FACULDADE BAIANA DE DIREITO
FACULDADE BAIANA DE DIREITO
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO
XXXXXXX XX XXXXXXXX XXXX
O CONTRATO DE EMPREGO DO JOGADOR DE FUTEBOL: AS IMPLICAÇÕES, APÓS 15 ANOS, DA EXTINÇÃO DO PASSE
Salvador 2013
XXXXXXX XX XXXXXXXX XXXX
O CONTRATO DE EMPREGO DO JOGADOR DE FUTEBOL: AS IMPLICAÇÕES, APÓS 15 ANOS, DA EXTINÇÃO DO PASSE
Monografia apresentada ao curso de graduação em Direito, Faculdade Baiana de Direito, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito.
Salvador 2013
XXXXXXX XX XXXXXXXX XXXX
O CONTRATO DE EMPREGO DO JOGADOR DE FUTEBOL: AS IMPLICAÇÕES, APÓS 15 ANOS, DA EXTINÇÃO DO PASSE
Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito, Faculdade Baiana de Direito, pela seguinte banca examinadora:
Nome: Titulação e instituição:
Nome: Titulação e instituição:
Nome: Titulação e instituição:
Salvador, / / 2013
A
meu avô Xxxxxxxxx, minha mãe Xxxxx e meu irmão Xxxxxxxxx por me fazerem entender, e sentir, a força que o amor pelo futebol pode alcançar.
Agradeço, primeiramente, a Deus, que me concedeu força e determinação para vencer os obstáculos e alcançar os meus objetivos.
Aos meus pais, Xxxx e Xxxxx, por todo apoio e paciência que dispuseram durante essa árdua jornada, sempre acreditando no meu potencial.
Aos colegas e amigos da Faculdade Baiana de Direito que, de uma maneira ou de outra, sempre estiveram presentes e prontos para contribuir quando fosse necessário, especialmente: a Rebeca, companheira das madrugadas de pesquisa e confecção deste trabalho; Xxxxxx e Xxxxx, por todo apoio que só verdadeiras irmãs sabem dar; e a Xxxxxxx, que me ajudou muito e sempre se mostrou disposta quando precisei.
Agradeço também ao Dr. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, que contribuiu muito para o aperfeiçoamento deste trabalho, ao disponibilizar seu acervo de obras sobre Direito Desportivo.
Finalmente, agradeço aos docentes da Faculdade Baiana de Direito, que contribuíram direta ou indiretamente, para minha formação acadêmica.
“Esta nova era do futebol vem colocar novos problemas para os jogadores menores, os clubes tradicionalmente formadores, os menos favorecidos, economicamente, tornando-se urgente a intervenção das organizações que superintendem o futebol para que lhes seja prestada a proteção adequada”.
Xxxx Xxxxxxxx
O presente trabalho acadêmico apresenta como tema “O contrato de emprego do jogador de futebol: as implicações, após 15 anos, da extinção do passe” e tem como escopo analisar as consequências da extinção do instituto do passe e a maneira como foi feita. Para tratar disso, primeiramente foram estudadas as peculiaridades existentes nos contratos de jogadores profissionais de futebol, juntamente com a evolução histórica de jurídica do Direito Desportivo. Esses conceitos e particularidades que são aplicadas somente aos contratos de jogador de futebol, tem o objetivo de preservar os atletas e também as entidades desportivas. O trabalho aprofunda-se no que foi o instituto do passe e como se deu a sua extinção, demonstrando todos os benefícios e malefícios causados por essa eliminação jurídica. É abordado também, e principalmente, as consequências que a extinção do passe trouxe para o cenário do futebol nacional, aumentando a dispersão dos jogadores brasileiros, para times estrangeiros, fazendo nascer o fenômeno da “empresarialização” do futebol. Esse fenômeno trouxe imensuráveis prejuízos para os clubes formadores, que somente podem observar os atletas em que eles investiram, celebrar contratos milionários com outros times, sem obter com isso quase nenhum retorno.
Palavras-chave: Teoria geral dos contratos; Contrato de trabalho; Jogador de futebol; Xxx Xxxx; Extinção do passe.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
art. artigo
CBF Confederação Brasileira de Futebol CBD Confederação Brasileira de Desportos CBJD Código Brasileiro de Justiça Desportiva CC Código Civil
CDC Código de Defesa do Consumidor CF/88 Constituição Federal da República CLT Consolidação das Leis Trabalhistas CND Conselho Nacional de Desportos CPC Código de Processo Civil
FIFA Federação Internacional de Futebol Associado
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 10
2 TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E O CONTRATO DE TRABALHO 12
2.1 HISTÓRICO, CONCEITO E PRINCÍPIOS DO CONTRATO 12
2.2 PRINCÍPIOS 18
2.2.1 Princípio da dignidade da pessoa humana 18
2.2.2 Princípio da Boa-fé 20
2.2.3 Princípio da função social do contrato 23
2.2.4 Princípio da autonomia da vontade 26
2.3 REQUISITOS DE VALIDADE 28
2.4 CONTRATO DE TRABALHO 29
2.4.1 Histórico e características do contrato de trabalho 30
2.4.2 Natureza jurídica do contrato de trabalho 33
2.4.3 Contrato de emprego como espécie de contrato de trabalho 35
2.4.4 Peculiaridades do contrato de jogador profissional de futebol 37
2.4.4.1 A cláusula penal nos contratos de jogadores profissionais de futebol 40
3 DIREITO DESPORTIVO 44
3.1 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA - JURÍDICA DO DIREITO DESPORTIVO 44
3.1.1 Lei nº 9615/98, a Lei Pelé 51
3.3 PRINCÍPIOS DO DIREITO DESPORTIVO 54
4 O CONTRATO DE EMPREGO DO JOGADOR DE FUTEBOL:
AS IMPLICAÇÕES APÓS 15 ANOS DA EXTINÇÃO DO PASSE 58
4.1 O INSTITUTO DO PASSE E SUA EXTINÇÃO 58
4.1.1 O caso Xxxxxx e a repercussão da extinção do passe no mundo 62
4.2 “EMPRESARIALIZAÇÃO” DO FUTEBOL 64
5 CONCLUSÃO 67
REFERÊNCIAS 71
1 INTRODUÇÃO
Incontestavelmente, o Direito Desportivo, nos dias atuais, é um dos ramos do direito que mais crescem no país. Com a Copa das Confederações e a Copa do Mundo no Brasil, além das Olimpíadas que também será realizada aqui em 2016, na cidade do Rio de Janeiro, toda a atenção da comunidade jurídica, como também dos leigos, está voltada para esse assunto.
Há uma ampla preocupação que vem carregada de expectativa e muita vontade de mostrar competência, por conta desses eventos internacionais. Xxxxxx, é o mundo que vai se virar para dar atenção ao Brasil, tudo por conta do esporte.
O presente trabalho tem como objetivo esclarecer determinados pontos importantes sobre esse assunto em ascensão, principalmente na área do futebol que, com certeza, é o esporte que exerce mais influência na vida dos brasileiros e na economia nacional.
Como todo empregado, o jogador de futebol tem seus direitos e deveres, e seu empregador, a entidade desportiva na qual ele é filiado, também tem que cumprir com suas obrigações.
Como o futebol é um esporte que, no Brasil principalmente, mexe muito com a emoção e a paixão dos torcedores, se faz necessário o estudo dos ditames que envolvem os contratos de seus ídolos e os direitos e deveres dos seus clubes do coração.
Seguindo essa ideia, o presente trabalho científico em questão foi desenvolvido em três capítulos principais:
No primeiro capítulo foi feita uma abordagem geral, destacando-se o desenvolvimento histórico, os princípios e os requisitos de validade dos contratos em geral, que se fez necessário para o entendimento do contrato de trabalho, que também foi tratado nesse capítulo.
Ainda no primeiro capítulo se encontram as peculiaridades do contrato de jogador profissional de futebol, abordando também todos os aspectos que envolvem a cláusula penal imposta a esses tipos de contrato.
O capítulo denominado Direito Desportivo versa sobre todo histórico e evolução do desporto, englobando todas as suas modificações jurídicas ocorridas ao longo dos anos, explicitando suas melhorias e suas omissões. É abordado também os princípios constitucionais do Direito Desportivo e as nuances da Xxx Xxxx, que se constituem como as normas gerais sobre o desporto.
E por fim, no ultimo capítulo, aborda-se tudo sobre o instituto do passe, e sua extinção. As causas e acontecimentos que levaram o direito brasileiro a eliminar esse tipo de vínculo que o jogador mantinha com o seu clube. Ademais, foi exposto os aspectos positivos e negativos do passe, no sentido de analisar se a forma como se deu a sua extinção foi a melhor escolha.
É trazido à tona, nesta monografia, os problemas enfrentados atualmente pelos clubes de futebol, com relação ao assédio de outros clubes, seus dirigente e principalmente empresários, aos seus jogadores. Atletas esses, que são formados nas divisões de base do clube, e que carregam o peso do investimento e dedicação empenhados durante anos, pelos clubes formadores.
Necessária se faz então, a proteção destes clubes formadores, que, desde a extinção do passe, estão só observando os seus atletas sendo levados por empresários e agentes, que só visam o lucro e nada mais.
2 TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E O CONTRATO DE TRABALHO
Antigamente, nos primórdios da civilização, a sociedade utilizava a violência como recurso para perseguir seus objetivos e seus fins. Com o tempo e a evolução, o estágio da barbárie foi superado e o ser humano passou a recorrer aos contratos para resolver seus conflitos baseados na estabilidade que estes traziam às suas relações jurídicas.
O contrato passou então a servir como a medida certa dos interesses contrapostos, facilitando e cerceando as mais diversas relações jurídicas de todos os tipos de sociedades que vieram a existir com o passar dos anos, sendo um dos poucos institutos que sobreviveu à todas as mudanças que o tempo ofereceu, desenvolvendo sempre formas novas e adaptáveis às diversas necessidades que surgiram a cada evolução social.
Sobre sua importância, Xxxxx Xxxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxxx0 sustentam:
Costumamos afirmar, em nossas aulas, que o contrato está para o civilista, assim como o crime está para o penalista. Trata-se, em verdade, da espécie mais importante e socialmente difundida de negócio jurídico, consistindo, sem sombra de dúvidas, na força motriz das engrenagens socioeconômicas do mundo.
Então, pode-se concluir que estudar a evolução contratual de uma sociedade, é estudar a própria evolução moral desta, explicitando, portanto, a importância do estudo desse instituto.
2.1 HISTÓRICO, CONCEITO E PRINCÍPIOS DO CONTRATO
A ideia de definir uma época ou uma data específica para o surgimento do contrato faz os estudiosos caírem num poço sem fundo, pois, como dito acima, o nascimento e evolução dos contratos se confundem com a própria história das sociedades, portanto definir um período seria equivocado e não teria sequer validade jurídica.
1 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx; Pamplona Filho, Xxxxxxx. Novo Curso de Direito Civil, volume IV: Contratos, tomo 1: teoria geral. 5. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009.
Apesar do direito Romano ter sido fonte principal para o sistema jurídico ocidental, não se pode dizer que foram eles que efetivamente deram início a todos os institutos jurídicos conhecidos. O instituto do contrato não foi concebido por uma civilização específica, o que é mais viável dizer é que todas as sociedades, cada uma a seu tempo, contribuíram para o aperfeiçoamento e criação das inúmeras espécies de contratos existentes nos dias de hoje.
Todavia, foi na época clássica que se começou a introduzir efetivamente o elemento do acordo contratual no conceito de contractus assim se alcançando o conceito técnico e mais estrito de contrato, como “contrato obrigacional”2.
O direito romano dizia que contrato e pacto eram espécies do gênero convenção. Convenção era acordo de vontade entre pessoas livres, mas só seria contrato se tivesse ação correspondente, pois nessa época não existia o direito material, só o processual, pra fazer valer o direito. Se não houvesse ação, era apenas um pacto sem obrigatoriedade jurídica, mas com obrigatoriedade moral, pois se não cumprisse o pacto o sujeito sofreria capitis diminutio que é uma queda na escala social, submetendo-se ao credor.
O código de Xxxxxxxx também considerava o contrato como espécie de convenção, e mero instrumento para aquisição de propriedade. O código civil alemão, criado tempos depois, já considerava o contrato como espécie de negocio jurídico.
O corpus juris civilis já considerava os três conceitos sem distinção. Hoje as três expressões são consideradas como sinônimas.
A obrigatoriedade do contrato decorreu inicialmente do direito canônico, pelo “Pacto sunt servanda”, que dizia que o sujeito deve cumprir com suas obrigações ou Deus o castigará. Essa idéia da obrigatoriedade surge com a religião, mas com o renascimento e as novas idéias antropológicas o que passa a ser valorizado é a vontade, que é garantida pelo Estado, já que é a vontade do povo que dá poder a este. A responsabilidade passa ao Estado e não a deus.
2 GAGLIANO, Xxxxx Xxxxxx; Pamplona Filho, Xxxxxxx. Novo Curso de Direito Civil, volume IV: Contratos, tomo 1: teoria geral. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.
A idéia da autonomia da vontade veio com o código Francês e Alemão, onde as partes poderiam discutir livremente as condições em situação de igualdade. Esse princípio diz que as pessoas são livres para contratar, se alicerçando na liberdade contratual, no poder dos contratantes de disciplinar seus interesses mediante acordos, e dentro da lei. As partes podem contratar ou não sem qualquer interferência do estado. A autonomia da vontade é o direito dos particulares de auto regularem sua esfera jurídica.
Sobre o assunto, ressaltam Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxxx0:
Mas, sem dúvida, contribuição inegável seria dada pelo movimento iluminista francês, o qual, segundo uma escancarada vocação antropocêntrica, firmara a vontade racional do homem como centro do universo, determinando, assim, uma supervalorização da força normativa do contrato – levada às últimas consequências pela consagração fervorosa do pacta sunt servanda.
O pico da liberdade contratual foi após a revolução Inglesa e depois Francesa, por conta do individualismo e do liberalismo. O código civil Francês diz que o contrato tem a mesma força que a lei entre as partes contratantes, como se fosse uma obrigação legal.
No entanto, com essas revoluções nasceram problemas sociais. Foi criado o direito do trabalho, para assim proteger o trabalhador com a interferência do Estado e por outro lado, continuar com os princípios do direito civil sem o Estado poder interferir no direito dos particulares de compactuarem e elaborarem seus contratos livremente.
Xxxxx Xxxxx0 explica que a divisão do trabalho é princípio básico de organização social e que induz o ser humano a recorrer, necessariamente, à prática dos contratos, a fim de obter os meios indispensáveis ao suprimento de suas necessidades.
O dirigismo contratual nasce para o Estado poder controlar os contratos que são socialmente necessários, e que atuam em setores que interessam a toda a sociedade. A liberdade contratual encontra limites então na idéia de ordem
3 GAGLIANO, Xxxxx Xxxxxx; Pamplona Filho, Xxxxxxx. Novo Curso de Direito Civil, volume IV: Contratos, tomo 1: teoria geral. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p. 42.
4 XXXXX, Xxxxx. Curso de Direito Civil, v. 03: Contratos. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2012.
pública, pois o interesse da sociedade deve prevalecer ao interesse individual. É a supremacia do interesse publico.
O principio da autonomia da vontade deixou de ser absoluto, pois foi observado que em face da industrialização, a liberdade de contratar provocou o desequilíbrio social, com a exploração econômica do mais fraco. Estava-se garantindo a igualdade política, mas não a igualdade econômica, e o estado tinha que intervir em alguns setores.
Em prol dos direitos sociais foram criadas leis em setores de vital importância, pra dar supremacia à ordem publica, aos costumes e a moral, como a lei do inquilinato, lei da usura, CDC e outros. Nos dias de hoje, O estado interfere tanto em certos setores que o dirigismo contratual é nítido e muitas vezes amplamente questionado. O art. 2035 do CC fala da observância à ordem publica e a função social.
Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução.
A ordem pública é a ordem considerada indispensável para a organização estatal, e sem ela não existiria sociedade ou sistema jurídico. Surge se opondo ao principio da obrigatoriedade o da equivalência das prestações, que se deu no período entre guerras, pois com as indenizações que a Alemanha teve que arcar, ela ficou endividada, e não havia equilíbrio monetário, criando uma grande inflação.
As máquinas e afins eram compradas a prazo, e as parcelas perdiam cada vez mais o seu valor. A equivalência permite que o credor ou devedor recorra ao judiciário para obter alteração do contrato e das condições quando houver uma mudança muito grande no valor das coisas.
Essa teoria foi pensada primeiramente por Xxxxxxxx que disse que os fatores externos poderiam gerar uma situação muito diversa da que existia no momento da celebração do contrato, onerando excessivamente o devedor, ou prejudicando o credor.
Nessa época o nome da teoria era rebus sic stantibus, onde a obrigatoriedade do cumprimento do contrato dependia da inalterabilidade da situação de fato. Se essa situação se alterar é possível ir ao judiciário requerer ao juiz que isente a obrigação, ou equilibre as prestações como eram na situação inicial. No Brasil essa teoria é acolhida como a teoria da imprevisão, pois para nós para que a revisão seja possível, é necessário que a situação seja extraordinária e imprevisível.
No código de 16, a ideia era que as obrigações só tinham efeito entre as partes e os sucessores, a não ser quando eram personalíssimas que só diziam respeito as partes. Já no novo código de 2002 isso mudou, agora é reconhecida a função social do contrato e por isso possibilita a terceiros, que não são partes do contrato, interferirem nele se o assunto tratado no contrato lhe interessarem ou atingirem de alguma maneira. Por conta da função social do contrato, esse princípio foi relativizado porque a ordem pública deve ser respeitada e deve limitar os contratos.
O contrato é um dos negócios jurídicos mais utilizados no nosso ordenamento e é o mais comum entre as fontes de obrigação. As fontes de obrigações são os contratos, declarações unilaterais, e atos ilícitos. A lei que da eficácia a esses fatos transformando-os em fontes, e o contrato é a fonte mediata de obrigações. A lei disciplina os efeitos do contrato, que são direitos e obrigações.
É, portanto, negócio jurídico bilateral ou plurilateral. Os contratos decorrem de uma manifestação de vontade tutelada pelo ordenamento (são o principal negócio do campo da autonomia privada), ao passo que a responsabilidade civil é reprimida pelo ordenamento – juntas, são as principais fontes das obrigações.
O contrato seria então um acordo de vontades na conformidade da lei com finalidade de adquirir, resguardar, transferir conservar, modificar ou extinguir direitos.
Como esclarece Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx0, “o contrato é uma espécie de negócio jurídico que depende, para sua formação, da participação de pelo menos duas partes”. Já Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx0 explica que “Contrato é o acordo tácito ou expresso mediante o qual ajustam as partes pactuantes direitos e obrigações recíprocas”.
Um conceito mais didático e jurídico sobre o contrato é trazido por Xxxxxxx Xxxxxxxxxxx0:
Em acepção puramente jurídica, consiste no encontro de duas ou mais vontade contrapostas ou complementares, que confluem para regulamentar interesses particulares (entre as partes), com o objetivo de CRIAR, MODIFICAR ou EXTINGUIR relações jurídicas de natureza predominantemente patrimonial, tudo em conformidade com o direito objetivo.
Sendo o contrato um negócio jurídico bilateral e, portanto, ato jurídico, passa pelo plano da validade. Um dos requisitos de validade dos contratos é a capacidade. O agente, para celebrar um contrato, deve ser capaz.
É necessário também, possuir a legitimação, que é a potencialidade especifica para realizar atos, de modo que a capacidade é a potencialidade genérica para realizar atos. O objeto tem que ser lícito, possível, determinado ou, pelo menos, determinável. A liberdade da forma é um princípio do Direito Civil, mas existem alguns casos previstos em lei, que a forma contratual tem obrigatoriedade de ser escrita.
Em sentido estrito, contrato é um pacto que crie, modifique ou extingam relações patrimoniais, mas no sentido amplo contrato não se restringe ao direito das obrigações, mas também em outros ramos do direito privado, como o casamento que é um contrato especial, e no direito público.
O contrato, então, pode ser visto como norma, porque cria obrigações, ou pode ser visto como ato, pois é um negocio jurídico da categoria fato jurídico.
Desse modo, o contrato pode ser figurado como a manifestação jurídica da convivência patrimonial humana, e o seu manejo viabilizam a circulação de riquezas dentro do corpo social8.
5 XXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Direito Civil Brasileiro: Contratos e Atos Unilaterais. v. 03. 6. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 2.
6 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2009, p. 460.
7 KRUSCHEWSKY, Eugênio. Teoria geral dos contratos. 2. ed. Xxxxxxxx: Juspodivm, 2009.
2.2 PRINCÍPIOS
Por princípio, entendam-se os ditames superiores, fundantes e simultaneamente informadores do conjunto de regras do direito positivo9.
Os princípios norteiam todo o ordenamento jurídico e revelam, muitas vezes, tanta importância quanto o que está positivado na lei. Na visão de Xxxxxxxx Nunes10, “princípio é aquilo que, uma vez identificado, não pode mais ser alterado, devendo incidir sobre tudo. É algo universal, absoluto, do qual não se pode escapar”.
Nessa mesma visão sustenta Xxxxx Xxxxxxxx Xxxx00:
Os princípios são normas jurídicas que se distinguem das regras não só porque têm alto grau de generalidade, mas também por serem mandatos de otimização. Possuem um colorido axiológico mais acentuado do que as regras, desvelando mais nitidamente os valores jurídicos e políticos que condensam. Devem ter conteúdo de validade universal. Consagram valores generalizantes e servem para balizar todas as regras, as quais não podem afrontar as diretrizes contidas nos princípios.
Passando pelos ensinamentos e diretrizes trazidos por todos os princípios que norteiam o Direito e, neste caso especifico, os direitos contratuais, foram escolhidos alguns princípios que se mostram mais importantes para o atual estudo deste tema da monografia em questão.
2.2.1 Princípio da dignidade da pessoa humana
Esse princípio, mais do que garantir a simples sobrevivência do homem, traz a segurança do direito de viver plenamente e dignamente, sem a intervenção, seja do próprio Estado ou de um particular.
8 Ibidem.
9 GAGLIANO, Xxxxx Xxxxxx; PAMPLONA FILHO, Xxxxxxx. Novo Curso de Direito Civil, volume IV: Contratos, tomo 1: teoria geral. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.
10 NUNES, Rizzatto. O princípio Constitucional da dignidade da pessoa Humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 05.
11 DIAS, Xxxxx Xxxxxxxx. Manual de Direito das Famílias. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2009, p. 57
Após as duas grandes guerras mundiais, a Carta das Nações Unidas de 26 de junho de 1945, conforme texto a seguir, traz no seu preâmbulo a diretriz do princípio da dignidade da pessoa humana, buscando com isso, a tutela dos direitos do homem de forma digna e igualitária.
NÓS, OS POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS, RESOLVIDOS a
preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé dos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas, e estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos, e a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade ampla.
E PARA TAIS FINS, praticar a tolerância e viver em paz, uns com os outros, como bons vizinhos, e unir as nossas forças para manter a paz e a segurança internacionais, e a garantir, pela aceitação de princípios e a instituição dos métodos, que a força armada não será usada a não ser no interesse comum, a empregar um mecanismo internacional para promover o progresso econômico e social de todos os povos.
RESOLVEMOS CONJUGAR NOSSOS ESFORÇOS PARA A
CONSECUÇÃO DESSES OBJETIVOS. Em vista disso, nossos respectivos governos, por intermédio de representantes reunidos na cidade de São Francisco, depois de exibirem seus plenos poderes, que foram achados em boa e devida forma, concordaram com a presente Carta das Nações Unidas e estabelecem, por meio dela, uma organização internacional que será conhecida pelo nome de Nações Unidas.
O princípio da dignidade da pessoa humana faz com que as normas do Direito Privado olhem e cuidem mais das normas de proteção da pessoa, entretanto sem haver prejuízo na regulação dos direitos do patrimônio. Pode-se observar o princípio da dignidade da pessoa humana não só no texto acima da Carta das Nações Unidas, mas também na Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, que aduz:
PREÂMBULO:
Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo.
Artigo 1º. Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns par os outros em espírito de fraternidade.
Os princípios da solidariedade e da proporcionalidade junto com os direitos da personalidade fazem parte de uma coisa maior, que é o princípio da dignidade
da pessoa humana. Eles buscam a compreensão do que o ser humano necessita para ter uma vida digna, e com sua força positivam essa ideia. O contrato, de muitas maneiras, norteiam as relações jurídicas da sociedade, e justamente por isso, têm a obrigação de sempre estar atento ao princípio da dignidade da pessoa humana, que por sua vez, serve para assegurar que o ser humano seja sempre tratado de maneira igualitária na medidas das suas desigualdades. Em um negócio jurídico é sempre necessário o cuidado com as partes, levando em consideração sempre, a sua dignidade.
2.2.2 Princípio da boa-fé
A previsão expressa do princípio da boa-fé contratual não constava na edição do código civil de 1916 e por isso foi um dos pontos mais aplaudidos com o advento da elaboração do código civil de 2002.
Anteriormente, a boa-fé que transitava na esfera jurídica era a boa-fé subjetiva que sustentava relação direta com aquela pessoa que ignorava o vício de um determinado ato, ou negócio jurídico.
Mas, desde os primórdios do Direito Romano, já se cogitava uma outra boa-fé, aquela direcionada à conduta das partes, principalmente nas relações negociais e contratuais.
No sistema romano, já se reconhecia a importância dos pactos adjetos aos de boa-fé, com grande importância para os contratos então celebrados. Com o passar do tempo, o conceito de boa-fé passou por uma contundente evolução, sendo admitido no plano objetivo, relacionada a sua presença com as condutas dos envolvidos na relação jurídica. No plano contratual, a boa-fé objetiva passou a exercer influencia considerável, sendo prevista em todas as codificações modernas importantes12.
A boa-fé pode ser subjetiva ou objetiva. A primeira está visivelmente ligada a um estado de ânimo ou de espírito da pessoa que realiza o ato ou o vivencia
12 TARTUCE, Xxxxxx. Função social dos contratos do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de 2002. São Paulo: Editora Método, 2007.
sem saber do vício que existe nele. Xxxxxxx Xxxxxxxx e Xxxxx Xxxxxx00 explicam que em geral, esse estado subjetivo deriva do reconhecimento da ignorância do agente a respeito de determinada circunstância, como ocorre na hipótese do possuidor de boa-fé de desconhece o vício que macula a sua posse.
Nesse caso, o próprio legislador, em vários dispositivos, cuida de ampará-lo, não fazendo o mesmo, outrossim, quanto ao possuidor de má-fé. Distingue-se, portanto, da boa-fé objetiva, a qual, tendo natureza de princípio jurídico – delineando em conceito jurídico indeterminado -, consiste em uma verdadeira regra de comportamento, de fundo ético e exigibilidade jurídica.
Ainda sobre o assunto, Xxxxx Xxxxx00 expõe:
O código civil de 2002 introduziu o princípio da boa-fé na teoria dos negócios jurídicos, trazendo com isto uma alteração de amplo alcance no campo obrigacional. A exigência de boa-fé nos atos negociais não se refere à subjetiva, que se caracteriza pela seriedade das intenções, mas à de caráter objetivo, que independe do plano da consciência. Relevante, em face das novas regras, é que as condições do negócio jurídico, por suas cláusulas, revelem equilíbrio e justiça. Tem-se, em primeiro lugar, a disposição do art. 113, de conteúdo ético, que orienta o operador para interpretar os negócios jurídicos “conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”. Já o art. 422 exige dos contratantes a observância dos princípios da boa-fé e probidade, tanto na celebração do ato, quanto em sua execução. A boa-fé nos contratos significa, portanto, a honestidade e justiça nas condições gerais estabelecidas.
Ladeando, pois, esse dever jurídico principal, a boa-fé objetiva impõe também a observância de deveres jurídicos anexos ou de proteção, não menos relevantes, a exemplo dos deveres de lealdade e confiança, assistência, confidencialidade ou sigilo, informação etc15.
Tais deveres – é importante registrar – são impostos tanto ao sujeito ativo quanto ao sujeito passivo da relação jurídica obrigacional, pois referem-se, em
13 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx; Pamplona Filho, Xxxxxxx. Novo Curso de Direito Civil, volume IV: Contratos, tomo 1: teoria geral. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.
14 XXXXX, Xxxxx. Curso de Direito Civil, v. 03: Contratos. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2012, p. 30.
15 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx; Pamplona Filho, Xxxxxxx. Novo Curso de Direito Civil, volume IV: Contratos, tomo 1: teoria geral. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.
verdade, à exata satisfação dos interesses envolvidos na obrigação assumida por força da boa-fé contratual16.
A boa fé fala da probidade que os contratantes devem ter, e do caráter durante o período negocial e pós contratual, não só durante a execução do contrato. A boa fé também se relaciona com a dinâmica contratual que deve ser mantida de forma a trazer o melhor resultado possível para ambas as partes, e assim cita os deveres secundários e anexos decorrentes da relação jurídica contratual. Além dos deveres que surgem da boa fé, ainda existe a sua função interpretativa de acordo com o art. 113 do código civil de 2002, e também de limitação do exercício dos direitos subjetivos.
O art. 422 do código civil de 2002 estabelece que os contratantes, na conclusão e na execução, devem observar a boa-fé. É necessário observar a boa-fé como fonte de deveres anexos, secundários, projetando a dinamicidade da relação.
O art. 113, do mesmo código, estabelece a função hermenêutico-integrativa da boa-fé. Ela também tem a função de limitar o exercício de direitos subjetivos. Toda relação contratual tem que ser pensada e realizada de acordo com a boa- fé.
Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.
O código civil de 2002 segue a sistemática do código civil Italiano e traz a previsão da boa-fé contratual espalhada em seus diversos dispositivos. No entanto, o código Italiano prevê expressamente a responsabilidade pré- contratual, trazendo o dever de as partes se comportarem dentro dos limites da boa-fé também na fase de negociações contratuais. Infelizmente o atual código Civil brasileiro não apresenta previsão expressa semelhante17.
Essa evolução no direito Brasileiro, que já não é novidade no mundo há muito tempo, concede aos juízes poderes para julgar as diversas espécies de
16 Ibidem.
17 TARTUCE, Xxxxxx. Função social dos contratos do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de 2002. São Paulo: Editora Método, 2007.
contratos sob a ótica dos princípios do equilíbrio e da igualdade, podendo então modificar ou até mesmo desconsiderar alguma cláusula de um determinado contrato que não esteja adequado e apropriado para tal.
2.2.3 Princípio da função social do contrato
A partir do momento em que o Estado passou a adotar uma postura mais intervencionista, abandonando o ultrapassado papel de mero expectador da ambiência econômica, a função social do contrato ganhou contornos mais específicos18.
A função social do contrato tem ligação com a função social da propriedade que já é reconhecida desde a década 30 no Brasil. Antigamente, ela servia como argumento para reforma agrária. Em função social do contrato só se falou após a constituição de 1988.
Com a constituição de 1988, antes do código civil de 2002, se falava em função social como justiça social nos contratos, que reconhece os efeitos ultra contratuais sobre terceiros e a solidariedade entre os contraentes o que se fazia como um reflexo da boa-fé contratual.
Com a economia de massa, surge a exigência de contratos impessoais e padronizados, chamados de contratos de adesão, que não se combinam com o principio da autonomia da vontade. O código do consumidor, criado na década de 90, reconhece a figura do terceiro prejudicado na relação de consumo, que é essencial a função social, pois o contrato tem que atender ao interesse da sociedade.
O CDC fala que se equiparam a consumidores todas as vítimas do evento, isso quer dizer que o terceiro, mesmo não sendo parte no contrato, equipara-se a tal, se for de alguma forma prejudicado por ele.
Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
18 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx; Pamplona Filho, Xxxxxxx. Novo Curso de Direito Civil, volume IV: Contratos, tomo 1: teoria geral. 5. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009.
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.
O código de 2002 se afasta das concepções individualistas do código passado e traz uma ideia de socialização do direito contemporâneo. Ele adota valores coletivos que devem prevalecer sobre os individuais sem perder o valor da pessoa humana.
O contrato além de ser considerado como um instrumento para a circulação de riquezas, hoje em dia é amplamente aceito como uma maneira de promover o desenvolvimento social, pois sem eles a sociedade estaria estagnada, nada que é conhecido nos dias atuais teriam a mesma força e o mesmo aprofundamento. Quase todas as relações e negócios jurídicos no mundo hoje, são baseados, fundados e te sua segurança de acordo com os contratos que são traçados em relação a eles.
Por isso, ao se conceber a figura do contrato, quer seja firmado entre particulares, quer seja pactuado com a própria administração pública, não se pode deslocá-lo da conjuntura social que lhe dá ambiência. Na mesma linha, não se pode admitir contratos que violem a livre concorrência, as leis de mercado, ou os postulados de defesa do consumidor19.
O art. 421 do CC diz que “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Esse “em razão” é muito questionado, pois o coletivo não está a frente da autonomia privada, não se pode violar o interesse público, mas também não tem que atendê-lo. Existe um projeto de lei para suprimir a expressão “em razão”.
Segundo ensina Xxxxxx Xxxxxxx00:
Na exposição de motivos do anteprojeto do Código Civil, Xxxxxx Xxxxx menciona a importância dessa inovação, no tocante ao direito obrigacional, eis que é um dos principais objetivos da codificação novel “tornar explícito, como princípio condicionador de todo o processo hermenêutico, que a liberdade de contratar só pode ser exercida em consonância com os fins sociais do contrato, implicando os valores primordiais da boa-fé e da probidade. Trata-se de preceito fundamental, dispensável talvez sob o enfoque de uma estreita
19 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx; Pamplona Filho, Xxxxxxx. Novo Curso de Direito Civil, volume IV: Contratos, tomo 1: teoria geral. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.
20 TARTUCE, Xxxxxx. Função social dos contratos do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de 2002. São Paulo: Editora Método, 2007, p. 239-240.
compreensão do Direito, mas essencial à adequação das normas particulares à concreção ética da experiência jurídica.
A função social do contrato guarda relação com a função social da propriedade e tenta realizar uma justiça diminuindo as desigualdades substanciais entre os contratantes. Ela serve pra limitar a autonomia da vontade, quanto esta se confronta com o interesse social.
Essa idéia vai de encontro com a antiga concepção de que o contratante poderia fazer tudo no exercício de sua autonomia da vontade. Isso envolve também o principio da relatividade dos efeitos do contrato, porque apesar do contrato ser contraído entre as partes, terceiros podem ser atingidos por ela e por isso podem influir no contrato.
Essa idéia da função social dos contratos não deve ser um valor apenas na interpretação dos contratos, mas na integração e na concretização das normas de cada contrato.
A função social tem dois aspectos. O individual, pois os contratantes se valem do contrato pra satisfazer seus próprios interesses, e o público, pois o interesse da coletividade também deve ser atendido. O contrato deve cumprir sua função social respeitando a função econômica, que é de promover a circulação de riquezas, onde o ganho ou lucro não pode ser desprezado. O contrato é veiculo jurídico, é um meio jurídico dessa circulação, que aumenta a riqueza.
A função social então se coaduna não só com a função econômica que possibilita a circulação de riqueza, como o desenvolvimento econômico, direitos sociais e outros. A função social existe para viabilizar a ordem social que a constituição almeja. Não adianta ordem social se a sociedade não tiver recursos disponíveis pra realizá-la.
Pela vanguarda dessa nova visão, os contratos devem ser interpretados de acordo com a concepção do meio social em que estão inseridos, não trazendo onerosidade excessiva ou situações de injustiça às partes contratantes, garantindo que a igualdade entre elas seja respeitada, equilibrando a relação
em que houver a preponderância da situação de um dos contratantes sobre a do outro21.
Valoriza-se a equidade, a razoabilidade, o bom senso, afastando-se o enriquecimento sem causa, ato unilateral vedado expressamente pela própria codificação emergente, nos seus arts. 884 a 88622.
2.2.4 Princípio da autonomia da vontade
Apesar de o ordenamento brasileiro ser baseado no princípio da função social do contrato, não se pode deixar de lado a livre iniciativa e vontade das partes envolvidas no contrato, pois o contrato tem, em sua natureza, o traço forte da voluntariedade.
Como salienta Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx00, “essa liberdade de contratar, por sua vez, manifesta-se no plano pessoal, ou seja, na liberdade de escolher a pessoa com a qual contratar. A autonomia da vontade, nessa linha, vista no plano da bilateralidade do contrato, pode ser expressa pelo denominado consensualismo: o encontro das vontades livres e contrapostas faz surgir o consentimento, pedra fundamental do negócio jurídico contratual”.
Ainda neste sentido, Xxxxx Xxxxx00:
Na gestão de seus interesses, as pessoas gozam do direito de contratar e de não contratar. A vontade é livre para contrair obrigações de variadas espécies e sob as condições que desejar, sem a imposição da lei. Os contratos, por sua modalidade, objeto e condições, se amoldam às individualidades. Afora os de adesão, personalizam-se ao retratar, sob medida, as particularidades de cada situação. Nem sempre as condições contratuais correspondem, exatamente, ao querer íntimo da parte, pois a negociação às vezes é permeada de renúncias e transigências. Tais circunstâncias não
21 TARTUCE, Xxxxxx. Função social dos contratos do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de 2002. São Paulo: Editora Método, 2007.
22 TARTUCE, Xxxxxx. Função social dos contratos do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de 2002. Op. Cit., 2007.
23 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx; Pamplona Filho, Xxxxxxx. Novo Curso de Direito Civil, volume IV: Contratos, tomo 1: teoria geral. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p. 72.
24 XXXXX, Xxxxx. Curso de Direito Civil, v. 03: Contratos. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2012, p. 23.
significam, porém, qualquer restrição ao princípio da autonomia da vontade, uma vez que a parte, avaliando as perdas e ganhos, decide livremente pela celebração do contrato.
O Código Civil de 2002, ciente dessa liberdade de contratar, prevê em seu art. 425 a possibilidade de celebração de contratos atípicos, aqueles sem previsão legal, inteirado o legislador do fato de que a lei muitas vezes não pode acompanhar o poder inventivo do ser humano, inclusive na criação de novos institutos negociais patrimoniais25.
Segundo este princípio, ao celebrar-se um contrato, o que irá imperar sobretudo é a liberdade das partes contratantes que escolherão se vão ou não contratar, com quem vão contratar e o que vão contratar.
A liberdade das ações humanas encontra no contrato a sua cidadela – ao menos na seara da atividade jurídica -, o seu porto seguro. O ser humano capaz é autônomo para contratar, desde que observe a lei e os bons costumes, únicos limites originariamente impostos a essa liberdade26.
Com a inevitável evolução das sociedades, esse princípio, apesar de não ter perdido sua essência e sua importância, sofreu limites e intervenções. Limites esses dados por normas de ordem pública e em benefício do bem estar comum da sociedade.
Nesse sentido, Xxxxx Xxxxx00 enfatiza que o princípio da autonomia da vontade, poder criador que consiste na faculdade de contratar quando, como e com quem quiser, encontra seus limites nas leis de ordem pública e nos bons costumes. As primeiras se referem aos interesses basilares do Estado e não podem ser substituídas pela vontade das partes. Suas normas são cogentes, ou seja, preponderam sobre os interesses individuais.
Essa limitação se fez necessária para que a liberdade desmedida não viesse a se tornar abusiva, entretanto, de forma alguma pode significar a exclusão do princípio da autonomia da vontade como explicado anteriormente, pois sem ela as relações jurídicas não mais existiriam, colocando assim, as sociedades
25 TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de 2002. São Paulo: Editora Método, 2007.
26 KRUSCHEWSKY, Eugênio. Teoria geral dos contratos. 2. ed. Xxxxxxxx: Juspodivm, 2009.
27 XXXXX, Xxxxx. Op. cit.
existentes nas formas hoje conhecidas, em risco eminente de um colapso, e sem base alguma.
2.3 REQUISITOS DE VALIDADE
Os requisitos ou pressupostos de validade de um contrato, nada mais são do que os próprios elementos que formam a existência dos mesmos. De acordo com o princípio explicado no tópico anterior, o contrato, para existir, é necessário que tenha duas ou mais pessoas participando e que estejam contratando por livre e espontânea vontade.
Assim, é impossível que haja um contrato que seja firmado consigo mesmo, a não ser que seja autorizado por lei ou por um representante, como dispõe o art. 117 do código Civil de 2002:
Art 117. Salvo se o permitir a lei ou o representado, é anulável o negocio jurídico que o representante, no seu interesse ou por conta de outrem, celebrar consigo mesmo.
Parágrafo único. Pra esse efeito tem-se como celebrado pelo representante o negócio realizado por aquele em que os poderes houverem sido substabelecidos.
Além disso, a demonstração de vontade tem que ser livre e de boa-fé, sem vícios de consentimentos, observando então a sua boa-fé objetiva, já explicada anteriormente nesse trabalho.
Como explica Xxxxxxxxxxx00, o contrato deve restar desprovido, pois de vícios que possam macular o consentimento, como, por exemplo, o erro, o dolo e a coação. No que concerne a estes vícios haverá anulabilidade. Quanto à simulação, conforme novel dicção do atual Código Civil, haverá nulidade.
O artigo 3º do Código Civil de 2002 traz o rol dos absolutamente incapazes para praticar os atos da vida civil, e entre esses atos está o de contratar. A mesma lei no seu dispositivo 166, inciso primeiro, prevê que os contratos celebrados por pessoas absolutamente incapazes são considerados nulos.
Art. 3º. São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:
28 KRUSCHEWSKY, Eugênio. Teoria geral dos contratos. 2. ed. Xxxxxxxx: Juspodivm, 2009.
I – os menores de 16 anos;
II – os que, por enfermidade ou doença mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;
III – os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.
Art. 166. É nulo negócio jurídico quando:
I – celebrado por pessoa absolutamente incapaz;
A par disso, é imprescindível que os contratantes possam livremente praticar os atos da vida civil, direta e pessoalmente ou através de assistência ou representação exigidas. É a capacidade contratual genérica. Mas aquele que ostenta capacidade para contratar de um modo geral, pode não possuí-la para celebrar determinado pacto. Somente o proprietário, por exemplo, é quem apresenta condições de firmar doação, apenas as sociedades anônimas e cooperativas é que estão autorizadas a celebrar seguros, na posição de seguradoras. A capacidade ou aptidão específica para celebrar determinado contrato é conhecida como legitimidade29.
2.4 CONTRATO DE TRABALHO
Quando a lei dispõe sobre relação de trabalho, quer se referir a contrato de trabalho. Faça-se a ressalva sobre a antiga discussão sobre o sentido das duas expressões: aquela, uma visão objetivista do vínculo de emprego, esta, uma postura contratualista. Mas não se controverte que relação de trabalho é um gênero, ou, em outras palavras, contrato de trabalho é um gênero, e não se confunde com relação de emprego ou contrato de emprego, que é uma modalidade – a mais importante – de contrato de trabalho30.
Segundo Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx00:
O contrato de trabalho, que viabiliza a concretização da relação jurídica empregatícia tipificada pelos arts. 2º e 3º da CLT, assume modalidades distintas, segundo o aspecto enfocado em face do universo de pactos laborais existentes. Diversas tipologias de
29 KRUSCHEWSKY, Eugênio. Teoria geral dos contratos. 2. ed. Xxxxxxxx: Juspodivm, 2009.
30 NASCIMENTO, Xxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho: História e Teoria Geral do Direito do Trabalho: Relações individuais e coletivas do trabalho. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
31 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2009, p. 584.
contratos empregatícios podem ser construídas, elegendo-se para cada uma delas um tópico de comparação e diferenciação entre eles.
O conceito trazido pela lei na Consolidação das leis Trabalhistas – CLT – no seu artigo 442 é amplamente criticado pela maioria da doutrina, por falar em “acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego”. O que na verdade ocorre é que o próprio contrato de trabalho é que cria essa relação de emprego, e não corresponde a essa relação. Sem o contratato de trabalho, não existe relação empregatícia, mesmo havendo vínculo.
Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxx00 afirma que o contrato de trabalho é o acordo expresso (escrito ou verbal) ou tácito, firmado entre uma pessoa física (empregado) e outra pessoa física, jurídica ou entidade (empregador), por meio do qual o primeiro se compromete a executar, pessoalmente, em favor do segundo, um serviço de natureza não eventual, mediante salário e subordinação jurídica. Sua nota típica é a subordinação jurídica. É ela que irá distinguir o contrato de trabalho dos contratos que lhe são afins e, evidentemente, o trabalho subordinado do trabalho autônomo.
2.4.1 Histórico e características do contrato de trabalho
O contrato de trabalho era anteriormente denominado de locação de serviços, sendo utilizados os arts. 1.216 a 1.236 do Código Civil de 1916. A doutrina já usava a denominação, como se verifica em 1905, com Xxxxxxxx xx Xxxxxx, em apontamento de Direito Operário. A denominação contrato de trabalho surge com a Lei nº 62 de 5-6-1935, que tratou da rescisão pacto laboral33.
O que é entendido predominantemente na doutrina, como contrato de trabalho, é aquele negócio jurídico bilateral, que produz direitos e obrigações para ambas as partes contratantes. É um contrato oneroso e comutativo, sendo a remuneração um ponto essencial e tendo as suas prestações certa correspondência em ambas às partes. É consensual e pessoal, não tendo uma
32 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx de. Curso de Direito do Trabalho. 5. ed. rev. e ampl. São Paulo: Ltr, 2009.
33 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx. Direito do Trabalho. 25. ed. 2. reimpr. São Paulo: Atlas, 2009.
forma imposta pela lei e sendo intuitu personae, ou seja, a pessoa do empregado é importante para o empregador, tendo em vista que ele está contratando determinada pessoa com suas características e especializações. É também um contrato de execução continuada, não se extinguindo com uma só prestação.
Como explica Xxxxxxx Xxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxxxxxx00:
São as seguintes as características do contrato de trabalho: 1ª) é bilateral, pois produz direitos e obrigações para ambos; 2ª) é oneroso, em que a remuneração é requisito essencial;
3ª) é comutativo, pois as prestações de ambas as partes apresentam relativa equivalência, sendo conhecidas no momento da celebração do ajuste;
4ª) é consensual, pois a lei não impõe forma especial para a sua celebração, bastando a anuência das partes;
5ª) é um contrato de adesão, pois um dos contratantes, o empregado, limita-se a aceitar as cláusulas e condições previamente estabelecidas pelo empregador;
6ª) é pessoal (intuitu personae), pois a pessoa do empregado é considerada pelo empregador como elemento determinante da contratação, não podendo aquele fazer-se substituir na prestação laboral sem o consentimento deste;
7ª) é de execução continuada, pois a execução do contrato não se exaure numa única prestação, prolongando-se no tempo.
A partir do instante em que um sujeito coloca em vigor as regras, e o outro aceita, aparece uma relação bilateral, que é chamada por contrato original. Esse entendimento de contrato de trabalho, demonstra que esse tipo de contrato é um contrato de adesão, no qual o empregador estabelece previamente as cláusulas do contrato, cabendo ao empregado em potencial, aceitar ou não aqueles pontos predefinidos.
Ao ocorrer esse fato, o princípio da autonomia da vontade não é prejudicado pelo simples fato de que, mesmo que o empregador já tenha o contrato definido antes, o empregado tem a autonomia de escolher se aceita ou não.
A primeira forma que se tem notícia de agregação social é a família e é exatamente nesse seio que começa a surgir a primeira forma de trabalho humano. Desde que o ser humano passou a se agregar surge o trabalho.
34 XXXXXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXX, Xxxxxxx. Direito do Trabalho. 6. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2005, p. 36-37.
Mesmo na família, havia uma coordenação do trabalho, orientada pelo pater família.
O trabalho por conta xxxxxx também surgiu a partir da família. O trabalho tem, inquestionavelmente, um valor econômico e um valor auto tutelar (o poder de quem coordena os demais). Dessa forma, nasce a delegação de trabalho e a escravidão. O trabalho já tem um ranço de necessidade, mas antigamente, quando surgiram as primeiras formas de trabalho por conta alheia, existia uma visão muito mais pejorativa.
O vocábulo trabalho nasce da expressão do latim tripalium, que era o instrumento que se usava para torturar as pessoas. Outras nações utilizaram outra expressão, que deu origem a palavra labor, que significava em latim dor. Outra expressão com esse cunho pejorativo era operário, que vem do latim ouvrier (do grego, ponos = pena), que significava um homem com pena, preso a um antigo patrão. Esses termos se consagraram, mas passaram a ter outra conotação a partir do Feudalismo.
Nos séculos XV e XVI, surge a palavra salário, que está relacionado ao sal, que era uma mercadoria muito preciosa à época. Outra expressão utilizada foi a palavra proletário (proletarius), que era aquele que não importava.
Todas essas expressões passaram a ter outra conotação somente a partir do século XVIII, notadamente depois da Revolução Industrial. A partir daí é que surge a necessidade social de regulamentar o trabalho.
Quando o contrato está sendo firmado numa relação de trabalho, atualmente, na sociedade capitalista em que vivemos, é uma das relações jurídicas que ocorrem com mais frequência, a boa-fé contratual se torna até mais importante, em virtude do alto nível de confiança e complexidade envolvida entre o futuro empregado e o futuro empregador ao assinar esse contrato.
Nesta seara, a existência da necessidade dessa confiança se dá muito pelo fato de que, o contrato de trabalho é um contrato de adesão, tendo as suas cláusulas pré-definidas pelo empregador.
Para caracterizar o contrato de trabalho, existem alguns pressupostos como explica Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx00:
Primeiro, a pessoalidade para definir, entre as novas relações de trabalho, quais as que devem receber a tutela da lei. Em princípio, será de trabalho toda relação jurídica cujo objetivo residir na atividade profissional e pessoal de pessoa física para outrem [...]. Segundo, a profissionalidade que afasta os serviços gratuitos ou prestados com finalidades não profissionais, como trabalho benemerente e assistencial [...]. A profissionalidade pressupõe uma troca entre trabalho e retribuição. Terceiro, é a indissociabilidade entre o trabalhador e o trabalho que presta [...]. Quanto à continuidade para a mesma fonte de trabalho, pode estar presente tanto no trabalho autônomo, como no parassubordinado, quanto na relação de emprego, porque é perfeitamente possível o autônomo continuativo, uma vez que a continuidade não faz nascer necessariamente a subordinação.
O Direito do Trabalho, portanto, é o conjunto de normas e princípios que regem as relações individuais e coletivas entre trabalhadores e empregadores, as relações entre esses dois e o Estado e, excepcionalmente, o trabalho autônomo.
Neste diapasão, se aceita a premissa de que o direito do trabalho deve ser, na verdade, um direito dos empregados, na definição correspondente, de “direito do trabalho como ramo do direito que disciplina as relações de emprego, individuais e coletivas”, estará refletida tal posição. Outros sustentam, no entanto, que o direito do trabalho disciplina não apenas as relações de emprego mas outras, como as de trabalho autônomo, com o que outra teria que ser a definição36.
2.4.2 Natureza jurídica do contrato de trabalho
Há uma ampla discussão sobre qual é a natureza jurídica dos contratos de trabalho, por isso ainda não há uma unanimidade sobre esse assunto, existindo
35 XXXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho: História e Teoria Geral do Direito do Trabalho: Relações individuais e coletivas do trabalho. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 547-548.
36 XXXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho: História e Teoria Geral do Direito do Trabalho: Relações individuais e coletivas do trabalho. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
uma diversidades de teorias que pretendem explicar, cada uma a sua maneira, essa natureza jurídica. Um dos pontos que abarca discussão, é que o contrato de trabalho carrega em si, uma natureza contratualista.
Segundo Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxx00, as teorias contratualistas identificam o contrato de trabalho como um contrato de direito civil sendo ou uma compra e venda, ou uma locação, ou uma sociedade ou um mandato. Os que entendem que o contrato de trabalho tem a mesma natureza de um contrato de compra e venda, afirmam que o empregado vende a sua força de trabalho para o empregador em troca de um salário, mas a principal crítica para essa visão é que a força de trabalho não é uma mercadoria, nem o salário é um preço.
A segunda teoria, que vê o contrato de trabalho como uma espécie de locação, com base no direito Romano, já explicitando aqui o retrocesso desse pensamento, afirma que o empregado aluga a sua força de trabalho assumindo o papel de locador, enquanto o empregador se encontra no papel do locatário. Essa teoria tem como principal crítica, a ideia de que a força de trabalho do empregador é inseparável da pessoa dele.
A teoria que entende que o contrato de trabalho é um mandato, afirma que o empregador atua como mandante e o empregado como mandatário, sendo que não se pode aceitar essa teoria porque, antes de mais nada, uma das características mais importantes do contrato de trabalho é a onerosidade, e o mandato, originalmente, é um contrato gratuito. Entre essas e outras teorias existentes para explicar a natureza jurídica desse instituto importantíssimo, o que prevalece no Brasil, como regra geral, é a forma livre de celebração do contrato.
Predomina, entretanto, no ordenamento jurídico pátrio, a teoria contratualista, não nos moldes das teorias civilistas clássicas, mas considerando a vontade como elemento indispensável na celebração do contrato de trabalho. Não esquecendo, no entanto, que o contrato de trabalho é um contrato de adesão,
37 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx de. Curso de Direito do Trabalho. 5. ed. rev. e ampl. São Paulo: Ltr, 2009.
ou seja, o empregado irá aceitar ou não as cláusulas já predefinidas pelos empregadores anteriormente.
Ressaltando, contudo, que o princípio da autonomia da vontade não estará sendo violado nesse caso, justamente porque o empregado irá escolher livremente se aceita ou não as condições empreendidas anteriormente pelo empregador.
2.4.3 Contrato de emprego como espécie de contrato de trabalho
Antigamente, o art. 114 da Constituição Federal de 1988 dizia exclusivamente que a Justiça do Trabalho era competente para dirimir as questões relativas às relações de emprego. Essa competência, no entanto, foi ampliada pela Emenda Constitucional n° 45/2004. Relação de trabalho é uma expressão geral, que engloba relação de emprego.
De acordo com os ensinamentos de Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxx00:
Os principais elementos da relação de emprego gerada pelo contrato de trabalho são: a) a pessoalidade, ou seja, um dos sujeitos (o empregado) tem o dever jurídico de prestar os serviços em favor de outrem pessoalmente; b) a natureza não eventual do serviço, isto é, ele deverá ser necessário à atividade normal do empregador; c) a remuneração do trabalho a ser executado pelo empregado; d) finalmente a subordinação jurídica da prestação de serviços.
O art. 442 da CLT traz uma definição de contrato de trabalho que é criticada pela doutrina, pois o contrato não corresponde diretamente à relação de emprego, ele cria a relação jurídica “Art. 442 - Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego.”
Segundo Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxx00:
O contrato de trabalho é o acordo expresso (escrito ou verbal) ou tácito firmado entre uma pessoa física (empregado) e outra pessoa física, jurídica ou entidade (empregador), por meio do qual o primeiro se compromete a executar, pessoalmente, em favor do segundo um serviço de natureza não eventual, mediante salário e subordinação jurídica. (...) O contrato de trabalho é, portanto, um negócio jurídico
38 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx de. Curso de Direito do Trabalho. 5. ed. rev. e ampl. São Paulo: Ltr, 2009, p. 220.
39 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 5. ed. rev. e ampl. São Paulo: Ltr, 2009, p. 236-237.
bilateral em que “os interesses contrapostos” se acham presentes com mais intensidade do que em outros contratos.
O contrato de emprego é uma espécie de contrato de trabalho, que está inserido no contrato de atividade lato sensu. O conceito do art. 442 da CLT deixa a entender que o contrato de trabalho corresponde à relação de emprego, o que não é verdade, entretanto o costume faz com que as pessoas chamem o contrato de emprego de contrato de trabalho.
Os requisitos de validade do contrato de emprego são quase os mesmos dos contratos em geral, mas contam com algumas peculiaridades. O agente é plenamente capaz aos 18 anos ou se emancipado, a capacidade relativa é entre 16 a 18 anos, e a capacidade especial é de 14 a 16 anos quando se é aprendiz.
Quando houver capacidade relativa, é possível que se firme contrato de emprego, mas será necessária que sua vontade seja complementada pela do seu assistente. Muitos dos atos próprios da relação de emprego podem ser feitos sozinhos por eles, entretanto, para alguns atos mais importantes o relativamente incapaz deve ser assistido pelos responsáveis.
O contrato de trabalho celebrado por incapaz, menor de 14 anos é nulo, mas no direito do trabalho, o efeito é ex nunc, ele tem direito aos direitos trabalhistas, pois é impossível estabelecer o status quo ante, tornando essa relação sem efeitos, pois não tem como devolver a energia aplicada no trabalho.
A legislação trabalhista não disciplina quando o empregado adquire capacidade, logo, deve-se suprir a lacuna com o CC, que diz que a capacidade se adquire com 18 anos ou emancipado, para a pessoa física.
De acordo com Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxx00:
Entre os caracteres do contrato de trabalho apontados pela doutrina, poderão ser arrolados os seguintes: trata-se de um contrato de direito privado, sinalagmático, de execução continuada, consensual, intuitu personae em relação ao empregado, oneroso e do tipo subordinativo. Alguns autores acrescentam a alteridade entre esses caracteres, o que significa ser o trabalho executado em favor de outrem, que aufere
40 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx de. Curso de Direito do Trabalho. 5. ed. rev. e ampl. São Paulo: Ltr, 2009, p. 238.
os frutos do trabalho de alguém e, portanto, deverá assumir os riscos do empreendimento.
Essa característica do contrato de trabalho, intuitu personae, diz respeito ao empregado. É levado em consideração as suas características pessoais, o que o empregado coloca a disposição do empregador não é somente a prestação de serviço genérica, e sim a sua atividade intelectual, principalmente nas atividades como cantor, pintor ou jogador de futebol.
2.4.4 Peculiaridades do contrato de jogador profissional de futebol
O contrato de emprego do atleta profissional é visto como um contrato especial de trabalho. A primeira lei que regulamentou os contratos de jogador profissional de futebol foi a Lei nº 6354/76, que acabou sendo revogada pela lei nº 9015/98, intitulada Lei Pelé, cujo campo de atuação se estende aos atletas em geral.
Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxx00 explica que “o atleta que praticar o futebol, em caráter profissional, é considerado empregado da associação desportiva que se utilizar de seus serviços mediante salário e subordinação jurídica”.
A primeira peculiaridade que difere o contrato de jogador de futebol da generalidade dos contratos de trabalho é o fato de que, normalmente, os contratos de trabalho possuem a alternativa de serem expressos ou tácitos, de acordo com o art. 443 da CLT: “Art. 443. O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito e por prazo determinado ou indeterminado”.
Já o contrato do jogador de futebol, de acordo com os arts. 28 da Lei nº 9615/98 e 3º da Lei 6354/76, para ser válido tem que ser celebrado por escrito, não podendo ser feito tacitamente ou verbalmente42.
41 Ibidem
42 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx. Direitos Trabalhistas do Atleta Profissional de Futebol. São Paulo: Atlas, 2011.
A questão da duração também se torna importante nesse tipo de contrato. O contrato do jogador de futebol tem vigência por tempo determinado, ou seja, terá sempre um prazo de validade.
Após muitas mudanças ao longo dos anos, a Lei Xxxx estabelece em seu art. 30, que o prazo mínimo é de 3 meses e o prazo máximo é de 5 anos, sendo que a renovação do contrato pode ocorrer ilimitadamente, não precisando ser observado o intervalo de 6 meses entre um contrato e outro.
Art. 30. O contrato de trabalho do atleta profissional terá prazo determinado, com vigência nunca inferior a três meses nem superior a cinco anos.
Parágrafo único. Não se aplica ao contrato especial de trabalho desportivo do atleta profissional o disposto nos arts. 445 e 451 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.
Segundo os ensinamentos de Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx00, ao estabelecer o prazo mínimo de 3 meses para o contrato de jogador de futebol, o legislador teve a intenção de dar a oportunidade ao jogador de mostrar as suas habilidades técnicas. Já o prazo máximo de 5 anos, foi estabelecido para que os clubes tenham retorno do investimento feito nos atletas, pois estes, normalmente demoravam de apresentar resultados.
A regra do parágrafo único do art. 30 é considerada dispensável, tendo em vista que, já que o prazo máximo foi estabelecido em até 5 anos, não poderia se encaixar no art. 445 da CLT de forma alguma.
O contrato de emprego do atleta se dá de uma maneira formal, ou seja, o jogador só poderá entrar em campo se estiver com a documentação registrada na federação estadual do qual o seu clube é filiado, e na CBF.
Outra diferença importante encontrada nos contratos desportivos diz respeito à relação entre o pólo que estabelece as cláusulas contratuais, e o pólo que aceita ou não essas cláusulas.
Como assinala Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx00, o contrato normal de trabalho é um contrato de adesão, no qual, os empregados não tem o que negociar com o empregador, tendo que aceitar as cláusulas que lhes são impostas, o que já
43 Ibidem.
44 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx. Direitos Trabalhistas do Atleta Profissional de Futebol. São Paulo: Atlas, 2011, p. 12.
não ocorre no âmbito desportivo. Os grandes jogadores, junto com seus empresários, é que estabelecem as cláusulas, e os clubes, para manter o atleta no elenco de seu time, só tem a opção de aceitá-las.
O regime de trabalho adotado no futebol também tem suas peculiaridades, como a concentração onde os atletas ficam separados da família e amigos para poder se preparar para o jogo, junto com seus colegas de clube.
A regra prevista explicitamente na constituição de 88 é no sentido de que a jornada de trabalho não poderá ultrapassar o limite máximo de 44h semanais. A lei 6354/76, em consonância com a antiga constituição, previa que a jornada de trabalho do jogador de futebol era de, no máximo, 48h semanais.
No entanto, com o advento da Xxx Xxxx, que revogou essa ultima lei, a jornada de trabalho do jogador passou a ser de 44h semanais, de acordo com o art. 28, parágrafo 4º, e com a constituição vigente.
A lei 6354/76, no seu art. 7º não considerava a concentração como jornada de trabalho porque senão o jogador teria que ganhar sempre hora extra.
Art. 7º O atleta será obrigado a concentrar-se, se convier ao empregador, por prazo não superior a 3 (três) dias por semana, desde que esteja programada qualquer competição amistosa ou oficial e ficar à disposição do empregador quando da realização de competição fora da localidade onde tenha sua sede.
Parágrafo único. Excepcionalmente, o prazo de concentração poderá ser ampliado quando o atleta estiver à disposição de Federação ou Confederação.
Essa mesma lei, ressaltava que o máximo que o atleta podia fica concentrado era durante 3 dias na semana, e somente se tivesse jogo programado. Essa lei foi revogada, mas essa regra não, pois a lei Xxxx traz o mesmo texto no seu art. 28 §4º I.
§ 4º Aplicam-se ao atleta profissional as normas gerais da legislação trabalhista e da Seguridade Social, ressalvadas as peculiaridades constantes desta Lei, especialmente as seguintes: I - se conveniente à entidade de prática desportiva, a concentração não poderá ser superior a 3 (três) dias consecutivos por semana, desde que esteja programada qualquer partida, prova ou equivalente, amistosa ou oficial, devendo o atleta ficar à disposição do empregador por ocasião da realização de competição fora da localidade onde tenha sua sede.
De acordo com Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx00, “trabalhando o atleta profissional mais de oito horas diárias e 44 semanais a partir de 5 de outubro de 1988, faz jus às horas extras acrescidas do adicional de 50% sobre a hora normal (art. 7º, XVI, da constituição)”.
O mesmo doutrinador, nessa mesma obra, ressalta que as horas em que o atleta passa concentrado, em hotel ou centros esportivos, não podem ser consideradas como um momento de aguardo e sim, uma situação onde o jogador está à disposição do empregador. A duração da concentração não servirá para as contas das horas semanais da jornada de trabalho dos atletas.
2.4.4.1 A cláusula penal nos contratos de jogadores profissionais de futebol
A cláusula penal está presente no mundo jurídico desde os primórdios, introduzida no Brasil pela legislação portuguesa.
Neste diapasão, em obra de sua autoria, Xxxxxxx Xxxxxxxx refere-se aos ensinamentos de Xxxxxx Xxxxxxx França46:
A cláusula Penal é um pacto acessório ao contrário do ato jurídico, efetuado na mesma declaração ou em declaração à parte, por meio do qual se estipula uma pena, em dinheiro ou em utilidade, a ser cumprida pelo devedor ou por terceiro, cuja finalidade precípua é garantir, alternativa ou cumulativamente, conforme o caso, em benefício do credor ou de outrem, o fiel e exato cumprimento da obrigação principal, bem assim, ordinariamente, constituir-se na pré- avaliação das perdas e danos e em punição ao inadimplente.
De acordo com as ideias de Xxxxxxx Xxxxxxxx00, existem três tipos de cláusulas penais, a compensatória alternativa, a compensatória cumulativa e a liberatória.
A primeira se encaixa na ideia de ser um instrumento acessório para a punição. Já a cláusula penal compensatória cumulativa, como o nome já informa, cumula a punição com outras sanções atinentes ao contrato.
45 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx. Direitos Trabalhistas do Atleta Profissional de Futebol. São Paulo: Atlas, 2011.
46 XXXXXXXX, Xxxxxxx apud FRANÇA, Xxxxxx Xxxxxxx. A cláusula penal nos contratos dos atletas profissionais de futebol. São Paulo: LTr, 2011.
47 Ibidem.
O tipo de cláusula penal que se ajusta ao Direito Desportivo, é a cláusula liberatória, que consiste na necessidade de liberação jurídica. No caso do futebol, o objetivo é justamente liberar o atleta e dar a ele o direito de trocar de clube.
Para o entendimento da cláusula penal nos contratos de jogador de futebol, é interessante afirmar que essa cláusula “é um instituto que foi trazido do Direito Civil para o Direito Desportivo do Trabalho justamente para substituir o controvertido passe” 48.
Como forma de amenizar o prejuízo do clube com o fim do instituto do passe, a Lei 9615/98, em seu artigo 33, traz a previsão de uma cláusula penal nos contratos de jogador de futebol, que será devida ao clube caso o atleta quebre o vínculo empregatício antes do término do contrato, se transferindo para outro clube.
Art. 33. Cabe à entidade nacional de administração do desporto que registrar o contrato de trabalho profissional fornecer a condição de jogo para as entidades de prática desportiva, mediante a prova de notificação do pedido de rescisão unilateral firmado pelo atleta ou documento do empregador no mesmo sentido, desde que acompanhado da prova de pagamento da cláusula penal nos termos do art. 28 desta Lei.
O artigo 33 citado acima enfatiza o cunho protetor da Xxx Xxxx, beneficiando o empregador. Nada era disposto, no entanto, se ocorresse a situação contrária. Para o jogador de futebol, não existia nenhum dispositivo legal, que previsse uma indenização, caso o contrato de trabalho, fosse rompido unilateralmente pelo empregador, antes do final do mesmo.
A jurisprudência consolidada na época entendia que se o atleta resolvesse romper o contrato antes do seu término, teria que pagar ao clube o valor da cláusula penal prevista no contrato.
Todavia, se o clube decidisse fazer o mesmo com relação ao contrato do atleta, ou seja, encerrá-lo antes da data acordada, a legislação desportiva se mostrava omissa e não discorria sobre o assunto, obrigando o atleta a xxxxxxxx x xxxxxxx xxxxxxxxxxx.
00 Xxxxxx.
Para mudar esse cenário, que só beneficiava o empregador, a Lei 12.395 de março de 2011, revogou o artigo 33 da lei Xxxx, entre outros artigos, excluindo a cláusula penal. Na verdade, o aconteceu não foi uma exclusão, mas sim, a transformação dessa cláusula, em outras duas.
Para o beneficio do empregador, no caso, o clube de futebol, a nova lei de 2011 criou a chamada cláusula indenizatória que consistia basicamente no mesmo conceito da cláusula penal antiga que era prevista na Lei Pelé. O que as diferenciava era o valor da indenização paga ao clube.
Anteriormente, esse valor era de até 100 vezes o salário anual que o atleta recebia no clube, com a mudança, o valor passou a ser de até 2 mil vezes o salário mensal do atleta.
Segundo esclarece Xxxxxx Xxxx Xxxxx00:
Convém elucidar, nesse passo, ser a cláusula indenizatória desportiva um mecanismo jurídico que, sem suprimir a liberdade de trabalho do atleta profissional sob contrato de trabalho desportivo, limitando, de alguma forma, sua mobilidade na esfera desportiva profissional, sem que isso implique o cercear da sua específica liberdade contratual e de trabalho, a par de assegurar o indispensável equilíbrio competitivo.
A cláusula benéfica para o atleta se chama cláusula compensatória. O valor dessa cláusula deve ser previsto no contrato de emprego do jogador profissional de futebol. Caso a previsão não exista, o máximo que esse valor pode atingir é 400 vezes o salário mensal que o atleta recebe no clube.
De acordo com a obra de Xxxxxxx Xxxxxxxx00, antes da Lei 12.395 ser criada, modificando a Xxx Xxxx, os doutrinadores se dividiam com relação a bilateralidade ou unilateralidade dessa cláusula penal.
Estudiosos como Domingos Sávio Zainaghi e Xxxxxx Xxxx Xxxxx, entendiam que a cláusula penal desportiva deveria ser unilateral, tendo relação somente com a rescisão contratual do jogador com o clube. Para eles, essa cláusula era um substituto do instituto do passe, que foi extinto pela Lei Pelé, em 1998, porque
49 XXXX XXXXX, Xxxxxx. Nova Lei Pelé: Avanços e Impactos. Rio de Janeiro: Maquinária, 2011, p. 110.
50 XXXXXXXX, Xxxxxxx. A cláusula penal nos contratos dos atletas profissionais de futebol. São Paulo: LTr, 2011.
era necessário proteger o clube com relação ao investimento feito por estes, no jogador51.
Por outro lado, Xxxxxxx Xxxxxxxx00 demonstra correntes contrárias a essa unilateralidade, como os entendimentos de Xxxxxxx Xxxxxxxxx e Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx. A bilateralidade da cláusula penal, defendida por esses autores, é baseada na ideia de que não teria lógica, em um contrato jurídico, existir uma norma que favorecesse um dos lados da relação, sendo essa cláusula devida, a qualquer um dos polos jurídicos da relação, que tenha dado causa à rescisão indevida antes do prazo estipulado.
51 Xxxxxx
00 Xxxxxx
3 O DIREITO DESPORTIVO
Esse ramo do direito consiste em um conjunto de normas jurídicas que tratam sobre os direitos do atleta desportivo, dos treinadores, juízes e auxiliares, além dos torcedores, como consumidores e dos clubes esportivos, qualquer que seja a modalidade de esporte.
No mundo atual, onde o desenvolvimento social está crescendo ao lado e com o esporte, seja ele de modalidade mundial ou nacional, as questões acerca dos Direitos Desportivos estão crescendo e ganhando grande importância e visibilidade.
Na explicação de Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxx00, “o direito desportivo é fruto da convergência de matérias de direito privado e de direito público. Exercem forte influência no Direito Desportivo o Direito Civil, Comercial, do Trabalho, Constitucional, Penal, Administrativo e Internacional”.
3.1 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA - JURÍDICA DO DIREITO DESPORTIVO
O direito desportivo tem origens na antiguidade, mas, não de forma sistematizada como se tem hoje.
Vale ressaltar que as olimpíadas nasceram, ainda, na Grécia. Nessas competições já eram designados juízes e servidores públicos para atuarem como mediadores. O direito desportivo moderno se desenvolve a partir do século XX. As olimpíadas modernas reapareceram em 1896 e, alguns anos depois, em 1904, surgiu a FIFA. A Copa do Mundo só teve sua primeira edição em 1930.
Pode-se dizer que o direito desportivo é o conjunto de técnicas, regras, instrumentos jurídicos sistematizados que tenham por fim disciplinar os
53 XXXXXXXXX XXXX, Xxxxx. Direito Desportivo. Curitiba: Juruá, 2010, p. 24.
comportamentos exigíveis nas práticas dos desportos em suas diversas modalidades54.
O direito desportivo, em sentido estrito, é aplicado à disciplina jurídica das relações desportivas. Em sentido amplo ele envolve o direito trabalhista, assim como o direito do consumidor.
O futebol chegou ao Brasil como um esporte de elite, e por muitos anos permaneceu afogado no amadorismo. Foi trazido no final do século XIX, pelo brasileiro Xxxxxxx Xxxxxx, filho de ingleses, que tinha estudado na Inglaterra e ali conhecido o novo esporte que encantava os europeus55.
A necessidade da profissionalização que acarretava na remuneração dos jogadores de futebol não existia, pois o futebol, como era praticado pela classe alta e média alta, era visto como uma diversão, um passatempo para esses atletas.
Chegou um tempo, que a remuneração existia - pois já era realidade em outros países e os atletas brasileiros estavam começando a imigrar em busca de profissionalismo - mas era camuflada, pois alguns times não aceitavam a existência disso e o profissionalismo ainda era proibido.
Com o passar dos anos, o futebol foi se tornando cada vez mais popular e nasceu a necessidade de remunerar o jogador. Nas palavras de Xxxxxxx Xxxxxxxx00:
Apenas em 1933, durante o governo de Xxxxxxx Xxxxxx, foi iniciada a profissionalização do futebol, que se manteve amador até então. Com essa medida, os negros e pobres acabaram por ampliar seu espaço de atuação, haja vista que os maiores craques da época eram negros ou mulatos.
Alguns clubes mais tradicionais, indo de encontro com essa determinação, acabaram extintos por não aceitarem o profissionalismo. Inclusive, até alguns jogadores da época sofreram preconceitos por conta disso. Foi depois desses adventos que o futebol Brasileiro se mostrou para o mundo, conquistando competições importantes e tendo seus atletas concorridos entre os clubes.
54 XXXX XXXXX, Xxxxxx. Direito Desportivo Atual. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 12.
55 BEM, Xxxxxxxx Xxxxxxxx de; XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx. Direito Desportivo: tributo a Xxxxxxxx Xxxxxxx. São Paulo: Quartier Latin, 2009.
56 XXXXXXXX, Xxxxxxx. A cláusula penal nos contratos dos atletas profissionais de futebol. São Paulo: LTr, 2011, p. 18.
Para que o Brasil não perdesse seus principais talentos para o exterior, o esporte passou a ser tratado como um negócio57.
Foi durante o Estado Novo que surgiu a primeira norma de direito desportivo no Brasil. A carga alta de intervenção do estado era evidente e, por isso, o maior intuito dessas regras era vigiar e fiscalizar a atividade desportiva da época.
Com o advento do profissionalismo do futebol brasileiro, o ordenamento se viu pressionado a criar regras para regular essas relações jurídicas. Não que o esporte se resumisse ao futebol, mas foi a partir desse momento histórico, quando o Brasil vivia a ditadura da Xxx Xxxxxx, que se fez necessária a criação dessas leis.
O real nascimento da legislação do direito desportivo se deu através do decreto-lei nº 1.056 de 19 de janeiro de 1939 criador da Comissão Nacional de Desportos que, como explica Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxx00, nasceu com a atribuição de realizar um minucioso estudo dos problemas envolvidos no desporto nacional, e apresentar um plano geral para a sua regulamentação.
Esse decreto implantou a ideia de trazer as questões relativas ao desporto para o âmbito desportivo, afastando-as assim, da justiça comum, a saber:
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da atribuição que lhe confere o art. 180 da Constituição,
DECRETA:
Art. 1º Fica instituída uma comissão, denominada Comissão Nacional de Desportos que será constituída de cinco membros, designados pelo Presidente da República, dentre pessoas entendidas em matéria de Desportos ou a estes consagradas.
Art. 2º Compete à Comissão de que trata o artigo anterior realizar minucioso estudo do problema dos desportos no país, e apresentar ao Governo Federal, no prazo de sessenta dias, o plano geral de sua regulamentação.
Art. 3º Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, ficando revogadas as disposições em contrário.
Rio de Janeiro, 19 de janeiro de 1939, 118º da Independência e 51º da República.
XXXXXXX XXXXXX.
57 XXXXXXXX, Xxxxxxx. A cláusula penal nos contratos dos atletas profissionais de futebol. São Paulo: LTr, 2011.
58 XXXXXXXXX XXXX, Xxxxx. Direito Desportivo. Curitiba: Juruá, 2010, p. 24-25.
Na mesma obra de Xxxxx Xxxxxxxxx, citada mais acima, consta mais dois decretos que foram também importantíssimos para a evolução jurídica do direito desportivo, o decreto-lei nº 3.199 de 14 de abril de 1941 e o decreto-lei
5.342 de 25 de março de 1943. O primeiro decreto estabeleceu as bases para organização do desporto no país, criando assim o Conselho Nacional de Desportos e os Conselhos Regionais. Além disso, o decreto de 1941 foi a primeira lei orgânica brasileira que dispôs sobre Direito Desportivo, por esse motivo, é considerada por muitos como o marco oficial do desenvolvimento do Direito Desportivo no Brasil59.
Sobre este assunto, Xxxxx Xxxxxxxxx00, tece os seguintes comentários:
Por meio deste decreto-lei, foi implantado o princípio da unicidade por modalidade esportiva, através do qual só seria aceita a existência de apenas uma entidade nacional legalmente reconhecida, à qual deveriam estar obrigatoriamente filiadas as entidades regionais, uma por Estado ou território. Tal norma extirpou as cisões no futebol ocorridas no Rio de Janeiro e em São Paulo, onde haviam surgido diferentes ligas e federações, resquícios da resistência de muitos à profissionalização do futebol brasileiro.
Já o segundo decreto, serviu para estabelecer a competência do Conselho Nacional de Desportos, criado pelo decreto explicado anteriormente. Além disso, o decreto de 1943 teve um papel essencial na evolução do futebol, pois instituiu o reconhecimento oficial da prática desse esporte no Brasil, obrigando que todos os contratos de técnicos e jogadores profissionais fossem registrados na CBD, Confederação Brasileira de Desportos.
Sobre este decreto, Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx00 comenta:
A partir de 1943, com o advento da Consolidação das Leis do Trabalho, as relações entre clubes e atletas foram disciplinadas por ela. Todavia, fazia-se necessário um disciplinamento específico da profissão de atleta de futebol, já que se aplicava a esta as disposições da Consolidação das Leis do Trabalho que regulavam a situação dos artistas.
Com a criação desses decretos, foi dada a largada para começar a promulgação de vários outros decretos de regulamentação dos desportos, de acordo com as necessidades que foram surgindo logo após o ano de 1945.
59 XXXXXXXXX XXXX, Xxxxx. Direito Desportivo. Curitiba: Juruá, 2010.
60 Ibidem, p. 25.
61 XXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx. Os atletas profissionais de futebol no Direito do Trabalho: Lei n. 9.615/98 “Lei Pelé”. São Paulo: LTr, 1998, p. 53.
A profissão do atleta de futebol teve sua regulamentação nos anos de 1961 e 1964, com os decretos 51.088/61 e 53.820/64, respectivamente. Esses decretos apresentaram as regras a cerca da participações desses profissionais em competições.
Uma lei muito importante nesse período de evolução do Direito Desportivo foi a Lei nº 6.251 de 8 de outubro de 1975 que instituía normas gerais sobre desportos mas que foi revogada pela Lei Zico, quase 20 anos depois. Essa lei discorreu sobre competências do Conselho Nacional de Desportos e instituiu a Justiça Desportiva no seu artigo 42. Em 52 artigos, a Lei nº 6.251/75 estabeleceu que o CND teria que exercer simultaneamente as funções legislativa, executiva e judiciária, que tivessem relação com o desporto62.
Já a Lei nº 6.354/76 foi criada para dispor sobre as relações de trabalho do atleta profissional de futebol, conferindo assim à Justiça Desportiva poderes para apreciar litígios trabalhistas entre os atletas profissionais de qualquer esporte e suas respectivas associações esportivas.
Os prazos, formas de prestação de serviço, transferências dentre outras esferas relacionadas ao âmbito trabalhista esportivo, foram regulamentadas por essa lei.
Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx00 afirma que em 1976, com o advento dessa lei, começou a nascer uma consciência profissional com relação ao futebol com a regulamentação da profissão de atleta de futebol, com direito a carteira de trabalho, e os benefícios trazidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Alem disso, esta lei trouxe o direito dos jogadores possuírem seu próprio passe, aos 32 anos.
Xxxxxxxx Xxxxxxx00 afirma que a Lei nº 6354/76 dispunha sobre varias relações de trabalho relacionadas ao atleta profissional de futebol e estabeleceu conceitos comuns como empregado e empregador, aplicados no futebol, o limite de idade para celebrar os contratos de trabalho no futebol e o conteúdo
62 XXXXXXXXX XXXX, Xxxxx. Direito Desportivo. Curitiba: Juruá, 2010.
63 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxx; XXXX, Xxxxxxx. Futebol 100% profissional. São Paulo: Gente, 1997.
64 XXXXXXX, Xxxxxxxx. Lei Pelé e Legislação Desportiva Brasileiras Anotadas. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
desses contratos, além de regularizar as férias, jornada de trabalho, cessão e transferência e principalmente instituiu o passe do jogador.
A constituição federal de 67 restringiu-se a outorgar à União competência para legislar sobre a matéria de direito desportivo. Já a constituição federal de 1988, atuante nos dias de hoje, outorgou ao desporto um status constitucional, dedicando-lhe um capítulo específico, condensando no art. 217 os postulados que constituem a estrutura de concreto armado da legislação desportiva brasileira65.
Com isso, pode-se afirmar que a Carta Magna faz menção expressa ao esporte como um dever do Estado:
Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados:
I - a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento;
II - a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento;
III - o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não- profissional;
IV - a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional.
§ 1º - O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei.
§ 2º - A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final.
§ 3º - O Poder Público incentivará o lazer, como forma de promoção social.
Segundo Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxx00, “o direito não pode ignorar a situação de compromisso pessoal do artista e do desportista, o seu empenho, o grau de diligência, tampouco os valores patrimoniais e morais particulares que estão em jogo na execução do espetáculo”.
Sobre a profissionalização do desporto, Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx00 afirma que:
65 XXXX XXXXX, Xxxxxx. Direito Desportivo: Aspectos teóricos e práticos. São Paulo: XXX Xxxxxxxx, 2006, p. 65.
66 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx de. Curso de Direito do Trabalho. 5. ed. rev. e ampl. São Paulo: Ltr, 2009, p. 239.
67 PAMPLONA FILHO, Xxxxxxx. Novos nomes em Direito do Trabalho. Ano 2004, p. 142.
O desporto durante muito tempo foi considerado amador, entretanto com a evolução de alguns esportes, destacando-se o futebol, e dos rendimentos advindos destes, houve uma transformação na atividade que vem paulatinamente se profissionalizando, através de lei específica, que tornam determinados esportes, práticas profissionais.
A lei Zico, lei nº 8.672/93, considerada a propulsora da lei Xxxx (que até os tempos de hoje está em vigor), trouxe em 1993 uma grande mudança no direito desportivo do trabalho, principalmente em seus artigos 22 e 2368:
Art. 22. A atividade do atleta profissional de futebol é caracterizada por remuneração pactuada em contrato com pessoa jurídica, devidamente registrado na entidade federal de administração do desporto, e deverá conter cláusula penal para as hipóteses de descumprimento ou rompimento unilateral.
§ 1º. A entidade de prática desportiva empregadora que estiver com pagamento de salários dos atletas profissionais em atraso, por período superior a três meses, não poderá participar de qualquer competição oficial ou amistosa.
§ 2º. Aplicam-se ao atleta profissional as normas gerais de legislação trabalhista e da Seguridade Social, ressalvadas as peculiaridades expressas nesta lei ou integrantes do contrato de trabalho respectivo.
Art. 23. O contrato de trabalho do atleta profissional terá prazo determinado, com vigência não inferior a três meses e não superior a trinta e seis meses.
O craque da seleção brasileira nas décadas de 70 e 80, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, mais conhecido como Xxxx, foi convidado para assumir a Secretaria de Desportos que, no governo de Xxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxx, desvinculou-se do Ministério da educação, ganhando o status de Ministério69.
Foi a partir da Lei Zico que muitas mudanças ocorreram no Direito Desportivo Brasileiro, pois como dito anteriormente, ela antecedeu a Lei Pelé, que eliminou o instituto do passe70.
Foi a Lei Zico que promoveu a desintoxicação autoritária da legislação desportiva Brasileira reservando espaço para a autonomia e liberdade dentro do direito desportivo.
68 XXXXXXXX, Xxxxxxx. A cláusula penal nos contratos dos atletas profissionais de futebol. São Paulo: LTr, 2011, p. 18.
69 Xxxxxx.
00 Xxxxxx.
3.1.1 Lei nº 9615/98, a Lei Pelé
Em virtude da importância dessa lei, se faz necessário elucidar separadamente um tópico específico para a abordagem das suas principais inovações.
Em 1998 surgiu a Lei nº 9615, chamada de Xxx Xxxx, que trouxe como principais inovações, referentes ao futebol, a extinção do passe do jogador, a possibilidade de transformação dos clubes em empresas e a possibilidade de criação de ligas independentes da CBF. Pode-se dizer, que essa lei mudou a roupagem do Direito Desportivo no Brasil.
A lei Pelé, 9615/98, prevê em seu artigo 20 a possibilidade de criação de ligas independentes. Como, por exemplo, na Inglaterra, onde se tem o campeonato inglês e a liga Europeia. Aqui no Brasil, os campeonatos são organizados com o respaldo da Confederação Brasileira de Futebol, a CBF. Essa lei reafirmou a possibilidade da criação dessas ligas independentes, que seriam paralelas aos campeonatos da confederação.
Em 1987 ocorreu um fato interessante na história das ligas independentes. Em 1986 o campeonato nacional organizado pela CBF, conhecido na época como Copa Brasil, foi muito confuso, tumultuado e completamente desorganizado. A confederação Brasileira de Futebol resolveu juntar as séries A, B e C, em uma única competição, o que resultou em um campeonato com 80 clubes.
É cediço que não deu muito certo essa decisão da CBF, e justamente por isso, em 1987, os 13 maiores clubes no Brasil resolveram se reunir, na tentativa de reorganizar o futebol brasileiro, criando assim o Clube dos 13 para realizar o campeonato brasileiro, desta vez intitulado com o nome de Copa União.
A viabilidade de criar uma liga independente da CBF foi trazida pela Lei Zico, sendo esta possibilidade reafirmada pela Lei Pelé no seu artigo 20:
Art. 20. As entidades de prática desportiva participantes de competições do Sistema Nacional do Desporto poderão organizar ligas regionais ou nacionais.
§ 1o (VETADO)
§ 2o As entidades de prática desportiva que organizarem ligas, na forma do caput deste artigo, comunicarão a criação destas às
entidades nacionais de administração do desporto das respectivas modalidades.
§ 3o As ligas integrarão os sistemas das entidades nacionais de administração do desporto que incluírem suas competições nos respectivos calendários anuais de eventos oficiais.
§ 4o Na hipótese prevista no caput deste artigo, é facultado às entidades de prática desportiva participarem, também, de campeonatos nas entidades de administração do desporto a que estiverem filiadas.
§ 5o É vedada qualquer intervenção das entidades de administração do desporto nas ligas que se mantiverem independentes.
§ 6o As ligas formadas por entidades de prática desportiva envolvidas em competições de atletas profissionais equiparam-se, para fins do cumprimento do disposto nesta Lei, às entidades de administração do desporto. (Incluído pela Lei nº 10.672, de 2003)
§ 7o As entidades nacionais de administração de desporto serão responsáveis pela organização dos calendários anuais de eventos oficiais das respectivas modalidades. (Incluído pela Lei nº 10.672, de 2003)
No início deste século, foi possível observar a criação dos campeonatos regionais, como, por exemplo, o campeonato do nordeste, a copa Sul - Minas, copa Rio-São Paulo. Esses campeonatos não vingaram e foram extintos. No entanto, a Copa do Nordeste retornou as suas atividades neste ano. A liga tem a sua criação disciplinada na lei 9615/98, além do decreto 3944/01, que trata dessas entidades privadas.
Outra inovação trazida pela Lei Pelé foi a possibilidade de transformação dos clubes de futebol em empresas com fins lucrativos. A mudança dos clubes para empresas foi previsto como obrigatório no art. 27 desta lei, mas depois se tornou facultativo71.
Redação original da Xxx Xxxx, que traz a obrigatoriedade tratada acima:
Art. 27. As atividades relacionadas a competições de atletas profissionais são privativas de:
I - sociedades civis de fins econômicos;
II - sociedades comerciais admitidas na legislação em vigor;
III - entidades de prática desportiva que constituírem sociedade comercial para administração das atividades de que trata este artigo.
Parágrafo único. As entidades de que tratam os incisos I, II e III que infringirem qualquer dispositivo desta Lei terão suas atividades suspensas, enquanto perdurar a violação.
71 XXXXXXXXX XXXX, Xxxxx. Direito Desportivo. Curitiba: Juruá, 2010.
De acordo com o autor supracitado, nessa mesma obra, o escopo do legislador, ao pretender obrigar os clubes a se transformarem em empresas com fins lucrativos, foi de “evitar a sonegação fiscal e tornar públicos os atos de administração dos clubes de futebol”, para que não haja o enriquecimento sem causa de dirigentes esportivos às custas da destruição das associações desportivas, que sempre foram julgadas entidades sem fins lucrativos que não remuneram os seus dirigentes e que aplicam os seus recursos somente na própria sustentação e crescimento.
A lei Pelé obrigava os clubes de futebol a se transformarem em clubes- empresas, não sendo mais permitidas as sociedades filantrópicas. No entanto, a CF, novamente em seu artigo 217, inciso I, garante a autonomia das entidades desportivas quanto a sua organização e funcionamento. “Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados: I - a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento;”
Analisando esse dispositivo da constituição, o artigo 27 da lei Xxxx era inconstitucional, não restando então, outra saída a não ser a mudança do dispositivo legal, passando a ser facultativa a transformação do clube em empresa. A alteração foi feita pela Lei nº 9981 de 2000, se apresentando da seguinte maneira:
Art. 27. É facultado à entidade de prática desportiva participante de competições profissionais:
I - transformar-se em sociedade civil de fins econômicos; II - transformar-se em sociedade comercial;
III - constituir ou contratar sociedade comercial para administrar suas atividades profissionais.
Em 2003, com a lei 10.672, outra mudança ocorreu no mesmo artigo 27 da Xxx Xxxx, qual seja: a transformação do clube empresa é facultativa, podendo adotar qualquer outra forma de organização prevista no código civil, sendo os dirigentes responsabilizados, inclusive, com seus bens particulares quando houver a gestão corrompida, sendo o clube utilizado em benefício do dirigente e deixando de cumprir a sua função social.
Como explica Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxx00:
Com a nova redação, o art. 27 da Lei 9615/98 manteve a disposição acerca da não obrigatoriedade da transformação dos cubes de futebol em empresas, ao mesmo tempo em que traçou parâmetros mais rígidos no que se refere à fiscalização da atuação administrativa dos dirigentes de tais entidades, prevendo a possibilidade de aplicação da teoria da desconsideração da pessoa jurídica, através da qual obrigações adquiridas pelas entidades de prática desportiva possam ser estendidas aos bens particulares dos seus administradores ou sócios, e também da imputação da pena prevista pelo art. 1017 do novo estatuto civil, segundo a qual “o administrador que, sem consentimento escritos dos sócios, aplicar créditos ou bens sociais em proveito próprio ou de terceiros, terá de restituí-los à sociedade, ou pagar o equivalente, com todos os lucros resultantes, e, se houver prejuízo, por ele tambem responderá”.
A partir dessa lei editada em 2003, fica clara a hipótese de aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, como dito acima pelo doutrinador, sendo aplicadas penalidades aos dirigentes que se aproveitam em benefício próprio do clube.
A inovação mais pontual e importante trazida pela Lei Pelé foi, sem sombra de dúvidas, a extinção do passe do jogador de futebol, no entanto, esse assunto será abordado, com mais aprofundamento em capítulo separado posteriormente, nesse mesmo trabalho.
Não se pode esquecer, contudo, das omissões da Lei 9.615/98, que até hoje é causa de muitas críticas pelos estudiosos do Direito Desportivo. A Lei Pelé se absteve, principalmente, no que diz respeito a instituição da profissão de árbitro de futebol, aposentadoria de atletas profissionais e regulamentação de um calendário esportivo73.
3.2 PRINCÍPIOS DO DIREITO DESPORTIVO
O mesmo artigo 217 da constituição, citado anteriormente neste mesmo trabalho, dá ensejo ao princípio da Autonomia Desportiva, que não pode ser pensado como uma independência das entidades do desporto. Ao se analisar este princípio, a tendência é o surgimento de dogmas que acabam preservando
72 XXXXXXXXX XXXX, Xxxxx. Direito Desportivo. Curitiba: Juruá, 2010, p. 37.
73 XXXXXXXXX XXXX, Xxxxx. Direito Desportivo. Curitiba: Juruá, 2010.
os interesses das entidades desportivas, deixando de lado interesses institucionais e sociais74.
Apesar de que alguns estudiosos defendam a inexistência de interesse público nos assuntos desportivos, a defesa descontrolada desse grande princípio traz consigo uma inversão de valores, tendo como exemplos a crise moral e ética desportiva; a ausência de regras e normas específicas sobre rendimentos e espetáculos desportivos; a falta de credibilidade desses espetáculos; entre outros aspectos75.
Não se pode, no entanto, querer que a intervenção do Estado seja antidemocrática e autoritária, porque, por mais que essas entidades tenham uma grande carga de interesse público, ainda são entidades privadas76.
Neste caso, o que realmente fere a atual Constituição Federal, é a ampla liberdade dada a esses entes privados, pois não se pode dar pouca relevância à força que o futebol exerce socialmente77.
Outro princípio do Direito Desportivo que vale a pena ser citado é o princípio da Destinação Prioritária de Recursos Públicos, que tem como base o deslocamento de dinheiro pago pelos contribuintes, através de impostos nacionais, para ser aplicado no desporto.Por uma escolha político-legislativa, o contribuinte priorizou a educação desportiva, investindo nessa prática escolar. Um exemplo dessa destinação prioritária de recursos públicos é a Lei Agnelo Piva78.
Nesse sentindo, Xxxxxx xx Xxxx Xxxxx00 aduz que:
À evidência, o contribruto, o encorajamento e o repasse de recursos financeiros estatais, prioritariamente para o desporto educacional, é critério que se explica por ter essa tipologia de manifestação desportiva papel importante no processo educativo, ao favorecer a formação e promoção do homem, implantando hábitos sadios, estimulando as tendências de liderança, fortalecendo o aprendizado de regras de convivência e solidificando o sentimento de coesão comunitária e de identificação social. Ou seja, os valores veiculados pelo desporto contribuem para desenvolver os conhecimentos, a
74 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Curso de Justiça Desportiva. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 38.
75 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Curso de Justiça Desportiva. São Paulo: Quartier Latin, 2007.
76 Xxxxxx
00 Xxxxxx
78 Ibidem
79 XXXX XXXXX, Xxxxxx. Nova Lei Pelé: avanços e impactos. Rio de Janeiro: Maquinária, 2011, p. 51.
motivação, as competências e a disponibilidade para fazer esforços pessoais, pois o tempo consagrado às atividades desportivas na escola e na universidade tem reais efeitos benéficos para a educação, sem esquecer que, não raro, o desporto, na sua função social, serve como meio para tornar as escolas mais atrativas e melhorar as taxas de frequência escolar.
A diferenciação entre o esporte profissional e o não profissional, ou seja, o amador é a pretensão de outro princípio do Direito Desportivo, o Princípio do Tratamento Diferenciado Entre o Desporto Profissional e o Não Profissional. O intuito desse princípio é, justamente, outorgar normas e procedimentos específicos para os profissionais e para os amadores80.
O CBJD, Código Brasileiro de Justiça Desportiva, prevê essa diferenciação expressamente no seu art. 1º81:
Art. 1º. A organização, o funcionamento, as atribuições da Justiça Desportiva e o Processo Desportivo, no que se referem ao desporto de prática formal, regulam-se pela lei e por este código, a que ficam submetidas, em todo território nacional, as entidades compreendidas pelo Sistema Nacional do Desporto e todas as pessoas físicas e jurídicas que lhes forem direta ou indiretamente filiadas ou vinculadas.
Parágrafo único. Na aplicação do presente Código, será considerado o tratamento diferenciado ao desporto de prática profissional e ao de prática não profissional, previsto no inciso III do art. 217 da Constituição Federal.
Xxxxxx Xxxx Xxxxx afirma que é impossível existir um modelo de regras que integrem o esporte profissional e o esporte não profissional, já que é necessário o tratamento desigual para essas duas vertentes, na medida das suas desigualdades, “porquanto, identidades distintas expressam-se, agregam- se e organizam-se diferentemente, além de dotadas de estruturas totalmente diversas”82.
O último, e mais importante princípio do Direito Desportivo é o Princípio do Esgotamento das Instâncias da Justiça Desportiva. A constituição de 88 colocou o esporte num patamar constitucional, reconhecendo os benefícios da instituição da Justiça Desportiva, que se limitam às ações relativas à matéria
80 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Curso de Justiça Desportiva. São Paulo: Quartier Latin, 2007.
81 XXXXXXX, Xxxxxxxx. Anotações ao CBJD e Legislação Desportiva. Florianópolis: OAB/SC, 2007, p. 28.
82 XXXX XXXXX, Xxxxxx. Nova Lei Pelé: avanços e impactos. Rio de Janeiro: Maquinária, p. 49.
desportiva e suas competições, fazendo isso de uma maneira mais célere e menos onerosa do que na justiça comum83.
Reconheceu, também, que o Poder Judiciário pode apreciar conflitos desportivos, se houver um esgotamento das instâncias da Justiça Desportiva, sendo esta última, o meio ideal para a solução desses litígios84.
Existem raciocínios para embasar tanto a busca pela tutela jurisdicional diretamente, quanto a necessidade de esgotamento total no âmbito da Justiça Desportiva, dependendo assim do objeto da lide desportiva85.
A doutrina é firme em declarar que essa necessidade de esgotamento visa: (i) assegurar a apreciação de matéria desportiva, por uma instância especializada no caso, como a administrativa para dirimir conflitos de descumprimento de normas nas competições; (ii) desobstruir a justiça comum. No entanto, não se pode querer que a Justiça Desportiva considere-se capaz de julgar todos os conflitos que envolvam as Federações86.
Além desses princípios específicos citados acima, não se pode esquecer os princípios gerais do Direito como um todo, que também são aplicáveis ao Direito Desportivo, quais sejam, a legalidade, a moralidade, a publicidade, a impessoalidade, a oficialidade, e o contraditório e a ampla defesa.
83 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Op.Cit.
84 Ibidem
85 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Curso de Justiça Desportiva. São Paulo: Xxxxxxxx Xxxxx, 0000
00 Xxxxxx
0 O CONTRATO DE EMPREGO DO JOGADOR DE FUTEBOL: AS IMPLICAÇÕES APÓS 15 ANOS DA EXTINÇÃO DO PASSE
Antes de concentrar-se no contrato de emprego do jogador de futebol e as suas implicações após os 15 anos da extinção do passe, é necessário realizar, preliminarmente, um estudo sobre o instituto do passe e os fundamentos e causas que levaram à sua extinção.
4.1 O INSTITUTO DO PASSE E SUA EXTINÇÃO
A forma mais comum de extinção do vínculo empregatício é o término do prazo estipulado no contrato, ou então, por comum acordo entre as partes envolvidas. Ademais, é possível também, a extinção voluntária de uma das partes, ou a extinção por justa causa.
Atualmente, no âmbito desportivo, a justa causa é disciplinada pela CLT, pois a Lei 6354, que tratava desse assunto, foi revogada. No entanto, essa lei não deixou de ser um parâmetro para as decisões desses conflitos, sendo, o seu art. 20 ainda utilizado nesses casos.
Art. 20 Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho e eliminação do futebol nacional:
I - ato de improbidade;
II - grave incontinência de conduta;
III - condenação a pena de reclusão, superior a 2 (dois) anos, transitada em julgado;
IV - eliminação imposta pela entidade de direção máxima do futebol nacional ou internacional.
O passe existia como uma forma de vinculação entre o atleta e o clube, permanecendo, mesmo após o término do contrato.
Antes de a Lei Pelé ser criada, revogando a Lei 6354/76 e, juntamente com isso, extinguindo o passe, esse instituto regia as relações de trabalho dos jogadores de futebol.
Segundo explica Xxxxxxx Xxxxxxxx00:
Na Europa, já havia o passe, que consistia no seguinte: independentemente de contrato, o atleta pertencia a seu clube formador. Este tinha o direito de o vender para outra agremiação e assim por diante. Portanto, mesmo o atleta não tendo contrato com o clube dono do seu passe, ele não poderia assiná-lo com outro, exceto se houvesse interesse de venda do esportista para o clube interessado. Não são poucos os casos de jogadores que ficaram um, dois ou mais anos sem poder exercer sua profissão devido a esta regra do passe.
A definição legal do passe se encontra na Lei 6354/76 que discorria da seguinte forma: “Art. 11. Entende-se por passe a importância devida por um empregador a outro, pela cessão do atleta durante a vigência do contrato ou depois de seu término, observadas as normas desportivas pertinentes”.
O instituto do passe, de acordo com Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx00:
Representava o pagamento feito por um clube a outro pela desvinculação do atleta da associação desportiva para quem prestava serviços. [...] O atleta ficava vinculado ao clube pelo passe. O jogador acabava representando uma mercadoria, que é vendida e comprada, mas também é emprestada.
Muitas vezes o contrato de trabalho com o clube terminava, mas o atleta não podia se transferir para outro clube, se o clube formador, que detinha seu passe, assim não quisesse. O clube dono do passe, normalmente exigia uma indenização para que essa transferência ocorresse.
O pagamento do passe era devido até mesmo após o termino do contrato de emprego, forçando o atleta a renovar o contrato, para que assim não permanecesse preso ao clube sem poder exercer a sua profissão.
O jogador se via livre do passe se completasse 32 anos de idade, se comprasse seu passe ou se ficasse um ano sem jogar (no caso de não ser vendido nem querer renovar o contrato com o time formador).
O passe foi criado para tentar frear o fluxo de atletas brasileiros atraídos pelos altos salários que eram pagos no exterior. Esse instituto já existia na Europa e era sancionado pela FIFA.
87 XXXXXXXX, Xxxxxxx. A cláusula penal nos contratos dos atletas profissionais de futebol. São Paulo: LTr, 2011, p.19.
88 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx. Direitos Trabalhistas do Atleta Profissional de Futebol. São Paulo: Atlas, 2011, p.46-47.
Com o passe, o jogador permanecia preso ao clube mesmo após o término do seu contrato, só podendo ser transferido de clube, ou comprar o próprio passe, se o clube dono do seu passe permitisse. Caso o clube não tivesse interesse em vender o jogador nem renovar o seu contrato, o jogador ficava preso ao clube por um ano. O que normalmente ocorria, era a renovação do contrato, com o clube dono do passe do atleta.
O passe tinha natureza indenizatória e não salarial. Ele não decorria da prestação do trabalho, mas sim da rescisão do contrato de trabalho. Era uma indenização que o clube tinha direito, era um tipo de ressarcimento pela perda do atleta para o outro clube.
Esse vínculo obrigatório entre o clube dono do passe e o “seu” atleta dava abertura para muitas discussões e insatisfações, como enfatiza Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxx00:
Sua existência vinha sendo combatida há muito por jogadores e pela imprensa, de modo geral, sob a argumentação de se tratar de instrumento de conteúdo escravagista, que equipara o trabalhador a uma coisa ou mercadoria, cerceando o seu direito de liberdade de trabalho, indo de encontro à Constituição e aos direitos universais do homem e do cidadão.
Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx00, ainda esclarece dizendo que o jogador acabava representando uma mercadoria, que é vendida, comprada e emprestada, podendo ser considerada assim uma espécie moderna de escravidão.
No entanto, o passe não poderia ser considerado inconstitucional, pois o inciso XIII do art. 5º da constituição impõe que a lei assegure as qualificações profissionais para o desempenho da profissão91. “Art. 5º, XIII - é livre, o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.
Quando a Lei Pelé foi criada, em 1998, revogando a Lei 6354/76, extinguiu o tão discutido instituto do passe no futebol brasileiro, entretanto, a norma que eliminou o passe só iria entrar em vigor 3 anos após a Xxx Xxxx ser xxxxxxx00.
89 XXXXXXXXX XXXX, Xxxxx. Direito Desportivo. Curitiba: Juruá, 2010, p. 142.
90 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx. Direitos Trabalhistas do Atleta Profissional de Futebol. São Paulo: Atlas, 2011.
91 Ibidem.
92 XXXXXXXXX XXXX, Xxxxx. Op. Cit.
Muitas insatisfações e dúvidas surgiram juntamente com o advento da extinção do passe. Dirigentes, a imprensa esportiva e até os jogadores teceram críticas à extinção do passe, por desconhecimento e consequente medo dos efeitos que a eliminação desse instituto poderia causar. Esses desagrados acabaram levando a edição de outra lei, no ano de 2000, conhecida como Lei Manguito Vilela, que revogou alguns dispositivos da Lei Pelé93.
Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxx00 explicita uma das mudanças feitas pela lei 9.981/00:
Previa a redação original do art. 29 da Xxx Xxxx que a entidade desportiva formadora de atleta teria o direito de assinar com este, o primeiro contrato de profissional, cujo prazo não poderia ser superior a dois anos. Essa restrição a dois anos para o prazo máximo de vigência do primeiro contrato do atleta, junto à agremiação que o formou, gerou grande insatisfação dos dirigentes de clubes brasileiros, que alegavam, com razão, que este limite seria extremamente prejudicial àqueles que investiram, durante anos, na formação esportiva e humana de centenas de garotos, muitas vezes de baixa renda, no intuito de obter, a longo prazo, o retorno do seu investimento.
O prazo máximo do primeiro contrato profissional do jogador com seu clube formador passou a ser de 4 anos, e mais tarde, em 2003, foi alterada para 5 anos, podendo ser assinado a partir dos 16 anos de idade95.
Apesar da Xxx Xxxx ter previsto que em 3 anos contados da sua edição, o passe estaria extinto, alguns legisladores entenderam esse dispositivo como inconstitucional, por omissão em relação ao direito adquirido dos clubes., sendo assim, a lei 9.981/03 criou uma nova redação nesse sentido96.
Lei 9981/03: Art. 93. O disposto no art. 28, §2º, desta Lei, somente produzirá efeitos jurídicos a partir de 26 de março de 2001, respeitados os direitos adquirido decorrentes dos contratos de trabalho e vínculos desportivos de atletas profissionais pactuados com base na legislação anterior.
Neste sentido, discorre Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxx00:
O contrato de trabalho do atleta profissional de futebol teve, até meados de 2006, uma disciplina legal híbrida, em virtude do momento de transição vivido pela legislação desportiva brasileira com o advento da lei Pelé (Lei 9.615/98), modificada pela Lei 9.981/00. Os contratos firmados anteriormente o dia 26.03.2001, dia escolhido para a entrada em vigência das regras referentes à extinção do passe,
93 XXXXXXXXX XXXX, Xxxxx. Direito Desportivo. Curitiba: Juruá, 2010, p.142
94 Xxxxxx
00 Xxxxxx
96 XXXXXXXX, Xxxxxxx. A cláusula penal nos contratos dos atletas profissionais de futebol. São Paulo: LTr, 2011, p.25.
97 XXXXXXXXX XXXX, Xxxxx. Op. Cit.
continuavam regidos pela Lei 6.354/76 de 02.09.1976; os contratos firmados após essa data, por sua vez, passaram a ser regidos pela Lei 9.615/98, com as respectivas modificações introduzidas pela Lei 9.981/00. No que não dispõe ao contrário a lei Xxxx, no entanto, continuou-se entendendo como válida a Lei 6.354/76. Passados cinco anos da entrada em vigor da Xxx Xxxx, no entanto, já não existem mais contratos de empregos de atletas profissionais no Brasil regidos pela legislação anterior ao advento dessa.
Sendo assim, uma regra de transição foi aplicada àquela época: os contratos celebrados antes dessa data, poderiam ser renovados mais uma vez.
No entanto, essa regra foi muito questionada. Um caso emblemático que demonstra a problemática criada por essa regra foi o que aconteceu com Xxxxxxxxxx Xxxxxx e o Grêmio, pois o contrato do atleta terminou um pouco antes do dia 26/03/2001 e ele não quis assinar novamente com o clube.
Na época, Xxxxxxxxxx assinou um pré-contrato com o clube Paris Saint- Germain, e o fez sem nenhum tipo de aviso ou futuro benefício ao time gaúcho. Essa atitude do jogador o fez ficar 6 meses na inatividade, pois os clubes se encontravam litigando a situação na justiça.
Os contratos firmados a partir de 26 de março de 2001 não abarcavam mais a figura do passe. Ao término do contrato de emprego do jogador com o clube, o atleta está livre para se transferir para qualquer clube que o quisesse, sem a obrigação de pagar nenhuma indenização ao seu antigo time.
4.1.1 O caso Xxxxxx e a repercussão da extinção do passe no mundo
No direito internacional, no início dos anos 90, o fato que deu ensejo à extinção do passe na Europa, foi conhecido como o caso Bosman. O atleta profissional belgo Xxxx-Xxxx Xxxxxx tentou se transferir do seu clube, para um clube francês, mas não foi autorizado pela federação belga.
O jogador então, em uma ação inusitada para a época, ajuizou com uma demanda no Tribunal Nacional da Bélgica, que por sua vez remeteu o caso para o Tribunal de Justiça Europeu.
Xxxxxx ganhou a ação com base no Tratado de Roma aprovado em 25 de março de 1957 que era utilizado entre países da comunidade Europeia. Pode-
se afirmar, então, que já existia um instrumento jurídico para liberação do passe fora do Brasil98.
Após 5 anos, foi criada uma jurisprudência no Tribunal de Justiça Europeu em favor de Xxxxxx, baseada na livre circulação de trabalhadores no continente europeu. Por esta razão, o caso Xxxxxx é considerado um marco para o fim do instituto do passe nos países que fazem parte da União Européia, o que gerou reflexos em todo o mundo, e facilitou o crescimento de trocas de jogadores entre os times europeus99.
Depois do caso Xxxxxx, cresceu no Brasil a pressão para também extinguir o passe dos jogadores dos times nacionais, culminando com a edição da Xxx Xxxx em 1998.
Em 2005, no Uruguai, aconteceu um caso igualmente interessante, no entanto, com uma menor repercussão na mídia, comparado ao caso Xxxxxx. Os jogadores uruguaios, Xxxxxx Xxxxx e Xxxxxxxx Xxxxxxxxx foram prejudicados pelo seu clube, o Peñarol, que, devido ao instituto chamado direito de retenção, permaneceram sem trabalho, pois não puderam se transferir para outro clube e não quiseram renovar contrato com a entidade desportiva a qual eles eram filiados100.
Nas palavras de Xxxx Xx Dios Crespo101:
Sin embargo, ante la falta de acuerdo y la negativa de lós jugadores a firmar um nuevo contrato, el 8 de marzo de 2005, Peñarol lós declara em “rebeldia”, según um mecanismo instaurado por el Estatuto Del Jugador Uruguayo. De Marzo a Junio de 2005, lós jugadores tuvieron que entrenarse por su cuenta, ya que El mecanismo denominado “de rebeldía”, impide que se entrenen com el equipo, que usen sus instalaciones, que cobren cantidades pero, de forma extraña, siguen “pertenciendo” al club.
Os jogadores Uruguaios foram vitoriosos na sua causa contra o Peñarol, causa esta que foi decidida pelo Tribunal Arbitral do Esporte, que é, atualmente, o maior órgão desportivo do mundo. “Finalmente, el mecanismo denominado ‘de rebeldía’ es la aplicación de uma sanción que ‘contraviene fundamentalmente
98 XXXXXXXX, Xxxxxxx. A cláusula penal nos contratos dos atletas profissionais de futebol. São Paulo: LTr, 2011.
99 XXXXXXXXX XXXX, Xxxxx. Direito Desportivo. Curitiba: Juruá, 2010, p.148.
100 XXXXXX, Xxxx xx Xxxx. Revista Brasileira de Direito Desportivo. v. 4, n. 11 (Jan./Jun.2007). São Paulo: IOB: Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, 2002.
101 Ibidem
lós princípios elementales de la protección de la personalidad de lós trabajadores”. Essa sentença favorável aos atletas pode ser considerada uma revolução no âmbito das relações entre o jogador e o clube, sendo importante para alguns países sulamericanos e até mesmo para a China, que se utiliza desse mesmo tipo de contratação102.
4.2 A “EMPRESARIALIZAÇÃO” DO FUTEBOL
Com todo esse estudo sobre a extinção do passe e sua repercussão, se direciona ao questionamento sobre os aspectos benéficos e maléficos da extinção do passe.
Não se pode negar que a eliminação desse instituto se fez necessária e inevitável frente às alegações de transformação do jogador profissional em mercadoria.
Realmente, a maneira como o passe foi instituído, violava os direitos fundamentais inerentes à dignidade da pessoa humana, mas será que a extinção completa do vínculo do jogador profissional, com seu clube formador, da maneira como foi feita não trouxe prejuízo ao futebol na sua totalidade?
Xxxxxx Xxxx Xxxxx, especificou, em 3 fases, a história do pensamento esportivo. Primeiramente, a ideia do sentimento Olímpico, no qual "o importante é competir"; a segunda fase, que se passou baseada no pensamento da época da Guerra Fria, dizia que "o importante é vencer"; e finalmente, chega-se à visão moderna de que o esporte é visto como lazer e ao mesmo tempo um negócio, em que "o importante é lucrar"103.
O fenômeno empresarial, que domina, o mercado de compra e venda dos jogadores de futebol acaba por colocar, o esporte mais festejado do mundo, cada vez mais econômico, tendo suas regras ditadas através do preço do euro
102 XXXXXX, Xxxx xx Xxxx. Revista Brasileira de Direito Desportivo. v. 4, n. 11 (Jan./Jun.2007). São Paulo: IOB: Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, 2002.
103 XXXXXXX XXXXX, Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx. A Lei Pelé e os Problemas do Passe Livre.
Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxxxxx/Xxx_00/xxxxxxx/XxxxXxxxxx_xxx00.xxx>. Acesso em: 29 mai. 2013.
ou do dólar no mercado de ações. Até que ponto o jogador profissional de futebol e os clubes, se beneficiaram com a extinção do passe?
Os investimentos nos jogadores “criados” no clube, antes tão comentados e ansiados, hoje já não ocupam o mesmo status de importância, não sustentando mais a mesma força e a mesma habitualidade que detinham poucos anos atrás.
Como bem explica Xxxxxx xx Xxxx Xxxxx000:
Assiste-se hoje, no país, a falta de compensações financeiras relevantes e expressivas para os clubes formadores, muitas vezes vítimas de “armações” dos empresários, não raro agindo em conluio com os próprios dirigentes e pais de atletas, reduzindo, drasticamente, os investimentos nas categorias de base e nas chamadas escolinhas dos clubes de futebol brasileiro.
Cada dia se vê menos clubes formadores de atletas profissionais, com a mesma qualidade na formação física e psíquica, o que acontece justamente pelo fato do clube não possuir mais um retorno tão satisfatório quanto acontecia na época em que vigorava o instituto do passe.
O bem sucedido pensamento de Xxxxxx Xxxx Xxxxx quando disse que “Há algum tempo, alerta-se para a ‘vulnerabilidade específica dos desportistas jovens e do risco de se tornarem vítimas do tráfico de seres humanos’”105, explicita o medo do crescimento exacerbado do mundo dos empresários ou agentes, de jogadores de futebol.
Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx afirma que, com a extinção do passe, houve muitos descontentamentos entre dirigentes de entidades desportivas, justamente pelo prejuízo causado aos clubes. Muitos desses dirigentes, defendem que o instituto do passe volte a vigorar no Brasil, pois a sua extinção é entendida como a causa dos baixos investimentos feitos na formação do atleta, nos tempos de hoje106.
104 XXXX XXXXX, Xxxxxx. Revista Brasileira do Direito Desportivo – v. 7, n. 14 (Jul./Dez.2008). São Paulo: IOB: Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, 2002.
105 XXXX XXXXX, Xxxxxx. Nova Lei Pelé: avanços e impactos. Rio de Janeiro: Maquinária, 2011, p. 149.
106 XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx xx. O contrato de trabalho do atleta profissional de futebol.
São Paulo: LTr. 2009. p. 67.
Nesse mesmo sentido, Xxxx Xxxxxxxx000 esclarece:
É muito subjetivo quanto custa para um clube a formação de um jogador de futebol pois, de centenas de jovens, poucos chegam à categoria profissional. Para indenizar estes gastos, o clube formador onde o jogador tenha estado federado por dois anos tem direito ao primeiro contrato profissional, podendo vender este direito a outro clube.
Como uma forma de amenizar o prejuízo que a extinção do passe causou aos clubes formadores, a Lei Pelé, através de um princípio intitulado como princípio da prioridade, criou a regra de que a entidade formadora do atleta tem o direito de assinar o primeiro contrato profissional do jogador, podendo este, ter prazo de até 2 anos, ampliado mais tarde, para 5 anos. A intenção do legislador, ao conceder esse benefício ao clube formador, foi proibir a prática que ocorria com frequência, na qual o jogador se formava nas categorias de base de um clube, recebendo todo o investimento deste, e, no momento de celebrar o seu primeiro contrato profissional, o fazia com outro clube108.
Outra maneira, igualmente falha, de tentar diminuir as perdas sofridas pelos clubes formadores, foi a de lhes conceder uma certa indenização pela formação do atleta quando este for vendido, seja a negociação nacional ou internacional. Nas transações nacionais, a FIFA considera o clube formador, aquele que cuidou e empregou o atleta dos 12 aos 21 anos, e sua indenização consiste em ½% do valor da venda, para cada ano em que o jogador permaneceu no clube, ou seja, n máximo poderá atingir 5%. A FIFA também estabelece que essa indenização só irá ocorrer até o jogador completar 23 anos.
107 XXXXXXXX, Xxxx. Direito do Atleta. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2003. p. 84.
108 XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx xx. Op. Cit.
5 CONCLUSÃO
O presente trabalho teve como objetivo, diante das diversas modificações legais ocorridas durante a formação do Direito Desportivo, e da grande importância que este ramo vem ganhando com o passar dos anos, responder a seguinte pergunta: Será que, as mudanças trazidas pela extinção do passe foram totalmente benéficas para o Desporto em geral?
Após toda a pesquisa realizada e exposta nesse trabalho, pode-se concluir que:
A evolução do instituto do contrato se confunde com a própria evolução moral da sociedade. Isso ocorre por conta da grande importância social que abarca todas as causas e consequências da relação contratual.
O contrato é uma troca de prestações e obrigações, que, inicialmente eram reguladas por Deus, na ideia de que se uma parte não cumprisse o que foi acordado, teria que pagar as contas com a divindade. Esse pensamento possuia força, principalmente porque, naquela época, todas as relações eram reguladas pela Igreja Católica.
Com o advento do Renascimento, e a organização das relações contratuais feita, nessa fase, pelo Estado, a vontade se tornou a principal característica dos contratos, podendo, assim, as partes, discutirem livremente as condições contratuais em situação de igualdade. Essa vontade está demonstrada, no princípio básico dos contratos, o Princípio da Autonomia da Vontade.
Outros princípios se mostraram importantes para a regulamentação e o estudo dos contratos, a saber: o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana; o Princípio da Boa Fé; e o Princípio da Função Social do Contrato.
Essa relação contratual, no âmbito trabalhista, abarca algumas especificações e individualidades que são pertinentes ao Direito do Trabalho. O contrato de trabalho é um contrato de xxxxxx, ao qual o empregado aceita as cláusulas predefinidas pelo empregador.
Não há, no entanto, um prejuízo ao Princípio da Autonomia da vontade, pois, de qualquer forma, o empregado está fazendo uma escolha de acordo com sua vontade, a escolha de aceitar ou não as regras impostas pelo empregador.
Entendido como foco principal da presente monografia, o contrato de trabalho do jogador de futebol, também se destaca dos demais contratos de trabalho gerais e, ate mesmo, dos contratos de trabalho especiais, como o do empregado doméstico.
O contrato do jogador profissional de futebol, por exemplo, não possui a alternativa de ser expresso ou tácito, obrigatoriamente eles tem que ser celebrados de forma escrita, para que seja considerado válido. Exige-se essa formalidade, pelo fato de que o jogador de futebol não representa, para a sociedade em geral, somente uma força de trabalho, seja ela braçal ou intelectual.
O atleta, muitas vezes, tem em seus ombros, a responsabilidade de movimentar o âmago do torcedor. A paixão e a emoção que envolvem a contratação de um jogador, por um clube, influencia muito na segurança que os contratos escritos conferem.
Ademais, na relação trabalhista desportiva, normalmente quem estabelece as cláusulas anteriormente é o jogador e seu empresário, cabendo ao empregador, o clube, aceitar ou não. Muitas vezes, pode existir também, uma conversa entre as partes, para que cheguem a um consenso sobre as disposições e ajustes do contrato, diferente dos demais contratos trabalhistas que são contratos de adesão.
Outra peculiaridade importante dos contratos de atleta profissional de futebol mantém relação com a duração. São contratos por tempo determinado, observando os prazos máximo e mínimo que a Lei Pelé dispõe. O prazo máximo para esse tipo de contrato é de 5 anos, e o mínimo, de 3 meses.
Ao se tratar do primeiro contrato profissional do atleta com o seu clube formador, a lei, após sofrer mudanças, também estipulou o prazo de 5 anos, podendo ser celebrado a partir dos 16 anos de idade completados pelo jogador.
O clube formador, citado acima, vem perdendo, constantemente, espaço e importância no cenário futebolístico. No entanto, é inegável que esses clubes possuem uma grande contribuição para a formação do atleta, até mesmo como pessoa, lhes dando respaldo físico e psíquico.
Anteriormente a Lei Pelé, o instituto legal denominado de passe, regulava as relações trabalhistas entre o jogador profissional e seu clube. No entanto, após anos de críticas fervorosas e de exemplos internacionais de sua eminente e necessária eliminação, a legislação brasileira cedeu e editou a Lei que extinguiu o passe no ano de 1998.
O instituto do passe se fez vigente até março de 2001, e, a partir dessa data, sua utilização nos contratos trabalhista esportivos estava proibida. Sua extinção baseava-se na ideia de que o jogador não mais poderia ser considerado uma mercadoria, que permanecesse em poder do clube, sem ter a possibilidade de sair deste quando acabasse o seu contrato.
Foi criada então a cláusula penal, que consistia em uma garantia para o clube, de que não iria se prejudicar caso o jogador resolvesse rescindir o contrato antes do prazo. Essa cláusula, a partir de 2011, passou a ser chamada de cláusula penal indenizatória.
A mesma lei que modificou o nome da cláusula benéfica ao empregador, criou a cláusula penal compensatória, para os casos inversos, no qual o clube rescindiria o contrato com o jogador antes do término do mesmo.
A problemática que se expressa, diante do advento da extinção do passe, é saber se realmente a extinção do passe se constituiu de uma maneira totalmente benéfica para o futebol em geral.
Será que atualmente, depois que o fenômeno da “empresarializção” do futebol ter tomado conta do cenário nacional e internacional, teria uma maneira de reverter ou amenizar os seus efeitos.
Foi trazido à tona, durante os anos em que esse instituto existiu, todo o entendimento majoritário de que o passe deveria ser considerado inconstitucional por atingir o princípio básico da liberdade contratual e, ainda mais sério, o princípio da dignidade da pessoa humana.
A lei 12.395/11 trouxe uma grande ajuda com relação à compensação dos clubes formadores, lhes dando benefícios com relação ao seu atleta e diminuindo razoavelmente o grande impacto sentido pela entidades desportivas nos últimos anos.
Não que o passe precise voltar a existir, mas alternativas mais efetivas do que uma mera cláusula indenizatória ou uma mera prioridade na hora do seu primeiro contrato, tem que surgir para diminuir esse processo, cada dia mais evidente, de “empresarialização” das relações trabalhistas no futebol profissional.
Muitos clubes caíram em decadência com o passar dos anos justamente porque, a concorrência destes, com os empresários que só visam o lucro e rondam os clubes formadores de atletas, se tornou desleal. Inclusive, muitos dirigentes atualmente se misturam com agentes e empresários para também obter lucros com a venda dos seus jogadores, objetivando a fraude e à corrupção dentro do futebol.
Anteriormente à Xxx Xxxx, a justificativa para a extinção do passe se baseava na eliminação da visão do atleta como uma mercadoria, em razão do vínculo existente entre o jogador e o clube. No entanto, o que ocorre nos dias atuais, é justamente uma transformação, pelos empresários, do esportista de futebol em mercadoria pronta para o “abate” de clubes nacionais com maior capacidade financeira, ou, como já se tornou cotidiano, para clubes estrangeiros.
Cabe aqui a grande pergunta: A grande motivação para a extinção do passe, a de evitar a transformação dos atletas em mercadorias, obteve resultado satisfatório realmente? Nos dias atuais, o jogador de futebol, em meio a este mercado fervoroso de milhões de euros, não continua se confundindo com uma mercadoria por seus agentes, empresários e dirigentes de clubes?
É necessária a proteção do clube formador, como a do atleta, e é necessária também, principalmente, a proteção do futebol em geral, que acaba por perder a graça e o sentido, para muitos, por estar vestindo essa máscara econômica que só visa mais e mais o lucro, deixando de lado a essência do futebol, que é a paixão junto com o crescimento e a evolução das entidades desportivas.
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