A ALTERAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO E O JUS VARIANDI DO EMPREGADOR
A ALTERAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO E O JUS VARIANDI DO EMPREGADOR
COGEAE PUC
São Paulo 2013
A ALTERAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO E O JUS VARIANDI DO EMPREGADOR
Trabalho de Conclusão de Curso de Especialização em Direito do Trabalho, apresentado junto à COGEAE – Coordenadoria Geral de Especialização, Aperfeiçoamento e Extensão da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Direito do Trabalho.
Orientadora: Profª Drª Xxxxxxx Xxxxxxx
COGEAE PUC
São Paulo 2013
Trabalho de Conclusão de Curso de Especialização em Direito do Trabalho, apresentado junto à COGEAE – Coordenadoria Geral de Especialização, Aperfeiçoamento e Extensão da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Direito do Trabalho.
Orientadora: Profª Drª Xxxxxxx Xxxxxxx
Banca Examinadora:
Dedico este trabalho à pessoa que faz toda a diferença em minha vida: meu querido e eternamente amado marido XXXXXXX.
Exemplo de amor, ternura, companheirismo, perseverança, simplicidade, inteligência, dentre tantos outros atributos que lhe torna único e especial para mim.
Obrigada pelo apoio incondicional durante todo o curso e também nesta etapa final.
Agradeço:
Primeiramente, a Deus, que durante todo o caminho e, sobretudo, nesta fase final, me deu força e sustento para elaboração deste trabalho. Obrigada, Paizinho.
À orientadora Professora Doutora Xxxxxxx Xxxxxxx, que, desde o início, me deu todo o suporte necessário à confecção deste trabalho, demonstrando compreensão e sensibilidade para com os infortúnios da vida.
Aos Professores Doutores Xxxxxx Xxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxxxxxxx, os quais, de forma sempre pontual e pertinente, colaboraram muito para meu crescimento profissional em nossas tardes de sábado.
Resumo
O objeto do presente estudo versa sobre questão recorrente no Direito do Trabalho, qual seja, a alteração do contrato de trabalho e o jus variandi do empregador. A relevância do assunto se justifica, na medida em que o contrato de trabalho, diferentemente daquele de execução instantânea, é de trato sucessivo, isto é, prolonga-se no tempo, sendo essencialmente dinâmico, eis que atrelado às vicissitudes da vida.
É que quando do início do pacto laboral, figura-se impossível às partes prever todas as circunstâncias que as cercam, pois várias delas irão surgir, apenas e paulatinamente, ao longo do contrato.
Assim, embora o contrato de trabalho esteja sujeito ao princípio da obrigatoriedade das convenções ou pacta sunt servanda, por meio do qual as cláusulas de comum acordo pactuadas e aceitas pelas partes devem ser observadas, referido contrato dificilmente permanece imutável.
O princípio em comento recai sobre as cláusulas básicas do contrato, as quais, em regra, não podem ser modificadas, salvo mútuo consentimento entre as partes e desde que não acarretem prejuízos ao empregado. Dentre as cláusulas básicas, enfatizamos a alteração daquelas atinentes à função e ao local de trabalho.
A fim de viabilizar a continuidade do contrato, faz-se necessária a utilização do poder diretivo pelo empregador, do qual decorre o jus variandi, permitindo-lhe introduzir pequenas variações em relação à prestação de serviço do empregado e à organização empresarial não normatizada pelo contrato. Excepcionalmente, ainda, poderá o jus variandi afetar o que foi previamente ajustado.
Diante da frequente confusão doutrinária instaurada entre alteração contratual e jus variandi, traçamos a diferença entre ambas as figuras, que pode ser assim resumida: enquanto a alteração contratual atinge o conteúdo básico do contrato de trabalho, o jus variandi afeta somente aspectos circunstanciais que o integram, sobre os quais nada se previu especificamente.
Outrossim, o jus variandi não pode ser exercido de forma arbitrária e abusiva, possuindo como limites as cláusulas essenciais do contrato de trabalho e as necessidades reais da empresa.
Palavras chaves: Contrato de Trabalho - Princípio da Obrigatoriedade da Convenção - Alteração - Poder Diretivo - Jus Variandi – Limites.
Abstract
The object of this study deals with recurring issue in Labor Law, namely, the change of the employment contract and the employer’s jus variandi. The relevance of this subject is justified, since the employment contract, unlike that one of instant execution, is one of successive tract, in other words, extends in time, being essentially dynamic, once is linked to the vicissitudes of life.
When in the beginning of the labor pact, it is impossible to contractors to foresee all the circumstances that surround them, because many of them will arise, only and gradually, throughout the contract.
Thus, although the employment contract is under the principle of compulsory conventions or pacta sunt servanda, whereby the terms of agreement, agreed and accepted by the contractors must be observed, that contract rarely remains unchanged.
The principle under discussion rests on the basic provisions of the contract, which, as a rule, can not be modified, except for mutual consent between the contractors, provided that to the employee does not result losses. Among the basic provisions, we emphasize the change of those pertaining to the role and the workplace.
In order to provide continuity of the contract, it is necessary to use the management power by the employer, which implies jus variandi, allowing him to make small changes in the provision of service by the employee and business organization that is not normalized by the contract . Exceptionally also can jus variandi affect what was previously set.
Given the frequent doctrinal confusion established between contract amendment and jus variandi, we trace the difference between the two figures, which can be summarized as follows: while the contract amendment reaches the basic content of the employment contract, jus variandi affects only circumstantial issues, about whom nothing was specifically predicted.
Furthermore, jus variandi can not be exercised arbitrarily and abusively, having, as limits, the essential clauses of the employment contract and the actual needs of the company.
Keywords: Employment Contract - Principle of Compulsory Convention – Amendment – Management Power - Jus variandi - Limits.
Sumário
Introdução 11
1 Alteração do Contrato de Trabalho 14
1.1 Noções gerais 14
1.2 Alteração contratual subjetiva 19
1.3 Alteração contratual objetiva 19
1.4 Alterações contratuais e sua classificação 21
1.4.1 Classificação conforme a origem 21
1.4.2 Classificação conforme o objeto 25
1.4.2.1 Alteração qualitativa 26
1.4.2.2 Alteração quantitativa 28
1.4.2.3 Alteração circunstancial 30
1.4.3 Classificação conforme os efeitos 33
1.5 Previsão das alterações contratuais na legislação 35
2. Alterações contratuais em espécie 39
2.1 Alteração de função 39
2.2 Alteração do local de trabalho 47
2.2.1 Considerações gerais 47
2.2.2 Hipóteses de transferência 48
2.2.3 Adicional de transferência 55
2.2.4 Empregados portadores de estabilidade 57
3. Poder diretivo do empregador 62
3.1 Subordinação 62
3.2 Conceito de poder diretivo 65
3.3 Formas de manifestação do poder diretivo 68
3.3.1 Poder de organização 69
3.3.1.1 Regulamento de empresa 71
3.3.2 Poder de controle ou de fiscalização 74
3.3.3 Poder disciplinar 78
4. Jus variandi do empregador 84
4.1 Conceito 84
4.2 Espécies de jus variandi 87
4.3 Distinção entre o jus variandi e a alteração contratual 90
4.4 Os limites do jus variandi 93
4.4.1 Limites externos 94
4.4.2 Limites contratuais 97
4.4.3 Limites relacionados à empresa 98
4.4.4 Limites relacionados ao empregado 100
Conclusão 107
Referências Bibliográficas 110
Introdução
O principal motivo que nos levou a escrever sobre o tema é o fato de o contrato de trabalho, por ser dinâmico e de trato sucessivo, devido a sua duração ao longo do tempo, estar sujeito a frequentes alterações, sendo relevante delimitar quais delas podem ser realizadas pelo empregador no curso do contrato, inclusive com autorização expressa do legislador e quais modificações se encontram na órbita do jus variandi; bem como os limites aplicáveis à alteração contratual e ao jus variandi.
No curso deste trabalho, abordamos, primeiramente, sobre os princípios do direito contratual, eis que intrinsecamente ligados à alteração do contrato de trabalho. Os princípios fundamentais são o da autonomia da vontade, o da supremacia da ordem pública, o da obrigatoriedade das convenções, o da função social do contrato e o da probidade e boa-fé.
O princípio da obrigatoriedade das convenções, segundo o qual as cláusulas de comum acordo pactuadas e aceitas pelas partes devem ser fielmente observadas, é objeto de previsão específica na legislação trabalhista, de modo que a alteração das condições de trabalho somente será lícita se presente o mútuo consentimento das partes e, ainda assim, desde que não acarrete prejuízos ao empregado.
Após diferenciarmos a alteração subjetiva da objetiva, focamos o estudo nesta última, que versa sobre as cláusulas contratuais ou circunstâncias que envolvem o contrato. Os principais critérios classificatórios das alterações objetivas são a origem das alterações, seu objeto e seus efeitos; os quais foram abordados, de forma detalhada, em tópicos próprios.
Levando-se em conta a sua origem, isto é, a influência ou não da vontade das partes nas modificações das condições de trabalho, as alterações classificam-se em obrigatórias ou voluntárias. As primeiras independem da vontade dos contratantes, resultando de lei ou de norma coletiva, enquanto as voluntárias, como o próprio nome indica, são determinadas pela vontade das partes.
Quanto ao objeto, ou conteúdo do contrato, as alterações podem ser qualitativas – referentes à qualidade do trabalho; quantitativas – referentes à quantidade de trabalho ou ao valor do salário e circunstanciais – referentes ao local da prestação de serviços.
Outrossim, acerca dos efeitos que geram as alterações contratuais, estas se classificam em favoráveis, quando melhorem a situação de trabalho do empregado, considerando-a como um todo, e prejudiciais, quando rebaixem essa situação.
Por oportuno, destinamos um tópico para tratar da previsão das alterações contratuais na legislação, elencando os principais dispositivos legais sobre o tema.
Dada a relevância das alterações de função e do local de trabalho, dedicamos capítulo próprio para tais espécies. Na alteração de função, foi abordada a questão da qualificação profissional, assim como a promoção, o rebaixamento e o retorno. Já na alteração do local de trabalho, passamos pelas hipóteses de transferência; incidência do adicional e suas vertentes interpretativas; os empregados portadores de estabilidade e a possibilidade de remoção.
No capítulo terceiro, cuidamos do poder diretivo do empregador, realizando uma breve abordagem sobre a subordinação, dado o estreito vínculo que esta possui com o poder diretivo; concluiu-se que a subordinação presente na relação de emprego é a jurídica, por meio da qual o empregado estaria inserido na hierarquia da instituição da empresa, devendo, portanto, obedecer as suas regras, por ser o empregador credor do trabalho prestado pelo empregado.
Xxxxxxxxxx ao conceito do poder diretivo, podendo-se verificar que inexiste um entendimento uniforme sobre o mesmo. Quanto às formas de manifestação do poder diretivo, dos diversos critérios existentes, preferimos aderir àquele segundo o qual o poder diretivo manifesta-se sobre três principais formas: poder de organização, poder de controle sobre o trabalho e poder disciplinar sobre o empregado.
Cada uma das formas de manifestação do poder diretivo foi abordada em tópico específico, a fim de possibilitar uma melhor compreensão sobre o assunto.
E, no último capítulo, cuidamos do jus variandi do empregador, iniciando pelo conceito; adentrando às respectivas espécies: o normal e o excepcional; identificando a diferença entre alteração contratual e jus variandi, por serem figuras frequentemente confundidas; traçando, ainda, os limites do jus variandi, pois ao contrário do que ocorre com a alteração contratual, cujo limite vem expresso no artigo 468 da CLT, inexiste em nossa legislação, dispositivo que preveja quais são os limites do jus variandi.
Finalmente, na conclusão, apresentamos, de forma sintetizada, os motivos pelos quais optamos pelo tema em pauta e os aspectos mais relevantes do presente trabalho.
Capítulo I
Alteração do Contrato de Trabalho
1.1 Noções gerais
É importante tecer algumas considerações prévias acerca dos princípios do direito contratual para estudar a alteração do contrato de trabalho.
Segundo discorre Xxxxxxxxxx xx Xxxxxx Xxxxxxxx, referido direito está alicerçado em cinco princípios fundamentais, quais sejam: o princípio da autonomia da vontade; o princípio da supremacia da ordem pública; o princípio da obrigatoriedade da convenção; o princípio da função social do contrato e o princípio da probidade e boa-fé. 1
Por meio da autonomia da vontade, as partes são livres de contratar, contraindo ou não a relação obrigacional, possuindo os contratantes plena liberdade em estipular as cláusulas contratuais, ampliando ou restringindo seus efeitos, sendo o contrato verdadeira norma jurídica, fazendo lei entre as partes.
A autonomia da vontade encontra seu limite no princípio da supremacia da ordem pública, que veda estipulações contrárias à moral, à ordem pública e aos bons costumes.
Neste contexto, é que as partes não podem, por exemplo, estipular cláusula penal de valor superior ao da obrigação principal (artigo 412 Código Civil de 2002); no caso específico do direito do trabalho, não podem fixar adicional de horas extras inferior ao previsto no artigo 7º, XVI, da Constituição Federal. Há aqui um cerceamento da vontade individual. E, tal se faz mais marcante no direito laboral, tornando nula qualquer estipulação contrária à lei, às convenções coletivas ou às sentenças normativas, tudo com vistas a coibir os abusos do poder econômico, bem como evitar a prevalência do capital sobre a força de trabalho.
1 BARROS, Washington Monteiro de. Curso de Direito Civil. 37ª ed., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 23.
No mesmo sentido, as cláusulas do contrato individual de trabalho que impliquem em prejuízos ao empregado, ainda que haja mútuo consentimento, serão declaradas nulas.
A interferência do Estado na autonomia da vontade no âmbito da legislação laboral faz-se indispensável justamente para assegurar um tratamento legal diferenciado, estabelecendo a isonomia, que objetiva uma igualdade substancial real entre os contratantes.
O princípio da supremacia da ordem pública, por sua vez, está intimamente relacionado ao da irrenunciabilidade, o qual, nas lições de Xxxxxxx Xxx Xxxxxxxxx, consiste na impossibilidade jurídica de privar-se o empregado, voluntariamente, de uma ou mais vantagens concedidas pelo direito trabalhista em benefício próprio. 2
Acerca do assunto, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx escreve:
“A legislação de proteção aos indivíduos mais fracos trouxe-lhes uma situação em que a inferioridade social e econômica passou a ser compensada por uma superioridade jurídica.” 3
Consoante o princípio da obrigatoriedade da convenção, as cláusulas de comum acordo pactuadas e aceitas pelas partes devem ser fielmente observadas. É o chamado pacta sunt servanda. Segundo o já citado Washington de Xxxxxx Xxxxxxxx, a única derrogação a essa regra é a escusa por caso fortuito ou força maior. 4
Essa força obrigatória, assevera Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx, “é pedra angular da segurança dos negócios jurídicos trabalhistas, necessária como condição de estabilidade e de paz nas relações entre os sujeitos pactuantes.” 5
2 XXX XXXXXXXXX, Xxxxxxx. Princípios de Direito do Trabalho. Tradução de Xxxxxx Xxxxxx. São Paulo: LTr, 1978, p. 64.
3 ROMAR, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Alterações do Contrato de Trabalho: função e local. São Paulo: LTr, 2001, p. 30.
4 BARROS, Washington Monteiro de. Curso de Direito Civil. Ibidem, p. 24.
5 NASCIMENTO, Xxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho. 16ª ed., São Paulo: Saraiva, 1999, p. 297.
Como consequência da força vinculante que o contrato gera, decorre a inalterabilidade unilateral do pacto, de modo que a vontade exclusiva das partes não pode, por si, produzir efeito modificativo no ajustado.
O artigo 468 da CLT, ao prever só ser lícita a alteração das condições de trabalho por mútuo consentimento, não apenas consagra o princípio da obrigatoriedade da convenção, como o exacerba, vedando alterações contratuais que, embora feitas de comum acordo entre as partes, possam acarretar prejuízos ao empregado.
O princípio da função social do contrato previsto no artigo 421 do Código Civil apregoa que o contrato não deve apenas ser útil aos contratantes, mas também à comunidade, no sentido social de utilidade.
E, o princípio da probidade abarca diversos deveres, exigidos nas relações jurídicas, especialmente, os de veracidade, integridade, honradez e lealdade, sendo decorrência lógica desse princípio, o da boa-fé. Ambos os princípios oferecem a segurança das relações jurídicas e a sua ausência, vicia o negócio jurídico, por deturpar o consentimento das partes.
No que diz respeito ao contrato de trabalho, em específico, o empregatício, discorre Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx que há mais de uma teoria para explicar a natureza do ato introdutório do vínculo. A primeira é a teoria contratualista, segundo a qual, sendo o vínculo entre empregado e empregador um contrato, a vontade das partes está na base do ato introdutório, portanto, a relação jurídica inicia-se como decorrência da autonomia privada. Já para a teoria anticontratualista, como a natureza do vínculo é não contratual, a vontade não está na base do ato introdutório. Há também uma posição intermediária designada teoria do ato-condição, na qual é necessária a vontade para criar o vínculo; os efeitos estão predeterminados pelas normas jurídicas e constituído o vínculo, os efeitos são desencadeados. 6
Atualmente, contudo, tais teorias encontram-se superadas, não mais se discutindo a efetiva natureza contratual da relação de emprego, sendo a
6 NASCIMENTO, Xxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho. Ibidem, p. 467-468.
vontade elemento essencial e presente na formação do vínculo empregatício, independentemente da existência de prévia discussão acerca das cláusulas contratuais.
Ora, ao aceitar prestar serviços, o empregado manifesta a sua vontade de forma autônoma, anuindo com as condições pré-fixadas pelo empregador, pela lei e pelas normas coletivas.
Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxx acredita ser preferível designar a relação patrão-empregado como de natureza contratual, mas tendo sempre em mente que, no Brasil, tanto o Estado (por meio da lei) quanto as organizações sindicais (por meio das negociações coletivas) intervêm no campo da vontade individual, limitando aquela liberdade que caracteriza o contrato, a fim de garantir um mínimo tido como justo a ser assegurado ao empregado. 7
O artigo 444 da CLT evidencia a limitação à autonomia da vontade das partes, vedando sejam pactuadas condições contratuais menos favoráveis ao mínimo previsto em lei, sendo possível, entretanto, ajustes em condições mais favoráveis ao empregado, eis que hipossuficiente perante o empregador.
Vislumbra-se aqui, o conhecido princípio da proteção à pessoa do empregado, pois submetido ao poder de comando do empregador, detentor do capital e do poder disciplinar.
Uma vez firmado o contrato de trabalho, são estabelecidas as condições em que se desenvolverá referido contrato. É certo que a maioria das cláusulas estabelecidas advém da incorporação de normas legais ou convencionais, contudo, outras emanam do mero exercício da vontade privada, em especial do empregador, como por exemplo, atribuições do empregado, salário e forma de pagamento, local de trabalho e jornada a ser cumprida.
Considerando ser o contrato de trabalho de trato sucessivo, com sua execução prolongada no tempo e considerando a dinâmica da prestação de serviços, é muito comum a alteração daquilo que foi originalmente preestabelecido.
7 MANUS, Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxx. Direito do Trabalho. 14ª ed., São Paulo: Atlas, 2012, p. 50.
Xxxxxx Xxxxx Xxxxx, ao tratar da relação de trabalho, elucida: “como uma espécie de argila, ela se molda incessantemente, ora pela vontade das partes, ora pela vontade do Estado, ora pela vontade coletiva”. 8
Acerca da alterabilidade ou não das condições do contrato de trabalho, destaca Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxx que no trato das lides trabalhistas, observa-se uma posição no sentido de que a regra geral às alterações contratuais seria aquela da inalterabilidade do contrato, salvo quando houvesse vantagem para o empregado. Na sua visão, “não se pode pensar no contrato de trabalho como inalterável, pois isso significa ir contra sua própria essência, que é mutável”. 9
De fato, à medida que o contrato se executa, o mesmo se ajusta às necessidades e possibilidades das partes.
Assim, inobstante as restrições impostas pela lei, a alterabilidade é inerente ao contrato de emprego, observando-se, contudo, os limites do art. 468 da CLT, a fim de que seja declarada válida a modificação.
Quando da alteração, assim como na celebração do contrato, há de ser observado o conteúdo mínimo de direitos previstos na lei, na convenção coletiva, no acordo coletivo e na sentença normativa e, ainda, os usos e costumes, em especial os da própria empresa. Considerando que o contrato também contém, ou pode conter, cláusulas originadas da vontade das partes, quanto a elas passa a existir um outro paradigma, representado pelo próprio contrato e não mais pela lei.
A alteração contratual, portanto, para ser admitida, depende de mútuo consentimento dos sujeitos da relação de emprego e desde que não haja prejuízo do empregado. Assim, havendo modificação unilateral, por ato patronal, é a mesma nula; tal como ocorre quando o empregado rejeita a alteração proposta pelo empregador. De igual sorte, haverá nulidade da
8 XXXXX, Xxxxxx Xxxxx. Direito de Resistência: possibilidades de autodefesa do empregado em face do empregador. São Paulo: LTr, 1996, p. 235.
9 MANUS, Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxx. Direito do Trabalho. Ibidem, p. 103.
alteração quando posteriormente à sua implementação, o empregado verificar ter sido prejudicial a mudança.
1.2 Alteração contratual subjetiva
Como outrora aduzido, sendo a relação de emprego de trato sucessivo e, estando as partes obrigadas ao cumprimento de prestações contínuas, é comum a ocorrência de alterações. As alterações subjetivas são aquelas relativas aos sujeitos, que são substituídos no curso do pacto laboral. Já as alterações objetivas são as atinentes ao conteúdo contratual.
Enquadram-se nas alterações subjetivas a sucessão de empresas e a alteração na sua estrutura jurídica, de modo que somente a figura do empregador é objeto de modificação. Isto porque, dada a exigência de pessoalidade quanto ao empregado, o mesmo não pode enviar um substituto em seu lugar, inviabilizando, assim, a alteração.
Em havendo a sucessão empresarial, os empregados têm garantidos os direitos normalmente a eles conferidos, como se nenhuma modificação tivesse ocorrido. Tal proteção se justifica em decorrência do princípio da continuidade do contrato de trabalho e no princípio da despersonalização do empregador.
Diante das regras peculiares aplicáveis à sucessão empresarial, é praxe que os doutrinadores tratem as alterações subjetivas separadamente das objetivas.
Portanto, como no presente estudo o foco está nas alterações objetivas, isto é, das cláusulas contratuais, não serão despendidas maiores elucidações acerca da alteração subjetiva.
1.3 Alteração contratual objetiva
As alterações objetivas referem-se às cláusulas contratuais ou circunstâncias que envolvem o contrato, afetando, assim, o conteúdo do pacto laboral.
Ora, quanto mais tempo o contrato durar, maiores as possibilidades de sofrer modificações, tendo de amoldar-se aos imprevistos.
Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx assevera que, em regra, os autores se baseiam em três principais critérios classificatórios, quais sejam: a origem das alterações, seu objeto e seus efeitos. 10
Levando-se em conta a sua origem, isto é, a influência ou não da vontade das partes nas modificações das condições de trabalho, as alterações classificam-se em obrigatórias ou voluntárias. As primeiras independem da vontade dos contratantes, resultando de lei ou de norma coletiva; o conteúdo do contrato sofrerá influência de leis, de sentenças normativas ou de convenções coletivas de trabalho supervenientes à celebração do contrato. Referida alteração ocorre e se justifica pelo princípio da supremacia da ordem pública, sobrepondo-se essas normas, de forma automática, às cláusulas contratuais.
Por sua vez, as alterações voluntárias, são determinadas pela vontade das partes, caracterizando-se unilaterais quando oriundas da vontade de apenas uma delas, e bilaterais se decorrentes do consentimento de ambos os contratantes.
Quanto ao objeto, ou conteúdo do contrato, as alterações podem ser qualitativas – referentes à qualidade do trabalho; quantitativas – referentes à quantidade de trabalho ou ao valor do salário e circunstanciais – referentes ao local da prestação de serviços.
Outrossim, acerca dos efeitos que geram as alterações contratuais, estas se classificam em favoráveis, quando melhorem a situação de trabalho do empregado, considerando-a como um todo, e prejudiciais, quando rebaixem
10 ROMAR, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Alterações do Contrato de Trabalho: função e local. Ibidem, p. 78.
essa situação. Na primeira hipótese, as alterações são lícitas, enquanto na segunda hipótese, as mesmas são ilícitas, pois contrárias ao direito, ensejando, assim, conforme sejam advindas de ato do empregador ou do empregado, consequências punitivas ou resilitivas do contrato de trabalho.
Xxxxxx Xxxxx Xxxxx divide as alterações objetivas em duas grandes espécies: quanto ao trabalho e quanto ao salário; informando, ainda, que as alterações podem ser classificadas quanto à fonte de onde brotam: podendo surgir da vontade de ambas as partes, da vontade de uma delas e de outras vontades – a do legislador, a do julgador, a das categorias. Quanto à fonte, podem ser espontâneas ou compulsórias. Em relação aos efeitos produzidos, podem ser intensivas, extensivas ou ambas simultaneamente e quanto às formas pelas quais se manifestam podem ser expressas (escritas, verbais e gestuais) ou tácitas. 11
Feita esta breve elucidação, abordaremos os principais critérios classificatórios: com base na origem, no objeto e seus efeitos.
1.4 Alterações contratuais e sua classificação
1.4.1 Classificação conforme a origem
As alterações contratuais podem advir da norma jurídica, sendo, neste caso, obrigatórias ou advir da vontade unilateral ou bilateral dos contratantes, intituladas voluntárias.
As alterações obrigatórias, também chamadas normativas, são aquelas oriundas de leis, convenções e acordos coletivos ou sentenças normativas e, independentemente da vontade das partes, em virtude do princípio da supremacia da ordem pública, sobrepõem-se às cláusulas contratuais, substituindo-as automaticamente. A título de exemplificação, cite-se o salário, que é periodicamente reajustado conforme o decurso do tempo; uma decisão judicial proferida em ação civil pública, por meio da qual os trabalhadores
11 XXXXX, Xxxxxx Xxxxx. Direito de Resistência: possibilidades de autodefesa do empregado em face do empregador. Ibidem, p. 243.
tenham de realizar seus serviços em horário diferente do originalmente contratado por conta da nulidade de acordo de compensação de horários.
Já as alterações voluntárias ou meramente contratuais são aquelas que decorrem do concurso de vontade das partes, sendo unilaterais quando advindas de apenas uma delas e bilaterais quando resultantes do consentimento de ambos os contratantes.
Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx explicita sua discordância quanto à alteração unilateral por iniciativa do empregado, vejamos:
Na realidade, a alteração unilateral é aquela procedida pelo empregador, uma vez que em relação ao empregado é impossível que o mesmo altere o contrato ou sua execução, em face da atuação do binômio poder diretivo/subordinação jurídica, formado dentro da relação de emprego. Consideramos, por isso, uma inadvertência afirmar que qualquer das partes poderá alterar o contrato, nos limites do jus variandi, pois o empregado não dispõe dele. 12
De fato, entendemos que o poder de direção conferido ao empregador, torna inviável ao empregado a adoção de alterações nas cláusulas contratuais, sendo sua vontade sempre submetida ao consentimento do empregador.
Como em geral compete exclusivamente ao empregador o exercício unilateral da vontade, é necessário cautela para identificar se a modificação por ele introduzida está enquadrada como alteração contratual ou como jus variandi.
O jus variandi consiste no direito de variar unilateral e voluntariamente, pois depende exclusivamente da vontade do empregador decorrente do exercício do poder de direção e incide naquilo que não foi objeto de previsão específica nas cláusulas contratuais, podendo o empregador, dentro de certos limites, introduzir variações em relação à prestação de serviço do empregado e à organização empresarial.
12 ROMAR, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Alterações do Contrato de Trabalho: função e local. Ibidem, p. 79.
Tal direito patronal não atinge o conteúdo básico do contrato de trabalho, isto é, suas cláusulas essenciais, mas somente aspectos circunstanciais que o integram, a fim de viabilizar a continuidade do contrato.
A alteração contratual, por sua vez, diz respeito às modificações das próprias cláusulas do contrato, expressas ou tácitas, como as atinentes ao quantum salarial, função exercida, localidade da prestação de serviço, jornada de trabalho, turno de trabalho, etc, sempre de natureza substancial, atingindo o conteúdo básico e não apenas aspectos circunstanciais do contrato.
Altera-se o conteúdo essencial quando há modificação do originalmente ajustado entre os sujeitos da relação jurídica de emprego, assim como das cláusulas obrigatoriamente inseridas no contrato por força de lei ou de norma coletiva.
Neste contexto, oportuno notar que aspectos circunstanciais da prestação laboral, desde que tenha havido pactuação tácita ou expressa entre os contratantes, podem ser erigidos à condição de cláusulas contratuais, quando, então, a modificação atinente a tais aspectos, mesmo que circunstanciais, sujeita-se ao disposto no artigo 468 da CLT.
O jus variandi possui como limites justamente as cláusulas essenciais do contrato de trabalho e as necessidades reais da empresa, devendo ser utilizado com razoabilidade, sendo vedado seu uso indiscriminado e abusivo.
Ora, as cláusulas essenciais são dotadas de obrigatoriedade, não podendo, destarte, ser modificadas, a fim de garantir às partes a necessária segurança jurídica, evitando-se que o empregador, economicamente mais forte, imponha ao empregado constantes alterações. É a aplicação do princípio fundamental da obrigatoriedade da convenção ou pacta sunt servanda, retratado no já citado artigo 468 da CLT.
As características peculiares que revestem o Direito do Trabalho, associadas ao princípio protetor, não autoriza às partes alterar unilateralmente as cláusulas contratuais e quanto às alterações bilaterais somente terão validade se não acarretarem prejuízo ao empregado.
Ao tratar do tema, Xxxxx Xxxx pontua:
Se o contrato é, na frase consagrada pelos praxistas, lei entre as partes, se a lei obriga a todos, indistintamente, e pela mesma forma, permitir a um dos sujeitos da obrigação a faculdade de alterá-lo ao seu talante seria consagrar um princípio violador da norma imperativa, que passaria a obrigar apenas uma das partes, com o que não se coaduna a ideia do contrato. 13
Temos aqui, o princípio da inalterabilidade unilateral do contrato, o qual, entretanto, não é absoluto, sendo mitigado pelo exercício do jus variandi e pelo próprio legislador, que prevê expressamente, em certas situações, a possibilidade de alterações unilaterais, de modo a permitir à empresa alcançar os fins sociais e econômicos almejados.
Cite-se, por exemplo, o parágrafo único do artigo 468, o qual não considera alteração unilateral a determinação do empregador para que o empregado volte ao cargo efetivo, anteriormente ocupado, deixando o exercício do cargo de confiança; bem como o § 2º, do artigo 469 da CLT, que autoriza a transferência quando ocorrer extinção do estabelecimento no qual trabalhava o empregado.
A doutrina, ainda, prevê outras exceções além das legais, quais sejam: alterações oriundas de necessidade premente da empresa e as benéficas ao empregado. Na primeira hipótese, a validade das alterações unilaterais está submetida à sua curta duração, podendo, na visão de Xxxxxx Xxxxx Xxxxx, trazer prejuízo ao empregado, desde que de ínfima relevância, se comparado ao que a empresa teria, caso não procedesse à alteração contratual.
As alterações bilaterais, por sua vez, advêm do mútuo consentimento entre os contratantes, havendo um concurso de vontades. Assim, se quando da celebração do contrato, as partes convencionaram livremente seu conteúdo, na sua execução, podem, a qualquer momento, alterar suas cláusulas, desde que haja consentimento de ambas.
13 XXXX, Xxxxx. Alteração do Contrato de Trabalho. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1957, p. 115.
Contudo, para serem lícitas, as alterações não podem implicar em prejuízo ao empregado. O prejuízo, como afirma Xxxxxx Xxxxx Xxxxx “é a pedra de toque das alterações bilaterais. Sinaliza que o equilíbrio composto na contratação foi decomposto na novação e pode ser recomposto pela resistência”. 14
Na alteração contratual que gere prejuízo ao empregado presume-se de forma absoluta que houve vício de consentimento (erro, dolo, coação, simulação ou fraude) do empregado ao aceitá-la, na medida em que dificilmente alguém consentiria em modificar as condições do contrato em detrimento do próprio interesse, salvo se constrangido, física, econômica ou moralmente a fazê-lo. Por esta razão, inclusive, constitui princípio do Direito do Trabalho a irrenunciabilidade dos direitos, que visa fortalecer a manutenção dos direitos do trabalhador mediante a substituição de sua vontade pela da lei, já que perante o empregador assume posição mais frágil.
Quanto ao prejuízo, sua constatação é feita com base nas condições originais estipuladas no contrato, podendo ser direto ou indireto; material ou imaterial; atual ou futuro, mas sempre certo, oriundo de circunstâncias contemporâneas, bastando que seus efeitos sejam previsíveis.
Não é demasiado salientar que a alteração aqui tratada é aquela levada a efeito no campo da negociação individual entre empregado e empregador, pois em se tratando de negociação coletiva, não há aplicação do disposto no artigo 468 da CLT em matérias que envolvam salário e duração do trabalho, pois a Constituição Federal permite a alteração prejudicial, a teor do artigo 7°, incisos VI, XIII e XIV.
1.4.2 Classificação conforme o objeto
No tocante ao objeto ou conteúdo contratual, as alterações se subdividem em: a- qualitativas – atinentes à qualidade do trabalho; b-
14 XXXXX, Xxxxxx Xxxxx. Direito de Resistência: possibilidades de autodefesa do empregado em face do empregador. Ibidem, p. 244.
quantitativas – referentes à quantidade de trabalho ou ao valor do salário e c- circunstanciais – alusivas ao local de prestação de serviços.
1.4.2.1 Alteração qualitativa
Ao tratarmos da alteração qualitativa, faz-se pertinente tecermos alguns comentários acerca da qualificação profissional e da empresa, eis que a qualificação constitui elemento essencial a todo contrato de trabalho, por meio da qual se determina a natureza especial dos serviços contratados. Vejamos:
Extrai-se do artigo 444 da CLT, que não há uma exigência no sentido de se fixar de forma inequívoca, a natureza específica da prestação de serviços a que se obriga o trabalhador, quedando-se a declarar que é permitida a livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, às normas coletivas e às decisões das autoridades competentes. E, por sua vez, o artigo 456 da CLT, assevera que à falta de prova ou inexistindo cláusula expressa a tal respeito, entender-se-á que o empregado obrigou-se a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal.
Pelo teor da legislação temos que, em não sendo, quando da contratação, individualizados integralmente os serviços, o trabalhador obriga-se a se submeter ao poder de direção do empregador na fixação da natureza qualitativa e quantitativa das suas obrigações, o que, diga-se, termina por conferir a uma das partes uma amplitude de poderes dissociada da igualdade contratual preconizada pela lei trabalhista.
A qualificação profissional do trabalhador pode ser aferida de forma objetiva, conforme a natureza do trabalho por ele normalmente executado ou o seu diploma profissional e, de forma subjetiva, também conhecida como contratual, eis que advém das condições fixadas pelo contrato entre as partes, podendo, frise-se, não corresponder à objetiva.
Para Xxxxx Xxxx a qualificação contratual ou subjetiva tem um valor muito maior, prevalecendo contra a objetiva, na medida em que fixa para o trabalhador a natureza dos seus direitos e obrigações perante o empregador. 15
Sobre o assunto, cite-se interessante ementa extraída do C. TST, in
verbis:
DIFERENÇAS SALARIAIS - ACRÉSCIMO DAS TAREFAS DE ENCARREGADO DE LIMPEZA ÀS ATRIBUIÇÕES DE VIGIA PLUS SALARIAL INDEVIDO ALTERAÇÃO CONTRATUAL
OBJETIVA NÃO LESIVA. Segundo a melhor doutrina, a alteração unilateralmente promovida pelo empregador nas tarefas atribuídas ao empregado é lícita, quando a qualificação profissional deste é respeitada e não se verificam efetivos prejuízos qualitativos, quantitativos e circunstanciais. Na hipótese, às atribuições de vigia originalmente pactuadas, foram acrescidas as de encarregado da limpeza. Ambas as funções restringem-se à prática de atos materiais concretos, cuja execução não requer conhecimentos técnicos ou especializados, nem envolve o exercício de poderes de qualquer natureza. Em circunstâncias que tais, o exercício simultâneo de uma e outra (funções) não representa majoração, quer de responsabilidades, quer de carga horária, de tal forma que não há permissivo legal que respalde ou justifique o pagamento do plus salarial concedido ao reclamante. Recurso de revista conhecido e provido. 16
Ainda, para efeito de fixação da natureza dos serviços, temos a qualificação da empresa, que pode ser externa ou interna. A primeira diz respeito aos principais fins da empresa, definindo a sua posição, como por exemplo, empresa de transporte. Já a qualificação interna é a subdivisão da empresa em setores necessários à realização dos seus fins, pela divisão do trabalho. Utilizando-se do já citado exemplo, a empresa de transporte se subdivide em seção de vendas de passagens, a de veículos, a dos escritórios, etc.
Neste contexto, temos a incidência do princípio da inalterabilidade qualitativa do contrato, por meio do qual, o trabalhador não está obrigado a prestar serviços diversos daqueles para os quais foi contratado, podendo,
15 XXXX, Xxxxx. Alteração do Contrato de Trabalho. Ibidem, p. 105/106.
16 TST, RR-521/2006-0094-04-00, 1ª T., Rel. Min. Xxxxxx xx Xxxxx Xxxxx, DJ 31.10.2008.
(grifamos)
então, recusar eventual alteração na natureza específica da prestação de serviços a que se comprometeu.
A alteração de função, por ser uma das principais modalidades de alteração contratual, será abordada em tópico próprio de forma um pouco mais detalhada.
1.4.2.2 Alteração quantitativa
A alteração quantitativa interfere, para mais ou para menos, no conteúdo da prestação de serviço, referindo-se ao tempo (jornada e horário de trabalho), ao salário ou à forma de produção.
Disciplina Xxxxx Xxxx, que referida alteração deve ser examinada com base nas seguintes hipóteses: a- exigência de serviços superiores às forças do trabalhador; b- redução do trabalho com consequente redução de salários e c- alteração do tempo de prestação do trabalho. 17
Os serviços superiores às forças do trabalhador são aqueles que lhe esgotam as energias laborais, seja no aspecto físico ou intelectual, assim como os que excedem a sua competência profissional. Ocorrendo alteração que acarrete serviço superior às suas forças, poderá o trabalhador rescindir o contrato com base na justa causa patronal, a teor do artigo 483, ‘a’, da CLT.
Deve-se ponderar, por oportuno, que (i) a prorrogação do horário normal de trabalho, dentro dos parâmetros legais, não se confunde com a exigência de serviços superiores às forças do trabalhador, sendo possível ao empregador alterar, neste caso, as condições quantitativas do trabalho e (ii) a qualificação profissional informada pelo trabalhador quando da contratação possibilita ao empregador exigir os serviços nela compreendidos, sem que haja alteração quantitativa.
A redução do trabalho com redução do salário também é hipótese de alteração quantitativa.
17 XXXX, Xxxxx. Alteração do Contrato de Trabalho. Ibidem, p. 118.
Ao tratar do assunto, Xxxxx xx Xx Xxxxx dispõe:
Em virtude da relação de emprego se obriga o trabalhador a colocar sua energia à disposição do patrão e este a pagar, por esta prestação, determinado salário. O cumprimento da obrigação do trabalhador não depende exclusivamente dele, por isto que é necessário que o patrão estabeleça as condições e coloque o trabalhador em situação de cumprir esta obrigação, sendo a isto o que se denomina a obrigação de proporcionar o trabalho. 18
A redução quantitativa de trabalho que culminará em consequências econômicas para o empregado submete-se ao princípio da irredutibilidade salarial, admitida excepcionalmente, para preservar bem maior e mediante negociação coletiva.
A irredutibilidade, porém, é possível na hipótese de trabalho por produção, em que a remuneração está condicionada à execução de maior ou menor quantidade. Nestes casos, ainda, se a redução do trabalho afetar sensivelmente a importância dos salários, o trabalhador poderá rescindir o contrato, com base na justa causa patronal, nos termos do artigo 483, ‘g’, da CLT.
Acerca da alteração do tempo de prestação do trabalho, vale salientar que uma das conquistas mais significativas dos trabalhadores foi a limitação da jornada de trabalho.
A jornada de oito horas é norma geral integrante das legislações da quase totalidade das nações, inclusive do Brasil, que desde a Constituição Federal de 1937, tem assegurado esse direito aos trabalhadores.
Uma vez observados os limites legais, as partes podem estabelecer condições especiais de duração do trabalho, prevalecendo a regra de que apenas o consenso permite a alteração. Portanto, não pode o empregador alterar o que foi convencionado, majorando a duração do trabalho além do
18 DE XX XXXXX, Xxxxx. Derecho Mexicano del Trabajo. México, 1943, p. 484. Apud REIS, Nélio. Alteração do Contrato de Trabalho. Ibidem, p. 121.
tempo fixado, salvo os casos de compensação ou prorrogação de horas legalmente previstas, estas últimas, mediante aumento da remuneração.
O legislador limitou-se a estipular o tempo máximo da duração dos serviços, podendo as partes livremente convencionar dentro do limite legal o que melhor atender aos seus interesses. Aqui, a vontade do empregador é soberana, porém, ressalta Xxxxx Xxxx, “afastada a transposição do trabalho diurno para noturno, num ou noutro pode o empregador escolher e variar livremente na fixação de qual horário que atende aos interesses superiores da produção”. 19
De acordo com o atual entendimento dos tribunais, o ordenamento jurídico não impede a alteração do turno de trabalho, sobretudo de noturno para diurno, haja vista que o trabalho noturno é prejudicial à saúde do trabalhador e ao convívio familiar. Ademais, em tal situação, o empregador está agindo no exercício do jus variandi.
Neste sentido, seguem algumas ementas:
ADICIONAL NOTURNO – ALTERAÇÃO DO TURNO DE TRABALHO DE NOTURNO PARA DIURNO – SUPRESSÃO –
LEGALIDADE – Alteração do turno de trabalho noturno para diurno. Supressão do adicional noturno. A modificação do turno de trabalho de noturno para diurno justifica a redução salarial, conforme previsto na Súmula nº 265/TST, segundo a qual a transferência para o período diurno de trabalho implica na perda do direito ao adicional noturno. 20
RESCISÃO INDIRETA - ALTERAÇÃO DE TURNO DE
TRABALHO - Diante da inexistência de comprovação capaz de evidenciar a alteração contratual lesiva ao recorrente, com evidente prejuízo, caracteriza-se o jus variandi do empregador. Ao alterar o turno do empregado de noturno para diurno age na faculdade que advém do seu poder diretivo, podendo realizar modificações e variações na prestação dos serviços conforme as circunstâncias que envolvem o ambiente de trabalho. 21
1.4.2.3 Alteração circunstancial
19 XXXX, Xxxxx. Alteração do Contrato de Trabalho. Ibidem, p. 125.
20 TRT 1ª Região, RO 00308008120075010076, 6ª T., Rel. Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx, x. 29.10.2008, p. 16.12.2008.
21 TRT 1ª Região, RO 01083004420095010016, 6ª T., Rel. Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxxx, x. 24.08.2011, p. 30.08.2011.
A alteração circunstancial se relaciona com o local da prestação dos serviços, abarcando desde a mera mudança de sala (lugar) até a alteração de cidade (localidade). Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx relata, ainda, que tal alteração também engloba a forma de contraprestação salarial (salário utilidade versus salário em moeda, v.g). 22
De acordo com o artigo 469 da CLT, a regra é a inalterabilidade do local de trabalho, contudo, excepcionalmente, a transferência é possível nos seguintes casos: a que não acarreta mudança de domicílio; aos exercentes de cargos de confiança; nos contratos que tenham como condição implícita ou explícita, a transferência, quando esta decorra de real necessidade de serviço; na ocorrência de extinção de estabelecimento e, temporariamente, em caso de necessidade de serviço, com o pagamento de um adicional de 25% sobre o valor do salário, enquanto durar a situação.
Antes da CLT, inexistia lei que dispusesse sobre a transferência do local de trabalho e a jurisprudência entendia que, quando a transferência do empregado não fosse proibida pelo contrato, era permitida, uma vez que não lhe estava assegurada a permanência em determinado local. 23
E, tal se dava tanto em relação ao empregado instável como ao estável, possuindo o empregador autonomia e liberdade em transferir os empregados de local, desde que não lhes fosse rebaixado o salário, nem que lhes ferisse a dignidade, com inferiorização da categoria.
Ao tratar do tema, Xxxxx Xxxx faz interessante abordagem acerca do cumprimento das obrigações, em especial o lugar do pagamento.
O lugar do pagamento determina onde o devedor pode liberar-se e o credor tem o direito de exigir. Em regra, será no domicílio do devedor, para favorecê-lo, salvo se as partes convencionarem diversamente, eis que o contrato faz lei entre as partes, ou se o contrário resultar da lei, da natureza da obrigação ou das circunstâncias, a teor do artigo 327 do Código Civil.
22 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. Alterações Contratuais Trabalhistas. São Paulo: LTr, 2000, p. 43.
23 XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. O Contrato de Trabalho e sua Alteração. São Paulo: LTr, 1975, p. 57.
Sobre o tema, assevera Xxxxx xx Xxxxxx:
a expressão pagamento (solutio rei) é adotada pelo legislador no sentido de cumprimento, extinção em gênero da obrigação, no sentido da observância do dever de fazer quanto se deve, pelo que, na locação de serviço, o adimplemento da prestação deve, no silêncio, ser cumprido no lugar onde a prestação foi pactuada. 24
No contrato de trabalho, especificamente, o pagamento consiste na prestação de serviços, por parte do empregado e na prestação de salários por parte do empregador.
Uma vez determinado o lugar do pagamento, não é dado a nenhum dos contratantes alterá-lo, sem que haja um novo, formal e ulterior acordo, a menos que resulte com toda evidência que a alteração não acarreta o menor dano a qualquer das partes.
Assim, para que haja alteração do local de pagamento, isto é, da prestação de serviços, faz-se necessário o consenso entre as partes, tal como ocorrido quando da formação do vínculo obrigacional, eis que se trata de uma alteração de cláusula essencial do contrato.
Ao empregado compete decidir se poderá ou não, de acordo com as circunstâncias, trabalhar neste ou naquele lugar, considerando aqui o âmbito geográfico, e esta definição ele a realiza ao aceitar as condições iniciais do contrato, onde a transferência estará compreendida de forma positiva ou negativa.
Sustenta Xxxxx Xxxx que formaram-se duas correntes acerca da possibilidade de transferência, uma restritiva e outra extensiva.
A primeira delas possui como principal defensor estrangeiro Xxxxxxx Xxxxx, que ao estudar a fixação do lugar da prestação do serviço, discorre:
Faz parte da imutabilidade da prestação igualmente o lugar em que deve esta ser efetuada, e que é aquele estabelecido no contrato. No silêncio deste, se presume como lugar da prestação aquele onde o contrato foi estipulado.
24 XXXXXX, Xxxxx xx. Il Contrato di Lavoro. Torino, 1937, p. 205. Apud REIS, Nélio. Alteração do Contrato de Trabalho. Ibidem, p. 170.
Consequentemente, uma empresa que possua mais de um estabelecimento e em lugares diferentes, não pode transferir para outro estabelecimento o trabalhador contratado em estabelecimento diverso daquele onde presta seus serviços. 25
Já a segunda corrente é representada por Xxxxx Xxxxx, segundo o qual o direito de transferência do empregador é um real e legítimo interesse da empresa, sendo justa a transferência não só entre vários estabelecimentos da empresa, como a de uma zona para outra na hipótese de vendedores viajantes. 26
Entre ambas as correntes, há autores menos radicais, como Xxxxx Xxxx Xxxxxxxxxxx, para quem a faculdade de deslocação é legitimamente exercida pelo empregador, desde que esta seja substancial e prevalentemente justificada pelas exigências técnicas da empresa, e em particular do estabelecimento ao qual o trabalhador está ligado. 27
Acerca da alteração circunstancial, teceremos mais detalhes em capítulo próprio.
1.4.3 Classificação conforme os efeitos
Quanto aos efeitos das alterações, as mesmas podem ser favoráveis ou desfavoráveis ao empregado.
As favoráveis implicam numa melhora da situação de trabalho do empregado e, por traduzirem um patamar de direitos superior ao padrão normativamente fixado, segundo Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, tendem a ser sempre válidas. 28
25 XXXXX, Xxxxxxx. Nozioni di Diritto Industriale. Milano, p. 74. Apud REIS, Nélio. Alteração do Contrato de Trabalho. Ibidem, p. 175.
26 XXXXX, Xxxxx. Il Contrato di Lavoro. Torino, 1939, p. 257-258. Apud REIS, Nélio.
Alteração do Contrato de Trabalho. Ibidem, p. 177.
27 XXXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxx. Corso di Diritto del Lavoro. Padova, 1937, p. 241-242. Apud REIS, Nélio. Alteração do Contrato de Trabalho. Ibidem, p. 177.
28 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho. 12ª ed., São Paulo: LTr, 2013, p. 1039.
Ora, ao oferecer uma melhoria contratual ao empregado, o empregador não necessita de sua anuência para a concretização da alteração, eis que benéfica. Servem como exemplos: aumento salarial espontâneo (sem aumento de tarefas ou de responsabilidade funcional) ou diminuição da jornada de trabalho (sem diminuição do salário). Da mesma forma, quando o empregado oferece o empregador alguma vantagem isenta de contrapartida, como um serviço mais rápido e eficiente.
As alterações desfavoráveis, em regra, ainda que por mútuo consentimento, são consideradas ilícitas, a teor do artigo 468 da CLT e somente serão válidas, quando expressamente autorizadas por lei ou norma coletiva, assim como quando decorrentes do exercício regular do jus variandi, de força maior ou de crise conjuntural.
Para abstrair a licitude ou não das alterações desfavoráveis, poderíamos partir da premissa de que todas as alterações, se unilaterais, implicariam em presunção absoluta de prejuízo e, portanto, seriam ilícitas. Entretanto, tal não é verídico, ao passo que em situações especiais, as alterações mesmo unilaterais são lícitas.
A título de exemplo, cite-se o parágrafo único do artigo 468 da CLT, o qual autoriza o retorno ao cargo efetivo e o § 2º, do artigo 469 da CLT, que autoriza a transferência na hipótese de extinção do estabelecimento em que o empregado trabalhar.
Ao tratar do assunto, Xxxxx Xxxx discorre que, em face de um acordo, onde as partes livremente debateram as novas condições a serem introduzidas, não se deve decretar a sua nulidade com a simples alegação de que elas implicaram para o trabalhador numa desvantagem de qualquer espécie. Apenas a prova da vontade viciada, com a apuração de vícios do consentimento possibilitaria a declaração judicial da alteração acordante. 29
29 XXXX, Xxxxx. Alteração do Contrato de Trabalho. Ibidem, p. 116.
Quando o empregado se insurge contra uma alteração nula, está exercendo o direito de resistência, daí podendo resultar o restabelecimento do status quo ante ou a rescisão indireta do contrato.
Acerca do jus variandi, que autoriza a alteração desfavorável, se exercido regularmente, cuidaremos de forma mais detalhada oportunamente.
1.5 Previsão das alterações contratuais na legislação
Diferentemente do que se dá por ocasião da formação do contrato, em que há uma liberdade relativa de convencionar determinadas condições, no âmbito da alteração contratual, aumenta a intervenção do Estado na vontade das partes, de modo que se da nova pactuação resultar prejuízos ao trabalhador, tal será nula.
É certo que tanto na celebração do contrato, quanto em sua alteração, há um conteúdo mínimo de direitos a ser observado, conforme o disposto na lei, nas normas coletivas e na sentença normativa; além dos usos e costumes, sobretudo os da própria empresa.
Há de se considerar, também, o disposto em regulamento de empresa, desde que contenha dispositivos substancialmente contratuais.
Originariamente, o regulamento é ato unilateral do empregador, sendo possível a este, no exercício do poder diretivo, modificar seu conteúdo. Contudo, uma vez que os empregados aderem ao regulamento, tácita ou expressamente, as cláusulas regulamentares se tornam bilaterais, integrando automaticamente o contrato individual de trabalho.
Acerca do assunto foi editada a Súmula 51 do TST, a qual dispõe em seu item I:
“As cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento”.
A regra de inalterabilidade contida no item acima, vale dizer, atingem apenas as cláusulas contratuais individuais, não aplicando-se às cláusulas contratuais coletivas, as quais podem revogar ou alterar vantagens deferidas anteriormente, pois submetidas a um sistema contratual diferenciado, no qual as partes contratantes estão num plano de igualdade.
É que na negociação coletiva uma aparente perda pode significar um ganho real, o acréscimo de garantia ou o afastamento de um mal mais grave.
Retomando a questão atinente ao contrato, tendo em vista que, em regra, o mesmo também possui cláusulas originadas da vontade das partes, no tocantes a estas, a referência passa a ser o próprio contrato e não mais a lei.
As cláusulas, sejam oriundas da lei ou do consenso, podem sempre ser substituídas por outras no sentido vertical para cima, isto é, podem ser superadas. Neste sentido, é o disposto no artigo 444 da CLT.
Aqui, vale distinguir as cláusulas coincidentes com a lei daquelas elaboradas pelas partes, sendo que as primeiras somente podem ser substituídas, se superadas; enquanto as segundas admitem a substituição no sentido horizontal, ou seja, é possível caminhar de um mínimo em direção a outro mínimo.
Da leitura do artigo 468 da CLT, observa-se que sua primeira parte objetiva preservar ambos os contratantes, admitindo apenas alterações consensuais, ao passo que a segunda parte tutela apenas o trabalhador, em virtude do desequilíbrio revelado pela alteração que o prejudica. Tal se justifica, por ser o empregado hierarquicamente subordinado ao empregador e pela inexistência da garantia de emprego, de modo que o empregado pode ser forçado a concordar com determinada alteração, mesmo prejudicial, ou não abstrair as consequências de referida alteração.
Ao falar em prejuízo, a lei não se restringe à questão econômica, de cunho salarial, englobando todas as hipóteses em que da alteração resultar qualquer dano ao empregado.
O prejuízo pode ser direto ou indireto; material ou imaterial; atual ou futuro, porém, sempre certo, decorrente de circunstâncias contemporâneas. Xxxxxx Xxxxx Xxxxx exemplifica: direto, se houver rebaixamento; indireto, se trouxer exclusividade; material, se subtrair um prêmio; moral, se censurar a palavra; atual, se ampliar a jornada; futuro, se trocar o salário variável pelo fixo, às vésperas de um “boom” previsível nos negócios. 30
Nas alterações unilaterais, há, em princípio, presunção absoluta de prejuízo, contudo, em certas situações o rigorismo da lei é atenuado, possibilitando a ambos os contratantes promover alterações lícitas.
Neste sentido, temos o parágrafo único do artigo 468, da CLT, no qual, mantendo a coerência, o legislador, ao invés de excepcionar, diretamente, a regra proibitiva, preferiu rejeitar as alterações como tais, ao descrever: “Não se considera alteração unilateral (...)”.
Já no artigo 469, § 2º, da CLT, o legislador sem afirmar ou negar que se tratava de alteração unilateral, apenas enunciou a regra permissiva: “É lícita a transferência (...)”.
Além das situações especiais acima, previstas em lei, a doutrina acrescenta as alterações unilaterais benéficas ao empregado e as decorrentes de necessidade imperiosa da empresa, desde que sejam de curta duração.
Observa-se que embora o artigo 468 da CLT consagre o princípio da inalterabilidade contratual, é fato que por ser o contrato de trabalho de trato sucessivo e sujeito ao princípio da continuidade, a alterabilidade tornou-se regra, sendo da essência do contrato.
Entretanto, referida mutabilidade, para ser válida, não pode resultar prejuízo ao empregado, o que, nas palavras de Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxx, se encontra em perfeita consonância com o princípio da isonomia, por meio do qual se estabelece uma igualdade real entre as partes contratantes. 31
30 XXXXX, Xxxxxx Xxxxx. Direito de Resistência: possibilidades de autodefesa do empregado em face do empregador. Ibidem, p. 245.
31 MANUS, Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxx. Direito do Trabalho. Ibidem, p. 105.
Por oportuno, vale ressaltar que a própria Constituição Federal, em seu artigo 7º, VI e XIII, embora estipule a irredutibilidade salarial e o limite da jornada de trabalho, autoriza a mudança destas condições, desde que por meio de negociação coletiva, flexibilizando, assim, a regra geral da imodificabilidade das condições do contrato de trabalho. Tal se fez necessário em decorrência da crise econômica mundial associada ao ritmo acelerado do desenvolvimento tecnológico.
No próximo capítulo, cuidaremos, especificamente, das alterações contratuais atinentes à função e ao local de prestação de serviços, por serem estas as modificações mais intrincadas no âmbito laborativo, possuindo esta última, inclusive, dispositivos legais específicos que a regulamentam.
Capítulo II
Alterações contratuais em espécie
2.1 Alteração de função
No contrato individual de trabalho é de fundamental importância a fixação, pelo menos aproximada, dos serviços que devem ser prestados, conforme a qualificação profissional do trabalhador, sendo que na inexistência de cláusula expressa a respeito da qualificação, a condição pessoal do empregado determina, embora de forma mais ampla, os serviços que deve prestar, a teor do artigo 456, parágrafo único da CLT.
A qualificação profissional, nos dizeres de Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx, é o conjunto de aptidões do empregado, enquanto a função é o conjunto de tarefas de que se ocupa efetivamente o trabalhador e, em havendo divergência entre a qualificação e a função, deve prevalecer esta última. 32
A qualificação profissional, conforme ensinamentos de Xxxxx Xxxx Xxxxxxxxxxx:
“Compreende dois elementos extremamente variáveis e contingentes: um, subjetivo, formado pela capacidade profissional de cada trabalhador, e outro, objetivo, pela destinação qualitativa do trabalho em cada empresa”. 33
Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxx, por sua vez, assevera que a qualificação profissional retrata, em última análise, a função que o empregado exercerá na empresa, distinguindo-se da habilitação, que corresponde à capacitação para o exercício de determinada profissão. Prossegue referida autora, aduzindo:
Se as partes não fizeram referência à qualificação profissional no contrato, tampouco conseguiram comprová-la, presume-se que o “empregado obrigou-se a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal” (art. 456, parágrafo
32 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. Modificações do Contrato de Trabalho. Disponível em: <http:// xxxxxx.xxxxxxxxx.xxxx.xx/xxxxxx/0/000/00.xxx> Acesso em 11 ago. 2013.
33 XXXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxx. Trattato de Borsi-Pergolesi. Xxxxxx, Xxxxx, vol. 1, 1939, p. 177-178. Apud XXXXXX, Xxxxxxx. Alteração do Contrato de Trabalho. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1990, p. 69.
único, da CLT), o que significa que o serviço deverá ser compatível com sua habilitação, se a possuir, ou, caso contrário, com a habilidade profissional de que dispuser.34
Assim como outras condições do contrato de trabalho, a função, com o decorrer do tempo, também pode ser modificada, desde que a alteração seja bilateral e não gere prejuízo ao empregado. As alterações unilaterais serão toleradas apenas quando realizadas no exercício estrito do jus variandi.
A alteração do contrato, no que concerne à natureza do cargo ocupado, pode se dar sob a forma de promoção, rebaixamento e retorno.
Por meio da promoção, o empregado é transferido de uma categoria para outra superior, com vantagens efetivas.
Aspecto dos mais importantes consiste em verificar a que categoria pertence o trabalhador e para a qual ele será direcionado, podendo a promoção implicar em transferência de uma categoria para outra da mesma natureza, de natureza afim ou diferenciada.
Categoria da mesma natureza é aquela compreendida no âmbito da mesma qualificação profissional, sendo a promoção a passagem de uma posição inferior para outra superior, com vantagens profissionais e econômicas. Aqui, acentua Xxxxx Xxxx, não é dado ao empregado o direito de recusar a promoção, pois tal implicaria em prejuízo dele próprio e de sua família, assim como da empresa, que lhe requer a capacidade em lugar mais vantajoso. 35
Já a categoria de natureza afim consiste naquela em que a qualificação do trabalhador possui pontos de semelhança e contato com outra imediata ou mediata. A título de exemplo de categorias afins, cite-se o propagandista, que envolve apenas a divulgação das qualidades do produto, em relação à do vendedor pracista, que se encarregará de vender, procedendo a nova propaganda ou completando a primeira. Nesta hipótese, o direito de recusa do trabalhador em aceitar a promoção também sofre limitações, contudo, em proporção menor do que na alteração para categoria de idêntica natureza.
34 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho. 6ª ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 2010, p. 850.
35 XXXX, Xxxxx. Alteração do Contrato de Trabalho. Ibidem, p. 153.
Quanto à promoção entre categorias de natureza diferenciada, o trabalhador pode a ela se opor, desde que invoque o aspecto da alteração contratual em que ela implica.
Ora, nas categorias idênticas e afins há uma presunção de que não há interesse do trabalhador na recusa, existindo interesse social da produção na melhoria das condições de trabalho. Já na diferenciada, o único interesse fundamental é o do trabalhador em face ao do empregador. Ao mudar a categoria, haverá uma alteração na natureza do trabalho, obrigando o empregado a uma nova adaptação, o que termina por contrariar a ideia de melhoria e desenvolvimento ligada ao conceito de promoção.
Acerca do tema, Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxx defende que o empregado poderá recusar a promoção, desde que reste comprovado que ele não tem aptidão para assumir as novas atribuições, por gerar-lhe sacrifícios ou transtornos sem vantagens compensatórias ou por outra justificativa razoável.
36
No mesmo sentido, é o entendimento de Xxxxxxx Xxxxxx, para quem a recusa à promoção é uma prerrogativa do empregado, pois pode lhe trazer prejuízos em razão do local de trabalho, do horário ou até mesmo por razões pessoais. 37
Tratando-se, porém, de empresa que possua quadro de pessoal organizado em carreira torna-se mais complexa a recusa da promoção por parte do empregado, pois ocorrida a vaga no quadro, espera-se seja ela ocupada, de modo que o colega que se encontra na posição imediatamente inferior tenha acesso ao cargo deixado pelo que foi promovido. A recusa injustificada em aceitar a promoção em quadro de carreira poderá impedir mobilidade de pessoal, em detrimento dos colegas.
Além da promoção, há o rebaixamento, por meio do qual o trabalhador é deslocado de uma categoria para outra mediata ou imediatamente inferior. Formaram-se aqui dois entendimentos, conforme descrição de Xxxxx Xxxx: um
36 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho.Ibidem, p. 851.
37 XXXXXX, Xxxxxxx. Alteração do Contrato de Trabalho. Ibidem, p. 71.
defendido por Xxxxxxxx Xxxxxx, minoritário, para quem o rebaixamento está inserido no poder de direção do empregador, sendo, portanto, permitido, desde que a transferência não se dê de forma humilhante. E, outro, majoritário, representado por Xxxxxxx Xxxxxxx, para quem o rebaixamento, em regra, não é admitido, vejamos:
O rebaixamento de categoria do empregado (sob o regime de estabilidade) ou a sua transferência de uma função para outra de nível inferior, desde que não seja por motivo de ordem disciplinar ou por exigência do próprio serviço da empresa, poderá constituir-se ato antijurídico, um abuso de direito, sobre o qual têm competência decisória os órgãos de justiça trabalhista. 38
De fato, o rebaixamento do trabalhador traduz uma redução de sua qualificação profissional, colocando-o numa posição humilhante perante os demais colegas de trabalho, não sendo referido ato conforme o direito.
Acerca do assunto, Xxxxxxx Xxxxxx assevera que a única circunstância admissível para justificar o rebaixamento funcional do trabalhador, seria por ocasião do término do período de experiência, quando constatada a imperícia para a função submetida a teste de habilitação. Neste caso, ao invés de romper a relação, o empregador poderá condicionar a permanência do empregado à sua inserção em categoria inferior àquela em que trabalhou no período experimental. 39
Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx repudia o rebaixamento em qualquer hipótese, aduzindo ser nulo de pleno direito, com base no artigo 9º da CLT, ato que venha a configurá-lo; nem por mútuo consentimento o rebaixamento poderá prevalecer, dado seu evidente prejuízo. 40
Por oportuno, vale trazer à colação, recente julgado emanado do E. TRT da 2ª Região, em que o trabalhador sofreu rebaixamento de cargo de vigilante líder para vigilante, em típica hipótese de alteração contratual lesiva,
38 XXXXXXX, Xxxxxxx. Rebaixamento de Categoria. In Revista do Trabalho, Rio de Janeiro,
p. 107-111, 1941. Apud REIS, Nélio. Alteração do Contrato de Trabalho. Ibidem, p. 158.
39 XXXXXX, Xxxxxxx. Alteração do Contrato de Trabalho. Ibidem, p. 73.
40 ROMAR, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Alterações do Contrato de Trabalho: função e local. Ibidem, p. 100.
tendo o relator entendido pela ocorrência de prejuízos imateriais ao empregado, vejamos:
II - REBAIXAMENTO FUNCIONAL. DANO MORAL.
CARACTERIZAÇÃO. Consoante doutrina Xxxxxx Xxxxxxxxx, "o dano moral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti, que decorre das regras da experiência comum.". (in Programa de Responsabilidade Civil. 2ª ed. São Paulo: Malheiros. 1998, p. 80). Na espécie, o rebaixamento funcional do reclamante, revertendo-o para cargo hierarquicamente inferior na empresa, traz consigo o ínsito e presumível abalo em sua autoestima e honra (dano in re ipsa), gerando imensurável humilhação e dor, expondo-o ao constrangimento perante os demais colegas. Pelo exposto, tem-se que a atitude do empregador exorbitou do seu poder diretivo, caracterizando-se como ato ilícito (art. 186 do CC), acarretando danos irremediáveis à dignidade e imagem do trabalhador, com repercussão negativa nas relações profissionais, sociais e familiares, sendo, pois, fato gerador do dever de indenizar (art. 927 do CC c/c o art. 8º da CLT) o patente abalo no patrimônio imaterial do autor. Apelo obreiro provido nos tópicos. 41
Diversamente, em julgamento realizado por outra Turma do citado Tribunal, decidiu-se que o rebaixamento funcional não autoriza a reparação moral, eis que nenhum trabalho lícito é indigno:
DANO MORAL. RECONDUÇÃO DO EMPREGADO AO CARGO ANTERIORMENTE EXERCIDO. REDUÇÃO SALARIAL E REBAIXAMENTO FUNCIONAL. SITUAÇÃO VEXATÓRIA. INOCORRÊNCIA. REPARAÇÃO INDEVIDA. O
direito à reparação pecuniária do dano moral não se consolida apenas pela redução salarial consequente da recondução do empregado ao cargo anteriormente exercido, judicialmente revertida; depende da demonstração irretorquível da atuação do empregador com o intuito de prejudicar e do efetivo comprometimento daquele no aspecto econômico/financeiro. Ademais, é incogitável a delineação de exposição vexatória sob a perspectiva do rebaixamento funcional, na medida em que nenhum trabalho lícito é indigno. 42
Outra situação atinente à alteração de função é o retorno, também denominado reversão, em que o empregado transferido para determinada
41 TRT 2ª Região, RO 20120059523, Ac. 20130194934, 4ª T., Relª. Xxxxx Xxxxxx Xxxxx Xxxxxx, x. 05.03.2013, p. 15.03.2013.
42 TRT 2ª Região, RO 20120091377, Ac. 20130124162, 2ª T., Relª. Xxxxxxxxxx Xxxxxx, x. 20.02.2013, p. 26.02.2013.
função, volta àquela imediata anteriormente exercida. Difere do rebaixamento funcional porque não afeta a qualificação profissional do trabalhador, na medida em que a função da qual retorna vinha sendo exercida em caráter precário.
O retorno pode resultar de promoção ou de mera alteração de funções, isto é, pode advir da volta de um cargo superior ao efetivo ou de um cargo semelhante para o efetivo, sem gradação hierárquica de categoria.
Recaindo a promoção sobre cargo de confiança, o próprio artigo 468, parágrafo único, da CLT, afasta a figura da alteração unilateral, possibilitando ao empregador determinar que o empregado reverta ao cargo efetivo, anteriormente ocupado, deixando o exercício de função de confiança. Tal se justifica porque o que embasou a sua condução a referido cargo é justamente um critério subjetivo, de confiança estrita que o empregador deposita em determinado empregado. E, uma vez extinto o elemento fiduciário, é possível o retorno do trabalhador ao cargo anteriormente ocupado.
Caso a promoção não recaia sobre cargo de confiança, há de ser ponderada a transitoriedade do novo cargo para o qual o trabalhador foi designado; se na transferência, foi expressamente previsto seu caráter precário, é possível o retorno do empregado ao cargo anterior, nos termos do artigo 450 da CLT. 43
Referido artigo da CLT versa basicamente sobre duas hipóteses, a saber, o comissionamento interino, que corresponde à promoção em caráter de experiência, e a substituição eventual ou temporária, destinada a suprir faltas ou impedimentos de outros empregados.
No tocante ao comissionamento interino, é de se notar que não há um prazo fixado em lei para ocupação de referido cargo, competindo às normas coletivas estipular cláusulas atinentes a este prazo e, no silêncio destas, o entendimento doutrinário é de que se a ocupação de um cargo, interinamente,
43 Artigo 450 da CLT: Ao empregado chamado a ocupar, em comissão, interinamente, ou em substituição eventual ou temporária, cargo diverso do que exercer na empresa, serão garantidas a contagem do tempo naquele serviço, bem como volta ao cargo anterior.
perdurar por mais de três meses, o empregado terá o direito de pleitear a sua efetivação no cargo. Tal decorre de analogia feita ao contrato de experiência, que possui duração máxima de noventa dias, não sendo razoável que a avaliação para promoção do empregado seja superior àquela do período experimental.
Portanto, finda a promoção em caráter experimental, poderá o empregador promover definitivamente o empregado ou determinar seu retorno ao cargo originário e efetivo.
Também no caso de substituição eventual ou temporária, o legislador manteve-se silente acerca de quanto tempo é considerado eventual ou temporário. É fato que seria de grande relevância a distinção entre substituição eventual e não eventual, na medida em que a Súmula 159, I, do C. TST dispõe que:
“Enquanto perdurar a substituição que não tenha caráter meramente eventual, inclusive nas férias, o empregado substituto fará jus ao salário contratual do substituído”.
Orienta-se, portanto, a jurisprudência trabalhista no sentido de assegurar ao empregado o direito ao salário do substituído nas substituições provisórias ou interinas, excluindo-se as meramente eventuais.
Xxxxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx, ao tratar do tema, posiciona-se no seguinte sentido:
Diz-se eventual aquela substituição ocorrida, v.g., por uma tarde, quando o titular teve de retirar-se por qualquer motivo. Da substituição não eventual – Dá-se quando o substituto passa a ocupar o cargo por ocasião das férias, doença prolongada, licença-prêmio, ou mesmo quando o substituído é deslocado dentro da empresa para substituir em outro setor etc., pouco importando o maior ou menor período de duração. Dizer-se, por exemplo, que a substituição em férias de trinta dias é eventual e que a substituição em licença-prêmio de seis meses não é eventual é pura elucubração. A lei não fixa prazo. Deve o julgador ater-se ao princípio da razoabilidade. E não há
razão para que a empresa pague menos ao empregado que substituiu o chefe do setor, por exemplo. 44
Verifica-se, portanto, que a eventualidade ou não da substituição dependerá da análise de cada caso concreto, lembrando que se insuscetíveis de serem programadas, as substituições são consideradas eventuais.
Vale ponderar, por oportuno, que excluídas as hipóteses dos artigos 468, parágrafo único e artigo 450, ambos da CLT, as quais alteram a qualificação profissional do empregado até que haja sua reversão ao cargo efetivo, o retorno implica em abuso de direito por parte do empregador. Tais hipóteses, ainda, representam exceção ao princípio da irredutibilidade salarial.
Autores como Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxx e Xxxxxxx Xxxxxx elencam o aproveitamento como espécie de alteração qualitativa, na qual a alteração se dá horizontalmente, ou seja, pela passagem de uma para outra função dentro do mesmo nível hierárquico.
O aproveitamento por meio de ato voluntário unilateral do empregador é possível quando advém da extinção do cargo ocupado pelo empregado e desde que o novo cargo seja semelhante ao anterior e não importe lesão à sua dignidade. Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxx exemplifica que na prática o aproveitamento tem ocorrido com a extinção de funções em virtude da automação. 45
A regra é a licitude das alterações funcionais horizontais, sendo que em situações excepcionais, as mesmas são proibidas, vejamos: se a alteração implicar o rigor excessivo, se colocar em risco a integridade física do empregado, se constituir situações humilhantes ou contrárias aos bons costumes e, ainda, se for tão significativa que desfigure a qualificação do empregado. O limite, frise-se, é o prejuízo.
Não é demasiado salientar que nos casos de extinção do cargo e de readaptação, o empregador é legalmente autorizado a proceder à alteração de
44 XXXXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxxx xx. Comentários aos Enunciados do TST. 4ª ed. rev. atual., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 388.
45 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho. Ibidem, p. 852.
função, com vistas a um bem maior, qual seja, a manutenção do contrato de trabalho.
2.2. Alteração do local de trabalho
2.2.1 Considerações gerais
Anteriormente à CLT, ausente lei que tratasse sobre a matéria, as decisões proferidas caminhavam no sentido de que inexistindo proibição contratual de transferência do empregado, tal era possível, uma vez que não lhe estava garantida a permanência em determinado local. Desde que houvesse uma compensação econômica, aqui incluída, as despesas de viagem da família do empregado, poderia o empregador, segundo conveniência da organização interna da empresa, alterar o local de trabalho.
A regra então vigente era no seguinte sentido:
Respeitadas as diferenças econômicas das regiões e a natureza dos serviços, nada impede ao empregador para melhor organização de seus negócios, a transferência de empregado cujo contrato de trabalho não lhe assegure a permanência em determinado local. (JCJ – 1 DF JP VII/112) 46
Discutia-se à época as consequências econômicas da transferência e não sua natureza jurídica. Assim, as limitações impostas diziam respeito não ao ato unilateral do empregador, mas a eventual redução salarial decorrente da transferência.
Assim, as alterações do local de trabalho, desde que não proibidas no contrato, eram consideradas lícitas. Imperava, portanto, o princípio da remoção, da autonomia e da liberdade do empregador de transferir os empregados de local, desde que não houvesse redução salarial, nem fosse violada a dignidade, com inferiorização de categoria.
Com o advento da CLT, alterou-se a regra geral atinente à mudança de local de trabalho, apregoando o artigo 469, caput, ser vedado ao empregador
46 Julgado extraído do seguinte livro: XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. O Contrato de Trabalho e sua Alteração. Ibidem, p. 57.
transferir o empregado sem a sua anuência para localidade diversa daquela inicialmente contratada. Temos aqui, a regra da intransferibilidade do local de trabalho, justamente por ser o local da prestação de serviços cláusula essencial do contrato laboral.
Focaremos a alteração do local de trabalho às transferências ocorridas no âmbito nacional, não sendo objeto do presente estudo aquelas em que o empregado tem modificado o lugar de prestação de serviços para o exterior, dada a extensão e a complexidade do tema, sobretudo nos dias atuais frente à economia globalizada.
2.2.2 Hipóteses de transferência
Ao tratarmos das modificações do local de trabalho nos deparamos com dois interesses conflitantes: o do empregador, que em sua gestão, necessita organizar e dinamizar os serviços e o do empregado, que, em regra, suporta certo desconforto pessoal oriundo da remoção, o qual, diga-se, é majorado, caso seja necessária a alteração da residência.
A legislação, então, a fim de compatibilizar tais interesses, se baseou no nível e intensidade de desconforto provocados no trabalhador, para diferenciar as modificações de local de trabalho. Assim, sob esta concepção, podemos classificar as transferências em relevantes e não relevantes. As primeiras são aquelas que implicam em alteração da residência do trabalhador, dado o elevado nível de desconforto e distúrbio pessoal e familiar oriundo da modificação; já as transferências que não provoquem alteração da residência do empregado e sua família, são denominadas não relevantes.
A CLT, inclusive, nem mesmo considera como transferência a alteração circunstancial não relevante, sendo, a princípio, lícita, pois integrante do jus variandi do empregador. Contudo, nesta hipótese, compete à empresa
arcar com as despesas adicionais de transporte eventualmente geradas com referida alteração, a teor da Súmula 29 do C. TST. 47
Diz a CLT, então, na segunda parte do artigo 469, caput, que não se considera transferência a que não acarretar necessariamente a mudança do domicílio do empregado. Acerca deste dispositivo, Xxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx faz a seguinte crítica:
“A transferência não deixa de existir mesmo que dela não decorra a mudança de domicílio. Continua existindo porque opera-se, de qualquer forma, a mudança da sede de trabalho de um local para outro”. 48
A crítica enunciada por referido autor, a nosso ver, é bastante pertinente, pois, de fato, uma vez alterado o local de trabalho, ainda que não haja mudança do domicílio, resta configurada a transferência. Porém, em casos como este, a transferência, é lícita, podendo ocorrer validamente, sendo este o sentido que deve ser dado ao texto legal.
Verifica-se, do exposto, que é o domicílio que vai direcionar a transferência, razão pela qual vale traçarmos algumas considerações a respeito de referida expressão empregada pelo texto legal.
Entende os doutrinadores em geral 49, que ao consignar a palavra “domicílio” quis a lei se reportar à noção de residência e não de domicílio nos termos contidos na lei civil.
Neste sentido, oportunas as palavras de Xxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxx
Junior:
47 Súmula 29 do C. TST: Empregado transferido, por ato unilateral do empregador, para local mais distante de sua residência, tem direito a suplemento salarial correspondente ao acréscimo da despesa de transporte.
48 XXXXXX XXXXXX, Xxxxxx xx Xxxxxxxx. Transferência de Empregados: urbanos e rurais. São Paulo: LTr, 1980, p. 151.
49 A título de exemplo, cite-se: XXXXX, Xxxxxx Xxxxx. Direito de Resistência: possibilidades de autodefesa do empregado em face do empregador. Ibidem, p. 264-265; XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. Alterações Contratuais Trabalhistas. Ibidem, p. 99; ROMAR, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Alterações do Contrato de Trabalho. Ibidem, p. 117.
O que a norma trabalhista procura é a residência do trabalhador, onde tem sua moradia, onde mantém a sua família, esposa e filhos, onde formou as suas relações sociais, matriculou seus filhos em escolas. A perspectiva, pois, é diversa do Direito Civil. 50
Ainda no artigo 469, caput, da CLT, o legislador refere-se ao termo localidade do contrato e não local do contrato, sinalizando o sentido geográfico da palavra, a qual deve ser interpretada como cidade ou município.
Xxxxxx Xxxxx Xxxxx assevera que pouco importa se a nova localidade se encontra ou não no mesmo município, cidade ou área metropolitana – desde que seja diversa e importe necessariamente mudança de domicílio. Ausente referida mudança, o empregador poderá, no exercício do jus variandi, remover o empregado de uma para outra localidade. 51
Ao manifestar-se sobre o tema, o E. TRT da 2ª Região decidiu pela inocorrência de transferência em hipótese na qual a trabalhadora foi removida de Santo André para São Bernardo do Campo, dada a desnecessidade de alteração de domicílio, vejamos:
ADICIONAL DE TRANSFERÊNCIA. ART. 469 DA CLT. A
transferência que perdura por mais de cinco anos, até a extinção do vínculo empregatício, tem natureza definitiva, incompatível com o pagamento do adicional perseguido, por força do art. 469, § 3º, da CLT. Também não é considerada transferência aquela alteração contratual que não acarreta necessariamente a mudança de seu domicílio, por força do disposto no art. 469, caput, da CLT. Se a residência da trabalhadora é localizada em Santo André e sua remoção se dá para São Bernardo do Campo, esta não é considerada para os efeitos do pagamento do adicional de transferência, vez que são municípios limítrofes, sendo desnecessária a mudança residencial. Adicional de transferência indevido. 52
Além da classificação em transferências relevantes e não relevantes, temos as lícitas e ilícitas, conforme estejam ou não, respectivamente, ajustadas à ordem jurídica.
50 XXXXXX XXXXXX, Xxxxxx xx Xxxxxxxx. Transferência de Empregados: urbanos e rurais. Ibidem, p. 161.
51 XXXXX, Xxxxxx Xxxxx. Direito de Resistência: possibilidades de autodefesa do empregado em face do empregador. Ibidem, p. 265.
52 TRT 2ª Região, RO 00498-2002-461-02-00, Ac. 20050440882, 4ª T., Rel. Xxxxx Xxxxxxx
Xxxxxx, DOESP 15.07.2005. (grifamos)
Dentre as remoções lícitas, podemos elencar: (a) as não relevantes, isto é, que não provoquem alteração da residência do trabalhador, das quais já discorremos; (b) as relevantes, desde que haja concordância ou interesse comprovado do trabalhador e (c) as relevantes excepcionalmente situadas dentro do jus variandi do empregador.
Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx assevera que no caso da letra ‘(b)’, transferências relevantes, inobstante a expressão utilizada no artigo 469, caput, da CLT seja “anuência”, a interpretação tem sido além da meramente gramatical, entendendo-se que, para a licitude da alteração, não basta a anuência, sendo necessário atender a interesse do empregado, haja vista que no contrato de trabalho há sempre uma restrição da vontade do trabalhador. 53
As remoções relevantes autorizadas pela CLT e excepcionalmente enquadradas no jus variandi do empregador, acima identificadas pela letra ‘(c)’, se resumem a quatro hipóteses, conforme segue:
(i) na extinção do estabelecimento em que trabalhar o empregado (artigo 469, § 2º);
(ii) quando se tratar de empregados que exerçam cargo de confiança (artigo 469, § 1º);
(iii) empregados cujos contratos tenham como condição explícita ou implícita a transferência, como os artistas de teatro e os atletas profissionais (artigo 469, § 1°) e
(iv) quando haja necessidade de serviço, desde que provisória a transferência (artigo 469, § 3º).
No tocante à extinção do estabelecimento, há doutrinadores, como Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxx, que entendem ser possível a transferência em qualquer hipótese em que haja extinção do estabelecimento onde o empregado exercia suas funções, ou seja, também são alcançados pelo § 2º, do artigo 469 da
53 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. Alterações Contratuais Trabalhistas. Ibidem, p. 99.
CLT, os casos de transferência do estabelecimento ou de extinção de uma de suas seções. 54
Diferentemente, contudo, é o posicionamento de Xxxxxx Xxxxx Xxxxx, Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx e Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx, os quais defendem que a transferência se admite quando desaparece em definitivo o estabelecimento; o que já não ocorre quando há encerramento das suas atividades, que são reiniciadas em outra localidade. 55
Para os defensores deste último posicionamento, a transferência, na hipótese do § 2º, do artigo 469, da CLT, somente é admitida às empresas que tenham mais de um estabelecimento, sendo que extinto um deles, o empregado pode ser transferido para outro que a empresa possua. Já quando o empregador possui um único estabelecimento e há a criação de outro que irá absorver o primeiro, a transferência não é permitida, pois trata-se de situação que atende apenas aos interesses do empregador, colocando o empregado à mercê de arbitrariedades.
Sobre o assunto, a 8ª Turma do E. TRT da 2ª Região pronunciou-se que o mero fechamento do setor de trabalho não se coaduna com a extinção do próprio estabelecimento, afastando, portanto, a incidência do § 2º, do artigo 469 da CLT, in verbis:
TRANSFERÊNCIA. LICITUDE. EXTINÇÃO DO
ESTABELECIMENTO. Nos termos do parágrafo 2º do art. 469 da CLT, a extinção do estabelecimento em que laborar o empregado é pressuposto de licitude da ordem de transferência do local de trabalho. Mero fechamento do setor de trabalho não se coaduna com a extinção do próprio estabelecimento, pois esta, de maior abrangência, supõe a completa desativação das atividades empresariais na localidade de origem. A supressão da atividade, e não do
54 XXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx; SAAD, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx; CASTELLO BRANCO, Xxx Xxxxx Xxxx. Consolidação das Leis do Trabalho: comentada. 43ª ed. atual., rev. e ampl., São Paulo: LTr, 2010, p. 635.
55 XXXXX, Xxxxxx Xxxxx. Direito de Resistência: possibilidades de autodefesa do empregado em face do empregador. Ibidem, p. 269; XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. Do Poder Diretivo na Empresa. São Paulo: Saraiva, 1982, p. 141 e ROMAR, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Alterações do Contrato de Trabalho. Ibidem, p. 123.
estabelecimento, desautoriza a incidência da exceção legal prevista no parágrafo 2º do art. 469 consolidado. 56
Vale abordar, neste ínterim, a questão atinente a transferência do empregado para outra empresa integrante de grupo econômico; se tal pode ser enquadrado como mera transferência ou sucessão de contratos de trabalho.
A resposta dependerá do posicionamento adotado acerca do alcance da solidariedade prevista no § 2º, do artigo 2°, da CLT. 57 Para os que entendem ser passiva e ativa, haveria mera transferência, na medida em que o grupo econômico constitui empregador único; em considerando apenas passiva a solidariedade, seria o caso de sucessão contratual, pois cada uma das empresas que compõe o grupo se conceitua empregador, sendo, portanto, distintas entre si.
É fato que independentemente da posição a ser adotada, a transferência deverá sempre observar as disposições legais, sob pena de ser declarada ilícita.
Quanto aos empregados de confiança e aqueles cujos contratos contenham cláusula explícita ou implícita a transferência, a lei também autoriza sua transferência unilateral, desde que, entretanto, em ambas as hipóteses, haja real necessidade de serviço, como consignado no § 1º, do artigo 469, da CLT.
A necessidade, segundo Xxxxx xx Xxxxxxx:
Deve resultar dos elementos do contrato, dizendo respeito ao prestador e à prestação, ou seja, às qualidades daquele, em sua qualificação profissional (necessidade da sua pessoa em outro posto), ou ainda às qualidades especiais da prestação requerida (necessidade do seu serviço, difícil de obter-se no outro local). 58
56 TRT 2ª Região, RO 19990432271, Ac. 20000639260, 8ª T., Relª. Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxx Xxx xx Xxxxx, x. 30.10.2001, p. 16.01.2001 (grifamos)
57 Artigo 2º, § 2º, da CLT: Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.
58 XXXXXXX, Xxxxx xx. Atos Unilaterais no Contrato de Trabalho. São Paulo: LTr, 1943, p. 135-136.
Especificamente sobre os exercentes de cargo de confiança, há quem entenda, como Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx, que faz-se prescindível a real necessidade de serviço para que haja transferência de referido empregado. Para referido autor, tais empregados são transferíveis sem que o empregador tenha de provar real necessidade, não havendo que se falar em ilicitude.59 Justifica-se tal entendimento com base no grau de fidúcia que o empregador deposita neste tipo de empregado, de modo que não se justificaria aplicar a estes restrições que a lei prevê para os empregados em geral.
Do posicionamento acima, discorda, dentre outros doutrinadores, Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxx e Amauri Mascaro Nascimento60, assim como o C. TST, que sobre o assunto, editou a Súmula 43:
“Presume-se abusiva a transferência de que trata o § 1º do art. 469 da CLT, sem comprovação da necessidade do serviço”.
É que a não comprovação da real necessidade de serviço pode conduzir o empregador a agir de forma arbitrária, abusando do fato de o empregado exercer um cargo mais elevado na organização empresarial.
Ora, a necessidade de serviço está obrigatoriamente vinculada ao poder de direção do empregador, sendo imprescindível, contudo, que o exercício deste poder não seja abusivo.
Assim, é que em não restando comprovada a real necessidade de serviço, em qualquer das hipóteses autorizativas da CLT (§§ 1°, 2º e 3º, do artigo 469), independentemente de ser provisória ou definitiva a transferência, esta será tida por abusiva, podendo o empregado resistir a esta ordem ilegal, valendo-se até mesmo de medida judicial para sustar liminarmente a transferência irregular, a teor do artigo 659, IX, da CLT.
59 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. Manual de Direito do Trabalho: direito individual do trabalho. 4ª ed. rev. atual., v. 2, São Paulo: LTr, 1993, p. 305.
60 XXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx; SAAD, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx; CASTELLO BRANCO, Xxx Xxxxx Xxxx. Consolidação das Leis do Trabalho: comentada. Ibidem, p. 635 e NASCIMENTO, Xxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho. Ibidem, p. 521.
Ao empregador competirá definir qual trabalhador será transferido, inexistindo uma ordem prevalente, nem excludente, em favor ou contra a escolha deste ou daquele empregado quando a transferência for legal.
2.2.3 Adicional de transferência
No tocante ao adicional de transferência é unificado o entendimento acerca do qual o mesmo não será devido nas hipóteses de remoções não relevantes, ou seja, que não impliquem alteração da residência do trabalhador; assim como não será devido o adicional quando a remoção atender a significativo interesse pessoal do trabalhador, interesse este, frise-se, extracontratual, como o familiar, por exemplo.
Quanto à incidência do adicional de transferência, contido no § 3º, do artigo 469 da CLT, existem três vertentes interpretativas.
A primeira defende que referido adicional não seria devido para as hipóteses contempladas nos §§ 1º e 2º, da CLT, isto é, para a transferência dos exercentes de cargo de confiança e aqueles empregados que tenham inseridas em seu contrato cláusula implícita ou explícita de transferibilidade, bem como para a hipótese de extinção de estabelecimento.
Partidário desta primeira vertente, temos Xxxxx Xxxx, para quem o § 1º do artigo 469 da CLT, prevê a concordância tácita presumida em virtude da condição do trabalhador, sendo, portanto, indevido qualquer adicional. 61
Já a segunda vertente de interpretação, assevera que uma vez caracterizada a situação de provisoriedade, independentemente de tratar-se de cargo de confiança ou contemplar o contrato cláusula de transferência, o adicional é devido. Referida interpretação advém da expressão “enquanto durar essa situação” contida no § 3º, in fine, do artigo 469, da CLT.
Ora, o exercício de cargo de confiança, assim como a existência de ajuste contratual quanto à possibilidade de haver transferência, constituem
61 XXXX, Xxxxx. Alteração do Contrato de Trabalho. Ibidem, p. 191.
apenas pressupostos para validade da transferência, sem, contudo, retirar do empregado o direito ao respectivo adicional, necessário para fazer frente às despesas com sua permanência no novo local.
Neste sentido, discorre Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxx:
Se a transferência for definitiva, é inquestionável que o empregado de confiança não faz jus ao referido adicional; e, em sendo ela de caráter provisório, pensamos ser exigível, na hipótese, o adicional, a menos que conste do contrato, expressamente, estar embutida, no salário ajustado, uma parcela para fazer face às despesas decorrentes da transferência provisória. 62
Esta segunda vertente, inclusive, obteve guarida do C. TST, por meio da Orientação Jurisprudencial 113 da SDI-1, vejamos:
ADICIONAL DE TRANSFERÊNCIA. CARGO DE CONFIANÇA OU PREVISÃO CONTRATUAL DE TRANSFERÊNCIA. DEVIDO. DESDE QUE A TRANSFERÊNCIA SEJA
PROVISÓRIA (inserida em 20.11.1997)
O fato de o empregado exercer cargo de confiança ou a existência de previsão de transferência no contrato de trabalho não exclui o direito ao adicional. O pressuposto legal apto a legitimar a percepção do mencionado adicional é a transferência provisória. (grifamos)
O legislador, contudo, não define o que seja transferência provisória, nem mesmo fixa seu prazo de duração. Assim, tem-se entendido que a necessidade de serviço seria o critério determinador da duração da transferência provisória, isto é, esta perdurará enquanto verificar-se a necessidade de serviço que justificou inicialmente a transferência.
Acerca do assunto, Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxx assevera que a doutrina, por analogia ao artigo 478, § 1º, da CLT, que prevê como período de experiência o primeiro ano do contrato, tem considerado provisória a transferência que dure até um ano. 63
A nosso ver, andou bem o legislador ao não estipular um período exato como sendo provisório, pois isto implicaria em eventuais prejuízos ao
62 XXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx; SAAD, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx; CASTELLO BRANCO, Xxx Xxxxx Xxxx. Consolidação das Leis do Trabalho: comentada. Ibidem, p. 635.
63 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx de. Curso de Direito do Trabalho. Ibidem, p. 862.
empregador e também ao empregado, que poderia ver-se obrigado a permanecer em outro lugar quando já concluído o serviço que ensejou a transferência.
Por fim, cite-se uma terceira vertente de interpretação, por meio da qual, considerando que a remoção relevante, seja provisória ou definitiva, implica em surgimento de circunstâncias mais gravosas ao exercício do contrato para o trabalhador, é sempre devido o pagamento do adicional, ressalvada apenas a hipótese de a transferência ter-se concretizado por comprovado interesse extracontratual do empregado.
Vale observar, que uma vez retornando o trabalhador à localidade original de prestação de serviços, o adicional deixará de existir, o que se aplica, também, quando cessada a necessidade de serviço e o empregado continuar a exercer suas funções no local para onde foi removido, pois neste caso, a transferência passa a ser definitiva.
Outrossim, prevê a CLT, em seu artigo 470, o pagamento de uma ajuda de custo, com vistas a repor as despesas de transferência do trabalhador e sua família. Referida verba possui caráter indenizatório e é paga por curto espaço de tempo, não se integrando, destarte, ao salário ou contrato.
2.2.4 Empregados portadores de estabilidade
A estabilidade é o direito do empregado de manter o emprego mesmo contra a vontade do empregador, ressalvadas algumas causas previstas em lei. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx subdivide a estabilidade em definitiva e transitória: a primeira produz efeitos para todo o pacto laboral e a segunda, enquanto perdurar a causa especial que a motivou. 64
A estabilidade definitiva, também chamada decenal, era uma garantia de emprego concedida a certos tipos de empregados, após completarem dez anos de serviço junto ao mesmo empregador ou a empresa do mesmo grupo
64 XXXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho. Ibidem, p. 561.
econômico, sem que manifestassem a opção pelo regime do FGTS; caso o empregado estável optasse pelo regime do FGTS, ele renunciaria à estabilidade, podendo, então, ser dispensado sem justa causa. Referida estabilidade, entretanto, com o advento da Constituição Federal de 1988, deixou de existir, eis que o regime do FGTS tornou-se obrigatório.
Assim, é que hoje temos apenas as estabilidades provisórias. Dentre estas, podemos elencar as que visam resguardar interesse pessoal do empregado, diante de uma situação especial em que ele se encontra, como v.g a gestante e o acidentado do trabalho. Em casos como este, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx entende que a transferência é plenamente possível, desde que mantido o emprego e observados os requisitos para tal, sobretudo a necessidade de serviço; já Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx defende que tais empregados estáveis são protegidos pela intransferibilidade. 65
Entendemos que a razão esteja com Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx, de modo que presentes os requisitos da transferência, não haveria motivos para obstá-la. Nesta senda, decidiu o E. TRT da 1ª Região, ao confirmar a rescisão do contrato de empregada grávida que recusou ser transferida:
Quanto à autora encontrar-se grávida, tal fato não era óbice para que se procedesse a sua transferência, haja vista que, em caso de transferência, é do empregador a responsabilidade de arcar com as despesas decorrentes, como determina o art. 470 da CLT e Súmula 29, do C. TST.
Não tendo a autora concordado com a transferência, e não se apresentando ao novo posto de trabalho, correta a aplicação da justa causa. 66
A questão, entretanto, se torna mais delicada nas hipóteses em que a estabilidade provisória objetiva proteger interesse coletivo, sendo adquirida por estar o empregado no exercício de cargo de representação de um grupo de trabalhadores, como o dirigente sindical e o cipeiro. Aqui, ainda que haja real e comprovada necessidade de serviço, a transferência é inadmissível, dada a
65 ROMAR, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Alterações do Contrato de Trabalho. Ibidem, p. 129 e XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. Alterações Contratuais Trabalhistas. Ibidem, p. 109.
66 TRT 1ª Região, RO 00265005520075010471, Rel. Xxxxxxxxx xx Xxxxx Xxxx Xxxxxxxx, 6ª T., j. 06.05.2009, p. 14.05.2009. (grifamos)
possibilidade de o empregador utilizar deste artifício para impossibilitar o efetivo exercício da representação para o qual o empregado foi eleito.
Nos deparamos, assim, com uma limitação ao poder diretivo do empregador, na medida em que não poderá impor ao empregado a mudança do local de trabalho. Quanto ao dirigente sindical, inclusive, a CLT, em seu artigo 543, proíbe expressamente a sua transferência. 67
Tal disposição há de ser analogicamente estendida ao dirigente da CIPA, o que se justifica, porque assim como na atividade sindical, o empregador, incomodado com a atuação destes empregados, poderia valer-se de atos discriminatórios contra os mesmos, como transferi-los para outro local de trabalho.
Deve-se ressalvar, contudo, dada a sua peculiaridade, a hipótese contemplada no § 2°, do artigo 469, da CLT, de tran sferência na extinção do estabelecimento.
Nesta situação, os trabalhadores cuja estabilidade tenha causa personalíssima (como já exemplificados, a gestante e o acidentado do trabalho), poderão optar entre a transferência e a extinção do contrato de trabalho, esta última mediante pagamento de indenização equivalente aos salários a que teria direito até o término do período estabilitário.
Já os trabalhadores cuja estabilidade tenha causa comunitária (como já exemplificados, o dirigente sindical e o membro da CIPA), o C. TST, por meio da Súmula 339, item II e 369, item IV, que trata, respectivamente, da estabilidade provisória do cipeiro e dirigente sindical resolveu que uma vez extinto o estabelecimento, não há que se falar em estabilidade e, via de consequência, em indenização reparatória, substitutiva da estabilidade. 68
67 Artigo 543 da CLT: O empregado eleito para cargo de administração sindical ou representação profissional, inclusive junto a órgão de deliberação coletiva, não poderá ser impedido do exercício de suas funções, nem transferido para lugar ou mister que lhe dificulte ou torne impossível o desempenho das suas atribuições sindicais.
§ 1° O empregado perderá o mandato se a transferênc ia for por ele solicitada ou voluntariamente aceita.
68 Súmula 339, item II: A estabilidade provisória do cipeiro não constitui vantagem pessoal, mas garantia para as atividades dos membros da CIPA, que somente tem razão de ser quando em
Tal se justifica, porque a estabilidade do dirigente sindical e do membro da CIPA é um direito que não se dirige a eles, mas à categoria, ao exercício da atividade. A intenção da norma não é criar uma vantagem particular ao empregado, mas proteger a atividade.
Ora, com a cessação da empresa, deixam de existir os motivos determinantes da estabilidade do dirigente sindical e do cipeiro, já que não há mais porque assegurar a independência destes em relação a seu empregador, nem há mais como assegurar-lhe a continuidade profissional ou econômica.
Neste sentido, os julgados, em sua maioria, tendem a seguir o preconizado nas Súmulas supracitadas, vejamos:
Comprovada a cessação das atividades da empresa ré no Rio de Janeiro, descabe a pretensão à reintegração ou pagamento de salários. Tal entendimento é reforçado pelo disposto no item IV da Súmula nº 369 do Colendo TST, resultante da conversão da Orientação Jurisprudencial n. 86, da Subseção I da Seção de Dissídios Individuais1.
Com efeito, a garantia de emprego é conferida aos dirigentes sindicais com vistas à proteção dos interesses da coletividade, existindo motivo social relevante para a sua concessão, com fincas na Carta Política de 1988, enquanto perdurar o mandato de representação sindical.
Entretanto, findo o contrato em razão da cessação das atividades da empresa no âmbito da base territorial do sindicato, deixa de existir o motivo para a concessão da garantia do emprego, que era manter o empregado a salvo das pressões a que está sujeito no cotidiano das relações de emprego - marcada pelo elemento da subordinação jurídica - para que pudesse atuar livremente em defesa dos interesses da categoria representada. 69
CIPA. Extinção do estabelecimento. Estabilidade. A estabilidade do cipeiro é direito que, embora individual, se projeta para a proteção coletiva, em que se quer torná-lo imune às pressões do empregador e com isso garantir a efetividade da CIPA, à qual se atribui a função de investigar acidentes, acusar deficiências, adotar medidas, tudo para garantir a saúde
atividade a empresa. Extinto o estabelecimento, não se verifica a despedida arbitrária, sendo impossível a reintegração e indevida a indenização do período estabilitário. (ex-OJ nº 329 da SBDI-1 - DJ 09.12.2003) (grifamos)
Súmula 369, item IV: Havendo extinção da atividade empresarial no âmbito da base territorial do sindicato, não há razão para subsistir a estabilidade. (grifamos)
69 TRT 1ª Região, RO 0109100-28.2009.5.01.0063, Relª. Xxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxxx, 9ª T., j. 18.04.2011, p. 28.04.2011. (grifamos)
e a segurança dos trabalhadores. Daí que se a CIPA é formada em função de determinado estabelecimento (NR 5, item 5.2), para a proteção de uma determinada coletividade, o fim do trabalho nesse local esvazia o objetivo da CIPA e, por isso, implica o término da estabilidade. E ainda que ocorra a transferência do local de trabalho, a estabilidade também não persiste, pois a lei não obriga a coexistência de mais de uma CIPA para o mesmo estabelecimento. Recurso do autor a que se nega provimento. 70
Membro da CIPA. Extinção do Estabelecimento. Motivo econômico. Dispensa arbitrária não caracterizada. Se no âmbito de abrangência da garantia de emprego do trabalhador, como membro da CIPA, a empresa não mais mantém unidade produtiva, cessa automaticamente o benefício. De ser lembrado que o espírito do legislador foi proteger não o empregado individualmente considerado, mas sim, todos os trabalhadores da unidade - estabelecimento -, de modo a limitar o poder de mando do empregador frente às irregularidades constatadas e às reivindicações externadas. Aplicação da Súmula 339, item II, do C. TST. 71
Inobstante o entendimento do C. TST, acolhido pela maioria dos julgadores, há decisões em sentido contrário, entendendo ser devido aos empregados dirigentes sindicais o pagamento das verbas contratuais até final da garantia de emprego, isto é, um ano após o término do mandato ou, ainda, indenização quanto ao período remanescente do mandato, pois a frustração do papel representativo do trabalhador abarcaria, na prática, apenas o período real de seu mandato.
Embora estejamos distantes de esgotar o tema, acreditamos ter tratado neste tópico sobre os aspectos mais relevantes que envolvem a situação dos empregados estáveis e a transferência dos mesmos por parte do empregador.
70 TRT 2ª Região, RO 00017927220125020491 A28, Ac. 20130577167, Rel. Xxxxxxx de
Xxxxxxx Xxxxx, 11ª T., j. 04.06.2013, p.11.06.2013. (grifamos)
71 TRT 2ª Região, RO 02404009620095020383, Ac. 20110653682, Relª. Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx, 9ª T., j. 12.05.2011, p. 27.05.2011. (grifamos)
Capítulo III
Poder diretivo do empregador
3.1. Subordinação
Antes de adentrarmos ao poder diretivo propriamente dito, é conveniente fazermos uma breve abordagem acerca de um dos requisitos da relação de emprego, qual seja, a subordinação, dado o estreito vínculo que esta possui com o poder diretivo.
Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx bem exemplifica este vínculo, ao descrever:
Na relação de emprego a subordinação é um lado, o poder diretivo é o outro lado da moeda, de modo que sendo o empregado um trabalhador subordinado, o empregador tem direitos não sobre a sua pessoa mas sobre o modo como a sua atividade é exercida. 72
Subordinação e poder de direção, como se vê, são aspectos pertinentes à mesma realidade, o primeiro no enfoque do empregado e o segundo, naquele do empregador.
A subordinação, diga-se, está presente em todos os contratos de trabalho, ora de forma mais acentuada, ora de forma mais diluída, a depender da natureza da atividade e da função do empregado, do grau de instrução necessário para o desempenho do cargo, do local de trabalho, da organização empresarial, etc. A subordinação torna-se menor, à medida que o trabalho é mais técnico e intelectual, e intensifica-se, à medida que é mais manual.
O artigo 3º da CLT, ao conceituar empregado, regula que os serviços devem ser prestados ao empregador, sob a dependência deste. Contudo, não esclarece o caráter da dependência, sendo que diversas teorias, no decorrer do tempo, tentaram explicar a caracterização da relação de emprego com base ora na dependência econômica, ora social e ora técnica.
72 NASCIMENTO, Xxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho. Ibidem, p. 450.
Vista sob o aspecto econômico, a subordinação ou dependência implica dizer que o empregado estaria subordinado em termos econômicos ao empregador, dependendo dos salários como única ou, ao menos, principal fonte de sustento; sob o aspecto social, o empregado estaria em posição social inferior em relação ao empregador, por ser este o titular do empreendimento e no âmbito técnico, há uma presunção de que o empregador, sendo o dono do negócio, teria maiores conhecimentos da técnica da produção ou do serviço do que os seus empregados.
Os aspectos supra abordados, entretanto, revelaram-se insuficientes para determinar a subordinação do vínculo laboral, eis que é plenamente possível a existência da relação de emprego ainda que ausentes as situações ali elencadas.
Assim, é que firmou-se uma teoria, segundo a qual a dependência do empregado em relação hierarquia funcional na empresa, para que os fins por ela colimados sejam atingidos. Aqui, o empregado estaria inserido na hierarquia da instituição da empresa, devendo, portanto, obedecer as suas regras, por ser o empregador credor do trabalho prestado pelo empregado. Esta é a subordinação que está presente na relação de emprego, servindo de supedâneo para distingui-la de outras relações de trabalho.
Vale observar que em algumas relações de emprego, como a domicílio, de vendedores viajantes, de empregados que exercem cargos de confiança e profissionais liberais contratados como empregados é mesmo difícil detectar a subordinação, devendo, nestes casos, levar em consideração mais a possibilidade jurídica de o empregador dirigir e comandar a atividade laboral de seu empregado do que a existência efetiva e constante de direção.
A subordinação jurídica, nos dizeres de Vólia Xxxxxx Xxxxxx:
Nada mais é que o dever de obediência ou o estado de dependência na conduta profissional, a sujeição às regras, orientações e normas estabelecidas pelo empregador inerentes ao contrato, à função, desde que legais e não abusivas. 73
73 CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 8ª ed. rev. e atual. São Paulo: Método, 2013,
Ainda sobre referida subordinação, Xxxx Xxxxx, nos oferece um conceito bastante elucidativo, vejamos:
Por subordinação jurídica entende-se um estado de dependência real criado por um direito, o direito do empregador de comandar, dar ordens, donde nasce a obrigação correspondente do empregado de se submeter a essas ordens. Eis a razão pela qual se chamou esta subordinação de jurídica, para opô-la principalmente à subordinação econômica e à subordinação técnica, que comporta também uma direção a dar aos trabalhos do empregado, mas direção que emanaria de um especialista. Trata-se, aqui, ao contrário, do direito completamente geral de superintender a atividade de outrem, de interrompê-la ou de suscitá-la à vontade, de fixar limites, sem que para isso seja necessário controlar continuadamente o valor técnico dos trabalhos efetuados. Direção e fiscalização, tais são os dois polos da subordinação jurídica. 74
Sobre o tema, vale colacionar trecho de julgado oriundo do E. TRT da 1ª Região, que confirmando decisão de primeira instância, afastou o vínculo de emprego pretendido por advogado junto a escritório jurídico devido a inexistência de subordinação jurídica:
“Portanto, possuindo o autor a liberdade de recusar os serviços oferecidos pela ré, resta descaracterizada a subordinação jurídica, principal elemento diferenciador entre o vínculo de emprego e o trabalho autônomo.” 75
Não se olvide que o estado de sujeição inerente ao empregado é meramente jurídico, fundado na autonomia da vontade das partes quando da formação do contrato de trabalho, isto é, a relação de subordinação e mando existe em virtude da relação contratual entabulada.
Interessante destacar, por fim, que recentemente, além da subordinação jurídica clássica, parte da doutrina e jurisprudência, diante das novas formas de organização do trabalho, tem adotado a teoria da subordinação estrutural, sobretudo em questões relacionadas à terceirização e ao trabalho à distância. Por meio desta teoria, a subordinação inerente à
p. 246.
74 XXXXX, Xxxx. La Notion du Contrat de Travail. Paris, 1912, p. 97. Xxxx XXXXXXX, Xxxxxxxxxx Xxxxxxxxx. Justa Causa: do empregado, do empregador, culpa recíproca. São Paulo: LTr, 2010, p. 23. (grifamos)
75 TRT 1ª Região, RO 01330003620085010011, Relª. Xxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxxx, 9ª T., j. 23.11.2010, p. 30.11.2010. (grifamos)
relação de emprego é reconhecida quando o empregado executa serviços essenciais à atividade-fim da empresa, integrando sua dinâmica organizacional e de funcionamento, ainda que não haja emissão de ordens diretas pelo empregador.
3.2. Conceito de poder diretivo
Uma vez contratado, o empregado transfere ao empregador o poder de direção do seu trabalho, passando a ser subordinado ao mesmo. Assim, é que nos deparamos, de um lado, com o poder de direção do empregador, assegurado pelo artigo 2º, caput, da CLT 76, exercido como contrapartida aos riscos da atividade econômica e, de outro, com o estado de subordinação do empregado, que se submete às regras de caráter hierárquico emanadas do empregador.
Ao tratar da empresa brasileira e o poder diretivo do empregador, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx faz a seguinte observação:
A empresa, de certo modo, no organismo da sociedade, é a célula econômica fundamental. E o empresário – a quem compete a organização e a direção da unidade produtora – possui, por isso, reconhecido poder constitutivo e diretivo, vital à existência bem como ao funcionamento dessa unidade de produção, característica da economia dos países democráticos.
Esse poder diretivo do empregador lhe dá o privilégio de constituir a empresa, de orientar a produção econômica, de estabelecer seu regulamento interno, de contratar empregados e dirigir o órgão produtor. 77
Como oportunamente salientado por referido doutrinador, o poder de direção concedido ao empresário figura-se fundamental para que a empresa exista e tenha o regular desenvolvimento de suas atividades, dando destinação concreta ao trabalho dos empregados, com vistas a adequá-lo à produção e à consequente efetivação dos objetivos visados pelo empreendimento.
76 Artigo 2°, caput, da CLT: Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. (grifamos)
77 RUSSOMANO, Xxxxxx Xxxxxx. Direito do Trabalho: Pronunciamentos Inéditos. Curitiba: Juruá, 2009, p. 144-145.
O poder diretivo do empregador constitui um dos mais relevantes efeitos do contrato de trabalho, manifestando-se de diversas formas, mediante o exercício dos poderes de organização, controle e disciplinar, competindo ao empregado o dever de obediência, desde que seja respeitado o campo de incidência dos seus direitos individuais e constitucionais fundamentais.
Em que pese a unanimidade doutrinária quanto à existência do poder diretivo do empregador, não há um entendimento uniforme sobre o seu conceito, dada a divergência apresentada entre os autores acerca da natureza jurídica e os fundamentos do poder diretivo.
Na visão de Xxxxx Xxxx a definição mais aceita de poder diretivo é oriunda de Xxxx Xxxxxxxxxxx, a qual neste ato transcrevemos:
O poder diretivo consiste na faculdade, para o empregador, de determinar as normas, de caráter prevalentemente técnico, às quais o trabalhador deve subordinar-se no cumprimento da sua obrigação. Mais precisamente: com o exercício do poder diretivo o empregador dá uma destinação concreta (sobretudo em relação a matéria, mas igualmente quanto ao lugar e tempo) à energia de trabalho (físico e intelectual) que o trabalhador é contratualmente obrigado a colocar e conservar à disposição da empresa de que ele depende. 78
Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx define poder diretivo como a faculdade conferida ao empregador de organizar técnica e economicamente a empresa e de dirigir a prestação pessoal de serviço do empregado, ou seja, de determinar, dentro de certos limites, o conteúdo da atividade posta por este à sua disposição. 79
Por sua vez, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx de forma bastante sucinta assevera que “poder de direção é a faculdade atribuída ao empregador de determinar o modo como a atividade do empregado, em decorrência do contrato de trabalho, deve ser exercida”. 80
78 XXXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxx. Corso di Diritto del Lavoro. Padova, 1937, p. 250 e Diritto del Lavoro. Padova, 1949, p. 153. Apud REIS, Nélio. Alteração do Contrato de Trabalho. Ibidem.
p. 56-57. (grifamos)
79 XXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx. Limites do Jus Variandi do Empregador. São Paulo: LTr, 1997, p. 25.
80 XXXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho. Ibidem, p. 451.
O doutrinador Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx ao formular seu conceito, explicita que o poder de direção é aquele que autoriza o empregador a organizar, controlar e disciplinar a prestação de serviços pelo empregado, a qual ocorre, assim, de forma subordinada. 81
Assim, é que em decorrência do poder diretivo, o empregador pode determinar que o empregado preste serviços da forma que entender mais conveniente; pode modificar o local de trabalho dentro do mesmo estabelecimento, dentre outras providências, que permitem à empresa dar feições concretas à margem de indeterminação que circunda o contrato de trabalho. Vale ressaltar, neste contexto, que da amplitude ou da restrição conferida ao poder diretivo, dependerá a apreciação da legalidade ou não do ato unilateral praticado pelo empregador e a obrigação de obediência ou o direito de resistência do empregado.
Ora, o empregador, como detentor dos meios de produção, alia o seu capital ao trabalho humano e obtém, por meio do contrato individual de trabalho, a disposição da força de trabalho alheio, dirigindo e subordinando a atividade profissional dos empregados conforme os fins colimados pela empresa.
Extrai-se, do exposto, que o poder diretivo é o conjunto de prerrogativas do empregador, decorrentes do contrato de trabalho, por meio do qual é possível àquele organizar, controlar e disciplinar a prestação do trabalho de seus empregados, sempre nos limites da relação de emprego e respeitados o princípio da dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais.
Referido poder diretivo pode ser delegado a superintendente, gerente, chefe de divisão ou seção, etc, numa legítima cessão do poder de comando.
Acerca disso, Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxx assevera:
O titular do poder diretivo é o empregador ou seus prepostos, aos quais aquele delega parte desse poder, cuja intensidade varia de acordo com a natureza da relação de emprego. Assim,
81 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho. 7ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 339.
no tocante aos empregados ocupantes de cargo de confiança, o poder diretivo do empregador é muito tênue, enquanto no trabalho desportivo é rigoroso. 82
É deste poder diretivo, inclusive, que decorre o jus variandi, tema do qual iremos tratar de forma pormenorizada no capítulo seguinte.
3.3. Formas de manifestação do poder diretivo
Acerca das formas de manifestação do poder diretivo, há autores, como Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxxxx, que adotam o critério bipartido, referindo-se ao poder de direção e poder disciplinar. Para referida doutrinadora, a autoridade do empregador exterioriza-se pelo poder de direção e torna-se efetiva pelo poder disciplinar. 83
Há quem nomeie, de forma apartada do poder de direção, o poder regulamentar, por meio do qual o empregador elabora normas a serem observadas no âmbito da empresa, como circulares, avisos, instruções e regulamento interno. A legislação pátria não faz referência ao regulamento da empresa, sendo escasso o uso de normas emanadas pelo empregador. Contudo, uma vez instituído, o empregador se vincula à obrigatoriedade do seu estrito cumprimento.
Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx é daqueles que separa o poder regulamentar do diretivo, dividindo, ainda, o poder empregatício em quatro dimensões, a saber, poder diretivo (também chamado organizativo), poder regulamentar, poder fiscalizatório (também chamado poder de controle) e poder disciplinar. 84
Neste estudo, optamos pela análise da divisão tripartida, a qual é compartilhada, entre outros, por Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx, Xxxxxx Xxxxx
82 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho. Ibidem, p. 584.
83 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho. Ibidem, p. 583; XXXXXXXXX, Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho. 3ª ed. rev. e atual., Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p. 278.
84 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho. Ibidem, p. 665.
Xxxxxxx e Xxxxxxx Xxxxx Magano85. Entende-se aqui que o poder diretivo manifesta-se sobre três principais formas: poder de organização, poder de controle sobre o trabalho e poder disciplinar sobre o empregado, sendo o poder regulamentar mero corolário do poder diretivo.
Passemos, então, a abordar cada um destes poderes.
3.3.1 Poder de organização
O poder de organização decorre da livre iniciativa, assegurada nos artigos 1°, IV e 170, caput, da Constituição Federal e da assunção dos riscos do empreendimento econômico pelo empregador (artigo 2º, da CLT). Consiste no direito de o empregador organizar a sua empresa, mediante fixação da atividade a ser desenvolvida (industrial ou prestação de serviços, etc), determinação da estrutura jurídica (empresário individual ou sociedade empresária), número de empregados, função a ser desempenhada por cada um deles, horário de trabalho, entre outras regras.
No aspecto físico, o local onde a atividade será explorada, bem como suas características, também integra o poder de organização.
Segundo Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxx, uma vez estabelecidas todas as nuances do negócio, como as acima elencadas, o empregado limita-se a aderir a uma oferta de posto de trabalho, integrando-se nessa organização pré- determinada. 86
Neste contexto, compete ao empregador determinar as normas de caráter técnico às quais o empregado está subordinado e que costumam ser expedidas por meio verbal, individual ou geral, ou por comunicados escritos, como circulares e ordens de serviço.
85 XXXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho. Ibidem, p. 451; XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx. Direito do Trabalho. 22ª ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 191; XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. Manual de Direito do Trabalho: direito individual do trabalho. Ibidem, p. 50-51.
86 XXXXXX, Xxxxx xx Xxxxx. Poder Disciplinar Patronal. Coimbra: Livraria Almedina, 1990,
p. 10. Xxxx XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Limites Constitucionais ao Poder de Direção do Empregador e os Direitos Fundamentais do Empregado: o equilíbrio está na dignidade da pessoa humana. São Paulo: LTr, 2008, p. 85.
As exigências do empregador acabam por variar segundo a especificidade do negócio, pois ele pode, por exemplo, vedar a utilização de telefone celular durante o labor; limitar o uso do e-mail e do computador para fins de trabalho; podendo, ainda, estabelecer a utilização de uniformes e exigir o uso dos equipamentos de proteção individual, se assim requerer a atividade.
Vale notar, por oportuno, que o poder de organização não pode violar os direitos fundamentais do empregado. Neste aspecto, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx pondera que dependendo da característica do serviço, as exigências que pudessem ser vistas como atentatórias aos direitos fundamentais, em determinado contexto, não o serão em outro, como por exemplo, a necessidade de exame de sangue, para verificação do vírus HIV, como requisito prévio de eventual contratação ou para a continuidade do trabalho. Tal exigência justifica-se, sem qualquer violação aos direitos fundamentais, se a atividade desenvolvida apresenta risco de contágio sanguíneo, v.g, empregado que trabalha no banco de sangue de um hospital, manuseando diretamente os instrumentos e o sangue colhido; diferentemente, caso o trabalho não ofereça risco de contágio sanguíneo, a exigência é violadora. 87
Sobre o assunto, segue julgado emanado do E. TRT da 1ª Região, em que a empresa foi condenada ao pagamento de indenização por danos morais por impor restrição do tempo despendido para ida ao banheiro, com punição na hipótese de ser ultrapassado o limite imposto, violando, assim, direito fundamental da empregada, vejamos:
DANO MORAL. Muito embora a empregadora possa adotar, no âmbito do seu poder diretivo, medidas a fim de assegurar o cumprimento, pelos empregados, do seu compromisso de trabalho, deve fazê-lo sempre respeitando o trabalhador e sua dignidade, não o expondo a situações vexatórias e humilhantes perante os demais colegas. Comprovado que a reclamante teve atingida sua dignidade e violada sua intimidade, na forma do art. 5º, X, da CRFB/88, a ofensa a tais direitos, praticada dentro do local de trabalho, deve ser integralmente reparada
87 XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Limites Constitucionais ao Poder de Direção do Empregador e os Direitos Fundamentais do Empregado: o equilíbrio está na dignidade da pessoa humana. Ibidem, p. 85.
pelo empregador, cuja responsabilidade é evidente, em razão do seu poder de organização. Recurso conhecido e provido. 88
Verifica-se, portanto, que a organização da empresa, como ressalta Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx, não deve ser apenas econômica, mas também social, explicitando, inclusive, que em outros sistemas jurídicos, como o da França, a empresa, além dos órgãos de que se compõe e de fins econômicos, possui órgãos de finalidade trabalhista, desde os delegados de pessoal até os Comitês ou Conselhos de Empresa. 89
Em nosso direito, contudo, as normas destinadas à organização social da empresa são muito raras, podendo ser elencado o artigo 7°, XXV, que prevê a obrigatoriedade de assistência gratuita aos filhos e dependentes dos empregados desde o nascimento até 5 anos de idade em creches e pré- escolas.
A empresa, ainda no âmbito do poder organizacional, pode ter quadro de carreira contendo promoções segundo critérios de merecimento e antiguidade e regulamento interno (também chamado de regulamento de empresa, de fábrica ou de trabalho), instituindo regras para a prestação do trabalho.
O regulamento de empresa, embora não previsto em lei, constitui faculdade do empregador, tratando-se de uma decorrência do poder de organizar. Por possuir algumas peculiaridades, faz-se viável tecermos algumas considerações sobre o mesmo.
3.3.1.1 Regulamento de empresa
Acerca do conceito de regulamento de empresa, discorrem Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx e Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx:
É um conjunto sistemático de regras estabelecidas pelo empregador, com ou sem a participação dos trabalhadores,
88 TRT 1ª Região, RO 00958003120075010075, Relª. Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxxx, 2ª T., j. 20.10.2008, p. 13.11.2008. (grifamos)
89 XXXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho. Ibidem, p. 451.
para tratar de ordem técnica ou disciplinar no âmbito da empresa, organizando o trabalho e a produção. 90
Consoante a definição supra, extrai-se que, em regra, o regulamento de empresa é confeccionado e imposto pelo empregador, não havendo, contudo, impedimento à participação do empregado em sua elaboração, o que vai depender dos interesses do empregador. O regulamento estatui regras de organização do trabalho e da produção, uniformizando questões de trabalho dentro da empresa, especificando certas particularidades que devem ser seguidas pelo empregador e pelos empregados, além de conter regras disciplinares.
Por certo, sendo manifestação do poder organizacional, o regulamento também deve obedecer aos mesmos limites impostos a este último, não sendo permitidas regras que contrariem a lei, sentença normativa, convenção e acordo coletivos nem contrato de trabalho. Há, contudo, a possibilidade de estabelecer condições não previstas em lei, que, se mais benéficas, deverão prevalecer, como por exemplo, a concessão de intervalo intrajornada, para descanso, além do estabelecido na CLT.
Neste sentido, é o teor da Súmula 77 do TST: “Nula é a punição de empregado se não precedida de inquérito ou sindicância internos a que se obrigou a empresa por norma regulamentar”.
Veja que a lei, ressalvada a hipótese de empregado eleito para o cargo de dirigente sindical, não estabelece a necessidade de inquérito ou sindicância para punição de empregados; porém, se houver essa previsão expressa em regulamento, é nula a punição que não obedeça tal disposição.
A Súmula 51, item I, do TST, por sua vez, afasta a possibilidade de alterações in pejus das condições estabelecidas no regulamento, ao asseverar que:
90 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx. Direito do Trabalho. Ibidem, p. 197; XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx.
Manual de Direito do Trabalho: direito individual do trabalho. Ibidem, p. 103.
“As cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento”. (ex-Súmula nº 51 - RA 41/1973, DJ 14.06.1973)
Tal se justifica diante da regra da condição mais benéfica, oriunda do princípio protetor, acerca da qual Xxxxxxx Xxx Xxxxxxxxx discorre:
“a regra da condição mais benéfica pressupõe a existência de uma situação concreta, anteriormente reconhecida, e determina que ela deve ser respeitada, na medida em que seja mais favorável ao trabalhador que a nova norma aplicável”. 91
Sobre o tema, a Justiça do Trabalho, por meio da SDI-1, em decisão proferida em 29/08/2013, não admitiu recurso do trabalhador, mantendo a decisão da 7ª Turma do TST, que se pronunciou pela manutenção da demissão de empregado feita com base em norma de acordo coletivo homologada na Justiça (dissídio coletivo) que revogou estabilidade garantida em regulamento interno da Brasil Telecom S.A – Telepar. Segue sucinto resumo das decisões:
O TRT da 9ª Região decidiu pelo direito à reintegração do empregado ao serviço, mantendo o julgamento de primeiro grau nesse sentido. Para tanto, sustentou que o regulamento interno que instituiu a garantia de emprego, somente podendo ocorrer o desligamento em razão "de incompetência profissional, negligência no trabalho ou falhas éticas", se incorporou ao contrato de trabalho do empregado, sendo irrelevante a sua posterior revogação por meio de dissídio coletivo, que não atinge as situações anteriores.
No entanto, a 7ª Turma do TST, alterou a decisão regional, afirmando que a negociação coletiva foi prestigiada pela Constituição Federal de 1988, quando houve no artigo 7º, XXVI, o reconhecimento às convenções e aos acordos coletivos de trabalho, aduzindo que não se aplica à hipótese em exame a Súmula 51 do TST (que garante que a revogação de regulamento interno só atinja os novos empregados), pois a alteração contratual se deu em
91 XXX XXXXXXXXX, Xxxxxxx. Princípios de Direito do Trabalho. 3ª ed. São Paulo: LTr, 2000, p. 107.
face do estabelecido em instrumento coletivo, e não em norma interna da empresa. 92
3.3.2 Poder de controle ou de fiscalização
O poder de controle, assim como o de organização, é uma variável do poder diretivo, possibilitando ao empregador, dentro dos limites legais, por atuação pessoal, de prepostos ou de aparatos mecânicos/eletrônicos, fiscalizar a execução dos serviços de seus empregados, a fim de verificar o respeito e o cumprimento das ordens dadas. Pode-se dizer que pelo poder de organização, o empregador estabelece a forma como o trabalho será desenvolvido e pelo poder de controle, fiscaliza se tudo está ocorrendo conforme determinado.
Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, ao tratar do poder fiscalizatório, apregoa:
É o conjunto de prerrogativas dirigidas a propiciar o acompanhamento contínuo da prestação de trabalho e a própria vigilância efetivada ao longo do espaço empresarial interno. 93
Referido poder se manifesta, exemplificativamente, pelos controles de jornada, prestações de contas em certas funções e profissões, v.g empregados vendedores, relatórios, controle de qualidade de peças produzidas, controle de produção, revista dos empregados, etc.
Disciplina Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxxx que o poder de controle serve, inclusive, para que o empregador verifique a viabilidade de modificar o sistema de produção, ou as atividades de empregado (o que configura o jus variandi), com o intuito de melhorar o seu desempenho ou da empresa. 94
Ora, é com fundamento no poder de controle que o empregador poderá saber se o trabalhador está produzindo em seu posto de trabalho de forma a fazer jus ao seu salário, como também se ele está alinhado com os objetivos
92 TST, RR 1242900-74.2001.5.09.0005, Rel. Ministro Xxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxx, SDI-1, j. 29.08.2013. Disponível em: <xxxx://xxx.xxx.xxx.xx> Acesso em 31 ago. 2013.
93 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho. Ibidem, p. 668.
94 REZENDE, Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx. Delineamento Constitucional do Poder Diretivo. 2004. 262 f. Tese (Doutorado). Departamento de Direito do Trabalho, Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, SP, 2004, p. 52.
da empresa, incluindo-se, aqui, o controle técnico, que permite a intervenção do empregador sobre a forma em que o trabalho está sendo realizado para melhor equacioná-lo.
Podemos asseverar que entre as formas de externação do poder diretivo, o poder de controle é o que mais gera problemáticas decorrentes das colisões entre direitos fundamentais, sobretudo com o avanço da tecnologia, em que o empregador, justificando proteger o patrimônio pessoal da empresa, colaboradores, clientes e fornecedores, instala câmeras de segurança para monitoramento, sensores eletrônicos nas revistas, entre outros, implicando, por vezes, em violação da intimidade ou vida privada dos trabalhadores.
Nesses casos, afirma Xxxxxxx Xxxxxxxx, a solução é alcançada mediante a avaliação do direito fundamental, que, concretamente, merece maior proteção. Prossegue referido autor:
A maior proteção é oferecida àquele direito que, dentro de uma escala comparativa de valores, ao menos num instante específico, revelou-se preponderante por força de fonte autônoma ou heterônoma permissiva e por conta de real necessidade. Assim, por exemplo, um empregador, compelido por norma estatal de prevenção de crimes por meio virtual (cita-se, ilustrativamente, a pedofilia), estará autorizado a monitorar, desde que mediante prévia e pública informação de adoção desse procedimento, o trânsito de mensagens dos correios eletrônicos de seus empregados. Observa-se que, no caso sob exame, o direito à segurança, por força de lei, revela preponderância; a intimidade perde o destaque a partir do instante em que há prévia notificação do monitoramento e das sérias razões que o justificam. 95
No âmbito da fiscalização, a revista é tema recorrente, principalmente em algumas atividades em que se exige uma fiscalização mais rigorosa, como joalherias, transporte de valores, remédios controlados. Discute-se acerca da possibilidade de o empregador realizar revistas pessoais em seus empregados, tanto no seu corpo como em seus pertences e objetos, como bolsas, mochilas ou sacolas para certificar-se de que os mesmos não têm consigo objetos que não lhe pertencem.
95 XXXXXXXX, Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.
204. (grifamos)
Afirma Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx que:
Se pode parecer à primeira vista absurda, tal exigência encontra fundamento no poder de controle do empregador. A revista dos empregados vem sendo considerada pelos Tribunais como um direito de fiscalização do empregador. 96
Diferentemente, Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxx aduz que a revista:
Só poderá ocorrer de forma geral, não discricionária e apenas em circunstâncias excepcionais, respeitando-se ao máximo a esfera de privacidade do empregado, que se projeta sobre bolsos, carteiras, papéis, fichários e espaços a ele reservados. Entendimento contrário afronta o preceito constitucional contido no art. 5°, X, que considera inviolável a intimidad e do cidadão brasileiro. 97
Outrossim, a revista íntima, está expressamente vedada no artigo 373- A, inciso VI, da CLT98, inserido no capítulo sobre o trabalho da mulher, aplicado analogicamente ao empregados do sexo masculino, em decorrência do princípio da igualdade contido no artigo 5º, inciso I, da CF.
A revista íntima é aquela em que o trabalhador tem o próprio corpo vistoriado, sendo até obrigado a tirar suas roupas ou parte delas para demonstrar que não estão saindo com qualquer bem do empregador. Tal prática representa invasão à intimidade do empregado, violando a sua integridade física, psíquica e moral, em afronta ao artigo 5º, X, da CF.
Quanto à revista pessoal, entende-se que por ser o empregador titular do poder de direção e controle, com base no direito de propriedade e objetivando evitar lesões ao patrimônio empresarial, dependendo da atividade desempenhada, teria direito de realizar revista nos empregados, desde que de forma não abusiva e sem caracterizar afronta à sua intimidade. Ainda, não pode ser uma forma de perseguição ou discriminação contra certos trabalhadores.
96 NASCIMENTO, Xxxxxx Xxxxxxx. Iniciação ao Direito do Trabalho. 24ª ed. São Paulo: LTr, 1998, p. 191.
97 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho. Ibidem, p. 594.
98 Artigo 373-A. Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, é vedado: ...
VI- proceder o empregador ou preposto a revistas íntimas nas empregadas ou funcionárias.
Assim, é que a revista pessoal apenas é admitida nas atividades que justifiquem a medida, devendo ser feita de forma aleatória, por exemplo, sorteio, moderada, respeitosa, por pessoa do mesmo sexo, sem exposição desnecessária ou abusiva do empregado revistado.
Neste ínterim, vale colacionar recente julgado oriundo do TRT da 4ª Região, que, confirmando decisão de piso, não acolheu o pedido de indenização por danos morais tendo como causa de pedir procedimento de revista, por entender que esta não era abusiva:
Entendo que a revista rotineira dos empregados e das suas bolsas e sacolas constitui procedimento legítimo do empregador, como meio de proteção de seu patrimônio. A maneira como é realizada a revista é que definirá a ocorrência ou não de dano moral, o que, no caso, não restou configurado, uma vez que não evidenciada conduta ilícita ou abusiva por parte da reclamada.
Nesse contexto, tenho que não foi comprovado qualquer dano à personalidade da reclamante, a justificar o deferimento de indenização a título de danos morais.
Ademais, não há como concluir que a revista realizada pela ré (que não se reveste de ilicitude) teria originado as alegadas repercussões negativas no âmbito privado da trabalhadora, mormente para efeitos de caracterização de dano moral indenizável, consoante o art. 5º, inciso X, da Constituição Federal. 99
Na mesma direção, seguem decisões oriundas do TST, as quais consideram lícita a revista em pertences de empregado, sem contato físico, realizadas de forma moderada e não abusiva, sem intuito discriminatório:
DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. REVISTA EM PERTENCES
DOS FUNCIONÁRIOS. Esta Corte tem reiteradamente entendido que a mera inspeção visual de bolsas, pastas e sacolas dos empregados, sem contato corporal e ausente qualquer evidência de que o ato possua natureza discriminatória, não é suficiente para, por si só, ensejar reparação por dano moral. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido. 100
99 TRT 4ª Região, RO 0000662-27.2011.5.04.0103, Relª. Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx, 11ª T., j. 22.11.2012. (grifamos)
100 TST-RR-1540500-04.2007.5.09.0005, 5ª T., Rel. Ministro Xxxxxxxx Xxxxxxx, DEJT 20.11.2009. (grifamos)
RECURSO DE REVISTA - REVISTA DIÁRIA EM BOLSAS E SACOLAS - DANO MORAL - INEXISTÊNCIA DE DIREITO À
INDENIZAÇÃO. A revista em bolsas e sacolas dos empregados da empresa, realizada de modo impessoal, geral e sem contato físico, e sem expor a sua intimidade, não submete o trabalhador a situação vexatória e não abala o princípio da presunção da boa-fé que rege as relações de trabalho. O ato de revista de empregados, em bolsas e sacolas, por meio de verificação visual, é lícita, consistindo em prerrogativa do empregador, tendo em vista o seu poder diretivo, não caracterizando prática excessiva de fiscalização capaz de atentar contra a dignidade do empregado. Recurso de revista conhecido e provido. 101
Verifica-se, pelo teor dos julgados, constituir a revista em exercício regular do direito do empregador, inerente ao seu poder diretivo e de fiscalização, como meio de proteção ao seu patrimônio, desde que procedida de forma discreta e impessoal, isto é, sem qualquer discriminação ou acusação pessoal e sem contato corporal com aquele que procede à revista.
Para Xxxxxx Xxx Xxxxx, entretanto, o entendimento mais coerente, em conformidade com os direitos da personalidade e da dignidade da pessoa humana, é aquele que veda a revista pessoal em toda e qualquer circunstância, pois o empregador pode, perfeitamente, valer-se de meios tecnológicos para a proteção dos seus bens, bem como do patrimônio empresarial, contra eventuais condutas lesivas. 102
3.3.3 Poder disciplinar
A fim de assegurar a plena eficácia não apenas do poder diretivo, mas do controle sobre os trabalhadores há necessidade de outro poder, qual seja, o disciplinar, também denominado poder de autoridade, sendo desdobramento do poder diretivo. Poder de autoridade, relata Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, porque a característica da autoridade permite, no domínio laboral, intensificar o valor da situação genérica do poder do empregador sobre o
101 TST- RR-225600-96.2005.5.12.0004, 1ª T., Rel. Ministro Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx Xxxxx, DEJT 20.11.2009. (grifamos)
102 XXXXX, Xxxxxx Xxx. A Proteção Constitucional da Intimidade e da Vida Privada do Empregado. São Paulo: LTr, 2000. p. 147-149.
trabalhador e, simultaneamente, assegurar o elemento coercibilidade necessário à eficácia do poder. 103
Xxxx Xxxxxxx xx Xxxxx define este poder como:
A faculdade reconhecida à entidade patronal de impor aos trabalhadores, dentro dos limites da lei e das garantias formalmente estabelecidas, sanções disciplinares quando se verificarem comportamentos daqueles que traduzam um não cumprimento defeituoso ou quando a sua conduta se mostre desconforme à organização dos meios produtivos da empresa ou inadequada à correta execução da prestação de trabalho.
104
Em síntese, é o conjunto de prerrogativas conferido ao empregador, cujo objetivo maior é manter a ordem e disciplina no ambiente de trabalho. É destinado à aplicação de sanções disciplinares ao empregado que não observe as ordens e regras impostas à atividade desempenhada.
Como bem ressalta Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx:
“Caso não fosse conferido ao empregador o poder disciplinar, o poder diretivo converter-se-ia em mera influência moral, suscitando não obediência, mas benevolência.” 105
No tocante ao fundamento do poder disciplinar, podemos elencar basicamente duas correntes doutrinárias: uma, negando e outra, afirmando a sua existência.
Para a primeira corrente, defendida principalmente por Xxxxxxx Xxxxxxx, o poder de impor sanções é exclusivo do Estado, não sendo facultado aos particulares a possibilidade de fazê-lo, razão pela qual não reconhece o poder disciplinar do empregador. Nega, portanto, a existência da autotutela dos sujeitos da relação de emprego, afirmando que, se assim fosse, o empregado também poderia punir o empregador. 106
103 XXXXXXX, Xxxxx do Rosário Palma. Do Fundamento do Poder Disciplinar Laboral. Coimbra: Almedina, 1993, p. 142.
104 XXXXX, Xxxx Xxxxxxx da. Direitos e Deveres dos Sujeitos da Relação Individual do Trabalho. Coimbra: Almedina, 1983, p. 209.
105 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. Do Poder Diretivo na Empresa. Ibidem, p. 99.
106 XXXXXXX, Xxxxxxx. Manual das Justas Causas. São Paulo: RT, 1983, p. 150-151.
Verifica-se que esta vertente confunde o Direito Penal, privativo do Estado, com o poder disciplinar das instituições de direito privado.
A segunda corrente, majoritária, reconhece a existência do poder disciplinar, pairando, contudo, controvérsias acerca da sua intensidade e da forma de manifestação. Para os mais conservadores, o poder disciplinar mantém-se como prerrogativa de exercício unilateral pelo empregador; para os mais modernos, a tendência é atenuar a intensidade e o monopólio desse poder, com a participação de comissões fornadas no âmbito interno da empresa, por representantes dos empregados e empregadores, bem como dos sindicatos.
A nosso ver, a segunda vertente é mais plausível, na medida em que o poder disciplinar conferido ao empregador faz-se imprescindível para que o poder diretivo seja eficaz e goze de coercibilidade.
Entre as modalidades punitivas, seguindo a ordem de gravidade, temos a advertência, a suspensão disciplinar e a rescisão do contrato por justa causa. No caso específico dos atletas profissionais, cuja atividade está regulada pela Lei 9.615/98, é possível, ainda, a multa punitiva.
A pena de advertência é a mais branda, podendo ser verbal ou escrita (esta é a mais viável para efeitos de prova). Embora não contenha previsão na CLT, a advertência não é considerada ilegal, pois a regulamentação autônoma (acordos e convenções coletivas) a reconhece, encontrando guarida, também, na doutrina e na jurisprudência, que a consideram permitida, pelo fato de representar punição mais benéfica do que as demais, estas sim previstas em lei.
A suspensão disciplinar está contida no artigo 474 da CLT e não poderá ultrapassar 30 (trinta) dias, sob pena de configurar rescisão injusta do contrato de trabalho. Nos casos de suspensão, o empregado é privado da oportunidade de trabalho e, consequentemente, da remuneração que o trabalho lhe proporcionaria.
Vale observar, que a suspensão disciplinar é obrigatória nas hipóteses dos empregados garantidos pela estabilidade (aqui considerada a estabilidade decenal e do dirigente sindical), na forma do artigo 853 da CLT, como medida preparatória para a instauração do inquérito judicial para apuração de falta grave, que deve ser promovido no prazo máximo da suspensão.
Na sequência, a rescisão do contrato por justa causa é a pena máxima a ser suportada pelo empregado, quando este incorrer em falta grave prevista na CLT, especialmente o artigo 482. Apenas a título de esclarecimento, a CLT também prevê falta grave para outras hipóteses, v.g, empregado ferroviário que se recusar, sem causa justificada, à execução de serviço extraordinário, nos casos de urgência ou acidente, estará cometendo falta grave, conforme parágrafo único, do artigo 240.
Vale notar que inexiste norma exigindo que as penalidades sejam aplicadas de forma gradual. Assim, não é necessário que o empregador, primeiramente, advirta o empregado, depois o suspenda e, por fim, no caso de reiteradas faltas, o dispense por justa causa. Poderá utilizar-se de qualquer uma delas, de acordo com a ocorrência, pautando-se, logicamente, pelos critérios da boa-fé, razoabilidade e bom senso.
Nas lições de Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx:
O que não é admitido, sob hipótese nenhuma, é a utilização de medidas punitivas que atentem contra a dignidade do empregado, representando ofensa a sua honra ou aos direitos fundamentais assegurados. Evidente que os princípios e regras constitucionais incidem sobre o plano empregatício, de forma a limitar atitudes que possam prejudicar a individualidade dos empregados. 107
O poder disciplinar, ressalte-se, não é ilimitado, nem discricionário, devendo ser exercido com moderação, observando o princípio da proporcionalidade entre a infração e a punição, com razoabilidade e dentro da legalidade, sem ferir direito alheio. Tanto é assim, que na hipótese de abuso do poder diretivo do empregador, dele fazendo parte o poder disciplinar, o
107 XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Limites Constitucionais ao Poder de Direção do Empregador e os Direitos Fundamentais do Empregado: o equilíbrio está na dignidade da pessoa humana. Ibidem, p. 93.
trabalhador poderá submeter a questão ao controle da Justiça do Trabalho, postulando a anulação da penalidade e ao mesmo tempo, se o exercício do referido poder for abusivo, postular também a indenização por dano moral.
Neste sentido, discorre Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx:
A punição abusiva ou excessiva pode ser questionada pelo empregado. Aliás, a ilicitude em questão pode, inclusive, acarretar ao empregador o dever de reparar eventual lesão a direito do empregado, de ordem pessoal ou material. Xxxxx imaginar a hipótese de advertência abusiva do empregador, humilhando o trabalhador, em violação de direitos de personalidade, gerando o dever de indenização por danos morais. 108
Nesta hipótese, competirá ao Poder Judiciário decidir a respeito da legalidade ou não da pena aplicada pelo empregador, mantendo ou cancelando a medida disciplinar aplicada; não é dado ao juiz, porém, graduar a pena, pois tal implicaria em subtrair o poder de comando do empregador.
Por oportuno, transcreva-se ementa extraída de julgado proferido pelo TRT da 1ª Região, em que a penalidade de suspensão aplicada pelo empregador foi cancelada, por ausência de proporcionalidade, agindo a empresa com rigor excessivo, veja-se:
SUSPENSÃO DISCIPLINAR. Cabe ao Poder Judiciário manter ou cancelar a suspensão disciplinar imposta, quando instado a fazê-lo, considerando que o poder disciplinar do empregador não é ilimitado ou discricionário. Cabe ao Juiz coibir quaisquer abusos. Não havendo provas nos autos acerca do ato de insubordinação alegada, correta a decisão que determinou o cancelamento da referida suspensão. 109
Em outra situação, o mesmo Tribunal confirmou a penalidade aplicada:
PODER DISCIPLINAR DO EMPREGADOR. SUSPENSÃO.
CANCELAMENTO. Restou evidenciado o mau procedimento do autor, falta prevista no art. 482 “b” da CLT, o que autoriza o exercício do poder disciplinar pela empresa, e lhe faculta a aplicação de punições ao empregado. A pena imposta ao obreiro obedeceu aos requisitos legais, sendo a punição
108 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho. Ibidem, p. 342.
109 TRT 1ª Região, RO 0001380-28.2011.5.01.0064, Relª. Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx, 5ª T., j. 15.01.2013, DOERJ 28.01.2013. (grifamos)
imediata e proporcional à falta cometida. Sentença que se mantém. 110
Uma vez abordados os principais aspectos que envolvem o poder diretivo do empregador e as suas formas de manifestação, a saber, poder de organização, poder de controle e disciplinar, cuidaremos no próximo capítulo do jus variandi, que consiste numa decorrência do poder diretivo ora debatido.
110 TRT 1ª Região, RO 0001566-51.2011.5.01.0064, Rel. Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx, 10ª T., j. 31.10.2012, DOERJ 22.11.2012.
Capítulo IV
Jus variandi do empregador
4.1. Conceito
Como já salientado, por ser o contrato individual de trabalho, um pacto de execução continuada, trato sucessivo, feito para prolongar-se no tempo, em atenção ao princípio da continuidade da relação de emprego, o mesmo sujeita- se a certas modificações, tanto sob o aspecto quantitativo como qualitativo, em interesse de ambas as partes, mas sobretudo do empregador.
É que estando a força de trabalho genericamente posta à disposição do empregador, para a realização dos fins da empresa, a prestação efetiva de trabalho não se submete a uma previsão antecipada de cada tarefa a ser realizada. Ao contrário, o empregador continuamente determina o conteúdo da prestação singular de trabalho.
Explicita Xxxxxxxx Xxxxxxx que “do lado da empresa as mutações possíveis têm de permanecer entre dois limites: o de seu interesse, o jus variandi, e, frente a frente, o direito de resistência do empregado”. 111
O jus variandi representa o direito do empregador, decorrente de seu poder diretivo de, em determinadas situações e unilateralmente, introduzir pequenas modificações circunstanciais relativas à prestação de serviço pelo empregado e à organização da empresa.
Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx Xxxxx:
“Se pode ditar a rotina diária do trabalho, o empregador também pode, naturalmente, mudar o tom e o teor de cada comando. É o jus variandi, de certo modo, o poder diretivo em movimento”. 112
111 XXXXXXX, Xxxxxxxx. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 32ª ed. atual., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 338.
112 XXXXX, Xxxxxx Xxxxx. Direito de Resistência: possibilidades de autodefesa do empregado em face do empregador. Ibidem, p. 214.
O poder diretivo é algo menos que a possibilidade de alterar o contrato e algo mais que o direito de exigir o seu cumprimento; referido poder atua onde as obrigações não foram bem delineadas, dando conteúdo concreto ao que as partes convencionaram em termos mais ou menos amplos.
Campo do jus variandi, salienta Xxxxxx Xxxxx Xxxxx:
É o espaço em branco entre as cláusulas, onde nada se previu especificamente. Xxx o empregador se movimenta, preenchendo os vazios de acordo com a sua própria vontade.
E, por ser assim, talvez se possa dizer – por paradoxal que pareça – que a originalidade do contrato de trabalho está um pouco “fora” dele, no poder de se exigir o que não se ajustou.
113
Tal como o poder diretivo, o jus variandi tem fonte no contrato, embora se realize por meio da vontade de um só, por se situar num campo em que a outra vontade não se expressou de antemão.
Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx conceitua o jus variandi com enfoque na discricionariedade do poder diretivo, vejamos:
“A parte do poder diretivo patronal que se caracteriza pela discricionariedade, sob os limites da lei e do contrato, porque se destina a possibilitar o regular desenvolvimento da atividade empresarial.” 114
Oportunamente, ainda, citado autor diferencia o poder discricionário do arbitrário; o primeiro contém a liberdade de ação nos limites da lei; o segundo é ação contrária ou excedente da lei.
Já para Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx o jus variandi é um princípio, que consiste:
Num conjunto de prerrogativas empresariais de ordinariamente ajustar, adequar e até mesmo alterar as circunstâncias e critérios de prestação laborativa pelo obreiro, desde que sem afronta à ordem normativa ou contratual, ou,
113 XXXXX, Xxxxxx Xxxxx. Fundamentos e Tendências do Jus Variandi. Revista n° 47/50 Tribunal Regional do Trabalho 3ª Região. p. 42. jan 1988/jun 1991.
114 XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. O Contrato de Trabalho e sua Alteração. Ibidem, p. 38.
extraordinariamente, em face de permissão normativa, modificar cláusula do próprio contrato de trabalho. 115
Ao tratar do tema, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx, formula seu próprio conceito sobre o jus variandi, aduzindo consistir o mesmo:
Na faculdade do empregador, exercida em virtude do seu poder diretivo, de introduzir, unilateralmente e dentro de limites, modificações nos aspectos circunstanciais referentes à prestação de serviço do empregado e à organização da empresa. 116
Trata-se de uma faculdade, porque o empregador pode ou não introduzir modificações. Essa possibilidade pode não se concretizar, ficando somente no plano teórico, na hipótese de a prestação de serviço do empregado permanecer intacta do início ao término do contrato.
É conferida em virtude de seu poder diretivo, porque em última análise é este que autoriza o empregador a dirigir e fiscalizar a prestação pessoal de serviço colocada a sua disposição pelo empregado e, por conseguinte, de ordenar que este obedeça às modificações por aquele impostas, em nome do bom andamento da empresa.
O jus variandi é unilateral, porque depende apenas da vontade de uma das partes, no caso, o empregador. O empregado pode, no máximo, sugerir, mas jamais impor alguma modificação na modalidade da prestação de serviço, pois toda a sua atividade profissional está condicionada àquele que a remunera. Ressalva-se aqui a hipótese da mulher grávida, que, em casos excepcionais, pode ter sua função alterada, para preservação da integridade física do nascituro.
Neste contexto, é o empregador quem pode, independentemente da concordância do empregado, usar o jus variandi de modo discricionário, decidindo sobre a oportunidade e a conveniência de fazê-lo, desde que
115 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. Alterações Contratuais Trabalhistas. Ibidem, p. 47.
116 XXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx. Limites do Jus Variandi do Empregador. Ibidem, p 48.
obedeça, por óbvio, a certos limites, pois se assim não fosse, tal poder seria arbitrário e não discricionário.
As variações impostas pelo empregador, ainda, não podem atingir as cláusulas legais ou contratuais (individual ou coletiva) que regem o pacto laboral, mas apenas os aspectos circunstanciais que o envolvem. Tais aspectos podem referir-se a tempo, modo e lugar da atividade a ser exercida pelo empregado.
4.2. Espécies de jus variandi
A fim de possibilitar o exercício da atividade econômica, ao empregador é assegurado certa maleabilidade quanto aos aspectos secundários do contrato de trabalho. É que, se qualquer modificação fosse proibida, o contrato de trabalho não teria condições de se prolongar no tempo, contrariando, assim, o princípio da continuidade do vínculo de emprego.
Da mesma forma que o contrato de trabalho é dinâmico e de trato sucessivo, também o é, o poder diretivo do empregador e, por consequência, o seu jus variandi (que nada mais é que a concretização do poder diretivo), de modo que durante a relação de emprego, o empregador adquire um direito de direção contínua sobre a atividade do empregado, estando este sujeito às variações que aquele entender necessárias, em benefício da empresa.
Segundo Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, o jus variandi é o direito do empregador alterar unilateralmente e por imposição as condições estabelecidas no contrato de trabalho, mas, somente em casos excepcionais; em circunstâncias essenciais, em regra, para atender necessidades de ordem econômica ou física da empresa. 117
Observa-se que para referido doutrinador, o jus variandi deve ser exercido apenas em hipóteses excepcionais, do que discorda Xxxxxx Xxxxxx
117 XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Limites Constitucionais ao Poder de Direção do Empregador e os Direitos Fundamentais do Empregado: o equilíbrio está na dignidade da pessoa humana. Ibidem, p. 87.
Xxxxxxxxx, Xxxxxx Xxxxx Xxxxx e Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, os quais classificam o jus variandi em duas espécies, a saber: ordinário ou normal e extraordinário ou excepcional. 118
O primeiro deles, diz respeito à alteração unilateral de aspectos da prestação de serviço que não foram objeto de regulamentação seja por norma jurídica heterônoma ou autônoma, seja pelas cláusulas do contrato de trabalho. É a dimensão mais comum e diversificada do jus variandi.
Ora, uma vez reconhecido o jus variandi ao empregador como uma necessidade inerente à condução da empresa, justamente pelo fato de ser o contrato de trabalho dinâmico e de trato sucessivo, o mesmo não pode ser usado apenas em caso de emergência, a título excepcional e de forma provisória. Neste contexto, é que ao empregador é dado variar a modalidade de prestação de serviço do empregado diariamente, sem que seja necessário um acontecimento especial para justificá-lo.
Vale ponderar, entretanto, que ainda que se trate de matéria própria do jus variandi, se a mesma, mediante ajuste específico, for inserida como cláusula do contrato de trabalho, tal matéria desloca-se do âmbito do jus variandi, adquirindo a qualidade de condição contratual, limitada nos termos do artigo 468 da CLT.
Pelo jus variandi ordinário, são introduzidas pequenas modificações não essenciais quanto ao exercício da prestação do serviço, sem prejuízos ao empregado, ainda que haja possível discordância deste ou pequena inconveniência para o trabalhador.
Tal se justifica, porque ao correr o risco de sua atividade, é dado ao empregador o poder de organizar o empreendimento e, por conseguinte, alterar alguns aspectos envolvendo o trabalho prestado, sem alterar significativamente o contrato.
118 XXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx. Limites do Jus Variandi do Empregador. Ibidem, p. 60; XXXXX, Xxxxxx Xxxxx. Direito de Resistência: possibilidades de autodefesa do empregado em face do empregador. Ibidem, p. 226 e XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. Alterações Contratuais Trabalhistas. Ibidem, p. 47.
A título de exemplificação, a doutrina cita como exercício do jus variandi ordinário os pequenos ajustes no horário de trabalho, seja de entrada ou saída, observada a mesma carga horária e mesmo turno; exigência de uso de uniforme; troca de maquinário, devido ao avanço tecnológico; deslocamento para outro departamento, seção, setor, sala, mesa ou máquina onde trabalha.
Por oportuno, vale também colacionar ementa extraída do E. TRT da 1ª Região, em que foi inserida no exercício do jus variandi determinação da empresa para que a empregada retornasse à jornada para a qual foi contratada, vejamos:
Recurso ordinário. Jornada de trabalho. Jus variandi. A determinação à empregada para o retorno à jornada para a qual foi contratada está inserida no âmbito do jus variandi do empregador, inexistindo nos autos provas de ter a laborista sofrido prejuízo com tal determinação. O fato de a alteração da jornada de trabalho prejudicar a relação entre mãe e filho por si só não é suficiente para reconhecer a rescisão indireta do contrato de trabalho. 119
No mesmo sentido:
Situa-se no âmbito do jus variandi do empregador a determinação do horário de prestação dos serviços, uma vez que, suportando os riscos do empreendimento, cabe-lhe, por conseguinte, organizar os fatores de produção, de modo que a mera alteração de horário do trabalhador não constitui, em tese, alteração contratual ilícita, nos moldes preconizados no art. 468 da CLT. 120
O jus variandi extraordinário ou excepcional, por sua vez, é aquele que afeta o que foi previamente ajustado. Por vezes, está previsto em lei, como na hipótese da reversão de um empregado de confiança ao seu posto efetivo; outras vezes, está implícito no dever de colaboração mútua, atuando em situações de emergência.
Tal jus variandi, refere-se à possibilidade de o empregador, diante de uma situação emergencial e imprevisível, modificar as cláusulas contratuais ou condições de trabalho do empregado. Referida modificação deve ser
119 TRT 1ª Região, RO 00142009520055010062, Rel. Xxxx xx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, 9ª T., j. 04.07.2006. p. 25.07.2006.
120 TRT 1ª Região, RO 0000662-41.2012.5.01.0017, Rel. Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxxxxx, 9ª T., j. 10.09.2013. p. 16.09.2013.
temporária, isto é, perdurar apenas o tempo necessário ao restabelecimento do curso normal do contrato de trabalho ou, pelo menos, para que possa ser executado sem maiores prejuízos à empresa.
Por parte do trabalhador, evidencia-se o dever de colaboração no sentido de, em caso de urgente necessidade, prestar serviços inadiáveis, mesmo que estranhos a suas funções normais, de modo a evitar prejuízo manifesto à empresa.
4.3. Distinção entre o jus variandi e a alteração contratual
Faz-se importante distinguir-se entre ambas as figuras, pois, com frequência, deparamo-nos com o seguinte problema: saber se a modificação levada a efeito pelo empregador refere-se a jus variandi ou a alteração contratual. Referida diferenciação, diga-se, terá como base somente o jus variandi normal ou ordinário, na medida em que o excepcional termina por representar uma alteração contratual.
O exercício do jus variandi é comumente confundido com a alteração do contrato individual de trabalho. Vejamos, a título de exemplificação, o conceito de jus variandi dado por Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx:
Em contraste com o princípio legal da imodificabilidade das condições de trabalho, a doutrina elaborou o princípio do jus variandi, que pode ser enunciado como o direito do empregador, em casos excepcionais, de alterar por imposição e unilateralmente as condições de trabalho dos seus empregados. 121
Note-se, que citado autor associa o jus variandi à alteração contratual, institutos que, no entanto, não devem ser confundidos.
Ora, a alteração do contrato de trabalho provoca a modificação das próprias cláusulas do contrato, como as atinentes ao quantum salarial, função exercida, localidade da prestação de serviço, jornada e turno de trabalho, etc.
121 NASCIMENTO, Xxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho. Ibidem, p. 517. (grifamos)
Atinge, pois, o conteúdo básico do contrato e não somente seus aspectos circunstanciais.
Como outrora explanado, as cláusulas básicas do contrato de trabalho, em regra, não podem ser modificadas, porque sobre elas recai o princípio da força obrigatória das convenções, a chamada pacta sunt servanda, de modo que as condições ajustadas devem ser fielmente observadas, passando a ser inadimplente a parte que não as cumprir.
Tal se faz necessário para garantir às partes uma segurança jurídica, evitando que o empregado, como contratante mais fraco que é, fique constantemente submetido às alterações impostas pelo empregador economicamente mais forte.
Desta feita, vigora no Direito do Trabalho a impossibilidade de alteração unilateral das cláusulas contratuais pelas partes e, até mesmo, a alteração bilateral, se dela resultar prejuízo ao empregado, como consagrado no artigo 468 da CLT. Tanto é assim, que na hipótese de prejuízo ao empregado, presume-se juris et de jure a ocorrência do vício de consentimento, de que o trabalhador foi constrangido a aceitar a alteração.
O jus variandi, por sua vez, diferentemente da alteração contratual, não se encontra limitado pelo artigo 468 da CLT, tratando-se ele de um poder legal, eis que derivado do poder diretivo contido no artigo 2º, da CLT, ligado à empresa e dela tornando-se inafastável.
Assim, não está o jus variandi sujeito ao princípio do pacta sunt servanda, eis que a sua zona de atuação restringe-se a pequenas modificações referentes ao tempo, modo e lugar de prestação de serviço do empregado. O jus variandi, note-se, pode ser exercido constantemente pelo empregador, desde que observados os seus limites, pois o seu uso objetiva ao desenvolvimento da empresa e, por consequência, à preservação do contrato de trabalho.
Neste contexto, vale trazer à colação, doutrina de Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx:
Não há possibilidade de qualquer inovação, praticada pelo empregador, na esfera do jus variandi, ser atingida pelo princípio da inalterabilidade, porque isto configuraria uma contradição: se o jus variandi é o direito de variar unilateralmente, e continuamente, o seu exercício não pode estar sujeito ao princípio da inalterabilidade unilateral. 122
Daí, temos que o artigo 468 da CLT cuida da alteração de cláusula e condições do contrato laboral, enquanto o jus variandi atua em situação não normatizada pelo contrato de trabalho. Caso o ato do empregador afete condição ou cláusula do contrato, afasta-se da esfera do jus variandi para aplicar-se o princípio da inalterabilidade unilateral.
Sobre o tema, ainda, esclarece Xxxxxxx Xxxx Xxxxx:
Enquanto nas alterações contratuais exige-se o consenso dos sujeitos da relação contratual, limitado de qualquer forma pelo prejuízo direto ou indireto ao empregado (art. 468 da CLT), no que concerne ao jus variandi, seu limite encontra-se no abuso ou desvio de poder, caracterizado pela inobservância de princípios gerais do direito e outros requisitos de validade do ato discricionário e unilateral do empregador. 123
Em que pese a nossa legislação não conter dispositivo específico sobre o jus variandi, o artigo 2º, da CLT, concedendo ao empregador a faculdade de dirigir a prestação de serviços, exercendo seu poder de direção, possibilita, indiretamente, que o mesmo possa, quando seja necessário e para tornar a atividade mais produtiva, variar a forma de prestação dos serviços, desde que as variações implementadas não impliquem modificações de cláusulas essenciais do contrato de trabalho.
Não é demasiado salientar, destarte, que os limites do jus variandi encontram-se justamente nas cláusulas essenciais do contrato de trabalho e em necessidades reais da empresa, vedando-se seu uso indiscriminado e abusivo pelo empregador.
Ainda, dada a pertinência com a matéria em estudo, é interessante notar a questão atinente ao acúmulo de função, tema recorrente na Justiça do Trabalho e frequentemente resolvido em favor da empresa. Entende-se, via de
122 XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. O Contrato de Trabalho e sua Alteração. Ibidem, p. 39.
123 XXXXX, Xxxxxxx Xxxx. O Jus Variandi no Contrato Individual de Trabalho. São Paulo: LTr, 2003, p. 116.
regra, que, no exercício do jus variandi, compete ao empregador estabelecer as atribuições inerentes a cada função, podendo ampliá-las ou reduzi-las, à luz do parágrafo único do artigo 456 da CLT, segundo o qual à falta de prova ou inexistindo cláusula expressa a respeito, entende-se que o empregado se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal.
Neste sentido, seguem pertinentes julgados:
DIFERENÇAS SALARIAIS. ACÚMULO DE FUNÇÕES. JUS
VARIANDI. Em razão do jus variandi, o empregador pode direcionar as tarefas exercidas pelo empregado. Se não houve alteração da jornada pactuada em razão do exercício de mais de uma função, tal fato não autoriza acréscimo salarial, exceto se houver estipulação contratual ou cláusula normativa, em sentido contrário, o que não ocorre no caso em apreço, não havendo assim que se falar em alteração contratual lesiva, nos termos do artigo 468 da Consolidação das Leis do Trabalho. 124
ADICIONAL POR ACÚMULO DE FUNÇÕES. DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS COMPATÍVEIS COM A CONDIÇÃO PESSOAL DO EMPREGADO. JUS VARIANDI DO EMPREGADOR.
INDEVIDO. O acúmulo de atribuições, por si só, não assegura ao empregado o pagamento de qualquer acréscimo, a não ser que haja expressa previsão em contrato ou norma coletiva, o que não se coaduna ao caso em tela. Ressalte-se, ainda, a possibilidade de o empregador delegar aos seus empregados serviços compatíveis com sua condição pessoal, dentro do que lhe permite o jus variandi, nos termos do parágrafo único do artigo 456 da CLT. 125
4.4. Os limites do jus variandi
Considerando a impossibilidade de prever todas as situações no contrato individual de trabalho, associado ao fato de que referido contrato é feito para perdurar no tempo, muitas ocorrências posteriores ao momento da contratação podem advir, tornando-se imperiosa a modificação em modo, tempo e lugar da prestação de serviços do empregado.
Assim, deve-se assegurar ao empregador certa maleabilidade quanto aos aspectos secundários do trabalho de seu empregado, a fim viabilizar o
124 TRT 1ª Região, RO 0000759-09.2011.5.01.0039, Rel. Juiz Convocado Xxxxxxxx Xxxx Xxxxxx, 8ª T., j. 29.05.2012. p. 28.06.2012.
125 TRT 2ª Região, RO 00020625920125020471, Relª. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, 17ª T., j. 29.08.2013. p. 06.09.2013.
desenvolvimento da atividade empresarial. O exercício do jus variandi, contudo, deve efetuar-se e ser reconhecido quando seja utilizado de forma razoável e não arbitrária.
Ora, uma das premissas básicas da experiência jurídica é que todo poder deve ser exercido sem arbitrariedade, isto é, sem abuso do poder e sem desvio de poder, sob pena de ineficácia ou nulidade das relações jurídicas.
Ensina Xxxx Xxxxx Xxxxxxxxx:
Discricionariedade e arbítrio são atitudes inteiramente diversas. Discricionariedade é a liberdade de ação administrativa, dentro dos limites permitidos em lei; arbítrio é ação contrária ou excedente da lei. Ato discricionário, quando autorizado pelo Direito, é legal e válido; ato arbitrário é sempre ilegítimo e inválido. 126
Considerando, entretanto, a inexistência em nossa lei trabalhista de norma que regule, especificamente, os limites do jus variandi, competiu à doutrina e à jurisprudência produzi-los, dada a necessidade de ter instrumentos para diagnosticar juridicamente se o exercício do jus variandi foi abusivo ou se houve desvio de sua finalidade, pois somente nessas hipóteses poder-se-á falar no exercício arbitrário do jus variandi e no direito de resistência do empregado.
Ao analisar os limites, focaremos no jus variandi normal, porquanto o excepcional, por ser uma figura anômala, não permite um estudo preciso. Ainda, utilizaremos a classificação esboçada por Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx, pois, a nosso ver, a mesma oferece uma melhor compreensão, sendo assim enumerada: limites externos, limites contratuais, limites relacionados à empresa e limites relacionados ao empregado. 127
4.4.1 Limites externos
126 XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxx. Direito Administrativo Brasileiro. 18ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 1993, p. 103.
127 XXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx. Limites do Jus Variandi do Empregador. Ibidem, p. 82.
Como limites externos podemos elencar a moral e os bons costumes. É que o ambiente de trabalho deve ser propício para o bom desempenho do trabalhador, não podendo o empregador dar ordens dissociadas da moral ou dos bons costumes.
A moral e os bons costumes, embora dotados de significados distintos, muito se assemelham, pois ambos trazem consigo a ideia de justo e de ideal, fundamentais a qualquer convívio social.
Xxxxxx X. Xxxxxx, ao tratar da moral, afirma que:
A moral, entretanto, é contingente: bons costumes, por isso, são aqueles aceitos por uma sociedade considerada, em determinada época. No caso, a sociedade brasileira, nos tempos atuais. Na apreciação do caso concreto, não há de se considerar a moral individual, quer do empregado, quer do empregador, mas o procedimento padrão da sociedade. 128
As garantias constitucionais de proteção à dignidade, à intimidade e à privacidade da pessoa humana, enquanto normas emanadas da Constituição Federal, orientam todas as relações entre os indivíduos e, certamente, a esta regra não escapa a relação de emprego.
Embora o empregado esteja juridicamente subordinado ao empregador, tal condição, não lhe retira, em hipótese alguma, a dignidade e a condição de ser humano. O trabalhador deve ser respeitado e receber um tratamento condigno.
Neste contexto, assevera Xxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxxxxxx:
Os direitos fundamentais se incorporam de forma automática à relação de emprego, irradiando seus efeitos aos sujeitos do contrato de trabalho, independentemente de manifestação de vontade, constituindo-se em limitação ao poder de direção do empregador. 129
As particularidades do contrato de trabalho, marcado, de um lado, pela hipossuficiência e subordinação do trabalhador e, de outro lado, pelo poder
128 XXXXXX, Xxxxxx X. Justa Causa. 7ª ed., São Paulo: Saraiva, 2000, p. 383.
129 XXXXXXXXXX, Xxxxxx xx Xxxxxxxx. Manual do Poder Diretivo do Empregador. São Paulo: LTr, 2009, p. 143.
diretivo do empregador, cria na relação de emprego um ambiente fértil para a ocorrência de lesões morais e materiais.
O empregador, contudo, possui a obrigação de respeitar a personalidade moral do empregado na sua dignidade da pessoa humana. Como aduz Xxxxx Xxxxx Xxxxxx:
Esta é, de fato, a obrigação básica do empregador, decorrente do reconhecimento da existência de direitos fundamentais do trabalhador, como sujeito de um contrato de trabalho. No âmbito da relação de emprego os direitos fundamentais correspondem à projeção da dignidade da pessoa humana na disciplina jurídica do contrato. 130
O reconhecimento dos direitos fundamentais no âmbito do contrato laboral significa admitir que, além dos direitos trabalhistas, o empregado tem o direito de ser tratado dignamente pelo empregador, que deve respeitar a sua intimidade, vida privada, liberdade, honra, boa fama e não discriminação, abstendo-se da prática de ações ou omissões, físicas, verbais ou comportamentais, que exponham o trabalhador a situações humilhantes ou constrangedoras.
Assim, ao empregador incumbe manter o ambiente de trabalho moralmente sadio, pressuposto mínimo para o trabalhador exercer suas atividades laborativas com tranquilidade. Nesse sentido, se em decorrência do exercício do jus variandi, o empregador ou seu preposto, praticar ato contra a moral ou bons costumes, os mesmos podem ser responsabilizados pelos atos irregulares, mediante condenação em indenização por danos morais.
A título de exemplificação, o empregador age com abuso quando orienta as suas empregadas para fazer promessas de atos libidinosos aos seus clientes com o objetivo de aumentar as suas vendas. De igual modo, associados à violação da moral e dos bons costumes, temos o assédio moral e sexual.
130 XXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Direitos Fundamentais nas Relações de Trabalho. São Paulo: LTr, 2007, p. 143.
Em hipóteses como as acima aludidas, é dado ao empregado, inclusive, considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização.
Ora, a submissão do trabalhador ao poder diretivo da empresa deve se limitar aos exatos contornos da execução das atividades laborais fixadas no contrato de trabalho e não pode ser utilizada para a prática de abusos pelo empregador no ambiente de trabalho.
4.4.2 Limites contratuais
O contrato de trabalho também constitui limite ao jus variandi, na medida em que o empregador não pode variar o que foi ajustado, salvo situações especiais, quando a própria possibilidade de variação é também objeto de ajuste.
Assim, toda a condição ajustada pelas partes seja tácita ou expressamente, não podem ser objeto de modificação pelo empregador, por encontrar óbice no artigo 468 da CLT.
Vale notar, neste ínterim, que não só as condições essenciais, como jornada de trabalho, salário, local de prestação dos serviços e função, podem ser objeto de livre estipulação entre as partes, mas também os aspectos secundários, como o uso de determinada máquina, trabalho num certo setor, uso de uniforme.
O contrato de trabalho, além das cláusulas estipuladas de forma tácita ou expressa pelas partes, também é automaticamente integrado pela lei, sentença normativa, convenção coletiva, acordo coletivo e o regulamento de empresa. A lei, pode-se afirmar, é um dos maiores limites ao uso abusivo do jus variandi, na medida em que as condições de melhoria previstas no ordenamento jurídico constituem o patamar mínimo de proteção assegurado ao empregado, acima do qual as partes podem estipular outros benefícios.
Neste contexto, será ilícito deslocar um menor para uma seção de trabalho insalubre, bem como reduzir para trinta minutos o intervalo para
refeição e descanso dos empregados que trabalhem por mais de seis horas, sem a devida autorização da autoridade competente.
Em havendo violação desse limite por parte do empregador deixa de ser jus variandi para ser alteração contratual ilícita.
Acerca do tema, seguem julgados:
RESCISÃO INDIRETA - ALTERAÇÃO DE TURNO DE
TRABALHO - Diante da inexistência de comprovação capaz de evidenciar a alteração contratual lesiva ao recorrente, com evidente prejuízo, caracteriza-se o jus variandi do empregador. Ao alterar o turno do empregado de noturno para diurno age na faculdade que advém do seu poder diretivo, podendo realizar modificações e variações na prestação dos serviços conforme as circunstâncias que envolvem o ambiente de trabalho. 131
Alteração de função. Diferença salarial. Desde que não caracterize violação do contrato de trabalho, norma coletiva, quadro de carreira ou regulamento da empresa, alteração da função se insere no jus variandi do empregador, não autorizando que o empregado reivindique reajuste salarial. 132
Poder de comando da empresa. Limites do jus variandi. A reorganização dos serviços da empresa com a elevação salarial de determinados cargos, desde que não fira direito resultante da lei ou do contrato, corresponde ao jus variandi inerente ao poder de comando de que trata o art. 2º da CLT. 133
4.4.3 Limites relacionados à empresa
O primeiro limite ao jus variandi, nessa ótica, é o de que a modificação objetivada deve representar uma real necessidade da empresa. Desta feita, afasta-se a ordem resultante de rixa ou capricho e a arbitrária ou discriminatória. A ordem também não pode ter finalidade punitiva, isto é, resultar em represália do empregador a uma atitude irregular praticada pelo empregado, na medida em que a empresa, por meio do poder disciplinar, dispõe de procedimento específico para tal finalidade.
131 TRT 1ª Região, RO 01083004420095010016, Rel. Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxxx, 6ª T., j. 24.08.2011. p. 30.08.2011. (grifamos)
132 TRT 1ª Região, RO 02735006419975010262, Rel. Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx, 7ª T., j. 24.11.2010. p. 03.12.2010. (grifamos)
000 XXX, XX 000/00, Xxx. Aldílio Tostes Malta, 3ª T., j. 07.10.1969.