EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA – PDT, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o nº 00.719.575/0001-69, com sede na SAFS - Quadra 02 - Lote 03 (atrás do anexo do Itamaraty), Plano Piloto - Brasília/DF, CEP: 70042-900, neste ato representado por seu presidente nacional, XXXXXX XXXXXXX XXXX, brasileiro, solteiro, administrador, portador da cédula de identidade nº: 000000000, expedida pelo IFP/RJ, inscrito no CPF/MF sob nº 000.000.000-00, com endereço eletrônico: xxxxx@xxx.xxx.xx, vem, respeitosamente, por seus advogados in fine assinados, constituídos mediante instrumento procuratório que segue em anexo (doc. 01), perante Vossa Excelência, com fundamento legal no art. 102, inciso I, alínea “a”, da Constituição Federal, bem como nos dispositivos da Lei nº 9.868/1999, propor a presente
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE COM PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR DE URGÊNCIA
em face dos Artigos 1º e 2º da Lei nº 14.431, de 03 de agosto de 2022, dada a iniludível ofensa aos artigos 1º, inciso III; 3º, inciso III e 170º, inciso V, todos da Constituição Federal de 1988, conforme será demonstrado nos tópicos a seguir alinhavados:
I. DA MOLDURA FÁTICA QUE ENQUADRA A LEI INQUINADA DE INCONSTITUCIONALIDADE.
Publicada em 04 (quatro) de agosto de 2022, a Lei nº 14.431, entre outras providências, altera as Leis nº 10.820/2003, 8.213/1991 e 8.112/1990, com a finalidade de ampliar a margem de crédito consignado aos empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho e de autorizar a realização de empréstimos e financiamentos mediante crédito consignado para beneficiários do benefício de prestação continuada e de programas federais de transferência de renda, a exemplo do Programa Auxílio Brasil.
As alterações em apreço perfectibilizaram-se através dos Artigos 1º e 2º da Lei nº 14.431/2022, que entrou em vigor na data de sua publicação. Eis o teor dos dispositivos impugnados:
Art. 1º A Lei nº 10.820, de 17 de dezembro de 2003, passa a vigorar com as seguintes alterações:
"Art. 1º .............................................................................................................
§ 1º O desconto mencionado neste artigo também poderá incidir sobre verbas rescisórias devidas pelo empregador, se assim previsto no respectivo contrato de empréstimo, financiamento, cartão de crédito ou arrendamento mercantil, até o limite de 40% (quarenta por cento), sendo 35% (trinta e cinco por cento) destinados exclusivamente a empréstimos, financiamentos e arrendamentos mercantis e 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente à amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito consignado ou à utilização com a finalidade de saque por meio de cartão de crédito consignado.
I - (revogado); II - (revogado).
.........................................................................................................................." (NR)"
Art. 2º
.................................................................................................................................
§ 2º ..............................................................................................................
I - a soma dos descontos referidos no art. 1º desta Lei não poderá exceder a 40% (quarenta por cento) da remuneração disponível, conforme definido em regulamento;
nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, poderão autorizar que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) proceda aos descontos referidos no art. 1º desta Lei e, de forma irrevogável e irretratável, que a instituição financeira na qual recebam os seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando previstos em contrato, na forma estabelecida em regulamento, observadas as normas editadas pelo INSS e ouvido o Conselho Nacional de Previdência Social.
..................................................................................................................................
§ 5º Os descontos e as retenções mencionados no caput deste artigo não poderão ultrapassar o limite de 45% (quarenta e cinco por cento) do valor dos benefícios, sendo 35% (trinta e cinco por cento) destinados exclusivamente a empréstimos, financiamentos e arrendamentos mercantis, 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente à amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito consignado ou à utilização com a finalidade de saque por meio de cartão de crédito consignado e 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente à amortização de despesas contraídas por meio de cartão consignado de benefício ou à utilização com a finalidade de saque por meio de cartão consignado de benefício.
...................................................................................................................................
§ 7º Aplica-se o previsto no caput no § 5º deste artigo também aos titulares da renda mensal vitalícia (RMV) prevista na Lei nº 6.179, de 11 de dezembro de 1974, e de benefícios que tenham como requisito para sua concessão a preexistência do benefício de prestação continuada de que trata o art. 20 da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993." (NR)
"Art. 6º-B. Os beneficiários de programas federais de transferência de renda poderão autorizar a União a proceder aos descontos em seu benefício, de forma irrevogável e irretratável, em favor de instituições financeiras autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, para fins de amortização de valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos e financiamentos, até o limite de 40% (quarenta por cento) do valor do benefício, na forma estabelecida em regulamento.
Parágrafo único. A responsabilidade pelo pagamento dos créditos de que trata o caput deste artigo será direta e exclusiva do beneficiário, e a União não poderá ser responsabilizada, ainda que subsidiariamente, em qualquer hipótese."
Art. 2º O art. 115 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, passa a vigorar com as seguintes alterações:
"Art. 115. .........................................................................................................
de 45% (quarenta e cinco por cento) do valor do benefício, sendo 35% (trinta e cinco por cento) destinados exclusivamente a empréstimos, financiamentos e arrendamentos mercantis, 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente à amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito consignado ou à utilização com a finalidade de saque por meio de cartão de crédito consignado e 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente à amortização de despesas contraídas por meio de cartão consignado de benefício ou à utilização com a finalidade de saque por meio de cartão consignado de benefício.
a) (revogada);
b) (revogada).
........................................................................................................................." (NR)
Como é cediço, a crise econômica suportada pela população brasileira, em especial pela parcela em vulnerabilidade social, ocasionou a necessidade de expansão de políticas públicas de transferência de renda e de ampliação de medidas contingenciais para estancar as consequências manifestas da escalada de preços e esvaziamento de renda das famílias brasileiras.
É nesse contexto de crise que atravessa o país que foi editada a Lei nº 14.431/2022, sob o pretexto de que a tomada de empréstimos, por meio do aumento da margem de comprometimento dos benefícios, poderia levar a uma redução da taxa de juros, diante da redução da inadimplência nesta modalidade de crédito1, o que não pôde ser verificado.
Explica-se.
Diante das alterações levadas a cabo por meio dos dispositivos impugnados, foi aumentada a margem de renda consignável e ampliados os beneficiários aptos a contratar empréstimos consignados. Ou seja, o teto da renda de aposentados que pode ser comprometida com empréstimos consignados é elevada, assim como beneficiários de
programas federais de transferência de renda e de benefícios assistenciais poderão autorizar o desconto de valores referentes à tomada de empréstimos em até 40% e 45%, respectivamente, do valor percebido mensalmente.
Dessa maneira, a parcela da renda que poderá ser comprometida para garantia de empréstimos é elevada, especificamente para indivíduos que têm programas assistenciais e de transferência de renda como única fonte de subsistência, tratando-se de verbas alimentares e indisponíveis, alcançando mais de 52 milhões de pessoas2 que já vivem em situação de pobreza ou miserabilidade, o que releva a extensão do possível dano propiciado pela medida.
Ao revés do argumento suscitado para aprovação da legislação em comento, ao possibilitar-se a completa liberação e ampliação dos empréstimos consignados, não poderão ser neutralizadas as dificuldades econômicas atravessadas pela população, que poderá experienciar um alívio financeiro imediato, no entanto, efêmero. A problemática vislumbrada vai ao encontro da possibilidade de superendividamento das famílias brasileiras que recebem até 1 salário mínimo, que, em 2018, já destinavam cerca de 87,5% de seu orçamento com gastos básicos: em despesas alimentícias, de habitação e transporte.3
Tendo em vista o aumento da inflação e a escalada de preços, corrente no país, é esperado que a parcela de comprometimento de renda para itens de subsistência tenha
2 AGÊNCIA CÂMARA DE NOTÍCIAS. Medida provisória autoriza consignado para beneficiários de programas sociais e amplia margem para 40%. Publicado em: 18/03/2022. Disponível em: < xxxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxx/000000-xxxxxx-xxxxxxxxxx-xxxxxxxx-xxxxxxxxxx-xxxx-xxxxxxxxxxxxx- de-programas-sociais-e-amplia-margem-para-40> Acesso em: 05/08/2022.
aumentado de forma considerável, pressionando sobremaneira o orçamento familiar. Consecução lógica, não será sustentável a manutenção de um estado de dignidade social com a redução de até 45% da única renda de milhares de famílias. Ainda, ressalta-se que o contexto atual já revela uma intensa situação de endividamento, pelo que 77,7% (setenta e sete porcento) das famílias brasileiras finalizaram o mês de abril de 2022 com dívidas, de acordo com levantamento da Confederação Nacional do Comércio, Bens, Serviços e Turismo.4
Ao analisar-se a população atingida pela medida, tem-se que aposentados, pensionistas e beneficiários de programas assistenciais já estão em vulnerabilidade social ou econômica, tratando-se de idosos, pessoas com deficiência ou em situação de miserabilidade. Por outro lado, em relação aos beneficiários do Auxílio Brasil, tem-se que um dos requisitos do programa é a constatação de situação de pobreza ou de extrema pobreza das famílias, verificado por análise de renda per capita, que se limitará a R$ 105 (cento e cinco) reais.
Cuidam-se, portanto, de cidadãos que têm dificuldade de inserir-se no mercado de trabalho, com baixa instrução e atravessando uma crise econômica com recursos escassos, o que pode resultar em um aumento de empréstimos realizados. Nesta hipótese, a Lei publicada não teria o condão de promover o aquecimento da economia, mas, sim, o agravamento do superendividamento dos brasileiros, visto que, caso findos os recursos necessários à sua subsistência, a tomada de crédito por outros meios será, inevitavelmente, uma opção para as famílias.
Em verdade, o superendividamento da população ocasionará o aumento vertiginoso da inadimplência e, consequentemente, uma explosão da taxa de juros, o que,
inversamente ao pretendido pela medida, desaceleraria o consumo e restringiria o acesso ao crédito.
Somado a esses fatos, aponta-se que as consequências da medida podem ser facilmente previstas, pois embora a renda obtida com os empréstimos auxilie a população no curto prazo, há uma tendência de aumento da inflação, a qual, por sua vez, gera um aumento na taxa de juros, em uma cadeia de reações econômicas danosas para a população mais pobre.
Conforme apontado, a população abarcada pela medida envolve aposentados, idosos, pessoas com deficiência e com baixa escolaridade, o que, de acordo com Manifestação Técnica dos membros do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, pode acarretar uma avalanche de empréstimos não consentidos, tendo em vista que dados do INSS apontam que as queixas de empréstimos consignados não autorizados, em um período de dois anos, chegaram a 97 (noventa e sete) mil, havendo crescido durante a pandemia, quando foi levado a cabo um aumento de 5% (cinco porcento) do percentual de contratação de consignados.5
Nesta feita, tendo em vista que não foi prevista nenhuma medida para prevenir a ocorrência de fraudes, pode ser agravado um quadro já preocupante no país, conforme noticiado:
5 G1 GLOBO. Aposentados e pensionistas recebem empréstimos sem pedir. Disponível em: xxxxx://x0.xxxxx.xxx/xxxxxxxxxxxxxx/xxxxxxx/0000/00/00/xxxxxxxxxxx-x-xxxxxxxxxxxx-xxxxxxx- emprestimos-sem-pedir.ghtml. Apud: MEMBROS DO SISTEMA NACIONAL DE DEFESA DO
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Diante do atual contexto, a prática legislativa não pode incentivar o endividamento da população e permitir uma abertura de margem para danos de maior proporção para a população em vulnerabilidade econômica, o que atrai prejuízos sem medida para idosos, pessoas com deficiência e famílias em situação de miserabilidade e vai de encontro às práticas de crédito responsável e de prevenção ao superendividamento.
Relevante, ainda, destacar a preocupação exarada por especialistas e pelas próprias instituições financeiras:
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Outro problema que se erige à medida é a temporalidade de oferta do Auxílio Brasil, que destitui a garantia necessária à constituição própria de um empréstimo consignado, ocasionando um risco de crédito que poderá gerar acintes à manutenção da ordem econômica. No mesmo sentido, do ponto de vista econômico, considerando-se que não há garantia de pagamento e não se podem elevar os juros, os empréstimos mostram- se impraticáveis, em especial se apreciado o contexto de endividamento atual dos brasileiros, conforme noticiado pelo Jornal Valor Econômico:
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Prova do movimento de aumento de juros para conter a ausência de garantia de pagamento dos beneficiários do Auxílio Brasil é a taxa de juros estimada para a modalidade, as quais estão previstas em 4,99% ao mês, o equivalente a alarmantes 79% ao ano. Em simulação feita por reportagem da Folha de São Paulo, as taxas previstas durante o cadastramento eram de 5,88% ao mês, chegando a 98% ao ano. Observe-se:
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9 FOLHA DE S. XXXXX. Empréstimo do Auxílio Brasil faz crédito e R$3.000 virar dívida de mais de R$5.000. Publicado em: 04/08/2022. Disponível em: < xxxxx://xxx0.xxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxx/0000/00/xxxxxxxxxx-xx-xxxxxxx-xxxxxx-xxx-xxxxxxx-xx-x-0000- virar-divida-de-mais-de-r-5000.shtml> Acesso em: 05/08/2022.
Ainda, com o prosseguimento do feito, programas de transferência de renda, como o Auxílio Brasil, perderiam, em parte, a razão de ser, visto que, como efeito colateral das elevadas taxas de juros devidas às Instituições Financeiras e Administradoras de consignados, haveria uma transferência indireta de recursos – inicialmente, públicos- para estas entidades.
Isto posto, perante a possibilidade nítida de aumento de juros, ressalta-se que a rentabilidade de investimentos em renda fixa de longo prazo é, também, elevada, favorecendo aumentos vertiginosos da desigualdade social que sempre assolou o nosso país, considerando que a parcela mais rica da população seria beneficiada, enquanto os hiper vulneráveis comprometem sua renda apenas para alcançar patamares básicos de sobrevivência.
Saliente-se que a hipossuficiência necessária ao trato com o consumidor, somada à situação de vulnerabilidade suportada pela população atingida pela medida, atrai a conclusão de que a prevenção e tratamento do superendividamento foi, em sua totalidade, ignorada in casu, visto que esta é uma maneira de evitar a exclusão social do consumidor. Ora, não resguarda pacto lógico permitir um alívio financeiro efêmero às famílias brasileiras às expensas do aumento do endividamento e da inadimplência no Brasil, possibilitando-se a tomada de empréstimos com juros de 98% (noventa e oito porcento) ao ano.
Conforme suscitado pelo Sistema Nacional de Defesa do Consumidor: “Ademais, conceder desenfreados empréstimos consignados para um público que recebe um benefício para lhe retirar da zona de miserabilidade é permitir a barbárie comparada aos tempos
feudais, o que, em nosso país, coloca os limites da dignidade da pessoa humana à prova a todo instante, ferindo o artigo 1º, inciso III, da CF/88.”11
Como se vê, as medidas implementadas pelos Artigos 1º e 2º da Lei nº 14.431/2022 desvelam acintes diretos à ordem econômica, à proteção constitucional do consumidor e à dignidade da pessoa humana, especificamente porque cria a possibilidade de contração de obrigações financeiras que desbordam dos limites da razoabilidade e dos mínimos existenciais para pessoas em situação de hiper vulnerabilidade, ao passo que propiciam descompassos nítidos ao sistema econômico, partindo de medidas irresponsáveis que conduzem à manifesta probabilidade de aumento do endividamento das famílias e da taxa de juros no país.
Estabelecidas essas premissas, passar-se-á, em sequência, a perquirir os meandros dos dispositivos em apreço, para demonstrar que padece de vícios de inconstitucionalidade material e, por isso mesmo, deve ser declarada sua inconstitucionalidade por este Supremo Tribunal.
II. DA LEGITIMIDADE E DO CABIMENTO DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.
Nos termos do artigo 103, inciso VIII, da Constituição Federal de 1988, podem propor a ação direta de inconstitucionalidade partido político com representação no Congresso Nacional. O telos subjacente à legitimidade ativa conferida aos partidos políticos é o de assegurar às minorias parlamentares o direito de zelar pela supremacia constitucional e para incentivar o desenvolvimento da cidadania ativa na população.
Atualmente, o requisito para que os partidos políticos possam ingressar com ações de controle abstrato de constitucionalidade é aferido somente no momento do ingresso da ação devida, mesmo que durante a tramitação processual não mantenham sua representação no Congresso Nacional. Desse modo, o Partido Democrático Trabalhista (PDT) conta com representação no Congresso Nacional, sendo, por isso mesmo, legitimado à propositura da presente ADI.12
Já no que toca ao cabimento da Ação Direta de Inconstitucionalidade, constata-se que a Lei nº 14.431/2022, enquanto espécie primária prevista no Art. 59 da Constituição Federal, é objeto plenamente cabível de abertura da via de controle concentrado.
III. DAS INCONSTITUCIONALIDADES DOS ARTIGOS 1º E 2º DA LEI Nº14.431, DE 03 DE AGOSTO DE 2022.
III.I. DA VIOLAÇÃO AO ART. 1º, INCISO III, E AO ART. 3º, INCISO III, AMBOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. DA INTANGIBILIDADE DO MÍNIMO EXISTENCIAL (DA VEDAÇÃO DA PROTEÇÃO DEFICIENTE).
O conceito de dignidade da pessoa humana não é um conceito a priori, que sempre existiu ao longo do tempo, mas foi composto paulatinamente, fruto de diversas circunstâncias históricas, concretizando um dos principais direitos para a espécie humana. A etimologia da palavra provém do latim dignitas, significando tudo aquilo que merece respeito, consideração e estima. 13 Ela é a base do ordenamento jurídico, seu
12 “O reconhecimento da legitimidade ativa das agremiações partidárias para a instauração do controle normativo abstrato, sem as restrições decorrentes do vínculo de pertinência temática, constitui natural
elemento central, como dispõe a Constituição alemã de 1949 ao afirmar que a dignidade da pessoa humana se configura como inviolável.
Dessa centralidade advém que nenhuma norma pode violar seu conteúdo essencial, já que o homem é considerado o valor mais importante do ordenamento jurídico, tornando-o vetor paradigmático para a interpretação das demais normas e valores constitucionais. A dignidade da pessoa humana representa, por isso mesmo, um complexo de direitos que são inerentes à espécie humana, que sem eles o homem se transformaria em coisa, res. São direitos como a vida, saúde, lazer, educação, trabalho e cultura que devem ser propiciados a todos, sem distinção.
O objetivo principal para incluir o princípio da dignidade da pessoa humana como um dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil foi o de fazer com que a pessoa seja o “fundamento e fim da sociedade” 14, eis que o Estado “existe em função de todas as pessoas e não estas em função de Estado”15, em uma nítida incorporação da filosofia kantiana. Dada a sua magnitude, a dignidade da pessoa humana está prevista na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão da Revolução Francesa (1789), na Declaração do Povo Trabalhador e Explorador da Revolução Bolchevique (1917) e na Declaração de Direitos do Homem (Da ONU, de 1948), por exemplo.
Dessa relevância advém suas características: inata, inalienável e absoluta. Inata porque não depende de qualquer tipo de condição para sua realização, seja jurídica ou metajurídica. Inalienável em razão de que não pode ser cedida, nem mesmo por meio de contrato ou por livre vontade. Absoluta, pois não pode ser objeto de mitigação, a não ser em casos específicos em que haja necessidade de compatibilização, adequando-se ao princípio da proporcionalidade. Ensina Xxxx Xxxxxx que a dignidade da pessoa humana
possui força normativa mais intensa que uma simples norma, que, além do seu enquadramento na condição de princípio (valor) fundamental, é alicerce de mandamento definidor de direito e garantia, mas também de deveres fundamentais. 16
Para o Professor Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx, o conceito da dignidade da pessoa humana “obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer ideia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade da pessoa humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, ignorando-a quando se trate de direitos econômicos, sociais e culturais. Daí decorre que a ordem econômica há de ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 170), a ordem social visará à realização da justiça social (art. 193), à educação, ao desenvolvimento da pessoa e a seu preparo para o exercício da cidadania (art. 205), não como meros enunciados formais, mas como indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana”. 17
O princípio da dignidade da pessoa humana também alcança, por isso mesmo, um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, que tem o cerne de erradicar a pobreza, a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, inciso III, da Constituição Federal de 1988). A esse respeito tem-se a ideia de um mínimo existencial (mínimo vital) garantido a todos os seres humanos, que constitui, na esteira do magistério jurisprudencial deste Supremo Tribunal, o núcleo essencial dos direitos fundamentais sociais. 18
Ensina o Ministro Xxxxx xx Xxxxx (RE 639.337 AgR), que “a noção de mínimo
existencial, que resulta, por implicitude, de determinados preceitos constitucionais (CF,
16 XXXXXX, Xxxx. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. P. 70.
art. 1º, III, e art. 3º, III), compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à alimentação e o direito à segurança”. Portanto, deve-se conferir intangibilidade do mínimo existencial, em ordem a conferir real efetividade às normas positivadas na própria Lei Fundamental.
Feitas essas ligeiras deambulações doutrinárias, é fácil constatar que a Lei nº 14.431/2022 (arts. 1º e 2º), que amplia a margem de crédito consignado aos empregados regidos pela CLT, aos segurados do regime próprio de previdência social dos servidores públicos federais, aos servidores públicos federais e aos segurados do Regime Geral de Previdência Social, e autoriza essa modalidade de crédito para beneficiários do benefício de prestação continuada e de programas sociais do governo federal; fere de morte o princípio da dignidade da pessoas humana trazido, na espécie, na garantia do mínimo existencial. Explica-se.
De início, cabe mencionar que a Lei nº 14.431/2022 atingirá mais de 52 milhões de pessoas, incluindo os cerca de 30,5 milhões de aposentados e pensionistas do INSS; os 4,8 milhões de beneficiários do BPC e os 17,5 milhões de beneficiários do Programa Auxílio Brasil. Com as alterações promovidas pelos artigos 1º e 2º da Lei nº 14.431/2022, aposentados do Regime Geral de Previdência terão a margem ampliada para 45%, mesmo valor aplicado a quem recebe BPC, sendo 35% destinados exclusivamente a empréstimos,
benefício ou à utilização com a finalidade de saque por meio de cartão consignado de benefício.
Para os beneficiários dos programas federais, o percentual de comprometimento será de 40%. Ou seja, pessoas já necessitadas e carentes de fruição de direitos mínimos, que percebem quantia destinada à sua subsistência, poderão ter até 40% (quarenta por cento) de comprometimento de auxílio destinado a empréstimos consignados. Diz-se, é bem verdade, que a medida atrairá benefícios à economia brasileira, mas a situação permitirá que essa parcela da sociedade continue a vagar na extrema pobreza e com dívidas que perdurarão por longo elastério temporal.
Necessário atentar para o fato de que os destinatários da legislação inquinada de inconstitucionalidade são, primordialmente, aposentados, pensionistas e beneficiários de programas assistenciais, os quais já estão em situação de vulnerabilidade social ou econômica, tratando-se de idosos, pessoas com deficiência ou em estado de miserabilidade. Por outro lado, em relação aos beneficiários do Auxílio Brasil, tem-se que um dos requisitos do programa é a constatação de situação de pobreza ou de extrema pobreza das famílias, verificado por análise de renda per capita, que se limitará a R$ 105 (cento e cinco) reais. Ou seja, todos enquadrados no grupo de pessoas hiper vulneráveis.
Demais disso, também é de bom alvitre acentuar que, considerando a baixa instrução do público-alvo dos benefícios de transferência de renda, é inevitável a ocorrência de uma avalanche de empréstimos não consentidos, que vai desaguar em um efeito inverso para a economia, a saber, o agravamento do superendividamento dos brasileiros.
esperado pela medida é o superendividamento, fato para o qual não tem se atentado o poder Estatal.
O Estado deve, ao revés, ir de encontro ao ideário de garantismo negativo e agir à luz da proporcionalidade e do Princípio da Proibição da Proteção Deficiente, enquanto imperativo de tutela do Estado. É dizer, ao passo que o Estado se omite do dever de proteção de direitos constitucionais, ou não o faz de maneira eficaz, seus atos restam sopesados de inconstitucionalidade.19
In casu, considerados os comandos constitucionais voltados à proteção da dignidade da pessoa humana, garantia de mínimos existenciais e direitos dos consumidores, o Estado deve tomar medidas suficientes ao cumprimento do dever de tutela destes direitos fundamentais, em especial se consideradas as consequências econômicas esperadas pela condução de empréstimos consignados que comprometam os mínimos existenciais da população. Acerca disto, ressalta-se que o superendividamento é diretamente enfrentado pela Lei nº Lei 14.181/2021, consagrando a prevenção e tratamento do superendividamento como forma de evitar a exclusão social do consumidor.
Com efeito, observa-se latente deficiência na ação do legislador para proteger o consumidor do superendividamento, resguardar a dignidade da pessoa humana ou preservar a ordem econômica, restando os dispositivos impugnados aquém dos limites jurídicos de proteção dos direitos fundamentais, quando proporciona permissivo para a tomada indiscriminada de crédito pela população mais vulnerável e possibilita desmedidos acintes ao sistema econômico.
Por fim, sustenta-se que o princípio da proibição da proteção deficiente é apto, na hipótese vertente, a afastar do ordenamento os Artigos 1º e 2º da Lei nº 14.431/2022, haja vista que introduzem situação de desproporcionalidade extrema entre os bens jurídicos tutelados pelo Estado, promovendo menor proteção do que a prevista constitucionalmente e necessária socialmente.
III.II. DA VIOLAÇÃO AO ART. 170, V DA CARTA POLÍTICA DE 1988. DA DEFESA DO CONSUMIDOR COMO BALUARTE DA ORDEM ECONÔMICA BRASILEIRA.
Prima facie, impera trazer à baila as particularidades do empréstimo consignado, uma vez que, são as características únicas deste tipo de empréstimo que vulnerabilizam a saúde financeira do consumidor que adere a esta modalidade. Isto porque o significado de consignado está diretamente relacionado ao fato de que o valor devido, bem como taxas, juros e entre outros, é descontado diretamente no contracheque, holerite ou benefício do INSS. 20
Portanto, parte da renda do consumidor fica comprometida antes mesmo de ser percebida por este, limitando seu planejamento orçamentário e aumentando seu passivo com pagamento de juros, sem que lhe seja facultado a suspensão, adiamento ou negociação do débito, uma vez que a renda auferida já chega em suas mãos com abatimento. Ou seja, em termos concisos, ainda que a pessoa endividada esteja em condição de miserabilidade, não lhe será oportunizada chance de reorganização financeira, pois o desconto permanecerá sendo feito, de forma integral.
Tendo em vista as particularidades acima abarcadas, a referida modalidade de empréstimo sempre foi limitada a uma fatia compatível com a renda do indivíduo, com
fito de evitar que o desconto comprometesse a percepção de valor mínimo existencial necessário para subsistência.
Ocorre que, a Lei de nº 14.431/2022 altera a redação das as Leis nº 10.820/2003, 8.213/1991 e 8.112/1990, ampliando a margem de crédito consignado dos segurados do Regime Geral de Previdência Social e, ainda, autoriza a percepção do referido empréstimo por pessoas beneficiárias do Benefício de Prestação Continuada - BPC, e programas federais de transferência de renda, ou seja, autoriza um comprometimento maior da renda dos segurados e ainda possibilita a modalidade de empréstimo a indivíduos que dependem de programas assistenciais para subsistência, vulnerabilizando-se os destinatários da norma, que estão à mercê de superendividamento.
Segundo os Artigos 1º e 2º da referida norma legal, os descontos e retenções têm como teto 40% (quarenta porcento), podendo chegar à 45% (quarenta e cinco porcento) em determinados casos, ou seja, aproxima-se da metade dos rendimentos pessoais. Outrossim, as parcelas podem durar longos anos, durante os quais quaisquer mudanças no contexto fático do indivíduo ou até mesmo a alta inflação podem implicar em situação de extrema vulnerabilidade e comprometimento da subsistência, uma vez que, diante de qualquer hipótese afora do planejado, haverá, de forma inegociável e irretratável, desconto de quase metade de sua renda.
O art. 170, da Carta Política de 1988 elenca os princípios que devem ser, inexoravelmente, observados pela ordem econômica nacional. Outrossim, no inciso V da referida norma programática, traz-se a defesa do consumidor enquanto princípio a ser observado, de forma que é patentemente inconstitucional o gerenciamento da ordem econômica que tangencie a defesa do consumidor, que está elencado no rol de entes vulneráveis protegidos e tutelados pela Magna Carta.
Portanto, qualquer medida de fomento à economia deve observar a necessária proteção constitucional aos hipossuficientes e vulneráveis, conquanto a ordem econômica
de um estado lastreia-se na busca de justiça social, de forma que jamais poderá adotar medidas que, sob a escusa de fomento de mercado, amplie desigualdades sociais e ponha em risco a subsistência e segurança econômica dos cidadãos e cidadãs destinatários da norma. Isto porque a missão precípua de um estado é garantir o bem estar social. Assim, ressoa inconteste que medida de incentivo ao mercado que vulnerabiliza o consumidor é patentemente inconstitucional, conforme vislumbra-se no caso em tela.
Para Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx, a ordem econômica de um estado nada mais é que a fração do sistema normativo legal que abarca a regulação das relações econômicas estabelecidas pelo estado, ou seja, é a ordem jurídica da economia. Ademais disso, a ordem econômica constitucional versa acerca do arranjo de normas que consumam uma determinada ordem econômica no sentido concreto, positivando a forma econômica adotada. 21
Outrossim, a ordem econômica adotada pelo Estado Brasileiro, nos termos do art. 170 da Constituição federal de 1988, tem como finalidade precípua garantir a existência digna e a busca incessante pela justiça social. Nesta baila, o referido artigo elenca os princípios sustentáculos da ordem econômica, refletindo sua finalidade no estado brasileiro. Dentre os princípios/finalidades da ordem econômica, tem-se o dever de proteção ao consumidor, reconhecendo-se a condição de vulnerabilidade e hipossuficiência deste diante do mercado. 22
Não por acaso, o Código de Defesa do Consumidor, cujo fundamento de validade advém dos ditames constitucionais, colaciona, em seu art. 4º, que a Política Nacional das Relações de Consumo objetiva o atendimento das necessidades dos consumidores, bem como a sua dignidade, saúde, segurança, proteção de seus interesses econômicos,
melhoria de sua qualidade de vida, e, ainda, a transparência e harmonia das relações de consumo.
O referido artigo traz ainda os princípios de observância obrigatória pela política nacional das relações de consumo, dentre eles: o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo e ação governamental no sentido de proteger o consumidor: por iniciativa direta, incentivo à criação e desenvolvimento de associações representativas, pela presença do Estado no mercado de consumo e pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho. 23
Ou seja, de forma indene de dúvidas, restou positivado que a intervenção estatal no mercado se justifica na medida em que se destina a proteger o consumidor, reconhecido como vulnerável.
Outrossim, o art. 4º, inciso X, traz ainda enquanto princípio lastrador da Política Nacional das Relações de Consumo a prevenção e tratamento do superendividamento como forma de evitar a exclusão social do consumidor.24 Isto porque, quando ocorre o
23 Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos
consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da
sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes
princípios: I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; II - ação governamental no
sentido de proteger efetivamente o consumidor: a) por iniciativa direta; b) por incentivos à criação e desenvolvimento
de associações representativas; c) pela presença do Estado no mercado de consumo; d) pela garantia dos produtos e
serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho. III - harmonização dos interesses
dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores; IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo.
24 Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos
fenômeno do superendividamento, em tempos de circulação imediata das informações, o consumidor tem suas linhas de crédito praticamente anuladas perante todos os setores do mercado, ficando excluído deste até a praticamente intangível regularização de sua situação, ou seja, em situação de banimento das relações de consumo.
Em total descompasso com os fundamentos da ordem econômica, positivados pela Magna Carta, e ainda, a necessária proteção ao consumidor, elencada pela CRFB/88 e regulamentada pelo Código de Defesa do Consumidor, a norma objeto desta ADI não apenas tangencia o dever de proteção ao consumidor, busca da justiça social, dignidade existencial e prevenção e tratamento do superendividamento, como serve de fomento a este fenômeno, na medida em que possibilita pessoas vulneráveis comprometerem parte considerável de seus rendimentos com empréstimos cujo desconto incide diretamente na folha, pelo que a inconstitucionalidade ressumbre inaudível.
Destarte, a Magna Carta de 1988, especialmente no que toca à proteção aos direitos do consumidor e aos princípios lastreadores da ordem econômica, foi mitigada em demasia, com medida irresponsável que serve ao fomento do superendividamento, que já possui contornos catastróficos no país.
Nesta senda, não é demais rememorar que, após mais de 02(dois) anos de pandemia pela SARS-COV-19, inflação em alta, preços galopantes nos mais básicos insumos alimentícios, dentre outros fatores de risco vigentes atualmente, a possibilitação irresponsável de empréstimo consignado emerge como verdadeiro presente de grego/cavalo de Tróia, na medida em que, com vestes de salvação para aqueles que se encontram atualmente em situação econômica fragilizada, serve-se de paliativo que à médio e longo prazo agrava a situação de fragilidade econômica, sobretudo por se tratar de desconto que será realizado por anos à fio.
Outrossim, o fomento à economia, em observância aos ditames da Carta Política de 1988, bem como as normas legais que retiram dela seu fundamento de validade, deve
se dar principalmente com a ampliação de programas sociais de redistribuição de renda, com medidas que visem o controle inflacionário, com incentivo à uma economia saudável, dentre outras ações, que fomentem a independência financeira e a qualidade de vida do consumidor; sem que seja sobrelevado tão somente os lucros das instituições financeiras, que já são exorbitantes.
Isto tudo em detrimento da dignidade existencial do consumidor, que está a ser ludibriado com verdadeiro “ouro dos tolos” que é o empréstimo consignado. Assim, ressoa inconteste que a referida medida vai de encontro à Constituição Federal, pelo que deve ser declarada inconstitucional e extirpada da sociedade.
IV. DA MEDIDA CAUTELAR DE URGÊNCIA.
Conforme a redação do art. 300 do Código de Processo Civil, a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. A tutela antecipada pode ser utilizada para combater um “perigo de dano”, como também, um “perigo de Ilícito”. Está o juiz autorizado a tutelar de forma atípica o direito, utilizando das providências que entender como as mais adequadas e necessárias.
Nesta senda, segundo pontua Xxxxxxx Xxxxxx, as situações de urgência precisam ser rapidamente debeladas, sob pena, de o risco que surge iminente deixar de ser abstrato e passar a ser concreto, tornando inútil e sem razão de ser uma proteção tardia. 25 Portanto, as situações de urgência são identificadas pela presença de fato que cause risco de dano ao processo ou ao bem da vida tutelado.
25 XXXXXX, Xxxxxxx. Manual de direito processual civil. 6. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 405.
Na hipótese vertente, a probabilidade do direito resta consubstanciada na patente inconstitucionalidade que permeia os Artigos 1º e 2º da Lei nº 14.431/2022, notadamente com os acintes à dignidade da pessoa humana, à defesa do consumidor como baluarte da ordem econômica e a proibição da defesa deficiente dos vulneráveis.
Quanto ao perigo de dano, frisa-se que algumas instituições financeiras têm buscado, de forma assídua e frenética, fechar de imediato os referidos empréstimos consignados, realizando quantidade enorme de novos contratos a cada dia, razão pela qual se justifica o deferimento da medida cautelar em regime de excepcional urgência (artigo 10, §3º, da Lei nº 9.868/99).
Já quanto ao risco ao resultado útil do processo, evidencia-se pelas violações aos direitos constitucionais ora apontados, que ocorrem de forma paulatina e ininterrupta pelo ato do Poder Público que se questiona nesta ADI. Por derradeiro, pontue-se que a concessão da medida cautelar de urgência não é apta gerar danos à União, uma vez que são as instituições financeiras privadas quem tem realizado os referidos empréstimos consignados, os quais não tem intervenção direta da União como participe beneficiária.
V. DOS PEDIDOS.
Pelo fio do exposto, requer a Vossa Excelência o seguinte:
a) A concessão de medida cautelar ad referendum do Plenário, nos termos do §3º do art. 10 da Lei nº 9.868/1999, para suspender a eficácia dos Artigos 1º e 2º da Lei nº 14.431/2022 até o julgamento desta Ação Direta de Inconstitucionalidade;
b) A adoção do rito abreviado previsto no art. 12, caput, da Lei nº 9.868/1999;
c) Sejam solicitadas informações prévias ao Congresso Nacional (art 10, caput, da Lei nº 9.868/1999), e, em seguida, sejam citados o Advogado-Geral da União e o Procurador-Geral da República, para que apresentem manifestação (art. 10, §3º, da Lei nº 9.868/1999);
d) No mérito, a confirmação da medida cautelar, caso seja deferida, com o julgamento pela total procedência dos pedidos deduzidos nesta Ação Direta, especificamente para que se declare a inconstitucionalidade dos Artigos 1º e 2º da Lei nº 14.431/2022, em razão da ofensa aos artigos 1º, inciso III; 3º, inciso III e 170º, inciso V, todos da Constituição Federal de 1988.
Nestes termos, pede deferimento. Xxxxxxxx (XX), 00 xx xxxxxx xx 0000.
XXXXXX XX XXXXX XXXX XXXXXXX XXXXXX
OAB/PE 757-B OAB/PE 37.719
XXX XXXXXXXXX XXXX XXXXXX XXXXXXX
OAB/DF 10.074 OAB/RJ 62.818
XXX XXXXXXXX XXXXXX XXXX XXXXXX
OAB/PE 49.456 OAB/RJ 68.152
XXX XXXXXXX XXXXXX
ESTAGIÁRIA DE DIREITO