O Contrato de Mútuo no Novo Código Civil
O Contrato de Mútuo no Novo Código Civil
Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx
Juiz de Direito do TJ/RJ. Professor de Direito Comercial da Universidade Estácio de Sá-UNESA. Instrutor da Escola Superior de Administração Judiciária-TJERJ
1. Introdução. O Contrato de Mútuo
O presente estudo não tem a pretensão de esgotar o tema, ou apre- sentar soluções definitivas para a discussão doutrinária e jurisprudencial que o contrato de mútuo e os juros cobrados pelo mutuante vêm gerando, em especial desde o advento da Constituição Federal de 1988, e que leva a inúmeras demandas judiciais e a igual número de decisões judiciais dis- crepantes, seja nos órgãos jurisdicionais de primeiro grau, seja nos órgãos jurisdicionais de segundo grau, ou nas cortes superiores e em especial no Superior Tribunal de Justiça.
O seu objetivo é chamar a atenção para a sutileza das alterações provo- cadas pelo novo Código Civil que entrará em vigor em 2003 neste contrato, especialmente no concernente a questão dos juros, sua capitalização e os encargos moratórios, que longe de contribuir para auxiliar na solução dos conflitos, potenciais ou em curso, dará ensejo a novas indagações, discussões e demandas judiciais, prejudicando a estabilidade e segurança das relações jurídicas que devem existir entre partes contratantes, contribuindo ainda mais para onerar os dependentes de capital de terceiros para o exercício de suas vidas, pessoais ou profissionais.
O novo Código Civil, que unificou o direito das obrigações cíveis e comerciais, não limitou-se a repetir os antigos Códigos Civil e Comercial ao tratar do Contrato de Mútuo nos artigos 586 a 592, e dos Juros Legais nos artigos 406 a 407, mas trouxe inovações nestes dispositivos, e em outros que são aplicáveis ao contrato em tela, que certamente serão objeto de novas demandas judiciais no que concerne aos contratos de mútuo oneroso em geral e, especialmente, ao bancário e aos contratos congêneres.
Analisando-se os artigos 586, 587 e 588 do novo Código, vislum- bra-se que repetem o disposto nos artigos 1.256, 1.257 e 1.259 do Código Civil de 1916, sendo que quanto a este último artigo a única alteração foi a eliminação da referência a abonadores. Ou seja, o contrato de mútuo como empréstimo de bens fungíveis os quais têm o domínio transferido ao mutu- ário, que tem o dever de restituir ao mutuante no termo aprazado coisas do mesmo gênero, qualidade e quantidade, continua o mesmo, inalterado em seus elementos e, desde que tipicamente civil e presumivelmente gratuito, ou sendo comercial, presumivelmente oneroso.
O contrato de mútuo continua assim sendo unilateral e real, dependen- do para seu aperfeiçoamento da tradição da coisa mutuada, sendo temporário, por prazo determinado ou indeterminado, podendo ser gratuito ou oneroso, no último caso sendo lícito cobrar uma remuneração pela transferência do domínio do bem mutuado, os juros, criando a obrigação para o mutuário de restituir o equivalente ao que recebeu, acrescido de juros e demais encargos contratados.
Ao lado do contrato de mútuo oneroso típico, conhecemos no direito comercial e, especialmente no direito bancário, diversas operações creditó- rias dele derivadas, como os financiamentos, onde o capital mutuado está obrigatoriamente destinado a particular emprego pelo mutuário, ou a abertura de crédito, que se caracteriza como promessa de mútuo, neste último caso tratando-se de contrato consensual e bilateral, como ocorre nos contratos chamados “Cheque Especial”, também sujeitos as disposições pertinentes ao mútuo sempre que o empréstimo em dinheiro vem a se concretizar.
Somente as instituições financeiras autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil podem realizar a intermediação profissional de recursos financeiros, nos termos da Lei n. 4.595/64, ou seja, captar recursos finan- ceiros de terceiros e realizar empréstimos de dinheiro a juros de maneira habitual e empresarial. Frise-se que as empresas de fomento mercantil, ou seja, que operam contratos de factoring, não são consideradas instituições financeiras pelo Banco Central do Brasil e são proibidas de realizar operações tipicamente bancárias, inclusive o mútuo bancário (Resolução 2.144/95 - BACEN; Lei 9.249/95, art.15, § 1o, inc. III, d; Lei 7.492/86, art. 16).
2. Taxas de Juros e Encargos Moratórios
A diferença basilar entre as antigas codificações, alteradas pela Lei
de Usura, e o novo Código Civil no que concerne a empréstimo de dinheiro
refere-se a taxa de juros e a possibilidade de capitalização dos mesmos no mútuo feneratício, seja de natureza civil, seja de natureza comercial.
Os juros são os frutos do capital empregado e representam remune- ração pelo uso do objeto mutuado, pelo tempo que ficará no domínio do mutuário e o risco de reembolso. Tanto no Código Comercial, artigo 248, como no Código Civil de 1916, artigo 1.261, sua taxa era de livre pactuação entre as partes.
Posteriormente o Decreto 22.626, de 7 de abril de 1933, limitou a taxa em 12% ao ano, assim como a Constituição Federal de 1988 em seu art. 192, parágrafo 3o.
O novo Código Civil estabelece uma taxa de juros legais flutuantes sem limites rigidamente fixados e revoga o Decreto nº 22.626/33, Lei de Usura, ao regular a mesma matéria.
O art. 591 do Novo Código Civil é claro ao dispor que se presume devidos juros quando o mútuo destina-se a fins econômicos, ou seja, quan- do o mutuante contrate no exercício da atividade empresarial, ou exerça profissionalmente a atividade de mutuante. Tal disposição é aplicável aos contratos de mútuo independentemente do gênero da coisa mutuada, no entanto surge o direito a juros com mais propriedade no mútuo pecuniário, de dinheiro. Trata-se dos juros convencionais ou remuneratórios. A redação do artigo é a seguinte, verbis:
“Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual.”
O artigo fixa que a taxa de juros não poderá ultrapassar a taxa a que
se refere o art. 406. O artigo que dispõe sobre juros está assim redigido:
“Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.”
Assim sendo, a taxa de juros remuneratórios deverá ser igual ou inferior a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos
devidos à Fazenda Nacional, que são flutuantes, fixadas mensalmente pelo Conselho de Política Monetária do Banco Central – COPOM, e corres- pondente a taxa SELIC, ou seja, a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia para os títulos federais, instituída pela Lei nº 8.981/95. Revoga-se assim a limitação da taxa de juros a 12% ao ano fixada no De- creto nº 22.626/33, criando-se a perspectiva de, conforme o caso concreto, novas lides surgirem sempre que a taxa SELIC for superior à taxa de juros de 12% ao ano estipulada no art. 192, parágrafo 3o, da Constituição Federal. Frise-se que a taxa SELIC normalmente é superior à taxa constitucional, estando na ordem de 18% ao ano.
Esta taxa também se aplica aos juros moratórios, quando não con- vencionados, ou o forem sem taxa estipulada. Surge assim outra questão. Poderão os juros moratórios serem fixados em taxa superior? Entendo que nos contratos de mútuo não.
O artigo 591 limita a taxa de juros no contrato de mútuo à taxa SELIC, assim sendo deve-se entender que o limite se estende também aos juros moratórios.
Mesmo que fixados no limite máximo, poderão ser cobrados cumu- lativamente aos remuneratórios, mesmo que juntos ultrapassem o limite do art. 591, isto porque a cumulação de juros remuneratórios e moratórios é admitida em nossa jurisprudência, v. g. Súmula do Superior Tribunal de Justiça nº 102, assim como é na Lei de Usura, não havendo qualquer res- trição legal para tanto.
No entanto, a questão dos juros moratórios certamente gerará contro- vérsia, especialmente em negócios jurídicos que não sejam típico de mútuo, tanto em razão da redação do artigo 406 que dá caráter supletivo a taxa que estabelece, ou seja, só será utilizada caso os contratantes não tenham convencionado a taxa de juros, como de sua interpretação científica.
O artigo 406 está inserido no Título IV, do Livro I, da Parte Especial do Novo Código Civil que trata “Do Direito das Obrigações”. Tal Título versa “Do Inadimplemento das Obrigações”, que em seu Capítulo II do artigo 395, caput, dispõe:
“Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.”
Como se vê, o legislador só limitou a índices oficiais a atualização monetária. Poderia ter se referido a taxa de juros legais, que ele próprio es- tabeleceu no art. 406, mas preferiu omitir-se. Mas não é só. No artigo 404, no Capítulo III do mesmo Título, que trata “Das Perdas e Danos” ordena o legislador:
“Art. 404. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional.
Parágrafo único. Provado que os juros de mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar.”
O legislador outra vez limita a índices oficiais somente a atualização monetária, embora exista taxa oficial de juros estabelecida no próprio Có- digo no art. 406, como já vimos, e para reforçar expressamente prevê no parágrafo único que o juiz pode conceder indenização moratória superior a convencionada pelas partes, caso os juros não cubram o prejuízo e não haja pena convencional.
A interpretação coordenada e sistemática dos três artigos citados não nos deixa dúvidas da intenção do legislador, por mais censurável que seja, de deixar a fixação dos juros moratórios a critério dos contratantes e limitada apenas ao valor da obrigação principal em interpretação extensi- va do disposto no art. 412, situado no Capítulo V, “Da Cláusula Penal”, o que indubitavelmente dará ensejo a abusos e inúmeras lides, como aliás já ocorre quando em operações bancárias ativas, ou em contratos de cartão de crédito, os credores cobram de seus devedores valores absurdos pela mora, cumulando juros moratórios e remuneratórios, tudo capitalizado, e vaga- mente intitulados “comissão de permanência”, ou “encargos moratórios”, ou outro nome similar.
Cabe aqui um parênteses. Nas relações de consumo, estarão as cláusulas do contrato sujeitas a Lei nº 8.078/90, e conseqüentemente serão nulas as cláusulas que criem onerosidade excessiva e injustificada ao consumidor, ou que estipulem “multas de mora”(sic) superiores a dois por cento do valor da prestação (arts. 51 e 52 do CODECON). Embora destinado o comando
legislativo do parágrafo 1o. do art. 52, do Código de Defesa do Consumidor a limitar cláusulas penais e não juros moratórios, sua aplicação será imprescin- dível para salvar os devedores, e esta é a expressão, dos abusos que possam ser cometidos pelos credores na estipulação dos encargos moratórios e mais especificamente das taxas de juros moratórios. Mesmo assim, a multa é alta se levarmos em conta a projeção da taxa ao ano, mês a mês.
Por outro lado, as instituições financeiras continuam nas operações ativas que contratarem, ou seja, mútuo bancário e congêneres como contratos de abertura de crédito e financiamentos, sem sujeição a limitação da taxa de juros estipulada pelo novo Código, ou pela Constituição Federal, e sujeitos apenas aos limites impostos pelo Conselho Monetário Nacional nos termos do art. 4o. incisos VI e IX da Lei nº 4.595/65, que desde 1990 não fixa limites a mesma, deixando-a flutuar conforme as injunções do mercado, o que tem dado ensejo a inúmeras ações judiciais, com resultados divergentes conforme o entendimento abraçado pelo órgão julgador quanto a auto-aplicabilidade da norma constitucional que limita taxa de juro em 12% ao ano, apesar do Supremo Tribunal Federal ter decidido por mais de uma vez que a norma constitucional necessita de “mediação legislativa concretizadora do comando nela positivado”(Ver RTJ 152/1001;151/599;150/950, e ADIN n. 4-DF, RTJ 147/719-858) não estando as instituições financeiras sujeitas ao seu limite ou o da Lei de Usura até que lei complementar disponha sobre a matéria.
Aliás, o Supremo Tribunal Federal ao julgar a Ação Direta de In- constitucionalidade n. 4 – DF, publicada no DJU de 12.3.91, pp. 2.441/2, Rel. Ministro Xxxxxx Xxxxxxx, foi peremptório ao afirmar que o Art. 192, parágrafo 3o, da Constituição Federal, não possui eficácia imediata para limitar as taxas de juros reais, embora a decisão não tenha sido unânime, a qual transcreve-se em parte, verbis:
“ 6. Tendo a Constituição Federal, no único artigo em que trata do
Sistema Financeiro Nacional (art. 192), estabelecido que este será regulado por lei complementar, com observância do que determinou no caput, nos seus incisos e parágrafos, não é de se admitir a eficácia imediata e isolada do disposto em seu parágrafo 3o., sobre taxa de juros reais (12% ao ano), até porque estes não foram conceituados. Só o tratamento global do Sistema Financeiro Nacional, na futura lei complementar, com a observância de todas as normas do caput,
dos incisos e parágrafos do art. 192, é que permitirá a incidência da referida norma sobre juros reais e desde que estes também sejam conceituados em tal diploma...” (in Juros...Xxxxx e Xxxxxx X. Xxxxx, ob. citada, p. 193).
Os juros bancários no Brasil, em razão desta liberdade que é conve- niente à política monetária do Governo Federal, segundo o Banco Central e conforme noticiado em 27 de junho do corrente ano pelo jornal Valor Econômico, alcançaram taxa média em maio de 2002 de 59,5% ao ano, chegando os juros do cheque especial a 158,4% ao ano.
Apesar dos juros absurdos, em vez da esperada lei complementar, enca- minha-se no Congresso Nacional projeto de emenda constitucional revogando o dispositivo que estabelece o limite constitucional às taxas de juros.
3. Atualização Monetária do Capital Mutuado e Taxa Selic. A Capitalização dos Juros
Outro grave problema que exsurge da escolha da taxa SELIC como a referencial para os contratos de mútuo, além da incerteza do montante de sua taxa pelas partes, e em especial pelo mutuário, refere-se à questão da correção monetária.
Dispõe o art. 404 do novo Código que as perdas e danos nas obri- gações de pagamento em dinheiro serão pagas e atualizadas monetaria- mente segundo os índices oficiais, como já vimos, assim sendo admite-se a atualização monetária do capital mutuado o que se refletirá no quantum que o mutuário restituirá, seja a vista, seja a prestação. Ocorre que a taxa SELIC possui embutida em seu cálculo índice de correção monetária, ou, nos termos do Egrégio Superior Tribunal de Justiça “fator de neutralização da inflação” (Resp. 215881-PR, DJU de 16/6/2000), pelo que não poderá cumular-se os juros calculados pela taxa SELIC com índice de atualização monetária do capital mutuado, sob pena de chancelar-se um bis in idem, fato completamente desconsiderado pelo legislador.
O artigo 591 traz a lume outra questão polêmica, a capitalização dos juros anual, antes vedada nos contratos de mútuo pelo Decreto 22.626/33.
Capitalizar juros significa que o valor dos juros vencidos somam-se ao capital mutuado, de modo que os juros futuros passem a incidir sobre o resultado dessa soma, e assim sucessivamente, procedimento também
conhecido como anatocismo, ou juros compostos.
Esta nova disposição afasta a incidência da Súmula 121 do Supremo Tribunal Federal e revoga, também neste aspecto, o Decreto nº 22.626/33, que vedam a capitalização dos juros, ainda que expressamente conven- cionada, nos contratos em geral, permitindo a capitalização dos juros em contrato de mútuo oneroso.
No entanto, deve-se esclarecer que a capitalização dos juros é prática corrente nas operações bancárias em várias modalidades de empréstimos, como os destinados ao financiamento da atividade rural ou industrial, e que dão ensejo a emissão de cédulas de crédito rural ou industrial, com expressa permissão das leis específicas que regulam estas modalidades de operações, ou em operações de crédito de qualquer modalidade, incluindo-se o mútuo bancário, em que seja emitida Cédula de Crédito Bancário (Medida Provisória nº 2.160-25, de 23.08.2001), sendo de livre estipulação “os juros sobre a dívida, capitalizados ou não, os critérios de sua incidência e, se for o caso, a periodicidade de sua capitalização,...”(art.3o, § 1o, inc. I, MP citada).
Nestes termos, fica a capitalização dos juros, antes restrita a operações bancárias específicas, admitida em mútuos civis feneratícios e nos mútuos comerciais em geral, anualmente. E para os contratos de empréstimo de dinheiro realizados por instituições financeiras, face ao teor da medida provisória, de livre estipulação entre as partes, sempre que gerar emissão da Cédula de Crédito Bancário.
Frise-se que o Código de Defesa do Consumidor neste aspecto não socorrerá os consumidores, uma vez que não veda a capitalização dos juros.
4. O Mútuo Feito a Pessoa Menor
O artigo 588 trata do mútuo feito a pessoa menor, sendo repetição do artigo 1.259 do Código Civil de 1916, sem a referência a abonadores, o que não altera o significado da norma, dispondo que feito a pessoa menor, sem prévia autorização de seu responsável, não poderá ser reavido do mutuário ou de seus fiadores. Sua função é proteger os menores da exploração de usurários, como esclarece Xxxxxx Xxxxxxxxx ao comentar o art. 1.259, in Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Commentado, v. IV, 1917, Liv. F. Xxxxx.
No art. 589, que a princípio é repetição do art. 1.260 do antigo Código Civil, surge como novidade os incisos IV e o V, sendo este último promessa de polêmica.
O artigo 589 trata das exceções à regra do art. 588, ou seja, quando o mútuo pode ser reavido do menor ou de seus fiadores. As exceções se apresentam quando ausente a malícia do mutuante em valer-se da inexpe- riência do menor, não fugindo o novel inciso IV desta regra ao autorizar o mutuante a pleitear a restituição do capital mutuado se este reverteu em benefício do menor.
No entanto o inciso V nos parece carecer de precisão. Está assim escrito:
“Art. 589. Cessa a disposição do artigo antecedente:
...
V – se o menor obteve o empréstimo maliciosamente.”
A intenção do legislador certamente era englobar em sua disposição a malícia do menor relativamente incapaz em ocultar sua idade para obter o empréstimo, inspirado no art. 155 do Código Civil de 1916. No entanto, da maneira como foi redigido fica sujeito a interpretação muito mais ampla e de caráter subjetivo. Merece portanto reforma.
5. A Extinção do Contrato de Mútuo. O Pagamento Antecipado e a
Redução Proporcional dos Juros
Extingue-se o contrato de mútuo como os demais contratos, com o pagamento (arts. 304/355) no prazo avençado cumprindo-se todas as obriga- ções pactuadas, ou ainda por meio de dação em pagamento (arts. 356/359), novação (arts. 360/367), compensação (arts. 368/380), confusão (arts. 381/384) e remissão (arts. 385/388).
O artigo 592 e seus incisos dispõem sobre hipóteses em que as partes contratantes não tenham convencionado o prazo do mútuo, não trazendo novidades, repetindo o artigo 1.264 do Código de 1916, estabelecendo que será: até a próxima colheita, tratando-se de produtos agrícolas; de trinta dias, se for de dinheiro, e do prazo que declarar o mutuante, se for de qualquer outra coisa fungível.
Questão controvertida, neste aspecto, sempre foi quanto a possibilida- de do mutuário antecipar a restituição do dinheiro emprestado e exonerar-se dos juros a vencerem. Muitos doutrinadores opõem-se a tal entendimento, alegando que a legítima expectativa do mutuante ao contratar o mútuo consiste nos juros que receberá e que seria frustrada com a antecipação da
devolução do capital mutuado. Neste sentido, por exemplo, Xxxxx Xxxxx Xxxxxx ao referir-se especialmente ao mútuo bancário em seu “Curso de Direito Comercial”, v. 3, Ed. Xxxxxxx, p.125.
Não podemos nos esquecer no entanto que, tratando-se o mutuário de consumidor, ou sendo o mutuante instituição financeira, será assegu- rado ao mutuário antecipar o prazo de restituição do mútuo reduzindo-se proporcionalmente os juros e encargos, nos termos do Código de Defesa do Consumidor, art. 52, parágrafo 2o, e Resolução BACEN n. 2878, de 26/07/2001- Código de Defesa do Cliente Bancário - artigo 7o.
Devemos ter especial atenção ao Código de Defesa do Cliente Ban- cário, pois ele não distingue o consumidor do empresário, assim, mesmo se tratando de contrato tipicamente empresarial mantido entre cliente ban- cário e instituição financeira, ao qual não se aplique o Código de Defesa do Consumidor, terá o cliente bancário direito ao pagamento antecipado com redução proporcional dos juros.
Redução proporcional dos juros significa, especialmente, direito a
descapitalização dos mesmos.
Por fim, o art. 590, repetindo o art. 1.261 do antigo Código, prevê que o mutuante possa exigir garantia da restituição, se antes do vencimento o mutuário sofrer mudança de fortuna, sendo aplicação do princípio do art. 477 do novo Código, como o era o artigo 1.092 do Código de 1916 para o artigo 1.261, como ensina Clóvis Bevilaqua ao comentar os artigos do Có- digo Civil de 1916 (ob. cit.). Não apresentada a garantia, poderá o mutuante dar ensejo a resolução do contrato.
6. Conclusão
Como coloquei no início deste artigo, minha intenção era apontar dispositivos no novo Código Civil pertinentes ao contrato de mútuo que, indubitavelmente, gerarão novas lides, ou darão novas forças as já em curso.
Como vimos nos tópicos acima, as principais falhas referem-se:
a) à taxa de juro remuneratório adotada, flutuante, não possuindo mais o mutuário a certeza de quanto pagará de juros, impossibilitando in- clusive prever quanto pagará ao final do contrato, vez que o juros poderão ser capitalizados;
b) à taxa de juros moratórios também sujeita a incertezas quanto ao seu valor, dando azo a cobrança de encargos moratórios desproporcio- nalmente elevados, admitindo-se inclusive ao juiz conceder indenização
suplementar ao credor quando, não havendo pena convencional, os juros
moratórios não forem suficientes para cobrir o prejuízo do credor;
c) à previsão da atualização monetária das dívidas em dinheiro, des- considerando que tal atualização já está embutida na taxa SELIC;
d) ignorar que a Constituição Federal estabeleceu que a taxa de juros no País não pode ser superior a 12 % ao ano;
e) não alcançar suas disposições quanto a taxa de juros e o limite da capitalização anual dos mesmos os contratos de mútuo realizados por instituições financeiras;
f) não dispor sobre o pagamento antecipado com a redução propor- cional e descapitalização dos juros;
g) imprecisão da regra do inciso V, do artigo 589.
Mostra-se assim o novel Código Civil nos dispositivos comentados não só ineficaz como regra de ordenamento da sociedade que teria por escopo evitar conflitos, mas também propiciador de inúmeros outros que desaguarão no sobrecarregado Poder Judiciário, a exigir imediato reparo antes que entre em vigor. ◆