A HIPERVULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR IDOSO NO CONTRATO DE EMPRESTIMO CONSIGNADO
Xxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxx
A HIPERVULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR IDOSO NO CONTRATO DE EMPRESTIMO CONSIGNADO
SÃO PAULO
2017
Xxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxx
A HIPERVULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR IDOSO NO CONTRATO DE EMPRESTIMO CONSIGNADO
Monografia apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de Sao Paulo, como
exigência parcial para obtenção do título de ESPECIALISTA em Direito Contratual, sob a orientação da Prof.ª, Drª Xxxxxxx Xxxxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx
SÃO PAULO 2017
Banca Examinadora
AGRADECIMENTOS
A Deus por tudo.
À Professora Doutora Xxxxxxx Xxxxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx por toda inestimável atenção a mim oferecida.
À minha família pelo carinho de sempre e pelo apoio incondicional.
Aos meus colegas de trabalho que tiveram paciência diante das minhas aflições e me ajudaram a trilhar as etapas para conclusão deste estudo.
E, especialmente, ao Xxxxxxxx pelo apoio, compreensão e amor dedicados a mim.
Resumo
O presente estudo tem como escopo a demonstração da hipervulnerabilidade do consumidor idoso nas relações de consumo que envolvem concessão de crédito pelas instituições financeiras. Desde a ampliação da concessão de crédito aos aposentados e pensionistas do INSS pela Lei 10.820/2003, os idosos revelaram-se alvo constante de práticas abusivas e fraudes na contratação do empréstimo consignado, em função da condição de vulnerabilidade agravada que decorre de seu processo de envelhecimento. Diante disso, as instituições financeiras atuam fortemente no mercado de consumo, investindo sobremaneira em publicidade para angariar o consumidor idoso e convencê- lo a contratar o crédito barato, rápido, fácil e com adimplemento mediante desconto de até 35% em seus rendimentos. A consequência comum desse tipo negócio é o endividamento dos idosos, principalmente daqueles de baixa renda, que por consumirem o crédito descontroladamente, passam a vivenciar situação de superendividamento em notória violação à sua dignidade e de sua família. Questões relacionadas às práticas abusivas, nulidades de cláusulas contratuais e fraudes cometidas contra os consumidores idosos têm sido submetidas à análise do Poder Judiciário, o qual amparado nas normas que regem as relações de consumo e na legislação que protege a pessoa idosa vem reconhecendo, no caso concreto, a hipervulnerabilidade desses consumidores visando promover amparo efetivo, protegendo-os das abusividades impostas pelas instituições financeiras.
Palavras-chave: Relação de Consumo. Idoso. Hipervulnerabilidade. Superendividamento. Crédito Consignado.
Abstract
This paper intends to demonstrate the high vulnerability of the elderly consumers in the consumption relations that involve the credit provision by financial institutions. Since the expansion of credit provision for retirees and pensioners from INSS according to the Law 10.820/2003, the elderly have been a continuous target of abusive acts and frauds in the hiring of consigned credit, due to the codition of aggravated vulnerability resulting from the process of ageing. At that, the financial institutions act heavily on the consumption market, investing in publicity to attract the elderly consumers and convince them to contract a low-cost, fast and easy credit with performance upon discounts till 35% in their earnings. The common consequence to this type of negociation for the elderly is the debt, specially for those with low income, who, consuming the credit without control, face a situation of super debt, violating their dignity and that of their families. Questions related to abusive acts, annulment of contracts and frauds against elderly consumers have been analysed by the Judiciary Branch, which protects the elderly, based on the rules of consumption relations and laws. More specifically, focusing on the vulnerability of these cosumers, intending to promote effective support, protecting them from the abuses of financial institutions.
Key words: Consumption relation. Elderly. High vulnerability. Super debt. Consigned credit.
8
2. Relação Jurídica de Consumo e Vulnerabilidade
10
2.1. Breve contextualização sobre a sociedade de consumo e o Código de Defesa do Consumidor 10
2.2. Elementos da Relação de Consumo 12
2.2.1. Elementos subjetivos 12
2.3. Principais princípios aplicados à Relação de Consumo 18
2.3.1. Princípio da hipossuficiência do consumidor 18
2.3.2. Princípio da boa-fé objetiva 19
2.3.3. Princípio da transparência 19
2.3.4. Princípio da função social do contrato 20
2.4. Aspectos gerais do Contrato de Consumo 21
2.4.1. Disposições gerais aplicáveis aos Contratos de Consumo 22
2.4.3. Contratos de Adesão: aspectos gerais 24
2.5.1. A instituição do Princípio da Vulnerabilidade como princípio orientador do CDC 27
2.5.2. Principais espécies de vulnerabilidade 29
2.5.3. Vulnerabilidade agravada (Hipervulnerabilidade) 30
3. Idoso e Hipervulnerabilidade
33
3.1. Breves apontamentos sobre o envelhecimento 33
3.2. Conceito de idoso: aspecto jurídico 35
3.3. Principais Princípios que orientam os Direitos da Pessoa Idosa 36
3.4 Apontamentos acerca da proteção jurídica do idoso 38
3.4.1. Âmbito constitucional 38
3.4.2 Âmbito Infraconstitucional 39
3.4.2.1. Lei de Política Nacional do Idoso 39
3.5. Reconhecimento da hipervulnerabilidade do idoso no mercado de consumo 42
4. O idoso como consumidor hipervulnerável e o crédito consignado
48
4.1. Aspectos gerais sobre o crédito consignado 48
4.2. Principais características do contrato de empréstimo consignado 52
4.2.1. Sujeitos ativo e passivo 52
4.2.2. Forma, condições de contração e pagamento e prazo 53
4.3. Noções elementares sobre o Superendividamento 54
4.3.1. Superendividamento do consumidor idoso 56
4.4. O idoso hipervulnerável na contratação de empréstimo consignado 59
67
69
É norma cogente que o consumidor ao ingressar no mercado de consumo apresenta-se em condição de vulnerabilidade perante o fornecedor. No que concerne ao consumidor idoso essa vulnerabilidade é muito mais acentuada em função do processo de envelhecimento que implica em fragilidades físicas e psíquicas. Significa dizer que o consumidor idoso se apresenta no mercado de consumo em condição de “hipervulnerabilidade” frente ao consumidor.
Nesse sentido, o presente estudo busca demonstrar os aspectos que envolvem a relação de consumo havida entre o idoso e as instituições financeiras na seara dos contratos de empréstimo consignado, bem como a tutela jurídica especial aos idosos para essa dinâmica contratual, dado o reconhecimento da hipervulnerabilidade.
A inserção ativa do idoso no mercado de consumo ampliou-se no ano de 2003, com a edição da Lei nº 10.820. Esta lei cujo escopo é eminentemente econômico autorizou a concessão de crédito a trabalhadores, aposentados e pensionistas do INSS, mediante desconto do valor devido diretamente dos rendimentos do devedor.
Os argumentos comumente utilizados em favor desse negócio jurídico refere-se ao fato de que é modalidade de empréstimo com ampla garantia de adimplemento das obrigações contraídas, viabilizando maior acesso ao crédito e permitindo sejam realizados os empréstimos com redução dos encargos e das taxas de juros praticados no mercado.
Embora aparentemente benéfico à economia e ao consumidor, o empréstimo consignado tem se mostrado um problema de relevância sócio-jurídica, visto ser catalizador do superendividamento. É ainda tema de discussão no Poder Judiciário, em função da intensa prática comercial abusiva das instituições financeiras e da abusividade das cláusulas contratuais comuns à essa modalidade contratual.
Para demonstração da temática apresentada, inicialmente será traçado breve panorama sobre a sociedade de consumo e os principais aspectos que caracterizam a relação consumerista a fim de demonstrar os fundamentos e balizas que justificam a aplicação do Código de Defesa do Consumidor a esse tipo de relação contratual.
Em segundo momento serão abordadas as questões sobre o envelhecimento, a proteção jurídica do idoso e sua condição de hipervulnerabilidade no mercado de consumo. Nesse ponto, verificar-se-á a necessidade de promover a integração das normas que orientam as relações de consumo e a proteção jurídica do idoso.
Por fim, tendo em conta a hipervulnerabilidade do consumidor idoso, serão abordados os elementos do crédito consignado, a situação de superendividamento que os acomete e as feições do contrato de empréstimo consignado. Ainda nesse cenário serão também analisadas situações que foram levadas a cabo do Poder Judiciário, tendo em vista o abuso das instituições financeiras tanto nas práticas contratuais, quanto na elaboração de cláusulas que colidem com a ordem social e com as diretrizes do princípio da dignidade da pessoa humana. Pretende-se, assim, a demonstração da aplicação do tema na jurisprudência, visando evidenciar a importância de sua observância pelo no ordenamento jurídico.
Em síntese, é o aprofundamento sobre esses pontos que compõe o corpo do presente trabalho, como instrumento de exposição e discussão acadêmica.
2. Relação Jurídica de Consumo e Vulnerabilidade
2.1. Breve contextualização sobre a sociedade de consumo e o Código de Defesa do Consumidor
Os séculos XVIII e XIX foram marcados pelo liberalismo. Notadamente, na Europa, considerando o contexto da Revolução Francesa e da Declaração dos Direitos do Homem e Cidadão1, houve a concretização das codificações legislativas e consolidação dos direitos em textos rígidos, que visavam reunir de forma sistematizada normas, princípios e regras que disciplinavam as relações jurídicas.
Esse período foi caracterizado, ainda, por Estados pouco intervencionistas, predominando a autonomia contratual, a racionalidade determinista e as liberdades individuais derivadas do Iluminismo. Consequentemente, foi um período de desigualdades, uma vez que prevaleceu a igualdade meramente formal no âmbito jurídico.
No século XX, os Estados passaram a intervir na economia em busca de uma igualdade substancial, visando corrigir as desigualdades do liberalismo dos séculos XVIII e
XIX. Nasce o estabelecimento da ideia de descodificação. Por meios de leis (polissistemas)2, é voltada a atenção para os grupos sociais. Houve, então, o desprendimento do caráter liberal e a adoção do caráter social e democrático.
Esse período tem como característica a limitação da vontade das partes. Surgiram os microssistemas legislativos que buscam proteger determinadas categorias de pessoas, que, dadas as condições especiais, merecem tratamento específico. Relativiza-se a proteção à autonomia da vontade, acentuando-se a proteção da dignidade da pessoa humana.
No âmbito negocial, houve a despersonalização das relações contratuais3, iniciou-se a fase da elaboração de contratos padronizados que passaram a ter predominância nas relações contratuais entre consumidores e fornecedores. A massificação dos contratos4 e a elaboração
1 França, 26 de agosto de 1789.
2 CERVO, Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx. Codificação, descodificação e recodificação - do monossistema ao polissistema jurídico. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx/xxxxxxxx_00000000_XXXXXXXXXXX_XXXXXXXXXXXXXX_X_XXXXXXXXX ACAO DO_MONOSSISTEMA_AO_POLISSISTEMA_JURIDICO.aspx> acesso em 08 set 2017
3 PINHEIRO, Rosalice Fidalgo; DETROZ, Derlayne. A hipervulnerabilidade e os direitos fundamentais do consumidor idoso no direito brasileiro. Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo. Curitiba, v. 2, n. 4, dez. 2012, p.133-134.
4 “A chamada ‘contratação em massa’ surgiu com a revolução industrial e desenvolveu-se com a consequente ‘revolução comercial’ que progressivamente expandiu o comércio e os serviços, de modo a abranger cada vez mais bens destinados a mais pessoas colocadas a maior distância.” XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx de. Contrato. v. I: Conceito. Fontes. Formação. 3ª ed. Almedina, 2005, p. 157
dos contratos de adesão são fenômenos que caracterizam a chamada despersonalização dos contratos e o enfraquecimento do caráter sinalagmático dos instrumentos contratuais.
Sob o enfoque da sociedade ou civilização de produção em massa, Mauro Cappelletti5 apresenta importante reflexão sobre a complexidade da sociedade nesse período:
Não é necessário ser sociólogo de profissão para reconhecer que a sociedade (poderemos usar a ambiciosa palavra: civilização?) na qual vivemos é uma sociedade ou civilização de produção em massa, de troca e de consumo de massa, bem como de conflitos ou conflitualidades de massa (em matéria de trabalho, de relações entre classes sociais, entre raças, entre religiões, etc.). Daí deriva que também as situações de vida, que o direito deve regular, são tornadas sempre mais complexas, enquanto, por sua vez, a tutela jurisdicional – a “Justiça” – será invocada não mais somente contra violações de caráter individual, mas sempre mais frequente contra violações de caráter essencialmente coletivo, enquanto envolvem grupos, classes e coletividades. Trata-se, em outras palavras, de “violações de massa”.
O cenário representado pela realidade massificada impôs o surgimento de normas de tutela específica de intervenção do Estado e no sentido de proteger os mais fracos, seja com a consolidação do direito dos consumidores e dos trabalhadores, seja com a proteção do meio ambiente, do idoso e da criança e do adolescente.
No Brasil, no que tange aos consumidores, foi instituído o Código de Defesa do Consumidor6 (CDC). Instrumento normativo legal que, com lastro na Constituição Federal de 1988 e tendo como vertente o Princípio da Vulnerabilidade, trouxe normas de proteção e defesa intencionando dirimir as desigualdades entre consumidores e fornecedores.
O CDC parte da premissa de que o consumidor é vulnerável, vez que, frente ao fornecedor, ele é considerado detentor de menos informação, com pouco ou quase nenhum poder, aquele que está sujeito às práticas do mercado e cláusulas contratuais, em sua maioria, decorrentes de contratos de adesão e sem que sobre elas possa em nada influir7.
Em verdade, o CDC regula a relação de consumo na busca do reequilíbrio entre consumidor e fornecedor. Essa regulação pode se dar por meio do fortalecimento da posição do consumidor, restringindo certas práticas abusivas impostas pelo fornecedor.
Tem-se, pois, que as mudanças significativas da sociedade incentivaram a intervenção estatal e fomentaram a concretização de normas de proteção e defesa, como o CDC, cujo escopo precípuo é o de promover a tutela e proteção da parte mais sensível (fraca) da relação de consumo.
5 XXXXXXXXXXX, Xxxxx. Formações Sociais e Interesses Coletivos diante da Justiça Civil. Revista de Processo. n. 5. São Paulo, jan-mar. 1977, p. 130
6 Lei nº. 8.078, de 11 de Setembro de 1990 – Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências.
7 XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxx. Curso Fundamental de Direito do Consumidor. 2ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2008, p. 3
2.2. Elementos da Relação de Consumo
Importa ressalvar que a abordagem do tema se dará pela perspectiva abreviada dos elementos subjetivos e objetivos. Vale dizer, pelo aspecto das partes relacionas e do conteúdo que estruturam a relação jurídica de consumo estabelecida pelo CDC.
São, pois, elementos subjetivos o consumidor e o fornecedor. Referidos elementos estão conceituados nas disposições do artigo 2º do CDC.
É consumidor, nos termos do artigo 2º do CDC, “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. Acrescenta o parágrafo único do referido dispositivo que “equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.”
Tem-se, inicialmente, que consumidor pode ser toda pessoa física ou jurídica, sem qualquer diferenciação de gênero, idade ou atividade empresarial, no caso de pessoa jurídica. Extrai-se ainda do conteúdo normativo a necessidade de ser o consumidor o destinatário final do produto ou serviço.
No tocante à condição de pessoa física ou jurídica, não há relevantes pontuações de destaque. No entanto, quanto à qualidade de destinatário final, anota-se que esta designação ao consumidor suscita teorias divergentes na doutrina e jurisprudência, as quais buscam elucidar os aspectos da adjetivação legal.
Nesse sentido, três são as teorias que serão abordadas neste estudo. São elas: (a) teoria finalista ou subjetivista; (b) Teoria maximalista ou objetiva; e (c) Teoria finalista aprofundada.
a) Teoria finalista ou subjetivista
Por essa teoria – adotada expressamente pelo CDC – prevalece a ideia de que o consumidor deve ser o destinatário fático e econômico do bem ou serviço. Nesse sentido, são as lições doutrinárias:
Destinatário final é aquele destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa jurídica ou física. Logo, segundo esta interpretação teleológica, não basta ser destinatário fático do produto, retirá-lo da cadeia de produção, levá-lo para o escritório ou residência – é necessário ser destinatário econômico do bem, não adquiri-lo para revenda, não adquiri-lo para uso profissional, pois o bem seria
novamente um instrumento de produção, cujo preço será incluído no preço final do profissional que o adquiriu. Neste caso não haveria a exigida “destinação final” do produto ou do serviço. Parece-me que destinatário final é aquele destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa jurídica ou física. O destinatário final é o consumidor final, o que retira o bem do mercado ao adquiri-lo ou simplesmente utilizá-lo (destinatário final fático), aquele que coloca um fim na cadeia de produção (destinatário final econômico), e não aquele que utiliza o bem para continuar a produzir, pois ele não é o consumidor final, ele está transformando o bem, utilizando o bem, incluindo o serviço contratado no seu, para oferecê-lo por sua vez ao seu cliente, seu consumidor, utilizando-o no seu serviço de construção, nos seus cálculos do preço, como insumo da sua produção.8
É dizer, a destinação final fática pressupõe que seja o consumidor o último na cadeia de consumo. E, por sua vez, destinação final econômica impõe ao consumidor que utilize para necessidade própria ou de sua família o bem ou serviço, sem que haja qualquer repasse oneroso. Essa ideia é defendida majoritariamente pela doutrina e jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ)9
b) Teoria maximalista ou objetiva
Por esta teoria, procura-se ampliar sobremaneira o conceito de consumidor e, consequentemente, a relação jurídica de consumo. Nesse aspecto, ensina a doutrina:
Os maximalistas veem nas normas do CDC o novo regulamento do mercado de consumo brasileiro, e não normas orientadas para proteger somente o consumidor não profissional. O CDC seria um Código geral sobre o consumo, um Código para a sociedade de consumo, que institui normas e princípios para todos os agentes de mercado, os quais podem assumir os papéis ora de fornecedores, ora de consumidores. A definição do art. 2º deve ser interpretada o mais extensivamente possível, segundo esta corrente, para que as normas do CDC possam ser aplicadas a um número cada vez maior de relações de consumo.10
Pela concepção desta doutrina, justifica-se a aplicação do CDC a um número muito maior de relações de consumo, dada a extensão e abrangência do conceito de consumidor. Pouco importando se a pessoa física ou jurídica aufere lucro quando adquire um produto ou utiliza um serviço.
c) Teoria finalista aprofundada
Por esta teoria, abrange-se não apenas quem adquire bens e serviços para fins não econômicos, mas também aqueles que, destinando-os a fins econômicos, enfrentam o
8 MARQUES, Xxxxxxx Xxxx, XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx X. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 4ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 115-116.
9 De modo exemplificativo: CC 92.519/SP – Segunda Seção – Rel. Min. Xxxxxxxx Xxxxxxxxx – x. 16.02.2009 – Dje. 04.03.2009;
10 MARQUES, Xxxxxxx Xxxx, XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx X, op. cit., p. 116.
mercado de consumo em condições de vulnerabilidade. Adiante-se, por oportuno, que o tema da vulnerabilidade do consumidor será tratado em tópico distinto oportunamente.
Quanto a teoria finalista aprofundada Claudia Lima Marques11 leciona:
É uma interpretação finalista mais aprofundada e madura, que deve ser saudada. (...). Em casos difíceis envolvendo pequenas empresas que utilizam insumos para a sua produção, mas não em sua área de expertise ou com uma utilização mista, principalmente na área de serviços; provada a vulnerabilidade, concluiu-se pela destinação final do consumo prevalente (...). Esta nova linha, em especial do STJ, tem utilizado, sob o critério finalista e subjetivo, expressamente a equiparação do art. 29 do CDC, em se tratando de pessoa jurídica que comprove ser vulnerável e atua fora do âmbito de sua especialidade, como hotel que compra gás.
Percebe-se que por esta teoria há certo abrandamento ou mitigação das regras do CDC (art. 2º), pois são tratadas como se genuínas relações jurídicas de consumo as relações negociais que envolvam adquirentes de bens e serviços sem a qualificação de destinatário final. A peculiaridade, aqui, diz respeito à demonstração de que o adquirente é vulnerável, ainda que utilize o bem ou serviço como insumo para a sua produção ou no exercício de sua profissão, direta ou indiretamente. Por assim dizer, considera-se consumidor aquele que possui, nos aspectos técnicos, jurídicos ou econômicos, determinada fragilidade e desigualdade perante o fornecedor.
Registradas as principais teorias que envolvem o conceito de consumidor contido no artigo 2º do CDC, importa consignar que há outro aspecto a ser destacado. Trata-se do conceito de consumidor equiparado ou bystander expandido pela doutrina e jurisprudência e extraído dos artigos 2º, parágrafo único, 17 e 29 do CDC.
No que toca ao conteúdo do artigo 2º, parágrafo único, é considerado consumidor a coletividade de pessoas, mesmo que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. O raciocínio é o de que equipara-se a consumidor(es) o(s) terceiro(s) que não participa(m) diretamente da relação de consumo.
Existem, ainda, outros dois conceitos para consumidor equiparado. O primeiro deles é extraído do artigo 17 do CDC, pelo qual expressa que “para efeitos desta Seção [Responsabilidade pelo Fato do Produto e do Serviço] equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento”. Por este prisma, qualquer um, ainda que não tenha relação direta de consumo com o prestador de serviço ou fornecedor, poderá demandar contra eles, visando a responsabilização pelo dano.
11 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx, XXXXXXXX. Xxxxxxx Xxxxxx X. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 4ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 117.
Tem-se, por fim, mais uma variante do conceito obtido da interpretação do artigo 29 do CDC. Consigna com bastante clareza o dispositivo que “para os fins deste Capítulo [Das Práticas Comerciais] e do seguinte [Da Proteção Contratual], equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.” Aqui, contempla- se a ideia de que são todas as pessoas determináveis ou não. E, pela sinalização do próprio artigo, sua incidência se dá diante das práticas comerciais e relações contratuais.
Dispõe o artigo 3º do CDC:
Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
O artigo engloba tanto o conceito de fornecedor de produtos quanto prestador de serviços. Há abrangente designação de pessoas e entes que se prestam à qualidade de fornecedor e prestador de serviços.
Tem-se que podem ser pessoa física ou jurídica empresário individual ou empresa que atua no mercado de consumo; entes despersonalizados, como a massa falida; pessoas jurídicas de direito público ou privado como as empresas concessionárias de serviços públicos e os grandes fornecedores de bens e serviços; e pessoa nacional ou estrangeira, como as empresas multinacionais.
Nota-se que a qualificação imposta pela Lei é a de que o fornecedor ou prestador de serviço desenvolva uma atividade, o que pressupõe habitualidade no fornecimento de bens ou prestação de serviços. Acrescente-se que, em contraposição ao conceito legal de consumidor (art. 2º, CDC), impõe que sejam as ditas atividades executadas mediante vantagem pecuniária direta ou indireta. Inclusive, a descrição das atividades contidas no artigo 3º do CDC sugere o caráter oneroso dos atos.
Há outro aspecto a ser abordado sobre o tema. Diz respeito ao conceito de fornecedor equiparado.
Pelo contido na doutrina:
A figura do fornecedor equiparado, aquele que não é fornecedor do contrato principal de consumo, mas é intermediário, antigo terceiro, ou estipulante, hoje é o ‘dono’ da relação conexa (e principal) de consumo, por deter uma posição de poder
na relação outra com o consumidor. É realmente uma interessante teoria, que será muito usada no futuro, ampliando – e com justiça – o campo de aplicação do CDC12.
É dizer: aquele terceiro que serve como intermediário na relação de consumo, mas que atua perante o consumidor como se fosse fornecedor.
Por sua vez, os elementos objetivos da relação de consumo são, pois, o produto e o serviço. Tais elementos estão caracterizados nas disposições consumeristas do artigo 3º do CDC.
Quanto ao produto, estabelece o §1º do art. 3º que “é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.”
Nesse aspecto o CDC não adotou a linha de conceituação de bens e coisas utilizadas pelo Código Civil13, e optou por utilizar tão somente o termo produto.
Há que se incluir ainda na categoria como elemento objetivo da relação os produtos duráveis e os não duráveis, por força do disposto no art. 26 do CDC14, que trata da garantia legal ou prazo para reclamação acerca da existência de vícios.
Importa dizer que, pela acepção da norma, todas as coisas são produtos, desde que suscetíveis de valoração econômica. Em outras palavras, produto, pelo CDC, é considerado todo bem que tenha sido colocado no mercado de consumo pelo fornecedor.
A definição do que vem a ser serviço para o CDC está inserta no § 2º do art. 3º, pelo qual "serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitários, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista."
O dispositivo elenca expressamente quais são os serviços que referem ao objeto da relação de consumo, tratando-os como os prestados mediante remuneração no sentido amplo.
12 MARQUES, Xxxxxxx Xxxx, XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx X. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 105.
13 Artigos 79 a 103, da Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.
14 Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em: I - trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis; II - noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis.
Significa dizer que são serviços aqueles prestados mediante pagamento direto ou indireto, como, por exemplo, aqueles que são renumerados pela coletividade, e não apenas pelo consumidor individual.
São exemplos de remuneração indireta ao prestador de serviços e, portanto, caracterizados como serviço, o transporte público graciosamente ao idoso e os programas de milhagens em companhias aéreas. Esses últimos servem como atrativo para os consumidores e, muitas vezes, são utilizados como meio de propaganda para angariar clientes, consequentemente, propiciando lucros.
Importante aspecto a ser tratado no presente estudo diz respeito aos serviços de natureza bancária, financeira, de crédito e securitários. A lei consumerista é expressa quanto a sua incidência em relação a tais serviços e a jurisprudência, mesmo diante de posicionamentos contrários, confirma tal incidência.
Com efeito, nos termos do julgamento da ADIN 2.591/SP15, considerou-se a atividade bancária passível de tutela pelo CDC. É dizer: o consenso estabelecido pelos ministros do STF consistiu no cabimento da aplicação do Código de Defesa do Consumidor às operações bancárias.
E assim também entende o Superior Tribunal de Justiça por meio da Súmula 297. Por tal verbete, pacificou-se o entendimento de que “o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.”
Em linhas gerais, serviço é a atividade prestada no mercado de consumo mediante remuneração.
Abordados os elementos que caracterizam a relação de consumo, tem-se que para sua caracterização faz-se necessária a presença dos elementos subjetivos e, ao menos, um dos elementos objetivos. A ausência dos elementos acima estudados não permitirá a caracterização da relação jurídica de consumo e, consequentemente, afastará a incidência do CDC.
15 STF: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – ADI n. 2591 / DF; Tribunal Pleno; Relator Min.
XXXXXX XXXXXXX; Relator p/ Xxxxxxx: Min. XXXX XXXX; j. 07/06/2006. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxxxxx/xxxxxxxxxxxxxx/xxxxxxXxxxxxxxxxxxxx.xxx?x0x%00XXX%00%0XXXXX%0XxXx0000
%2ENUME%2E%29+OU+%28ADI%2EACMS%2E+ADJ2+2591%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&
url=xxxx://xxxxxxx.xxx/xxxxxxx>. Acesso em 12 ago, 2017.
2.3. Principais princípios aplicados à Relação de Consumo
A proteção ao consumidor é um direito fundamental e um dos alicerces da organização econômica brasileira. O Direito do Consumidor é, pois, um direito protetivo16. O legislador consumerista tomou por base a relação desigual entre fornecedores e consumidores, procurando garantir a igualdade entre eles, e é este o espírito do CDC e dos princípios que o promovem.
Além de princípios constitucionais17 como dignidade da pessoa humana, igualdade e liberdade, a doutrina refere-se a outros que fundamentam o sistema de defesa do consumidor, cujos aspectos elementares serão abordados adiante. Anota-se quanto ao princípio da vulnerabilidade do consumidor que sua análise se dará em tópico apartado, vez que suas peculiaridades serão tratadas detidamente em razão da temática do presente estudo.
2.3.1. Princípio da hipossuficiência do consumidor
O termo hipossuficiência decorre da condição financeira ou econômica de uma pessoa. Mas, não apenas isto, refere-se também a um conceito fático, que implica a análise de caso a caso. No âmbito da relação de consumo, diz respeito à disparidade técnica ou informacional, ante uma determinada situação. Equivale a dizer que não trata tão somente da condição de necessitado econômico, mas também da constatação de outros elementos que não estão contidos na acepção do termo.
A hipossuficiência está inserida no rol dos direitos básicos do consumidor previstos no artigo 6º do CDC, pelo qual, “a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova a seu favor, no processo civil, quando a critério do juiz for verossímil à alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência” (inc. VIII).
Do teor da norma, extrai-se a ideia da inversão do ônus da prova, permitindo inferir que a hipossuficiência deve ser vista como um benefício judicial. Assim, pelo princípio da hipossuficiência, é garantida ao consumidor a facilitação de sua defesa (âmbito processual) quando, a critério do julgador, for reconhecido em favor dele, portanto, em desfavor do fornecedor, certa desigualdade técnica ou informacional decorrente do desconhecimento em relação ao produto ou serviço adquirido ou usufruído.
16 Art. 1º do CDC.
17 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxx Xxx. Princípios Constitucionais Fundamentais Prevalentemente aplicáveis ao Código de Defesa do Consumidor. Revista do Ministério Público - Rio Grande do Sul. Disponível em:
<file:///E:/TCC%20PUC%20POS/Princ%C3%ADpios%20Rela%C3%A7%C3%A3o%20de%20Consumo%20P aulo%20Val%C3%A9rio.pdf>. Acesso em 11 set 2017.
Cabe frisar que a hipossuficiência financeira não decorre de uma desvantagem técnica ou informacional, mas de questão legal18 dada a “insuficiência de recursos”, daquele cuja situação econômica não lhe permita pagar custas e despesas do processo.
2.3.2. Princípio da boa-fé objetiva
O princípio da boa-fé objetiva está contido no CDC no capítulo que trata da Política Nacional de Relações de Consumo (art. 4º, III)19 e também no que tange às Cláusulas Abusivas (art. 51, IV)20, tratando-se de princípio elementar às relações de consumo.
A doutrina ensina que a boa-fé tem relação direta com os limites da vontade das partes (boa-fé subjetiva). E é da atuação efetiva das partes na relação contratual que se implementa a boa-fé objetiva, a qual constitui regras ou deveres de conduta, inerentes aos negócios jurídicos.
O princípio da boa-fé objetiva incute a ideia de equilíbrio negocial, cooperação e conduta leal dos contratantes em todas as etapas ou fases do negócio jurídico. No âmbito do Direito do Consumidor, em função deste equilíbrio, não se admite o uso de relação de consumo como meio de lucro fácil e mediante ocorrência de danos ao consumidor. A atuação das partes deve ser pautada pela veracidade das informações, clareza das disposições contratuais, respeito, observância das normas, dentre outros.
2.3.3. Princípio da transparência
A transparência também está contida no rol dos direitos básicos do consumidor (art. 6º, inc. III, do CDC)21. Extrai-se da norma, em síntese, que a informação – consequência da
18 Art. 98, Código de Processo Civil. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015.
19 Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;
20 Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;
21 Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem
transparência – seja clara e adequada, permitindo aos consumidores escolhas seguras como bem lhes aprouver.
No âmbito do Direito do Consumidor, o conteúdo jurídico do princípio da transparência está contido nos artigos 46, 52 e 54 do CDC22. Esse princípio se mostra de extrema relevância na fase inicial das negociações, justamente no momento em que o fornecedor busca todos os meios para estimular o consumidor a aderir aos serviços e produtos oferecidos.
Tal princípio pode ser atrelado ao princípio da boa-fé objetiva, na medida em que este também impõe o dever de lealdade na conduta, notadamente, quanto a orientação de que as informações dadas ao consumidor sobre os produtos e serviços sejam corretas, claras e precisas, tanto no que concerne as características e riscos destes no mercado de consumo, quanto à publicidade, práticas comerciais e cláusulas contratuais.
2.3.4. Princípio da função social do contrato
O princípio da função social do contrato23 é um princípio de ordem pública24, previsto no artigo 421 do Código Civil, pelo qual resta consignado que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social dos contratos.”
22 Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.
Art. 52. No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre: I - preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional; II - montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros; III - acréscimos legalmente previstos; IV - número e periodicidade das prestações; V - soma total a pagar, com e sem financiamento. § 1° As multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigações no seu termo não poderão ser superiores a dois por cento do valor da prestação; § 2º É assegurado ao consumidor a liquidação antecipada do débito, total ou parcialmente, mediante redução proporcional dos juros e demais acréscimos.
Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo; § 1° A inserção de cláusula no formulário não desfigura a natureza de adesão do contrato; § 2° Nos contratos de adesão admite-se cláusula resolutória, desde que a alternativa, cabendo a escolha ao consumidor, ressalvando-se o disposto no § 2° do artigo anterior; § 3o Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor. § 4° As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.
23 Ensina Xxxxxx Xxxxxxx que “na verdade, observa-se que a primeira tentativa relevante de trazer ao nosso sistema o princípio da função social dos contratos ocorreu com a promulgação da Lei 8.078/1990. Com o Código Civil de 2002, ocorreu uma ampliação do uso de tal regramento, inicialmente pelas previsões expressas que constam dos seus artigos 421 e 2.035, parágrafo único, bem como de outros dispositivos legais específicos.”: TARTUCE, Xxxxxx; XXXXX, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx. Manual de Direito do Consumidor – Direito Material e Processual. 2ª ed. São Paulo: Editora Método, 2013, p. 50.
24 Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a
A doutrina ensina que mesmo o pacto entabulado por duas pessoas, em total exercício de sua autonomia de vontade, cujos interesses sejam particulares, não há de prevalecer sobre os interesses da coletividade, o que representa evidente limitação ao exercício da autonomia privada em âmbito contratual.
Em verdade, além de regular a vontade das partes contratantes (eficácia interna), o contrato tem de observar o meio no qual está inserido e se suas disposições de algum modo interferirão na realização da justiça (eficácia externa), especialmente na órbita dos contratos de consumo25.
2.4. Aspectos gerais do Contrato de Consumo
Expõe Cláudia Lima Marques26:
Como se observa na sociedade de massa atual, a empresa ou mesmo o Estado, pela sua posição econômica e pelas suas atividades de produção ou de distribuição de bens ou de serviços, encontram-se na iminência de estabelecer uma série de contratos no mercado. Estes contratos são homogêneos em seu conteúdo (por exemplo vários contratos de seguro de vida, de compra e venda a prazo de bem móvel), mas concluídos com uma série ainda indefinida de contratantes. Logo, por uma questão de economia, de racionalização, de praticidade e mesmo de segurança, a empresa predispõe antecipadamente um esquema contratual, oferecido à simples adesão dos consumidores, isto é, pré-redige um complexo uniforme de cláusulas, que serão aplicáveis indistintamente a toda esta série de futuras relações contratuais.
Ou seja, a massificação da sociedade repercutiu na massificação das relações contratuais. Este padrão de contratação exigiu contratos impessoais e padronizados, conhecidos também pela denominação de contratos de massa, hábeis a instrumentalizar com celeridade as relações de consumo na sociedade atual.
E o CDC estabeleceu a proteção contratual do consumidor, cujas regras protetivas estão inseridas em seu capítulo VI, dividindo-se da seguinte forma: disposições gerais sobre as relações contratuais; cláusulas abusivas nas relações contratuais; e disciplina do contrato de adesão.
vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução. Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.
25 XXXXXXX, Xxxxxx; NEVES, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx. Manual de Direito do Consumidor – Direito Material e Processual. 2ª ed. São Paulo: Editora Método, 2013, p. 47
26 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. O novo regime das relações contratuais. 6ª ed. São Paulo: Ed. XX, 0000, p. 70-71.
2.4.1. Disposições gerais aplicáveis aos Contratos de Consumo
Destaca-se que as disposições aqui elencadas são aquelas extraídas dos comandos contidos nos artigos 46 a 50 do CDC.
Nesse enquadro, impõe o artigo 46 que os contratos que regulamentam as relações de consumo somente obrigarão os consumidores se lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a facilitar a compreensão de seu sentido e alcance.
De seu turno, o artigo 47 estabelece que as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor. Trata-se de regra mais ampla que a prevista no artigo 423 do CC/200227. Isso porque a interpretação no âmbito consumerista não se detém às cláusulas ambíguas ou contraditórias, mas sim a todo conteúdo contratual.
O artigo 48 estabelece que as declarações de vontade constantes de escritos particulares, recibos e pré-contratos relativos às relações de consumo vinculam o fornecedor, sendo possível ao consumidor exigir, em juízo, seu cumprimento.
Pelo artigo 49, resta estabelecido o direito de arrependimento do consumidor. Para proteger o consumidor de uma prática comercial, na qual ele não desfrute das condições necessárias à decisão sobre a conveniência do negócio, o CDC prevê a hipótese de arrependimento28 toda vez que o consumidor contratar fora do estabelecimento comercial. Ao exercer seu direito, visto como um prazo de reflexão, deve o consumidor fazê-lo de forma inequívoca perante o fornecedor. E, por se tratar de direito potestativo, não se impõe ao consumidor que justifique o motivo do arrependimento, cumpra com qualquer multa contratual ou arque com despesas adicionais.
Há, ainda, a possibilidade de desistência contratual, mesmo que a avença tenha sido firmada no estabelecimento do fornecedor, bem como na hipótese de descumprimento do contrato por qualquer uma das partes. Na primeira proposição, poderá o fornecedor reter, a título de indenização, parte do valor pago, sem que, contudo, haja perda total ao consumidor do valor que ele pagou. E, na segunda, o contrato de consumo poderá ser desfeito em caso de descumprimento de seus termos por qualquer uma das partes, o que autoriza o prejudicado a demandar, em juízo, pela compensação dos danos experimentados.
27 Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.
28 O prazo para desistência é de 7 (sete) dias, a contar da assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço. Com a desistência, além de não ter o consumidor de arcar com multas e custos adicionais, caso tenha pago algum valor ao fornecedor, a qualquer título, serão integralmente restituídos de imediato e monetariamente corrigido.
E, por fim, trata o artigo 50 da garantia contratual. Estabelece a norma a possibilidade de garantia complementar de adequação em termos de segurança, durabilidade e eficácia do produto ou serviço posto no mercado de consumo29. Esta garantia é mera faculdade do fornecedor e complementar à legal (art. 24, CDC). Deve ser conferida mediante termo escrito com esclarecimento de maneira clara e adequada de todas as peculiaridades e obrigações destinadas ao consumidor para usufruí-la. O prazo da garantia contratual começa a fluir a partir da entrega da prestação do serviço ou entrega do produto, sendo certo que somente a partir de seu término é que começa fluir o prazo da garantia legal.
A matéria é tratada pelo CDC especificamente nos artigos 51 a 54.
É vedado a todo contrato de consumo as chamadas cláusulas abusivas. Abusivas são as cláusulas que preveem vantagens desproporcionais em favor do fornecedor. Ou ainda, aquelas que “refere[m] a conteúdo negocial ofensivo aos interesses do consumidor”30. Nesse sentido, o CDC apresenta um rol exemplificativo em seu artigo 51.
Trata-se de técnica normativa de controle do conteúdo dos contratos de consumo. Nota-se, pois, forte ingerência estatal sob a autonomia da vontade e do pacta sunt servanda. Pelo conteúdo das disposições, caso o contrato preveja cláusulas abusivas, estas serão consideradas nulas tanto pelo consumidor, quanto pelo juiz31, se existente demanda pleiteando tal nulidade.
A cláusula tida por abusiva pode ser declarada nula, sem que isso implique no comprometido do contrato, mas desde que tal cláusula não seja fundamental à eficácia e execução deste, pois, se for, necessariamente, resultará na alteração contratual. O controle das cláusulas abusivas tem como objetivo permitir a efetiva harmonização das relações de consumo e a consequente proteção do consumidor.
29 Vale a ressalva de que o artigo 24 do CDC prevê a garantia legal de adequação, a qual independe de termo expresso emitido pelo fornecedor, sendo vedada sua exoneração. A depender do produto ou serviço o são estabelecidos prazos diferenciados (30 ou 90 dias, art. 26, CDC) para reclamação dos vícios.
30 XXXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxxx. Cláusulas abusivas nas relações de consumo. São Paulo. Editora XX, 0000,
p. 88
31 Todavia, em que pese a possibilidade de reconhecimento da nulidade das cláusulas abusiva pelo juiz, o Superior Tribunal de Justiça considerou que é vedado ao julgador, nos contratos bancários, reconhecer, de ofício, a abusividade das cláusulas (Súmula 381).
2.4.3. Contratos de Adesão: aspectos gerais
A “característica principal dos contratos representativos de relação de consumo é ser de adesão”32.
No entanto, o contrato de adesão33 não é modalidade contratual exclusiva das relações de consumo. Sua utilização também ocorre em relações tipicamente civis, não reguladas pelo CDC, como, por exemplo, nos contratos de locação de shopping centers, contrato de distribuição, franquia, concessões, de fornecimento de energia, dentre outros34. A espécie pode ser aplicável à diversas situações privadas, tendo regulação base no Código Civil (artigos 423 e 424).
Em âmbito consumerista, o CDC os disciplinou no artigo 54. E, sobre esse tipo contratual, é importante destacar as palavras de Cláudia Lima Marques35:
Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas são preestabelecidas unilateralmente pelo parceiro contratual economicamente mais forte (fornecedor), ne varietur, isto é, sem que o outro parceiro (consumidor) possa discutir ou modificar substancialmente o conteúdo do contrato escrito.
O contrato de adesão é oferecido ao público em um modelo uniforme, geralmente impresso, faltando apenas preencher os dados referentes à identificação do consumidor-contratante, do objeto e do preço. Assim aqueles que, como consumidores, desejarem contratar com a empresa para adquirirem produtos e serviços já receberão pronta e regulamentada a relação contratual, não poderão efetivamente discutir, nem negociar singularmente os termos e condições mais importantes do contrato.
Desta maneira, limita-se o consumidor a aceitar um bloco (muitas vezes sem querer ler completamente) as cláusulas que, foram unilateralmente e uniformemente pré- elaboradas pela empresa, assumindo, assim, um papel de simples aderente à vontade manifestada pela empresa no instrumento contratual massificado.
Diferente dos contratos comuns, no contrato de adesão não se encontra presente a autonomia de vontade e a liberdade contratual36. Não há possibilidade de os contratantes
32 XXXXXXXX XXXXX, Xxxx Xxxxxxx. Os contratos de adesão nas relações jurídicas de consumo. São Paulo: Revista do Advogado, ano XXXII, n. 116, jul. 2012, p. 193-203.
33 “(...) No contrato de adesão uma das partes tem de aceitar, em bloco, as cláusulas estabelecidas pela outra, aderindo a uma situação contratual que encontra definida em todos os seus termos. O consentimento manifesta- se como simples adesão a conteúdo preestabelecido da relação jurídica. Conforme o ângulo de que seja focalizada, a relação contratual tem duplo nome. Considerada sob o aspecto da formulação das cláusulas por uma só das partes, recebe a denominação de condições gerais dos contratos e é analisada à luz dos princípios que definem a natureza desse material jurídico. Encarada no plano da efetividade, quando toma corpo no mundo da eficácia jurídica, é chamada contrato de adesão e examinada em relação ao modo por que se formam as relações jurídicas bilaterais”. XXXXX, Xxxxxx. Contratos. Rio de Janeiro. ed. Forense, 2007, p. 128-129.
34 XXXX, Xxxxx X. Machado de. Contratos de adesão em relações de não consumo: lógica econômica e balizas para o ativismo judicial. São Paulo: Revista do Advogado, ano XXXII, n. 116, jul. 2012, p. 70-76. 35 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. O novo regime das relações contratuais . 6ª ed. São Paulo: Editora XX, 0000, p. 76
36 De acordo com Xxxx Xxxxx:“Nas análises dedicadas ao contrato na sociedade contemporânea, é actualmente quase um lugar comum ver nos contratos standard o fenómeno através do qual se consubstanciam, hoje, algumas das mais significativas e graves formas de restrição da liberdade contratual. O fenómeno consiste no seguinte:
negociarem detalhadamente as cláusulas que serão inseridas em um determinado instrumento. Sua principal característica é a estipulação unilateral das cláusulas pelo fornecedor. Justamente esta é a ideia que se extrai do caput do artigo 54, pelo qual o “contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente37 ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.”
Ao consumidor cabe apenas aderir aos termos. A ele é imposto concordar com os termos pré-estabelecidos se quiser adquirir produtos ou usufruir de serviços postos no mercado de consumo.
Pelo § 1º foi prevista a possibilidade de inserção de cláusula adicional ao contrato, sem que isso descaracterize a natureza do contrato de consumo. Infere-se da norma que, para o caso de superveniência de ajuste, negociado ou não, sua inserção no contrato não desconfigurará o caráter de adesão.
O § 2º, por sua vez, tem relação com o artigo 51, IX, pelo qual a lei trata como nula a cláusula que autorize o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente sem que, contudo, o mesmo seja garantido ao consumidor.
A disposição contida no referido parágrafo não permite dúvida quanto à possibilidade de resilição do contrato por disposição do consumidor. Caberá a ele a decisão entre permanecer à mercê da situação imposta pelo fornecedor no contrato ou colocar fim à relação contratual. A norma ainda faz a ressalva de que ao consumidor é garantido o direito de reaver o valor pago ao fornecedor, abatidos eventuais prejuízos, tal como estabelece o art. 53, § 2º, CDC.
No que tange ao § 3º, tem-se sua relação direta com o princípio da transparência, da informação ou publicidade e da oferta, extraídos respectivamente dos artigos 46, 30, e 31 do
quem, pela sua posição e pelas suas atividades económicas, se encontra na necessidade de estabelecer uma série indefinida de relações negociais, homogéneas no seu conteúdo, com uma série, por sua vez indefinida, de contrapartes, predispõe, antecipadamente, um esquema contratual, um complexo uniforme de cláusulas aplicáveis indistintamente a todas as relações da série, que são, assim, sujeitas a uma mesma regulamentação; aqueles que, por seu lado, desejam entrar em relações negociais com o predisponente para adquirir os bens ou os serviços oferecidos por este, não discutem nem negoceiam singularmente os termos e as condições de cada operação, e, portanto, as cláusulas do contrato respectivo, mas limitam-se a aceitar em bloco (muitas vezes sem sequer as conhecer completamente) as cláusulas, unilateral e uniformemente, predispostas pela contraparte, assumindo, deste modo, um papel de simples aderentes (fala-se, de facto, também de contratos por adesão)” XXXXX, Xxxx. O Contrato. Tradução de: Xxx Xxxxxxx e M. Januário C. Xxxxx. Livraria Almedina. Coimbra: 1988, p. 311-312
37 Ensina a doutrina que “as estipulações unilaterais fixadas pelo Poder Público têm o mesmo regime dos contratos de adesão”. XXXXXXXX XXXXX, Xxxx Xxxxxxx. Os contratos de adesão nas relações jurídicas de consumo. São Paulo: Revista do Advogado, ano XXXII, n. 116; jul. 2012, p. 193-203.
CDC. Isso porque estabelece que os contratos de adesão escritos38 serão redigidos em termos claros, com informações precisas com caracteres ostensivos e com impressos que não tenham letras mínimas (a Lei refere a fonte não inferior ao corpo doze), que possibilite ao consumidor compreendê-los.
E, por fim, o § 4º estabelece que, para o contrato de adesão ter validade, importa que as cláusulas limitadoras dos direitos dos consumidores tenham destaque. É dizer: que tais cláusulas não passem despercebidas, permitindo sua imediata e fácil compreensão (ostensividade e uso da linguagem legível).
2.5. Vulnerabilidade
Tem-se que nas relações de consumo, o consumidor é a parte mais fraca. Ele não detém capacidade suficiente para avaliar e compreender todas as etapas do processo produtivo, bem como a qualidade e segurança dos produtos e serviços que são postos no mercado, o que revela total desigualdade perante o fornecedor.
E justamente essa é a perspectiva da legislação consumerista. O CDC é uma lei protetiva com caráter social que visa equilibrar as relações de consumo, mediante o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor.
Depreende-se do termo vulnerabilidade a qualidade de ser vulnerável39, ou seja, o que é suscetível de ser exposto a danos físicos ou psíquicos devido à sua fragilidade. Essa qualificação pode ser atribuída a uma pessoa ou a um grupo social como, por exemplo, os consumidores, idosos, portadores de necessidades especiais e crianças e adolescentes, que, por diversas circunstâncias, se encontram em situação de risco ou em desvantagem.
Trata-se, pois, de um conceito introduzido para o reconhecimento das desigualdades e com a finalidade de propiciar, sob o aspecto jurídico e social, igualdade e isonomia.
Segundo Claudia Lima Marques40, vulnerabilidade significa “uma situação permanente ou provisória, individual ou coletiva, que fragiliza, enfraquece o sujeito de
38 Segundo Rizzatto Nunes, “a menção ao contrato escrito prevista na redação do § 3º impõe, a contrario sensu, a aceitação das demais formas de contratação. Dessa maneira, as normas dos parágrafos do art. 54 dirigem-se primordialmente aos contratos escritos, mas todas as regras da Lei nº 8.078, sem exceção, aplicam-se a todo tipo de contrato, seja escrito ou verbal. Daí que se aplicam, também, naquelas relações conhecidas como “comportamento socialmente típico”. XXXXXXXX XXXXX, Xxxx Xxxxxxx. Os contratos de adesão nas relações jurídicas de consumo. São Paulo: Revista do Advogado, ano XXXII, n. 116; jul. 2012, p. 202.
39 O termo apresenta dois significados: (i) “que é suscetível de ser ferido ou atingido por doença” e (ii) “que está sujeito a ser atacado ou criticado”. MICHAELIS. Dicionário Brasileiro de Língua Portuguesa Disponível em:
<xxxx://xxxxxxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxx-xxxxxxxxx/xxxxx/xxxxxxxxx-xxxxxxxxxx/xxxxxx%X0%X0xxx/>. Acesso em: 12 ago. 2017.
40 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx.; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx X.; XXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxx. Manual de direito do consumidor. 3ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 87
direitos, desequilibrando a relação de consumo. Vulnerabilidade é uma característica, um estado do sujeito mais fraco, um sinal de necessidade de proteção”
Paulo Valério Dal Pai de Moraes41 define vulnerabilidade como:
Vulnerabilidade é, então, o princípio pelo qual o sistema jurídico positivado brasileiro reconhece a qualidade daqueles sujeitos mais fracos na relação de consumo, tendo em vista a possibilidade de que venham a ser ofendidos ou feridos, na sua incolumidade física ou psíquica, bem como no âmbito econômico, por parte do sujeito mais potente da mesma relação.
E a legislação pátria, fundada nos ditames constitucionais, principalmente da dignidade da pessoa humana, ampara os grupos e sujeitos vulneráveis. São exemplos normativos de direitos e deveres dos vulneráveis: Estatuto do Idoso, Estatuto da Criança e Adolescente, Consolidação das Leis do Trabalho, Estatuto do Torcedor e Código de Defesa do Consumidor. No entanto, serão abordadas aqui questões relativas à vulnerabilidade do consumidor e do idoso, dada a temática do presente estudo.
2.5.1. A instituição do Princípio da Vulnerabilidade como princípio orientador do CDC
A nova realidade social, na qual se inseriu a despersonalização das relações contratuais, impôs o surgimento de normas de tutela específica e maior intervenção do Estado, com escopo de proteger os mais frágeis na relação consumerista.
Frente à situação de desequilíbrio e desassistência do consumidor, percebeu-se a necessidade de efetiva proteção legal, tendo sido instituído o pioneiro diploma que reconhece expressamente a condição de vulnerabilidade do consumidor42.
(...) Baseado nessa vulnerabilidade do consumidor, foi iniciado um movimento no âmbito internacional com o intuito de reequilibrar as relações entre consumidores e produtores. No ano de 1985 a ONU pela resolução 39/248 "baixou norma sobre a proteção do consumidor (...) reconhecendo expressamente ‘que os consumidores se deparam com desequilíbrios em termos econômicos, níveis educacionais e poder aquisitivo’" (Xxxxxxx, 2002, p.05).43
41 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxx Xxx. Código de Defesa do Consumidor: o princípio da vulnerabilidade no contrato, na publicidade, nas demais práticas comerciais. Porto Alegre: Síntese, 1999.
42 Nesse sentido: CHIMENTI, Xxxxx Xxxxxxxx. O idoso, a hipervulnerabilidade e o direito à saúde.
Dissertação de Mestrado. PUC/SP. São Paulo: 2015, p. 93. Disponível em:
<xxxxx://xxxx0.xxxxx.xx/xxxxxx/xxxxxx/0000>. Acesso em 25 ago 2017.
43 BRITO, Xxxxxx Xxxxxx xx; XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxx. O princípio da vulnerabilidade e a defesa do consumidor no direito brasileiro origem e consequências nas regras regulamentadoras dos contratos e da publicidade. Disponível em: <xxxxx://xxx.xxx.xx/xxxxxxx/0000/x-xxxxxxxxx-xx-xxxxxxxxxxxxxxx-x- a-defesa-do-consumidor-no-direito-brasileiro>. Acesso em 25 ago 2017.
E é deste panorama histórico que emerge a tutela da vulnerabilidade do consumidor na Constituição Federal de 1988. O texto constitucional instituiu a defesa do consumidor como direito fundamental (art. 5º, XXXII)44 e princípio geral da ordem econômica (art. 170, V)45. Observe-se que a ideia de fragilidade e proteção do consumidor está incutida nos dispositivos em referência e também nos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (art. 48)46. Vê- se que a intenção do legislador constituinte foi a de promover o efetivo amparo ao consumidor em relação ao fornecedor, vez que em tais normas é observada expressamente a necessidade de defesa.
Nesse sentido, o legislador infraconstitucional estabeleceu o princípio da vulnerabilidade no CDC. A vulnerabilidade na lei consumerista está prevista no inciso I do artigo 4º, constituindo presunção legal de debilidade do consumidor frente ao fornecedor. Infere-se, pois, que a essência da vulnerabilidade está diretamente relacionada à igualdade. Pode-se dizer: quem é vulnerável se encontra em situação de desigualdade, o que impõe que seja tratado de forma diferenciada, valendo a orientação de que sejam tratados igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, observando-se sua desigualdade.
Daí porque o princípio da vulnerabilidade é entendido também como pressuposto do princípio da igualdade, expresso no caput do artigo 5º da Constituição Federal47. A ideia de que um princípio decorre do outro é ensinada pela doutrina. Leciona Xxxxxxx Xxxx Marques48 que a vulnerabilidade é “filha” da igualdade. Nas palavras da professora:
A igualdade é uma visão macro do homem e da sociedade, noção mais objetiva e consolidada, em que a desigualdade se aprecia sempre pela comparação de situações e pessoas: aos iguais trata-se igualmente, aos desiguais trata-se desigualmente para alcançar a justiça. Já a vulnerabilidade é filha deste princípio, mas noção flexível e não consolidada a qual apresenta traços de subjetividade que a caracterizam: a vulnerabilidade não necessita sempre de uma comparação entre situações e sujeitos. Poderíamos afirmar, assim, que a vulnerabilidade é mais um estado da pessoa, um estado inerente de risco ou um sinal de confrontação excessiva de interesses identificado no mercado (assim Xxxxxxx, La régle morale, p. 153), e uma situação permanente ou provisória, individual ou coletiva (Fiechter Boulevard, Rapport, p. 328), é a técnica para aplicá-las bem, é a noção instrumental que guia e ilumina a
44 Art. 5º, XXXII: “O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”.
45 Art. 170, caput: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
(...) V – defesa do consumidor”.
46 ADCT, art. 48: “O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor”.
47 Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
48 MARQUES, Xxxxxxx Xxxx, XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx X. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 144.
aplicação destas normas protetivas e reequilibradas, a procura do fundamento da igualdade e da justiça equitativa.
Tem-se, assim, que a vulnerabilidade no Código de Defesa do Consumidor é princípio norteador. Xxxxx cogente que deve ser observada nas relações de consumo, não sendo confundida com hipossuficiência (art. 6º, VIII), que está relacionada a aspecto processual.
O hipossuficiente é aquele que, em âmbito processual, se encontra em posição de disparidade técnica ou informacional, relativamente à produção de provas na demanda posta em juízo. Ou, ainda, aquele que detém condição de necessitado economicamente, nos termos da lei. Contudo, há necessidade de que tais circunstâncias sejam constatadas pela análise do caso concreto. Diferente é o vulnerável, cuja condição frágil é presumida pela lei e representada pela inferioridade (técnica, econômica ou informacional) perante o fornecedor.
Disso resulta que todo consumidor é vulnerável, pois tal condição a ele é inerente (art. 4º, I, CDC). Todavia, nem todo consumidor é hipossuficiente, pois, para tal reconhecimento, se faz necessária a demonstração fática da disparidade técnica, informacional ou econômica.
Denota-se, assim, que a vulnerabilidade é elemento de comando da relação de consumo e princípio dorsal do CDC.
2.5.2. Principais espécies de vulnerabilidade
As principais espécies de vulnerabilidade identificadas pela doutrina são: a técnica, a
jurídica, a fática e a informacional49
A vulnerabilidade técnica consiste na ausência de conhecimentos específicos pelo consumidor sobre produto ou serviços que ele adquire ou utiliza e, por isso, é mais facilmente enganado nas relações de consumo.
A vulnerabilidade jurídica consiste na falta de conhecimentos jurídicos específicos. A carência no conhecimento específico estende-se também para o conhecimento contábil e econômico. Aqui, tem-se a ideia de que o consumidor não tem a efetiva compreensão dos contratos que celebra.
A vulnerabilidade fática ou socioeconômica consiste no reconhecimento da fragilidade do consumidor frente ao fornecedor em razão de sua posição de monopólio fático ou jurídico. O fornecedor impõe sua superioridade econômica ou em razão da essencialidade do produto ou serviço em face do consumidor que, muitas vezes, é hipossuficiente.
49 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. O novo regime das relações contratuais. 6ª ed. São Paulo: Editora XX, 0000, p. 321
A vulnerabilidade informacional consiste em importante fator de desequilíbrio entre consumidor e fornecedor, pois este é o verdadeiro detentor da informação.
Além das espécies de vulnerabilidade acima citadas, há ainda outras espécies50 indicadas pela doutrina, são elas: política ou legislativa, psíquica ou biológica, social, educacional, tributária e ambiental.
2.5.3. Vulnerabilidade agravada (Hipervulnerabilidade)
Como dito, é presunção legal a condição de vulnerável do consumidor. Entrementes, não se pode deixar de considerar que há diferentes tipos de consumidores no mercado de consumo, como, por exemplo, crianças e adolescentes, idosos, portadores de necessidades especiais, enfermos, analfabetos, dentre outros. E, havendo diferenciação quanto aos tipos de consumidores, há que se observar a existência de diferentes níveis de vulnerabilidade, de modo que essa benesse seja aplicada eficazmente aos diversos grupos de consumidores.
Sobre este aspecto anota Xxxxxxx Xxxx Marques51:
Identifica-se hoje também uma série de leis especiais que regulam as situações de vulnerabilidade potencializada, especial ou agravada, de grupos de pessoas (idosos, crianças e adolescentes, índios, estrangeiros, pessoas com necessidades especiais, doentes, etc.), e estes grupos de pessoas também atuam como consumidores na sociedade, resultando na chamada hipervulnerabilidade.
A vulnerabilidade agravada é chamada também de hipervulnerabilidade, pelo que explica Claudia Lima Marques52:
Seria a situação social fática e objetiva de agravamento da vulnerabilidade da pessoa física consumidora, por circunstâncias pessoais aparentes ou conhecidas do fornecedor, como sua idade reduzida (assim o caso da comida para bebês ou da publicidade para crianças) ou sua idade alentada (assim os cuidados especiais com os idosos, no Código em diálogo com o Estatuto do Idoso e a publicidade de crédito para idosos) ou sua situação de doente.
E a jurisprudência tem acolhido expressamente a hipervulnerabilidade a certos grupos de pessoas. Emblemático foi o julgamento do Recurso Especial n. 586.318/MG53 pelo
50 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. O idoso, a hipervulnerabilidade e o direito à saúde. Dissertação de Mestrado. PUC/SP. São Paulo: 2015, p. 102-103.
51 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx (Coord). Diálogo das Fontes: do conflito à coordenação de normas do direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 41
52 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. O novo regime das relações contratuais . 6ª ed. São Paulo: Editora XX, 0000. p. 360-361
Superior Tribunal de Justiça (STJ), no qual se discutiu a suficiência dos termos “contém glúten” em embalagens de alimentos industrializados, considerando os riscos à saúde e segurança de consumidores celíacos.
Nas palavras do Ministro Relator Xxxxxx Xxxxxxxx:
O Código de Defesa do Consumidor, é desnecessário explicar, protege todos os consumidores, mas não é insensível à realidade da vida e do mercado, vale dizer, não desconhece que há consumidores e consumidores, que existem aqueles que, no vocabulário da disciplina, são denominados hipervulneráveis, como as crianças, os idosos, os portadores de deficiência, os analfabetos e, como não poderia deixar de ser, aqueles que, por razão genética ou não, apresentam enfermidades que possam ser manifestadas ou agravadas pelo consumo de produtos ou serviços livremente comercializados e inofensivos à maioria das pessoas.
Em arremate continua o Ministro:
São exatamente os consumidores hipervulneráveis os que mais demandam atenção do sistema de proteção em vigor. Afastá-los da cobertura da lei, com o pretexto de que são estranhos à "generalidade das pessoas", é, pela via de uma lei que na origem pretendia lhes dar especial tutela, elevar à raiz quadrada a discriminação que, em regra, esses indivíduos já sofrem na sociedade. Ser diferente ou minoria, por doença ou qualquer outra razão, não é ser menos consumidor, nem menos cidadão, tampouco merecer direitos de segunda classe ou proteção apenas retórica do legislador.
Vê-se que o escopo é eminentemente de proteger amplamente os grupos de consumidores cuja vulnerabilidade seja acentuada, potencializada ou agravada, em decorrência de fatores sociais, físicos ou psíquicos. Isso porque certos grupos estão mais sujeitos a se tornarem alvos de propagandas enganosas e abusivas, tais como os idosos que são, na maioria das vezes, seduzidos por ofertas de crédito rápido e sem burocracia, ou mesmo quando tratam com empresas de telefonia e operadoras de planos de saúde. O reconhecimento da vulnerabilidade agravada (hipervulnerabilidade) implica observar diversos fatores que possibilitem a constatação de fragilidade acentuada de certos grupos de consumidores frente ao fornecedor.
Os aspectos tratados nesse capítulo servem de apoio imprescindível à demonstração da temática da hipervulnerabilidade do idoso no mercado de consumo, notadamente, em situações que envolvem concessão de crédito. Permite-se com base nos estudos até aqui
53 Disponível em: < xxxxx://xx0.xxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxxxxx/xxxxxxxxx/xxxxxxx/?xxxxxxxxxxxXXX&xxxxxxxxxxx000000&xxx_xxxxxx ro=200301612085&data=20090319&formato=PDF>. Acesso em 25 ago 2017
compreender o cenário no qual se dá a efetiva contratação de empréstimo pelo consumidor idoso.
3. Idoso e Hipervulnerabilidade
3.1. Breves apontamentos sobre o envelhecimento
Antes de buscar tratar da conceituação de idoso, importa mencionar os aspectos relacionados ao envelhecimento, a fim de compreender a dimensão do termo.
Envelhecimento, de modo simplório, representa a consequência ou efeitos da passagem do tempo. Colhe-se da doutrina54 que envelhecer pressupõe alterações físicas, psicológicas e sociais (senescência), bem como alterações patológicas (senilidade) no indivíduo.
A senescência, ou envelhecimento normal, está relacionada ao processo dinâmico do desgaste ocasionado pelo avanço da idade. Com o passar dos anos, o indivíduo naturalmente irá apresentar menor capacidade psicológica de adaptação ao meio ambiente, além de acentuada vulnerabilidade.
A senilidade, ou envelhecimento patológico, está atrelada a alterações causadas por enfermidades conexas ao envelhecimento em si. Refere-se, ainda, como o declínio do funcionamento dos sistemas do corpo humano. É vista como os danos ocasionados por doenças ou maus hábitos de saúde ao longo do tempo.
Existe, ainda, o processo de envelhecimento terminal55, que está associado ao declínio derradeiro. Refere-se ao grande aumento nas perdas, em curto período de tempo, da capacidade física e cognitiva, levando a pessoa à morte. Isso se dá tanto pelo processo natural do envelhecimento (senescência), quanto por questões patológicas (senilidade).
Há aqueles que exaltam a velhice, compreendem-na como sinônimo de sabedoria, amadurecimento, capacidade intelectual plena. Há outros que a veem como um momento de introspecção, medo da morte, implicando, ainda, nas ideias de diminuição e “desvalor social”56.
54 LEAL. Xxxxx das Graças Sobreira. Psicologia do Envelhecimento. In: XXXXXXX, A. E. S. (Org.). Perspectiva biopsicológica do envelhecimento. 1ª ed. São Paulo: Fundação Padre Anchieta, 0000, x. 0, x. 00- 00.
55 XXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Publicidade Abusiva e Proteção do Consumidor Idoso. São Paulo: Atlas, 2013, p. 147.
56 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Idoso. 1ª ed. São Paulo: Saraiva/IDP, 2014. v. 1, p. 25
Ao longo do tempo, a questão do envelhecimento mostrou-se tema de importância social pelo mundo57, tendo, inclusive, sido considerada como um problema. Nesse sentido, é abordagem de Xxxxxxxx Xxxxxx, filósofo e jurista italiano que, ao tratar da questão, compreendeu que “a velhice é um problema social, difícil de solucionar”58
No que tange ao Brasil, a velhice é encarada como questão social ampla que envolve diversas ações públicas do Estado. Quanto a isso, explana Paulo Roberto Barbosa59:
No Brasil, a política social para a velhice assume contornos mais amplos, pois, para milhares de velhos, as dificuldades a serem superadas não se iniciam no tempo da velhice, decorrendo essencialmente do acúmulo de desigualdades ao longo do ciclo da vida. As coisas não acontecem como se existisse uma população jovem integrada e uma população velha excluída. É a população jovem excluída que envelhece nessas condições, não dando para corrigir muita coisa aos 60 ou 70 anos de idade de uma pessoa. Assim, a política para a velhice deve integrar um quadro mais amplo de ações públicas, que primeiramente protejam a infância, os salários dos trabalhadores, diminuam as desigualdades e assim por diante.
O Brasil vive um envelhecimento acelerado da população. Atualmente, estudos demográficos indicam “uma taxa rápida de envelhecimento, com um aumento expressivo da parcela de idosos e redução dos demais grupos etários. Olhando à frente, o crescimento na proporção de idosos será "marcante" nas próximas décadas.”60
Esse aumento é muito relevante, dado que no passado não era comum que as pessoas chegassem à velhice. A queda nos índices de fecundidade e mortalidade, associada às inovações farmacológicas e melhoria no tratamento das doenças de modo geral, contribuíram
57 O Governo Federal, por meio do Ministério dos Direitos Humanos, afirma o quanto dito: “A questão do envelhecimento está presente em todas as sociedades e necessitam de medidas que assegurem os “direitos do idoso” ou a “proteção à velhice” que estão situados, principalmente, entre os direitos sociais. Constam dos Planos de Ação Internacionais para o Envelhecimento (ONU 1982/2002) objetivos que recomendam às autoridades dos diferentes países adotar medidas de apoio às pessoas idosas, tanto no campo jurídico como na implementação de políticas sociais, devendo ainda seguir as três linhas prioritárias que são: pessoas idosas e desenvolvimento; saúde e bem estar na velhice e entorno propício e favorável.” Disponível em:
<xxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxxxx-xxxxx/xxxxxxxxx/xxxxxxxx-xxxxxxxx-xx-xxxxx-x-x-xxxxxxxx-xx-xxxxx>. Acesso em 22 set 2017.
58 Conforme afirma Xxxxxxxx Xxxxxx, os velhos (idosos) são em número cada vez maior na sociedade, o que leva estes à condição de problema social: “Tanto mais enfadonhas quanto mais a velhice se transformou, como eu vinha dizendo, em um grande e pendente problema social, difícil de solucionar não apenas porque o número de velhos cresceu, mas também porque aumentou o número de anos que vivemos como velhos. Mais velhos e mais anos de velhice: multipliquemos os dois números e obteremos a cifra que revela a excepcional gravidade do problema.” XXXXXX, Xxxxxxxx. O tempo da memória: de senectude e outros escritos autobiográficos. Rio de Janeiro: Campus, 1997, p. 25.
59 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Idoso. 1ª ed. São Paulo: Saraiva/IDP, 2014. v. 1, p. 49 60Trecho extraído de matéria veiculada no Jornal Valor Econômico de 02.12.2016. “Envelhecimento da população do Brasil deve se acelerar, aponta IBGE: Disponível em
<xxxx://xxx.xxxxx.xxx.xx/xxxxxx/0000000/xxxxxxxxxxxxxx-xx-xxxxxxxxx-xx-xxxxxx-xxxx-xx-xxxxxxxx-xxxxxx- ibge>. Acesso em 21 set 2017.
para esse novo cenário. Sendo certo, ainda, que o aumento do número de idosos cooperou também para o reconhecimento e defesa de seus direitos.
Cabe a ressalva de que, nas sociedades dentro das quais o envelhecimento passou a atingir um percentual cada vez maior, buscaram-se outras terminologias para substituir a ideia de envelhecer ou envelhecimento. Com efeito, são utilizadas terminologias como terceira idade, futuridade, melhor idade, e pessoas idosas. Estas supriram a utilização do termo velho e assumiram a mais comum nomenclatura daqueles que acumulam vários anos de vida.
Por derradeiro, não se pode olvidar que a velhice – na verdade o idoso – nos dias atuais se tornou um atrativo para a sociedade de consumo, sendo, pois, imperiosa maior atenção do Estado a esse tipo de consumidor, dada sua fragilidade, como bem pontua Luiz Fernando Afonso61:
A vulnerabilidade natural dos idosos decorre tanto da fragilidade da saúde física quanto da saúde mental dos idosos: fragilidade física pelo fato de o organismo do idoso estar naturalmente em declínio, resultado natural do processo de envelhecimento; fragilidade psíquica resultante de um declínio evidente, seja em decorrência do organismo que se encontra em processo de debilidade, seja pelas perdas de parentes e amigos sofridas ao longo da vida, seja pelo fato de a morte ter- se tornado uma realidade.
De certo que importa um olhar mais atento a fim que seja possível compreender e respeitar as facetas de tal vulnerabilidade.
3.2.Conceito de idoso: aspecto jurídico
Embora existam as acepções sociais, físicas, psicológicas, dentre outras, que visam definir o estado da pessoa que se encontra no ciclo de maturidade da vida. A ordem jurídica brasileira cuidou de adotar o critério cronológico62 e de utilizar as expressões “pessoa idosa” e “idoso”.
Trata-se de denominação adotada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), para qual a condição de idoso se inicia aos 65 anos ou mais nos países desenvolvidos e aos 60 anos ou mais nos países em desenvolvimento.
61 XXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Publicidade Abusiva e Proteção do Consumidor Idoso. São Paulo: Atlas, 2013, p. 144.
62 A idade cronológica mensura a passagem do tempo decorrido em dias, meses e anos desde o nascimento.
Explica Luiz Fernando Afonso63 quanto a definição legal de idoso que:
No Brasil, até os idos de 1994, não havia definição legal de idoso. Os estudos, possivelmente, eram de natureza filosófica, sociológica, biológica, e certamente guardavam lógica com uma casuística própria, que se importava muito mais com características peculiares de determinadas situações, não admitindo um conceito único. Essa discussão teve fim com a edição das Leis nºs 8.842/1994, que instituiu a Política Nacional do Idoso, e 10.741/2003, que criou o Estatuto do Idoso. Em ambas as legislações, considera-se idoso todo aquele que tiver idade igual ou superior a 60 anos.
Assim, com a edição da Lei de Política Nacional do Idoso (PNI)64 e do Estatuto do Idoso (EI)65, no Brasil, passou-se a definir idoso como a pessoa com idade igual ou superior a 60 anos.
Adota-se, portanto, no presente estudo, essa perspectiva cronológica/etária para se tratar da velhice e do envelhecimento, por ser coerente com a legislação brasileira, que assim caracteriza o idoso.
3.3.Principais Princípios que orientam os Direitos da Pessoa Idosa
No ordenamento jurídico brasileiro, dentre outros, orientam os direitos da pessoa idosa: o princípio da dignidade da pessoa humana; o princípio da proteção integral e prioridade absoluta; o princípio do melhor interesse do idoso; e o princípio da solidariedade.
O princípio da dignidade da pessoa humana está previsto na Constituição Federal (art. 1º, III)66, tem relação com a questão do homem como fim em si mesmo67 e não como meio para atingir fins. Por essa concepção, ao idoso é garantido tratamento como sujeito de direitos, observando-se, inclusive, sua condição de vulnerabilidade agravada.
63 XXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Publicidade Abusiva e Proteção do Consumidor Idoso. São Paulo: Atlas, 2013, p. 148.
64 Lei nº 8.842, de 4 de janeiro de 1994
65 Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003
66 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[...]
III - a dignidade da pessoa humana
67 Esse entendimento provem da teoria filosófica de Xxxxxxxx Xxxx, cujos aspectos foram abordados por Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx e Xxxxxxxxx Xxxxxx Svolinski Junior em estudo intitulado Kant: Os Fundamentos da Dignidade da Pessoa Humana como condição para uma hermenêutica do dever, para os quais: “A consonante faceta filosófica e jurídica das doutrinas morais de Xxxxxxxx Xxxx faz surgir a questão do homem como fim e não como meio. Xxxx estabelece que o sujeito é fim em si mesmo, descartando a possibilidade deste ser usado para quaisquer outros fins, pois ele já é fim, e seu fim é a autonomia e a liberdade da razão. Na visão kantiana, a autonomia está necessariamente vinculada à liberdade e potencialmente ela ocorre na medida em que o sujeito tem sua dignidade respaldada na emancipação.” Disponível em:
<xxxx://xxxxxxxx.xxxxx.xx/xxxxx.xxx/xxxxx/xxxxxxx/xxxxXxxx/0000/000>. Acesso em 21 set 2017.
O princípio da proteção integral e prioridade absoluta tem fundamento no Estatuto do Idoso (arts. 2º e 3º)68 e na Constituição Federal (art. 230)69 e diz respeito ao idoso gozar de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana. Pela proteção integral, são garantidos ao idoso todos os direitos sem qualquer restrição, bem como aqueles direitos próprios e específicos, dada sua vulnerabilidade agravada pelo processo de envelhecimento. Tem-se que o escopo é oportunizar ao idoso a preservação de sua dignidade e de seus direitos fundamentais.
No tocante a prioridade absoluta, é garantido ao idoso, em todos os seguimentos sociais, usufruir de seus direitos com absoluta prioridade70. O imperativo refere-se ao Estado, à sociedade e à família que devem agir com zelo e atenção para que os direitos do idoso tenham efetividade e sejam integralmente respeitados e cumpridos. O parágrafo único do artigo 3º do Estatuto do Idoso71 elenca um rol não taxativo acerca da forma como a prioridade absoluta deve ocorrer. Pontua-se, por oportuno, que, em recente alteração legislativa (Lei 13.466/2017), foi inserido no artigo que trata sobre a garantia de prioridade (art. 3º) o § 2º, ficando estabelecido que “dentre os idosos, é assegurada prioridade especial aos maiores de oitenta anos, atendendo-se suas necessidades sempre preferencialmente em relação aos demais idosos.”
68 Art. 2o O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.
Art. 3o É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.
69 Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.
7070 “O princípio da prioridade absoluta na proteção integral aos direitos da pessoa idosa significa a garantia legal à atenção aos seus interesses em prejuízo de qualquer outra pessoa, salvo, caso essa outra pessoa seja criança ou adolescente, os quais possuem também essa prioritária e absoluta proteção (art. 4º, caput, ECA), todavia, assegurada essa proteção absoluta em âmbito constitucional (art. 227, caput).” XXXXXXXXX. Xxxxxxx Xxxxxxxxx. Direitos da Pessoa Idosa. 1ª ed. São Paulo: Editora Verbatim, 2016
71 § 1º A garantia de prioridade compreende: I – atendimento preferencial imediato e individualizado junto aos órgãos públicos e privados prestadores de serviços à população; II – preferência na formulação e na execução de políticas sociais públicas específicas; III – destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção ao idoso; IV – viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e convívio do idoso com as demais gerações; V – priorização do atendimento do idoso por sua própria família, em detrimento do atendimento asilar, exceto dos que não a possuam ou careçam de condições de manutenção da própria sobrevivência; VI – capacitação e reciclagem dos recursos humanos nas áreas de geriatria e gerontologia e na prestação de serviços aos idosos; VII – estabelecimento de mecanismos que favoreçam a divulgação de informações de caráter educativo sobre os aspectos biopsicossociais de envelhecimento; VIII – garantia de acesso à rede de serviços de saúde e de assistência social locais. IX – prioridade no recebimento da restituição do Imposto de Xxxxx. § 2º Dentre os idosos, é assegurada prioridade especial aos maiores de oitenta anos, atendendo-se suas necessidades sempre preferencialmente em relação aos demais idosos.
Afirma a doutrina72 que a conjugação dos princípios da proteção integral e da prioridade absoluta substanciam o princípio do melhor interesse do idoso, que se concretiza na medida em que, no caso concreto, se efetiva o amparo ao idoso. A efetivação desse amparo se dá mediante políticas públicas eficazes, cujo escopo é impedir a violação dos direitos e garantias conferidas ao idoso.
O princípio da solidariedade, por sua vez, refere-se ao auxílio mútuo. Encontra-se positivado na Constituição Federal (art. 3º)73, pelo que resta estabelecida a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, com a promoção do bem de todos, sem distinção, dentre outros aspectos, de sexo, cor e idade. Significa dizer que consiste no auxílio e proteção do mais fraco, hipervulnerável.
3.4 Apontamentos acerca da proteção jurídica do idoso
O marco inicial das conquistas relacionadas aos direitos do idoso se deu com a Declaração Universal dos Direitos Humanos74, que delineia os direitos humanos básicos e foi adotada pela Organização das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948 e da qual o Brasil é signatário. Em seu artigo 25 prescreve direitos aos idosos:
§1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle. [sem destaques no original]
Vê-se do texto que desde a metade do século XX proclama-se a necessidade de proteger a velhice, com total apoio, bem estar social e respeito ao idoso e sua família.
A Constituição Federal de 1988 inovou ao estabelecer direitos da pessoa idosa até então não previstos. Estipula a Carta Maior que um dos objetivos fundamentais do Estado é
72 XXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Publicidade Abusiva e Proteção do Consumidor Idoso. São Paulo: Atlas, 2013. 73 Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
74 Disponível em: < xxxx://xxxxxxx.xxxxxx.xxx/xxxxxx/0000/000000/000000xxx.xxx>
promover o bem estar de todos, sem preconceito ou discriminação, inclusive, quanto à idade (art. 3º, CF) além da tutela da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III).
Em âmbito constitucional, há diversos dispositivos que versam sobre questão da idade, sendo aplicáveis às pessoas idosas. Tendo, por exemplo: (i) artigo 7º, inciso XXX, que proíbe “diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; (ii) artigo 14, § 1º, II, “b”, que faculta o direito de votar aos maiores de 70 anos; (iii) artigo 229, que determina que os pais têm o dever de assistir, criar e educar seus filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade; e (iv) artigo 230, estabelecendo que a família, a sociedade e o Estado devem amparar as pessoas idosas, para que lhe sejam asseguradas participação na comunidade, defesa do bem estar e preservação da dignidade.
3.4.2 Âmbito Infraconstitucional
Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, outras leis surgiram amparando a pessoa idosa, entre elas: Código de Defesa do Consumidor (1990) – estudado no capítulo antecedente –, Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS75 (1993), Política Nacional do Idoso (1994) e Estatuto do Idoso (2003).
Importam, no momento, reflexões elementares sobre a Lei de Política Nacional do Idoso e sobre o Estatuto do Idoso.
3.4.2.1. Lei de Política Nacional do Idoso
A Lei de Política Nacional do Idoso foi sancionada em 4 de janeiro de 1994 e regulamentada pelo Decreto n. 1.948, de 3 de julho de 1996.
A normativa assegura os direitos sociais e amplo amparo legal ao idoso. Estabelece, ademais, as condições para promover sua integração, autonomia e participação efetiva na sociedade. Objetiva, ainda, atender às necessidades básicas da população idosa no tocante à educação, saúde, habitação, esporte, trabalho, assistência social e previdenciária e à justiça.
O Estatuto do Idoso é o microssistema jurídico de proteção da pessoa idosa.
75 Lei nº 8.742, de 7 de Dezembro de 1993.
Em linhas gerais, trata-se de um marco jurídico para a proteção dos direitos da população idosa brasileira, considerando suas demandas, suas vulnerabilidades e, acima de tudo, seus direitos fundamentais.
Estruturalmente, está dividido em sete títulos, nos quais estão dispostas normas que versam sobre os direitos fundamentais, como o Direito à Liberdade, ao Respeito e à Dignidade; Alimentos; Saúde; Habitação; Transporte; Medidas de Proteção; Política de Atendimento ao Idoso; Acesso à Justiça; e Crimes.
O estatuto prevê que a família, a sociedade e o Estado devem zelar pelo direito do idoso e pelo seu bem estar, inclusive tratando acerca à prioridade que deve haver na efetivação destes direitos.
Nota-se a preocupação do legislador em pontuar, individualmente, os direitos fundamentais a que faz jus o idoso. Nessa senda, é estabelecido no artigo 8° que “o envelhecimento é um direito personalíssimo e a sua proteção um direito social”. O legislador atribuiu uma garantia constitucional ao envelhecimento, pois lhe ofereceu a proteção dos direitos sociais, o que significa que envelhecer está diretamente relacionado com o direito fundamental à vida e a dignidade da pessoa humana.
Vê-se que há previsão de política de atendimento ao idoso disposta no artigo 46, afirmando que tais “far-se-ão por meio do conjunto articulado de ações governamentais e não- governamentais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”. As ações envolvem, por exemplo, políticas sociais básicas, proteção jurídico-social por entidades de defesa dos direitos dos idosos, políticas e programas de assistência social para aqueles que necessitarem.
Há, ainda, disposições no que tange ao acesso à justiça (arts 69 a 7176), assegurando prioridade na tramitação dos processos judiciais.
Ressalte-se, por fim, que o Estatuto trata das medidas de proteção à pessoa idosa, com o objetivo de punir todo aquele que violar ou ameaçar seus direitos por ação ou omissão, não importando quem os tenha praticado. Tais medidas podem ser aplicadas cumulativamente, visando sempre à proteção do idoso. Não sendo cumpridas, são previstos (art. 81) legitimados à adoção das medidas legais necessárias, de modo a salvaguardar os direitos dos idosos.
76 Dispositivo com alteração recente conferida pela Lei nº 13.466/2017, prevendo o § 5º: "dentre os processos de idosos, dar-se-á prioridade especial aos maiores de oitenta anos".
Ademais, o próprio Estatuto prevê as penas para cada tipo de crime ou infração (arts. 96 a 106).
Nota-se que toda normativa descrita importa no reconhecimento da fragilidade acentuada do idoso em decorrência do processo de envelhecimento.
Extrai-se da Constituição Federal, do Estatuto do Idoso, da legislação esparsa aplicável à espécie e da doutrina uma gama de direitos destinados a esse grupo de pessoas.
Tem-se como exemplos de direitos assegurados aos idosos: os direitos xxxxxxxxxxxx x xxxx, x xxxxxxxxx, x xxxxxxxxx (xxxx. 0x xxxxx, CF; arts. 2º e 3º, EI), ao respeito e à dignidade (arts. 1º, III e 5º caput, CF; 10, EI); direito a alimentos (arts. 11 e 12; EI e 1.694 a 1.710, CC/02); à saúde (arts. 194, caput e 196, CF; 15, EI77); à educação, esporte, cultura e lazer (arts. 6º, 205, 206, 208, 215 e 217 CF; 20 a 25 EI); profissionalização e trabalho (arts. 5º, III e
7º, CF; 26 a 28, EI); previdência social (arts. 194, 201, CF; 29 a 32, EI); assistência social
(arts. 194, 203 e 204, CF; 33 a 36, EI; 20, LOAS) habitação (arts. 6, CF; 37 a 38, EI);
transporte (arts. 230, § 2º; 39 a 42, EI) acesso à justiça (arts. 5º, LXXVIII; 1.211-A, CPC/1578; 71, EI) e; “direito de escolha do consumidor”79.
Quanto ao “direito de escolha do consumidor”, em linhas gerais, consiste na liberdade que o idoso tem de fazer suas próprias escolhas. De escolher produtos e serviços para adquirir ou usufruir, mediante sua própria vontade e utilização de seus recursos, como bem lhe agradar.
No tocante ao direito de escolha do consumidor, é importante destacar os ensinamentos de Luiz Fernando Afonso80:
Para que tal escolha seja livre, é necessário que o fornecedor cumpra com o seu dever de bem informar sobre os seus produtos e serviços, especialmente quanto aos riscos que determinado produto ou serviço apresente para a saúde e a segurança dos seus consumidores. A informação, [...] certamente será o principal instrumento para que o consumidor idoso – que tem [...] dificuldade físicas e psíquicas decorrentes do natural processo de envelhecimento – escolha bem os produtos e serviços que irá adquirir no mercado de consumo.
77 Dispositivo com alteração recente conferida pela Lei nº 13.466/2017, prevendo o § 7º: “Em todos os atendimentos de saúde, os maiores de oitenta anos terão preferência especial sobre os demais idosos, exceto em caso de emergência”.
78 Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil
79 XXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Publicidade Abusiva e Proteção do Consumidor Idoso. São Paulo: Atlas, 2013, p. 160-161.
80 Idem, p. 161.
Nota-se que a livre escolha do consumidor está estritamente ligada ao dever de informação do fornecedor. Infere-se ainda que para sua efetiva aplicação importar a observância dos princípios que regem as relações de consumo, notadamente o princípio da transparência e a boa-fé objetiva.
3.5 Reconhecimento da hipervulnerabilidade do idoso no mercado de consumo
Como visto, a CF elegeu aqueles que são vulneráveis, como, por exemplo, os portadores de necessidades especiais, as crianças e adolescentes, os trabalhadores e os consumidores. Nessa vertente é que o CDC reconhece o consumidor como indivíduo ou entidade vulnerável no mercado de consumo81. E, pelo prisma consumerista, o reconhecimento da vulnerabilidade provem do respeito à dignidade da pessoa humana e da intenção de buscar igualar as partes em uma relação de consumo. Frise-se: isso decorre da desvantagem técnica, fática, jurídica e informacional que os consumidores têm em relação aos fornecedores.
Ocorre que em determinadas situações, essa desvantagem ou fragilidade é mais acentuada por circunstâncias que são próprias dos envolvidos na relação jurídica. É o caso dos portadores de necessidades especiais, crianças e adolescentes e os idosos. Tratando-se de idoso, sujeito do presente estudo, a situação impõe que seja proporcionado tratamento ainda mais especial. Na busca pela igualdade e respeito à dignidade deve ser levado em consideração que essa categoria de consumidores carrega uma “presunção de acúmulo de vulnerabilidades”82, vale dizer, vulnerabilidade agravada ou hipervulnerabilidade.
Corroboram esse entendimento Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx e Roberta Densa83 ao afirmarem que “certas pessoas, classes ou categorias de pessoas [idosos] podem ser consideradas hipervulneráveis, necessitando de proteção maior do que os consumidores em geral.”
Sustenta, a propósito, Cláudia Lima Marques84:
81 Artigo 4º, I do CDC
82 GRAEFF, Bibiana. Direitos do consumidor idoso no Brasil. Revista de Direito do Consumidor. Ano 22, n.
86. Março-Abril 2013, p. 68
83 XXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx; XXXXX, Xxxxxxx. A proteção dos consumidores hipervulneráveis: os portadores de deficiência, os idosos, as crianças e os adolescentes. Doutrinas Essenciais do Direito do Consumidor. v. II. Edições Especiais. Editora RT. São Paulo, p. 436.
84 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. O novo regime das relações contratuais. 6ª ed. rev. atual. e ampl. Editora RT. São Paulo, 2011, p. 360-361.
[...] a hipervulnerabilidade seria a situação social fática e objetiva de agravamento da vulnerabilidade da pessoa física consumidora, por circunstâncias pessoais aparentes ou conhecidas do fornecedor, como sua idade reduzida (assim o caso da comida para bebês ou da publicidade para crianças) ou sua idade alentada (assim os cuidados especiais com os idosos, no Código em diálogo com o Estatuto do Idoso, e a publicidade de crédito para idosos) ou sua situação de doente (assim o caso do glúten e as informações na bula de remédios).
Importa ressaltar que, enquanto a legislação fala expressamente em vulneráveis (art. 4, I, CDC) referindo-se a todo consumidor de modo geral, a hipervulnerabilidade refere-se também a consumidores, mas a um grupo específico, cuja vulnerabilidade é agravada por circunstâncias pessoais que potencializam sua fragilidade.
Para Clémence Lacour85 a fragilidade do idoso pode ser comparada a um “defeito de sua armadura” e isto o sujeita a abusos indevidos de seu consentimento, podendo incapacitá- lo de tomar decisões pessoais, como por exemplo, a escolha do local onde quer viver, dos procedimentos médicos para sua saúde, do que efetivamente quer consumir ou contratar.
Salienta Luiz Fernando Afonso86:
Consideramos, pois, os idosos hipervulneráveis porque suas características são particulares à fase da vida que enfrentam, em especial em razão da sua deficiência de compreensão e da sua fragilidade no momento de decisão. Inúmeras são, portanto, as razões para que se dê proteção efetiva ao consumidor idoso no mercado de consumo, especialmente em face da fragilidade, que torna a vulnerabilidade comum e própria do consumidor, ao mesmo tempo extrema e acentuada.
Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxx 87que o discurso da hipervulnerabilidade não se restringe à doutrina, “mas chega também ao STF, nas palavras da Xxx. Xxxxx Xxxxxx, que afirma: ‘o idoso é um consumidor duplamente vulnerável, necessitando de uma tutela diferenciada e reforçada’.” A menção colhe-se da manifestação da ministra sobre existência de Repercussão Geral no Recurso Extraordinário n. 630.852/RS88, interposto por UNIMED – Cooperativa de Serviços de Saúde dos Vales do Taquari e Rio Pardo LTDA89.
85Clémence Lacour, La personne âgée vulnérable : entre autonomie et protection.
Gérontologie et société 2009/4 (vol. 32 / n° 131), p. 187-201. DOI 10.3917/gs.131.0187. Disponível em:
<xxxxx://xxx.xxxxx.xxxx/xxxx_xxx.xxx?XX_XXXXXXXxXX_000_0000>. Acesso em 22 set 2017.
86 XXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Publicidade Abusiva e Proteção do Consumidor Idoso. São Paulo: Atlas, 2013, p. 178.
87 GRAEFF, Bibiana. Direitos do consumidor idoso no Brasil. Revista de Direito do Consumidor. Ano 22. n.
86. Março-Abril 2013, p. 68.
88 Ementa: PLANO DE SAÚDE. AUMENTO DA CONTRIBUIÇÃO EM RAZÃO DE INGRESSO EM FAIXA ETÁRIA DIFERENCIADA. APLICAÇÃO DA LEI 10.741/03 (ESTATUTO DO IDOSO) A CONTRATO FIRMADO ANTES DA SUA VIGÊNCIA. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. O recurso, atualmente
O reconhecimento da hipervulnerabilidade do idoso é fator de grande importância, tendo em vista a sujeição, cada vez maior, desse grupo às práticas comerciais do mercado de consumo. Com efeito, muito se tem investido para cativar tais consumidores, dada sua contribuição na movimentação da economia do país. São reiteradamente postos no mercado produtos destinados exclusivamente a eles, como pacotes de viagens, planos de saúde, planos de capitalização, empréstimos consignados, alimentos funcionais, dentre outros. E, para tanto, forte é o investimento dos fornecedores em recurso publicitário e em práticas de consumo.
Na prática, pela dicção de Xxxxx Xxxxxxx,
a vulnerabilidade do consumidor idoso é demonstrada a partir de dois aspectos principais: a) a diminuição ou perda de determinadas aptidões físicas ou intelectuais que o torna mais suscetível e débil em relação à atuação negocial dos fornecedores;
b) a necessidade e catividade em relação a determinados produtos ou serviços no mercado de consumo, que o coloca em uma relação de dependência em relação aos seus fornecedores.90
Quanto ao primeiro aspecto, o microssistema consumerista possui mecanismos de proteção que reconhecem a fragilidade do consumidor idoso em virtude da sua idade, saúde ou condição social. O artigo 39, inciso IV do CDC, dispõe conteúdo expresso a respeito:
Art. 39: É vedado ao fornecedor de produtos os serviços, dentre outras práticas abusivas: […] IV – prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista a sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços; […] [sem destaque no original]
A regra visa proteger aquele que, na condição de vulnerabilidade agravada, não tem condição suficiente para avaliar os termos propostos pelo fornecedor de produto ou serviço no mercado de consumo. Busca-se, em linhas gerais, afastar condições desfavoráveis em uma negociação, que normalmente são impostas aos consumidores, sem lhes oportunizar questionamentos, em função do abuso de sua fraqueza ou ignorância. Acrescente-se que o Estatuto do Idoso, também com escopo protecionista, assegura ao idoso a inviolabilidade da sua integridade física, psíquica e moral (art. 10, § 2º)91.
sob a relatoria da Xxx. Xxxx Xxxxx, aguarda julgamento no Supremo Tribunal Federal. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxxxxx/xxxxxxxx/xxxXxxxxxxxXxxxxxxxx.xxx?xxxxxxx000000&xxxxxxxXX- RG&codigoClasse=0&origem=JUR&recurso=0&tipoJulgamento=M>
89 Registre-se que a questão acerca da hipervulnerabilidade é tema também no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e nos Tribunais locais, exemplificativamente: Recurso Especial n.1329556/SP, x. 25.11.2014 (STJ) e Apelação Cível n. 1116061-30.2014.8.26.0100, j. 23.06.2017 (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo) 90 MIRAGEM, Bruno. Direito do Consumidor. Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 66.
91 Art. 10. É obrigação do Estado e da sociedade, assegurar à pessoa idosa a liberdade, o respeito e a dignidade, como pessoa humana e sujeito de direitos civis, políticos, individuais e sociais, garantidos na Constituição e nas leis.
Há, ainda, outro dispositivo do CDC que sinaliza o reconhecimento da hipervulnerabilidade do idoso, trata-se do artigo 37, § 2º, pelo qual:
Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. [...] § 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. [sem destaque no original]
Diz respeito, dentre outras, à publicidade abusiva realizada pelo fornecedor, dirigida ao consumidor idoso, para impor a este o consumo de produtos ou serviços, aproveitando de sua fragilidade de compreensão ou da redução de sua capacidade cognitiva, causada pelo processo de envelhecimento.
No tocante ao segundo aspecto da dicção de Xxxxx Xxxxxxx, é evidente que a catividade de produtos e serviços, como medicamentos, seguros de assistência privada à saúde e planos de saúde sujeitam os idosos a um grau muito maior de dependência do fornecedor. A retirada abrupta dos produtos ou serviços do mercado de consumo ou mesmo o inadimplemento contratual do fornecedor ocasionam danos maiores a esse grupo do que para aos consumidores em geral.
Expõe Cristiano Schmitt92 que é na seara contratual que está exposta uma intensa vulnerabilidade do consumidor idoso perante o fornecedor. Acrescente-se que foi justamente o reconhecimento desta característica de “consumidor especial”, “hipervulnerável” que já permitiu a punição de fornecedores que rescindiram ilegalmente contratos de planos de saúde ou impuseram reajuste elevados de valores aos consumidores idosos.
O mesmo se nota na contratação de empréstimo consignado. Nesse campo os idosos são, em maioria, leigos aos procedimentos das operações de crédito, não detém cognição suficiente para compreender o arcabouço normativo e operacional que envolve esse tipo de contratação e ficam sujeitos às armadilhas do mercado de consumo, em função da acentuada vulnerabilidade.
[...]
§ 2o O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, de valores, ideias e crenças, dos espaços e dos objetos pessoais.
92 XXXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxxx. A “hipervulnerabilidade” do consumidor idoso. Revista de Direito do Consumidor. n. 70. Abril-junho 2009. Editora RT, p. 139-171
Nesse prisma, não há como se olvidar que são as condições físicas e psicológicas dos idosos os principais fatores que os submetem à absoluta condição de hipervulnerabilidade. Muitos deles, dada a idade avançada, não conseguem acompanhar os avanços tecnológicos da internet, dos sistemas bancários, das rotinas em geral. Como se sabe o mundo tecnológico muda, e muda muito rápido. Assim, não é fácil à uma pessoa em idade adulta manter-se atualizada, que dirá a um idoso fragilizado, em processo acentuado de envelhecimento, dependente dos produtos e serviços postos no mercado.
Sem contar ainda na fragilidade econômica e nos riscos de superendividamento que estão submetidos. Em função do descontrole de consumo e das investidas das instituições financeiras que buscam, a todo custo, angariar os idosos, oferecendo-lhes, por exemplo, empréstimos consignados e cartões de crédito sem realizar grandes investigações sobre a capacidade financeira deles. Os idosos frente às instituições financeiras e no mercado de consumo em geral, ficam a mercê de práticas contratuais abusivas e, muitas vezes, fraudulentas.
Tem-se, ademais, que o reconhecimento da proteção ao consumidor idoso hipervulnerável permeia o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana que reflete os valores e fins sociais adotados pela sociedade brasileira. Tal princípio é repetido no artigo 170 da CF,93 ao dispor à ordem econômica, dentre outros aspectos, o dever de assegurar a todos a existência digna, observado, entre outros, o princípio da defesa do consumidor. Também é relembrado no artigo 230 da CF94, pelo qual assevera-se que seja o idoso amparado com base no princípio da dignidade da pessoa humana.
A propósito corrobora Luiz Fernando Afonso95:
Assim, conferir um especial tratamento aos idosos no mercado de consumo, em razão de sua hipervulnerabilidade decorrente do natural processo de envelhecimento, que é acompanhado por um declínio natural das forças do organismo e é responsável por perdas relacionadas à aprendizagem, à memória e à inteligência, é atender ao princípio da dignidade da pessoa humana
93 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...]
V - defesa do consumidor;
94 Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.
95 XXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Publicidade Abusiva e Proteção do Consumidor Idoso. São Paulo: Atlas, 2013, p. 150.
Tem-se que o reconhecimento da condição de hipervulnerabilidade do idoso implica na observância da técnica do chamado “diálogo das fontes”96.
A teoria do diálogo das fontes surgiu na Alemanha, com Xxxx Xxxxx, e foi trazida para o Brasil por Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx. Por ela é proposta a ideia de que o direito deve ser interpretado como um todo de forma sistemática e coordenada.
A grosso modo, se trata de forma de integração das normas jurídicas, no sentido de que o ordenamento jurídico deve ser interpretado de forma indivisível, una. Diferentemente do que propõem os critérios clássicos para solução dos conflitos de normas (antinomias jurídicas).
A esse respeito, ressalta Flávio Tartuce97 “a teoria do diálogo das fontes surge para substituir e superar os critérios clássicos de solução das antinomias jurídicas (hierárquico, especialidade e cronológico). Realmente, esse será o seu papel no futuro”.
Pela teoria do diálogo das fontes é permitido ao operador do direito perquirir outros sistemas normativos, não se limitando ao microssistema jurídico para o qual a norma inicialmente foi produzida. Isso porque, “a essência da teoria é de que as normas jurídicas não se excluem – porque supostamente pertencentes a ramos jurídicos distintos -, mas se complementam.”98
Resulta, pois, que a condição especial de hipervulnerabilidade do idoso no mercado de consumo extrai-se da interpretação do Estatuto do Idoso, do Código de Defesa do Consumidor e da Constituição Federal, sendo reconhecida pela doutrina e jurisprudência. Seu acolhimento na ordem jurídica implica, necessariamente, em sua influência nas práticas de consumo e na proteção contratual consumerista, assegurando aos idosos tratamento digno e igualdade jurídica.
96 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. O novo regime das relações contratuais. 6ª. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Ed. XX, 0000. p. 615
97 TARTUCE, Flavio. Manual de direito civil: volume único. 2ª ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013, p. 22
98 Idem, p. 15
4. O idoso como consumidor hipervulnerável e o crédito consignado
A expansão do crédito trouxe significativas modificações no mercado de consumo brasileiro e, no que tange aos idosos, houve relevante incremento econômico para concepção de produtos destinados a essa categoria de consumidor99. Exemplo disso foi a expansão do crédito consignado aos aposentados e pensionistas no início dos anos 2000100.
Por óbvio, nem todo aposentado ou pensionista é idoso, pois há espécies de aposentadorias especiais que podem ser concedidas àqueles que ainda não completaram 60 anos, bem como há pensões concedidas a quem também não é idoso. Todavia, em função da temática deste estudo, serão abordados, neste capítulo, os aspectos relacionados à concessão de empréstimo consignado ao consumidor idoso hipervulnerável e as consequências decorrentes desta contratação.
4.1. Aspectos gerais sobre o crédito consignado
A ampliação do crédito consignado ocorreu por meio da Medida Provisória n° 130/03101, posteriormente convertida na Lei 10.820 de 17 de dezembro de 2003102, que dispõe “sobre a autorização para desconto de prestações em folha de pagamento”, referente, dentre outras modalidades, à concessão de crédito consignado aos trabalhadores em geral103, pensionistas e aposentados104.
Em linhas gerais, trata-se de modalidade de empréstimo105 com ampla garantia de adimplemento. Isso porque a natureza do instituto permite que o percentual para pagamento
100 O crédito consignado esta regulamentado pelo ordenamento jurídico brasileiro desde 1950. A Lei nº 1.046, de 02 de janeiro de 1950, estabelece a disposição sôbre a consignação em fôlha de pagamento. Todavia, somente em 2003 essa modalidade de empréstimo foi destinada também aos aposentados e pensionistas.
101 Disponível em: < xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxx/Xxxxxxx_0000/000.xxx>. Acesso em 18 set 2017.
102 Disponível em: < xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxx/0000/X00.000.xxx>
103 Essa modalidade de empréstimo já era conferida aos servidores públicos federais por meio das Lei nº 1.046/50 e 8.112/90.
104 Art. 6º - Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social poderão autorizar o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a proceder aos descontos referidos no art. 1º e autorizar, de forma irrevogável e irretratável, que a instituição financeira na qual recebam seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando previstos em contrato, nas condições estabelecidas em regulamento, observadas as normas editadas pelo INSS. (Redação dada pela Lei nº 10.953/04). 105 Também são aplicáveis à esta modalidade: o Roteiro Técnico sobre empréstimo consignado para aposentados e pensionistas do INSS, de 25 de maio de 2005. Disponível em:
<xxxx://xxx0.xxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxx/xxx/xxxxxxx_xxxxxxx_Xxxxxxxxxx.xxx> e a Instrução Normativa INSS/PRES n. 28 de 16 de maio de 2008; Disponível em: <xxxx://xxxxxx.xxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/00/XXXX- PRES/2008/28.htm>. Acesso em 18 set 2017.
das prestações destinadas à solvibilidade das obrigações contraídas, seja descontado106, mês a mês, diretamente dos salários, remunerações, proventos ou pensões107, mediante autorização prévia, expressa e irrevogável do contratante. Ficando a instituição financeira credora108 autorizada a reter para si os valores a título de pagamento das parcelas da contratação.
Os argumentos em prol desse negócio jurídico são basicamente dois: (i) ao reduzir os riscos do credor, o devedor se beneficia com maior acesso ao crédito; e (ii) a certeza de pagamento permite que sejam realizados os empréstimos com redução dos encargos e das taxas de juros praticados no mercado109.
Tem a doutrina110 entendido que o crédito consignado e a flexibilização da proteção ao salário, na verdade, se tratam de “tradições inventadas na sociedade de consumo”. No tocante ao crédito consignado explanam:
O crédito consignado se inseriu neste contexto, para aumentar a capacidade de consumo – que estava limitada à renda dos consumidores que até então não tinham acesso ao crédito – com a promessa de aumentar a felicidade. A lei 10.820/2003 veio autorizar inclusive o desconto de empréstimos até o limite máximo de 30% [hoje, 35%] da remuneração ou do valor do benefício dos trabalhadores e aposentados, rompendo com a tradição de proteção e intangibilidade do salário.
Relativamente à flexibilização do salário, anotam:
[...] é importante observar que a “nova tradição”, construída pelas mãos dos agentes operadores do mercado de crédito, corrói a tradição jurídica clássica da intangibilidade e da impenhorabilidade salarial, exigindo uma nova tradução, que revele o caráter das tradições inventadas e reforce o papel ativo do intérprete do direito na contenção dos poderes do mercado pela força da aplicação dos direitos fundamentais dos trabalhadores e dos consumidores com a definição de sua existência e liberdade salarial.
106 Conforme atual redação do § 1º do art. 1º da Lei nº 10.820/2003, o desconto que pode incidir inclusive sobre verbas rescisórias, será de até 35%, sendo certo que, 5% será destinado exclusivamente para amortização de despesas contraídas por meio de cartão de credito, ou para utilização com a finalidade de saque por meio de cartão de crédito.
107 Pagos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ou pelo empregador.
108 Ao contratar deve-se observar que existem três modalidades de Empréstimo Consignado para os titulares de benefício (provento ou pensão) do INSS (aposentados e pensionistas): na primeira delas a consignação o desconto é feito pelo INSS que repassa o valor consignado à instituição financeira conveniada e contratada pelo titular do benefício; na segunda o INSS repassa o valor integral do benefício à instituição financeira pagadora deste benefício, que retém o valor da parcela do empréstimo e; na terceira o desconto é realizado diretamente com o cartão de crédito.
109 Atualmente, as taxas máximas são de 2,14% ao mês, para o empréstimo, e 3,06% ao mês, para o cartão consignado (Portaria INSS nº 536). Disponível em: < xxxx://xxx.xxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxx-xx- cidadao/informacoes-gerais/emprestimo-consignado/>. Acesso em 18 set 2017.
110 XXXXXXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxx.; XXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx; XXXX, Xxxxxxxx Xxxxx de. Tradições inventadas na sociedade de consumo: crédito consignado e a flexibilização da proteção ao salário. Revista de Direito do Consumidor. Ano 19, n. 76, p. 94-95. São Paulo: Editora RT, out.-dez./2010.
Nas palavras de Marcos Catalan111, o crédito consignado “surgiu em um contexto político no qual se buscava a criação do ambiente necessário ao crescimento da economia brasileira por meio da inserção de milhões de pessoas esquecidas até então”.
Depreende-se, portanto, que a ampliação do acesso ao crédito consignado teve como objetivo principal o crescimento econômico com estímulo ao consumo. Especialmente porque, à época, se levou em consideração o elevado número de idosos e pensionistas economicamente ativos no mercado de consumo.
Quando foi regulamentado aos aposentados e pensionistas, o crédito consignado teve um amplo sucesso. Esse sucesso se deu, em grande parte, pela fortíssima publicidade praticada pelas instituições financeiras, inclusive mediante a utilização de celebridades da televisão, para atribuir credibilidade ao produto e atrair a confiança dos idosos por meio de apelos psicológicos.
Esse cenário pode ser extraído das narrativas de Xxxxxxxx Xxxx e Rosângela Lunardelli112 contidas no artigo que versa sobre o crédito consignado e o superendividamento dos idosos. Nas palavras dos autores:
O crédito consignado teve um sucesso enorme, estimulado também por uma campanha bastante agressiva de publicidade pelos bancos. Além da publicidade normal foram empregados clipes na televisão onde bem conhecidos atores, também já em idade avançada, aconselhavam este “crédito amigo” 113 aos aposentados. Nesta campanha foram usadas várias técnicas para vender o produto. Por um lado, tirou-se o limite entre a esfera privada e o interesse econômico, o “crédito amigo” lembra muito mais um amigo emprestando um dinheiro, do que um contrato econômico profissional. Também se trabalhou com medos específicos de pessoas idosas (solidão, saúde) e finalmente se usou da autoridade de pessoas famosas reconhecidas. A tendência de exagerar aspectos positivos e esconder problemas do crédito levou a alguns processos jurídicos.
111 XXXXXXX, Xxxxxx. O crédito consignado no Brasil: decifra-me ou te devoro. Revista de Direito do Consumidor. v. 87. Ano. 22, p. 130. São Paulo: Editora RT, maio-junho/2013
112 DOLL, Johannes.; XXXXXXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxx. Crédito consignado e o superendividamento dos idosos. Revista de Direito do Consumidor. v. 107. Ano 25, p. 324. São Paulo: Editora RT, set-out./2016.
113 Nas palavras de Xxxxxxxx Xxxx e Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx: “Especificamente em relação à propaganda de crédito consignado pode-se citar o exemplo do Banco Panamericano que para divulgar o produto “Cred Pan” em 2005, tinha Xxxx Xxxxxxx, artista amplamente conhecida no contexto brasileiro, como referência de seu anúncio publicitário. A artista contratada pode ser vinculada aos signos de dinamismo, beleza, irreverência. Estas características por si só já aproximam o público alvo da proposta anunciada. Também, observa-se mais um componente que estaria a serviço da captura dos sujeitos: a idéia do crédito amigo.” DOLL, Xxxxxxxx; XXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxx. A inserção mercadológica de novos consumidores: os velhos entram em cena. IV ENEC - Encontro Nacional de Estudos do Consumo Novos Rumos da Sociedade de Consumo? 24, 25 e 26 de xxxxxxxx xx 0000 - Xxx xx Xxxxxxx/XX. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxxx/XXXX0000- Johannes_Doll_e_Caroline_Buaes.pdf>. Acesso em 18 set 2017.
Como bem pontuaram os autores, o crédito consignado teve grande sucesso dado à massiva publicidade. Todavia, não se pode negar que também trouxe problemas aos consumidores. Uma análise cronológica da legislação aplicável à espécie permite concluir que, desde o advento da Lei 10.820/2003, tem-se buscado regulamentar as práticas das instituições para impedir crimes contra os consumidores, especialmente os idosos.
Com efeito, a legislação mudou consideravelmente desde a instituição do crédito consignado em 2003114. Muitas alterações decorreram das práticas abusivas perpetradas pelas instituições financeiras, como, por exemplo, a efetivação da contratação por telefone, mesmo estando regulada a forma escrita. Algumas instituições financeiras não entregavam a cópia do contrato ao contratante ou, quando entregavam, o imprimiam com letras miúdas que dificultavam sobremaneira a leitura e interpretação, principalmente no que concerne aos juros e taxas aplicadas na contratação.
Todas essas práticas, somadas a tantas outras, além de abusivas, deram margem a muitas fraudes contra os consumidores, em especial os idosos que eram seduzidos a contratar por telefone. Em setembro de 2005, a contratação via telefone foi vedada e restou determinado o dever de informação por parte das instituições financeiras acerca dos valores das taxas e dos juros por mês e por ano, para garantir maior transparência à contratação embora já existissem determinações suficientes nesse sentido (artigos 46, 52 e 54, CDC).
Relativamente aos juros e taxas, em 2006, foi proibida a cobrança da taxa de contratação e estabelecido um teto para os juros.
Alterações relevantes ocorreram também quanto a dois aspectos, quais sejam: o prazo máximo para pagamento das parcelas do empréstimo e a utilização de cartões de crédito.
Com relação ao prazo para pagamento, as modificações ocorreram entre os anos de 2004 e 2014. Incialmente, o prazo era de 36 meses (2004); depois passou a ficar a critério livre da instituição financeira (2005); novamente houve a retomada do prazo de 36 meses (2005); após um longo período, passou a ser de 60 meses (2008); e, por fim, ampliado para 72 meses (2014).
114 A explanação da alteração cronológica das normas e regulamentos que regem o crédito consignado foi possível mediante análise do recente estudo elaborado por Xxxxxxxx Xxxx e Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxx em: DOLL, Xxxxxxxx; XXXXXXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxx. Crédito consignado e o superendividamento dos idosos. Revista de Direito do Consumidor. v. 107. Ano 25, p. 322-328. São Paulo: Editora XX, xxx-xxx/0000.
No tocante ao cartão de crédito, inicialmente, no ano de 2005, era possível utilizar o crédito consignado para financiar um cartão de crédito especial. O consumidor poderia comprometer até 10% da renda com o cartão. Naquele ano, essa possibilidade foi retirada por entenderem que facilitaria o superendividamento dos consumidores. Tempo depois, esse entendimento caiu por terra e, em 2008, o uso do cartão de crédito foi autorizado com regras específicas, estabelecendo teto de 3,06% ao mês para cobrança dos juros. E, desde 2015, o teto é de 3,36%.
Outro elemento da modalidade de empréstimo consignado que sofreu alteração foi o percentual máximo de desconto da remuneração, provento ou pensão do consumidor para fim de pagamento da parcela contratada. A alteração fez com que o percentual mudasse de 30% para 35%. Referida modificação legislativa ocorreu em 2015 determinando que parte do desconto (5%) seja destinado exclusivamente para amortização de despesas ou saques realizados por meio de cartão de credito.
Feitas as considerações iniciais relevantes ao presente estudo acerca do crédito consignado, importa tratar das principais características inerentes ao instrumento contratual que efetiva a obtenção do empréstimo pelo consumidor. E nessa seara a vertente também será direcionada aos idosos.
4.2.Principais características do contrato de empréstimo consignado
O contrato de empréstimo com o pagamento consignado é um contrato de consumo que se tornou massificado em 2003, com a entrada em vigor da Lei 10.820/2003.
Trata-se, portanto, de contrato de adesão, regido pelo CDC, cujas características elementares, regras e princípios aplicáveis foram tratados em tópico específico em capítulo antecedente. É aplicável também, naquilo que couber, a Legislação específica concernente à autorização para desconto na folha de pagamento.
Somado ao que fora abordado, passa-se à análise das principais peculiaridades contratuais.
4.2.1. Sujeitos ativo e passivo
Tendo em conta o enfoque da relação de consumo, os elementos objetivos na contratação do crédito consignado são, de um lado, o consumidor (mutuário), personificado no trabalhador, aposentado ou pensionista e, em função deste estudo, idoso. E, de outro lado,
como fornecedor (consignatário), a instituição financeira devidamente cadastrada junto ao INSS.
Assinala-se no tocante ao consumidor que sua condição pessoal – aposentado ou pensionista – é elemento essencial do contrato. Por oportuno, entende-se que a equiparação do consumidor estabelecida no art. 29 do CDC é a que mais se adequa à discussão da concessão de crédito, dado que aplicável às práticas comerciais e à proteção contratual previstas no CDC.
4.2.2. Forma, condições de contração e pagamento e prazo
Anota a Instrução Normativa n. 28 do INSS, no artigo 3º, III, que a autorização para desconto “seja dada de forma expressa, por escrito ou por meio eletrônico e em caráter irrevogável e irretratável, não sendo aceita autorização dada por telefone e nem a gravação de voz reconhecida como meio de prova de ocorrência”. Donde se conclui que, quanto à forma, o contrato deve, necessariamente, ser escrito ou por meio eletrônico.
No que se refere às condições de pagamento, duas são as peculiaridades. Primeiramente é estabelecido que a forma se dará por meio de desconto de remunerações, proventos e pensões. E, depois, estabelece a lei um percentual máximo de 35% de desconto, sendo certo que 30% se destina ao pagamento da parcela do empréstimo e 5% deve ser destinado exclusivamente para amortização de despesas contraídas ou valores sacados por meio de cartão de credito. A obrigatoriedade da consignação em folha de pagamento do consumidor contratante é característica que distingue o contrato de empréstimo consignado do contrato de mútuo.115
Há outra peculiaridade nesse tipo de contrato. Pode haver cláusula que contemple a alteração de condições de pagamento, de prazos e de encargos em caso de rescisão do contrato de trabalho do consumidor.
E ainda, é permitido ao aposentando ou pensionista contratar empréstimo em instituição financeira diversa daquela na qual recebe seu benefício previdenciário (aposentadoria ou pensão). Para tanto, deve existir convênio entre a instituição financeira e o INSS, que tem a incumbência de informar a eles a lista de instituições conveniadas.
115 Xxxxxxx Xxxxxxxx fazendo referência a Xxxxxx Xxxxxxxxx conceitua como “o contrato pelo qual alguém transfere a propriedade de coisa fungível a outrem, que se obriga a lhe pagar coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade”. XXXXXXXX, Xxxxxxx. Contratos. 15ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro, 2015, p. 587.
No que concerne à periodicidade das prestações, prevê a lei o prazo máximo de 72
meses.
4.3.Noções elementares sobre o Superendividamento
O problema mais comum decorrente desse tipo de contratação de empréstimo é o mau uso dos recursos, considerando-se a possibilidade de elevado endividamento dos consumidores, principalmente os de baixa renda.
Ensina Xxxxxxx Xxxx Marques116 que “o superendividamento pode ser definido como a impossibilidade global de o devedor pessoa física, consumidor, leigo e de boa-fé, pagar todas as suas dívidas atuais e futuras de consumo (excluídas as dívidas com o Fisco, oriundas de delitos e de alimentos)”.
Importa assinalar que está em tramitação legislativa o projeto de lei para alteração do CDC. Trata-se do Projeto de Lei de n. 283/2012117 que, dentre outros assuntos, introduz normas de prevenção ao superendividamento e cria a figura do “assédio de consumo”, coibindo sua prática.
No que toca ao superendividamento, foi proposta redação caracterizando o fenômeno pelo que “entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor,
116 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Sugestões para uma Lei sobre o tratamento do superendividamento de pessoas físicas em contratos de crédito ao consumo: proposições com base em pesquisa empírica de 100 casos no Rio Grande do Sul. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: Revista dos tribunais, n 55, p. 11-52, jul./set 2005.
117 Altera a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), para aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e dispor sobre a prevenção do superendividamento.
Explicação da Ementa: Altera a Lei nº 8.078/1990 – Código de Defesa do Consumidor – para aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e dispor sobre a instituição de mecanismos de prevenção e tratamento extrajudicial e judicial do superendividamento e de proteção do consumidor pessoa física, visando garantir o mínimo existencial e a dignidade humana; estabelece como direito básico do consumidor a garantia de práticas de crédito responsável, de educação financeira, de prevenção e tratamento das situações de superendividamento, preservando o mínimo existencial, por meio da revisão e repactuação da dívida, entre outras medidas; dispõe sobre a prescrição das pretensões dos consumidores; estabelece regras para a prevenção do superendividamento; descreve condutas que são vedadas ao fornecedor de produtos e serviços que envolvem crédito, tais como: realizar ou proceder à cobrança ou ao débito em conta de qualquer quantia que houver sido contestada pelo consumidor em compras realizadas com cartão de crédito ou meio similar, enquanto não for adequadamente solucionada a controvérsia, impedir ou dificultar, em caso de utilização fraudulenta do cartão de crédito ou meio similar, que o consumidor peça e obtenha a anulação ou o imediato bloqueio do pagamento ou ainda a restituição dos valores indevidamente recebidos, condicionar o atendimento de pretensões do consumidor ou o início de tratativas à renúncia ou à desistência relativas a demandas judiciais; dispõe sobre a conciliação no superendividamento; define superendividamento; acrescenta o § 3º ao art. 96 da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) para estabelecer que não constitui crime a negativa de crédito motivada por superendividamento do idoso; dispõe que a validade dos negócios e demais atos jurídicos de crédito em curso, constituídos antes da entrada em vigor da lei, obedece ao disposto no regime anterior, mas os seus efeitos produzidos após a sua vigência aos preceitos dela se subordinam. Disponível em: <xxxxx://xxx00.xxxxxx.xxx.xx/xxx/xxxxxxxxx/xxxxxxxx/-
/materia/106773>. Acesso em 18 set 2017.
pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas sem comprometer o mínimo existencial”118.
Nessa perspectiva, o projeto propõe, ainda, a criação de um procedimento especial, como tentativa de negociação da dívida entre o devedor e o credor, sem prejuízo de reserva de recursos para o mínimo existencial do superendividado e de sua família.
Observa-se que o superendividamento é uma condição em que se encontra o consumidor pessoa física, diante da falta de recursos financeiros suficientes para saldar suas dívidas de consumo (não de outras naturezas), sem comprometer sua subsistência e de sua família.
A doutrina119 tem caracterizado o superendividamento de duas maneiras: superendividamento ativo, aquele causado pela prática de um ato pelo consumidor, podendo ser consciente ou inconsciente; e o superendividamento passivo, que advém de circunstâncias alheias à sua vontade, como no caso de desemprego repentino, enfermidade resultando em gastos excessivamente elevados, invalidez temporária ou permanente.
Tem-se entendido, ademais, que a causa do superendividamento está atrelada necessariamente aos perigos do crédito para consumo e ao comportamento do consumidor. Nas palavras de Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx, Xxxxxxxx Xxxxx Xxxx e Káren Bertoncello120:
Os perigos do crédito podem ser atuais ou futuros. Atuais, pois o crédito fornece ao consumidor, pessoa física, a impressão que pode – mesmo com seu orçamento reduzido- tudo adquirir e embebido das várias tentações da sociedade de consumo, multiplica suas compras até que não lhe seja mais possível pagar em dia o conjunto de suas dívidas em um tempo razoável. No direito comparado, afirma-se que quem já comprometeu mais de 50% de sua possibilidade atual e futura de pagamento (há que se retirar os gastos mensais normais do que se chama de mínimo existencial: casa, comida, luz, água, transporte) está se superendividando. Começa aí uma roda viva de utilização “perigosa” do crédito, por exemplo, dos prazos dos cartões de crédito (com pagamento mínimos), dos limites dos cheques especiais, de créditos consignados para quitar outros créditos, de pedir emprestado dinheiro na família e assim por diante, tudo para poder “limpar” o nome na praça. Um dos perigos futuros
118 Art. 54-A. Este Capítulo tem a finalidade de prevenir o superendividamento da pessoa natural e de dispor sobre o crédito responsável e sobre a educação financeira do consumidor. § 1º Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor, pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação. (PL n. 283/2012).
119 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Sugestões para uma Lei sobre o tratamento do superendividamento de pessoas físicas em contratos de crédito ao consumo: proposições com base em pesquisa empírica de 100 casos no Rio Grande do Sul. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: Revista dos tribunais, n 55, p. 11-52, jul./set 2005.
120 BRASIL. Ministério da Justiça. Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor. Prevenção e tratamento do superendividamento / elaboração de Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx, Xxxxxxxx Xxxxx Xxxx e Káren Xxxxxxxxxxx.-- Brasília: DPDC/SDE, 2010, p 20.
do crédito é que mesmo se a pessoa puder fazer frente a suas dívidas parceladas naquele mês em que está empregada e de boa saúde (fazendo bicos ou trabalhando horas extras) no outro em que tiver problemas no trabalho ou na família (doença de alguém da família ou dele, mortes, acidentes etc.)...a casa cai. O consumidor é sempre muito otimista, e assim contrai mais dívidas do que deveria...animado pelo bom momento, mas quando sofre um destes “acidentes da vida” (os mais comuns são divórcio, separação, doença, mas há mesmo os bons “acidentes”: gravidez, nascimento de neto, volta para a casa do filho maior etc.) seu planejamento orçamentário desequilibra-se e pode cair do endividamento normal em um superendividamento.
Em verdade, o superendividamento tem sido visto pela doutrina e jurisprudência como um problema jurídico-social, sendo imperiosa a intervenção do Estado para controlar o fenômeno.
4.3.1. Superendividamento do consumidor idoso
Como visto, os idosos representam um grupo extremamente vulnerável na relação de consumo. São, pois, hipervulneráveis e isso se dá também quanto aos aspectos da “bancarização da vida privada”121, das peculiaridades do mercado de consumo de crédito e das obscuridades contratuais, notadamente as que envolvem contratação de empréstimos.
É certo que os fatores que levam ao superendividamento do consumidor idoso estão associados ao seu comportamento que, agravado pelo processo natural do envelhecimento, geralmente é nocivo. A dificuldade de compreensão das implicações da contratação e a perda da capacidade cognitiva do idoso, muitas vezes, resulta no descontrole de consumo.
Mas não é só. O superendividamento associa-se também às ações dos fornecedores de crédito.
No tocante ao comportamento do idoso, é importante entender o porquê dele adquirir cada vez mais crédito e acabar se superendividando.
É evidente a necessidade de aquisição de bens e serviços a todo o momento. Consumir é inerente ao homem na atual sociedade de consumo. E para o idoso não é diferente, de fato ele tem suas necessidades básicas, tanto no que diz respeito aos produtos, quanto aos serviços, mas, vai além disso.
121 Expressão utilizada por Káren Xxxxxxxxxxx ao expor que o “trabalhador idoso ou aposentado é quase compelido a utilizar o canal bancário para a percepção da renda e/ou do benefício previdenciário”.
XXXXXXXXXXX, Xxxxx. Crédito consignado ao idoso e “Diálogo das fontes”: consequência da coordenação das normas do Direito Brasileiro. Revista de Direito do Consumidor. v. 88 Ano 22. Julho-agosto/2013. Editora RT, p. 85.
Pelo estudo doutrinário122, infere-se que as principais razões para aquisição de crédito pelo idoso são: contratação de crédito para outros membros da família; reforma da casa; refinanciamento de outras dívidas; questões de saúde; aquisição de eletrodomésticos; e mesmo para cobrir necessidades básicas (aluguel, alimentação, saúde, vestuário, transporte) de seus familiares, vez que muitos assumem posições de arrimo nas famílias;
Justificável que, para fazer frente a tantas despesas e diante da renda diminuta - por vezes um salário mínimo - o idoso veja no crédito consignado a solução momentânea de seus problemas. E será mesmo momentânea, pois, em geral, as despesas continuarão a cargo do idoso, que terá por um longo período uma redução de sua renda em virtude da contratação do empréstimo.
Cabe aqui observar quanto à renda do idoso outro fator catalisador do superendividamento: a alteração legislativa advinda com a edição da Lei n. 13.172/2015123.
A lei previu o aumento da margem de desconto (margem consignável) para 35% vinculando parte desse percentual (5%) para saques com o cartão de crédito e/ou amortização das despesas contraídas por meio do cartão.
Não é difícil concluir que a junção das duas linhas de crédito não condiz com a exegese do sistema nacional de proteção ao consumo e, certamente, colabora em muito com o superendividamento. Vale dizer: se a contratação for pelo máximo consignável possível (35%), a renda do idoso terá redução ainda maior do que antes, o que compromete consideravelmente sua capacidade aquisitiva.
Além do mais, o crédito consignado está estritamente relacionado à concessão de numerário com juros abaixo do percentual praticado no mercado, o que não ocorre com o cartão de crédito, cujas taxas e juros são conhecidamente altíssimas.
Pela sistemática da atual legislação, se o idoso autorizar que 5% de sua margem consignável seja destinado ao pagamento do cartão de crédito, deverá ter em mente que, caso este valor seja insuficiente para arcar com o montante de suas despesas, será repassado à administradora de cartão apenas um valor mínimo ou próximo a isto, tendo ele de arcar com o valor remanescente no mês seguinte, acrescidos dos encargos e juros, que são vultosos.
122 DOLL, Xxxxxxxx; XXXXXXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxx. Crédito consignado e o superendividamento dos idosos. Revista de Direito do Consumidor. v. 107. Ano 25, p. 329-334. São Paulo: Editora XX, xxx-xxx/0000.
123 Disponível em: < xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/_Xxx0000-0000/0000/Xxx/X00000.xxx>. Acesso em 19 set 2017.
A ideia impressa na lei é a de que o valor da fatura do cartão seja pago na integralidade. Todavia, como a maioria dos idosos tem renda baixa e arcam com outras despesas, certamente não conseguem meios de efetuar o pagamento total das despesas com cartão. E, deixando de efetuar o pagamento da fatura na integralidade, o montante remanescente será ainda maior para o mês seguinte. Vale dizer, viverá ele em um círculo vicioso, sofrendo de “endividamento crônico”124
De outro lado, como fomentadoras do superendividamento, tem-se as ações dos fornecedores de crédito que “vendem” a ideia de que contratar é simples, rápido e prático. E, são exemplos disso, as campanhas publicitárias patrocinadas pelas instituições financeiras direcionadas aos idosos, as armadilhas contratuais e as práticas costumeiras que abusam da boa-fé, aproveitando-se da hipervulnerabilidade do idoso.
A esse respeito explana Luiz Fernando Afonso125:
Na oferta dessa espécie de produto, em regra, as informações não são suficientemente claras, seja no conteúdo, seja até mesmo no tamanho da letra do texto; muitas informações são omitidas ou são transmitidas com uma velocidade tal, que impossibilita a sua exata compreensão. E expressões como “acesse o site” e “faça já o seu empréstimo” estimulam o consumidor idoso a contratar sem analisar as cláusulas do contrato previamente e sem ter o cuidado necessário. Outras expressões como “sem necessidade de garantias”, “aprovação em 24 horas” ou “ainda que seu nome esteja negativado” estimulam o consumo rápido e demonstram a completa ausência de preocupação do fornecedor acerca da capacidade de cumprimento do contrato, pelo consumidor.
A contratação de empréstimo consignado é, de fato, pouco burocrática, se consideradas outras formas de contratação. Não são feitas grandes investigações sobre a capacidade financeira do idoso, vez que o contrato tem garantia de pagamento mediante o desconto do montante mensal devido, diretamente da fonte pagadora ou instituição financeira gestora da conta corrente do contratante. Portanto, basta preencher os requisitos da lei para aquisição do crédito e o dinheiro estará na conta ou nas mãos do idoso.
E essa facilidade, somada à falta de planejamento financeiro do idoso, que é problemática. O resultado é que, muitas vezes, por necessidade, desamparo, fragilidade decorrente do processo de envelhecimento e falta de informação clara e adequada ou, ainda,
124 XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx Xxxx. In prefácio MARQUES, Xxxxxxx Xxxx; XXXXXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxx. (Coord). Direitos do Consumidor Endividado: superendividamento e crédito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 13
125 XXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Publicidade Abusiva e Proteção do Consumidor Idoso. São Paulo: Atlas, 2013, p. 219.
porque pressionados por familiares, os idosos acabam por contrair empréstimos colocando em risco sua saúde financeira, física e mental.
A consequência direta do superendividamento é a redução do poder aquisitivo e, consequentemente, diminuição no padrão de consumo. Os idosos ficam restritos, no máximo, ao mínimo. E, por serem alvos fáceis, pois, hipervulneráveis são muitas vezes conduzidos à contratação de crédito sem a devida orientação, em prejuízo, inclusive, de sua dignidade.
4.4. O idoso hipervulnerável na contratação de empréstimo consignado
É evidente que é neste tipo de relação contratual que se verificam os vários tipos de vulnerabilidades frente às muitas fraudes e práticas abusivas cometidas pelas instituições financeiras e terceiros contra os idosos.
Importa assinalar que a situação de vulnerabilidade do consumidor idoso é agravada em função da facilidade decorrente da contratação e em virtude da pouca intervenção do Estado na regulação desse tipo de negócio.
Pela Lei 10.820/2003 e Instrução Normativa INSS/PRES n. 28/2008, o INSS é o órgão a quem incumbe dispor sobre as formalidades e procedimentos para habilitação das instituições financeiras e providências a serem adotadas antes da operacionalização do contrato de empréstimo consignado, mas sua fiscalização não contempla uma análise prévia e eficaz dos procedimentos adotados junto às instituições financeiras conveniadas.
Mesmo tendo em conta que, para o consumidor idoso, a presença do INSS imprime veracidade à negociação, o órgão não tem responsabilidade legal em relação às operações realizadas. Seu dever legal restringe-se126: (i) a efetuar a retenção do numerário destinado ao pagamento da parcela do empréstimo; (ii) a manter o pagamento do benefício previdenciário
126 Art. 6o Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social poderão autorizar o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a proceder aos descontos referidos no art. 1o e autorizar, de forma irrevogável e irretratável, que a instituição financeira na qual recebam seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando previstos em contrato, nas condições estabelecidas em regulamento, observadas as normas editadas pelo INSS.
§ 2o Em qualquer circunstância, a responsabilidade do INSS em relação às operações referidas no caput deste artigo restringe-se à: I - retenção dos valores autorizados pelo beneficiário e repasse à instituição consignatária nas operações de desconto, não cabendo à autarquia responsabilidade solidária pelos débitos contratados pelo segurado; e II - manutenção dos pagamentos do titular do benefício na mesma instituição financeira enquanto houver saldo devedor nas operações em que for autorizada a retenção, não cabendo à autarquia responsabilidade solidária pelos débitos contratados pelo segurado.
na mesma instituição financeira na qual foi realizada a operação de crédito enquanto haja saldo devedor a ser adimplido pelo idoso.
Embora haja isenção legal de responsabilidades, o envolvimento do INSS nos procedimentos de consignação transmite aos idosos a confiança para contratar, por acreditarem que a autarquia federal não irá permitir qualquer emboscada. É dizer, significa aos idosos que a simples presença do ente público resulta na confiança quanto à lisura dos participantes da relação jurídica e dos procedimentos contratuais.
Entretanto, na realidade não é isso que ocorre.
Sobre a atuação do INSS nos contratos de empréstimo consignado, expõe Lucíola Fabrete Lopes Nerilo127:
[...] na prática, não existe segurança jurídica nenhuma, pois o INSS não efetua atividade de controle de legitimidade dos empréstimos consignados. Para realizarem os empréstimos consignados, em muitos casos, tanto bancos quanto financeiras, servem-se de correspondentes, ou seja, pessoas espalhadas pelo Brasil afora, que se propõem a “vender” este serviço no município em que atuam. Não são funcionários, são profissionais ou empresas cuja atividade é angariar clientes para fazer empréstimos consignados. Recebem uma série de poderes – inclusive para operar o sistema [...] – mas, em alguns casos, sem o menor comprometimento com a lisura e a ética que se lhe exige uma atividade tão delicada como tratar com consumidores idosos.
A maneira como ocorre a operacionalização do empréstimo consignado na prática vai de encontro ao princípio da confiança que pressupõe comportamento correspondente ao esperado, lealdade e transparência. Ensina Xxxxxxx Xxxx Marques128 que a teoria da confiança em âmbito contratual:
[...] pretende proteger prioritariamente as expectativas legítimas que nasceram no outro contratante, que confiou na postura, nas obrigações assumidas e no vínculo criado através da declaração do parceiro. Protegem-se, assim, a boa-fé e a confiança que o parceiro depositou na declaração do outro.
A disparidade da real atuação do INSS nos empréstimos consignados somada à falta de efetiva ingerência para checar a regularidade dos procedimentos, macula a confiança depositada ao contrato. Além disso, propicia o cenário ideal para a ocorrência de fraudes
127 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx. As fraudes e abusividades contra o consumidor idoso nos empréstimos consignados e as medidas de proteção que devem ser adotadas para coibi-las. Revista de Direito do Consumidor. Ano 26. n. 109. Jan-fev/2017, p. 407
128 MARQUES. Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. O novo regime das relações contratuais. 6ª ed. rev. atual. e ampl. Editora RT. São Paulo. 2011, p. 281
como, por exemplo, contratação mediante assinatura falsa, assinatura rogo129, que podem ser praticadas no próprio ambiente bancário ou por terceiros, vale dizer, por intermédio de correspondentes autorizados pelas instituições financeiras para comercializar o empréstimo consignado aos idosos.
Feitos tais apontamentos, passa-se ao estudo de dois casos que são comuns à apreciação pelo Poder Judiciário, ante a hipervulnerabilidade do consumidor idoso nos contratos de empréstimo consignado.
Registre-se que o estudo de casos se mostra ferramenta didática importante para demonstrar determinados abusos contratuais nos quais o idoso, em situação de hipervulnerabilidade, pode ser vitimado no mercado de consumo.
a) Abusividade decorrente da contratação de cartão de crédito consignado: traz-se como exemplo ementa de julgamento obtida mediante pesquisa no repositório jurisprudencial130 do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) que contem situação fática elucidativa da prática de contratação de cartão de crédito, com feição de empréstimo consignado. Tal contratação tem se mostrado comum no mercado de consumo, revelando-se como prática abusiva para com o consumidor idoso.
Nessa seara da concessão de crédito, as instituições financeiras burlam o teto de descontos mensais determinado pela lei (35%) impondo ao consumidor idoso a realização de saque de numerário mediante cartão de crédito com a exigência da totalidade do valor emprestado, de única vez, na fatura do mês seguinte. No entanto, para o idoso, sujeito hipervulnerável, toda essa transação orquestrada pela instituição financeira nada mais é do que o empréstimo consignado em si.
Como visto, há um conjunto de fatores que podem dificultar a compreensão pelo idoso das consequências advindas de tal contratação. Circunstâncias como dificuldade de cognição decorrente do processo de envelhecimento, ausência de informação clara e precisa por parte do fornecedor e mesmo as minúcias procedimentais contidas nas operações complexas que envolvem o contrato de cartão de crédito o impedem de realizar o consumo sadio.
129 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx. As fraudes e abusividades contra o consumidor idoso nos empréstimos consignados e as medidas de proteção que devem ser adotadas para coibi-las. Revista de Direito do Consumidor. Ano 26. n. 109. Jan-fev/ 2017, p. 413
130 Disponível em: <xxxxx://xxxx.xxxx.xxx.xx/xxxx/xxxxxxxxXxxxxxxx.xx>
Na prática, em verdade, este tipo de contratação contribui para a inadimplência do consumidor, dado que o percentual mínimo (reserva de margem consignada) destinado à solvência das despesas ou saques realizados com cartão de crédito é muitas vezes ínfimo para arcar com a totalidade do débito em única vez. Além de que impõe ao idoso a perpetuação de dívida sem valor e prazos certos, muito diferente dos ditames do empréstimo em consignação.
A conduta das instituições financeiras em conferir crédito desproporcional à capacidade de pagamento do consumidor com a imposição do saque o sujeita à situação de superendividamento.
Eis o que restou decidido no caso em exame:
1000347-24.2017.8.26.0615 Apelação / Cartão de Crédito |
Relator(a): Xxxx Xxxxxxx |
Comarca: Tanabi |
Órgão julgador: 14ª Câmara de Direito Privado |
Data do julgamento: 19/09/2017 |
Data de publicação: 19/09/2017 |
Data de registro: 19/09/2017 |
Ementa: *CONTRATO. CARTÃO DE CRÉDITO COM RMC (RESERVA DE MARGEM CONSIGNADA). APOSENTADORIA. CLIENTE COM MARGEM DE EMPRÉSTIMOS CONSIGADOS ESGOTADA. LIBERAÇÃO DE CRÉDITO DESPROPORCIONAL À CAPACIDADE DE PAGAMENTO DO APOSENTADO, COM IMPOSIÇÃO DO SAQUE MEDIANTE CARTÃO DE CRÉDITO E COM EXIGÊNCIA DA TOTALIDADE DO VALOR EMPRESTADO, DE UMA ÚNICA VEZ, NA FATURA SEGUINTE. BURLA DO TETO DE DESCONTOS MENSAIS PREVISTOS EM LEI. DÍVIDA QUE SE TORNOU IMPAGÁVEL. ABUSIVIDADE. 1. O autor, um aposentado que recebia do INSS um salário mínimo, já se encontrava com a margem de 30% comprometida por conta de empréstimos consignados celebrados com o próprio banco réu. 2. Por conta disso, foi aberta a linha de crédito, com celebração de contrato de cartão de crédito com RMC (reserva de margem consignada), cujo limite era desproporcional à capacidade de pagamento do cliente e cujos valores sacados eram exigidos de uma única vez, na fatura seguinte do cartão de crédito, imposto como forma de saque dos valores previamente creditados em conta a título de empréstimo pelo banco. 3. Assim, o cliente se via obrigado ao uso do cartão de crédito para sacar o dinheiro depositado pelo banco em sua conta, dando brecha para que o credor lançasse o alto valor sacado na fatura seguinte do cartão de crédito, tornando impagável a dívida (já que a RMC quitava apenas os encargos e "rolava" o principal para a próxima fatura, para servir de base para a cobrança de novos encargos, numa ciranda sem fim). 4. A forma de cobrança era nitidamente abusiva, seja por escravizar o consumidor a uma dívida que o acompanharia ao túmulo; seja por descumprir a previsão contratual de emissão de cédula de crédito para formalização de saques com o cartão de crédito; seja por veicular um "empréstimo" sem termo final e sem desconto de parcelas (prevista apenas a amortização dos encargos, mediante RMC). 5. A abusividade foi reconhecida em Ação Civil Pública movida pela Defensoria da União do Maranhão. 6. Cabe reconhecer a ilegalidade do contrato em análise nos autos, acolhendo-se os pedidos de bloqueio do cartão; de suspensão das cobranças, via fatura, dos valores sacados; e de proibição da "negativação" do nome do cliente. 7. Não vingam, entretanto, as pretensões de declaração de inexistência do débito, de liberação do RMC, de repetição do indébito e de reparação por danos morais. Xxxxxx, o autor sacou as mencionadas importâncias e realizou compras no mercado, cabendo arcar com o pagamento do crédito usufruído. 8. Deverá o banco, contudo, recalcular a |
forma de pagamento dos valores sacados, de maneira que tenham como limite as taxas de juros pactuadas, mas que o crédito seja parcelado em tantas parcelas fixas quanto bastem para a quitação da dívida, respeitado, como valor das parcelas, o percentual de 5% sobre o valor líquido da aposentadoria do autor (Lei 10.820/2003, com alterações dadas pela Lei 13.172/2015). 9. Recurso parcialmente provido.
Os elementos contidos no voto do relator para acórdão131 revelam que o julgador analisou a questão sobre o prisma da fragilidade do consumidor idoso no mercado de consumo, tomando como fundamento as imposições consumeristas acerca das práticas abusivas (art. 39) e nulidades de cláusulas contratuais nos contratos de consumo (art. 51). Levou-se em consideração, ainda, os fundamentos jurídicos contidos no julgamento da Ação Civil Pública132 movida pela Defensoria da União do Maranhão, na qual, dentre outros pleitos, obteve-se êxito provisório – visto a inexistência de trânsito em julgado –, na suspensão de todas as cobranças de débitos oriundos de saque/empréstimos/crédito contraídos por meio de cartão de crédito com reserva de margem consignável - RMC - e que foram comercializados pelas empresas contidas no polo passivo da ação. Os efeitos decorrentes da ação abrangem todos os servidores estaduais e municipais, aposentados e pensionistas daquela localidade, devendo os valores tomados pelos substituídos na ação serem readequados, conforme o contrato padrão de empréstimo consignado de cada um dos bancos, utilizando-se, ainda, da linha de crédito mais vantajosa em sua carteira de produtos disponíveis aos demais consumidores e respeitando a margem consignável de cada um.
Em síntese, o julgamento resultou na reforma parcial da sentença, pela qual a demanda proposta pelo idoso havia sido julgada improcedente. Por ocasião do julgamento do recurso de apelação interposto pelo idoso, deu-se provimento em parte aos pedidos formulados para:
(i) reconhecer a ilegalidade do contrato entabulado; (ii) realizar o bloqueio do cartão; (iii) suspender as cobranças, via fatura, dos valores sacados; e (iv) proibir a “negativação” do nome do idoso.
Sucumbiu o idoso no pedido nas pretensões de: (i) declaração de inexistência do débito; (ii) liberação da reserva de margem consignável; (iii) repetição do indébito; e (iv) de reparação por danos morais.
E o argumento para o não provimento de tais pedidos é elementar e coerente com os princípios que regem a relação de consumo, notadamente, o da boa-fé objetiva, qual seja: restou comprovado que houve o consumo do crédito (saque de numerário e compra no cartão
131 Registro: 2017.0000704704
132 Ação Civil Pública nº 0010064-91.2015.8.10.0001
de credito) pelo idoso, sendo, pois, necessário que efetue o pagamento do que usufruiu. Todavia, aparentemente com o fito de manter a comutatividade e o sinalagma contratual, além de observar a necessidade de adequar a capacidade econômica do idoso às regras de concessão de crédito, determinou-se à instituição financeira o recalculo dos valores sacados, de maneira que tenham como limite as taxas de juros pactuadas. Asseverando-se ainda seja o crédito da instituição financeira parcelado em tantas parcelas fixas quanto bastem para a quitação da dívida, respeitando como o valor de cada parcela o percentual de 5% (§ 1º do art. 1º da Lei 10.820/2003) a ser retido dos proventos de aposentadoria do idoso.
Nota-se que foi reconhecida a hipervulnerabilidade do consumidor idoso, observando, no caso concreto, as condições aceitáveis à manutenção da contratação, embora revistas as condições anteriormente pactuadas, bem como a igualdade da base negocial.
b) Falha na prestação de serviços bancários – contratação de empréstimos de forma automática: traz-se como exemplo ementa de julgamento obtida mediante pesquisa no repositório jurisprudencial133 do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) que contem situação fática relativamente ao reconhecimento de falha de prestação de serviços bancários, por ocasião da contratação de empréstimo consignado. O ponto de enfoque, no caso, é o reconhecimento expresso da hipervulnerabilidade do idoso:
1010355-59.2016.8.26.0562 Apelação / Bancários |
Relator(a): Xxx xx Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx |
Comarca: Xxxxxx |
Órgão julgador: 13ª Câmara de Direito Privado |
Data do julgamento: 19/04/2017 |
Data de publicação: 19/04/2017 |
Data de registro: 19/04/2017 |
Ementa: INEXISTÊNCIA DE DÉBITO – DANO MORAL – Pretensão de reforma do capítulo da r. sentença que julgou improcedentes pedidos de declaração de inexistência de débito e de restituição de indébito – Cabimento parcial - Hipótese em que ficou comprovado que parte dos empréstimos consignados lançados no benefício previdenciário do autor não foram por ele celebrados – Refinanciamentos sucessivos, realizados virtualmente, que implicaram prejuízo ao autor, e que não foram efetivamente disponibilizados em sua conta bancária – Declaração de inexistência dos refinanciamentos, com a decorrente imputação dos pagamentos no débito originário – Descabimento, contudo, do pedido de restituição, na forma do artigo 42 do CDC – Demais empréstimos que se mostram regulares, em razão da disponibilização e utilização de crédito pelo autor – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO NESTA PARTE. DANO MORAL – PRESTAÇÃO DE SERVIÇO – ESTATUTO DO IDOSO – DIREITO DO CONSUMIDOR - DANO MORAL – Pretensão de reforma do capítulo da r. sentença que julgou improcedente pedido de indenização por dano moral – Cabimento – Hipótese em que o banco réu não apresentou resposta completa ao pedido administrativo realizado pelo autor, limitando-se a justificar apenas parcela das operações impugnadas – Cliente idoso e hipervulnerável – |
133 Disponível em: <xxxxx://xxxx.xxxx.xxx.xx/xxxx/xxxxxxxxxXxxxxxxx.xx>
Precedentes do STJ – Falha na prestação dos serviços bancários que acarretou, sobretudo, a perpetuação de empréstimo – Dano moral configurado – Indenização fixada em R$ 6.000,00 (seis mil reais), valor que se mostra adequado para compensar o sofrimento experimentado pela vítima, além de compatível com o patamar adotado em outros casos análogos, já julgados por esta Colenda 13ª Câmara de Direito Privado – RECURSO PROVIDO NESTA PARTE.
Em breve resumo tem-se que: (i) alegou o idoso que demandou contra a instituição financeira, pois parte dos contratos impugnados no processo foram gerados automaticamente por ela como refinanciamento de saldo negativo na conta bancária; (ii) a sentença julgou improcedente os pedidos de declaração de inexistência de débito, repetição de indébito e dano moral formulados pelo consumidor idoso, por entender que a instituição financeira demandada apontou a existência de relação jurídica válida, comprovando que o idoso procedeu à contratação dos empréstimos junto ao seu site com a utilização de senha eletrônica e validação de número gerado por dispositivo de segurança; e (iii) foi interposto recurso de apelação pelo idoso, tendo o Tribunal reformado ,em parte, a sentença por reconhecer, dentre outros aspectos, a ineficiência da prestação dos serviços bancários, dados os refinanciamentos sucessivos, realizados virtualmente, que implicaram danos ao consumidor idoso e que não foram efetivamente disponibilizados em sua conta bancária.
Relativamente aos danos morais, estes foram conferidos ao idoso em virtude do reconhecimento de sua hipervulnerabilidade. Entendeu-se, com lastro na doutrina e jurisprudência que validam a existência de vulnerabilidade agravada, que o idoso diligenciou para solucionar a questão, inclusive, perante o PROCON134, mas foi negligenciado pela instituição financeira em total afronta ao princípio da boa-fé objetiva.
Corrobora à síntese exposta o trecho extraído do acórdão135 estudado:
No que diz respeito ao pedido de indenização por dano moral, razão também assiste ao autor.
De início, vale lembrar que os consumidores são considerados vulneráveis pelo ordenamento jurídico (CDC, art. 4º, I); e, em se tratando de consumidores idosos, reconhece-se, ainda, uma hipervulnerabilidade, como entende o Eg. Superior Tribunal de Justiça, pois esses grupos têm exacerbada vulnerabilidade no âmbito das relações de mercado. É o que se depreende da leitura do seguinte trecho do voto condutor proferido no REsp 1329556/SP, Rel. Min. Xxxxxxx Xxxxxx Xxxx Xxxxx, 3ª Turma, j. 25/11/2014, DJe 09/12/2014, que versou sobre a vulnerabilidade informacional:
(...)
A ideia de vulnerabilidade está justamente associada à debilidade de um dos agentes da relação de mercado, no caso, o consumidor, cuja dignidade merece ser
134 Trata-se de Órgão de Proteção e Defesa do Consumidor. Presta-se, dentre outros, a auxiliar na solução de conflitos entre consumidor e fornecedor, a fim de evitar submeter a questão em debate à análise do Poder Judiciário.
135 Registro: 2017.0000258931
preservada. Com efeito, há de ser valorada a frustração da expectativa de obtenção dos resultados propalados, como a última chance de sobrevida de um filho. O desequilíbrio da relação negocial decorre da capacidade de persuasão do fornecedor, único e verdadeiro detentor da informação acerca do produto e da sua eficácia, havendo, indubitavelmente, um desencontro de forças. A vulnerabilidade informacional agravada ou potencializada é denominada hipervulnerabilidade (art. 39, IV, do CDC).
Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx e Xxxxx Xxxxxxx explicitam que "(...) a hipervulnerabilidade seria a situação social fática e objetiva de agravamento da vulnerabilidade da pessoa física consumidora, por circunstâncias pessoais
aparentes ou conhecidas do fornecedor, como (...) sua situação de doente. (...) Em outras palavras, enquanto a vulnerabilidade 'geral' do art. 4º, I se presume e é inerente a todos os consumidores (em especial tendo em vista a sua posição nos contratos, tema desta obra), a hipervulnerabilidade seria inerente e 'especial' à situação pessoal de um consumidor, seja permanente (prodigalidade, incapacidade, deficiência física ou mental) ou temporária (doença, gravidez, analfabetismo, idade)".
O STJ já se pronunciou sobre a hipervulnerabilidade de coletividade indígena desprovida de assistência médico-odontológica (REsp 1064009/SC), de deficientes físicos, sensoriais ou mentais (REsp 931513/RS) e de portadores de doença celíaca, sensíveis ao glúten (REsp 586316/MG) (...) (fls. 07-08, destacamos)
Firmadas tais premissas, no caso em exame, o dano moral ficou configurado, pois o autor, pessoa idosa, não obstante tenha diligenciado oportunamente pela adoção de providências para impedir a ocorrência de prejuízos e a revisão dos empréstimos, tendo, inclusive, acionado o PROCON (fls. 22) teve seu requerimento negligenciado pelo banco réu, em frontal violação à boa-fé objetiva, e, em razão dessa omissão, suportou os transtornos narrados na petição inicial, os quais não lhe seriam razoavelmente imponíveis; sobretudo a perpetuação da dívida de R$ 19.490,00, decorrente do indevido refinanciamento do débito, a evidenciar a má prestação dos serviços do banco réu.
Verifica-se que há o reconhecimento da hipervulnerabilidade, mediante a aferição do caso concreto. A má prestação dos serviços pela instituição financeira demandada configurou a existência de dano moral, assegurando ao consumidor idoso hipervulnerável o direito à indenização.
O idoso é consumidor especial, com acúmulo de vulnerabilidades e que demanda tutela distinta e imperativa do Estado na regulamentação das relações contratuais creditícias.
Não se pode esquecer que a ampliação da concessão de crédito mediante desconto na fonte de renda do idoso se deu necessariamente por interesses econômicos. O idoso é alvo dessa modalidade de empréstimo porque é, em geral, “presa” fácil de captura pelas instituições financeiras, pois tem renda fixa e garantida para pagar empréstimos e despesas.
Justamente por conta desse interesse econômico do mercado para com o idoso é que há necessidade de maior atenção estatal a seu respeito.
O exame da tutela da hipervulnerabilidade permite concluir que, sob muitos ângulos, o consumidor encontra-se em absoluta desvantagem perante as instituições financeiras. As artimanhas dos agentes financeiros (instituições financeiras e terceiros por elas autorizados) têm representado trabalhosa atuação do Estado-Juiz para corrigir os abusos praticados contra os consumidores idosos na contratação de empréstimo consignado.
Deve-se levar em consideração que, se por um lado o crédito consignado possibilita ao idoso um meio regulamentado de acesso ao consumo, com contratação em condições especiais de juros e pagamento em longo prazo, de outro lado, há armadilhas que podem causar – e geralmente causam – danos à dignidade e também à saúde física e psicológica do idoso.
Note-se que a concessão de crédito, embora regulada por lei e normas específicas, não está sendo adequadamente fiscalizada pelo Estado. O crédito é concedido ao idoso sem que haja eficiente verificação de sua real capacidade de pagamento, tanto pela autarquia federal (INSS) quanto pelos agentes de crédito.
Mesmo tendo o legislador previsto patamar máximo de margem consignável da renda do idoso, isso para possibilitar que lhe sobrem recursos à subsistência, na prática, há burla dos mecanismos legais. Viu-se que é comum a concessão indevida do crédito aos idosos, mediante empréstimo ou utilização de cartão de crédito, acima do que, de fato, podem arcar. E essa situação, além de irresponsável, é contrária às normativas que regulam as relações de consumo e à proteção dos idosos em geral. Tal prática é bastante nociva, resultando em consequência perigosa: o superendividamento.
A questão do superendividamento, certamente, ainda sugerirá diversos debates e enfrentamentos, dada sua importância social e jurídica. Por ora, as medidas preventivas e solucionadoras são tema pujante na pauta do processo legislativo brasileiro, encontrando-se o Projeto de Lei n. 283/2012 em processamento.
Percebeu-se que as práticas abusivas e as violações dos direitos dos idosos resultantes das cláusulas impostas pelas instituições financeiras são também pontos de muita atenção e necessária intervenção estatal.
A abusividade é tamanha que, uma vez detectada a situação permissiva da Lei 10.820/2003, apresentam-se para aqueles personagens, em especial, os idosos, ampla publicidade abusiva, configurando o violento assédio de consumo contra o consumidor idoso. Ressalte-se que tal prática é coibida pelo texto do Projeto de Lei em tramitação.
Por enquanto, para estabelecer a base negocial em patamar de igualdade, preservando a devida – e justa – comutatividade contratual, a solução tem sido, em certa medida, a judicialização das arbitrariedades impostas aos idosos.
E, sob esse prisma, notou-se que, com fundamento na integração das normas jurídicas, vale dizer, da Constituição Federal, dos microssistemas consumerista e de proteção ao idoso e das demais legislações aplicáveis à espécie, acertadamente os Tribunais vêm reconhecendo a hipervulnerabilidade do consumidor idoso nos contratos de empréstimo consignado. E, mediante a análise do caso concreto, busca-se garantir o sinalagma e a preservação do caráter social atribuído ao Direito do Consumidor às relações contratuais.
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