir para tornar mais complexo um processo que, tendo em conta o meio de comunicação que utiliza, só se pretende o mais célere e simples possível, sob pena de anular as vantagens que aquela via possibilita. Ao constar do DL n.º 7/2004, a confirmação é, portanto, um aspecto original do regime nacional.
Coloca-se também aqui a questão de saber qual a natureza da confirmação. Haverá que esclarecer se é um acto necessário para se poder afirmar a perfeição do negócio jurídico – condição de validade do contrato – ou se, tal como vimos ser o caso com o aviso de recepção quando a oferta em rede corresponda a uma proposta contratual, se trata de um dever contratual com vista a assegurar a certeza nas comunicações entre os prestadores de serviços e os consumidores.
Através de uma mera interpretação literal do preceito chegaríamos inevitavelmente à conclusão que, afirmando o legislador a definitividade da encomenda apenas neste momento, e tendo em conta que a definitividade da encomenda parece ser precisamente um dos efeitos da perfeição do contrato, isso só podería querer significar que o contrato só aqui se concluiría. No entanto, como fomos vendo, o contrato já estaría concluído anteriormente, no momento da aceitação (quer esta se tivesse produzido aquando da ordem de encomenda ou do aviso de recepção), tendo assim a justificação desta figura levado mais uma vez a posições doutrinais polarizadas.
96 A este propósito diz-nos XXXXXXXXX XXXXXXXX XXXXXXX (“The E-commerce…”, p. 439-440): “The original draft of the E-Commerce Directive contained a novel method for formation of contracts. The idea was that a contract should not come into existence with the simple exchange of offer and acceptance, but needed to be once again confirmed. Instead of using a two-step-formation-procedure, the draft suggested the use of a three-step- procedure. The draft was fortunately changed.” e, ainda, citando P. Xxxxxxxxx (“Five challenges for regulating the Global Information Society”, in Regulating the Global Information Society (Routledge, C.T. Marsden, 2000)
– “One of the foremost scholars of commercial law has observed that commercial law rules should be ‘accurate’ (i.e. reflective of the way commercial transactions are actually conducted), not ‘original’ (i.e. invented by a smart law professor perhaps out of his imagination)”.
Para alguns autores, tal como o aviso de recepção, a confirmação sería um mero dever contratual legal, posterior portanto à celebração do contrato e correspondendo a uma forma de assegurar a segurança das partes, justificada pelas características do meio tecnológico em causa97.
Um outro entendimento, indo um pouco mais longe, classifica a confirmação como condição suspensiva de eficácia do contrato. Assim, o contrato estaría formado no momento correspondente ao da aceitação, de acordo com as regras gerais, mas produziría efeitos apenas após a confirmação, determinando aquela o momento a partir do qual seríam exigíveis as prestações98.
Finalmente, existem ainda autores que, perfilhando o chamado sistema do duplo- clique, defendem que a aceitação operaría em dois momentos: no momento da ordem de encomenda e no momento da confirmação, mas só aqui se podendo afirmar a completude do processo de formação do contrato. Atribuem portanto autonomia a este modelo de contratação previsto no DL do comércio electrónico, entendendo serem aqui de afastar as regras gerais de formação do contrato99.
97 Neste sentido v. XXXXXXXX XX XXXXXXX, Contratos I…, p. 171; OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil…, p. 484; XXXX XXXXXXX, Direito Comercial…, p. 594-595; TROCADO DA COSTA, “Regulando a contratação…”, p. 23; XXXXXX XXXXXXX, “Contratação Electrónica”, p. 168 e XXXX XXXXX XXXXX, “A Conclusão…”, p. 13.
98 Defendendo este entendimento v. XXXXX XXXXXX XXXXXXXX, “Comércio Electrónico e Protecção…”, p. 50-51; MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, Lei do Comércio Electrónico Anotada…, p. 119. E ainda A. XXXX XXXXXXX, afirmando: “Assim como não nos parece que esta exigência ‘nada traz de novo’, também não consideramos a exigência de confirmação como uma espécie de ‘direito de arrependimento’, que permitiria ao consumidor libertar-se do contrato não confirmando a encomenda. (...) Com efeito, não se compreende muito bem como poderá o consumidor ficar vinculado a uma encomenda meramente provisória, a valer em princípio como aceitação. (…) mais seguro nos parece dizer que se trata antes de uma condição suspensiva de perfeição do contrato, que porém retroage os seus efeitos ao momento da encomenda inicial (…) o contrato seria concluído à primeira, ainda que condicionado à confirmação da encomenda.” (“Comércio electrónico e…”, p. 355-356), esclarecendo ainda o A. que “Trata-se de uma condição suspensiva, que todavia não impede que o negócio jurídico pendente condicione produza ‘efeitos provisórios e preparatórios’, devendo as partes, incluindo o consumidor, actuar segundo os ditames da boa-fé de modo a, nos termos do Código Civil, não frustrarem as legítimas expectativas geradas” (“A via electrónica...”, p. 283).
99 Com este entendimento v. XXXXXX XXXXXXX XXXX, (“Notas sobre…”, p. 62-64), esclarecendo o autor a sua posição da seguinte forma: “Admitamos que proposta não definitiva significa proposta susceptível de revogação. Se for o caso, a LCE veio estabelecer, em benefício do destinatário da oferta em linha, o princípio da revogabilidade da proposta enquanto não tiver lugar a confirmação, afastando o regime geral do artigo 230º do Código Civil. Interpretada a lei neste sentido, enquanto não houver confirmação, a proposta poderá ser revogada e, consequentemente, o contrato estará em formação até esse último acto de confirmação da encomenda. (…) Este regime teria o alcance de afastar o nº 2 do artigo 235º do Código Civil: até a confirmação, a aceitação poderia ser revogada ou alterada pelo destinatário.” E ainda XXXXXX XXXXXX XXXX, “Contratação Electrónica”, p.
O melhor entendimento parece ser o primeiro – a confirmação assume portanto a natureza de dever contratual100. Qualquer outra solução, em especial a do sistema do duplo- clique, não se coaduna com o espírito de sistema de simplificação e de informalização, contrariando inclusivamente a “simples aceitação” prevista no art. 32º, n.º 1 e ainda o ponto 5 do preâmbulo que, ao remeter o aviso de recepção à função de “efectividade da comunicação electrónica, apenas”, parece estender essa mesma qualificação a um momento a ele posterior. A própria previsão da figura da confirmação, tendo em conta todas as dúvidas que coloca e os problemas que levanta, e que, como vimos, não consta da versão final da Directiva, parece desrespeitar o art. 9º daquele diploma comunitário, que impõe aos estados-membros a remoção de obstáculos à comercialização electrónica101.
A figura da confirmação é relativamente desnecessária. De facto, apesar de se reconhecer a necessidade de meios que permitam corrigir quaisquer erros ou dúvidas nas comunicações electrónicas, estas preocupações já estão de certa forma atendidas pela existência do aviso de recepção102. Deste modo, a correcção de uma opção legislativa como a do nosso legislador, de se desviar do regime comunitário e de prever expressamente a confirmação, coloca-nos algumas dúvidas. Nestes termos, afigura-se-nos como adequada a limitação da sua relevância na formação do contrato.
199; XXXXX XXXXX X XXXXX, -“Contratação Electrónica”, p. 187-188 e XXXXX XXXX XXXXXXXX, “O contrato electrónico e...”, p. 72.
100 Quanto à consequência do incumprimento deste dever remete-se para o que se disse a propósito do aviso de recepção – v. cap. 3.3, p. 32.
101 Pode ler-se no artigo 9º da DCE: “Os Estados-Membros assegurarão que os seus sistemas legais permitam a celebração de contratos por meios electrónicos. Os Estados-Membros assegurarão, nomeadamente, que o regime jurídico aplicável ao processo contratual não crie obstáculos à utilização de contratos celebrados por meios electrónicos, nem tenha por resultado a privação de efeitos legais ou de validade desses contratos, pelo facto de serem celebrados por meios electrónicos”. A este propósito afirma A. XXXX XXXXXXX (“A via electrónica...”, p. 284-285): “não é certo que a exigência de confirmação (‘duplo-clique’) respeite o comando comunitário (…) art. 9º. De igual modo, não é seguro que a protecção do consumidor seja justificação bastante para os efeitos restritivos que esta cautela jurídica adicional pode colocar à liberdade de prestação de serviços da sociedade da informação no mercado interno. De resto, é criticável a falta de ganho prático (mesmo do ponto de vista da certeza) da exigência do ‘terceiro click’”.
102 Com este mesmo entendimento v. XXXXXX XXXXXXX, “Contratação Electrónica”, p. 167.
4. Os contratos celebrados exclusivamente por correio electrónico e os contratos com imediata prestação em linha – a diferença de regime
4.1. Os contratos celebrados exclusivamente por correio electrónico
Como é do conhecimento geral, o correio electrónico é hoje um meio de comunicação com enorme importância, quer para uso pessoal, quer para uso comercial, sendo que existem correntemente 2900 milhões de contas de correio electrónico activas em todo o mundo103.
Em regra a doutrina aponta como principais características do correio electrónico: o facto de ser um meio de comunicação individual, de se poder dirigir quer a um sujeito determinado quer ao público, de constituir o equivalente digital a uma carta e de não ser nem instantâneo nem totalmente fiável pois, tal como as cartas, pode perder-se no sistema, chegar com atraso ou mesmo sofrer alterações104.
De facto, o “emitente perde o controlo da sua missiva a partir do momento em que a introduz no marco de correio, também o utilizador perde o controlo da sua mensagem electrónica a partir do momento em que acciona o ícone ‘Enviar’ no seu computador”105. Pode assim dizer-se que o esquema de comunicações do designado e-mail, é aquele avançado por Xxxx Xxxx Xxxxxxxx: utilizador emitente 🡪 servidor do emitente 🡪 servidor do receptor 🡪 utilizador receptor106.
Ora, nos termos do art. 30º do DL n.º 7/2004, que transpõe os artigos 10º, n.º 4 e 11º, n.º3 da DCE, “Os artigos 27º a 29º não são aplicáveis aos contratos celebrados exclusivamente por correio electrónico ou outro meio de comunicação individual equivalente”.
103 De acordo com uma previsão da empresa de estudos de mercado, Radicati Group. Fonte: “Internet em números em 2010” in xxxx://xxxxx.xxxxxxxx.xx/xxxxxxxx-xx-xxxxxxx-xx-0000xx000000 (consultado a 31-Dez- 2010).
104 V. XXXX XXXXXX, “Contract Formation…”, p. 102-103 e XXXXXX X. XXXXXX, “Entering Into…”, p. 18. Afirmando o primeiro autor: “Two common misconceptions, which are very often dispelled after a few days of attempted use, are the electronic mail provides an instantaneous method of transmitting messages between computers and that it is a robust and totally reliable means of communication. It is neither.”
105 XXXX XXXX XXXXXXXX, A protecção...,p. 123.
106 XXXX XXXX XXXXXXXX, A protecção…, p. 122.
Por força deste artigo, são excluídos tanto o dever, previsto no artigo 27º, dos prestadores de serviços facultarem um mecanismo de correcção de erros aos destinatários, como a imposição do artigo 28º de comunicação de informações prévias.
A solução prevista significa também que todo o esquema de formação do contrato a que nos vimos referindo, e que consta em grande parte do artigo 29º, não se irá aplicar quando as partes tenham transaccionado através de correio electrónico ou, como a lei especifica, outro meio de comunicação individual equiparado107.
Cumpre esclarecer que, como nos diz a Lei do Comércio Electrónico Anotada do Ministério da Justiça, “Por ‘celebração do contrato’ deve entender-se, não apenas as declarações com relevância jurídica directa (a proposta e a aceitação), mas também outras comunicações que se estabeleçam entre as partes e que tenham, em todo o processo formativo, uma relevância prática significativa”108. Assim sendo, os artigos 27º, 28º e 29º serão aplicáveis caso exista uma qualquer declaração emitida por outro meio electrónico que não um meio de comunicação individual; se, por exemplo, a proposta tiver sido veiculada numa página da Internet, ainda que a partir daí todas as restantes comunicações tenham lugar mediante correio electrónico, os artigos referidos e as formalidades que contêm (como o aviso de recepção), serão ainda assim aplicáveis.
Ora, a lógica por trás da exclusão de regime seria que, num meio de contratação em que as comunicações são de tal modo individualizadas que permitem às partes influenciar os termos do contrato, aquelas não estão tão desprotegidas, nem se corre o risco de se verificarem tantas falhas nas comunicações. No entanto, a argumentação não convence, de facto, concordamos com Xxxx Xxxxx Xxxxx quando afirma que “Não pode deixar de causar perplexidade a não aplicação a estes contratos das regras referidas nos art. 27º a 29º; se no caso do art. 29º os motivos são compreensíveis, se aceitamos a desnecessidade de um dispositivo de identificação e correcção de erros de introdução, deixa-nos perplexo a não sujeição ao direito de informação, imperativo nos contratos com os consumidores, estatuído no art. 28º”109.
107 Nos meios de comunicação individual equiparados ao comércio electrónico podem incluir-se qualquer um dos instrumentos de conversação instantânea do grande leque de possibilidades que a Internet hoje apresenta, nomeadamente os chamados “chat rooms”.
108 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, Lei do Comércio Electrónico Anotada…, p. 122.
109 XXXX XXXXX XXXXX, “A Conclusão…”, p. 8.
Quanto ao momento de formação do contrato, são várias as teorias apresentadas pela doutrina110, no entanto, no que ao o ordenamento jurídico português diz respeito, somos levados a concluir que, não se aplicando o artigo 29º (e o original iter negocial que contém) e nada mais indicando o regime específico, aplicam-se aos contratos celebrados por e-mail as regras gerais do CC. Deste modo, quando existir uma aceitação incondicional dos termos propostos, negócio jurídico estará concluído111.
Tendo em conta o esquema das comunicações realizadas por correio electrónico cumpre ainda esclarecer se aquelas declarações se terão por recebidas: no momento em que chegam ao servidor do receptor, quando aquele descarrega as mensagens do servidor para a sua caixa de correio ou apenas quando efectivamente as lê. Como afirma Xxxxx Xxxx “Once it has been determined which rule decides when the message becomes effective, however, it is then merely a matter of tracing the (often complex) route that particular message has taken in order to determine whether a contract has been formed”112. Esta questão será desenvolvida infra.
4.2. Os contratos com imediata prestação em linha
No artigo 29º, n.º 2 do DL do comércio electrónico pode ler-se: “É dispensado o aviso de recepção da encomenda nos casos em que há a imediata prestação em linha do produto ou serviço.” Esta solução não consta especificamente do texto da DCE, existindo apenas a indicação do considerando 34 do preâmbulo: “O aviso de recepção por parte de um prestador de serviços pode revestir a forma da prestação em linha do serviço pago”.
110 Para maiores desenvolvimentos v. XXXX XXXX XXXXXXXX, A protecção...,p. 123 ss.
111 Já nos sistemas anglo-saxónicos a doutrina em regra aplica a chamada postal-rule, tendo em conta precisamente a analogia do correio electrónico com o correio tradicional, e com base na perda de controlo da missiva pelo seu emissor, cujo destino passa a depender da actuação de terceiro. O que significa que o contrato se tería por concluído no momento do envio da declaração de aceitação. Esta doutrina será desenvolvida infra no capítulo 5.
112 XXXXX XXXX, Internet law…, p. 206.
O artigo diz respeito àquelas situações que cabem no âmbito do chamado comércio electrónico directo, sendo que podem apontar-se duas modalidades de comércio electrónico: o comércio electrónico directo e o comércio electrónico indirecto113.
Por um lado, o comércio electrónico directo “consiste na encomenda, pagamento e entrega directa (em linha) de bens incorpóreos e serviços como programas de computador, conteúdos de diversão ou serviços de informação à escala mundial”114 e “explora todo o potencial dos mercados electrónicos mundiais, uma vez que permite transacções electrónicas sem descontinuidades à escala global, isto é, sem fronteiras geográficas”115, aqui se inserindo situações como a compra de um e-book, o download de uma música em formato mp3116 ou de um software informático.
Por outro lado, no comércio electrónico indirecto estamos perante a “encomenda electrónica de bens, que têm de ser entregues fisicamente por meios dos canais tradicionais como os serviços postais ou os serviços privados de correio expresso”117. Como afirma Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxx, “Esta vía puede ofrecer inicialmente mucha mayor confianza a los consumidores y usuarios, por ejemplo realizando el pago contra reembolso, pero limita enormemente las posibilidades del nuevo sistema implantado.”, principalmente porque dependerá de factores externos como a eficácia dos serviços postais que, como se sabe, nem sempre funcionam sem falhas. Dentro desta modalidade de comércio electrónico cabem aquelas compras realizadas nas chamadas lojas virtuais118, efectuadas quer por meio de pagamento no momento, quer à cobrança, e podendo ir de objectos como livros em formato
113 Tratando esta matéria v. XXXXXXXXX XXXXXX, “La contratación alectrónica...”, p. 34; A. XXXX XXXXXXX, Serviços da sociedade da informação..., p. 4; FÁBIO XXXXXXX, “I contratti ...”, p. 253-254 e XXXXX XXXX XXXXXXXX, “O contrato electrónico e...”, p. 61.
114 A. XXXX XXXXXXX, Serviços da sociedade da informação..., p. 4.
115Idem.
116 A iTunes Store é actualmente o maior vendedor de música online com um quota a rondar os 70% do mercado mundial e, entre abril de 2003 (inauguração) e 24 de fevereiro de 2010, foram vendidas na loja online da Apple
10.000 milhões de músicas. Fonte: “Internet em números em 2010” in xxxx://xxxxx.xxxxxxxx.xx/xxxxxxxx-xx- numeros-em-2010=f622333 (consultado a 31-Dez-2010).
117 A. XXXX XXXXXXX, Serviços da sociedade da informação..., p. 4.
118 As lojas virtuais “permitem encontrar e adquirir directamente os produtos disponibilizados pela empresa através do website. Permitem às empresas constituírem ‘montras’ para os seus produtos e serviços, funcionando como um canal de elevada abrangência a custos reduzidos” – XXXX XXXXXXX XXXXXXX, Direito da Internet..., p. 33.
papel, a peças de roupa, electrodomésticos, acessórios de moda, ou até mesmo produtos alimentares.
O art. 29º, n.º2 exclui o dever para do prestador de serviços de acusar a recepção da ordem de encomenda, para aquelas transacções electrónicas que caibam na modalidade do comércio electrónico directo, e em que existe portanto uma imediata prestação em linha dos bens ou serviços adquiridos119. Isto significa que não se aplicará àqueles contratos o esquema contratual que supra descrevemos.
Esta diferença de regime e de processo parece ter sido motivada pela consideração que, quando o contrato e o cumprimento do mesmo se efectuem de forma imediata, não existe tanta probabilidade de se verificarem problemas ou incertezas de comunicação.
No entanto, este entendimento não foi aceite acriticamente pela doutrina, de facto, afirma Xxxxx Xxxxx e Xxxxx que “o consumidor merece ser tutelado da mesma forma haja ou não fornecimento imediato do serviço e do bem”120. Por esta via, “Privilegia-se, assim, a simplicidade e a rapidez à segurança e protecção dos destinatários nos negócios que impliquem o cumprimento imediato e em linha”121, numa solução que levanta efectivamente questões. De facto, e apesar de termos vindo a defender ao longo deste estudo a inadequação de qualquer factor de complexificação do esquema de formação dos contratos electrónicos, a solução por esta norma consagrada, ao tornar o aviso de recepção facultativo, levanta neste âmbito ainda mais dúvidas (se possível) quando ao papel da confirmação122. Entendimento partilhado por Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx – “A norma citada era coerente no âmbito da Directiva, que não conhece a figura da confirmação; assim, face ao diploma comunitário, o fornecedor teria duas possibilidades: enviar o aviso de recepção, dando conta da celebração do contrato, ou cumprir a obrigação, dando igualmente conta, mas por outra forma, dessa celebração. No
119 Convém precisar, como faz TROCADO DA COSTA (“Regulando a contratação…”, p. 22) que, “Estarão aqui em causa aqueles contratos que se enquadrem no comércio electrónico directo. Mas nem todos esses contratos, só aqueles em que a prestação do produto ou serviço em linha é imediata. (…) Quanto aos contratos de execução continuada (v. g., acesso a bases de dados em linha, hosting, manutenção do registo de um domínio), e também quando estejam em causa prestações reiteradas, periódicas ou com trato sucessivo, bem como obrigações fraccionadas ou repartidas, o carácter imediato afere-se por referência ao início do cumprimento”.
120 XXXXX XXXXX X XXXXX, -“Contratação Electrónica”, p. 188.
121 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, Lei do Comércio Electrónico Anotada…, p. 121.
122 Pareceria que “não se exige a confirmação nos contratos em que o produto ou serviço é imediatamente prestado em linha, uma vez que esta é dada na sequência do aviso de recepção e este não é exigido nestes casos” (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, Lei do Comércio Electrónico Anotada…, p. 121).
âmbito do diploma de transposição, e independentemente da interpretação do nº5, não se verifica a necessária coerência de sistema”123.
Relativamente ao momento de conclusão dos contratos, por via do artigo 29º, nº2 pode afirmar-se, aqui sem dúvida alguma, corresponder aquele ao momento da aceitação,ou melhor dizendo, ao momento da recepção pelo prestador de serviços on-line da ordem de encomenda124. Deste modo, a prestação imediata125 do produto ou serviço que pode, por força do referido considerando 34 da DCE, corresponder a um aviso de recepção, equivale já ao cumprimento do contrato.
5. O momento de recepção das declarações negociais
Começamos a aproximar-nos da fase de, face à análise das soluções legais, doutrinais e de direito comparado, chegar a uma conclusão quanto ao momento da perfeição dos contratos electrónicos. No entanto, para cabalmente se compreender a questão, há antes que tratar de uma matéria fundamental e inevitável quando se trate de contratos celebrados entre ausentes: o momento de recepção e de eficácia das declarações negociais.
Para Menezes Cordeiro, contratos entre ausentes são aqueles em que “as diversas declarações são separadas por intervalos de tempo donde emergem consequências jurídicas”126, havendo várias teorias quanto ao momento de eficácia das declarações emitidas naquelas condições: a teoria da expedição, a teoria da recepção e a teoria do conhecimento.
123 XXXXX XXXXXX XXXXXXXX, “Comércio Electrónico e Protecção…”, nota 17 p. 48-49. Sendo ainda do entendimento do autor que a confirmação nos contratos com imediata prestação em linha seria ainda mais necessária do que naqueles em que aquela não se dá imediatamente, já que nestes últimos o consumidor tem mais tempo para pensar e tem a possibilidade de se arrepender (Idem).
124 Para mais esclarecimentos sobre a matéria da recepção das declarações negociais v. capítulo seguinte.
125 Parece relevante a dificuldade apontada por TROCADO DA XXXXX (“Regulando a contratação…”, p. 22): “não se afigura simples identificar o critério por que se há-de medir a natureza imediata de uma prestação, num contexto contratual todo ele caracterizado pelo just in time”.
126 MENEZES CORDEIRO, Tratado…, p. 551. Esclarecendo ainda o autor que “O critério é, pois, de ordem jurídica e não geográfica: o contrato celebrado por telefone entre duas pessoas muito distantes é um contrato entre presentes, enquanto o concluído presencialmente por celebrantes que, em momentos diferentes tenham feito as suas declarações, é entre ausentes” (Idem).
De acordo com a teoria da expedição, nas palavras de Xxxxxxx Xxxxxxxx, “a declaração recipienda seria eficaz logo que enviada para o destinatário”127 ou, como afirma Xxxxxxxx Xxxxxxxxx “o negócio só se forma quando o aceitante faz seguir a sua declaração para o proponente, por qualquer meio”128. Esta é a doutrina equivalente à chamada postal-rule dos sistemas anglo-saxónicos, aplicada quando se utilize um meio de comunicação não instantâneo.
Esclarecendo o teor da dita postal-rule, diz-nos Xxxxx Xxxx que, por força daquela “the acceptance takes place when the letter is posted, whether or not it ever arrives”129, acrescentando Xxxxxxxxx Xxxxxx, especificamente a propósito da aceitação, que “The acceptance would take effect as soon as it was out of the sender’s control, if it was sent in a manner and by a medium invited by the offer”130. O aspecto talvez mais importante que motiva este entendimento é a perda de controlo da missiva pelo seu emissor, que deposita o destino daquela nas mãos de um terceiro, seja ele os serviços postais ou um servidor informático131.
Esta é uma classificação que se sobrepõe com aquela de contrato celebrado à distância, mas não é absolutamente equivalente.
127 MENEZES CORDEIRO, Tratado…, p. 548.
128 XXXXXXXX XXXXXXXXX, Teoria Geral..., p. 102.
129 XXXXX XXXX AND XXXX XXXXXX, “Electronic Commerce”, p. 304. Afirmando a este propósito XXXXXX XXXXX VIDE (“En torno al...”, p. 67) – “Para que el contrato se perfeccione, es necesario que la declaración de voluntad aceptando sea expedita al oferente; es necesario que el aceptante haya hecho todo lo posible para que dicha declaración llegue a su destino”.
130 XXXXXXXXX X. PERDUE, “Creating contracts…”, p. 82, entendendo porém a autora que esta regra não se poderia nunca aplicar às comunicações electrónicas com base no argumento que aquela estaría revervada a comunicações não instantâneas como o correio e o telégrafo, mas já não às comunicações electrónicas. Já para XXXXXX X. XXXXXX (“Entering Into…”, p. 22-26) haveria que distinguir entre as comunicações feitas por e-mail e aquelas realizadas através de um web site. Assim, enquanto para as primeiras a sua semelhança com o correio tradicional ditaria a aplicação da postal rule, já para as segundas a sua prática instantaneidade, bem como a semelhança com as comunicações telefónicas, ao permitir inclusivamente a detecção imediata de quaisquer falhas na ligação, implicaria a exclusão da aplicação daquela norma.
131 Neste mesmo sentido podemos ler em XXXX XXXXXX (“Contract Formation…”, p. 98-99): “The postal rule, which is an exception to the general rule that an acceptance is only effective when it is received by the offeror, is a strange beast which seems to exist mainly in common law jurisdictions and refers to an implied, and rebuttable rule of contract formation. The rule applies only when the parties to an agreement do not communicate with each other by way of instantaneous communications such as by telephone but instead use a non instantaneous method of communication such as the post. The rule, put simply, states that an acceptance is effective once it is posted, rather than when it is actually received. The essence is that the acceptor has entrusted his communication to a third party or put the communication beyond his control. The effect is that of the rule applies then a contract is formed when the acceptance is sent regardless of whether the offeror receives the message or not. This may seem somewhat unfair but the rule is simply based on a pragmatic weighting up of the risks entailed in contracting in
Já segundo a teoria da recepção a “eficácia ocorria quando ela [declaração] chegasse ao poder do destinatário”132. Xxxxxx Xxxxx Xxxx, decompõe esta teoria afirmando que: “es necesario, para la perfección, que la aceptación haya llegado al ámbito o círculo de interés del oferente, a su establecimiento, a su domicilio, al margen de que éste la haya conocido o no”133.
Finalmente, a teoria do conhecimento dispõe que “exigir-se-ia para a produção de efeitos, a efectiva apreensão, pelo destinatário, da declaração que lhe fosse dirigida”134.
Em regra, a escolha é feita entre as duas últimas doutrinas. De facto, a mera expedição nunca asseguraria o conhecimento de uma declaração que se tem, à partida, por receptícia. E, embora a recepção seja um facto meramente material, que não corresponde ao efectivo conhecimento da declaração, a doutrina da recepção é maioritária. De facto, tendo a declaração chegado círculo de poder do destinatário, a falta de conhecimento só se poderá ficar a dever a negligência daquele. Cumulativamente, o momento da recepção é um critério objectivo, mais facilmente se fazendo a sua prova, e que significa também uma maior certeza e segurança do que o momento do efectivo conhecimento, cuja determinação poderia levantar bastantes dúvidas135.
Pode ler-se no artigo 224º do Código Civil “1- A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida; as outras, logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada. 2 - É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida.”136. Adoptou, assim, o legislador português um sistema misto em que se dá
this manner and provides a solution to a difficult problem. In case the offeror can always negate the rule by requiring that he receives the acceptance for it to become effective. What is important to realise, however, is that the postal rule is not a magic bullet that solves all ills and the rule will only apply in some limited circumstances”.
132 MENEZES CORDEIRO, Tratado…, p. 549.
133 XXXXXX XXXXX VIDE “En torno al...”, p. 68. V. também XXXXX XXXXXXX (“A Formação dos contratos…”, p. 85) para o qual é suficiente que a aceitação tenha chegado ao âmbito espacial em que se move o proponente.
134 MENEZES CORDEIRO, Tratado…, p. 549. V. também XXXXXX XXXXX VIDE “En torno al...”, p. 68.
135 Neste sentido e tratando mais desenvolvidamente os prós e contras das várias doutrinas v. XXXXXXXX XXXXXXXXX, Teoria Geral..., p. 102 ss e XXXXXX XXXXX VIDE “En torno al...”, p. 68-69.
136 No sentido da aplicação neste âmbito deste artigo pode ler-se na Lei do Comércio Electrónico Anotada “Estes actos jurídicos constituem declarações recipiendas, uma vez que têm um destinatário determinado, pelo que se aplica o artigo 224º do Código Civil, ou directamente, caso o acto seja um negócio jurídico (a ordem de
prevalência à teoria da recepção, mas incluindo alguns elementos da teoria do conhecimento137. Com afirma Xxxxxxxx xx Xxxxxxx “a ideia chave está na expressão ‘chegar ao poder do destinatário’. Para o efeito, este ‘poder’ consiste no conjunto de meios de recepção ao dispor do destinatário, que, em circunstâncias normais, lhe permitam tomar conhecimento de uma dada mensagem.”138 ou, como esclarece Menezes Cordeiro, “recorre-se, para melhor documentar o essencial, às ideias de ‘acolhimento’ ou de ‘armazenagem’ para cobrir situações em que a declaração fique, por exemplo, na caixa do correio do destinatário ou fique registada num dispositivo de recepção automática de chamadas telefónicas. Mas ainda então será de exigir que o destinatário controle o facto: de outro modo, as declarações não chegaram ao seu poder”139.
A teoria da recepção foi também aquela adoptada pelo ordenamento jurídico alemão, especificamente no parágrafos 120 e 147.2 do BGB e pelo italiano, por sua vez no art. 1335º do Codice Civile140. É também a doutrina que inspira o artigo 15º, nº 2 da Lei Modelo CNUDCI/UNCITRAL141, bem como o artigo 18º, nº2 da Convenção de Viena e ainda os Princípios Unidroit142. Já no ordenamento espanhol o regime aplicável era divergente na
encomenda pode ser a proposta contratual, como se deduz do artigo 32º), ou por remissão do artigo 295º do Código Civil, que manda aplicar a todos os actos jurídicos, quando se justifique, o regime dos negócios jurídicos” (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, Lei do Comércio Electrónico Anotada…, p. 125).
137 Neste sentido v. MENEZES CORDEIRO, Tratado…, p. 249.
138 XXXXXXXX XX XXXXXXX, Contratos I…, p. 126.
139 MENEZES CORDEIRO, Tratado…, p. 250.
140 Tratando esta questão no âmbito daquele ordenamento jurídico italiano v. XXXXXXXXX XXXXXX, Il Contratto…,
p. 35, que entende que através dos vários critérios teoricamente configuráveis, o legislador italiano teria adoptado um sistema intermédio ou compósito, entre aquele da recepção e o do efectivo conhecimento, dispondo uma presunção “iuris tantum” de efectivo conhecimento com a mera chegada da declaração ao endereço do destinatário.
141 Pode ler-se no referido artigo: “(2) Unless otherwise agreed between the originator and the addressee, the time of receipt of a data message is determined as follows:
(a) if the addressee has designated an information system for the purpose of receiving data messages, receipt occurs:
(i) at the time when the data message enters the designated information system; or
(ii) if the data message is sent to an information system of the addressee that is not the designated information system, at the time when the data message is retrieved by the addressee;
(b) if the addressee has not designated an information system, receipt occurs when the data message enters an information system of the addressee”.
142 Instrumentos estes referidos e melhor identificados supra no capítulo 2.
medida em que no 1262º do Código Civil se consagrava a teoria do conhecimento e no artigo 54º do Código Comercial vinha prevista a teoria da emissão, sendo que, face a esta realidade, a doutrina em regra optava por defender a aplicação intermédia do momento da recepção, tendo mesmo sido esse o entendimento da sentença do Tribunal Supremo Espanhol de 24 de Novembro de 1998143.
No que ao regime específico para o comércio electrónico diz respeito, pode ler-se no artigo 31º, nº2 do DL nº7/2004, que transpõe o art. 11º, nº1, 2º travessão de DCE: “A ordem de encomenda, o aviso de recepção e a confirmação da encomenda consideram-se recebidos logo que os destinatários têm a possibilidade de aceder a eles”. Isto significa, assim, a consagração também neste âmbito da teoria da recepção.
Desta forma, e diferentemente do que se afirmaria num sistema anglo-saxónico, pois aplicar-se-ía aí a postal rule (com as implicações supra descritas), as declarações electrónicas considerar-se-ão eficazes a partir do momento em que estão à disposição do destinatário144. Contudo, e se o conceito indeterminado de chegada ao “poder” do destinatário prevista no CC necessitava de preenchimento e interpretação, este da “possibilidade de aceder” aqui determinada também não é absolutamente unívoco. Ainda mais tendo em conta todos os momentos que integram o processo de formação dos contratos electrónicos, bem como os esquema próprio que caracteriza as comunicações electrónicas tendo em conta a suas especiais características tecnológicas.
Parece-nos que haverá que aplicar a mesma lógica utilizada para a interpretação da norma do regime geral, ainda assim, esclarece Xxxxxxxx Ascensão especificamente a este
143 Afirma neste sentido XXXXXX XXXXX VIDE “En torno al...”, p. 69 – “A pesar de la divergencia flagrante existente entre los artículos citados respecto al momento de perfección del contrato, la interpretación que, de los mismos y en este punto, hace la doctrina determina que los autores – superando con creces, su tenor literal – prediquen, tanto para los contratos civiles como para los mercantiles, la bondad de la teoría de la recepción, entendiendo que la emisión o la remisión no se casan con el carácter recepticio de las declaraciones de voluntad y que la mala fe del oferente, retrasando la toma de conocimiento de la aceptación, no se puede aplaudir”. V. ainda a este propósito XXXXX XXXXXXX, “A Formação dos contratos…”, p. 85.
144 Previu também a Lei espanhola do comércio electrónico, a Ley 34/2002, a teoria da recepção,na medida em que se exige a possibilidade de conhecimento e não o conhecimento efectivo, no seu artigo 28º, nº 2, no qual se pode ler: “2. Se entenderá que se ha recibido la aceptación y su confirmación cuando las partes a que se dirijan puedan tener constancia de ello. En el caso de que la recepción de la aceptación se confirme mediante acuse de recibo, se presumirá que su destinatario puede tener la referida constancia desde que aquel haya sido almacenado en el servidor en que esté dada de alta su cuenta de correo electrónico, o en el dispositivo utilizado para la recepción de comunicaciones”.
respeito que “isto significa que não é necessário o conhecimento efectivo da mensagem pelo destinatário para que este produza efeito. A recepção dá-se num momento anterior. Quando? Quando o destinatário está em condições de, pela inspecção do seu terminal, tomar conhecimento da mensagem. (…) Por isso, a directriz não põe em causa o entendimento de recepção que é próprio da lei portuguesa, esta dá-se, dissemos, quando a mensagem entra na esfera de poder do destinatário, de modo que este fique em condições normais de aceder a ela”145.
Coloca-se por outro lado a questão de saber se a declaração se haverá como acessível no momento em que a mensagem chega ao servidor do destinatário, ou apenas quando este a descarrega para a sua caixa de correio electrónico, e ainda que não a leia. Parece-nos ser o melhor entendimento aquele defendido por Xxxxx Xxxxxx Xxxx que nos diz a este propósito: “num ambiente digital, poderá dizer-se que é o momento em que a mensagem contendo a declaração negocial entra no sistema informático do destinatário”146.
Tal como se afirmou a propósito do regime geral, a adopção também neste âmbito específico da teoria da recepção tem por base a lógica que, após a possibilidade de acesso à declaração, a falta de conhecimento daquela só se poderia ficar a dever a negligência do receptor. Ora, neste âmbito isso significa que a parte num contrato electrónico deverá estar
145 OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil…, p. 476.
146 XXXXXX XXXXXX XXXX, “Contratação Electrónica”, p.195. Também no sentido de considerar a mensagem recebida no momento em que chega ao servidor informático do destinatário v. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, Lei do Comércio Electrónico Anotada…, p. 126; XXXXX XXXXXX XXXXXXX, “O Comércio Electrónico, Algumas...”, p. 51; XXXX XXXX XXXXXXXX, A protecção dos…, p. 127 e XXXXX XXXX XXXXXXXX, “O contrato electrónico e...”, p. 70. Diferentemente v. A. XXXX XXXXXXX (“Princípios do comércio…”, p. 98-99), que defende que “a ordem de encomenda, aviso de recepção e confirmação da encomenda consideram-se recebidos logo que os destinatários têm a possibilidade de aceder a eles (ou seja, a nosso ver, quando a mensagem é recebida na memória do computador utilizado na negociação, ou consoante o caso, na caixa de correio electrónico do destinatário – não apenas no servidor, portanto)”. V. ainda o Uniform Electrónic Transactions Act (UETA) – Sec 15 (a) – (b) (…) “(b) an electronic record is received when: (1) it enters an information processing system that the recipient has designated or uses for the purpose of receiving electronic records or information of the type sent and from which the recipient is able to retrieve the electronic record (…)” Comparando a regulamentação na UETA com aquela da DCE afirma XXXXXXXXX XXXXXXXX RAMBERG: “The question as to which of the parties bears the risk of a message not reaching the addressee or being delayed is important in relation to electronic commerce in which transactions are becoming more speculative in nature and the importance of time is enhanced. The E-Commerce Directive only addresses a limited type of messages (order and acknowledgement of receipt), and it provides no effects in private law since it only refers to what shall be deemed to have happened. Furthermore, (…) the meaning of ‘able to access’ is uncertain in the electronic environment. / UETA illustrates that it is possible to provide extensive guidance as to the exact moment and place where the risk shifts. A rule along the lines of UETA would have been more helpful (…)” (“The E-commerce…”, p. 443-444).
atenta à sua caixa de correio electrónico, de forma a poder tomar conhecimento efectivo das mensagens recebidas o mais rapidamente possível. Como esclarece a Lei do Comércio Electrónico Anotada, a propósito do dever de aviso de recepção, “o prestador de serviços não tem o dever de estar permanentemente (…) atendo à chegada de mensagens ao seu servidor para cumprir a obrigação de envio do aviso de recepção. O prestador de serviços deve, no entanto, aceder regularmente à sua caixa de correio electrónico, considerando-se incumprido o dever de envio do aviso em duas situações: em primeiro lugar, no caso de o prestador de serviços não aceder regularmente ao seu servidor e, em consequência dessa circunstância, não enviar o aviso de recepção; em segundo lugar, no caso de o prestador de serviços, apesar de ter acedido à mensagem, não ter enviado o aviso”147.
No entanto, a regra a que nos vimos referindo diz respeito apenas à exactidão e eficácia das comunicações, assim, e apesar de a determinação do momento da recepção das declarações ser fundamental para a determinação do momento da perfeição do contrato, em especial quando a declaração em questão seja aquela da aceitação, esse aspecto não é aqui regulado especificamente. A resposta a essa questão, ponto fulcral do presente trabalho, e à qual passaremos a final no capítulo seguinte, dependerá antes da análise feita supra aos vários momentos do processo de formação dos contratos a que nos vimos referindo.
6. O momento da conclusão do contrato
“Outro ponto muito sensível é o do momento da conclusão do contrato. A Directiva não o versa, porque não se propõe harmonizar o direito civil”, assim se lê no ponto 5 do Preâmbulo do DL nº 7/2004. No entanto, a determinação daquele momento assume grande importância prática, razão pela qual nos propomos concluir este breve estudo sobre a
147 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, Lei do Comércio Electrónico Anotada…, p. 126. Também a este propósito afirma XXXX XXXX XXXXXXXX “A aceitação considera-se assim recebida no momento em que o servidor, entendido como um terceiro na relação contratual, armazena no seu computador a mensagem digital e a disponibiliza ao seu destinatário, ainda que esta a não transfira para o computador. / A não se entender assim, dar-se-ia ao proponente a hipótese de depois de fazer uma proposta e ultrapassada a possibilidade de a revogar, não verificar a sua correspondência electrónica, não a transferir para o seu computador e não celebrar o contrato. (…) Algumas vozes discordantes poderão levantar-se contra esta orientação, defendendo que, ao contrário do correio tradicional, a maioria dos utilizadores não tem o hábito de verificar com a frequência desejada o seu correio electrónico. Todavia, quem faz uma proposta e espera a respectiva aceitação através de meios electrónicos, deverá estar atento à sua correspondência electrónica”(A protecção dos…, p. 127).
formação dos contratos no comércio electrónico com essa tarefa. De facto, o momento da perfeição do contrato é determinante para a definição da norma aplicável, ou mesmo do preço caso este varie no tempo em função de outros factores, sendo que é também a partir daquele momento que se transfere o risco pelo perecimento da coisa objecto da negociação. Nas palavras de Xxxxx Xxxx e Xxxx Xxxxxx: “In order for a contract to exist the exact instant when it came into existence must be identifiable, and not merely be a vague and nebulous occurrence. It must be a definite and identifiable event”148.
Deste modo, e sistematizando a matéria que analisámos supra no capítulo 3, e apenas para aqueles contratos concluídos online, se a oferta em rede for classificável como verdadeira proposta contratual, a aceitação dá-se com a ordem de encomenda, correspondendo o aviso de recepção e a confirmação a meros deveres contratuais legais. Já se a oferta em rede for um mero convite a contratar, aí a aceitação dá-se apenas com o aviso de recepção, mas remetendo-se ainda assim a confirmação àquela classificação de dever já em cumprimento do contrato celebrado.
Ora, o contrato tem-se por concluído precisamente no momento da recepção da aceitação da proposta contratual, que vimos corresponder ao momento em que aquela chega ao poder do oferente, ao momento em que aquele a ela possa aceder. A nosso ver, a aceitação pode verificar-se quer aquando da ordem de encomenda quer aquando do aviso de recepção. Porém, tendo em conta o mencionado “dever” de emitir propostas contratuais, previsto no DL nº 143/2001, em regra a aceitação ocorrerá no momento em que o consumidor efectue a ordem de encomenda e o prestador de serviços a ela possa aceder, ficando o contrato electrónico perfeito nesse momento.
Esta é, aliás, a posição doutrinal maioritária149 e aquela que merece o nosso acolhimento.
148 XXXXX XXXX AND XXXX XXXXXX, “Electronic Commerce”, nota 5, p. 301.
140 Xxxxx xxxxxxx x. XXXXXXXX XX XXXXXXX, Contratos I…, p. 171; OLIVEIRA ASCENSÃO, “Contratação electrónica…”, p. 58 ss e Direito Civil…, p. 482; XXXXX XXXXXX XXXXXXXX, “Comércio Electrónico e Protecção…”, p. 51; PUPO CORREIA, Direito Comercial…, p. 594-595; TROCADO DA COSTA, “Regulando a contratação…”, p. 21 ss; XXXX XXXXXXX, A formação dos contratos celebrados por consumidores através da Internet, Dissertação de Mestrado, Lisboa, Maio de 2005 p. 239; XXXXXX XXXXXXX, “Contratação Electrónica”,
p. 167; MATEU DE ROS, “El consentimiento electrónico en los contratos…”, p. 71; MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, Lei do Comércio Electrónico Anotada…, p. 126 ss; PLAZA PENADÉS, “Contratación electrónica...”, p. 437; XXXXX XXXXXXX, “A Formação dos contratos…”, p. 87; XXXXXX XXXXX VIDE, “En torno al...”, p. 74-75; XXXX XXXXX XXXXX, “A Conclusão…”, p. 7 ss. Com o entendimento contrário: XXXXXXXXX XXXXXX, “La contratación alectrónica...”, p. 25 ss; A. XXXX XXXXXXX “A via electrónica...”, p. 283-285, “Comércio electrónico e…”, p. 355-
Na verdade, parece-nos a solução mais adequada e aquela que mais se aproxima da letra e da teleologia da DCE, sendo vários os fundamentos que se podem indicar, mas reveste particular importância a análise feita às várias etapas do iter negocial, à qual procedemos supra no capítulo 3 e da qual deriva, necessariamente, esta conclusão.
Em primeiro lugar, é fundamental a questão de o novo esquema contratual não significar uma alteração aos princípios gerais sobre a formação dos contratos. Não parece ter sido essa a intenção do legislador comunitário, tendo em conta que se trata de uma matéria clássica de Direito Privado e que por esse motivo foge ao seu âmbito150, dependendo apenas do direito dos contratos interno de cada Estado, o que conduz necessariamente a soluções díspares151.
356, “Princípios do comércio…”, p. 96 ss; XXXXXX XXXXXXX XXXX, “Notas sobre…”, p. 64; XXXXX XXXXX X XXXXX, “Contratação Electrónica”, p. 187 ss e XXXXX XXXX XXXXXXXX, “O contrato electrónico e...”, p. 74 ss.
150 É também este o entendimento de OLIVEIRA ASCENSÃO: “Contratação electrónica…”, p. 59. XXXX XXXXXXX WINN e XXXX XXXXXXX entendem que a DCE seria neutral no que à lei dos contratos diz respeito: “But it shows that partial harmonization on the European level often leads to internal disharmonies in the member states’ legal systems. These internal disharmonies can only be avoided by either a European codification or a harmonization of the entire contract law system (or at least a considerable part of it) or, in the meantime, by “contract law neutral” legislation like the directive on electronic commerce.” (“Electronic promises...”, p. 13-14). Já XXXXXXXXX XXXXXXXXXXX (“Transposition of the E-commerce Directive: some critical comments”, in Direito da Sociedade de Informação, Vol. V, Coimbra, Coimbra Editora, 2004, p. 97 ss., p. 100-101) entende que, qualquer intromissão nesta área do direito interno dos estados-membros pelo direito comunitário constituiria uma violação do princípio da subsidiaridade: “To achieve this objective, a complete harmonisation of all issues relating to e-commerce was practically not possible since it would have been much too broad. Furthermore, it would have been contrary to the principle of subsidiarity. (...) To comply with subsidiarity principle, the e- commerce directive harmonisation is limited to specific issues which raised problems for free movement of Information Society services”.
151 O art. 28º da LSSICE Espanhola, tratando da informação posterior à celebração do contrato, refere o dever de envio do aviso de recepção da ordem de encomenda pelo oferente, claramente enquanto dever posterior à conclusão do contrato, mas não fazendo qualquer referência à confirmação. Tendo também o legislador aproveitado para unificar neste âmbito a matéria do momento da recepção das declarações, adoptando naquele artigo a teoria do conhecimento, mitigada pela teoria da recepção. Já na Lei francesa, mais concretamente no art. 1369º do Code Civil, introduzido pelo artigo 25º da LCEN, foi adoptado o sistema do duplo-cliqque: seguindo-se à ordem de encomenda, a confirmação é um mecanismo de correcção de quaisquer falhas, equivalendo à própria aceitação e constituindo, por isso, uma condição de validade do contrato, mas sendo anterior ao aviso de recepção, por sua vez considerado já como um dever contratual. No que ao regime italiano diz respeito, o art. 13º do Decreto Legislativo nº70 de 09.04.2003 que disciplina a fase de conclusão do contrato, não contém qualquer referência ao modo de conclusão dos contratos celebrados através da Internet. Deste modo, parece manter-se o regime geral, especificamente os artigos 1326º e ss do Código Civil Italiano, nos quais se adoptou a teoria do conhecimento mitigada pela teoria da recepção, já que o contrato se terá por formado no momento em que o oferente tomar conhecimento da aceitação pela outra parte, presumindo-se, porém, que a aceitação se considera conhecida no momento em que chega ao endereço do destinatário. Também no regime alemão, apesar de ter sido introduzida uma novo artigo na subsecção II do BGB, relativo às formas particulares de comércio, não foi a matéria da conclusão dos contratos electrónicos regulada especificamente, apenas se prevendo que a encomenda
Por outro lado, também não aparenta ter sido esse o objectivo do legislador nacional, conclusão que se retira em especial da previsão no preâmbulo do DL de que o aviso de recepção (e consequentemente, por maioria de razão, a confirmação) se trataria apenas de um meio de “assegurar a efectividade da comunicação electrónica”, entendimento consagrado também no texto da lei, mais concretamente no artigo 32º, nº 2, e ainda do facto de no art. 32º, nº 1, relativo à qualificação da oferta em rede, ter sido mantida e meramente sintetizada a solução já desenvolvida pela doutrina e pela jurisprudência quanto à distinção entre proposta e convite a contratar. Também naquele sentido nos dirige o artigo 27º do DL, pois aí prevê-se a obrigação para o prestador de serviços de disponibilizar meios técnicos de correcção de erros antes de consumidor formular a ordem de encomenda, sendo que por força do artigo 28º são devidas uma séria de informações prévias, a prestar ao consumidor também antes da ordem de encomenda. Ora, ambos estes artigos conferem uma grande importância ao momento da ordem de encomenda, só sendo possível ao consumidor alterá-la até ao momento em que o prestador de serviços a ela tenha acesso, o que por si só nos conduz ao entendimento que isso seria porque aquela corresponde à aceitação. Finalmente, é ainda de ter em conta que podendo o pagamento em linha ser considerado como a aceitação da oferta em rede, a entender-se que o momento de conclusão do contrato só se verificaria posteriormente, isso significaria que o consumidor estaria a efectuar uma prestação relativa a um contrato futuro, porque ainda não celebrado, o que não nos parece ter qualquer lógica.
Partindo destes elementos, torna-se evidente que, apesar da definição de um esquema negocial original, isso não significa, em caso algum, uma inversão das regras gerais.
Mais se afirma que, qualquer outro entendimento propicia a arbitrariedade do prestador de serviços da sociedade da informação e coloca o consumidor numa solução de grande desvantagem e desprotecção152, o que, como se foi afirmando, vai absolutamente
e o aviso de recepção se consideram recebidos quando os destinatários a elas possam ter acesso. Para maiores desenvolvimentos sobre os diferentes regimes na Europa dos 15 v. XXXX XXXXXXX, A formação..., p. 217 ss.
152 Esclarece a este propósito XXXXX XXXXXX XXXXXXXX (“Comércio Electrónico e Protecção…”, p. 50): “Considerando que a confirmação ainda integra a aceitação, que assim operaria em duas fases – a ordem de encomenda e a sua confirmação – para além de não bastar a simples aceitação do destinatário para a formação do contrato, como estabelece o artigo 32º, nº 1, estar-se-ia a possibilitar ao fornecedor a oposição à celebração do contrato, através do não envio do aviso de recepção. O fornecedor que tivesse emitido uma proposta contratual ainda teria uma palavra a dizer quanto à celebração do contrato, o que não nos parece que se enquadre no espírito deste regime – a protecção do destinatário. Esta solução seria pouco protectora do consumidor, uma vez que
contra o objectivo expresso do legislador, de tornar o comércio electrónico um ambiente seguro, onde os consumidores possam contratar sem incertezas e propiciando o desenvolvimento daquele meio de comercialização.
A própria motivação para a definição de um esquema tão complexo é questionável, pois se a preocupação com a certeza e a segurança jurídicas é de louvar e, em certa medida, necessária tendo em conta o meio através do qual estes negócios jurídicos são concluídos, por outro lado, aquelas são preocupações comuns à celebração de qualquer contrato. Na verdade, as inovações introduzidas nos meios de comunicação no decorrer dos séculos terão certamente originado questões análogas, não havendo no entanto memória recente da previsão de um esquema contratual radicalmente diverso por esse motivo153. Invocam alguns autores que o esforço adicional na segurança se justifica face aos riscos que a comunicação electrónica apresenta e que não se verificavam na comunicação através meios tradicionais154. No entanto, para fazer face a quaisquer irregularidades nas comunicações estavam já previstas duas outras soluções: aquela do artigo 27º do DL, que impõe aos fornecedores que facilitem um mecanismo de correcção de erros antes de o contrato estar celebrado, e ainda a própria figura do aviso de recepção.
Cumpre ainda ter em atenção que, grande parte da tarefa de tornar a Internet um ambiente no qual os consumidores se sintam confiantes em contratar passa por simplificar o processo de formação dos contratos, de forma a mudar o paradigma do papel ainda presente na mente de muitos, no sentido de o comércio electrónico deixar de ser visto como algo obscuro. Parece ter sido precisamente essa a intenção do legislador comunitário ao eliminar o
permitiria que o profissional obstasse a celebração de um contrato ao qual, segundo as regras gerais, já estaria vinculado”.
153 Como afirma XXXXXXXXX XXXXXXXX XXXXXXX, (“The E-commerce…”, p. 440 ), “The rationale of the rule is unclear. The underlying purpose of requiring a confirmation appears to be to induce confirmation that a contract has been formed in order to avoid uncertainty. This is of course important for every type of contract and nor only for electronic contracts. However, there is in law no general rule that a contract be confirmed. For centuries we have manage well without a legal requirement of confirmation (…)”.
154 Neste sentido invoca XXXXX XXXX XXXXXXXX (“O contrato electrónico e...”, p. 73-74): “a contratação electrónica, pressupondo a transmissão de declarações por meios electrónicos apresenta riscos que não foram considerados pela teoria civilística que teve como paradigma do suporte da declaração o papel. É que uma mensagem electrónica sofre ao longo da sua criação, transmissão e apresentação ao destinatário uma série de operações técnicas que podem influir no seu conteúdo. (…) Todas estas operações técnicas de tradução e transmissão podem ter falhas ou lapsos e introduzir erros ou imprecisões na mensagem. O que justificaria a necessidade de uma confirmação do teor da nota de encomenda, que num sistema baseado no suporte de papel não se compreende”.
momento da confirmação na versão comunitária, medida em tudo concordante com a imposição do artigo 9º da DCE de que os estados-membros eliminem todos os obstáculos à validade dos contratos electrónicos.
Face ao exposto, não se compreende a opção do legislador português em se afastar, e apenas neste aspecto, do texto da DCE. No entanto, tal não é motivo para se equacionar uma mudança extrema dos parâmetros vigentes há seculos para a formação dos contratos. De facto, é a consistência nas regras vigentes que promove a certeza e segurança na mente dos consumidores, e não a previsão que novos esquemas contratuais que, para além de só criarem um clima mais confuso de contratação, estão sujeitos a se tornarem absolutamente obsoletos e em necessidade de substituição face às inovações inevitavelmente verificadas nas telecomunicações com o passar do tempo.
7. Conclusão
O processo de transposição dos diplomas comunitários para o ordenamento jurídico nacional é algo de complexo e que exige um esforço pelo legislador no sentido de adaptar aquelas normas à realidade e tradição jurídica do país. O caso do diploma sobre o comércio electrónico não foi excepção, tendo o DL nº 7/2004 sido, inclusivamente, o mais tardio da generalidade dos diplomas de transposição dos vários estados-membros. Porém, a nosso ver não foi aquele diploma bem conseguido.
Foi mantido o esquema de formação dos contratos previsto na Directiva. No entanto, inspirando-se na Proposta da DCE, consagrou o nosso legislador a confirmação, cumulativamente com o aviso de recepção, determinando que só aqui a ordem de encomenda se tornaria definitiva. Ora, se já existia confusão doutrinal quanto ao momento da conclusão do contrato face à previsão do aviso de recepção, aquela medida só veio intensificar as dúvidas de interpretação.
Defendemos a solução que melhor se coadunava com o espírito da DCE e do nosso sistema legal: a manutenção das regras gerais de formação dos contratos, remetendo tanto o aviso de recepção, como a confirmação, à categoria de deveres contratuais. No entanto, não é este um entendimento unânime na doutrina e, não existindo ainda soluções jurisprudenciais
sobre uma matéria com importância prática tão recente, compreensivelmente, restam grandes incertezas quanto a esta questão.
Não era, com certeza, o que legislador comunitário tinha em mente quando emitiu a DCE com a finalidade de criar um “quadro geral claro” para a problemática do comércio electrónico. Na verdade, e muito embora seja em muito semelhante ao nosso DL, a lei espanhola constitui uma solução mais adequada, na medida em que clarifica qual o momento da conclusão dos contratos electrónicos, não referindo a figura da confirmação, e mantendo-se fiel tanto ao texto da DCE como às tradicionais soluções do direito dos contratos. Ora, como fomos insistindo, é esta a questão fundamental: a manutenção das normas gerais do direito dos contratos, por ser uma área com uma tal tradição jurídica que a sua alteração em nada beneficiaria os consumidores ou a implementação da contratação electrónica. Aquelas normas gerais são, caracteristicamente, extremamente adaptáveis às novas questões práticas e é o seu respeito e preservação que nos fornece um quadro sólido de regulação, incutindo nos vários intervenientes a certeza e segurança necessárias para o desenvolvimento do comércio electrónico.
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