CONTRATOS EMPRESARIAIS: A RESILIÇÃO UNILATERAL E A RECUPERAÇÃO DOS INVESTIMENTOS
CONTRATOS EMPRESARIAIS: A RESILIÇÃO UNILATERAL E A RECUPERAÇÃO DOS INVESTIMENTOS
Ricardo Lupion1
Victória Albertão Duarte2
Resumo: O Artigo 473 do Código Civil prevê que a resilição unilateral do contrato opera mediante denúncia notificada à ou- tra parte, para os casos em que a lei o permita de modo expresso ou implícito. O parágrafo único desse dispositivo legal apresenta uma ressalva, objeto do presente estudo: caso uma das partes te- nha realizado investimentos consideráveis para a execução do contrato em razão de sua natureza, a denúncia unilateral só pro- duzirá efeitos após transcorrido prazo compatível com a natu- reza e o vulto dos investimentos – ou mediante o pagamento da indenização correspondente. No presente artigo, será analisado um breve panorama sobre a livre iniciativa e sobre a livre con- corrência, tuteladas pela Constituição Federal do Brasil, bem como das características específicas dos contratos empresariais no Brasil. Posteriormente, serão apresentados alguns casos jul- gados pelo Superior Tribunal de Justiça com o objetivo de veri- ficar os critérios adotados pela Corte Superior para considerar devida ou não a indenização na hipótese de resilição unilateral do contrato.
1 Pós-Doutor em Ciências Jurídico-Empresariais pela Faculdade de Direito da Uni- versidade de Lisboa. Mestre e Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Cató- lica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Professor Titular de Direito Empresarial na Es- cola de Direito da PUCRS. Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD) na PUCRS. Advogado.
2 Mestranda em Direito, na área de concentração “Fundamentos Constitucionais do Direito Público e do Direito Privado” (PUCRS). Bolsista CAPES. Bacharel em Di- reito (PUCRS). Advogada.
Ano 5 (2019), nº 1, 1935-1976
Sumário: 1 Introdução 2 Contratos como mecanismo para o de- senvolvimento da livre iniciativa e da livre concorrência 3 A in- terpretação dos contratos empresariais 4 A recuperação de in- vestimentos em caso de resilição unilateral 4.1 Análise da previ- são de indenização para recuperação de investimentos contida no Código Civil 4.2 Análise de casos 5 Considerações finais.
Palavras-Chave: Contratos. Interpretação de Contratos Empre- sariais. Recuperação de Investimentos. Resilição Unilateral.
COMMERCIAL AGREEMENTS: UNILATERAL TERMI- NATION AND THE PAYMENT OF DAMAGES IN ORDER TO COMPENSATE INVESTMENTS.
Abstract: The Brazilian Civil Code in its article 473 provides that the unilateral termination of the contract operates by notice to the other party when it is expressly or implicitly allowed by law. The single paragraph of such article provides for a limita- tion on the termination of the contract, which embodies the pre- sent article: if one of the parties has made substantial invest- ments to the performance of the contract, the unilateral termina- tion is effective only after a compatible time elapse to the nature and the amount of the investment made – or the payment of dam- ages to compensate such investments. Thus, the current article briefly analyses the free initiative and the free competition, pro- tected by the Brazilian Constitution, as well as the main charac- teristics of commercial agreements in Brazil. Finally, the present paper evaluates some cases judged by the Superior Court of Jus- tice to find the criteria analysed to determinate if the payment of damages for the unilateral termination of the contract is applica- ble.
Summary: 1 Introduction 2 Contracts as a mechanism for
development of free initiative and free competition 3 Commer- cial agreements interpretation 4 Payment of damages in order to compensate investments in case of unilateral termination of the contract 4.1 The Brazilian Civil Code provision regarding the payment of damages in order to compensate investments in case of unilateral termination of the contract 4.2 Cases analyses 5 Conclusions.
Keywords: Contracts. Commercial Agreements Interpretation. Payment of damages in order to compensate investments. Uni- lateral Termination.
A
1. INTRODUÇÃO
Constituição Federal do Brasil de 1988 prevê a estrutura da ordem econômica e financeira, indi- cando a livre iniciativa como um dos fundamentos da atividade econômica e a livre concorrência como um de seus princípios, conforme a redação
do Artigo 170.
Portanto, para a análise da possibilidade de indenização para fins de recuperação de investimentos em caso de resilição unilateral de contratos empresariais, propõe-se uma breve abor- dagem do princípio da livre iniciativa, avaliando os contratos sob a ótica de instrumento para a proteção da livre concorrência, regidos primordialmente pela autonomia privada. Além disso, consideradas as peculiaridades do direito empresarial, cumpre analisar as regras de interpretação próprias dos contratos empre- sariais.
Na sequência, o presente artigo partirá para a análise da previsão específica sobre o tema contida no parágrafo único do Artigo 473 do Código Civil, bem como a análise doutrinária e de alguns casos julgados pelo Superior Tribunal de Justiça.
Assim, em resumo, o presente estudo pretende analisar
hipóteses de aplicação de indenização para fins de recuperação de investimentos nos contratos empresariais dentro do referido contexto, ressaltando que o pagamento de tais indenizações de- verá ser aplicado com cautela, considerando a necessidade de proteção da livre iniciativa e da livre concorrência.
2. CONTRATOS COMO MECANISMO PARA O DESEN- VOLVIMENTO DA LIVRE INICIATIVA E DA LIVRE CON- CORRÊNCIA
A Constituição Federal prevê os princípios gerais da ati- vidade econômica no Artigo 1703, indicando como uma dispo- sição nuclear da ordem econômica a valorização do trabalho hu- mano e a livre iniciativa4. Na sequência, os incisos do Artigo 170 da Constituição Federal definem um conjunto cogente de comandos normativos, sob pena de inconstitucionalidade do ato praticado em desacordo a estes5, quais sejam: a soberania naci- onal, a propriedade privada, a função social da propriedade, a livre concorrência, a defesa do consumidor, a defesa do meio ambiente, a redução das desigualdades regionais e sociais, a busca do pleno emprego e o tratamento favorecido para as em- presas brasileiras de pequeno porte.
3 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - proprie- dade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e ser- viços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte; IX - tratamento favore- cido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que te- nham sua sede e administração no País. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de ór- gãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
4 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Direito Constitucional Econômico, 3ª edição. Método, 2011. p. 125.
5 Idem. p. 126.
Diante de tais princípios, será objeto de breve análise in- trodutória a livre iniciativa e a livre concorrência, pois possuem relação com a discussão acerca da possibilidade (ou não) de in- denização, dos investimentos realizados para a sua execução, quando do término dos contratos empresárias por resilição, con- forme se demonstrará na sequência.
Antes de adentrar nas considerações sobre o princípio da livre concorrência, importante tecer algumas considerações so- bre o princípio da livre iniciativa, eis que possuem relação. Con- forme Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, a livre concorrência pode ser con- siderada com um dos elementos que dão conteúdo para o princí- pio da livre iniciativa, pois permite que o empreendedor estabe- leça os seus preços, que serão determinados pelo mercado, em ambiente competitivo6.
Conforme referido anteriormente, o princípio da livre iniciativa representa um dos fundamentos da Constituição da República Federativa do Brasil, conforme assinalado pelo Ar- tigo 1º, IV, sendo este “enquadramento dúplice” mais uma forma de enfatização da relevância do princípio no ordenamento cons- titucional brasileiro7. Nesse sentido:
Tais princípios correspondem a decisões políticas fundamen- tais do constituinte originário e, por essa razão, subordinam toda a ação no âmbito do Estado, bem como a interpretação das normas constitucionais e infraconstitucionais. A ordem econô- mica, em particular, e cada um de seus agentes – os da inicia- tiva privada e o próprio Estado – estão vinculados a esses dois bens: a valorização do trabalho [e, a fortiori, de quem trabalha] e a livre iniciativa de todos – que, afinal, também abriga a ideia de trabalho, espécie do gênero liberdade humana8.
Tal princípio assegura a liberdade privada para o exercí- cio de atividade econômica dentro dos limites estabelecidos pelo
6 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. A Ordem Econômica Constitucional e os Limites à Atu- ação Estatal no Controle de Preços. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 226., p. 187-212, out./dez. 2011.
7 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Obra citada. p. 126; 234.
8 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. Obra citada. p. 189.
Poder Público, o qual poderá fixar limitações através de lei a esta liberdade – razão pela qual considera-se que a liberdade de ini- ciativa possui duas dimensões: a dimensão positiva, que asse- gura a liberdade a qualquer cidadão e, por outro lado, a dimensão negativa, que denota a necessidade de não intervenção estatal fora dos limites da atividade legislativa, que ainda assim não po- derá anular ou inutilizar os critérios mínimos para a livre inicia- tiva9. Assim sendo, a liberdade de iniciativa no campo econô- mico é composta por diversas interfaces, conforme a lição de Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx:
Assim, sinteticamente, é possível estabelecer a liberdade de iniciativa no campo econômico como constituída pela liber- dade de trabalho (incluídos o exercício das mais diversas pro- fissões) e de empreender (incluindo o risco do empreendi- mento: o que produzir, como produzir, quanto produzir, qual o preço final), conjugada com a liberdade de associação, tendo como pressupostos o direito de propriedade, a liberdade de contratar e de comerciar.10
Em relação a atividade econômica, Xxxxxxx Xxxxxxxxxx comenta que a liberdade de iniciativa assegura ao empreendedor a liberdade de escolha da combinação dos fatores produtivos conforme sua conveniência, adaptando sua produção a este cri- tério.11
Após estas considerações, prosseguindo a análise, cum- pre referir que a livre concorrência é um dos princípios da ordem econômica que igualmente possui papel fundamental para asse- gurar a otimização dos recursos e fomentar o empreendedo- rismo, inclusive representando importante critério para a inter- pretação dos contratos empresariais, conforme se demonstrará a seguir. Sobre o assunto, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx entende que tal princípio corresponde a um princípio de funcionamento da or- dem econômica, pois estabelece “os parâmetros de convivência
9 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Obra citada. p. 235, 239
10 Idem. p. 237.
11 XXXXXXXXXX, Xxxxxxx. Direito econômico. São Paulo: XX, 0000, p. 72.
básica que os agentes deverão observar”12.
A Constituição Federal de 1988 reconhece a livre con- corrência enquanto princípio estruturante da ordem econômica brasileira13 14. Trata-se, essencialmente, de uma garantia ao con- sumidor e ao mercado, pois permite que dada empresa possa ofertar melhores condições para a contratação do que os seus concorrentes, buscando a melhor alocação de recursos para aten- der ao clássico binômio qualidade e preço15, o que representará importante elemento para a avaliação dos contratos empresari- ais. Nesse sentido, verifica-se que o objetivo central do princípio da livre concorrência seria justamente resguardar a disputa entre os agentes econômicos no mercado, a qual deverá ser preservada inclusive na interpretação dos contratos empresais firmados16.
Assim sendo, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx define o princípio da livre concorrência como um “corolário direto da liberdade de iniciativa”, expressando a opção pela economia de mercado e fundada na premissa de que o “método mais eficiente de assegu- rar a satisfação dos interesses do consumidor de uma forma geral é através de um mercado em condições de livre concorrência”17. Nesse sentido, a concorrência consiste na disputa dos espaços com objetivos lícitos e compatíveis com as aspirações nacionais, em condição de igualdade, sendo a disputa entre as diversas
12 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. Obra citada. p. 193.
13 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx. Artigo 170, Inciso IV. In: XXXXXXXXX, X.X. Go- mes; XXXXXX, Xxxxxx X.; XXXXXX, Xxxx X.; XXXXXX, Xxxxx X. (Org.). Comentá- rios à Constituição do Brasil. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 1.802.
14 Embora a livre iniciativa seja considerada tradicionalmente como um princípio da ordem econômica constitucional no Brasil, a partir da Constituição Federal de 1988 passou a possuir o papel de fundamento da ordem constitucional econômica. XXXXX, Xxxxxxxx xx Xxxxx. O Princípio Constitucional de Livre Concorrência. Revista do IBRAC – Direito da Concorrência, Consumo e Comércio Internacional, v.5, 1998. p. 2, janeiro/1998. Disponível em: <xxxxx://xxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx>. Acesso em: 02 nov. 2018.
15 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx. Obra citada. p. 1.810.
16 XXXX XXXXXXX, Xxxx Xxxxx Xxxxx. Col. Direito Econômico - Direito Concorren- cial, 1. ed. Saraiva, 2015. p. 25.
17 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. Obra citada. p. 195.
empresas por um melhor e maior espaço no mercado.18 Do ponto de vista da interpretação dos contratos, é indispensável que tal espaço seja assegurado, permitindo uma autorregulação do mer- cado em relação aos riscos e prejuízos decorrentes do exercício da atividade empresarial.
Ademais, Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx sustenta que a livre con- corrência pode ser concebida sob dois aspectos principais: de um lado, possui como centro o consumidor, considerado como parte vulnerável e possuindo como mecanismo para a sua proteção a tutela da livre concorrência e, por outro lado, a livre concorrên- cia como garantia de um sistema econômico eficiente e legí- timo19.
No mesmo sentido, ressalva Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx que o princípio da livre iniciativa é corolário direto da liberdade de ini- ciativa, assegurando que a conjugação da competição entre os agentes econômicos e a liberdade de escolha dos consumidores produzirão os melhores resultados sociais, majorando a quali- dade dos bens e serviços e assegurando o preço justo. Em decor- rência lógica, não caberia ao Poder Público atuar de forma co- gente em sobreposição a regulação natural do mercado, resguar- dadas as situações que demandem tal chancela, como por exem- plo as condutas anticoncorrenciais, que se sujeitam à ação disci- plinadora e punitiva do Estado.20
3. A INTERPRETAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARI- AIS
Após as considerações referentes aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência dispostos na Constituição Fe- deral, cumpre analisar algumas das principais definições para a interpretação dos contratos, que representam instrumento para o
18 XXXXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Disciplina jurídica da concorrência: abuso do poder econômico. São Paulo: Resenha Tributária, 1984, p. 119.
19 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Obra citada. p. 257.
20 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. Obra citada. p. 196.
exercício da autonomia privada, representando importante me- canismo para a estabilidade e confiança nas relações empresari- ais. Vejamos:
A sociedade é cada vez mais técnica e a especialização cada vez mais profunda. Ao mesmo tempo que a uma parcela das etapas da cadeia produtiva deixa de ser internalizada numa única empresa a necessidade de manter elos fortes entre essas diversas atividades, que se tornam cada vez mais específicas, é mais significativa para o sucesso ou insucesso do negócio. Essa situação torna a figura do contrato ainda mais relevante, já que cabe a ele garantir que a relação entre as diversas empresas seja estável e confiável. Nesse cenário, a interdependência entre os agentes econômicos é exacerbada21.
A importância do presente estudo fundamenta-se em buscar aprimorar a segurança jurídica por meio da análise de de- cisões judiciais, com foco no disposto no parágrafo único do Ar- tigo 473 do Código Civil, pois conforme leciona Xxxxx Xxxxx Xxxxxx, a formação de um ambiente de negócios seguro possui relação direta com a previsibilidade das decisões judiciais22. Em especial, cumpre ressaltar que tal insegurança jurídica afeta so- bremaneira os contratos empresariais de longa duração, conside- rando as limitações de racionalidade dos agentes, a assimetria de informações e a flexível escassez de recursos23.
No que se refere a análise e interpretação dos contratos, importante referir algumas considerações iniciais acerca da clas- sificação dos contratos proposta por Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxx- vedo, que indica a existência de uma dicotomia contratual pró- pria do século XXI, representada pelos contratos existenciais e pelos contratos de lucro - representando valiosa distinção do
21 XXXXX, Xxxxxxxx. Os contratos empresariais de longo prazo: uma análise a partir da argumentação judicial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015. p. 47.
22 XXXXXX, Xxxxx Xxxxx. A Alocação de Riscos e a Segurança Jurídica na Proteção do Investimento Privado. Revista de Direito Brasileira, São Paulo, x. 00, x. 0, x. 000- 000, xxx./xxx. 2017. p. 294.
23 XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx. Prorrogação Compulsória dos Contratos. Salva- dor: Editora JusPodivm, 2017. p. 198.
ponto de vista prático24.
Para fins de conceituação, os contratos existenciais en- volvem uma ou ambas as partes, pessoas naturais, visando sua própria subsistência, devendo ser resguardadas suas necessida- des fundamentais – com a possibilidade de desconsideração ou afastamento de cláusulas contratuais que possam prejudicar bens tutelados, como o direito à vida e à saude, dentre outros.
Por outro lado, os contratos de lucro são firmados entre empresas ou profissionais, as quais devem responder e assumir as consequências de eventuais falhas. Assim sendo, eventual in- terferência judicial nos contratos da segunda categoria, pode prejudicar o funcionamento regular do mercado e inclusive o exercício das profissões, devendo possuir maior força o princí- pio pacta sunt servanda e aplicação diferenciada dos princípios da boa-fé e função social entre as duas categorias de contrato25. No mesmo sentido, Xxxxxx Xxxxxxxxx reconhece as espe- cificidades dos contratos empresariais e apresenta crítica às clas- sificações que foram adotadas pela doutrina no Brasil e no exte- rior, pois estas não considerariam em sua análise a natureza es- pecífica do bem objeto da prestação contratada. Cita, como exemplo, o tratamento jurídico idêntico conferido a compra e venda de uma joia e de dois litros de leite26. A autora propõe o “paradigma da essencialidade” como diretriz para a reclassifica- ção dos contratos, adotando como base a utilidade existencial do objeto contratual, de modo prioritário em relação as situações patrimoniais27. Em resumo, essa proposta seria uma alternativa para que a teoria contratual contemporânea possa responder ao desafio de atender a uma economia de mercado e, ainda assim,
24 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx. Diálogos com a doutrina: entrevista com Xxxx- xxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxxx. Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro, v. 9, n. 34, p. 304-305, abr./jun. 2008.
25 Idem. p. 304-305.
26 XXXXXXXXX, Xxxxxx. Teoria do contrato: novos paradigmas. Rio de Janeiro: Re- novar, 2002. p. 449.
27 Idem. p. 449.
tutelar a dignidade da pessoa humana em relação aos aspectos existenciais, prevalentes sobre os aspectos materiais28.
Ademais, Xxxxxxx Xxxxxxxx também reconhece a dico- tomia entre as relações patrimoniais e existenciais, sustentando que tal dicotomia deverá ser utilizada para a análise funcional do contrato e dos direitos subjetivos, considerando que estas de- sempenham funções específicas e, portanto, devem assegurar tratamentos diferenciados29.
Ainda sobre os contratos empresariais, Ruy Rosado de Xxxxxx Xxxxxx indica que o objetivo central para a constituição da empresa é a obtenção de lucro, sendo os contratos celebrados entre empresas importante mecanismo para o atingimento do fim de obtenção de lucro. Nesse sentido, o ponto central a ser consi- derado na análise não seria o objeto contratado, mas a identifi- cação da função econômica em que o contrato está envolvido. Em geral, tratam-se de contratos comumente negociados, com fase de tratativas e negociações prévias30.
Para fins de conceituação, Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx Xxxxxx propõe que os contratos empresariais são aqueles celebrados por empresários no exercício da atividade de empresa. Tais contra- tos possuem de modo geral o objetivo de lucro, mas nem sempre o propósito é a obtenção de vantagem do ponto de vista patrimo- nial. Ainda, tais contratos comumente possuem aspectos relaci- onais, regulamentando negócios de longa duração – que implica em cláusulas vazias ou indeterminadas que sejam aptas a regular eventuais ocasiões futuras31.
Ao analisar os contratos empresariais à luz do Código
28 XXXXXXXXX, Xxxxxx. Obra citada. p. 487.
29 XXXXXXXX, Xxxxxxx. Notas sobre a função social do contrato. IN: XXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXX, Xxxx Xxxxx (Coords.). O direito e o tempo: embates jurídicos e utopias contemporâneas: estudos em homenagem ao Professor Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxx. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000. p. 404.
30 XXXXXX XXXXXX, Xxx Xxxxxx de. Contratos relacionais, existenciais e de lucro.
Revista Trimestral de Direito Civil: RTDC, Rio de Janeiro, ano 12, v. 45, p. 91-110, jan./mar. 2011, p. 104.
31 Idem. p. 104-105.
Civil, Xxxxx Xxxxxxxx indica que o Código Civil de 2002 incluiu alguns princípios para a correção de dogmas liberais, positi- vando algumas das tendências já existentes no direito mercantil, como por exemplo a fundamentação do sistema na boa-fé obje- tiva32. Contudo, tais novidades implicam em impactos diferentes para as relações que são estabelecidas entre empresários ou so- ciedades e para as relações em que não figurem pessoas naturais. A razão é simples: o direito empresarial possui uma lógica de funcionamento própria, sendo necessário que os textos sejam in- terpretados adequadamente conforme a realidade ao qual serão destinados. Mais do que isso, a aplicação imprecisa de tais dis- positivos poderia inclusive prejudicar a função econômica espe- rada dos contratos empresariais33.
Em relação ao Código Civil de 2002, Xxxxx Xxxxx Xxxxx Xxxxx Xxxx igualmente assevera que o diploma legal possui al- guns dispositivos que representam cláusulas gerais, sendo pro- positalmente vagos – representando ao juiz “papel importantís- simo na construção ou confirmação do já construído, ao atuar como base sólida para que os agentes econômicos possam pautar suas condutas”34, as quais representarão fator de previsibili- dade35. Ressaltando a importância da atuação ponderada pelo juiz, com foco no parágrafo único do Artigo 473 do Código Ci- vil, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx ressalta que cabe aos magis- trados apenas apreciar o prazo compatível para a recuperação dos investimentos, não cabendo a estes qualquer análise em re- lação ao mérito negocial ou a interpretação das cláusulas contra- tuais com o objetivo de proteção dos investimentos realizados pela parte36.
32 XXXXXXXX, Xxxxx. A interpretação dos negócios empresariais no novo Código Ci- vil brasileiro. São Paulo: Editora Malheiros. Revista de Direito Mercantil Industrial, Econômico e Financeiro, 130, 2003, p. 8-9.
33 XXXXXXXX, Xxxxx. Obra citada. p. 8-9.
34 SICA, Ligia Xxxxx Xxxxx Xxxxx. Obrigações Empresariais no Novo Código Civil.
Revista de Direito GV: São Paulo, p. 97-134, jan./jun., 2008. p. 98.
35 Idem. p. 102.
36 XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx. Prorrogação Compulsória dos Contratos.
Dentre os vértices do sistema do direito empresarial, Xxxxx Xxxxxxxx indica duas premissas fundamentais: (i) o obje- tivo das contratações é que as partes possam obter uma situação mais vantajosa do que a anterior e (ii) a celebração de contratos ocorre no intuito de desenvolver a função econômica do negó- cio, possuindo como base a expectativa de auferir vantagens37. Nesse cenário, é preocupação recorrente no cenário jurídico as situações em que uma das partes possui condição econômica vantajosa a ponto de impor suas vontades de modo dominante na definição do contrato e de suas disposições38.
Ainda, do ponto de vista das premissas para o funciona- mento das relações empresariais, um dos seus elementos é a aceitação do erro empresarial, isto é, quando ocorre descuido ou falta de diligência na correta avaliação do negócio e dos seus impactos, pois fundamental para a diferenciação entre os empre- sários atuantes no mercado e a formação do ambiente concor- rencial. Assim, a aceitação e preservação desse erro empresarial é elemento essencial para a interpretação dos contratos empre- sariais, pois caso os equívocos cometidos pelos empresários se- jam protegidos pelo ordenamento e os prejuízos deles decorren- tes sejam indenizados, a interpretação não será coerente e ade- quada - eis que em desconsideração de uma das premissas bási- cas do sistema39, tópico que será de extrema relevância para a avaliação da possibilidade de recuperação de investimentos, es- pecialmente em casos em que os riscos tenham sido aceitos pelo empresário no momento da contratação.
O profissionalismo e a qualificação especializada daque- les que o celebram, pode ser considerado um dos principais ele- mentos dos contratos empresariais. Para alcançar os seus objeti- vos, a empresa necessita de uma mínima preparação ou organi- zação. Somente se organizar e planejar os seus negócios e,
Salvador: Editora JusPodivm, 2017. p. 194.
37 XXXXXXXX, Xxxxx. Obra citada. p. 10.
38 Idem. p. 10.
39 XXXXXXXX, Xxxxx. Obra citada. p. 14-15.
sobretudo, se aproveitar as oportunidades negociais que surgi- rem à sua frente, a empresa poderá se manter em funcionamento. O empresário, como homem de negócios cuja profissão está no contratar, tem tal energia de prontas e sagazes deliberações.40
No âmbito dos valores tutelados pelo direito empresarial, verifica-se como importantes elementos a proteção ao crédito e a segurança e previsibilidade jurídica. Neste aspecto, cumpre pontuar que o fluxo de relações econômicas eficientes depende de uma estrutura jurídica que proporcione segurança e certezas em relação a aplicação de suas regras41, considerando que no momento da celebração do contrato uma parte possui a legítima expectativa de a outra adotará determinado comportamento, o que conduz a estratégia de comportamento da outra parte, con- forme o padrão estabelecido e existente no mercado42.
Por fim, são igualmente importantes para a interpretação dos contratos empresariais a avaliação dos princípios da autono- mia privada e do pacta sunt servanda, pois possibilitam um am- biente para a realização das relações comerciais e proporcionam a existência do mercado, tutelando diferenciais competitivos43.
Considerando o acima exposto, verifica-se que os con- tratos empresariais possuem traços essenciais que devem ser considerados em sua análise, pois integram ambiente de ampla autonomia privada na qual os empresários optam pelas condi- ções nas quais serão exercidos seus negócios – sendo, portanto, a revisão de tais contratos medida excepcional, a qual deverá ser avaliada com especial cautela.
4. A RECUPERAÇÃO DE INVESTIMENTOS EM CASO DE RESILIÇÃO UNILATERAL
40 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx. Deveres de conduta decorrentes da boa-fé objetiva nos contratos empresariais: contornos dogmáticos à luz da Constituição Federal e do Código Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2010, p. 167.
41 XXXXXXXX, Xxxxx. Obra citada. p. 12.
42 Idem. p. 12-14.
43 Idem. p. 16.
4.1 ANÁLISE DA PREVISÃO DE INDENIZAÇÃO PARA RECUPERAÇÃO DE INVESTIMENTOS CONTIDA NO CÓ- DIGO CIVIL
O Artigo 473 do Código Civil prevê que a resilição uni- lateral opera mediante denúncia notificada à outra parte, para os casos em que a lei o permita de modo expresso ou implícito. Contudo, o parágrafo único do dispositivo apresenta uma res- salva, a qual fundamenta o presente estudo: caso uma das partes tenha realizado investimentos consideráveis para a execução do contrato em razão de sua natureza, a denúncia unilateral só pro- duzirá efeitos após transcorrido prazo compatível com a natu- reza e o vulto dos investimentos – ou mediante o pagamento da indenização correspondente.
Conforme leciona Xxxxx Xxxxx Xxxxxx, tal dispositivo representa “problema crucial para a devida alocação de riscos e, consequentemente, para a segurança jurídica no campo do di- reito empresarial”44.
Xxxxx Xxxxx Xxxxxx, destaca que o Artigo 473, parágrafo único, é comumente utilizado na doutrina em contratos de di- reito civil – mas a sua incidência nos contratos empresariais demanda especial atenção dos empresários no momento das ne- gociações, pois a simples aplicação da norma não assegura pa- râmetro seguro para a análise da previsibilidade das decisões ju- diciais45.
Por outro lado, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx ressalta que o objetivo do Artigo 473, parágrafo único, do Código Civil seria de assegurar a vedação ao abuso do poder econômico, afastando o “aumento arbitrário de lucro”46, considerando a possibilidade
44 XXXXXX, Xxxxx Xxxxx. A Alocação de Riscos e a Segurança Jurídica na Proteção do Investimento Privado. Revista de Direito Brasileira, São Paulo, x. 00, x. 0, x. 000- 000, xxx./xxx. 2017. p. 301.
45 Idem. p. 301-302.
46 XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx. Prorrogação Compulsória dos Contratos. Salvador:
de coexistência entre abuso de direito e abuso de poder econô- mico47 - evidenciando, portanto, caráter eminentemente empre- sarial.
Inicialmente, importante realizar breves considerações no âmbito da teoria dos contratos em geral para a avaliação mais precisa do teor do dispositivo48.
Conceitualmente, a resilição é uma modalidade de extin- ção dos contratos decorrente de manifestação de vontade49, cor- respondendo ao direito potestativo de um dos contratantes de impor a extinção do contrato - independentemente de inadimple- mento pela outra parte, sem a possibilidade de oposição pelo ou- tro50, representando desdobramento da liberdade de contratar.
Conforme Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx Xxxxxx, a resilição uni- lateral é um negócio jurídico unilateral extintivo, decorrente uni- camente da vontade de uma das partes. Nesse sentido, o instituto difere do distrato, que exige o consentimento de ambas as partes para o encerramento da relação jurídica, ou seja, por meio de ato jurídico bilateral.51 O direito a resilição unilateral atua como modo de proteção e reforço ao princípio da liberdade contratual, fundado no princípio de ordem pública de que ninguém pode vincular-se de modo perpétuo. Contudo, por outro lado, verifica- se que tal instituto fragilizaria a observância aos contratos52,
Editora JusPodivm, 2017. p. 48.
47 Idem. p. 49.
48 Apenas para fins de delimitação do objeto de estudo do presente artigo, importa ressaltar que o presente estudo tem por objeto a resilição unilateral como a possibili- dade de desistência antecipada da relação contratual, a qual diferencia-se a da rescisão enquanto consequência de inadimplemento ou outras circunstâncias supervenientes da relação contratual com eficácia extintiva. XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx. A De- núncia e a Resilição. Críticas e Propostas Hermenêuticas ao Artigo 473 do CC/2002. Revista de Direito Civil Contemporâneo – RDCC. v. 7. abr./jun., 2016. p. 10.
49 XXXXXX XXXXXX, Xxx Xxxxxx de; XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxxx. Obra citada. p. 239.
50 XXXXXX, Xxxxx (coord.). Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência – Lei n. 10.406, de 10.01.2002, 11 ed. São Paulo: Manole, 2017. p. 501 e 502.
51 XXXXXX XXXXXX, Xxx Xxxxxx xx; XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxxx. Obra citada. p. 239-240.
52 Idem. p. 240.
restando cabível uma avaliação caso a caso para identificar a na- tureza do contrato e propor uma interpretação alinhada com os princípios do direito empresarial, se for o caso.
A previsão do Artigo 473 do Código Civil indica algu- mas regras para a extinção por atos unilaterais, as quais podem ser sintetizadas da seguinte forma: (i) o ato de extinção depende de previsão legal, seja expressa ou implícita, sendo insuficiente a mera previsão contratual caso inexista fundamentação na le- gislação; (ii) a necessidade de comunicação de vontade à outra parte; e (iii) para os casos em que houver investimentos, a eficá- cia da extinção poderá ser diferida para assegurar a continuidade do contrato durante período que permita sua recuperação, a qual poderia ser convertida no pagamento de indenização, se for o caso.53
Cumpre pontuar que o parágrafo único do Artigo 473 propõe o que seria considerado como a extensão compulsória da vigência do contrato, suspendendo os efeitos da resilição para os casos em que uma das partes tenha efetuado investimentos signi- ficativos com base em sua expectativa de continuidade e estabi- lidade da relação entre as partes, o qual eventualmente poderia ser convertido em indenização por perdas e danos.54
Ainda que o direito não proteja a simples e mera expec- tativa, é necessário avaliar tais questões com base no princípio da confiança – especialmente considerando a confiança que a parte denunciante poderia gerar para a parte que realizou o in- vestimento com base na expectativa envolvendo o negócio fir- mado. Conforme Xxxxx Xxxxxxx, a confiança fundamenta a vida social, tanto nas relações negociais quando em situações ordinárias, considerando que “os fios que tecem essas relações se formam pelo comportamento ativo e probo, mas também pela realidade dada, com o respeito ao outro, à palavra empenhada e
53 Idem. p. 242.
54 XXXXXX, Xxxxx (coord.). Obra citada. p. 502.
às legítimas expectativas geradas” 55. Nesse contexto, proteger a confiança
significa, em uma sociedade como a atual, reforçar a tutela das expectativas legítimas56 dos indivíduos em relação ao compor- tamento alheio. No direito das obrigações, a confiança revela- se como condição ou influência decisiva do comportamento dos sujeitos da relação, uma vez que apenas porque ou confiam na reciprocidade da conduta do outro na relação, ou porque confiam na tutela do Direito que torna exigível certo compor- tamento e sanciona a violação do dever, vão comportar-se de determinado modo57.
Conforme se verifica do teor do parágrafo único Artigo 473, o dispositivo indica que a denúncia somente produzirá efei- tos após transcorrer prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos realizados, exceto quando a continuidade da execução seja incompatível com a continuidade dos negócios, ou quando de tal situação decorreria dano grave a uma ou a am- bas as partes, o que fundamentaria a indenização58. Ao avaliar o tema, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx indica que a prorrogação compulsória dos contratos poderia representar medida mais efi- ciente para a solução da controvérsia, tendo em vista que deverá ser imposta em sede de medida cautelar – e, logo após a sua con- cessão, pereceria o interesse em resolver o conflito por meio de
55 XXXXXXX, Xxxxx. A proteção da confiança no direito privado: notas sobre a con- tribuição de Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx para a construção do conceito no direito brasileiro. Revista de Direito do Consumidor, v. 114, p. 6, nov-dez/2017. Disponível em: < xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/>. Acesso em: 25 out. 2018.
56 Gerson Branco conceitua que: “expectativas legítimas, portanto, são o nome que se atribui a uma relação jurídica específica, nascida de atos e fatos que não se enquadram dentro da tradicional classificação das fontes das obrigações, mas que, em razão da necessidade de proteção da confiança, produzem uma eficácia específica.”. XXXXXX, Xxxxxx Xxxx Xxxxxx. A proteção das expectativas legítimas derivadas das situações de confiança: elementos formadores do princípio da confiança e seus efeitos. Revista de Direito Privado, v. 12, p. 8. out./dez, 2002. Disponível em: < xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/>. Acesso em: 25 out. 2018.
57 XXXXXXX, Xxxxx. Obra citada. p. 2-3.
58 XXXXXX XXXXXX, Xxx Xxxxxx de; XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxxx. Obra citada. p. 247.
perdas e danos59.
Contudo, há que se observar que há casos em que a pror- rogação dos contratos não seria a medida mais adequada para assegurar a recuperação de investimentos realizados. Inclusive, existem casos em que o Superior Tribunal de Justiça indicou o entendimento de que não seria possível a imposição da continui- dade do contrato pelo Poder Judiciário nos casos em que exista manifestação de uma das partes no sentindo da resilição unilate- ral, pois ocorreria violação do princípio da autonomia da von- tade60.
Assim sendo, o objetivo do dispositivo seria a limitação do exercício ilegítimo de direitos potestativos, afastando abuso de direito, com base na proteção assegurada pelo Artigo 187 do Código Civil – o que já era aplicado pela doutrina antes da in- clusão do dispositivo do Código Civil de 200261. Deste modo, uma das aplicações do princípio da boa-fé objetiva é de coibir o exercício de condutas que, embora formalmente lícitas, materi- almente configuram ato antijurídico.62
Verifica-se que o fundamento do parágrafo único do Ar- tigo 473 seria permitir o ressarcimento de danos por meio de tu- tela específica de conservação temporária do contrato em ques- tão, diferindo os efeitos da denúncia até que seja superado o
59 XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx. Obra citada p. 196.
60 Para fins exemplificativos, ao julgar o Recurso Especial nº 1.517.201/RJ, que será abordado com maior profundidade a seguir, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que não seria possível a determinação de continuidade do vínculo contratual de contrato de prestação de serviços no qual a contratante solicitou a resi- lição unilateral em observância ao prazo de aviso prévio estipulado no contrato. BRA- SIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.517.201/RJ. Relator Ministro Xxxxxxx Xxxxxx Xxxx Xxxxx. 3ª Turma, julgado em 12/05/2015, DJe 15/05/2015. No mesmo sentido, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça ao julgar no Recurso Especial nº 440.663/SP manifestou o entendimento de que não seria possível ao judi- ciário “impor a subsistência de relação contratual de caráter continuativa, tudo se re- solvendo no pleito indenizatório, caso eventualmente caracterizado abuso de poder. BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 440.663/SP. Relator Mi- nistro Xxxxxxxx Xxxxxxxxx. 4ª Turma, julgado em 16/12/2003, DJ 16/02/2004, p. 259. 61 XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx. Obra citada. p. 40-41.
62 XXXXXX, Xxxxx (coord.). Obra citada. p. 502.
período mínimo para a recuperação dos investimentos aporta- dos, desde que a realização de tais investimentos não seja en- quadrada como ato abusivo e, consequentemente, ilícito63.
Do ponto de vista doutrinário, o direito de resilição pode ser restringido por meio dos princípios da igualdade, do abuso de direito e da boa-fé.64 Conforme o entendimento de Xxx Xx- sado de Xxxxxx Xxxxxx, a resilição é um ato que deve ser prati- cado de modo ponderado, no intuito de causar o menor dano possível, sendo exercido de modo razoável e no tempo oportuno. Assim sendo, não seria condenável a resilição unilateral em si, mas apenas o modo ilícito de exercício do direito. Ademais, cumpre ressaltar que a resilição unilateral não depende de causa específica, sendo possível o seu exercício de acordo com a sua própria conveniência, desde que respeitado o princípio da boa- fé.65
Ainda sobre o assunto, Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx Xxxxxx re- fere que a autorização legal implícita para a resilição dos contra- tos está presente nos contratos duradouros por prazo indetermi- nado, os quais demandam a realização de comportamento contí- nuo ou repetido durante período necessário para a concretização do interesse da parte, não se esgotando em apenas uma presta- ção, mas supondo um período de tempo consideravelmente largo, como por exemplo no contrato de locação. Nesse sentido, existem duas modalidades de contrato de execução duradoura:
(i) os contratos cuja prestação exige conduta permanente, como por exemplo a locação, o arrendamento ou o depósito, nos quais a obrigação de assegurar o uso da coisa ou a sua guarda é contí- nua; ou (ii) casos em que há o desdobramento em prestações pe- riódicas, cada uma delas satisfativas, em intervalos repetidos de tempo, como o fornecimento de alimentos ou a prestação de
63 XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx. Obra citada. p. 38.
64 XXXXXX XXXXXX, Xxx Xxxxxx de; XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxxx. Obra citada. p. 242.
65 Idem. p. 250.
serviços de assistência técnica.66
Contudo, embora a resilição unilateral seja frequente- mente relacionada aos contratos por prazo indeterminado, seja instantânea ou acompanhada de prazo para que as partes cessem gradativamente suas operações, o instituto também possui apli- cação para os contratos com prazo determinado. Desse modo, as partes podem estipular o prazo de duração máxima do contrato, assegurando a existência de mecanismo que permita o encerra- mento antecipado do negócio jurídico. Ademais, interessante ressaltar que a possibilidade de aplicação do instituto tanto em contratos por prazo indeterminado quanto em contratos por prazo determinado evidencia a capacidade das partes para regu- lar suas próprias relações e interesses privados, no exercício de sua autonomia privada.67
Conforme Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx Xxxxxx, a resilição uni- lateral seria, em qualquer de suas modalidades, uma manifesta- ção da vontade e do interesse do proponente. Considerando o contexto de término de relação negocial duradoura, em que todas as partes estavam consideravelmente envolvidas na execução do contrato, a notificação prévia possivelmente ocasionará danos aos interesses do notificado, com especial foco nos segmentos dos contratos de franquia, de concessão, de distribuição, de agência e em alguns casos de mandato oneroso.68 Assim, no con- trato por tempo indeterminado, há duas circunstâncias a serem consideradas: (i) o tempo mínimo necessário para execução do contrato, ou seja, a partir de quando seria possível a resilição unilateral do contrato, a qual poderia, em princípio, ocorrer a qualquer tempo. Caso tal previsão não esteja contida e inexista previsão legal específica, resta unicamente como alternativa a resolução por meio dos princípios da boa-fé e da função social do contrato, visando o equilíbrio entre o legítimo exercício de
66 Ibidem. p. 259-262.
67 XXXXXX, Xxxxx (coord.). Obra citada. p. 502.
68 XXXXXX XXXXXX, Xxx Xxxxxx xx; XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxxx. Obra citada. p. 364.
direito e o eventual abuso de direito em prejuízo do contratado que realizou investimentos; (ii) o tempo referente ao pré-aviso, ou seja, após cumprido o período mínimo do contrato, deverá ser realizada notificação com período razoável para a realização da extinção do contrato, com o encerramento de contratos vigentes para a execução das atividades, fechamento de estoque e etc. O parágrafo único do Artigo 473 refere-se a esta segunda hipó- tese.69
Nesse sentido, importante verificar o contexto fático em que a resilição unilateral está inserida, buscando um equilíbrio entre o interesse de findar um negócio sem prazo determinado e quitar a pendência o mais breve possível e verificar que a extin- ção da relação por vezes poderá significar o término da única fonte de renda do contratante ou a interrupção abrupta de negó- cios com terceiros. Para a adequada avaliação dos institutos, ca- beria a análise com base nos princípios da boa-fé e da função social do contrato.70
Para a incidência da regra do Artigo 473 do Código Civil, verifica-se a existência dos seguintes requisitos: (i) a natureza do contrato deve justificar investimentos consideráveis na perspec- tiva de contrato duradouro, como por exemplo a corretagem de um grande empreendimento imobiliário; (ii) os investimentos devem ser vultuosos e proporcionais ao negócio; (iii) o decurso de prazo para a implementação da eficácia da denúncia unilate- ral, para fins de recuperação dos investimentos realizados; (iv) a natureza e o vulto dos investimentos, avaliando a possibilidade de reutilização em outros negócios ou venda por preço razoável;
(v) o prazo compatível também deverá avaliar a receita que o notificado poderia obter no período, antes da extinção do con- trato; (vi) o prazo não poderá tornar ineficaz a iniciativa da parte que propõe a resilição. Caso a resilição também ocasione preju- ízos ao proponente, o juiz poderá optar por conceder curto prazo
69 Idem. p. 364-365.
70 Ibidem. p. 365.
para a notificação, ressalvando ou reconhecendo o direito à per- das e danos. É possível o pagamento de indenização aos preju- dicados pela demora na efetivação da resilição ou do curto prazo ofertado.71
Além da perspectiva fundada na boa-fé objetiva, há que se analisar a possibilidade de que a aplicação da previsão do dis- positivo possa ensejar situação de risco moral, conforme menci- ona Xxxxx Xxxxxxxx. Assim sendo, existiria risco moral quando “o fim da norma (considerada precipuamente a sua dimensão axiológica) acaba sendo contrastado com resultados não “dese- jados” (quando se verifica a mudança no comportamento dos su- jeitos de direito envolvidos).”. Portanto, verifica-se que ocorre o risco moral quando a norma assegura uma suposta garantia ou proteção à parte, que acaba por induzir comportamento diverso ao que seria adotado caso o direito não fosse protegido por tal tutela.72
Conclui-se, portanto, que o Artigo 473, parágrafo único, possui por objetivo central a proteção dos investimentos realiza- dos em boa-fé para os casos em que ocorra a resilição unilateral. Diante de tais situações, o dispositivo indica a possibilidade de prorrogação compulsória, mediante a suspensão da eficácia da denúncia até a recuperação dos investimentos realizados - ou o pagamento de indenização compatível com os valores investi- dos.
Contudo, tais medidas devem ser avaliadas com especial cautela e apenas em casos excepcionais, considerando as carac- terísticas próprias dos contratos empresariais, bem como a ob- servância aos aspectos definidos durante as negociações.
4.2 ANÁLISE DE DECISÕES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
71 Ibidem. P. 365-366.
72 XXXXXXXX, Xxxxx. A proteção dos investimentos específicos na resilição unilate- ral do contrato e o risco moral: uma análise do artigo 473, parágrafo único, do Código Civil. In: Revista Síntese: direito empresarial, n. 35, nov./dez. 2013. p. 574-576.
Após as considerações acerca do dispositivo, cumpre a análise de alguns casos recentes sobre o tema em algumas deci- sões do Superior Tribunal de Justiça, adotando como premissa para a análise que o Artigo 473, parágrafo único do Código Civil deve ser aplicado com cautela, apenas em situações excepcio- nais que justifiquem a interferência judicial nos contratos em- presariais, em linha com o entendimento que vem se consoli- dando na Corte Superior no sentido de que “o controle judicial sobre eventuais cláusulas abusivas em contratos empresariais é mais restrito do que em outros setores do Direito Privado, pois as negociações são entabuladas entre profissionais da área em- presarial, observando regras costumeiramente seguidas pelos in- tegrantes desse setor da economia”.73
4.2.1. CASO XXXXXXXXX: DENÚNCIA 11 MESES APÓS A ASSINATURA DO CONTRATO 74
O caso em questão gerou discussões sobre a aplicabili- dade do parágrafo único do Artigo 473 para fins de indenização para recuperação de investimentos em resilição unilateral de contrato de prestação de serviços de cobrança amigável e extra- judicial, firmado por entidades financeiras pertencentes ao San- tander (Contratante) e uma sociedade especializada em assesso- ria em cobranças (Contratada).
Para a execução do contrato firmado, a Contratada reali- zou diversos investimentos, envolvendo a mudança de sede para local maior no intuito de acomodar os novos funcionários con- tratados e a contratação de software avaliado em mais de R$ 100.000,00 para a realização das atividades, dentre outros, com o intuito de atender aos altos padrões estabelecidos pela
73 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.409.849/PR. Relator Xxxxx Xxxxxxxxxxx. 3ª Turma, julgado em 26/04/ 2016, DJe 05/05/2016.
74 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial nº. 1.555.202/SP. Relator Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx. 4ª Turma, julgado em 13/12/2016, DJe 16/03/2017.
Contratante.
Contudo, desconhecendo insatisfações da Contratante em relação ao padrão e a qualidade dos serviços prestados, onze meses após a assinatura do contrato, a Contratada foi surpreen- dida pela denúncia do contrato pela Contratante. Diante do ocor- rido, a Contratada ajuizou ação judicial alegando a impossibili- dade de resilição unilateral do contrato firmado por prazo inde- terminado sem a responsabilidade por perdas e danos, conside- rando que o contrato não perdurou por período compatível para a recuperação dos elevados investimentos realizados.
Importante ressaltar que o contrato firmado entre as par- tes possuía previsão expressa acerca da possibilidade de denún- cia a qualquer tempo, desde que respeitada a antecedência mí- nima de cinco dias úteis de aviso prévio.75.
Ao analisar o caso, o juiz julgou o pedido procedente, com base na exigência e incentivo de altos investimentos reali- zados pela Contratada para se adequar aos “públicos e notórios” padrões de exigência da Contratante, sendo exigida reciproci- dade mínima para fins de manutenção da regra da recíproca con- fiança.
A decisão pontuou, ainda, que a Contratada não poderia ter antecipado a situação, referindo a resilição proposta pela Contratante como uma “rasteira comercial”. Além disso, referiu que as condições econômicas da Contratada eram de conheci- mento, considerando a natureza da relação comercial estabele- cida e o controle exercido sobre a Contratada.
Em segundo grau, a decisão foi reformada pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, sob o fundamento de que
75 Cláusula Décima Terceira: O presente contrato é firmado por tempo indeterminado e poderá ser rescindido a qualquer tempo, por qualquer das partes, mediante comuni- cação formal à outra, com antecedência mínima de 05 (cinco) dias úteis. Parágrafo primeiro: Rescindido o contrato, o CONTRATADO continuará obrigado a prestação de serviços aqui estabelecida, pelos 10 (dez) dias seguintes à assinatura do Instru- mento de Rescisão Contratual, devendo, ainda, entregar ao CONTRATANTE os do- cumentos relativos aos seus créditos que porventura detenha.
deveria prevalecer o contrato firmado entre as partes, em obser- vância ao princípio pacta sunt servanda:
Desta forma, não se mostra abusiva a rescisão unilateral do contrato pelas empresas rés, pois devidamente prevista tal pos- sibilidade no acordo firmado entre as partes. E sendo possível a rescisão por qualquer uma das partes, a qualquer momento, a cláusula em questão não se mostra abusiva, não sendo cabível o reconhecimento de qualquer nulidade. De fato, ao celebrar o contrato de prestação de serviços, ambas as partes estavam ple- namente cientes de suas cláusulas, podendo inclusive discuti- las a fim de chegar em um denominador comum, seja com re- lação ao prazo, seja como deveria se dar a sua rescisão. Conse- quentemente, não se vislumbra qualquer fato superveniente ou extraordinário que tenha desequilibrado a relação contratual, que repita-se foi livremente firmada pelas partes, cuja manu- tenção é questão que diz com a soberania e autonomia da von- tade da parte, fazendo incidir a regra do pacta sunt servanda [...].
Assim, se os autores resolveram investir em seu negócio, na expectativa do sucesso da relação negocial firmada com as rés, mesmo cientes de que o contrato era com prazo determinado e passível de rescisão a qualquer momento, agiram por sua conta e risco. E se não houve o retorno almejado, não podem impor às rés a responsabilidade pelos prejuízos sofridos76.
Interposto o recurso especial pela Contratada, o Superior Tribunal de Justiça reformou a decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e propôs uma releitura da cláusula de resi- lição a partir da boa-fé objetiva, adotando um panorama de am- pliação da responsabilidade civil ao deslocar o ponto central da análise do fato ilícito para a reparação do dano injusto77. Ainda
76 BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação Cível nº 2014.0000285985. Relator Xxxxxx Xxxxxxxx. 26ª Câmara de Direito Privado, julgado em 14/05/2014.
77 Conforme se verifica no voto do Ministro Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx: “Hoje, a conse- quência jurídica seria uma releitura do contrato pela lente da boa-fé objetiva, afigu- rando-se desnecessária a sua anulação. De outra parte, estritamente no âmbito da res- ponsabilidade civil, o ilícito não respeita a uma tipicidade estrita, como no direito penal. [...] Com efeito, ainda que determinado ato tenha sido praticado no exercício de um direito reconhecido, haverá ilicitude se o fora em manifesto abuso, contrário à boa-fé, à finalidade social ou econômica do direito, ou, ainda, se praticado com ofensa
assim, verifica-se a adoção de conceito menos restritivo para a configuração de ilicitude – incluindo, além da ilicitude, a ausên- cia de boa-fé e a ocorrência de ofensas aos costumes.
Aprofundando a aplicação da boa-fé, o voto do ministro relator aponta que a conduta da Contratante configura venire contra factum proprium, uma vez que ao longo da relação con- tratual a Contratante não teria demonstrado insatisfação em re- lação aos serviços prestados. Assim, consideradas as circunstân- cias, a Contratada teria sido surpreendida por aviso prévio que, contratualmente, apenas asseguraria a continuidade da prestação dos serviços durante o período de cinco dias úteis. Assim se ex- pressou o voto:
Com efeito, no caso ora examinado, a meu juízo, a recorrida agiu em flagrante comportamento contraditório, ao exigir, por um lado, investimentos necessários à prestação dos serviços, condizentes com envergadura das empresas que os recorrentes representariam, e por outro, após 11 (onze) meses, sem qual- quer justificativa juridicamente relevante, a rescisão unilateral do contrato.
Nesse sentido, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no caso foi pela condenação da Contratante ao paga- mento de indenização para fins de recuperação de investimentos, entendendo que a cláusula contratual isoladamente não seria su- ficiente para afastar e justificar a resilição do contrato e que esta foi realizada de modo ilícito, considerando que este “vinha sendo cumprido a contento, com resultados acima dos espera- dos, alcançados pela parte contratada”. Além disso, o Superior Tribunal de Justiça ressaltou que tal cláusula de resilição unila- teral gera uma falsa simetria entre os contratantes, pois a distri- buição de obrigações seria apenas aparente:
Com efeito, o que o ordenamento impõe é a resilição unilateral responsável, é a observância da boa-fé até mesmo no momento de desfazimento do pacto, principalmente quando contrário aos
aos bons costumes. É que a "ilicitude" que rende ensejo à responsabilidade civil é de ser entendida de forma menos restrita, para além do conceito de "ilegalidade", alcan- çando, nesse passo, a ausência de boa-fé e as ofensas aos bons costumes.”
interesses de uma das partes. Não se trata, é bom que se diga, da assunção, por uma das partes, dos infortúnios que porven- tura sejam experimentados pela outra, por quaisquer razões, pela influência de quaisquer elementos. A responsabilidade que se atribui ao contratante que se utilizada da faculdade de romper o pacto diz respeito apenas aos danos experimentados diretamente, ligados ao fato de não mais subsistir o que fora avençado, quando as condições da avença apontavam para des- tino diametralmente diverso. Ou seja, há permissão para resili- ção, mas o ordenamento, de maneira escorreita, sábia e coe- rente, contempla a parte que deseja a resilição, com essa possi- bilidade e, ao mesmo tempo, não deixa a outra desamparada.
Do ponto de vista prático, questiona-se se tal situação de- veria ensejar a proteção aos investimentos realizados, com base no parágrafo único do Artigo 473 do Código Civil. Inicialmente, em se tratando de cláusula que envolva investimentos de tama- nho vulto, especialmente no âmbito dos contratos empresariais, seria possível argumentar que a Contratada, em razão da liber- dade de contratar, poderia ter optado por não celebrar o contrato, eis que os futuros investimentos poderiam estar sujeitos ao risco de resilição unilateral do contrato, limitado a prazo de aviso pré- vio que se aproxima da insignificância – risco este que teria sido (ou deveria ter sido) previamente avaliado e aceitado no mo- mento em que o contrato foi firmado. Inclusive, em cenário hi- potético, a aceitação do prazo de aviso prévio poderia inclusive ser o fator diferencial no momento de definição pela contratação de uma empresa em detrimento dos demais proponentes e, por- tanto, a flexibilização da cláusula estipulada poderia ocasionar um ambiente de insegurança jurídica em relação ao cumpri- mento das disposições pactuadas.
Mais do que isso, ainda que exista o entendimento acerca da necessidade de prorrogação compulsória do prazo para fins de recuperação de investimentos – ou que esta seja substituída pelo pagamento de indenização correspondente, resta o desafio de avaliar qual seria o prazo ou o valor adequado apto a reparar os prejuízos, sem que ocorra enriquecimento da parte
denunciada ou perdas para a parte denunciante, o que conduz à análise do caso a seguir.
4.2.2. CASO COELBA: QUANDO O DECURSO DO TEMPO RESOLVE A QUESTÃO78
O caso em questão tratou de denúncia de contrato de prestação de serviços em sistemas elétricos, firmado entre a Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia – COELBA (Contratante) e a CTC Brasil LTDA (Contratada).
Após anos de vigência, existindo algumas evidências de problemas no que tange à qualidade dos serviços prestados, a Contratante encaminhou aviso prévio para o encerramento do contrato no período de trinta dias, com base na disposição con- tratual.
Diante do ocorrido, a Contratada ajuizou ação cautelar requerendo a manutenção dos contratos existentes entre as par- tes, alegando que atuou durante cinco anos com quase exclusi- vidade para a Contratante, mantendo os níveis de qualidade e realizando grandes investimentos em recursos humanos.
A ação cautelar foi julgada procedente em primeiro grau, mantendo a prorrogação dos contratos existentes entre as partes sob pena de pagamento de multa diária de R$ 10.000,00 em caso de encerramento de qualquer dos contratos existentes, com base no Artigo 473, parágrafo único, do Código Civil.
Diante da sentença condenatória, a Contratante interpôs recurso no Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, o qual man- teve a decisão de primeira instância, sob o fundamento de viola- ção do princípio da função social e da preservação da empresa.
Ao analisar o caso, o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia entendeu que a resilição unilateral violaria a função social do contrato, compreendendo o instituto da função social do
78 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 972.436/BA. Relatora Xxxxx Xxxxxxxx. 3ª Turma, julgado em 17/03/2009, DJe 12/06/2009.
contrato como a finalidade por meio da qual o ordenamento ju- rídico assegura aos contratantes instrumentos jurídicos para coi- bir desigualdades oriundas da relação contratual.
Contudo, a decisão foi reformada após o Recurso Espe- cial interposto pela contratante. Ao decidir o caso, a Corte Supe- rior pontua que a livre inciativa se desdobra em duas perspecti- vas: a liberdade de contratar e a liberdade de encerrar tal con- trato. De modo cauteloso, a decisão pontua que a partir do prin- cípio da função social não podem ser extraídas regras universais, cabendo ao Poder Judiciário utilizar o princípio como meca- nismo para a obtenção de soluções ponderadas, razoáveis e har- monizadoras e, principalmente, sem desconsiderar os demais va- lores do ordenamento jurídico, como a autonomia privada.
Por ocasião do julgamento do caso pelo Superior Tribu- nal do Justiça, a prorrogação compulsória do contrato por força de decisão judicial impeditiva da eficácia da resilição já atingia o expressivo período total de cinco anos.
Diante de tal circunstância, a decisão do Superior Tribu- nal de Justiça ressaltou que o período em que o contrato já foi prorrogado de modo compulsório por decisão judicial cautelar da primeira instância já seria mais do que suficiente para fins de recuperação de investimentos realizados pela Contratada, pois o período indica claramente que a Contratada – por força da deci- são cautelar - teve assegurado período para a reorganização da saída do negócio, a qual envolveria a busca de diversificação da carteira de clientes e a recuperação do investimento realizado.
Assim sendo, a decisão do Superior Tribunal de Justiça fixou o período de trinta dias apenas para fins de organização em relação a eventuais rescisões de contratos de trabalhos dos fun- cionários que estariam envolvidos na prestação de serviços e se- riam desligados mediante o encerramento do contrato.
De qualquer modo, o longo período de tramitação do caso – cinco anos – impôs à Contratante o ônus de manter um contrato que não mais desejava e, ao mesmo tempo, assegurou à
Contratada um direito que ela não possuía: o de usufruir dos be- nefícios econômicos e financeiros do contrato por esse longo pe- ríodo.
4.2.3. CASO GENERAL MOTORS: NÃO HÁ CONTRATO
AD AETERNUM79
O caso em questão tratou de contrato de concessão para a venda de veículos automotores, firmado por prazo indetermi- nado entre a General Motors do Brasil Ltda. (Concedente) e a Tavesa Veículos Ltda. (Concessionária), tendo por objeto a co- mercialização exclusiva de veículos Chevrolet na cidade de Ta- quara e região, no estado do Rio Grande do Sul.
Após o recebimento do aviso prévio de resilição do con- trato encaminhado pela Concedente, a Concessionária ajuizou ação alegando que a resilição seria nula, pois teria sido realizada em abuso do poder econômico e em exercício arbitrário de posi- ção dominante. Além disso, a Concessionária requereu e obteve medida liminar para a imposição da continuidade compulsória do contrato até a decisão final da ação principal.
Diante da decisão liminar, a Concedente interpôs recurso ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que man- teve a decisão, nos seguintes termos:
Inconteste o fato da notificação extrajudicial, rescindindo o contrato de concessão, indiscutível também se torna o risco de grave dano a que exposta a Agravada, motivo pelo qual, em nome da prudência e do bom senso, estou revendo o meu posi- cionamento, o que se justifica, dentro da situação em concreto, da hipossuficiência econômica da recorrente frente à poderosa multinacional General Motors, que simplesmente é a maior in- dústria automobilística do planeta. Ademais, não se pode fe- char os olhos ao provável destino da recorrente a partir da sus- pensão do fornecimento de veículos e peças por parte da GM da qual a agravante é concessionária exclusiva há sessenta
79 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 966.163/RS. Relator Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx. 4ª Turma, julgado em 26/10/2010, DJe 04/11/2010.
anos. Muito possivelmente, o fato da GM não mais fornecer veículos e peças vai gerar a bancarrota da agravante, sem falar nos nefastos efeitos sociais que daí decorrem, como, obvia- mente, nos empregos diretos e indiretos. [...]
Relevante é também trazer à tona o relacionamento comercial de mais de 60 anos que perdura entre as partes contendoras, o que, por si só, já é suficiente a não autorizar uma rescisão con- tratual abrupta e unilateral, pois, no mínimo, demonstra, pelo decorrer de seis décadas, a seriedade da recorrente. Não se está, com isso, negando o direito à rescisão, que, sabidamente, decorre da própria autonomia contratual, mas, sim, da rescisão pelo modo como levada a efeito pelas Agravadas, porquanto os motivos apontados como justificativos da rescisão extrajudi- cial estão sendo questionados perante a Justiça. [...]
E enquanto se discute em juízo, alternativa não resta que não a de manter o contrato em seus termos. Xxxxx reside o poder de cautela do Poder Público, através do Judiciário. O Estado-Juiz pode sim interferir na relação entre as partes. Não para substi- tuir suas vontades, mas para preservar direitos e buscando mi- nimizar, tanto quanto possível, os efeitos nefastos que a ação unilateral de uma das partes pode gerar à outra.
Em decorrência dessa decisão, a Concedente ajuizou Re- curso Especial para o Superior Tribunal de Justiça sob o funda- mento de violação da autonomia da vontade e da liberdade de contratar, em decorrência da prorrogação compulsória.
O Superior Tribunal de Justiça, em seu julgamento, iden- tificou “por demais elastecido” o alcance atribuído pelo Tribunal Estadual ao princípio da boa-fé objetiva, considerando que o princípio prevê padrão de conduta pautado na probidade durante a conclusão e a execução do contrato, com base no Artigo 422 do Código Civil – e não a imposição de manutenção dos contra- tos contra a vontade dos próprios contratantes, ressalvados casos especialmente peculiares envolvendo serviços essenciais como as áreas de saúde e transporte, dentre outros, nos seguintes ter- mos:
Vale dizer, muito embora o comportamento exigido dos con- tratantes deva pautar-se na boa-fé e na probidade contratual, tal diretriz não obriga as partes a manterem-se vinculadas contra- tualmente ad aeternum, mas indica que as controvérsias nas
quais o direito ao rompimento contratual tenha sido exercido de forma desmotivada, imoderada ou anormal, resolvem-se, se for o caso, em perdas e danos. [...]
Com efeito, a liminar outrora concedida, em outubro de 2006 - aliás, data a partir da qual escoou prazo bastante superior aos 120 dias previstos no art. 22, § 2º, da Lei n.º 6.729/79 -, deve ser revogada por ausência de plausibilidade jurídica (fumus boni iuris) das alegações deduzidas pela parte autora, ora re- corrida.
Assim sendo, verifica-se que a liminar foi revogada pelo Superior Tribunal de Justiça, sob o fundamento de que a boa-fé e a probidade devem ser empregados para fins de proteção da parte denunciada em casos nos quais o rompimento do contrato tenha sido exercido de modo desmotivado, imoderado ou anor- mal – o qual poderá ser resolvido em perdas e danos, se for o caso, acrescentando, ainda, que a boa-fé e a probidade contra- tual, não obrigam as partes a manterem-se vinculadas contratu- almente ad aeternum.
4.2.4. CASO TRANSPETRO: AUTONOMIA XXXXXXX00
O caso em questão tratou de contrato de prestação de ser- viços de agenciamento de passagens áreas e reserva de hospeda- gens para funcionários, em âmbito nacional e internacional, o qual foi firmado entre Petrobrás Transporte S.A. – TRANSPE- TRO (Contratante) e B-Corporate Travel LTDA. (Contratada). No caso, a Contratante encaminhou a notificação de resilição unilateral do contrato firmado, insatisfeita com os serviços pres- tados pela Contratada.81
80 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.517.201/RJ. Relator Ministro Xxxxxxx Xxxxxx Xxxx Xxxxx. 3ª Turma, julgado em 12/05/2015, DJe 15/05/2015.
81 "(...) CLÁUSULA DÉCIMA PRIMEIRA - RESCISÃO 11.1 - A TRANSPETRO
poderá rescindir o presente Contrato, sem que assista à CONTRATADA qualquer di- reito de indenização ou de retenção, nos seguintes casos: 11.1.1 - Descumprimento ou cumprimento irregular de cláusulas contratuais, especificações, projetos ou prazos.
11.1.2 - Lentidão no seu cumprimento, levando a TRANSPETRO a presumir a
Em primeira instância, a Contratada obteve decisão limi- nar para manter o contrato em vigor e suspender a eficácia do ato de resilição unilateral do contrato, pela Contratante.
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro manteve a sus- pensão da eficácia do ato de resilição unilateral do contrato, sob o fundamento de que não seria “razoável admitir que um con- trato desenvolvido e elaborado com o formalismo que lhe é ine- rente possa ser rescindido imotivadamente” e que “em sede de tutela antecipada initio litis, não é possível afastar-se o direito da agravada de provar que fez investimentos para participar da lici- tação e, tendo ganho a mesma, vem se desempenhando do mú- nus a que restou obrigada via contrato.82
Essa decisão foi submetida ao Superior Tribunal de Jus- tiça, que acolheu os fundamentos apresentados pela Concessio- nária para justificar a licitude da resilição contratual, nos seguin- tes termos:
“As partes convencionaram a possibilidade de resilição unila- teral por meio de notificação prévia com antecedência de 5 (cinco) dias. Assim, diante dessa previsão contratual e, sobre- tudo, da manifestação inequívoca da vontade da ora recorrente de rescindir o contrato, a imposição determinada pelo Tribunal de origem significaria invalidar por completo a própria con- venção legalmente firmada. [...]
[...] o acórdão recorrido ofende a regra do Artigo 473, caput, do Código Civil e, por conseguinte, o princípio da autonomia privada, haja vista que, no tocante à verossimilhança das ale- gações, parte da equivocada premissa de que os contratantes estariam obrigados à manutenção do contrato em tela até o fim de sua vigência”.
Considerando o exposto, constata-se importante
impossibilidade de conclusão dos serviços nos prazos estipulados. 11.1.3 - Atraso in- justificado para o início dos serviços. (...) 11.2.4 - Quando a CONTRATADA for no- tificada da ocorrência de situação permissiva de aplicação de rescisão contratual, ser- lhe-á garantido o prazo de 05 (cinco) dias corridos para defesa."
82 BRASIL, Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Agravo de Instrumento nº 0001691- 98.2010.8.19.0000. Relator Xxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx. 5ª Câmara Cível, julgado em 23/03/2010.
posicionamento da Corte Superior ao decidir o caso, conside- rando que a prorrogação compulsória pode não representar a me- dida mais adequada em caso de necessidade de eventual recupe- ração de investimentos, pois os entendimentos das instâncias in- feriores recusaram a incidência da autonomia privada, represen- tada pela cláusula livremente negociada entre as partes, que per- mitia a possibilidade de resilição unilateral mediante aviso pré- vio com antecedência de 5 dias, não sendo devida qualquer in- denização.
Será que o fundamento adotado no julgamento pelo Tri- bunal de Justiça, impondo uma prorrogação compulsória do con- trato não desejado por uma das partes, não configuraria violação ao princípio da autonomia privada?
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os contratos empresariais representam elemento essen- cial para o funcionamento do mercado, atuando como meca- nismo para assegurar a concretização dos princípios da livre ini- ciativa e da livre concorrência, previstos no Artigo 170 da Cons- tituição Federal.
Contudo, para que tais objetivos possam ser atingidos, é necessário que a análise dos contratos empresarias seja pautada em seus princípios e regras próprias de interpretação, no intuito de permitir o regular funcionamento do mercado e a proteção da livre concorrência, considerada como um dos fundamentos da ordem econômica. Assim sendo, as decisões judiciais possuem o desafio de atender a critérios de previsibilidade, medida indis- pensável para possibilitar segurança jurídica e, consequente- mente, um ambiente mais propenso para a realização de negó- cios.
A avaliação da possibilidade de recuperação de investi- mentos realizados para a execução dos contratos passa pela in- dispensável análise das circunstâncias do caso concreto, as quais
devem avaliadas pelos julgadores com especial cautela, pois en- volvem diversos elementos negociais e, inclusive, o próprio risco do negócio – por muitas vezes, assumido pelo empresário para assegurar a oportunidade comercial.
Assim sendo, considerando as características peculiares dos contratos empresariais, a possibilidade de prorrogação com- pulsória ou de condenação a pagamento de indenização para fins de recuperação de investimentos com base no Artigo 473, parágrafo único do Código Civil devem ser avaliadas com espe- cial cautela, sendo aplicadas apenas em casos excepcionais – não sendo cabíveis para corrigir eventuais erros do empresário ou para a proteção dos riscos deliberadamente assumidos no mo- mento da negociação do contrato.
Em análise geral dos casos estudados, é possível consta- tar que o Superior Tribunal de Justiça tem se posicionado de modo oportuno sobre o tema, avaliando as negociações do con- trato e o contexto do período compreendido entre o início da execução do contrato e o envio da denúncia.
O Caso Santander indica interessante reforma da decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para assegurar a condenação ao pagamento de indenização para fins de recupera- ção dos investimentos realizados pela contratada. No caso em específico, verificou-se que foram incentivados e exigidos vul- tuosos investimentos para atender aos padrões de exigência da contratante – sendo a contratada surpreendida com a denúncia, pois inexistia qualquer sinal de que os serviços não estariam atingindo as expectativas da contratante, sendo que a denúncia foi realizada após onze meses do início do contrato, prazo noto- riamente insuficiente para amortizar ou recuperar qualquer in- vestimento realizado.
No mesmo sentido, o Caso Coelba indica relevante atua- ção do Superior Tribunal de Justiça, especialmente considerando que no momento da análise pela instância superior, o contrato de prestação de serviços já estava prorrogado compulsoriamente
por cinco anos, com base em decisão liminar. De modo caute- loso, a Corte Superior pontuou que cabe ao Poder Judiciário uti- lizar o princípio da função social de modo a obter soluções pon- deradas, razoáveis e harmonizadoras, respeitando os demais va- lores do ordenamento jurídico – especialmente a autonomia pri- vada.
Em razão do ocorrido no caso Coelba, verifica-se que a prorrogação compulsória evidencia situação que deverá ensejar cautela ainda mais rigorosa por parte do Poder Judiciário, consi- derando os graves prejuízos que podem ser causados em tais ce- nários – para a parte que ficou obrigada a permanecer em um contrato em relação ao qual já demonstrou expressamente seu interesse em resilir.
No caso General Motors foi proferida uma decisão limi- nar em primeira instância para suspender a eficácia da denúncia pela Concedente. Dentre os fundamentos apresentados, foi indi- cado que a Concessionária atuava com exclusividade para a Concedente, sendo a liminar medida indispensável para a conti- nuidade das atividades da Concessionária até o trânsito em jul- gado da decisão, pois dificilmente a Concessionária conseguiria evitar a falência em caso de encerramento do contrato de con- cessão.
Mais uma vez, verifica-se decisão do Superior Tribunal de Justiça no sentido de reconhecer a autonomia privada nos contratos empresariais porque a boa-fé e a probidade contratual, não obrigam as partes a manterem-se vinculadas contratual- mente ad aeternum.
Por fim, no Caso Transpetro a Corte Superior também revogou a tutela liminar que mantinha a prorrogação compulsó- ria do contrato, preservando a manifestação da vontade da parte contratante e a previsão contratual que permite a resilição, indi- cando que não seria possível a imposição de manutenção do con- trato até o final de sua vigência contra a vontade de uma das partes.
Considerando a análise dos casos apresentados, verifica- se que a possibilidade de prorrogação compulsória do contrato para fins de recuperação de investimentos pode levar a situações prejudiciais para a parte denunciante – especialmente nos casos em que as partes pactuaram a possibilidade de resilição unilate- ral, fixando prazo específico para tal – o que enseja a necessi- dade de extrema cautela pelo Poder Judiciário.
Contudo, ainda que a prorrogação compulsória seja subs- tituída pelo pagamento de indenização para a recuperação dos investimentos realizados, o desafio permanece, pois exige aten- ção especial do Poder Judiciário ao avaliar as circunstâncias do caso concreto e as negociações entre as partes no intuito de rea- lizar uma análise ponderada de quais seriam os critérios para a avaliação do valor devido.
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