APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO. CONTRATO DE COMPRA E VENDA INTERNACIONAL DE MERCADORIAS. ILEGITIMIDADE PASSIVA. AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO E REGULAR DO PROCESSO....
UGS
Nº 70072362940 (Nº CNJ: 0000409-73.2017.8.21.7000) 2017/CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO. CONTRATO DE COMPRA E VENDA INTERNACIONAL DE MERCADORIAS. ILEGITIMIDADE PASSIVA. AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO E REGULAR DO PROCESSO. CAUÇÃO PROCESSUAL (“CAUTIO JUDICATUM SOLVI”). RESCISÃO DE CONTRATO. AUSÊNCIA DE ENTREGA DAS MERCADORIAS, PELA VENDEDORA. RESTITUIÇÃO DO VALOR PAGO PELA COMPRADORA. PENALIDADE POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. MAJORAÇÃO DE HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS.
1- Preliminar de extinção do feito com base no art. 485, VI, do CPC que não se acolhe, com base na Teoria da Asserção, da qual se tem valido esta Corte para, assim, analisar em abstrato o preenchimento das condições da ação, aqui em princípio atendidas.
2- Preliminar de extinção do feito sem resolução de mérito por ausência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo que tampouco prospera, porque a ausência da prestação da caução processual a que alude o art. 83, “caput”, do Novo CPC não conduz à extinção do feito, com base no art. 485, IV, do CPC, tratando-se, se muito, de causa de conversão do feito em diligência. Pedido sucessivo nesse sentido que, contudo, é rejeitado, porque as circunstâncias do caso concreto tornam dispensável a exigência “cautio judicatum solvi”.
3- Contato de compra e venda internacional de mercadorias cuja rescisão vai declarada, por força da aplicação conjunta das normas do art. 47(1), do art. 49(1)(b) e do art. 81(2), todos da Convenção das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias (“Convenção de Viena de 1980”), a cujo marco normativo se recorre simultaneamente ao teor dos Princípios Unidroit relativos aos Contratos Comerciais Internacionais.
4- Indeferido o pedido contrarrecursal de aplicação de penalidade por litigância de má-fé porque não
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constatada a incursão, pela ré, em qualquer uma das condutas vedadas pelos arts. 77 e 80 do Novo CPC.
5- Honorários de sucumbência majorados para 15% sobre o valor atualizado da condenação, com amparo na regra do art. 85, §11, do Novo CPC.
Preliminares rejeitadas. Apelação cível desprovida.
APELAÇÃO CÍVEL | DÉCIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL |
Nº 70072362940 (Nº CNJ: 0000409- 73.2017.8.21.7000) | COMARCA DE ESTÂNCIA VELHA |
ANEXO COMERCIAL IMPORTAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO LTDA. – EPP. | APELANTE |
NORIDANE FOODS S.A. | APELADA |
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em rejeitar as preliminares e, no mérito, negar provimento à apelação cível.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. XXXXXXXX XXXXX (PRESIDENTE) E DES. XXXXX XXXX XXXXX.
Porto Alegre, 14 de fevereiro de 2017.
DES. XXXXXXX XXXXXXXX SUDBRACK,
Relator.
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R E L A T Ó R I O DES. XXXXXXX XXXXXXXX XXXXXXXX (RELATOR)
De início, a fim de evitar desnecessária tautologia, transcrevo o relatório da sentença recorrida, proferida pela Magistrada da Vara Judicial da Comarca de Estância Velha, nos seguintes termos:
NORIDANE FOODS S.A. ajuizou ação de rescisão de contrato, cumulada com pedido de indenização de danos materiais em face de ANEXO COMERCIAL IMPORTAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO LTDA EPP. Narra
ter celebrado com a ré, em 1º.07.2014, contrato de compra e venda de 135 toneladas de pés de galinha congelados, "GRADE A", com preço de USD 800 por tonelada e 27 toneladas de pés de galinha congelados, "GRADE B", com preço de USD 700 por tonelada, totalizando USD 117.450,00. Disse que em 08.07.2014 efetuou o pagamento de USD 79.650,00, correspondente a 4 container do produto adquirido, e passados mais de oito meses a mercadoria não havia sido embarcada. Mencionou que entrou em contato com a ré, por inúmeras vezes, mas não obteve a entrega da compra. Em razão da rescisão unilateral do contrato, pela ré, ingressou com a presente ação a fim de ser reparada pelos danos que sofreu. Requereu a declaração da rescisão contratual e a devolução dos valores pagos (USD 79.650,00 equivalentes a R$249.336,36 na data da propositura da ação), devidamente atualizados. Juntou documentos.
A requerida contestou (fls. 55/62), confirmou ter recebido a quantia informada pela ré e asseverou que tal quantia foi transferida para a conta da empresa Xxxxxx Xxxxxxx ME, de propriedade de Xxxxxx Xxxxxxx, o qual ficou de comprar a mercadoria desejada pela autora, tendo como vendedor o Sr. Xxxxxx Xxxxxxx, que tratava o negócio diretamente com o representante da autora, Sr. Xxxxxxx. Disse que
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por questões burocráticas a entrega atrasou e houve concordância na prorrogação do prazo de envio. Mencionou que após o embarque foi surpreendida com a informação de que a empresa não queria mais a mercadoria e já havia acionado o departamento jurídico da empresa. Asseverou que o valor recebido foi de R$117.619,50 e ao querer receber R$249.336,36, a autora pretende auferir um lucro de R$71.716,86 com a rescisão do contrato. Discorreu acerca da oscilação dos preços do mercado e afirmou não ser possível desfazer o pacto pois a mercadoria está no porto de Hong Kong desde 20.07.2015 à espera da autora para ser retirada. Pediu pela improcedência e acostou documentos.
Houve réplica.
Realizada audiência de conciliação, as partes não celebraram acordo (fl. 149).
Encerrada a instrução, as partes apresentaram razões finais escritas (fls. 151/155 e 162/174).
Sobreveio julgamento nos seguintes termos:
Pelo exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido para o fim de declarar rescindido o contrato firmado entre NORIDANE FOODS S.A. e ANEXO COMERCIAL IMPORTAÇÃO
E DISTRIBUIÇÃO LTDA EPP. e condenar a ré ao ressarcimento dos valores recebidos em dólares (USD 79.650,00) a serem convertidos em reais pelo câmbio da data do trânsito em julgado da sentença, acrescidos de correção monetária pelo índice do IGP- M desde a data do pagamento (julho de 2014) e de juros legais de 1% ao mês a contar da citação.
Por ter a autora decaído de parte mínima do pedido, a parte requerida arcará com a integralidade do pagamento das custas e das despesas do processo, além dos honorários advocatícios do procurador da parte autora, fixados em 10% sobre o valor da condenação, com fundamento no artigo 85, § 3º, do NCPC.
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Inconformada, apelou a ré, Anexo – Comercial Importadora e Distribuidora Ltda. – EPP. (fls. 193/201).
Arguiu, de início, preliminar de ilegitimidade passiva, sob o fundamento de que se limitou a atuar como preposta ou mandatária da pessoa jurídica que efetivamente teria realizado a venda, a saber, a empresa Xxxxxx Xxxxxxx – ME, representada por seu proprietário, Sr. Xxxxxx Xxxxxxx, e por seu despachante aduaneiro, Sr. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx. Assim, evocou a norma do art. 653 do Código Civil, atinente ao contrato de mandado nas espécies escrita e tácita, e requereu a extinção do feito, sem resolução de mérito, com amparo no art. 485, VI, do Novo CPC.
Ainda preliminarmente ao mérito, a demandada sustentou que o presente litígio não se reveste dos pressupostos processuais necessários à sua regular tramitação, na medida em que a autora – pessoa jurídica estrangeira com domicílio fora do Brasil e sem bens imóveis em território nacional – deixou de prestar a caução processual prevista no art. 835 do CPC/1973 e no art. 83, “caput”, do CPC/2015. Destacou que o caso presente não se insere em nenhuma das hipóteses de exceção à regra, dadas pelo rol do §1º do precitado art. 83 do CPC, sendo, pois, imperativa a prestação da caução. Asseverou que a inércia da autora quanto à providência em apreço enseja a extinção do feito, sem resolução do mérito, por falta de pressuposto de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo, à luz do art. 485, IV, da lei processual. Também nesses termos, pois, requereu a extinção meramente terminativa da contenda. Formulou, senão, pedido sucessivo de conversão do feito em diligência, para compelir a demandante a prestar a caução.
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Em seguida, ao discorrer sobre o mérito, propriamente dito, repisou as considerações anteriores quanto à ausência de relação jurídica direta com a empresa autora, aduzindo que o ônus do pagamento dos prejuízos por ela reclamados não pode recair sobre a pessoa jurídica que não celebrou o contrato em tese inadimplido. Sustentou a inexistência de contrato entre os ora litigantes e, com base em tal premissa, a impossibilidade de acolhimento dos pedidos declinados na exordial.
Nesses termos, a demandada postulou a extinção do feito, sem resolução do mérito, ante o acolhimento das preliminares argüidas, ou, senão, quanto ao mérito, a reforma da sentença para julgar totalmente improcedentes os pedidos, com a consequente inversão dos ônus sucumbenciais.
Após o recebimento do apelo, nos efeitos devolutivo e suspensivo (fl. 204), vieram aos autos as contrarrazões da autora, que se manifestou no sentido da rejeição de ambas as preliminares e do desprovimento do apelo, para manter-se, na íntegra, a sentença recorrida, com a majoração dos honorários de sucumbência e a aplicação de penalidade por litigância de má-fé (fls.206/217).
É o relatório.
V O T O S
DES. XXXXXXX XXXXXXXX XXXXXXXX (RELATOR)
1 Preliminares
1.1 Ilegitimidade passiva
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Rejeito, de início, a preliminar de ilegitimidade passiva “ad causam”. Com base na Teoria da Asserção – isto é, no exame da congruência entre os fatos expostos na petição inicial, por lado, e, por outro, a(s) pessoa(s) contra a(s) qual(is) é formulada a pretensão autoral –, não há falar, no caso concreto, na extinção terminativa do feito. Narra a exordial que a autora e a ré celebraram contrato de compra e venda, o qual teria restado descumprido, pela demandada, que deixou de proceder à entrega, no Porto de Hong Kong, da mercadoria adquirida pela autora, a qual, assim, dirigiu contra a parte contratante a pretensão de cobrança do valor que entende devido. Assim, em linha de princípio pode a ré figurar no pólo passivo da demanda, o que, a toda a evidência, não se confunde com o juízo de mérito, no âmbito do qual se definirá, aí sim, a eventual responsabilidade da ora apelante pelo pagamento do valor mencionado na inicial.
Destaco, por oportuno, que esta Corte tem reiteradamente analisado o preenchimento das condições da ação “in status assertionis”, isto é, independentemente da prova produzida nos autos, como se depreende dos julgados cujas ementas ora colaciono:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO ORDINÁRIA. INTERESSE
DE AGIR. 1. Tratando-se de condição da ação, o interesse de agir deve ser aferido in status assertionis, isto é, à luz das afirmações da parte demandante, independentemente das provas produzidas nos autos. Hipótese em que alega a autora tratar-se a telefonia móvel de serviço essencial, e o aparelho celular, por conseguinte, produto essencial, enquadrando-se o seu pleito no disposto no
§ 3º do referido artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor, que dispensaria a fluência do prazo de 30 dias para a substituição do aparelho, que deveria
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se dar de forma imediata. 2. Embora se trate de tema controverso, há plausabilidade no pedido, pois, em princípio, não há exceção ao disposto no artigo 10 da Lei n. 7.783/89 (Lei de Greve), que refere tratar-se o serviço de telecomunicações essencial à comunidade, impondo-se a desconstituição da sentença, com o prosseguimento da ação. APELAÇÃO PROVIDA. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. (Apelação Cível Nº 70059132423, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Xxxxx Xxxxxx Xxxx, Julgado em 08/05/2014) (grifos apostos)
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO ORDINÁRIA DE CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. NULIDADE
DA SENTENÇA. O juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo, inclusive, formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos, desde que dê a devida fundamentação, a teor do disposto no art. 436 do CPC. A apelante, na verdade, discorda da conclusão final do juiz, não sendo o caso de nulidade do decisum, mas sim de interposição do recurso cabível para o reexame da demanda. LEGITIMIDADE PASSIVA. Na esteira da teoria da asserção (in status assertionis), as condições da ação devem ser aferidas em abstrato, ou seja, apenas da simples leitura da exordial, sem adentrar a análise do mérito. Contendo a petição inicial alegação de que a garantia é prestada pela Scania e por suas concessionárias, a responsabilidade de cada empresa em face dos defeitos apresentados dependerá de dilação probatória e análise meritória. Assim, por ora, inviável reconhecer a ilegitimidade passiva da ré Scania Latin America Ltda. INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. TEORIA
FINALISTA. Na hipótese dos autos, é inegável que a autora utiliza o caminhão na sua atividade empresarial, fato este confessado no primeiro item da peça inaugural. Assim, somente haveria incidência da
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norma consumerista caso caracterizada situação de vulnerabilidade da demandante frente às empresas rés, o que não restou demonstrada. MÉRITO. Suficientemente demonstrado que a autora não adulterou a bomba injetora de combustível, aliado ao fato de a perícia afastou essa possibilidade como causa dos defeitos do motor, evidencia-se a ocorrência de má prestação dos serviços procedidos exclusivamente pela ré Cotrasa, de modo que deverá responder pelos danos daí decorrentes. DANOS EMERGENTES. In casu, a autora faz jus à indenização pelo conserto definitivo do motor avariado, sendo afastadas as demais pretensões. LUCROS CESSANTES. O fato de a autora utilizar-se do caminhão na sua atividade lucrativa é incontroverso, sendo cabível a pretensão ao ressarcimento pelos valores que deixou de auferir enquanto o veículo esteve inoperante (lucros cessantes). Inobstante tenha substituído o caminhão para por outro, comprovou substancial diminuição de suas receitas, uma vez que o novo veículo não detinha permissão para realizar viagens internacionais, as quais eram mais lucrativas. Presente o an debeatur, mas pendendo de prova o quantum debeatur, deve ser o feito remetido para liquidação de sentença. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. (Apelação Cível Nº 70047811781, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Xxx Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx, Julgado em 27/02/2014) (grifos apostos)
AGRAVO INTERNO. ARGUMENTOS JÁ RECHAÇADOS QUANDO DO JULGAMENTO DO
AGRAVO DE INSTRUMENTO. 1. Julgamento de recurso por meio de decisão monocrática é modalidade de decisão amplamente utilizada pelos Tribunais, mediante aplicação da regra do art. 557, CPC, não havendo falar em ofensa ao princípio do duplo grau de jurisdição, já que inexistente previsão legal no sentido de que somente o Órgão Colegiado, no caso, a Câmara, poderia fazê-lo, de modo que a decisão do relator, como integrante de Tribunal,
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atende perfeitamente ao princípio referido. 2. A determinação da qualidade de consumidor deve, em regra, ser feita mediante aplicação da teoria finalista, que, numa exegese restritiva do art. 2º do CDC, considera destinatário final tão somente o destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica. De resto, constatada a vulnerabilidade do contratante em face do fornecedor, aplicável a legislação consumerista. Precedentes do STJ. 3. As condições da ação são aferíveis in status assertionis, à luz das afirmações deduzidas pela parte autora na petição inicial. Na hipótese, independentemente do fato de o bem ter sido adquirido em nome da empresa autora, fato é que os autores sustentam que o efetivo possuidor e adquirente do veículo seria o coautor pessoa física, o qual estaria sofrendo os prejuízos advindos dos apontados defeitos surgidos no automóvel, motivo por que, neste momento processual, não há como declarar sua ilegitimidade ativa. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. (Agravo Nº 70056743560, Décima
Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Xxxx Xxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx, Julgado em 24/10/2013) (grifos apostos)
Portanto, rejeito a preliminar de extinção do feito, sem resolução de mérito, com amparo na regra do art. 485, VI, do Novo CPC.
1.2 Ausência de pressuposto de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo
Nos termos do art. 835 do Código de Processo Civil de 1973, que vigia ao tempo da propositura da presente ação, “o autor, brasileiro ou estrangeiro, que residir fora do Brasil ou deixar de residir no país ao longo da tramitação do processo, prestará caução suficiente ao pagamento das custas e dos honorários de advogado da parte contrária nas ações que propuser, se não tiver no Brasil bens imóveis que lhes assegurem o pagamento”. A despeito de ligeiras
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variações no seu texto, a xxxxx foi reiterada pelo art. 83, “caput”, do CPC/2015, de tal sorte que, também sob a lei processual vigente, remanesce a regra de obrigatoriedade da prestação da assim denominada “cautio judicatum solvi”, sobre a qual se manifesta Beat Xxxxxx Xxxxxxxxxxx no seguinte sentido:
A caução de processo (“cautio judicatum solvi”) é uma garantia a favor da parte contrária para cobrir as custas decorrentes de um processo civil, inclusive os honorários advocatícios eventualmente devidos ao seu final. Via de regra, o ônus para prestar caução no processo incumbe ao autor de uma demanda ou ao reconvinte. A caução, como garantia, tem a finalidade de proteger o Estado, além do próprio réu, perante a possibilidade de que o demandante (autor ou reconvinte) não possa ou não queira assumir as custas de processo de sua responsabilidade.1
Observo que não é nova, no âmbito desta Corte, a controvérsia relativa à caução processual, visto que já analisada, por esta Câmara, por ocasião do julgamento do Agravo de Instrumento n.º 70055737811, de minha Relatoria. Naquele caso, contudo, concluiu-se pela desnecessidade da autora – companhia de navegação com sede no Chile – prestar a “cautio judicatum solvi” por força da incidência do Protocolo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa (“Protocolo de Las Leñas”) e, ademais, com respaldo precípuo em questões afetas ao Direito dos Tratados, suscitadas pelas partes em recurso e em contrarrazões. Assim, tendo em vista serem
1 XXXXXXXXXXX, Xxxx Xxxxxx. Direito internacional privado: teoria e prática. – 15. ed. rev. e atual.
– São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p. 360.
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distintas as circunstâncias fáticas do caso em tela, deixo de me reportar às razões de decidir daquele precedente e passo a fundamentar a rejeição da preliminar.
No caso concreto, a pessoa jurídica demandante possui sede em Copenhagen, Dinamarca (fl. 16), e, além disso, não conta com agência, filial ou sucursal no território brasileiro, o que afasta a aplicação da norma do art. 21, parágrafo único, do Novo Código de Processo Civil e, assim, qualifica a autora, para fins de aplicação do disposto na lei processual, como domiciliada no Exterior. Ademais, a autora não noticiou, nos autos, possuir no Brasil bens aptos a constituir garantia suficiente ao pagamento de eventuais encargos sucumbenciais. Portanto, efetivamente seria devida, em princípio, a caução processual prevista no art. 83, “caput”, do CPC/1973 e no art. 835 do CPC/2015. Mesmo porque, não figurando a Dinamarca como Estado Parte na Convenção sobre o Acesso Internacional à Justiça2 – assinada no âmbito da Conferência da Haia de Direito Internacional Privado e ratificada pelo Brasil, que concluiu o seu rito de internalização por meio do Decreto n.º 8.343, de 13 de novembro de 2014 –, o caso em tela não autoriza que se excepcione a exigência de caução com base na aplicação conjunta do art. 83, §1º, I, do Novo CPC3 e do art. 14 da Convenção4.
2 Conforme verificado junto ao site da Conferência da Haia de Direito Internacional Privado, na seção referente às assinaturas e ratificações da Convenção sobre o Acesso Internacional à Justiça (<xxxxx://xxx.xxxx.xxx/xx/xxxxxxxxxxx/xxxxxxxxxxx/xxxxxx-xxxxx/?xxxx00>), em 23.01.2017.
3 CPC/2015, art. 83. [...]. §1. “Não se exigirá a caução de que trata o caput: I – quando houver dispensa prevista em acordo ou tratado internacional de que o Brasil faz parte”.
4 Convenção sobre o Acesso Internacional à Justiça, art. 14. “Não será exigido nenhum tipo de garantia, caução ou depósito judicial de pessoas (inclusive pessoas jurídicas) habitualmente residentes em um Estado Contratante que sejam autoras ou partes intervenientes de um processo perante juízos de outro Estado Contratante, exclusivamente pelo fato de serem estrangeiras ou de não serem domiciliadas ou residentes no Estado onde o processo foi instaurado”. (grifei)
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Portanto, está de fato correta a ponderação da demandada, em apelação, no sentido de que não há falar, no caso concreto, no afastamento do dever de prestar caução à luz da exceção dada pelo referido art. 83, §1º, I, do CPC.
Ocorre, porém, que a arguição da ré sobre a necessidade da caução processual, neste caso, afigura-se impertinente, assim como se mostra infundamentada a sua evocação como causa de extinção do feito com base no art. 485, IV, do Novo Código de Processo Civil.
Nesse ponto, reporto-me ao magistério da doutrina processual civil brasileira, no sentido de que a norma do art. 83, “caput”, do CPC/2015 não contém previsão expressa acerca do momento adequado para que o demandante efetue a “cautio judicatum solvi”, de tal sorte que, “esta, ainda que prestada tardiamente, não ensejará nulidade processual, desde que não haja prejuízos ao processo ou à parte”5. Ora, se da lei não decorre a obrigatoriedade de prestar a caução em tal ou qual fase do processo, por óbvio que não se pode qualificar a sua não prestação, até o momento, como causa de extinção do feito sem resolução do mérito, como requereu a ré.
Ou, em outros termos, o fato de caução em princípio devida não ter sido prestada até o momento simplesmente não basta para que se reconheça, no caso concreto, a alegada ausência de pressuposto de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo. Tratar-se-ia, no máximo, de irregularidade sanável, cabendo porventura a conversão do presente feito em diligência, para que a autora / apelada procedesse à formalidade em apreço, em prazo para tanto concedido.
5 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx [et al.]. – Primeiros comentários ao novo código de processo civil : artigo por artigo. – 1. ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p.163.
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Consigno, todavia, que aqui não se cuida tão somente de rejeitar a preliminar em tela, mas também de declarar a desnecessidade de prestar a “cautio judicatum solvi”. Como resta claro a partir da leitura do excerto doutrinário anteriormente transcrito, o instituto da caução processual tem por propósito assegurar o futuro adimplemento de custas processuais e de honorários advocatícios, caso tais ônus restem a cargo da parte litigante que, sem domicílio ou bens no país, acabe por sucumbir, ao final da lide. Destina-se, portanto, a garantir o pagamento dos ônus de sucumbência pelos quais porventura o(a) autor(a) residente no Exterior e sem bens no Brasil venha a ter de responder. E, precisamente em função disso, deve também ser afastado o pedido sucessivo de conversão do feito em diligência: a Magistrada da Vara Judicial de Estância Velha julgou parcialmente procedente o pedido e, nos termos que a seguir passarei a expor, não há qualquer razão de fato ou de direito para o acolhimento da insurgência trazida no apelo, cujo desprovimento é medida que se impõe. Portanto, não há encargos sucumbenciais pelos quais a autora estrangeira deva responder, o que descaracteriza, obviamente, a necessidade de caução, já que, mantida a sentença de procedência do pedido, os ônus sucumbenciais deverão ser suportados pela ré.
Por oportuno, destaco que, no Superior Tribunal de Justiça, ambas as Turmas que compõem a Segunda Seção, dotada de competência para o julgamento de recursos em matéria de Direito Privado, possuem precedentes nesse sentido, como se verifica da leitura das ementas que ora transcrevo:
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE PARCERIA PARA
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REVENDA DE PRODUTOS DE TECNOLOGIA. AÇÃO DE COBRANÇA AJUIZADA POR EMPRESA ESTRANGEIRA. CAUÇÃO. ART. 835 DO CPC. NÃO REALIZAÇÃO. IRREGULARIDADE QUE NÃO SE PROCLAMA NA FASE EM QUE SE ENCONTRA O PROCESSO. DOCUMENTOS JUNTADOS PELO AUTOR. AUTENTICAÇÃO. DESNECESSIDADE. JUNTADA DO CONTRATO SOCIAL OU ESTATUTO DA SOCIEDADE. EXIGÊNCIA DESCABIDA SE NÃO EXISTIR DÚVIDA QUANTO À REPRESENTATIVIDADE. ALEGAÇÃO DE CELEBRAÇÃO DE CONTRATO SOB COAÇÃO. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 5 E 7.
1. O sistema processual brasileiro, por cautela, exige a prestação de caução para a empresa estrangeira litigar no Brasil, se não dispuser de bens suficientes para suportar os ônus de eventual sucumbência (art. 835 do CPC). Na verdade, é uma espécie de fiança processual para "não tornar melhor a sorte dos que demandam no Brasil, residindo fora, ou dele retirando- se, pendente a lide", pois, se tal não se estabelecesse, o autor, nessa condições, perdendo a ação, estaria incólume aos prejuízos causados ao demandado.
2. Porém, no estado em que se encontra a causa, a exigência da chamada cautio pro expensis deve ser analisada segundo sua teleologia, que é ser fiadora das custas e honorários a serem suportados pelo autor estrangeiro, em caso de sucumbência. Assim, mostra-se inviável o acolhimento de nulidade processual depois de o processo tramitar por mais de oito anos, e tendo o autor estrangeiro se sagrado vitorioso nas instâncias ordinárias.
3. De regra, mostra-se desnecessária a autenticação de documentos carreados aos autos, na medida em que "o documento ofertado pelo autor presume-se verdadeiro, se o demandado, na resposta, silencia quanto à autenticidade (CPC, Art. 372)" (XXXxx 000000/XX, Rel. Ministro XXXXXXXX XXXXX XX XXXXXX, CORTE ESPECIAL, julgado em 01/08/2000, DJ 30/10/2000, p. 118).
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4. A jurisprudência da Casa é firme em não exigir a juntada do contrato social ou estatuto da sociedade para a finalidade de comprovação da regularidade da representação processual, podendo tal exigência ser cabível em situações em que pairar dúvida acerca da representação societária, circunstância não verificada no caso em apreço.
5. Não tendo o acórdão recorrido, com base na análise soberana das provas, vislumbrado a ocorrência do vício de vontade (coação) na celebração do contrato posto em litígio, a pretensão recursal encontra óbice nas Súmulas 5 e 7 do STJ.
6. Recurso especial parcialmente conhecido e, na extensão, não provido.
(REsp 999.799/DF, Rel. Ministro XXXX XXXXXX XXXXXXX, QUARTA TURMA, julgado em 25/09/2012, DJe 19/10/2012) (grifos apostos)
PROCESSUAL CIVIL. SOCIEDADE ESTRANGEIRA SEM IMÓVEIS, MAS COM FILIAL NO PAÍS. DESNECESSIDADE DE CAUÇÃO PARA LITIGAR EM JUÍZO. MITIGAÇÃO DA EXIGÊNCIA LEGAL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PESSOA JURÍDICA. TEORIA FINALISTA.
1.- O autor estrangeiro prestará, nas ações que intentar, caução suficiente às custas e honorários de advogado da parte contrária, se não tiver no Brasil imóveis que lhes assegurem o pagamento.
2.- Tal exigência constitui pressuposto processual que, por isso, deve ser satisfeito ao início da relação jurídico processual. Nada impede, porém, que seja ela suprida no decorrer da demanda, não havendo falar em nulidade processual sem que haja prejuízo, especialmente em caso no qual a pessoa jurídica estrangeira já veio pagando adequadamente todas as despesas processuais incorridas e possui filial no país.
3.- No caso concreto, ademais, considerando-se o resultado da demanda, não faz sentido exigir a caução em referência. Não há porque exigir da recorrida o depósito de caução cuja finalidade é
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garantir o pagamento de despesas que, com o resultado do julgamento, ficarão por conta da parte contrária.
4.- A jurisprudência desta Corte, no tocante à matéria relativa ao consumidor, tem mitigado os rigores da teoria finalista para autorizar a incidência do Código de Defesa do Consumidor nas hipóteses em que a parte (pessoa física ou jurídica), embora não seja tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, se apresenta em situação de vulnerabilidade.
5.- O Acórdão recorrido destaca com propriedade, porém, que a recorrente é uma sociedade de médio porte e que não se vislumbra, no caso concreto, a vulnerabilidade que inspira e permeia o Código de Defesa do Consumidor.
6.- Recurso Especial a que se nega provimento.
(REsp 1027165/ES, Rel. Ministro XXXXXX XXXXXX,
TERCEIRA TURMA, julgado em 07/06/2011, DJe 14/06/2011) (grifos apostos)
Nesses termos, rejeito a preliminar de extinção do feito por ausência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo (art. 485, IV, CPC) e, ademais, indefiro o pedido de conversão do feito em diligência, assim declarando a desnecessidade de prestação da “cautio judicatum solvi” e prosseguindo no exame da questão de fundo.
2 Mérito
Do exame da prova constante dos autos, verifica-se sem qualquer espaço para dúvidas a existência de vínculo contratual entre a empresa estrangeira autora, Noridane Foods A/S, e a empresa brasileira ré, Anexo – Comercial Importadora e Distribuidora Ltda. – EPP. Por um lado, porque, ainda que não tenha sido juntado aos autos qualquer contrato escrito, as faturas das fls. 22/23 – emitidas, frise-se, pela própria demandada
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– demonstram a toda a evidência que entre as pessoas jurídicas ora litigantes foi celebrado vínculo contratual por meio do qual a ré obrigou-se a proceder à entrega de 135 (cento e trinta e cinco) toneladas de pés de galinha congelados, “grade B”, e de outras 27 (vinte e sete) toneladas de pés de galinha congelados, “grade A”, mediante a contraprestação, pela autora, consubstanciada no pagamento do valor total de US$117.450,00 (cento e dezessete mil, quatrocentos e cinquenta dólares norte-americanos). Por outro, porque tampouco pendem quaisquer dúvidas no sentido de que, ademais disso, as partes também acordaram a realização de pagamento inicial do montante de US$79.650,00 (setenta e nove mil, seiscentos e cinquenta reais), o que foi feito pela autora: assim foi exposto na exordial (fl. 05), demonstrado na documentação a ela anexa (fls. 30/31) e reconhecido em contestação (fl. 56).
Assim sendo, não deve ser acolhida a tese defensiva no sentido de que a ré teria figurado como mera preposta ou mandatária, na acepção do art. 653 do Código Civil, da pessoa jurídica Xxxxxx Xxxxxxx – ME, representada por seu proprietário e pelo despachante aduaneiro respectivo, Sr. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx. Há contrato entre os ora litigantes e esse se qualifica, por óbvio, não como de mandato, mas como de compra e venda, nos termos e pelas razões que adiante se verá.
De outra parte, convém pontuar que a avença entre a autora e a ré define-se como contrato internacional, como ressalta Xxxxx xx Xxxxxx, a partir do trecho que ora transcrevo:
O que caracteriza a internacionalidade de um contrato é a presença de um elemento que o ligue a dois ou mais ordenamentos jurídicos. Basta que uma das
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partes seja domiciliada em um país estrangeiro ou que um contrato seja celebrado em um país, para ser cumprido em outro.6
Com efeito, o litígio em apreço demanda a qualificação da avença havida entre as partes como contrato internacional – para todos os efeitos jurídicos daí decorrentes – porque está configurado, no caso concreto, como, aliás, já destaquei quando do julgamento do Agravo de Instrumento n.º 70065345423, de minha Relatoria, o assim chamado efeito internacionalizante de que trata a eminente doutrinadora Xxxxxxxxx Xxxxx, em bibliografia clássica sobre o tema, ao explicar que esse
[...] produz-se como decorrência da conjunção, por um lado, de aspectos jurídicos, relativamente à produção de efeitos jurídicos simultâneos em mais de um ordenamento jurídico, e, por outro, de aspectos econômicos, relativos ao fluxo e refluxo transfronteiriço de bens, valores e capitais.7
Xxxxxx, a autora / compradora tem domicílio na Dinamarca; a ré
/ vendedora tem domicílio no Brasil; e as obrigações relativas à execução do contrato, no tocante à transferência da propriedade das mercadorias negociadas e a sua entrega, pela vendedora, dividem-se entre Brasil e Hong Kong, China; assim caracterizando o elemento transnacional ínsito ao contrato qualificado como internacional. Ressalto que a conceituação do vínculo contratual havido entre as partes como contrato internacional de
6 XXXXXX, Xxxxx xx. Direito internacional privado: teoria e prática brasileira. – 5. ed. atual. e ampl.
– Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, x. 000.
0 XXXXX, Xxxxxxxxx. Contratos internacionais do comércio: negociação, conclusão, prática. – 2 ed., rev., atual. e ampl. – Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 293.
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compra e venda de mercadorias aqui não se dá à toa. Justifica-se porque remete ao marco jurídico aplicável ao deslinde do mérito, o qual se compõe, no caso, pela Convenção das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias (a assim chamada “Convenção de Viena de 1980”) e, ao mesmo tempo, pelos Princípios Unidroit Relativos aos Contratos Comerciais Internacionais.
No tocante à Convenção de Viena de 1980, tem-se que sua entrada em vigor para o Brasil, no plano internacional, ocorreu na data de 01/04/20148, ao passo que a sua cogência no plano interno somente teve início com o advento do Decreto n.º 8.237, de 16 de outubro de 2014. Afinal, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal orienta-se no sentido de chancelar a praxe brasileira de condicionamento da eficácia interna do tratado à expedição do decreto presidencial que dá publicidade ao texto do ato internacional e o promulga, dele decorrendo a possibilidade de arguição dos termos do tratado, pelos particulares, e da sua aplicação, inclusive de ofício, pelo Poder Judiciário9. Logo, partindo-se de tal premissa, resultaria aqui em princípio inaplicável a Convenção de Viena de 1980, pois o contrato foi celebrado em 01/07/2014 (fl. 22) e o seu descumprimento caracterizou-se nos meses subsequentes, conforme narrado na exordial, i.e., antes da vigência da Convenção no plano interno. De qualquer sorte, não há qualquer impedimento ao uso do tratado como referencial jurídico aplicável ao deslinde do mérito, porque, independentemente do marco inicial da sua
8 Conforme verificado junto ao site da United Nations Comission on International Trade Law, na seção referente às assinaturas e ratificações da Convenção de Viena de 1980 (<xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx/xxxxxxxx/xx/xxxxxxxx_xxxxx/xxxx_xxxxx/0000XXXX_xxxxxx.xxxx>), em 23.01.2017.
9 Nesse sentido: Agravo Regimental na Carta Rogatória n.º 8.279, Relator: Ministro Xxxxx xx Xxxxx, Tribunal Pleno, julgado em 17/06/1998, DJ 10-08-2000.
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eficácia interna em termos estritamente positivistas, a Convenção constitui expressão da praxe mais difundida no comércio internacional de mercadorias, estando por isso ao alcance dos Juízes nacionais, até mesmo em função da norma do art. 113 do Código Civil, que determina a interpretação dos negócios jurídicos de acordo com os usos e costumes.
Sobre a possibilidade de aplicação de tratados e convenções internacionais independentemente da sua eficácia no plano do Direito positivo interno, ante a sua qualidade de manifestação doutrinária e, particularmente, de usos e costumes, reporto-me, novamente, à lição de Xxxxxxxxx Xxxxx:
Uma interessante questão concernente ao campo da elaboração normativa do direito internacional privado reside na relevância e valor normativo que devem ser atribuídos às convenções e tratados não ratificados pelos Estados. Existe, com frequência, uma possível falta de correspondência material entre os trabalhos de negociação e elaboração dos tratados e o momento efetivo da sua adoção e ratificação pelos Estados- partes signatários. Esse problema explica-se, com frequência, pelas dificuldades internas enfrentadas pelas autoridades estatais, em especial pelo Poder Legislativo, na aprovação e ratificação desses atos – sem necessariamente significar que os especialistas em direito internacional privado tenham discordado do texto adotado, nem mesmo que o parlamento (no nosso caso, o Congresso Nacional) discorde de seu texto e da sua aprovação.
A importância dos tratados e convenções está justamente no objetivo de uma determinação comum para o campo de aplicação do direito internacional privado entre Estados na atualização da disciplina orientada pelo consenso da comunidade internacional sobre a importância da regulamentação da vida internacional das pessoas, nos vários setores em que as relações jurídicas se manifestam. Por isso, as
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ratificações internas são fundamentais. Enquanto o tratado ou convenção permanecer sem aprovação e ratificação internas, podemos usá-los como fonte material ou fonte de inspiração no caso concreto. De acordo com Battifol, trabalhos de qualidade jurídica acabam não entrando em vigor por falta de ratificação dos países signatários. Contudo, há possibilidade de antecipação dos efeitos jurídicos das convenções não ratificadas, pelo juiz nacional, quando ele aplica o texto como forma de “manifestação doutrinária”, prova dos usos e costumes internacionais ou, ainda, como direito estrangeiro.10
Ainda sobre o caráter de fonte de Direito do tratado não ratificado, transcrevo excerto de lavra do Embaixador Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxxxx e Xxxxx, igualmente esclarecedor sobre o tema:
Uma convenção não ratificada ganhará em autoridade como direito internacional na medida em que for aprovada por uma grande maioria e receba ratificações de um número grande e representativo de Estados. A “contrario sensu”, esta convenção perderá força se um longo período de tempo transcorrer e um número muito reduzidos de Estados a ratifica ou a ela adere.11
Por tais razões, resta claro que não haveria sentido em proceder ao deslinde do mérito sem o referencial da Convenção de Viena de 1980, constituindo formalismo positivista – incompatível com a prestação jurisdicional mais adequada às relações jurídicas comerciais transnacionais
10 BASSO, Maristela. Curso de direito internacional privado. – 4. ed. – São Paulo: Editora Atlas, 2014, p. 77/78.
11 XXXXXXXXXX X XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Treaties as evidence of customary international Law.
International Law at the time of its codification: essays in honour of Xxxxxxx Xxx. Milão: Dott. A. Xxxxxxx, 1987, p. 387 e ss.
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– condicionar-se a aplicabilidade do tratado estritamente à vigência do Decreto presidencial de promulgação do seu texto. Relembro, aqui, que a Convenção de Viena tem sido qualificada como o “life blood of international commerce”12, já que se trata do mais utilizado instrumento jurídico de regulação da troca internacional de mercadorias: conta com 85 (oitenta e cinco) ratificações13, as quais abrangem os maiores atores comerciais globais (China, EUA, Japão, Europa Ocidental, América Latina, Sudeste Asiático etc.), e, desse modo, rege de forma efetiva e em potencial em torno de 80% do comércio internacional14.
Portanto, o deslinde do mérito do presente apelo com base na Convenção de Viena de 1980 dá-se – convém frisar – com amparo nas premissas de que a normativa da Convenção, pelas razões acima expostas, qualifica-se como regramento costumeiro das relações comerciais internacionais. A propósito, a conceituação da Convenção de Viena de 1980 como costume internacional parece-me possível também à luz do Direito Internacional Público. Reputo atendidos os requisitos apontados pela doutrina internacionalista para que se qualifique uma prática estatal como costume: atento, aqui, para o elevado número de ratificações da Convenção;
12 XXXXXXX, Xxxx Xxxxx Xxxxx. A saga da uniformização da compra e venda internacional: da lex mercatoria à Convenção de Viena de 1980. In: XXXXXXX, Xxxx Xxxxx Xxxxx de (Org.) / XXXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxx (Org.). A compra e venda internacional de mercadorias: estudos sobre a Convenção de Viena de 1980. São Paulo, Atlas, 2011, p. 01.
13 Conforme verificado junto ao site da United Nations Comission on International Trade Law, na seção
referente às assinaturas e ratificações da Convenção de Viena de 1980 (<xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx/xxxxxxxx/xx/xxxxxxxx_xxxxx/xxxx_xxxxx/0000XXXX_xxxxxx.xxxx>), em 23.01.2017.
14 SCHLECHTRIEM, Xxxxx, XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Comentários à convenção das nações unidas
sobre contratos de compra e venda internacional de mercadorias / coordenação de tradução Xxxxxxx Xxxxxxx, Xxxx Xxxxxxx, Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 135.
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para a sua franca utilização pelos tribunais dos Estados que a ratificaram ou a ela aderiram, desde a sua entrada em vigência, ainda na década de 1980; e, não menos, para consistência e regularidade com que tem sido aplicada15. Logo, sendo a Convenção aqui aplicada como costume, não como norma de direito positivo, descabe a arguição de que o seu teor não poderia ser utilizado por esta Corte com base na regra de aplicação temporal do tratado dada pelo seu art. 100. Assim ressalto, desde logo, para evitar o eventual manejo de embargos de declaração, pela requerida, de cunho meramente protelatório.
Já no que diz respeito aos Princípios Unidroit Relativos aos Contratos Comerciais Internacionais, tampouco há óbice a sua aplicação no deslinde do mérito do caso em tela. Em primeiro lugar, porque o conteúdo dos Princípios UNIDROIT revela, em larga medida, o conteúdo da assim chamada “nova lex mercatoria”, isto é, do conjunto de normas reunidas em princípios, usos e costumes, cláusulas-padrões, contratos-tipo, decisões judiciais e arbitrais etc., concebidas ou derivadas do âmbito negocial dos atores do comércio internacional, podendo conceituar-se a “nova lex mercatoria” como um autêntico “direito transnacional do comércio”, de formulação e modificação não necessariamente estatal16. Em segundo lugar, porque o domínio da “nova lex mercatoria” está ao alcance dos Juízes togados, tanto quanto dos árbitros17 – como, inclusive, já tive a ocasião de
15 XXXXXXXX, Xxx. Principles of public international Law. – 7. ed. – New York City: Oxford University Press Inc., 2008, p. 6/10.
16 BASSO, Maristela. Curso de direito internacional privado. – 4. ed. – São Paulo: Editora Atlas,
2014, p. 256/257.
17 XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxxx xx. “Lex mercatoria” – Evolução e posição atual. In: XXXXXXXX, Xxxx Xxxxx (Org.), MAZZUOLI, Xxxxxxx (Org.). Doutrinas essenciais de direito internacional. Vol. 05. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2012, p. 175-180.
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consignar, quando do julgamento da Apelação Cível n.º 70065097891, em que conferi cogência e interpretei cláusula de “incoterms” em conformidade com a jurisprudência consolidada sobre o tema no âmbito do órgão arbitral da Câmara de Comércio Internacional18. Em terceiro lugar, porque, como tem destacado a doutrina, a Convenção de Viena de 1980 e os Princípios Unidroit não guardam entre si relação de antagonismo ou auto-exclusão, mas sim de complementaridade19. E, por fim, porque o uso dos Princípios –
18 Transcrevo a ementa do julgado em questão:
“APELAÇÃO CÍVEL. TRANSPORTE. TRANSPORTE DE COISAS. DIREITO EMPRESARIAL. DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO. AÇÃO CONDENATÓRIA POR DANOS MATERIAIS. CONTRATO DE TRANSPORTE INTERNACIONAL DE MERCADORIAS. TRANSPORTE DE FLORES ENTRE BRASIL E ITÁLIA. CUSTEIO DO FRETE PELO IMPORTADOR. CLÁUSULA "FREE CARRIER". INTERNATIONAL COMMERCIAL TERMS ("INCOTERMS"). CÂMARA DE COMÉRCIO INTERNACIONAL. "LEX MERCATORIA". GRUPO ECONÔMICO DE FATO. CRITÉRIOS. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. REQUISITOS. 1- É possível a aplicação,
pelo Poder Judiciário, de normas integrantes da "nova lex mercatoria", de que são exemplos os incoterms editados sob os auspícios da Câmara Internacional de Comércio. Atribuição de eficácia ao contrato firmado entre as partes, com base em norma da "nova lex mercatoria", que tem lugar independentemente da natureza não-vinculativa das suas regras e da sua origem e criação independentes da autoridade estatal. Cláusula de incoterm que não confronta qualquer dispositivo do Direito brasileiro, ao repartir os custos da remuneração do transporte, entre o importador e o exportador. Ajuste contratual que se dota de efeitos, em Juízo, sob pena de violação aos princípios da liberdade de contratação e da força obrigatória do contrato, entre as partes que o firmam. 2- Muito embora a Cláusula Free Carrier (FCA) atribua ao importador o dever de custeio do frete, a partir do local indicado pelas partes - no caso, Porto Alegre -, o pagamento do valor pleiteado pela autora, nesta contenda, deve ficar a cargo da exportadora ré, descabendo cogitar de responsabilidade da empresa italiana importadora (alheia aos autos). Circunstâncias do caso concreto que ensejam a desconsideração de personalidade jurídica, ante a constatação da ocorrência de grupo econômico de fato entre a empresa brasileira demandada (Agroindustrial Lazzeri S.A.) e a empresa italiana que não está no pólo passivo da demanda (Lazzeri Società Agricola). Desconsideração da personalidade jurídica que permite imputar à exportadora ré o ônus que, nos termos da cláusula de incoterm FCA, competiria à importadora estrangeira, como se essa fosse. 3- Tendo a autora comprovado a realização do serviço de transporte de mercadorias entre Porto Alegre e Roma, na forma do art. 333, I, do CPC, impõe-se a procedência do pedido inicial, ante a falha da ré em se desincumbir do ônus quanto a fato(s) impeditivo(s), extintivo(s) ou modificativo(s) do direito da autora. Juízo de procedência do pedido e desconsideração da personalidade jurídica que tornam prejudicado o exame do pedido sucessivo de citação da empresa estrangeira, para figurar no pólo passivo do feito. Apelação cível provida.” (Apelação Cível Nº 70065097891, Décima Segunda Câmara Cível, TJRS, Rel.: Xxxxxxx Xxxxxxxx Sudbrack, Julgado em 10/12/2015) (grifos apostos).
19 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. The CISG and the Unidroit Principles of international commercial contracts: two complementary instruments. International Law Review of Wuham University, vol. 10, 2008-2009, p. 100/117.
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assim como da Convenção de Viena de 1980, independentemente da sua eficácia no plano do Direito positivo, no Brasil, ser posterior ao tempo dos fatos ora em apreço – reafirma a abordagem flexível, não positivista da controvérsia, como exigem os litígios decorrentes das relações entabuladas na seara do comércio internacional. Como observa Xxxxx Xxxx Xxxxxx00:
os Princípios do UNIDROIT, tanto no plano formal como em substância, constituem um modelo de uniformização jurídica do direito contratual internacional compatível com a maioria dos sistemas jurídicos contemporâneos, notadamente os de tradição civilista (como o brasileiro) e os ligados ao common law, revelando o resultado de esforços fundados no moderno comparativismo.
Sem embargo da presença estatal em alguns de seus segmentos, a realidade do comércio internacional exibe, a todo momento, a natureza transnacional de suas atividades, como o transporte, o sistema bancário, as telecomunicações, o turismo, a compra e venda de mercadorias e serviços etc. Muitas vezes, tais atividades são desenvolvidas por sociedades criadas segundo as leis de vários Estados ou vinculadas a grupos transnacionais cuja personalidade é difícil discernir. Numerosos contratos celebrados nessa arena fazem referência genérica ao direito internacional, aos princípios gerais de direito ou aos princípios comuns a vários ordenamentos estatais, bem como aos usos do comércio internacional.
É nesse espaço transnacional que florescem instrumentos como os Princípios do UNIDROIT, surgidos independentemente de qualquer vontade estatal e cuja existência como direito é demonstrada pela evolução do pensamento jurídico para além do positivismo. Porém, é fato que as relações jurídicas do comércio internacional não existem em espaços
20 XXXX Xx, Xxxxx. Os princípios do Unidroit relativos aos contratos do comércio internacional: uma nova dimensão harmonizadora dos contratos internacionais. XXXIII Curso de Derecho Internacional. Washington, D.C.: OEA, Secretaría General, 2007, p. 95/142.
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ideais, mas sim na realidade cotidiana dos espaços territoriais sujeitos ao império de um direito nacional, com os quais têm de dialogar. Esse é o grande desafio para a utilização efetiva dos Princípios do UNIDROIT relativos aos Contratos do Comércio Internacional 2004, principalmente para os juízes e tribunais brasileiros.
Ainda no que diz respeito ao marco jurídico aplicável, impõe-se uma ulterior observação. Caso aqui se procedesse à aplicação dos clássicos elementos de conexão dados pela Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, a circunstância de o contrato ter sido firmado entre ausentes, aliada ao fato de a empresa estrangeira autora ter figurado como proponente da avença (tal como se depreende dos e-mails cuja cópia foi juntada nas fls. 25/27, assim como do teor da petição inicial e do recurso), conduziria, em princípio, ao deslinde da questão de fundo com base no Direito dinamarquês, por força da regra “lex loci celebrationis” dada pelo art. 9º, §2º, da LINDB.
Todavia, considerando que a proponente / compradora tem domicílio na Dinamarca; que a vendedora tem domicílio no Brasil; e que a execução da obrigação, pela parte vendedora, deveria dar-se entre Brasil e Hong Kong, China; o que se tem é que, no caso concreto, o uso do princípio da proximidade não apenas permite como recomenda que se afaste o Direito estrangeiro indicado pela regra de conexão do art. 9º, §2º, da LINDB. A despeito do local e modo de celebração do contrato, não se pode afirmar, ante a forma difusa de irradiação de efeitos – jurídicos e econômicos – da relação em tela, que essa tenha como local de sede ou centro de gravidade a Dinamarca. Assim, a conclusão a que se chega é que também o princípio
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da proximidade – ensejando abordagem flexível e atenta “às realidades sociais e econômicas que embasam o fenômeno jurídico”21 22 – redunda na aplicação da Convenção de Viena de 1980 e dos Princípios Unidroit para o enfrentamento do mérito, cabendo aqui ressaltar que a doutrina autoriza o uso da “nova lex mercatoria” como Direito aplicável às obrigações contratuais multiconectadas, mormente à luz do caráter obsoleto dos elementos de conexão dados pela LINDB:
[...] as regras de conexão para determinação da lei aplicável aos contratos conforme exemplificadas pelo conteúdo normativo do art. 9º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (aqui uma referência ao método conflitual clássico) não estão ajustadas à dinâmica e práticas de negociações que foram surgindo no domínio do comércio internacional, especialmente no período do Pós-Guerra no curso das relações econômicas interestatais. Por isso é que a adoção de regras da nova ‘lex mercatoria’ aparece, em sua pretensão de validade doutrinária e jurisprudencial, como uma tentativa de superação dos principais problemas que apresentava a aplicação das regras de conexão clássicas do direito internacional privado para os contratos celebrados entre os principais atores do comércio internacional.23
21 XXXXXXXX, Xxxxx. Direito internacional privado: parte geral. – 11. ed. – Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 356.
22 Note-se que a flexibilização da regra “lex loci celebrationis” com fundamento no princípio da proximidade, não se trata de questão inédita, no âmbito nesta Corte. Afinal, por ocasião do julgamento da Apelação Cível n.º 70070973771, de minha Relatoria, esta Câmara afastou a aplicação do Direito norte-americano em detrimento da incidência do Código Civil e do CDC, a despeito da firmatura do contrato de prestação de serviços ter-se dado, tecnicamente, no território daquele Estado, à luz da norma inserta no art. 9º, §2º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
23 BASSO, Maristela. Curso de direito internacional privado. – 4. ed. – São Paulo: Editora Atlas,
2014, p. 256.
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Pois bem. Tanto o art. 11 da Convenção de Viena de 198024 quanto o art. 1.2 dos Princípios Unidroit25 consagram o princípio da liberdade formal do contrato de compra e venda, que não requer instrumento escrito nem se sujeita e requisitos específicos de forma, podendo a sua existência ser comprovada por quaisquer meios, inclusive a prova testemunhal. Portanto, está caracterizada no caso concreto a relação negocial de compra e venda entre as partes, ao abrigo da Convenção de Viena de 1980 e dos Princípios Unidroit, já que, como dito anteriormente, as faturas das fls. 22/23 dão conta de demonstrar a avença entre a autora e a ré, relativa à aquisição e entrega das quantidades ali especificadas de pés de galinha congelados, mediante o pagamento do valor total de US$117.450,00 (cento e dezessete mil, quatrocentos e cinquenta dólares norte-americanos). Por outro lado, ainda no que se refere aos termos em que foi pactuado o contrato em tela, a prova dos autos igualmente demonstra que, relativamente ao pagamento, as partes estipularam a efetuação de transferência inicial de US$1.000,00 (mil dólares norte-americanos), seguida pela transferência de outros US$78.650,00 (setenta e oito mil, seiscentos e cinquenta dólares), sendo que o valor restante seria pago posteriormente – assim se depreende das trocas de e-mails acostas nas fls. 25/28.
Além de ter comprovado a existência do contrato firmado com a ré, a autora igualmente demonstrou a realização dos pagamentos acima referidos, na data e modo estipulados. O documento das fls. 30/31 atesta a
24 Convenção de Viena de 1980, art. 11. “O contrato de compra e venda não requer instrumento escrito nem está sujeito a qualquer requisito de forma. Poderá ele ser provado por qualquer meio, inclusive por testemunhas.”
25 Princípios Unidroit 2010, art. 1.2. “Nenhuma disposição contida nos presentes Princípios exige que um contrato, uma declaração ou qualquer outro ato seja concluído ou mesmo provado mediante forma especial. Ele poderá, ao contrário, ser provado por qualquer meio, inclusive por testemunhas.”
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transferência internacional de valores em questão, certificando, pois, que a demandante / compradora atentou para o disposto na norma do art. 53 da Convenção de Viena de 198026, a qual consagra as obrigações por excelência do comprador, quais sejam o pagamento do valor acordado, em um primeiro momento, e, posteriormente, o aceite da mercadoria. Acerca da norma em tela da Convenção, manifesta-se a doutrina no seguinte sentido:
O art. 53 estabelece as duas obrigações características do compradora: pagar o preço de compra e aceitar as mercadorias. Sua contraprestação decorrente do Capítulo II, relativamente às obrigações do vendedor, é o art. 30, nos termos do qual o vendedor deve entregar as mercadorias, entregar qualquer documentação a elas relacionada e transferir a sua propriedade. Juntos, esses artigos estabelecem as obrigações principais e essenciais decorrentes de um contrato regulado pela Convenção de Viena.27
A ré, entretanto, não logrou êxito em demonstrar ter satisfeito a obrigação de entrega da mercadoria e de transferência da respectiva propriedade, que se extrai do art. 30 da Convenção de Viena de 198028. Em contestação, reconheceu ter recebido o pagamento de US$79.650,00 (setenta e nove mil, seiscentos e cinquenta dólares), ao mesmo tempo em que informou ter efetuado a entrega, no porto de Hong Kong (fls. 55/62), o que, contudo, não veio respaldado por qualquer indício de prova, nos autos.
26 Convenção de Viena de 1980, art. 53. “O comprador deverá pagar o preço das mercadorias e recebê-las nas condições estabelecidas no contrato e na presente Convenção.”
27 SCHLECHTRIEM, Xxxxx, XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Comentários à convenção das nações unidas sobre contratos de compra e venda internacional de mercadorias / coordenação de tradução Xxxxxxx Xxxxxxx, Xxxx Xxxxxxx, Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 910.
28 Convenção de Viena de 1980, art. 30. “O vendedor estará obrigado, nas condições previstas no contrato e na presente Convenção, a entregar as mercadorias, a transmitir a propriedade sobre elas e, sendo o caso, a remeter os respectivos documentos.”
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Afinal de contas, a documentação das fls. 78/85 diz respeito ao envio de mercadorias para pessoa jurídica distinta da autora. Portanto, o exame do conjunto probatório trazido ao feito permite concluir que, com base no ônus que lhe impunha a norma do art. 373, II, do Novo CPC, a ré / devedora não levou a efeito a entrega da mercadoria, a qual – repita-se – constitui por excelência a obrigação principal e essencial do vendedor, na praxe do comércio internacional, como evidencia a norma do art. 30 da Convenção.
Além disso, convém frisar que muito embora o regime da Convenção de Viena de 1980 admita o direito de retenção da mercadoria, pelo vendedor, até que tenha recebido o pagamento integral, tal hipótese somente tem lugar se o pagamento integral tenha sido previamente acordado entre as partes29. Ora, não são essas as circunstâncias do caso em apreço, no qual, como antes referido, as partes ajustaram os pagamentos prévios de US$1.000,00 e de US$78.650,00, a partir do quais, nos termos da avença, deveria a requerida / vendedora ter efetuado a entrega da carga, no porto estipulado (Hong Kong, China).
Portanto, dada a ausência de prova do cumprimento da obrigação em tela, está caracterizado o direito da compradora requerente à rescisão do contrato, com base no art. 49(1)(b) da Convenção de Viena de 198030. Afinal, uma vez em mora quanto à entrega, a empresa vendedora
29 SCHLECHTRIEM, Xxxxx, XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Comentários à convenção das nações
unidas sobre contratos de compra e venda internacional de mercadorias / coordenação de tradução Xxxxxxx Xxxxxxx, Xxxx Xxxxxxx, Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 919.
30 Convenção de Viena de 1980, art. 49. “O comprador poderá declarar o contrato rescindido: [...] (b) no caso de falta de entrega, se o vendedor não entregar as mercadorias dentro do prazo suplementar concedido pelo comprador, conforme o parágrafo (1) do artigo 47, ou se declarar que não efetuará a entrega dentro do prazo assim concedido.”
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gozou de prazo suplementar durante o qual poderia ter finalmente tê-la efetuado. Ou, em outros termos, as reiteradas (e inexitosas) tentativas de contato com a ré, levadas a efeito pela autora, com vistas a obter esclarecimentos quanto à entrega e finalmente lograr êxito na sua efetivação, na prática findaram por constituir prazo suplementar concedido em favor da requerida / vendedora, exatamente como faculta ao comprador a norma do art. 47(1) da Convenção31, já que a autora / compradora somente procedeu à propositura do presente litígio em face do transcurso de considerável interregno (oito meses) durante o qual o preposto da ré nem ao menos diligenciou no sentido de responder aos e-mails enviados pela ora requerente (fls. 33/49).
Aliás, cabe aqui pontuar que, em função disso, o que se tem é que, no caso concreto, a declaração judicial de rescisão do contrato não se dissocia do reconhecimento de flagrante ofensa, pela vendedora / demandada, do dever das partes contratantes de proceder segundo os ditames de boa-fé, o cânone maior das relações comerciais internacionais regidas pela “nova lex mercatoria”, como se infere da leitura do art. 1.7 dos Princípios Unidroit32 e do art. 7(1) da Convenção de Viena de 198033 – esse último, aliás, constituindo um comando explícito aos Juízes (estatais ou
31 Convenção de Viena de 1980, art. 47. “(1) O comprador poderá conceder ao vendedor prazo suplementar razoável para o cumprimento de suas obrigações.”
32 Princípios Unidroit, art. 1.7. “(1) Cada uma das partes deve comportar-se segundo os ditames da boa-fé no comércio internacional. (2) As partes não podem excluir essa obrigação, ou limitar-lhe o alcance.”
33 Convenção de Viena de 1980, art. 7. “(1) Na interpretação desta Convenção ter-se-ão em conta seu caráter internacional e a necessidade de promover a uniformidade de sua aplicação, bem como de assegurar o respeito à boa fé no comércio internacional.”
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arbitrais) que a aplicam34. Com efeito, no intuito de criar uma uniformidade de regras para o tratamento destinado às relações comerciais internacionais, a Convenção de Viena de 1980 estruturou a noção de contrato a partir de dois pilares fundamentais, a saber, a autonomia privada e a boa-fé objetiva35, da qual se pode extrair, entre outros, o dever das partes de atuar com lealdade negocial, a impor aos contratantes a compreensão de que o contrato de compra e venda internacional de mercadorias há de ser entendido como uma relação de cooperação entre os que dela participam36. No caso concreto, como visto, houve frontal violação ao pilar da boa-fé, a ensejar a resolução do contrato, de conformidade com as demais normas a esse respeito ditadas pela Convenção.
Logo, declarando-se a rescisão do contrato, com base na aplicação conjunta das normas previstas no art. 47(1) e no art. 49(1)(b) da Convenção de Viena de 1980, o que se coloca como desdobramento lógico é o dever de a vendedora / ré proceder à restituição do valor pago pela autora, porque assim determina o art. 81(2) do mesmo tratado. Assim sendo, não merece reparos a sentença de procedência do pedido de declaração de rescisão da avença e de restituição do valor apontado na exordial, sendo
34 SCHLECHTRIEM, Xxxxx, XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Comentários à convenção das nações
unidas sobre contratos de compra e venda internacional de mercadorias / coordenação de tradução Xxxxxxx Xxxxxxx, Xxxx Xxxxxxx, Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 250/257.
35 XXXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxx. A formação do contrato de compra e venda entre ausentes: a
interlocução entre a Convenção de Viena de 1980 (CISG) e o direito brasileiro. In: XXXXXXX, Xxxx Xxxxx Xxxxx de (Org.) / XXXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxx (Org.). A compra e venda internacional de mercadorias: estudos sobre a Convenção de Viena de 1980. São Paulo, Atlas, 2011, p. 109.
36 MIGLIAVACCA, Xxxxxxx Xxxxxxxxxx. A convenção das nações unidas sobre contratos de compra e venda internacional de mercadorias: ratificação e incorporação pelo ordenamento jurídico brasileiro. – Faculdade de Direito da Fundação Escola Superior do Ministério Público, Curso de Direito
– Porto Alegre, BR – RS, 2016, p. 37.
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devido o desprovimento do apelo, o que inclusive remete à antes mencionada desnecessidade de prestação da “cautio judicatum solvi”, analisada no item 1.2 deste voto.
Tendo em vista que a sentença recorrida foi prolatada já sob a vigência do Novo Código de Processo Civil, cabe a aplicação da regra do seu art. 85, §11, razão pela qual majoro os honorários de sucumbência devidos aos patronos da autora para 15% sobre o valor atualizado da condenação, com amparo no rol do §2º do mesmo dispositivo legal.
Por fim, no que diz respeito ao pedido contrarrecursal de condenação da ré ao pagamento de multa por litigância de má-fé, não verifico a incursão da ré em qualquer uma das condutas vedadas pelo rol dos arts. 77 e 80 do Novo Código de Processo Civil.
3 Dispositivo
ISSO POSTO, voto no sentido de: (i.) rejeitar as preliminares recursais de ilegitimidade passiva e de ausência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo; (ii.) indeferir o pedido sucessivo de conversão do feito em diligências, declarando a desnecessidade de prestação de caução processual, pela autora / apelada; (iii.) negar provimento à apelação cível, para, assim, manter a sentença de procedência dos pedidos contidos na exordial; (iv.) indeferir o pedido de aplicação de penalidade por litigância de má-fé; e (v.) majorar os honorários sucumbenciais para 15% sobre o valor atualizado da condenação, na forma do art. 85, §11, do Novo CPC.
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DES. XXXXX XXXX XXXXX – Acompanho o brilhante voto do eminente Des. Xxxxxxx.
DES. XXXXXXXX XXXXX (PRESIDENTE) - De acordo com o Relator.
DES. XXXXXXXX XXXXX - Presidente - Apelação Cível nº 70072362940, Comarca de Estância Velha: "PRELIMINARES REJEITADAS. APELAÇÃO CÍVEL DESPROVIDA. UNÂNIME."
Julgador(a) de 1º Grau: XXXXXX XXXXXXXXX XXXXXXXXX LIBARDI