Contratos de Locação: Análise das decisões do TJMG nos casos de desequilíbrio contratual em locações no cenário pandêmico da COVID-19
Contratos de Locação: Análise das decisões do TJMG nos casos de desequilíbrio contratual em locações no cenário pandêmico da COVID-19
Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx0
Faculdade de Direito Xxxxxx Xxxxxx
Resumo
O presente trabalho tem por objetivo estudar e analisar o posicionamento do Poder Judiciário de Minas Gerais em suas últimas decisões tomadas, no que diz respeito aos recorrentes pedidos de tutela de urgência construídos em cima da alegação de incidência da onerosidade excessiva nos contratos de locação, em virtude das consequências causadas pelo atual cenário pandêmico da COVID-19. Dessa forma, far-se-á um estudo dos critérios e fundamentações utilizados pelos julgadores, com o intuito de entender tanto a tendência seguida pelo TJMG em relação ao assunto, como também entender os argumentos utilizados pelas partes ao buscar a aplicação das tutelas de urgência como medida ágil para o reestabelecimento do equilíbrio contratual nos contratos de locação abalados pelos últimos acontecimentos de grande impacto mundial.
Palavras-chave: Onerosidade excessiva; Contratos de Locação; Tutela de urgência; COVID-19.
Introdução
O presente estudo visa trabalhar com um dos diversos impactos trazidos, na esfera do direito, com a expressiva mudança no cenário mundial ocasionada pela disseminação do vírus da COVID-19. O escopo de atuação do estudo será no que tange, as problemáticas em torno dos contratos de locação firmados em esfera cível, antes da pandemia e que após o seu início foram acometidas por uma consequente desarmonia nas obrigações firmadas.
1 Graduanda em Direito. xxxxxxxxxxxxx@xxxxxxx.xxx.xx
Em meio a essa conjuntura, observa-se um aumento na judicialização de questões que, quase sempre acompanhadas de tutelas de urgência, envolvem um pedido de renegociação de contratos de locação, a fim de se reestabelecer o equilíbrio contratual alterado em razão das oscilações sociais vivenciadas pelas partes. O objetivo do estudo é entender qual tem sido a postura adotada, em específico, pelo Tribunal Estadual de Justiça de Minas Gerais, ao julgar esses litígios, bem como, estudar os parâmetros legais arguidos para se fundamentar tais decisões.
Assim, para se chegar a essa análise empírica, serão examinados agravos de instrumento acerca dos pedidos de tutela de urgência, bem como, suscitado no artigo, questões como, institutos contratuais, possibilidade de se solicitar revisões contratuais, o uso das tutelas de urgência como forma mais eficaz para se solucionar o problema e por fim como tem sido a resposta do TJMG, em relação ao recebimento dessas ações.
O assunto, além de ser totalmente relevante e atual, se torna também, essencial ao se estudar o abalo trazido pela pandemia nas relações obrigacionais cíveis, de forma, que é possível compreender melhor as proteções garantidas às partes contratantes que foram abaladas, entender quais medidas podem ser tomadas por elas e principalmente, como o Poder Judiciário tem recebido e entendido esses pedidos.
Metodologia
A metodologia adotada será a empírica-reflexiva, que analisará decisões recentes do TJMG no que toca ao seu posicionamento nos agravos interpostos nas ações revisionais de contratos de locação na pós pandemia. Será feita a análise de casos selecionados a partir do próprio site do TJMG, cujo marco temporal é a pandemia decretada pela OMS (Organização Mundial da Saúde). Assim, adota-se a metodologia de análise de decisões, adotando-se uma postura reflexivo-normativa (Xxxxxxx Xxxxx; Lima, 2010, p. 17).
Como complementação da pesquisa e para melhor embasamento teórico jurídico dos institutos tratados, serão utilizados livros didáticos, sobretudo, de Direito Civil e Direito Processual Civil, mas também relatórios e artigos recentes que contenham informações atuais sobre o assunto em questão.
Resultados e Discussão
1. Alterações contratuais em razão da pandemia
É fato público e notório, que no início do ano de 2020, a própria OMS (Organização Mundial da Saúde) declarou pandemia a nível global, em decorrência da rápida propagação do Coronavírus, obrigando assim, os países a tomarem medidas de prevenção em sede de urgência.
No Brasil, por meio da Portaria nº 1882 o Ministério da Saúde declarou Emergência em Saúde Pública de importância Nacional. Tal situação de calamidade chegou de forma totalmente imprevista trazendo impactos sociais e econômicos por todo o país. Sobretudo, na área do Direito, nas relações contratuais cíveis, especificamente nos contratos de locações, observou-se uma grande desarmonia nas obrigações pactuadas entre as partes.
Por meio da promulgação do Decreto – Lei nº 13.979 em 6 de fevereiro 2020, o Governo Federal lançou medidas para enfrentamento de emergência na saúde pública de importe nacional, que ocasionaram a disposição de demais regulamentações em razão da propagação do Coronavírus. A partir desse momento, se observou o lançamento recorrente de demais decretos e portarias de importância estadual e municipal com novas regras de flexibilização das atividades de forma a diminuir a propagação do vírus. Por meio de tais restrições, o comércio, sobretudo, aquele relacionado à atividades não essenciais foi um dos mais afetados, tendo a sua possibilidade de atuação reduzida.
Nesse viés, iniciou-se a discussão entre locador e locatário de imóvel para fim comercial, sendo que este alega a impossibilidade de se atingir a função social daquele contrato, em virtude do fechamento total ou parcial do comércio. Conforme, aponta Xxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx Xx, temos que:
O fechamento do comércio, determinado pelo Estado, é hipótese de caso fortuito ou força maior – mais especificamente, o que os administrativistas designam fato do príncipe. (...) Disto decorre, no contexto do fechamento do comércio, que antes do locatário, é o locador que comete o inadimplemento; ele falha ao ‘garantir’ o cumprimento da função comercial do imóvel. Este inadimplemento é fruto da impossibilidade fática da prestação, resultante do caso fortuito ou força
2 Maiores informações em: xxxxx://xxx.xx.xxx.xx/xxx/xxx/-/xxxxxxxx-x-000-xx-0-xx-xxxxxxxxx-xx-0000-
241408388 acesso em 20/03/2021
maior. Em tal hipótese, em que não vislumbra culpa do devedor, este não responde por perdas e danos (art. 393 do CC); o inadimplemento, todavia, é efeito da impossibilidade – o chamado inadimplemento fortuito – e perdura enquanto não for possível, ao locatário, usar o imóvel para a finalidade que lhe atribui o contrato (XXXXXXX, Xx., 2020).
Para reforçar a tese de que, configura-se caso fortuito ou força maior o fechamento do comércio e portanto, tal incidente, não deveria refletir eventuais encargos no locatário, o autor também faz referência ao artigo 22, incisos II e III da Lei 8.245/91 (Locação de Imóveis Urbanos), em que se observa o dever do locador em “garantir, durante o tempo da locação, o uso pacífico do imóvel locado” e “manter, durante a locação, a forma e o destino do imóvel”. Portanto, há o dever do locador em garantir/manter a devida qualidade para exercício fim ao qual se destina aquele contrato. Em contrapartida, há quem entenda que não se vislumbra nenhuma impossibilidade de prestação do contrato de locação não residencial em razão da pandemia. Para que haja essa evidente impossibilidade de utilização do contrato de locação, deve haver uma falta de possibilidade jurídica ou material da prestação. A possibilidade material seria o fato da prestação ser fisicamente alcançável, e a possibilidade jurídica seria a necessidade da prestação não ser vedada por lei
(TEPEDINO, SCHREIBER, 2020, p. 10).
Nessa lógica, as normas que impedem o exercício de certas atividades comerciais podem afetar duramente o locatário de imóvel comercial, mas não resultam em impossibilidade da prestação do locador, que consiste, também aqui, na cessão do uso e gozo do imóvel. Prestação essa que segue plenamente possível, o locatário segue se utilizando do imóvel, possuindo a sua posse, em outras palavras, implica dizer que o locador continua mantendo a sua prestação (SCHREIBER, 2020a, p. 4).
De certo modo, a vedação legal de abertura de determinados estabelecimentos na pandemia pode alterar o fim para o qual se destinou aquela locação, mas não significando que seja nula, até mesmo porque os resultados da atividade a serem exercidas no espaço alugado se trata de uma mera expectativa do locatário.
Por outro lado, o estudo fático da situação atual pode desencadear a análise dos princípios contratuais puramente, tanto pelo locador quanto pelo locatário, para que se
analise qual das partes deveria de fato sofrer aqueles encargos.
2. Dever de renegociação
A absorção da Constituição de 1988 trouxe uma aplicação significativa na esfera privada. Hoje, o Código Civil de 2002 possui uma intensa presença de princípios que acabaram por alterar a concepção patrimonialista do Código Civil de 1916. Os princípios, portanto, são abstraídos das normas, dos costumes, da doutrina, da jurisprudência e de aspectos políticos, econômicos e sociais. (TARTUCE, 2020, p. 75).
Nessa nova edição do Código Civil um dos princípios que ganha bastante força é o princípio do equilíbrio contratual, que em conjunto com os princípios da boa-fé objetiva e da função social dos contratos, vieram com o intuito de temperar a intensidade de aplicação dos princípios tradicionais do Direito dos Contratos, quais sejam, a liberdade de contratar, a força obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda), e a relatividade dos contratos (SCHEREIBER, 2020b, p. 29).
O equilíbrio significa a contemplação dos interesses legítimos de cada parte, com o qual se liga a exigência de respeito mútuo, para que ninguém realize os seus interesses às custas do outro (XXXXXX; XXXXXXXXX, 0000, p. 270).
(...) pode-se dizer que o princípio da equivalência material ou do equilíbrio contratual é aquele pelo qual se deve buscar e manter a justiça contratual, objetivamente considerada, em todas as fases da contratação, independentemente da natureza do contrato, e sempre com base na eticidade, lealdade, socialidade, confiança, proporcionalidade e razoabilidade nas prestações (SCHEREIBER, 2020b, p. 56).
Nesse sentido, pontua-se o princípio do equilíbrio contratual como sendo um forte contraponto em face de uma alteração de circunstâncias que pode ensejar a onerosidade excessiva nas obrigações. A alteração radical das condições econômicas dentro das quais o contrato foi celebrado tem sido considerada umas das causas que, com o concurso de outras circunstâncias, podem determinar a sua resolução ou revisão (XXXXXX; XXXXXXXXX, 0000, p. 277).
Para efeito de eventual revisão ou resolução do contrato, o fato gerador da alteração das circunstâncias deve ser posterior à celebração da avença. (...) O fato também deve ser alheio à vontade e ao controle das partes contratantes, sem necessidade de ser imprevisível ou de difícil previsibilidade. É relevante e fundamental que seja inevitável, pois, se estiver ao alcance do
contratante, puder ser evitado e não o for, haverá culpa contratual e consequente rescisão sujeita ao pagamento de perdas e danos, se não houver o adimplemento obrigacional pelo contratante culpado. (...) A alteração das circunstâncias e da base objetiva do negócio deve ser de tal relevância, que acarrete rompimento da relação de equivalência (sinalagma), dificuldade excessiva extraordinária da prestação, frustração do resultado pretendido e ajustado pelos contratantes, entre outros. (XXXXXXX, 2020, p. 148).
Acerca das possibilidades de resolução ou revisão contratual, essas se encontram disciplinadas nos artigos 478 e 479 do CC/02. É possível observar, que o pedido de resolução do contrato, conforme estabelecido no artigo 478 do CC/02, exige um desequilíbrio exorbitante que por si só deve fazer presumir uma imprevisibilidade e extraordinariedade dos antecedentes causais que conduziram ao desequilíbrio. Resolução essa que poderá ser evitada caso implementado o disposto no artigo 479 CC/02 que prevê a possibilidade de revisão contratual.
Revisão essa que integra o objeto do contrato independentemente de expressa previsão pelas partes, o dever de fazê-la não configura não configura um dever um dever de se alcançar certo resultado ou de aceitar novas condições estabelecidas pelo locatário que se encontra em posição desprivilegiada. O dever de renegociar desdobra-se em duas etapas: (i) o dever de comunicar prontamente a contraparte a existência do desequilíbrio e (ii) o dever de suscitar uma renegociação que possibilite o reequilíbrio (XXXXXXXXXX, et al, 2019, p. 286).
Em suma, tendo em vista a caracterização da pandemia causada pela COVID-19 como um fato inevitável, bem como o consequente desequilíbrio de prestações e contraprestações nas obrigações contratuais cria-se um ambiente propício ao dever de renegociar (SCHREIBER, 2020a, p. 4). Os princípios de direito contratual devem coexistir em harmonia sempre visando a equidade e o equilíbrio nas relações contratuais, atenuando princípios como o da força obrigatória dos contratos sempre que verificada a onerosidade excessiva superveniente (AZEVEDO, 2020, p. 173).
3. Posicionamento do TJMG
Partindo-se para uma análise mais aprofundada das recorrentes decisões do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais relativas aos pedidos de revisão de
contratos de locação comerciais, de início, importa abordar qual tem sido o cenário vivenciado pelas partes contratantes, o qual tem se tornado objeto das ações a serem estudadas.
Como tratado, a dificuldade sobretudo, dos locatários, em arcar com os custos pactuados nos contratos de locação exigiu que medidas com maior instantaneidade fossem tomadas, pois o fato pandemia como, majoritariamente, considerado fato superveniente acabou por alterar as expectativas e planos dos comerciantes.
Observa-se a partir desse momento pedidos liminares de tutelas provisórias de urgência com o escopo de satisfazer de imediato a situação da parte locatária, qual seja o de redução ou até mesmo suspensão do aluguel combinado. Como muito bem tratado por Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx:
As tutelas provisórias têm em comum a meta de combater os riscos de injustiça ou de dano, derivados da espera, sempre longa, pelo desate final do conflito submetido à solução judicial. Representam provimentos imediatos que, de alguma forma, possam obviar ou minimizar os inconvenientes suportados pela parte que se acha numa situação de vantagem aparentemente tutelada pela ordem jurídica material (fumus boni iuris). Sem embargo de dispor de meios de convencimento para evidenciar, de plano, a superioridade de seu posicionamento em torno do objeto litigioso, o demandante, segundo o procedimento comum, teria de se privar de sua usufruição, ou teria de correr o risco de vê-lo perecer, durante o aguardo da finalização do curso normal do processo (periculum in mora). (XXXXXXXX, 2019, p. 564)
Em contraste com o assunto tratado, o que se quer dizer é que, caso preenchidos os requisitos previstos no art. 300 do CPC, como, demonstrada a probabilidade do direito do Autor, bem como o risco de dano que incorrerá caso haja uma continuidade obrigatória na prestação do aluguel, poderá o locatário se valer da tutela de urgência como um amparo imediato para redução ou suspensão daquela obrigação.
Nesse sentido, veja-se alguns casos:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO ORDINÁRIA
- TUTELA DE URGÊNCIA - LOCAÇÃO COMERCIAL - TEORIA DA IMPREVISÃO - REDUÇÃO DE ALUGUEL - PANDEMIA - COVID-19 - POSSIBILIDADE - EQUILÍBRIO
CONTRATUAL - NECESSIDADE. - Para a concessão da tutela de urgência, nos termos do artigo 300 do NCPC, mostra-se indispensável a comprovação de elementos que evidenciem a probabilidade do direito invocado pelo autor, somado ao perigo de
dano ou o risco ao resultado útil do processo. - Considerando a onerosidade excessiva ao
locatário advindo da pandemia da covid-19, faz-se necessário estabelecer o equilíbrio contratual na forma do art.478 e 480 do Código Civil, o que permite a redução do valor do aluguel, a 70% do valor contratado. (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.20.540208- 4/001, Relator(a): Des.(a) Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx , 11ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 05/05/2021, publicação da súmula em 06/05/2021,g.n.)
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - TUTELA DE URGÊNCIA - REDUÇÃO DE PARCELAS DE ALUGUÉIS - PANDEMIA DE COVID-19 - QUEDA SIGNIFICATIVA NO FATURAMENTO DA EMPRESA - ONEROSIDADE EXCESSIVA - COMPROVAÇÃO - DEFERIMENTO DA MEDIDA - POSSIBILIDADE - PERCENTUAL DE REDUÇÃO -
RAZOABILIDADE. A tutela provisória de urgência pode ter natureza antecipatória, quando tiver por objetivo antecipar, no todo ou em parte, os efeitos pretendidos com a sentença de mérito. Para que seja concedida é necessário que sejam preenchidos os seus requisitos legais, quais sejam: a) existência de elementos que evidenciem a probabilidade do direito; b) perigo de dano. Havendo demonstração da verossimilhança das alegações da parte, no sentido de que, em decorrência da pandemia de COVID-19, houve perda significativa no faturamento da empresa, tornando o contrato de locação excessivamente oneroso, mostra-se possível o deferimento da redução proporcional dos aluguéis, de forma a restabelecer o equilíbrio contratual. Porém, o percentual de redução deve observar o princípio da razoabilidade e deve ter como base as perdas efetivamente demonstradas, sobretudo porque os efeitos da pandemia atingem ambos os lados da relação contratual. (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.20.504777-2/001, Relator(a): Des.(a) Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx (JD Convocado) , 10ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 06/10/2020, publicação da súmula em 15/10/2020, g.n.)
Obviamente, que o amparo jurisdicional do Estado não se irá fazer, menos ainda, intervir sob quaisquer circunstâncias que a parte alegar, pois como já tratado, o próprio princípio da força obrigatória dos contratos ainda constitui uma força vinculante, na qual, tendo o indivíduo aceito a obrigação, terá que cumpri-la em todos os seus termos (XXXXXX; XXXXXXXXX, 0000, p. 173).
Acontece que, em situações como essas, se torna necessário sopesar com as hipóteses incididas por um desequilíbrio contratual. Até mesmo porque, conforme entendimento do STJ já é pacificado a possibilidade do judiciário intervir naquelas situações que se tornaram desarmônicas em virtude de circunstância superveniente àquela firmada inicialmente. Veja-se:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - TUTELA DE URGÊNCIA EM CARÁTER ANTECEDENTE - CONTRATO DE ALUGUEL DE IMÓVEL COMERCIAL - PANDEMIA COVID-19 - TEORIA DA IMPREVISÃO E ONEROSIDADE EXCESSIVA - RECONHECIMENTO - REDUÇÃO DAS PARCELAS
CONTRATADAS - POSSIBILIDADE. É possível concessão da tutela provisória de urgência de natureza cautelar ou antecipada, nos termos do artigo 300 do CPC, desde que comprovados elementos que evidenciem a probabilidade do direito invocado pelo autor, somado ao perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Orienta a jurisprudência do STJ que a intervenção do Poder Judiciário nos contratos, à luz da teoria da imprevisão ou da teoria da onerosidade excessiva, exige a demonstração de mudanças supervenientes nas circunstâncias iniciais vigentes à época da realização do negócio, oriundas de evento imprevisível (teoria da imprevisão) ou de evento imprevisível e extraordinário (teoria da onerosidade excessiva)(AgInt no REsp 1316595/SP; AgInt no AREsp 1309282/PR). A situação de pandemia de Covid-19 permite a aplicação da teoria da imprevisão e da onerosidade excessiva, em sede de cognição sumária, frente à situação extraordinária experimentada pelo comerciante afetado pelo fechamento de suas portas por ordem de autoridade pública, e falta de condições financeiras para arcar com a integralidade de aluguel anteriormente convencionado, a que não deu causa. (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.20.458911-3/001, Relator(a): Des.(a) Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xxx Xxxxxx , 12ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 12/11/2020, publicação da súmula em 16/11/2020, g.n.)
Cumpre destacar aqui que não pode simplesmente o locatário alegar queda no faturamento do comércio, dificuldades de venda e afins, em razão do fato pandemia, que automaticamente poderá pleitear revisão ou resolução contratual.
Pois embora, como já tratado, seja possível haver a intervenção do judiciário nesses casos, esse mesmo tem entendido que para tal é preciso demonstrar a ocorrência de impactos que foram determinantes para criar um desequilíbrio contratual em cada caso particular. Veja-se decisão:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO REVISIONAL DE ALUGUÉIS - REAJUSTE DAS PARCELAS POR PERÍODO DETERMINADO - PANDEMIA DO CORONAVÍRUS - TEORIA DA ONEROSIDADE EXCESSIVA - IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO - EFEITOS NÃO VERIFICADOS NO SINALAGMA DA RELAÇÃO CONTRATUAL - AUSÊNCIA DE PROBABILIDADE DO DIREITO
ALEGADO
- Na forma do art. 300 do CPC, a concessão da tutela provisória de
urgência está subordinada à demonstração da plausibilidade do direito autoral e do risco da demora do julgamento definitivo da causa.
- Embora o reconhecimento de estado de calamidade em decorrência da pandemia de Covid-19 possa caracterizar evento imprevisível, capaz de impactar as contratações, não cabe a aplicação da teoria da onerosidade excessiva para autorizar eventual revisão contratual quando não se observa implicações no sinalagma da relação, isto é, quando a parte não comprova que as medidas de isolamento social tomadas para a mitigação da disseminação da doença tiveram um impacto direto na contratação discutida ou mesmo em sua condição econômico-financeira. (TJMG - Agravo de Instrumento- Cv 1.0000.20.565403-1/001, Relator(a): Des.(a) Xxxxxxxx Xxxx , 20ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 12/05/2021, publicação da súmula em 13/05/2021, g.n.)
Noutro giro, com fundamento nos artigos 478 e 479 CC/02, que versam sobre a possibilidade de revisão e resolução contratual em virtude da onerosidade excessiva nos contratos, que por sua vez, fogem por completo da previsibilidade, outras decisões tem acatado os pleitos de redução dos aluguéis, de forma que seja razoável tanto para o locador quanto para o locatário. Veja-se trecho de decisão que concedeu a redução do aluguel, para locador que declarou significativa perda de faturamento em razão do fechamento do comércio:
A pandemia causada pelo contágio pelo novo corona-vírus, reveste-se da característica legalmente exigida da imprevisibilidade, o que autoriza a intervenção judicial na vontade contratual, já que foge totalmente às possibilidades de previsibilidade.
Ora, as medidas adotadas para contenção do avanço da pandemia tem causado grande impacto na economia, em razão da paralisação de diversos setores produtivos, ocasionando na redução da capacidade financeira de grande parte da população, o que, certamente, demanda a adoção de providências para minimizar os possíveis danos.
No caso dos autos, é fato incontroverso que, em razão do Decreto Municipal de nº 17.304/2020, a partir de 20 de março de 2020, estabelecimentos com potencial de aglomeração de pessoas, como o conduzido pelos ora agravados, tiveram suas autorizações de funcionamento suspensas.
(...)
Portanto, no caso, sopesando-se os interesses envolvidos e levando-se em consideração que a continuidade do contrato é de interesse de todos, entendo cabível a redução do valor dos aluguéis, de forma a restabelecer o equilíbrio contratual. (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.20.504777-2/001, Relator(a): Des.(a) Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx (JD Convocado) , 10ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 06/10/2020, publicação da súmula em 15/10/2020)
Em outras decisões, ainda que em sede de cognição sumária, os magistrados
reconheçam estar presentes os requisitos de comprovem a probabilidade do direito e o
risco de dano do locatário, prevaleceu o entendimento de que não poderia o locador
suportar um ônus de uma atividade a qual ele não correu o risco. Veja-se fundamentação:
“De fato, embora se apresentem deveras impactantes os prejuízos sofridos pelos empresários do ramo de atuação do autor, não se pode deixar de considerar as consequências igualmente nefastas da atual pandemia para os proprietários de imóvel comercial, não competindo a este assumir o risco de negócio que não lhe pertence.” (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.20.462179-1/001, Relator(a): Des.(a) Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xxx Xxxxxx , Relator(a) para o acórdão: Des.(a) Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxx , 12ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 30/09/2020, publicação da súmula em 06/10/2020)
Ante todo o exposto, observa-se que houve uma certa receptividade pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais quanto as intervenções em instrumentos particulares de locação. Pois, de uma forma geral, os julgadores tem concedido reduções nos aluguéis de forma a continuar fomentando a continuidade das prestações, ainda que em momento mais difícil.
Considerações Finais
Por meio do estudo tratado, foi possível observar algumas considerações. A começar que evidentemente, a situação atual da pandemia provocada pelo vírus da COVID-19 foi responsável por desencadear uma importante discussão na esfera dos contratos de locação.
Situação essa que foi responsável por reacender institutos contratuais que já existentes passaram a ter uma aplicação em situação inédita, levantando discussões importantes acerca de sua aplicabilidade. Houve a ocorrência de um fato superveniente, totalmente imprevisível para as partes, mas que trouxe dúvidas quanto ao ônus que locador e locatário devem suportar, se de fato, trata-se de situação em que deve o locatário se responsabilizar pela qualidade e garantia de uso do imóvel, ou se essa deverá ser suportada exclusivamente pelo locador.
De toda forma, ao se analisar as decisões de agravo de instrumento proferidas pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, foi possível observar um claro respaldo legal que justifica a procura da tutela jurisdicional para aqueles casos de partes que sofreram significativo desequilíbrio na contraprestação dos contratos firmados, em razão da pandemia. Pode-se ver que até mesmo pela recepção do judiciário, é plenamente
possível
considerar esse fato uma circunstância superveniente abarcada pela teoria da imprevisão, que por sua vez assegura a possibilidade de renegociação a fim de harmonizar a obrigação.
Por outro lado, ainda que haja todo esse amparo legal, é possível verificar que a concessão das tutelas de urgência e o provimento dos pedidos revisionais não se dão em todo e qualquer caso, há de se atentar ao preenchimento de alguns requisitos que podemos listar como sendo (i) se o fator pandemia atingiu mesmo aquela atividade, a qual se realizava no ambiente locado; (ii) se o desequilíbrio contratual sofrido ocorreu em momento muito posterior ao início da pandemia; (iii) se o Autor conseguiu comprovar os danos que alega ter sofrido no comércio; (iv) se o pedido de renegociação se faz razoável olhando inclusive pelo lado do locador, entre outros.
Todavia, é possível concluir que esse tipo de demanda pode variar quanto ao entendimento, pois, ainda que em maioria se observa o deferimento das medidas de reequilíbrio contratual, de forma ponderada, em outros momentos, podem os magistrados, entender pela prevalência do princípio da força obrigatória do contrato e excluir do locador qualquer responsabilidade pelos efeitos da pandemia no comércio do locatário, devendo, portanto, prevaleceras condições pactuadas inicialmente.
Referências
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