SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA | CÍVEL
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA | CÍVEL
Acórdão
Processo
2017/19.2T8PDL.L1.S1
Data do documento
18 de março de 2021
Relator
Olindo Geraldes
DESCRITORES
Contrato de agência > Cessação > Pacto de não
concorrência > Compensação > Nulidade de cláusula > Cláusula penal > Redução
SUMÁRIO
I . A compensação do agente pela convenção de não concorrência depois da cessação do contrato, tanto pode ser estabelecida, desde logo, num certo valor, como ser objeto de fixação posterior, designadamente através de decisão judicial.
II. Não é nula tal convenção, por omissão do valor da compensação.
III. A compensação do agente poderá implicar a redução da respetiva cláusula penal, nos termos do artigo 812.º do Código Civil.
TEXTO INTEGRAL
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I – RELATÓRIO
Decisões e Soluções – Mediação Imobiliária, Lda., instaurou, em 3 de setembro de 2019, no Juízo Local Cível …, Comarca …., contra AA, ação declarativa, sob a forma de processo comum, pedindo que o Réu fosse condenado a pagar-lhe a quantia de € 50 000,00, acrescida de juros de mora desde a citação.
Para tanto, alegou, em síntese, ter celebrado com o R., em 17 de agosto de 2017 e 7 de outubro de 2017, dois contratos de subagência, com pacto de exclusividade e não concorrência, com uma cláusula penal de € 50 000,00; a 18 de março de 2019, o R. cessou, unilateralmente, o contrato de agência e passou a prestar os mesmos serviços para outra rede imobiliária, violando o dever de exclusividade e a obrigação de não concorrência; tem direito, por isso, a ser indemnizada.
Contestou o R., alegando sobretudo que a cláusula de exclusividade e não concorrência é nula e concluindo pela improcedência da ação.
Em 3 de junho de 2020, foi proferido despacho saneador-sentença, que, tendo julgado a ação improcedente, absolveu o Réu do pedido.
Inconformada, a Autora apelou para o Tribunal da Relação …., que, por acórdão de 5 de novembro de 2020, revogou a sentença para que fosse substituída por outra que, considerando a validade das cláusulas de não concorrência constantes dos contratos celebrados entre as partes,
se aprecie a pretensão deduzida pela Autora e se pronuncie sobre a adequação do quantum fixado para a obrigação de não concorrência e, designadamente, se a mesma não se mostra manifestamente excessiva para, se necessário for, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 812.º do CC, compatibilizá-la com o prescrito na al. g) do art. 13.º do D.L. n.º 178/86, de 3 de julho, pelo montante que a Autora teria de despender para compensar o Réu pelo período de não concorrência.
Inconformado, o Réu interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formulou essencialmente as seguintes conclusões:
a) O acórdão recorrido viola a lei substantiva, na medida em que se traduz em flagrante erro de interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis decorrentes do Regime Jurídico do Contrato de Agência, instituído pelo Decreto Lei n.º 178/86 de 3 de julho.
b ) O erro de interpretação consiste na não interpretação, de forma unitária e conciliadora, do disposto no artigo 9.º e alínea g) do artigo 13.º do Decreto-Lei nº 178/86.
c ) A condenação no pagamento de uma indemnização, a título de cláusula penal, pela violação do pacto de não concorrência, deverá levar em linha de conta a verificação das razões materiais subjacentes à mesma, sujeitas a um juízo valorativo de acordo com o sistema jurídico global, sujeito aos princípios jurídicos constitucionais de necessidade; adequação e proporcionalidade.
d ) A falta de estipulação de uma compensação, pela obrigação de não concorrência após a cessação do contrato, desvirtua a natureza “onerosa e sinalagmática” do pacto de não concorrência, o que deverá conduzir à nulidade do mesmo e, consequentemente, da cláusula penal a ele associado.
e) A razão de ser da fixação de cláusula penal, para o caso de violação do pacto de exclusividade e/ou não concorrência, reside no ressarcimento do investimento formativo levado a cabo pela A., com transmissão de “know-how” especializado, o que, no caso “sub-judice” não resultou provado.
f) Atendendo aos princípios da boa-fé negocial, necessidade, proporcionalidade e adequação, não se verificando a motivação factual que legitima a razão ser do pacto de não concorrência, não poderá o mesmo ser invocado, sob pena de abuso do direito.
g) A omissão da compensação conduz à indeterminabilidade do objeto imediato do negócio jurídico e à nulidade prevista no art. 280.º, n.º 1, do Código Civil.
h ) A nulidade de tal cláusula impor-se-ia também com fundamento na interpretação da lei conforme a Constituição da República Portuguesa.
i ) É manifestamente injusta a decisão que, em termos práticos, impede o Recorrente de exercer funções, em todo o território nacional, durante dois anos.
j ) O Recorrente, na qualidade de subagente, desenvolvendo a sua atividade profissional essencialmente nos …, na …, após a cessação dos contratos celebrados com o principal, durante 2 anos e em todo o território nacional, vê hipotecado, de uma forma excessiva e desproporcional, o seu futuro profissional, não podendo aceitar qualquer oferta de emprego/projeto nas áreas
em causa.
k ) Não se julgando assim, o acórdão recorrido deverá ser alterado, determinando-se uma redução substancial da indemnização devida pela violação do pacto de não concorrência, de acordo com um juízo de equidade e nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 812.º do Código Civil e, consequentemente, determinando-se que sobre o quantum fixado haja lugar a uma compensação integral de créditos, nos termos do disposto no artigo 847.º do Código Civil.
Com o provimento do recurso, o Réu pretende a revogação do acórdão recorrido e a repristinação da sentença.
Contra-alegou as Autora, designadamente no sentido da improcedência do recurso.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
Neste recurso, discute-se, essencialmente, a validade da cláusula contratual de não concorrência.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. No acórdão recorrido, foram dados como provados os seguintes factos:
1. A A., constituída em 26/09/2011, dedica-se à mediação imobiliária, à compra, transformação e venda de bens imóveis e à revenda dos adquiridos para esse fim, à gestão e administração de bens imóveis, à mediação de obras de construção, alteração, ampliação, demolição e reconstrução de imóveis, incluindo a sua decoração, à mediação de veículos, sejam eles automóveis, motociclos ou outros e à prestação de serviços de consultoria financeira.
2 . Para tanto, a A. é titular da respetiva licença AMI n.º …., válida e em vigor desde 17/11/2011.
3 . A A. encontra-se presente no universo informático em xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx.
4 . A A. é uma empresa de dimensão nacional, que conta com várias agências distribuídas por todo o país, e que continua a promover a sua abertura, com o objetivo de estar representada em todas as capitais de distrito e nas principais cidades, assim como de aumentar o número de consultores imobiliários a nível nacional.
5. Desenvolve o seu negócio no ramo da mediação imobiliária inserida na rede Decisões e Soluções, através de agentes e subagentes que, além do mais, exercem as suas atividades a partir de agências abertas ao público, ostentando a imagem e as marcas tituladas pela A.
6 . Por escrito particular outorgado em 17/08/2017, a A., a sociedade do grupo da A., Decisões e Soluções – Consultores Financeiros, Lda., e a Pink Slice – Mediação Imobiliária, Unipessoal Lda., celebraram com o R. um contrato
denominado de Subagência – Consultor Imobiliário e Financeiro, através do qual: a) As primeiras nomearam e reconheceram o R. como seu subagente, encarregando-o de promover, de modo autónomo e independente, a celebração de contratos no âmbito da atividade por si desenvolvida, e para o que aqui releva, a atividade de angariação e mediação imobiliária, mediação de obras e construção de imóveis, tudo nos termos das cláusulas 5.ª, 8.ª e 9.ª do contrato;
b) O R. obrigou-se a exercer essa atividade exclusivamente ao serviço das primeiras.
7 . Xxx também se acordou que a A. facultaria o acesso do R. à sua base de dados informática, obrigando-se este a guardar confidencialidade de toda a informação disponibilizada através da mesma (cláusula 12.ª).
8. Bem como que o R. se obrigava a seguir e cumprir as normas, metodologias e orientações estratégicas da A., inerentes ao relacionamento com clientes e empresas protocoladas, modelo de funcionamento, a comparecer a todas as reuniões por ela marcadas e a frequentar as formações organizados pela A. (cláusula 10.ª).
9. O contrato foi celebrado pelo prazo inicial de um ano, com a possibilidade de renovação sucessiva, por iguais períodos, desde que na vigência do período anterior o mesmo tenha garantido uma faturação mínima à primeira e segunda contraentes, aqui A., em conjunto, de pelo menos € 15 000,00, pois caso tal não se tenha verificado, aquelas poderiam denunciar o contrato para o fim do prazo em curso, bastando, para o efeito, uma comunicação, por carta registada, com a antecedência de 8 dias (cláusula 16.ª, parágrafo 1.º).
1 0 . Foi ainda convencionado pelas partes que o R. teria a faculdade de denunciar o contrato através de comunicação escrita à A., a efetuar com
antecedência não inferior a 60 dias em relação à data de produção dos respetivos efeitos, e constituindo-se o mesmo na obrigação a indemnizar a A. pelo valor correspondente a € 2 500,00 (cláusula 16.ª, parágrafos 2.º e 3.º).
11. A título de cláusula penal, os outorgantes fixaram ainda, cumulativamente, a indemnização devida à A., no caso de inobservância do prazo de aviso prévio, no montante de € 2 500,00 (cláusula 16.ª, parágrafo 4.º).
1 2 . A A. e o R. convencionaram uma obrigação de exclusividade e não concorrência a impender sobre este último, nos seguintes moldes: a) Proibição de o R. celebrar diretamente com clientes contratos para a prestação de serviços no âmbito da atividade de consultadoria financeira, contratos de mediação de seguros, mediação imobiliária, mediação de obras ou mediação de veículos, salvo autorização expressa dada por escrito pela A., durante o período de vigência do contrato, bem como nos 12 meses imediatamente seguintes à sua cessação (cláusula 17.ª, parágrafo 2.º, alínea a), e parágrafo 3.º); b) Proibição de o R. assinar, em nome próprio ou em representação da A., qualquer contrato, acordo ou protocolo com Instituições de Crédito ou Financeiras, Empresas de Seguros ou de Mediação de Seguros e Empresas de Mediação Imobiliária para o exercício das atividades objeto daquele mesmo contrato, independentemente de aquelas terem, ou não, protocolos ou outros tipos de acordos celebrados com a A., não podendo o R. negociar com elas qualquer tipo de contrato a celebrar pelos clientes, durante o período de vigência do contrato, bem como nos doze meses imediatamente seguintes à sua cessação [cláusula 17.ª, parágrafo 2.º, alínea b), e parágrafo 3.º]; Proibição do exercício, direta ou indiretamente, enquanto sócio, titular de participações s o c i a i s noutras sociedades, trabalhador, prestador de serviços, independentemente do regime laboral ou contratual, e por qualquer meio, atividade concorrente com a da A. durante o período de vigência do contrato,
bem como nos doze meses imediatamente seguintes à sua cessação [cláusula 17.ª, parágrafo 2.º, alínea c), e parágrafo 3.º].
13. Consta ainda de tal contrato a fixação de uma cláusula penal para o caso de violação, pelo R., do pacto de exclusividade e/ou não concorrência, obrigando- se o R. a pagar uma indemnização à A. no montante de €50 000,00, sem prejuízo do dano excedente que se viesse a provar.
14. Consta também de tal contrato a fixação de idêntica cláusula penal para os casos em que o R. praticasse atos suscetíveis de constituir a A. no direito de resolver o contrato de subagência com justa causa.
1 5 . Em 07/10/2017, foi outorgado um outro contrato, intitulado Contrato de Subagência – Diretor Comercial de Agência, com a duração de um ano, renovando-se automaticamente por sucessivos e iguais períodos, igualmente entre a A., a Decisões e Soluções – Intermediários de Crédito, Lda., Pink Slice – Mediação Imobiliária, Unipessoal, Lda., BB e o R.
16. Mediante tal contrato, as primeiras nomearam e reconheceram o R. como seu subagente, encarregando-o de promover, de modo autónomo e independente, a celebração de contratos no âmbito da atividade por si desenvolvida, e para o que aqui releva, a atividade de angariação e mediação imobiliária, mediação de obras e construção de imóveis e o R. obrigou-se a exercer essa atividade exclusivamente ao serviço das primeiras, mantendo-se em vigor o demais constante do contrato de 17/08/2017, que se manteve em vigor.
17. Também mediante este contrato, se estabeleceu para o R. a vinculação a uma obrigação de exclusividade e não concorrência, comprometendo-se aquele
a não exercer, em todo o território nacional, direta ou indiretamente, enquanto sócio ou titular de participações sociais noutras sociedades, ou ainda enquanto trabalhador ou prestador de serviços, independentemente do regime laboral ou contratual, atividade concorrente com as da primeira e segunda e terceiro contraentes, quer durante o período de vigência do presente contrato, quer durantes os dois anos seguintes à sua cessação, e independentemente do motivo que a tenha operado (cláusula 10.ª, parágrafos 1.º e 2.º).
18. Posteriormente, por escritos datados de 01/03/2018, intitulados Assunção Posição Contratual – Consultor Imobiliário e Financeiro e Assunção Posição Contratual – Diretor Comercial, Rascunhos de Verão Turismo, Unipessoal, Lda. substituiu Pink Slice – Mediação Imobiliária, Unipessoal, Lda., na posição contratual por esta ocupada nos sobreditos contratos celebrados com o R., assumindo, mútua e reciprocamente, todos os direitos e obrigações que nos contratos cabiam à Pink Slice - Mediação Imobiliária e Financeira, Lda.
19 . A A. facultou ao R. o acesso à sua base de dados informática, mediante criação de um login e uma password pessoais.
20. A A. incluiu e disponibilizou a respetiva identificação e contactos no seu site xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx, permitindo que o R. utilizasse igualmente em folhetos promocionais e merchandising publicitário a sua identificação, enquanto consultora e representante da marca e rede Decisões e Soluções.
2 1 . Ao longo do período compreendido entre o dia 17/08/2017 e o dia 18/05/2019, o R. dedicou-se à atividade objeto dos contratos, enquanto consultor imobiliário e financeiro, mediante vínculo com a A. e estando integrada na Agência da rede Decisões e Soluções, sita em ….., Avenida …….
22 . A partir do momento em que o mesmo passou também a desempenhar funções de diretor comercial, o R. passou a ter um conhecimento mais profundo do âmago do negócio da X., nomeadamente mediante acesso a informação mais detalhada sobre estratégia comercial e de recrutamento, negócios e carteiras de clientes, tendo inclusive acesso a todos os dados referentes aos clientes e negócios em curso levados a cabo pelos consultores que faziam parte da equipa por este gerida.
23 . Por carta datada de 18/03/2019, o R. tomou a iniciativa de fazer cessar, unilateralmente, os contratos de subagência celebrados com a A.
2 4 . Aí tendo solicitado a dispensa do período de 60 dias de aviso prévio convencionado contratualmente, referindo que teria interesse na sua desvinculação imediata.
2 5 . Em resposta a tal manifestação de vontade, e por carta datada de 19/06/2019, a A. considerou cessado o contrato em vigor, mas apenas a partir do dia 18/05/2019, de modo a considerar-se cumprido o período de 60 dias de aviso prévio.
2 6 . Em tal comunicação, a A. frisa que, não obstante tenha cessados os contratos, mantinha-se a obrigação de não concorrência que impende sobre o R., pelo período de 12 meses e 2 anos subsequentes à data dessa cessação.
27. Essas cartas foram devolvidas ao remetente, não tendo o R. rececionado as mesmas, e não obstante a morada para onde as mesmas foram endereçadas correspondesse àquela que constava dos contratos celebrados, e que havia sido convencionada como adequada para todas as comunicações a realizar entre as partes (cláusula 22.ª).
28. Pelo menos a partir de 19/05/2019, o R. passou a desempenhar funções de consultor imobiliário, a título profissional e remunerado, integrado noutra rede imobiliária, IAD Portugal, e na mesma área geográfica que o vinha fazendo enquanto vinculado à A. (…../……).
29. Na presente data, o R. mantém-se a exercer diária e regularmente, a título profissional e na mesma área geográfica de atuação da agência da A., em ….., a atividade de angariação e consultoria imobiliária, encontrando-se vinculado à IAD Portugal, dedicando-se à prospeção e angariação de clientes com vista à celebração de contratos de mediação imobiliária, gestão da carteira de clientes e celebração de contratos de mediação imobiliária.
***
2.2. Delimitada a matéria de facto, importa conhecer do objeto do recurso, definido pelas respetivas conclusões, nomeadamente da validade da cláusula contratual de não concorrência, sem prejuízo também de não se conhecer de questões novas.
Previamente, interessa deixar esclarecido, no seguimento aliás do despacho de admissão da revista (fls. 205/208), ser esta admissível e tempestivamente interposta.
Com efeito, a decisão recorrida, incidindo sobre a validade da relação jurídica invocada como causa de pedir, é claramente sobre o mérito causa, e, por isso, enquadra-se, com perfeição, no âmbito do disposto no art. 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC).
Por outro lado, a decisão recorrida, ainda que não tenha decidido definitivamente a causa, não corresponde a uma decisão interlocutória, nomeadamente sobre a relação processual, podendo ser impugnada no prazo de trinta dias, como efetivamente sucedeu.
2.3. Como se relatou, o acórdão recorrido divergiu da sentença quanto à validade da cláusula de não concorrência após a cessação do contrato, julgando-a válida e dando continuidade à ação.
O Recorrente, porém, insiste na nulidade da mesma cláusula, por falta de fixação da compensação, tal como havia sido decidido na sentença, que, por isso, o absolvera do pedido.
A Recorrida, por sua vez, revendo-se na decisão recorrida, continua a defender a validade da cláusula de não concorrência, nos termos em que foi definida.
São estes, muito sumariamente, os termos essenciais da controvérsia jurídica emergente dos autos, que importa considerar à luz do direito aplicável.
Na verdade, a relação jurídica que ligou as partes, fosse de agência ou subagência, está submetida ao mesmo regime jurídico, regulado pelo DL n.º 178/86, de 3 de julho, com a alteração introduzida pelo DL n.º 118/93, de 13 de abril (art. 5.º).
Assim, no âmbito dessa relação jurídica, as partes podem estabelecer uma obrigação de não concorrência, para produzir efeitos após a cessação do contrato, mediante a qual o agente se vincula a não exercer atividades, quer por conta própria ou por conta de outrem, que estejam em concorrência com as da outra parte (art. 9.º, n.º 1).
A obrigação de não concorrência, sujeita a algumas condições e limites, deve constar de documento escrito, não podendo exceder dois anos, e circunscrever- se à zona ou ao círculo de clientes confiado ao agente (art. 9.º, n.º s 1 e 2).
Por efeito da obrigação de não concorrência após a cessação do contrato, o agente goza do direito a uma compensação (art. 13.º, alínea g)).
A compensação do agente tanto pode ser convencionada, com a vantagem de ficar, desde logo, determinada num valor certo, como vir a ser objeto de fixação posterior, designadamente através de decisão judicial, no caso de subsistir desacordo insanável entre as partes.
No sentido de que a compensação não está dependente de acordo prévio, desde há muito, se tem expressado a doutrina (XXXXXXXX XXXXX, Apontamentos sobre o Contrato de Agência, in Tribuna da Justiça, 1990, 3, pág. 28, e F. XXXXXXXX XXXXX, Contratos de Distribuição, 2013, pág. 456).
Na verdade, no caso da convenção da obrigação de não concorrência, a compensação é um efeito legal inerente à mesma convenção, não interferindo sequer na sua validade (F. XXXXXXXX XXXXX, ibidem).
De resto, estando o direito à compensação determinado, nomeadamente por lei, ainda que não quantificado, está excluída a nulidade da convenção, por omissão do valor da compensação, decorrente do disposto no art. 280.º, n.º 1, do Código Civil.
Com efeito, é manifesto que não se está perante um negócio jurídico indeterminável, mas apenas indeterminado quanto ao valor da compensação do
agente, passível, no entanto, de ser suprido, designadamente com recurso à equidade (art. 15.º do DL n.º 178/86).
Reportando à matéria dos autos, verifica-se que entre as partes foi celebrado uma convenção de não concorrência, após a cessação do contrato, sem que tivesse sido fixada, em concreto, a compensação do agente.
Decorrendo o direito à compensação da lei, a sua omissão no contrato escrito torna-se irrelevante, não podendo o direito ser negado ao agente, só porque não foi expressamente formalizado na convenção de não concorrência e, por outro lado, não deixando o contrato de revestir a natureza sinalagmática.
Acresce ainda que a fixação da compensação é sempre suprível, quer por acordo quer por decisão judicial.
Estando certo o direito à compensação pelo agente, ao contrário do alegado, está excluída a natureza indeterminada da convenção e, consequentemente, a sua nulidade, por efeito do disposto no art. 280.º, n.º 1, do Código Civil, assim como a sua desconformidade com a Constituição da República Portuguesa.
De resto, a lei específica do contrato de agência não estabeleceu a nulidade da convenção de não concorrência, quando não tiver sido fixada a compensação do agente.
Por outro lado, apresenta-se como inadequado o apelo que, por vezes, é feito, às normas paralelas do contrato de trabalho (art. 136.º, n.º 2, do Código do Trabalho).
Contudo, as realidades do contrato de trabalho e do contrato de agência, por
um lado, e as do trabalhador e do agente, por outro, são distintas e específicas, justificativas de um regime diferenciado e próprio.
Além disso, no âmbito do contrato de agência, nem sequer se pode falar em lacuna, que careça de ser preenchida, pois, como se referiu, a fixação da compensação não é essencial ao escrito da convenção de não concorrência.
Assim, não obstante a omissão concreta da compensação, é inquestionável a validade da convenção de não concorrência.
Sendo a convenção de não concorrência válida e, por isso, beneficiando o principal, a sua eficácia não pode ficar paralisada pela falta de fixação da compensação a favor do agente, sendo certo ainda que essa situação não pode ser interpretada, sem o concurso de outras circunstâncias, como uma desconsideração pelo cumprimento da compensação a favor do agente.
Todavia, apesar disso, a posição do agente não fica desguarnecida, nomeadamente no âmbito da ação.
Com efeito, estando ainda em aberto, no processo, a questão da redução equitativa da cláusula penal, nos termos do art. 812.º do Código Civil, a compensação do agente, resultante da lei, poderá aí ser ponderada, como também se decidiu no acórdão recorrido, sendo certo que o critério definidor é também o da equidade.
Deste modo, a compensação do agente poderá implicar a redução da cláusula penal, invocada na ação pela violação do pacto de não concorrência, se outras razões não subsistirem.
Assim, improcedendo as conclusões do recurso, não pode conceder-se a revista, confirmando-se o acórdão recorrido, o qual não violou qualquer disposição legal, designadamente as especificadas pelo Recorrente.
2.4. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante:
I . A compensação do agente pela convenção de não concorrência depois da cessação do contrato, tanto pode ser estabelecida, desde logo, num certo valor, como ser objeto de fixação posterior, designadamente através de decisão judicial.
II. Não é nula tal convenção, por omissão do valor da compensação.
III. A compensação do agente poderá implicar a redução da respetiva cláusula penal, nos termos do artigo 812.º do Código Civil.
2.5. O Recorrente, ao ficar vencido por decaimento, é responsável pelo pagamento das custas, por efeito da regra da causalidade consagrada no art. 527.º, n.º s 1 e 2, do CPC, sendo o mesmo inexigível em virtude de gozar do benefício do apoio judiciário.
III – DECISÃO
Pelo exposto, decide-se:
1) Negar a revista, confirmando o acórdão recorrido.
2 ) Condenar o Recorrente (Réu) no pagamento das custas, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.
Lisboa, 18 de março de 2021
Olindo dos Santos Geraldes (relator)
Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxxx
Xxxxxxxx Xxxxx
O Relator atesta que os Juízes Adjuntos votaram favoravelmente este acórdão, não o assinando porque a sessão de julgamento decorreu em videoconferência.