UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITO
UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITO
Contratação In House e Cooperação Interadministrativa
XXX XXXXXXXXX XXXX XXXXXXXXX
ORIENTAÇÃO - PROFESSOR DOUTOR XXXXXX XXXXX XXXXXXXX
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM DIREITO E PRÁTICA JURÍDICA ESPECIALIDADE – DIREITO ADMINISTRATIVO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA LISBOA, 2019
RESUMO
O tema abordado nesta exposição académica insere-se no ramo do Direito Administrativo, mais concretamente, na sua especialidade Direito da Contratação Pública. Selecionamos dois temas que ao longo dos anos têm sido objeto de discussão, dois dos institutos de exclusão de aplicação das normas de direito comunitário da contratação pública, abordando assim os temas da Contratação In House e os Contratos de cooperação Interadministrativa.
A nossa análise passa por descortinar em que medida tais exceções, agora desenvolvidas pela nova legislação comunitária e nacional, devem ser aplicadas tendo em vista a eficiência e autonomia da Administração Pública em consonância com o princípio da livre concorrência e abertura do mercado. Cingimo-nos aos institutos da Contratação In House e Colaboração Interadministrativa por acreditarmos que, apesar de muito ter sido escrito sobre o tema, ainda existem questões que merecem problematização. Nomeadamente, qual o tipo de tarefas que podem estar envolvidas na cooperação e até que ponto a participação de capitais privados é impeditivo de contratação nos moldes destes institutos. Analisamos também em que medida o princípio da concorrência foi posto em causa com esta abertura do sistema.
A nossa metodologia passou pela análise de vários acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia, doravante TJUE, e respetivos comentários da doutrina. Tivemos em conta as novas Diretivas Europeias 2014 e o novo Código de Contratação Pública Português (CCP) de 2017.
Por fim, podemos concluir que a cooperação interadministrativa não está balizada entre tarefas admitidas e não admitidas e que até mesmo a transação de capitais não será impeditiva para que esta se verifique. O aspeto fundamental é que a transação seja regida por uma real cooperação entre as entidades sendo que através dela realizem as tarefas pelas quais foram criadas, de forma a que, o princípio da concorrência não seja corrompido e a exceção tenha a sua razão de ser. No que toca à contratação in house concluímos que existe mais do que contratações in house verticais, que é possível admitir remuneração e que o abandono do critério qualitativo nos traz maior segurança jurídica, apesar de uma menor capacidade de análise no caso concreto.
PALAVRAS-CHAVE: Contratos, Contratação Pública, Diretivas da União Europeia, Diretiva 2014/24/UE, Mercado Comum, Procedimentos Contratuais, Contratação Excluída, Contratação In House, Contratos em Colaboração, Cooperação Interadministrativa, Tarefas Públicas.
ABSTRACT
The subject covered in this academic dissertation falls within the area of Administrative Law, more specifically, in its specialty Public Procurement Law. We have selected two themes that have been the subject of discussion over the years, two of the institutes for exclusion from the application of the rules of public procurement law, thus addressing the exceptions of In-House providing and Inter-administrative Cooperation Contracts.
Our analysis aims to understand to what extent such exceptions, now set out by the new Community and national legislation, should be applied, taking into account the efficiency and autonomy of the Public Administration, in line with the principle of free competition and open market. We will narrow the analysis to the In-House providing and Inter-administrative cooperation exceptions because we believe that, although a lot has been written on this subject, there are still issues that need to addressed. In particular, what kind of tasks may be involved in the cooperation and to what extent the participation of private capital prevents contracting according to these institutes. In addition, we will analyze the extent to which the principle of competition has been compromised by such opening in the system.
Our methodology has been examined by several judgments of the Court of Justice of the European Union, hereinafter referred to as the ECJ, and their comments on the doctrine. We have taken into account the new 2014 European Directives and the new Portuguese Public Procurement Code (PPC) of 2017.
Finally, we can conclude that administrative cooperation is not limited between allowed and prohibited tasks and that even the transaction of capital is not impeditive for this to happen. The fundamental aspect is that the transaction is driven by a real cooperation between entities and through which they perform the tasks by which they were created, so that the principle of competition is not corrupted and the exception has its “raison d'être”. Regarding the in-house providing exception, we concluded that there is more than vertical in-house contracting, that it is possible to accept compensation, and that discarding the qualitative criterion gives us greater legal certainty, despite a smaller analytical capacity.
KEYWORDS: Contracts, Public Procurement, European Union Directives, Directive 2014/24/UE, Common Market, Contratual Procedures, Contracting Excluded, In House Providing, Collaborative Contracts, Inter-administrative Cooperation, Public Tasks.
PRINCIPAIS ABREVIATURAS
Ac. – Xxxxxxx
AG – Advogado Geral AUE – Ato Único Europeu
CCP - Código dos Contratos Públicos
CPA - Código dos Procedimentos Administrativo JOUE – Jornal Oficial da União Europeia
MOTDR - Ministério do Ambiente do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional
OSP - Obrigações de Serviço Público
PIEM - Princípio do Investidor em Economia de Mercado PME – Pequenas e Médias Empresas
RFA – República Federal Alemã
SIEG – Serviço de Interesse Económico Geral SUCH - Serviço de Utilização Comum dos Hospitais TC - Tribunal de Contas
TFUE - Tratado sobre Funcionamento da União Europeia. TJUE - Tribunal de Justiça da União Europeia
UE - União Europeia
ÍNDICE
II. CONCEITOS GERAIS DA CONTRATAÇÃO PÚBLICA 14
2.3. Empresa pública vs. Empresa associada 18
3.1.2. Controlo Análogo nas entidades empresariais 29
3.2.1. Dimensão económica da Essencialidade 34
3.2.2. O Abandono do critério qualitativo 36
3.3. Exclusão da participação privada 37
3.4. Prevenção dos auxílios estatais nas relações internas 41
IV. CONTRATOS DE COOPERAÇÃO INTERADMINISTRATIVA 48
4.2. Participação privada e possibilidade de remuneração 61
4.3. Não orientação de mercado 63
VI. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 76
I. NOTAS INTRODUTÓRIAS
A presente tese insere-se no âmbito da dissertação de mestrado em Direito e Prática Jurídica, na área de especialização de Direito Administrativo e Administração Pública, apresentada na Faculdade de Direito de Lisboa.
O Direito Administrativo abrange um conjunto de ramificações, entre as quais se insere o Direito da Contratação Pública. A contratação pública é a forma pela qual a Administração gere as suas necessidades e promove o bem-estar social. Através dela, adquire bens e serviços essenciais para a prossecução do interesse público. Nesse sentido, a Administração Pública rege-se por um conjunto de princípios gerais de legalidade, prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos, igualdade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade, boa-fé, desburocratização e eficiência. A par da Administração Pública como defensor do interesse público, temos a Administração Pública como parte integrante de um mercado europeu que obedece a princípios de livre concorrência e abertura de mercado, transparência e não discriminação em razão da nacionalidade. O cidadão é hoje um cidadão europeu e não apenas nacional, estando os seus interesses inseridos numa escala europeia.
O Direito comunitário não pode constrangir o príncipio da autonomia organizativa da Administração Pública. Desde que garantidos os princípios supramencionados à Administração, esta terá toda a liberdade para se auto-organizar. Nessa medida, a par da legislação comunitária, existem regimes de exceção, nomeadamente a contratação in-house e os contratos de cooperação interadministrativa, que nos propomos a abordar ao longo desta dissertação.
O tema da contratação pública excecionada da aplicação do CCP foi escolhido por ser um tema atual, complexo e por suscitar diversas interpretações e problemáticas. A temática não teve a sua evolução com base em legislação comunitária (original ou derivada), mas sim, por meio da jurisprudência que foi construindo o tema de forma casuística, através de casos concretos apresentados ao Tribunal de Justiça, sendo necessários ajustamentos técnico-jurídicos por parte do mesmo.
O seu desenvolvimento foi sendo aperfeiçoado desde o acórdão de Teckal (1999), sempre tendo em conta o compromisso entre o princípio da concorrência e a autonomia organizativa da Administração
Mais tarde, o tema foi positivado nas Diretivas comunitárias de 2004, e mais recentemente, nas Diretivas de 2014 transpostas pelo nosso Código de Contratação Pública de 2017, doravante CCP, conferindo ao tema certeza e segurança jurídica acrescida.
O princípio da concorrência surge como o princípio basilar da contratação pública, conforme reafirma a Jurisprudência do Tribunal de Contas «o respeito pelo princípio da concorrência e seus corolários subjaz a qualquer atividade de contratação pública, por força de imperativos comunitários, por direta decorrência de normas constitucionais, por previsão da lei aplicável à contratação e por imposição da legislação financeira e dos deveres de prossecução do interesse público e de boa gestão.»1
A análise dos regimes de exceção não deve ser feita no sentido de se extrair qual dos princípios prevalece, se o princípio da concorrência ou o princípio de auto- organização do Estado, mas em que medida esses princípios estão ou não presentes.
A disciplina da contratação pública insere-se no Direito público, onde o foco é a prossecução do interesse comum, sendo qualquer exceção aplicada de forma restrita. O que sucede na contratação pública excluída da aplicação do CCP é o facto de esta contratação não se inserir na lógica de mercado.
A aplicação do CCP nestes casos seria prejudicial ao interesse público por duplicar recursos e atrasar soluções que estão ao dispor da Administração “sem sair de casa”. A não sujeição às regras da contratação pública decorre do princípio do qual a entidade pública adjudicante é competente para prosseguir os seus respetivos fins através dos seus próprios meios, não estando sujeita aos procedimentos contratuais que estaria caso interviesse uma entidade terceira.
O destinatário do serviço público não tem interesse em saber quem em concreto presta o serviço, mas sim, que o serviço seja o mais bem prestado possível e com o menor consumo de recursos (leia-se impostos).
1 Acórdão do Tribunal de Contas nº40/2010, de 3 de novembro, 1ºS/SS, proc. nº 1303/2010
A Diretiva Europeia 2014/24/UE afirma que a missão do serviço público inclui num dos seus recursos a possibilidade de cooperação com as autoridades públicas. No entanto, a cooperação «público-público» não pode provocar uma distorção da concorrência colocando um prestador de serviços privado em posição de vantagem perante os seus concorrentes no mercado, nomeadamente com a possibilidade de subcontratações à margem das regras da contratação pública, ou pelo menos à margem dos procedimentos concorrenciais que, em alternativa, teriam que ser adotados.
No sistema anglo-saxónico as entidades administrativas são obrigadas a fundamentar o facto de não satisfazerem as suas necessidades recorrendo ao mercado, e sim, utilizando recursos internos. O objetivo é ser garantida a eficácia e eficiência da Administração. No entanto, na nossa opinião, o facto de se gerarem entraves à autoadministração pode levar precisamente ao contrário, nomeadamente à duplicação de recursos e gastos, quando de facto sozinha, a Administração Pública teria meios suficientes para satisfazer as suas necessidades.
O Tribunal de Justiça da União Europeia no caso Stadt Halle2 e o advogado geral de Parkin Brixen3 defenderam a auto-organização das entidades adjudicantes sem necessidade de justificativa. No mesmo sentido, Elisa Scotti4 defende que o poder de autoadministração apenas reconhece limites no direito interno, balizado pelo princípio da razoabilidade e pelo princípio da proporcionalidade, princípios estes norteadores de qualquer escolha discricionária da Administração Pública.
O poder da Administração suprir as suas necessidades através dos seus próprios meios tem assim, entre os autores5, natureza discricionária.
Na atualidade, podemos verificar que se observa uma notória transição de uma perspetiva originária de preferência pelo outsourcing, para outra mais mitigada, de balanceamento entre vantagens e desvantagens associadas à gestão da Administração Pública por entidades que lhe sejam exteriores.
2 Processo C-26/03 de 11 de Janeiro de 2005
3 Processo C-458/03 de 13 de Outubro de 2005
4 XXXXX XXXXXX, Organizzazione pubblica e mercato: società miste, in house providinge partenariato pubblico privato, Diritto Amministrattivo (DA), 4, 2005, p. 926 e 959 a 962.
5 RICCARDDO URSI, Le società per la gestione dei servizi pubblico locali a rilevanza económica tra
outsourcing e in house providing, (DA), 1, 2005, p. 193, 208 e 209.
Assim, se numa primeira fase, em caso de necessidade de meios ou serviços, a Administração tinha que recorrer ao sistema compulsory competitive tendering, ou seja, criar um procedimento onde concorreriam as unidades organizativas internas com o mercado, hoje este procedimento exige uma prévia avaliação de custo-benefício, sendo necessário perceber se o procedimento concorrencial não trará um custo marginal excessivo tendo em conta a qualidade de serviço prestado face às expetativas e necessidades dos utentes do serviço (best value system). No caso de, após essa avaliação, se verificar que é mais vantajoso o procedimento concorrencial, abandona-se o direct service organisation, ou seja a Administração Pública como diretória do seu serviço.
Contudo, a Administração Pública terá sempre o poder de optar por recorrer ao mercado ou prover ela própria as suas necessidades. As Diretivas Europeias não retiraram a opção de a Administração prover as suas necessidades pelos seus próprios meios, sendo a sua finalidade a garantia de um mercado transparente, justo e concorrencial.
No entanto, a Administração quando atua com as suas próprias unidades organizativas é sinónimo de inexistência de mercado. A contratação in house deveria assim remeter-se à opção que a Administração tem de recorrer aos seus próprios meios para produzir as prestações de que necessita. Falamos em auto produção, o que não se opõe ao mercado.
As suas unidades organizativas podem reconduzir-se à criação de entidades instrumentais que, apesar de terem personalidade jurídica, não têm capacidade decisória, atuando como uma longa manus da entidade pública6.
Por sua vez, a celebração de um contrato público entre duas entidades adjudicantes não é, em abstrato, impeditivo de concorrência. O que importa saber é se existe ali um mercado público (marché public). Não existe uma derrogação do princípio de liberdade económica tutelada no mercado comum, mas antes a definição do que não é mercado7.
6 XXXXXXXX XXXXXXX, “Contratação in house: entre a liberdade de auto organização administrativa e a
liberdade de mercado”, Estudos da Contratação Pública, I, CEDIPRE 2008, p.123.
7 R. PERIN/ D. XXXXXXXX, L’in house providing: un’impresa dimezzata, DA, 1, 2006, p.59 a 61.
A Administração Pública pode sempre decidir não recorrer ao mercado, mantendo certos setores na sua auto produção. A sujeição obrigatória ao mercado geraria uma supressão desproporcionada, se não mesmo despropositada, da liberdade de auto-organização administrativa sem que, correspetivamente, se gerassem ganhos ao nível da liberdade de mercado e concorrência8. O facto da Administração Pública se integrar no mercado comunitário foi mais uma das formas de garantir a prossecução do interesse público e garantir as melhores e mais eficientes ofertas possíveis. É nesse juízo que a Administração decide recorrer ou não ao mercado.
A cooperação interadministrativa tem por base uma atuação voluntária conjunta de dois ou mais entes públicos, uma relação equiordenada e recíproca. No plano subjetivo, a cooperação interadministrativa será entre duas ou mais entidades adjudicantes. No que diz respeito à fonte, esta será contratual, não se fala de cooperação interadministrativa em casos de natureza institucional ou mesmo atuações informais. Assim compreende-se cooperação interadministrativa quando existe a celebração de um contrato entre duas ou mais entidades adjudicantes com vista à prossecução de um determinado fim público comum a ambas e que não pratiquem mais de 20% das atividades abrangidas pela cooperação em mercado aberto.
Posto isto, as normas europeias e a jurisprudência do TJUE têm-se pronunciado quanto ao modo de atuar da Administração Pública quando esta necessita contratar para suprir as suas necessidades. A contratação pública começou por ter como corolário o princípio da livre concorrência, partindo-se de um pressuposto que sempre que houvesse necessidade de contratar, a Administração Pública deveria dirigir-se ao mercado.
No contexto da crise Europeia começaram a surgir programas agressivos de controlo orçamental e de redução estrutural da dívida pública como forma de funcionamento do mercado interno e do sistema financeiro europeu. Assim, os institutos de exceção começaram a ganhar cada vez mais força, aliados à evolução da jurisprudência do TJUE e à pressão das entidades adjudicantes, que apelavam por um regime mais permissivo no que toca às relações de cooperação entre entidades públicas,
8 Cf Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx, As relações in house entre municípios e empresas locais, Xxxx Xxxxx Xxxxxxxxx (coord.), Direito Internacional e Europeu da Contratação Pública, Dezembro de 2017, pp. 165- 180, Dezembro, 2017
excluindo-as da aplicação das Diretivas. Na linha da Estratégia Europa 2020, tendo como objetivo a promoção da economia mais eficiente na utilização de recursos e a otimização da utilização de fundos públicos em matéria de contratos públicos, surge o Livro Verde sobre a modernização da política de contratos públicos da União Europeia9 (doravante UE) que desenvolve a necessidade de atualização da legislação face às novas formas de cooperação interadministrativa. Assim, o tema da cooperação interadministrativa resultou da necessidade que a UE encontrou em desenvolver os mercados públicos para melhor responder à crise económica europeia. Face à necessidade de esclarecer conceitos e trazer segurança jurídica aos institutos de exceção, surgem as Diretivas Europeias de 201410, que por sua vez levaram-nos ao novo Código dos Contratos Públicos de 201711.
A nossa análise incide sobre duas figuras específicas de exceção, nomeadamente a contratação in house e os contratos de cooperação interadministrativa. O tema despertou-nos especial interesse por se tratar de uma abertura do sistema, favorecendo a autonomia da Administração pública em detrimento do mercado. O que nos propomos é verificar em que medida essas exceções são aplicadas e de que forma é que o princípio da concorrência, é, ou não, posto em causa. Assim, iremos começar por analisar conceitos gerais da contratação pública, imprescindíveis para a análise posterior das exceções em causa, seguindo para a análise da contratação in house e posteriormente para os contratos de cooperação.
Por sua vez, em cada um dos temas iremos analisar e discutir algumas especificidades ainda pouco evidentes nas Diretivas Comunitárias e que suscitam questões, tais como o tipo de tarefas, a existência de participação privada, a permissão do lucro, entre outras.
Por fim, em modo de conclusão, vamos discutir em que medida o princípio da concorrência pode ficar esvaziado por estas exclusões ou em que medida o mesmo não se coloca neste tipo de contratação.
9 COM (2011), disponível em xxx.xx.xxxxxx.xx
10 Diretivas 2014/23/UE, 2014/24/UE e 2014/25/UE
11 Decreto-Lei nº111-B/2017 de 31 de Agosto
II. CONCEITOS GERAIS DA CONTRATAÇÃO PÚBLICA
Na contratação pública são utilizados vários termos específicos no que respeita à classificação das partes contratantes e contratadas. Em seguida, vamos abordar alguns conceitos vertidos quer nas Diretivas Comunitárias quer no direito nacional.
Importa também salientar a forma como essas partes contratantes e contratadas se estruturam, distinguindo se falamos numa organização pública ou privada, sendo esta distinção relevante para verificar a existência ou não da autonomia da vontade da pessoa coletiva.
2.1. Entidade adjudicante
O conceito de entidade adjudicante foi precisado no acórdão de Mannesmann12 como um “organismo criado para satisfazer especificamente necessidades de interesse geral sem carácter industrial ou comercial, dotados de personalidade jurídica e estreitamente dependentes do Estado, das autarquias locais ou de outros organismos de Direito público, requisitos estes cumulativos”. O conceito de entidade adjudicante não se confunde com o de entidade pública ou o de entidade administrativa. Concorrem para o conceito de entidade adjudicante as entidades que tradicionalmente integram a Administração Pública e o conceito comunitário de organismo de Direito público.
As entidades adjudicantes vêm consagradas no art.º2 do CCP, tratando-se de um conceito amplo que agrega várias figuras, tais como os organismos públicos, alguns tipos de associações e demais pessoas coletivas que respeitem os requisitos mencionados no artigo.
No nº1 constam as entidades públicas que constituem o setor público administrativo tradicional, parte orgânica da Administração Pública, concentrando-se na alínea a) O Estado e a sua Administração direta. Neste mesmo número constam os institutos públicos, parte da Administração indireta do Estado e das Regiões Autónomas, onde se inclui os serviços personalizados, as fundações públicas e os estabelecimentos públicos. Por sua vez, as fundações públicas ou fundos personalizados são fundações
12 C-44/96, de 15 de Janeiro de 1998
que revestem a natureza de pessoa coletiva pública. Fora do âmbito do nº1 ficam as entidades públicas empresariais e empresariais locais. Na alínea e) constam as entidades públicas independentes onde se inclui as entidades reguladoras, nomeadamente o Instituto de Seguros de Portugal, a Comissão de Mercado de Valores Imobiliários (CMVM), a Autoridade da Concorrência (AdC), entre outras. O Banco de Portugal, apesar de destacado numa alínea, enquadra-se nas entidades públicas independentes. Na alínea h) encontramos as associações públicas, onde podemos distinguir, seguindo da doutrina de Freitas do Amaral13, as associações de entidades públicas, associações públicas de entidades privadas e de carácter misto. Como exemplos de associações de entidades públicas temos as associações de freguesia e municípios, as áreas metropolitanas e as comunidades intermunicipais. Nas associações públicas de entidades privadas encontram-se as ordens profissionais, e de caráter misto, as Entidades Regionais de Turismo e os Centros de Formação Profissional. Por fim, na alínea i) as associações elencadas distinguem-se das anteriores pela sua organização privada.
O artigo encontra-se dividido em duas partes. Na primeira parte, é elencado um conjunto de entidades adjudicantes de forma taxativa. Na segunda parte, alarga-se este conceito a todas as pessoas jurídicas, privadas ou públicas, que preencham cumulativamente duas condições: i) tenham sido criadas especificamente para a “satisfação de necessidades de interesse geral e sem carácter industrial e comercial” (o TJUE tem sufragado sempre a orientação da interpretação restritiva da expressão “carácter industrial e comercial”); e ii) haja financiamento da atividade ou controlo de gestão ou controlo de órgãos. Será também considerada entidade adjudicante a pessoa coletiva que, preenchendo os critérios anteriores, esteja em relação com uma entidade adjudicante nos mesmos termos. Na mesma medida, consideram-se também as associações de entidades adjudicantes em que pelo menos uma pessoa coletiva esteja nas circunstâncias referidas acima e em que haja financiamento ou relação de controlo.
No considerando 10 da Diretiva 2014/24, o legislador comunitário entendeu ser útil “esclarecer que um organismo que opera em condições normais de mercado, que tem fins lucrativos, e que assume os prejuízos resultantes do exercício da sua atividade,
13 Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo VOL I, p.37 e segs.
não deverá ser considerado um «organismo de Direito público» uma vez que as necessidades de interesse geral, para satisfação das quais foi criado ou que foi encarregado de cumprir, podem ser consideradas como tendo caráter industrial ou comercial”. Por outro lado, a condição de financiamento também foi alvo de aperfeiçoamento de conteúdo pela jurisprudência, nomeadamente a expressão
«financiado maioritariamente» é entendida como financiado em mais de metade, e que este tipo de financiamento pode incluir pagamentos impostos, calculados e cobrados aos utilizadores de acordo com as regras de Direito público.
2.2. Organismo público
O organismo público, como parte integrante do conceito de entidade adjudicante, está compreendido na definição dada pelo acórdão Xxxxxxxxxx, já mencionado em título anterior. Uma das características é a ausência de caráter industrial ou comercial, o que não é sinónimo de não ter carácter exclusivamente mercantil, mas sim que a sua atividade não é exercida em condições de mercado, não estando exposta a concorrência.
No acórdão BFI Holding BV14, é entendido como organismo público qualquer entidade dotada de personalidade jurídica, independentemente da respetiva natureza pública ou privada, financiado maioritariamente15 pelo Estado ou por membros designados por este numa escala de mais de 50%, cujo objetivo é satisfazer as necessidades de interesse geral sem carácter industrial ou comercial. A noção de interesse geral consta no acórdão Xxxxxxxxxx ao referir “«atividades que beneficiam diretamente a coletividade», por oposição aos interesses individuais ou de grupo”. Importa agora clarificar o que se entende por carácter industrial ou comercial. Voltando ao acórdão BFI Holding BV, “se o legislador comunitário tivesse considerado que todas
14 C-360/96 de 10 de novembro de 1998
15 . Cf. Xxxx Xxxxx,”Contratação interadministrativa na revisão do CCP/2016 – Os contratos de transferência ou delegação de poderes públicos e os contratos de cooperação no âmbito de tarefas públicas” in Estudos de Homenagem a Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx coord. Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx, Xxxx Xxxxxx – Almedina 2017, p 521 a 547 “ O tribunal no acórdão Universidade de Cambridge, de 3 de Outubro de 2000, proc. C-380/98 alertou para necessidade de distinguir o conceito de receitas, que apesar de terem proveniência pública, correspondem simplesmente à contrapartida pela aquisição de bens e serviços.
as necessidades de interesse geral têm um carácter que não é industrial ou comercial não o teria especificado, uma vez que, nessa perspetiva, esse segundo elemento da definição não teria qualquer utilidade.” Não basta a omissão à referência expressa de empresa pública, é necessário verificar que não tem esse carácter. O organismo público pode ser desenvolvido por entidades privadas, pois é bastante improvável existir uma atividade que não seja passível de ser exercida por um privado. Inclusive, no acórdão Comissão vs Espanha16, concluiu-se que Espanha tinha feito uma transposição errada do conceito ao excluir do âmbito de aplicação as entidades de direito privado. A falta de concorrência não é condição necessária para efeitos de definição de um organismo de Direito público. Porém, a existência de concorrência pode levar-nos a concluir que não se trata de uma necessidade geral sem carácter industrial ou comercial. O organismo público tem que atuar fora da dinâmica de mercado.
O acórdão BFI Holding BV vem esclarecer que o facto de uma entidade atuar no mercado em situação de concorrência é apenas indício de que as necessidades que prossegue têm caracter industrial ou comercial. Porém, só através da análise do caso concreto podemos ter essa certeza da “totalidade dos elementos de facto e de direito relevantes, tais como as circunstâncias que presidiram à criação do organismo em causa e as condições em que o mesmo exerce a sua atividade. (…) Se o organismo opera em condições normais de mercado, prossegue fim lucrativo e suporta as perdas associadas ao exercício da sua atividade, é pouco provável que as necessidades que visa satisfazer não sejam de natureza industrial ou comercial”17. Por sua vez, se a entidade para se colocar no mercado é financiada ou tem algum benefício, por parte de uma entidade pública, deverá a entidade respeitar as regras da contratação pública.
O organismo público deve ser criado de modo funcional, pleno efeito ao princípio da livre circulação, de forma a evitar quaisquer restrições quanto ao âmbito subjetivo de aplicação das Diretivas comunitárias18. No que toca ao requisito presente na alínea
ii) do nº2 do art.º2 do CCP, “sejam maioritariamente financiadas” por entidades adjudicantes, devemos ter em conta o conjunto das receitas arrecadadas, mesmo
16 Proc. C-84/03 de 13 de Janeiro de 2005
17 Acórdão Korhonen Oy, de 22 de Maio de 2003, Proc. n.º C-18/01
18 Xxxx Xxxxxx x Xxxxxxx in Estudos em homenagem ao Professor Doutor Xxxxxxxx Xxxxxxx no centenário do seu nascimento / ed. lit. Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. - Coimbra : Coimbra Editora, 2006. - Vol. I. - p. 643-644
aquelas fruto da atividade comercial, uma vez que o organismo de Direito público poderá exercer outras atividades e nessa medida ter outras fontes de receita. No que respeita ao critério alternativo de controlo de gestão, é entendimento por parte do TJUE que a dependência deve ser similar à que existiria se o anterior requisito se confirmasse. Referimo-nos a um controlo permanente com poder de influenciar as decisões do organismo público.
2.3. Empresa pública vs. Empresa associada
A empresa pública divide-se entre as empresas constituídas sob a forma de responsabilidade limitada, nos termos da lei comercial, onde a Administração pode exercer uma influência dominante, e as empresas constituídas nos moldes empresariais, designadas por EPE’S. Na Diretiva 2014/25/UE, na mesma linha da Diretiva de 93/38, continuou-se com o conceito de empresa pública (art.º4 nº2) e empresa associada (art.º29). Compete-nos fazer uma breve definição de ambas para melhor compreensão do instituto. A empresa pública é aquela cujo poder público tem uma influência dominante, tendo uma participação maioritária no capital subscrito, maioria dos votos correspondentes às ações, ou invés, tenha o poder de designar metade dos membros dos órgãos da Administração, Direção ou fiscalização. A empresa associada é a entidade adjudicante cuja empresa pública exerce influência dominante ou o contrário.
Nesta base, foi criada uma exceção no âmbito da contratação de setores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais, entre uma entidade adjudicante e uma empresa associada. No entanto, se nos últimos três anos 80% do volume de negócios for entre associados, a Diretiva não se aplica (art.º13 nº3 CCP). Estas regras mantiveram-se desde a Diretiva de 93/38, tendo sido discutidas no âmbito do acórdão Stadt Halle19 cujo Tribunal negou a “negociação” porque, apesar de alegarem tratar-se de uma operação interna, existia uma participação privada superior a 10%. A entidade adjudicada tinha outros rendimentos e os serviços que praticava para a entidade adjudicante não eram em regime de exclusão.
19 Processo C-26/03 de 11 de janeiro de 2005
III. CONTRATAÇÃO IN HOUSE
A contratação in house é regime de excepção face a situações em que a contratação é feita dentro de casa, quando a Administração Pública não tem necessidade de recorrer ao mercado para suprir as suas necessidades. Essa avaliação terá que ser exigente de forma a não corromper o princípio da concorrência pilar da contratação pública.
Não existe uma independência entre a vontade do contratante e o contratado, a vontade é única. Falamos de contratos internos que ficam dispensados de cumprir as regras da concorrência porque neste caso a Administração atua através de uma outra entidade, no âmbito da sua autonomia organizativa, como sua extensão. Existe uma relação de dependência entre os entes em causa, onde fica eliminada a autonomia da vontade da entidade adjudicada, o que permite concluir que na verdade não existe um terceiro, mas um mero prolongamento da Administração.
Citando JORGE ANDRADE DA SILVA20, estão excluídos do regime de formação dos contratos públicos, e dos princípios que os regem, os chamados contratos in house21, meramente internos, por serem celebrados entre uma entidade pública e outra entidade que é um seu prolongamento, e cuja atividade, por isso mesmo, a primeira controla, existindo, entre aquela e esta, uma relação de dependência jurídica para que se não possa falar, relativamente à entidade dependente, da existência de vontade própria.
Contudo, abandonou-se a classificação de contratação vertical, uma vez que a dependência não partirá necessariamente de uma entidade hierarquicamente inferior. Podemos observar relações in house em sentido vertical descendente, correspondendo às que ocorrem entre a entidade controladora e a entidade controlada, em sentido ascendente, entre a entidade controlada a entidade controladora, e ainda no sentido horizontal, por uma entidade controlada a outra entidade controlada, quando ambas estão submetidas à influência determinante da mesma pessoa coletiva controladora.
20 “Código dos Contratos Públicos”, Anotado e Comentado, 2008, pág. 75.
21 Que se distinguem dos acordos in house providing, porque estes são celebrados entre uma entidade pública e um serviço desprovido de personalidade jurídica. Veja-se, sobre este tema XXXXXXXXX XXXXXX, “Contratos de prestação de bens e serviços entre o Estado e empresas públicas e relação in house”, Cadernos de Justiça Administrativa, nº65, págs. 12 e segs.
Assim, hoje as relações in house são multidirecionais. Para que estejamos numa relação in house tem que existir dependência no âmbito do que é contratado, assim como na sua esfera jurídica, no que se refere a toda à sua organização.
A dependência do cocontratante em relação à entidade adjudicante caracteriza-se por ser, simultaneamente, estrutural, através do controlo, e funcional, através da inexistência de uma liberdade de atuação22. Num caso de contratação in house, não há lugar à aplicação das regras gerais da contratação pública porque tudo se processa no âmbito de uma “relação interna” de fornecimento e satisfação de necessidades da própria entidade adjudicante, em que a entidade adjudicada é uma longa manus da entidade adjudicante, não obstante de se estar perante pessoas jurídicas distintas. Considera-se relação in house sempre que a entidade adjudicada, embora distinta daquela no plano formal, não o seja no âmbito decisório.
Trata-se de uma derrogação excecional das regras de contratação pública e por isso a sua interpretação deve ser restrita de forma a preservar o princípio da concorrência. Na contratação in house, a exclusão nada tem a ver com as prestações do contrato. Embora em abstrato as prestações objeto do contrato passem a estar sujeitas à concorrência, verifica-se uma ligação entre as partes, na forma como se relacionam, que o justifica. Existe uma particular configuração das partes e função do contrato. Concretiza-se a ideia de insusceptibilidade de concorrência.
Tão importante quanto a verificação do controlo análogo é a verificação de que a entidade adjudicada não contrata com terceiros a não ser de forma pontual ou “marginal”, o essencial da sua atividade terá que ser em prol da relação in house. Nessa medida, para falarmos de contratação in house é necessário a verificação cumulativa de três requisitos: o controlo análogo, que a entidade adjudicada aja no essencial da sua atividade em proveito da entidade adjudicante, e a ausência de participação direta de capial privado na entidade adjudicada. Apenas nesses casos não serão aplicadas as Diretivas Europeias. No entanto, importa realçar que a presença do terceiro requisito foi uma autonomização surgida após as Diretivas europeias de 2014. Anteriormente era entendido por muitos autores como fazendo parte do requisito de controlo análogo.
22 Assim, P. FLAMME, M-FLAMME, C. DARDENNE” «Les marches publics européens et belges – l’irrisistible
européanisation du droit de la commande publique», pág. 29 e segs.
Assim, nos casos apresentados seguidamente, a verificação deste requisito não era feita de forma autónoma.
O primeiro acórdão europeu a tratar o tema foi o acórdão de TECKAL23. No presente acórdão foi feito um contrato sem precedência de concurso público que excedia os limiares fixados pelas Diretivas Europeias em vigor. O contrato foi realizado entre uma autarquia local que confiava o fornecimento de produtos e a prestação de serviços a um agrupamento em que ela participava. No entanto, apesar de existirem na contratação duas pessoas jurídicas distintas, quer no plano formal quer no plano decisório, não existiam dois sujeitos autónomos com personalidades jurídicas distintas. Para a existência de um contrato é necessária uma convenção entre duas pessoas distintas, o que não se verificou.
O TJUE não pode pronunciar-se nem sobre a interpretação de disposições legislativas ou regulamentares nacionais, nem sobre a conformidade de tais disposições com o direito comunitário. Pode, no entanto, fornecer os elementos de interpretação do direito comunitário (art.º177 do Tratado da União Europeia).
No acórdão ASEMFO vs. TRAGSA24 estamos perante outro exemplo de contratação in house. A TRAGSA é um serviço próprio da Administração que não dispõe de poder de decisão autónomo e está obrigada a executar os trabalhos que lhe são solicitados pela Administração Pública. Opera fora do mercado, pelo que a sua atividade não é abrangida pelo direito da concorrência, tratando-se de um meio de atuação direta da Administração Pública. A TRAGSA é um cocontratante da Administração Pública, pelo que deveriam ser aplicadas as regras de contratação dos contratos públicos. No entanto, apenas executa as suas atividades a pedido da Administração Geral do Estado, comunidades autónomas e organismos públicos destas dependentes. Assim sendo, a TRAGSA não tinha liberdade para determinar o seguimento a dar a um pedido feito por estas entidades, nem liberdade para determinar os preços praticados. Logo, as Diretivas
23 C-107/98 de 18 de Novembro de 1999. O acórdão teve por base a Diretiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos públicos de serviços. Tendo em conta o art.º1 al. a) e b) da Diretiva são considerados contratos públicos de serviços, aqueles que sejam elaborados por escrito entre prestador e entidade adjudicante a título oneroso. Para demonstrar a existência de um contrato, há que verificar se houve uma convenção entre duas pessoas distintas. São entidades adjudicantes: o Estado, as autarquias locais ou regionais e os organismos de Direto público. São também consideradas entidades adjudicantes as associações formadas por uma ou mais das pessoas elencadas anteriormente.
24 C-295/05, de 19 de Abril de 2007
não são aplicáveis, pois, na verdade não estamos perante um contrato, mas uma mera delegação de funções.
No acórdão de Carbotermo25, as entidades adjudicantes detinham a maioria do capital da entidade adjudicada o que, por si só, é indício de controlo efetivo da entidade adjudicante sobre a entidade adjudicada. Neste caso, eram diversas as autoridades públicas para quem a entidade adjudicada trabalhava. Assim sendo, foram tidas em conta as diversas autoridades, quer no que toca à atividade praticada, avaliando-se a atividade no seu conjunto, quer no controlo exercido pelas mesmas sobre a entidade adjudicada. Neste caso, o controlo foi exercido de forma conjunta (controlo conjunto). Quanto ao essencial da sua atividade, a jurisprudência defende que se fala na atividade praticada tendo em conta o conjunto das entidades adjudicantes e não para apenas uma delas. Assim sendo, tendo em conta que a entidade adjudicada praticava a maioria das suas atividades em benefício das várias entidades adjudicantes, o requisito da essencialidade verificou-se. Outro dado relevante deste acórdão é o esclarecimento de que o controlo deve ser semelhante e não idêntico, uma relação de dependência e subordinação.
No acórdão Coditel Brabant26, o Tribunal de Justiça verificou estarem presentes as duas condições para a contratação in house. Nessa medida, a falta de concurso público não punha em causa o princípio da igualdade e da não discriminação em razão da nacionalidade, assim como o dever de transparência. Tratava-se de uma concessão de serviços públicos à Brutèle financiada pelos utilizadores, uma associação intermunicipal pura que realiza o essencial da sua atividade em prol da Administração Pública e é por esta controlada. As decisões são tomadas exclusivamente por autoridades públicas através de órgãos estatutários representantes associados. O controlo é feito no seu conjunto, o controlo tem que ser efetivo, mas não é indispensável que seja individual27.
Para que seja verificada a existência de controlo análogo, a entidade adjudicada necessita que mais de 80% da sua atividade seja a favor da entidade adjudicante e o concessionário não seja, diretamente (confere maior amplitude aos Estados),
25 C-340/04 de 11 de Maio de 2006
26 C 324/07 de 13 de Novembro de 2008
27 C 458/03 de 13 de Outubro de 2005, acórdão Parking Brixen
participado por capital privado. Apenas são permitidas participações privadas nos casos em que as formas de participação de capital privado não são controladoras e nem bloqueadoras, exigidas por disposições legislativas nacionais compatíveis com os Tratados, e que não confiram uma influência determinante sobre a concessionária. As restantes concessões de serviços públicos e de obras públicas que excedem os montantes limiares previstos na lei (5.548.000 euros28) são objeto de concorrência. Nesses casos é necessária a publicação em Jornal Oficial com o mínimo denominador comum: prazos procedimentais, critérios de seleção e duração das concessões. Devem ser definidos em que casos as alterações devem levar a realização de nova adjudicação, estabelecendo limiares “de minimis”.
Podemos concluir que num caso de contratação in house é indispensável avaliar o caso concreto, tendo em conta se existe uma incapacidade decisória por parte da entidade adjudicada e se efetivamente a maioria da sua atividade é desenvolvida em prol da entidade adjudicante. Apenas nessas situações o princípio da concorrência não será corrompido porque a entidade adjudicada não atua em concorrência no mercado, considerando-se uma transação interna. Nestes casos, é aflorado o princípio de auto- organização administrativa, capacitando os Estados a fazerem uma melhor gestão dos seus recursos.
3.1. Controlo Análogo
O controlo análogo é um dos requisitos necessários para que estejamos perante um caso de contratação in house. A autoridade adjudicante terá que exercer sobre a entidade adjudicada um controlo semelhante ao que exerce sobre os seus próprios serviços. Citando BERNARDO AZEVEDO29, na expressão de R.PERIN / D. XXXXXXXX, para que se possa concluir por uma relação de controlo análogo entre a entidade adjudicante e a entidade adjudicada, sob o plano formal, é necessário que, à primeira caiba um “penetrante poder de indirizzo” ou, segundo XXXXXXXX XXXX, um “adstringente poder de direção” sobre a atividade da entidade sujeita ao seu poder de controlo (organização
28 Código de Contratação Pública, artigo 474.º nº2
29 In “Estudos de Contratação Pública – I”, Ed. Coimbra Editora, 2008, págs. 125 e 126.
in house), um poder que lhe permita exercer um influência determinante30, sobre os objetivos estratégicos e as decisões vitais, a tomar pela organização in house.
Na linha do defendido pelo AG Stix-Hackl no Ac. Stadt Halle, o controlo não deve cingir-se “apenas a decisões estratégicas de mercado, mas deve também abranger as decisões individuais de gestão”, de forma a promover a orientação geral da empresa controlada.
XXXXX XXXXXX defende o equilíbrio de “governance”, que assegura a efetiva e determinante influência do ente público sobre as opções de gestão da sociedade. Apenas assim, é legítimo sustentar que a entidade controlada se assuma como meio próprio, ou como uma estrutura interna da entidade adjudicante, nada mais existindo, afinal, que uma simples relação de «delegação inter-orgânica» (S. COLOMBARDI) associada à neutralização ou diluição da personalidade jurídica própria da entidade dominada, que apenas subsiste em termos puramente nominais. Falamos em apenas
«uma única e mesma pessoa», havendo controlo hierárquico31, controlo de financiamento e atribuição de competências entre órgãos tal como se fossem objeto de simples delegação. Falamos em relação in house quando as duas entidades são tidas como uma só, devido ao controlo que é exercido pela entidade adjudicante, controlo este similar ao que exerce dentro da sua entidade. Não existem duas vontades, apenas uma vontade, apenas um interesse legal e não um acordo de vontades entre entidades autónomas. Coloca-se a questão de saber se o controlo terá que ser efetivo ou a mera suscetibilidade do mesmo seja suficiente. Seguindo a linha da jurisprudência presente nos Ac. Carbotermo e Ac. Econard Spa, o Tribunal bastou-se com uma “possibilidade de influência determinante”. A cada caso concreto, a análise passa sempre por se verificar quais os poderes à disposição da entidade adjudicante e não o seu efetivo exercício. A verificação desse controlo efetivo, na fase inicial de um contrato, seria uma exigência
30 Diferente do previsto no CSC no seu art.º486 o controlo análogo não se basta com uma influência dominante.
31 A doutrina divide-se em por um lado, Xxxxxxx Xxxxx, Xxxxxxxx Xxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxx e Xxxx Xxxxx que defendem um controlo idêntico ao controlo hierárquico de forma a que a entidade adjudicada não tenha qualquer autonomia decisória ficando submetida a uma posição de sujeição ou subordinação. Por outro lado, Xxxxx Xxxxxx e Xxxxxxxxx Xxxxxx defendem que o poder não terá que ser idêntico ao poder que Administração exerce sobre os próprios serviços, sendo suficiente a garantia de que, a todo momento, a entidade adjudicante possa fazer valer integralmente os seus objetivos de interesse público. Na mesma linha, AG Stix Hackl defende um controlo comparável ao exercido dentro dos seus próprios serviços, mas não necessariamente idêntico.
irrazoável, pelo que concluímos ser suficiente a mera suscetibilidade de controlo. Contudo, os contratos in house pressupõem um mínimo de tercieriedade do cocontratante para que possamos falar de uma pessoa coletiva distinta da Administração pública. Caso contrário, não estaríamos perante um contrato, mas meras operações internas.
Em relação ao controlo análogo, o Ac. Parking Brixen define-o como um controlo em que, embora possa haver autonomia, a entidade pública tem que possuir uma influência decisiva sobre os objetivos estratégicos da empresa e decisões significativas. Na realidade, trata-se de um controlo mais intenso que um mero controlo societário. Ou seja, um absoluto domínio sobre a autodeterminação da vontade do prestador do bem ou serviço, que não necessariamente pressupõe a existência de uma hierarquia administrativa (poder de direção e correlativo dever de obediência). O controlo análogo assemelha-se ao poder de superintendência que o Estado exerce sobre a sua Administração indireta e não à tutela de legalidade que o Estado tem sobre a sua Administração autónoma.
O requisito do controlo análogo é um dos requisitos fundamentais para a verificação de uma contratação in house. Sem ele, o regime de exceção não poderia ser aplicado. A ausência de vontade da entidade adjudicada e a garantia de controlo dos seus atos por parte da entidade adjudicante são garantias da contratação in house.
3.1.1. Tipos de Controlo
Desde há muito que se discute se o controlo análogo terá necessariamente que ser exercido de forma isolada ou pode sê-lo feito conjuntamente. Numa fase inicial, o Tribunal negou essa possibilidade (Acs. Teckal e Coname). Contudo, em momento posterior no Ac. Carbotermo, pronunciou-se em sentido contrário ao considerar que o exercício conjunto do controlo não era incompatível com a aceção de controlo análogo. Inclusive referiu que “A circunstância de a entidade adjudicante deter, isoladamente ou em conjunto com outros poderes públicos, a totalidade do capital de uma sociedade adjudicatária tende a indicar, sem ser decisiva que esta entidade adjudicante exerce sobre esta sociedade um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços.” Em consonância com este entendimento, o Tribunal no Ac. Tragsa admitiu o
controlo conjunto de forma a poder enquadrar o caso numa contratação in house, considerando que dessa forma o requisito do controlo análogo estava verificado. No entanto, esta verificação não passou só pela admissibilidade do controlo conjunto mas também pelo facto da entidade adjudicada, no caso em apreço, não ter qualquer autonomia para contratar com entidades terceiras.
Posteriormente, nos Acs . Coditel, Sea e Econard Spa foi sendo aplicada a tese da admissibilidade do controlo conjunto. Para que seja verificado esse controlo, é necessário que cada uma das entidades participe quer no capital social, quer nos órgãos de Direção da entidade adjudicada. O Ac Coditel permitiu uma maior clarificação na interpretação do requisito de controlo análogo no caso de existir uma pluralidade de acionistas, sugerindo que a atenção é frequentemente direcionada à participação igual ou desigual de ações no capital da entidade adjudicada, apesar deste fator não ser um elemento decisivo para obedecer ao requisito de controlo análogo. Nesse sentido, é importante distinguir o controlo por parte dos acionistas sobre a gestão e o controlo por parte do conselho de gestão sobre a tomada de decisão da entidade contratada, considerando-se que apenas o último é relevante para o requisito ser satisfeito. Concluiu-se assim que na distinção entre “posse” e “controlo”, apenas o último deve ser sujeito a discussão no âmbito do requisito de “controlo análogo”, dado que o seu cumprimento prende-se a uma questão de alocação de poderes de gestão e não à fragmentação da propriedade32. AG Villalón no Ac Econard Spa adiantou que, mesmo no caso de participações minoritárias, é possível um controlo análogo conjunto desde que o controlo seja efetivo. O controlo será exercido na proporção do peso relativo às entidades participantes. O tamanho do seu peso é aferido consoante o seu orçamento, população ou necessidades que vê satisfeitas com a atividade no organismo instrumental que participa. Para a verificação do controlo análogo conjunto, é necessário que as entidades participantes tenham poderes idóneos a determinar, em maior ou menor medida, os objetivos e decisões estratégicas da entidade adjudicada.
A Diretiva 2014/24/UE no seu art.º12 veio estabelecer os requisitos para a verificação do controlo análogo conjunto e, nessa medida, consagrar a tese já defendida
32 Perin, R. C. e Xxxxxxxx, D., “Control over in-house providing organisations”, Public Procurement Law
Review, (5), 2009, 227-240
na jurisprudência. O CCP fez essa transposição e consagrou o controlo conjunto no seu art.º5-A nº4.
Por sua vez, o controlo análogo pode ser verificado por intermédio de várias entidades. Neste caso, não falamos num controlo conjunto por parte das entidades públicas que participam na entidade adjudicada, mas de um controlo que ao invés de partir da entidade adjudicante, parte de uma terceira entidade que de certa forma influencia a entidade adjudicada. A Diretiva 2014/24/UE adiantou que o “controlo pode ser igualmente exercido por outra pessoa coletiva que, por sua vez, é controlada da mesma forma pela autoridade adjudicante.” Neste caso, temos dois tipos de controlo possíveis, nomeadamente o controlo exercido entidade-mãe vs entidade filha e o controlo entidade-mãe, filha e neta. No primeiro caso, o controlo é exercido por uma entidade mãe sobre a entidade adjudicada e adjudicante (entidades irmãs). Apenas concluímos se tratar de relação in house quando as duas empresas irmãs são controladas exclusivamente pela empresa mãe sem capital privado. Falamos em controlo indireto quando uma entidade mãe controla várias entidades subsidiárias (Caso Hamburg). No segundo caso, o controlo é exercido através de uma entidade instrumental sobre uma terceira entidade. O mesmo foi consagrado no Ac. Tragsa, onde quem exercia o controlo na verdade era a Administração Central e não as Comunidades Autónomas. Contudo, essa tese foi negada pelo Advogado Geral (AG) no processo SUCH. A norma foi transposta no nº2 do art.º5-A do CCP, que parece admitir apenas o controlo entidade mãe vs filha e o oposto. Quando no artigo fala “contratos adjudicados por uma entidade adjudicante a outras pessoas coletivas controladas pela mesma entidade adjudicante” parece evidente tratar-se de um controlo entidade mãe-filha. Continuando, o artigo refere ainda “bem como os contratos adjudicados por uma entidade adjudicante à entidade adjudicante que a controla”, abrindo a possibilidade a que o contrato parta da entidade filha, ou seja, casos em que a entidade adjudicante é uma entidade adjudicante controlada (um organismo de Direito público) e a entidade adjudicada é a entidade adjudicante que a controla, transpondo assim o disposto no n.º
2 do art.º12 da Diretiva 2014/24/UE.
No entanto, o art.º12 nº2 da nova Diretiva relativa ao setor público pode levar à ausência de controlo, uma vez que permite que o contrato parta da entidade controlada, a entidade por regra adjudicada assume a posição de adjudicante nestes casos. Isso
pode fazer sentido, uma vez que o controlo exercido pela entidade controladora pode se estender razoavelmente às atividades de compra e, como as atividades poderiam ser concebidas como sendo realizadas por entidades relacionadas, se uma entidade legal separada for interna a uma entidade controladora (no sentido de que é escolhida para fazer, em vez de comprar), sem dúvida o contrário também deve ser aplicado.
A opção política de inverter o critério de controlo deve ser vista em conjunto com a fixação do critério de parte essencial das atividades, que sustenta o critério de controlo, pois a liberdade de agir no mercado diminuiria o controlo e o caráter interno da entidade. Embora não expressamente declarado pelo TJUE, presumivelmente, a ideia de permitir que a entidade interna opere no mercado, desde que forneça a parte essencial de suas atividades à entidade controladora, é evitar a capacidade ociosa remanescente não utilizada. Alguns tipos de tarefas demandadas pelo setor público são de caráter sazonal ou existe excesso de capacidade devido a obrigações de segurança de fornecimento. Sendo que, nestes casos, a mão-de-obra / equipamento pode ser utilizada no mercado privado, quando a demanda pública não atinge o seu pico. Anteriormente, o TJUE recusou-se a indicar um percentual específico, limitando o escopo das atividades de mercado para as entidades internas. No entanto, na codificação da jurisprudência interna, a parte essencial do critério das atividades foi fixada de modo a permitir uma participação de mercado de 20%. Poderia no entanto argumentar-se que a flexibilização do critério de controlo significa, na realidade, que as entidades internas teriam menos problemas com a utilização de capacidade não utilizada e, portanto, não deveriam ter sido autorizadas a funcionar no mercado.
Um dos casos em que o Tribunal optou pela contratação in-house foi no acórdão Asemfo. Este acórdão referiu-se à entidade interna reclamada Tragsa, que realizou trabalhos florestais para o Estado espanhol e alguns municípios, bem como para clientes privados. Os concorrentes da Tragsa, representados pela Associação Nacional de Empresas Florestais, queixaram-se da adjudicação direta de contratos à Tragsa.
A TRAGSA é um cocontratante da Administração Pública, pelo que deveriam ser aplicadas as regras de adjudicação dos contratos públicos. No entanto, apenas executa as suas atividades a pedido da Administração Geral do Estado, comunidades autónomas e organismos públicos destas dependentes. Assim, caso a TRAGSA não tenha liberdade para determinar o seguimento a dar a um pedido feito por estas entidades, nem
liberdade para determinar o preço, as diretivas não são aplicáveis pois na verdade não estamos perante um contrato, mas mera delegação de funções. Embora o XXXX considerasse que provavelmente nenhum contrato público estava presente, como a Tragsa era um instrumento interno da Administração pública, a contratação in-house foi admitida.
Em forma de conclusão, o que releva neste tema é que o controlo deve ser compreendido como um poder que limita a capacidade decisória da entidade e que a torna dependente da entidade adjudicante, seja ele conjunto ou individual e seja a relação contratual ascendente, descente ou horizontal.
3.1.2. Controlo Análogo nas entidades empresariais
Os requisitos necessários para a verificação de uma contratação in house não são lineares e transversais a qualquer contratação, são conceitos de difícil densificação e que devem ser balizados a cada construção jurisprudencial. Desde o acórdão de Teckal (1999) que se definiu como requisitos o controlo análogo e a realização do essencial da atividade para que se verifique um caso de contratação in house, critérios estes cumulativos. Importa abordar as questões que estes mesmos requisitos podem suscitar, nomeadamente, no que corresponde ao controlo análogo quando estamos perante sociedades comerciais. Tendo em conta o seu substrato comercial, a mera existência de controlo por parte de um acionista maioritário não é suficiente, sendo necessários poderes suplementares33. A influência não basta ser dominante. É necessário que seja determinante quer sobre os objetivos estratégicos quer sobre as decisões relevantes da sociedade.34 No caso Econord SPA (2012)35, o TJUE vai mais longe ao definir que o requisito do controlo análogo é preenchido ”quando cada uma dessas autoridades participar quer no capital quer nos órgãos da direção da referida entidade”. O controlo terá que ser estrutural e funcional, e, não meramente formal, de forma a evitar que as normas de direito comunitário sejam contornadas.
33 “como seja o direito de veto.” Cf Xxxxxx Xxxxxxxx As relações “in house providing”: do acórdão “Teckal” às novas Diretivas –Breve referência à jurisprudência “SUCH”do Tribunal de Contas português In: Direito Internacional e Europeu da Contratação pública coord. Xxxx Xxxxx Xxxxxxxxx pp. 57-74, Dezembro, 2017 34 XXXXXXX XXXXX, «A influência do “mercado relevante” na Contratação in house», in Contratação Pública e Concorrência, Org. Xxxxxxx Xxxxxx e Xxxx Xxxx, Almedina, p.74.
35 Acórdão Econord SPA, de 29 de Novembro de 2012, processos C-182/2011 (Comune di Cagno) e C- 183/2011 (Comune di Solbiate).
A existência de participação de capital público é necessária, mas não é condição de verificação automática deste requisito. A verificação passa por analisar se o modelo de governance da sociedade permite um controlo substantivo sobre os principais objetivos estratégicos, decisões de gestão e escolhas36. Logo, são necessários instrumentos de controlo incisivos e limitadores de autonomia. Na prática, implica analisar a regulamentação nacional aplicável, os estatutos, o contrato de sociedade e a existência de acordos parassociais, que confiram certos poderes a um sócio, tais como o poder de veto.37 Como já referido anteriormente, nada impede que o controlo seja exercido de uma forma conjunta, desde que seja efetivo (acórdão Coditel Brabant). Quando a contratação passa por um instituto público e o Estado, os poderes exercidos por parte do Estado, tutela e superintendência, parecem pôr de lado maiores verificações no que respeita ao controlo. Mas quando saímos fora dos institutos públicos, é necessário que a participação pública seja maioritária ou dominante e a atividade seja desenvolvida fora da concorrência38. A presença de instituições privadas na entidade adjudicada, nomeadamente, no conselho de gestão, mesmo que tenham uma presença minoritária, impedem o controlo análogo. A natureza dos fins prosseguidos é diversa dos interesses públicos. Além do mais, não fica excluído que de futuro possam realizar atividades económicas em concorrência com outros operadores económicos. Mesmo que não vislumbre o lucro, poderão sempre exercer atividades económicas39. A natureza privada da estrutura empresarial leva a que por mais que o capital privado seja minoritário, o seu escopo seja a prossecução do lucro. Para que haja modelos de gestão privada aptos a negociarem com a Administração em moldes de contratação in house, é necessário um controlo por parte da entidade adjudicante bastante rigoroso. Os conselhos de Administração têm uma larga liberdade de atuação face às assembleias gerais, segundo a ideia de que os acionistas investem e os
36 Cf Xxxxxx Xxxxxxxx As relações “in house providing”: do acórdão “Teckal” às novas Diretivas –Breve referência à jurisprudência “SUCH”do Tribunal de Contas português In: Direito Internacional e Europeu da Contratação pública coord.Xxxx Xxxxx Xxxxxxxxx pp. 57-74, Dezembro, 2017
37 XXXXX XXXXXXXX XXXXXX, «Para a compreensão dos critérios delimitadores das relações in house no novo Código dos Contratos Públicos: contributo da jurisprudência do TJUE e a assunção das relações in house no setor das águas em Portugal» in Revista de Direito Público, nº4 (julho/dezembro de 2010), pp 129 e sgs.
38 XXXXXXXXX XXXXXX, «Contratos Interadministrativos», in Direito Administrativo – Coleção Formação Continua – Centro de Estudos Judiciários – E-book, 2014, pp. 175 e segs.
39 Acórdão de 19 de Junho de 2014, TJUE, Proc. C-574/12 (SUCH)
administradores governam40. O TJUE tem apresentado algum receio face a estas formas de gestão devido: à autonomia de gestão do conselho de Administração, que abdica por vezes do controlo dos acionistas maioritários; à vocação eminentemente comercial das sociedades por ações; à abertura obrigatória do respetivo capital social a novos sócios; à amplitude do objeto social e relevante extensão territorial da sua atividade.
Nas relações in house podemos estar perante dois cenários: empresas públicas unipessoais, sendo o sócio único uma entidade adjudicante, ou empresas pluripessoais, onde é necessário que o capital seja exclusivo ou maioritariamente público. Inclusive no acórdão Stadt Halle entendeu-se que havendo capital privado estava excluído o controlo análogo. Porém, o acórdão Acoset41 admitiu a participação privada, desde que minoritária. Os casos em que há permissão de participação privada numa sociedade e ainda assim se considera a existência de um controlo análogo por parte da entidade adjudicante é algo muito discutido porque dificilmente se garante o princípio da concorrência, na medida em que os operadores privados presentes podem ter vantagem sobre os restantes em concorrência no mercado. Não podemos garantir que de futuro não sejam tomadas decisões tendo em conta o escopo comercial que o carácter privado confere à entidade, a análise do caso concreto terá que ser exímia. Teremos de verificar qual atividade efetiva e não apenas o que resulta do seu objeto social. Acima de tudo importa analisar em que qualidade a entidade adjudicada está a ser avaliada. Se em causa estiver a atividade, por menor que seja, com influência privada, o contrato terá que ser sujeito à concorrência.
Nas situações em que o privado já foi escolhido por meio de concurso público anterior não há necessidade de submissão à concorrência. Ou seja, no caso de o parceiro privado ter sido escolhido por meios que respeitem o princípio da livre concorrência é desnecessário um duplo procedimento, pois o princípio já foi salvaguardado. Este entendimento foi confirmado pela comissão na comunicação interpretativa C- 2007/6661 a 5 de fevereiro de 2008 e defendido pela Professora Xxxxxxxxx Xxxxxx.
Hoje, pela transposição feita das Diretivas Comunitárias no CCP de 2017, entendemos que a participação privada só é possível nos casos determinados por lei,
40 Xxxxxxxx Xxxxxxx, In “Estudos de Contratação Pública – I”, Ed. Coimbra Editora, 2008
41 C-215/09, de 22 de Dezembro de 2010
sendo que essa participação não poderá ter poder decisório ou de bloqueio na empresa em causa, ponto este que analisaremos no sub-capítulo 3.3.
O que importa reter neste ponto é que o facto de a entidade se organizar de forma pública ou privada terá relevância na análise dos meios necessários de controlo. Pretende-se garantir a prossecução do interesse comum e nessa medida o controlo efetivo, de modo a que a contratação in house não seja um meio de fuga à concorrência em benefício de certos privados.
3.2. Essencialidade
O Advogado-Geral Philippe Léger42 veio esclarecer que “uma entidade não é necessariamente privada de liberdade de ação apenas pelo facto de as decisões que lhe dizem respeito serem tomadas pela coletividade que a detém, se ela ainda puder exercer uma parte importante da sua atividade económica junto de outros operadores”.
Para que estejamos perante um caso de contratação in house, além de controlo por parte da entidade adjudicante é também necessário que a entidade adjudicada pratique o essencial da sua atividade em prol da entidade adjudicante. Na contratação in house tradicional entendia-se que, no mínimo, 80% das atividades desenvolvidas pela entidade adjudicada teriam que ser públicas. Nessa medida, é necessário existir uma dependência económica-jurídica com a entidade adjudicante. Temos o exemplo do acórdão de Carbotermo43 onde as atividades não dedicadas tinham apenas uma expressão puramente marginal.
No CCP de 2017 ficou assente que apenas nas situações em que mais de 80% das atividades sejam realizadas no cumprimento de funções que lhe tenham sido outorgadas pela entidade adjudicante controladora (art.º5-A al.b) do CCP) o requisito encontra-se verificado. Devido aos conceitos indeterminados postulados pelo TJUE, foi necessário fixar um valor de forma a trazer mais segurança jurídica ao instituto.
Admitem-se atividades a título subsidiário ou complementar por razões de economia de escala e rentabilização dos ativos da entidade adjudicada, desde que não haja autonomia empresarial de decisão por parte privada.
42 Conclusões apresentadas em 15.06.2000 no Processo C-49/99 (ARGE).
43 C-340/04, de 11 de Maio de 2006
No acórdão de Carbotermo, que dizia respeito à adjudicação direta de contratos a uma entidade detida a 100% por uma holding detida por várias autoridades públicas, o Tribunal concluiu que era indiferente determinar a proveniência do financiamento da aquisição dos bens ou serviços. Para apreciar se uma empresa realiza o essencial da sua atividade em benefício da entidade adjudicante deve ter-se em conta todas as atividades que esta empresa realiza com base na adjudicação, independentemente de quem remunera esta atividade, quer se trate da própria entidade adjudicante ou do utilizador das prestações fornecidas, sendo irrelevante o território no qual esta atividade é exercida. No entanto, releva que todas as atividades realizadas para a entidade controladora ou em seu nome devem ser levadas em consideração. Também neste acordão, o TJUE considerou que as atividades realizadas por terceiros só devem ter um significado marginal e que tanto os critérios quantitativos como os qualitativos devem ser tidos em conta na avaliação.
Nessa medida, é necessário analisar em que qualidade a entidade adjudicada atua e não apenas o valor global das suas prestações. O príncipio da essencialidade não constitui um fim em si mesmo, sendo instrumento de garantia do princípio da concorrência e das liberdades fundamentais, consagradas no Tratado da União Europeia.
Deste modo, apenas se verifica o requisito quando a sociedade não desenvolve uma atividade no mercado em concorrência com outras. Ou seja, quando não exista liberdade de ação ou esta seja meramente residual, constituindo um prolongamento da atividade praticada em prol da entidade adjudicante.
Importa salientar o problema dos auxílios estatais, uma vez que a codificação da regra interna abandonou as salvaguardas postas em prática pelo TJUE para evitar a distorção da concorrência no mercado, dando hipótese aos fornecedores in-house de atuarem no mercado numa escala de 20% face às suas atividades. Agora podemos ver entidades internas com um mercado reservado que não se restringe à demanda da entidade controladora, mas também inclui a demanda de entidades relacionadas. Noutras palavras, uma receita fiável, operando com 20% da sua capacidade em mercados competitivos (locais). Embora não tenha sido provavelmente pretendido a nível político, este estado de direito mais permissivo é altamente problemático para as pequenas e médias empresas (PME) locais, que poderão ser afetadas com uma redução
significativa do mercado local, devido ao âmbito mais alargado das atividades internas e à possibilidade dos prestadores in-house realizarem 20% da sua atividade no mercado.
Xxxxxxxxxxx que, tratando-se da contratação in house uma exceção às regras gerais do direito comunitário, as duas condições que abordámos anteriormente devem ser objeto de uma interpretação restritiva (acórdãos Stadt Halle44 e Parking Brixen45). As contratações devem a princípio seguir as regras da contratação pública estabelecidas nas Diretivas europeias, assim sendo, uma alteração contratual relevante é o suficiente para ser exigido novo processo de adjudicação. O regime regra da contratação pública é o concurso público, por ser o melhor meio de promoção da concorrência. O ajuste direto é uma exceção e como tal rodeia-o fortes condicionalismos, sendo submetido a apertados requisitos.
Para que se verifique um caso de contratação in house, há que garantir um conjunto de condições, nomeadamente a natureza das instituições envolvidas na celebração do contrato, a natureza das entidades que, como associados, participem na entidade adjudicada, e a concreta dimensão e complexidade da entidade adjudicada. Nessa medida, a entidade adjudicante tem que ser parte integrante do órgão executivo ou conselho de Administração, onde os efetivos poderes de gestão estratégica e corrente da entidade adjudicada se centram.
3.2.1. Dimensão económica da Essencialidade
Apesar de a Diretiva ter quantificado o número de tarefas necessárias para que se verificasse uma contratação in house, nomeadamente referindo que para que se verifique é necessário que a entidade contratada pratique 80% da sua atividade em prol da entidade adjudicante, ficamos sem precisar em que medida esse número é defendido.
Numa perspectiva de gestão, a atividade de uma empresa pode medir-se por meio de recursos humanos, financeiros e tecnológicos. O volume de negócios traduz-se nas receitas obtidas pela mesma. Assim, a questão prendia-se inicialmente sobre em que medida era auferido o critério da essencialidade: Deveria considerar-se apenas o
44 C-26/03, de 11 de Janeiro de 2005
45 C-458/03, de 13 de Outubro de 2005
volume de negócios ou ter-se em conta a alocação de recursos financeiros, humanos e tecnológicos?
Na prática, imaginemos que um Município confia a função de gestão do estacionamento no seu território a um terceiro, onde parte dos custos é coberta pelo utilizador e o remanescente é financiado pela Administração. Nestes casos, a atividade não gerará lucro. Contudo, a empresa prestadora do serviço poderá também explorar outros parques de estacionamento privados onde prevê em contrato o lucro, fim expectável numa atividade privada. Caso a repartição entre ambos os clientes fosse de 80% para o Município e 20% para o privado, ainda assim essa poderia não ser sinónimo da repartição do volume de negócios. Apesar de a empresa destinar 80% da sua atividade ao Município, a atividade é remunerada para cobrir os custos sem componente lucrativa. No segundo caso, presente essa componente lucrativa poderá acabar por resultar um maior volume de negócios.
Em relação à parte essencial das atividades, o TJUE limitou-se a declarar percentuais de atividades sem revelar a base para o cálculo. No entanto, em sua opinião,
X.X. Xxxxxxxx calculou os percentuais com base no volume de negócios da Tragsa. Por conseguinte, afigura-se que o volume de negócios é a base que o TJUE utilizou para avaliar o critério essencial das atividades. Essa abordagem foi codificada no art.º12 nº5, que menciona explicitamente o volume de negócios (turnover) médio como base para o cálculo do critério essencial da parte das atividades, mas também permite "uma medida alternativa apropriada baseada na atividade, como os custos incorridos". Afirma-se que a medição sem críticas, com base no volume de negócios, poderia ser objeto de manipulação, aumentando o preço da prestação interna e reduzindo o preço das atividades de mercado, ou seja, poderia incentivar a concessão de subsídios cruzados.46 Contudo, o art.º12 nº5 da Diretiva 2014/24/UE vem com a solução esclarecendo
que os 80% devem ser tidos em conta não como atividade mas sim como volume de negócios, de forma a que as outras atividades que a empresa possa exercer sejam marginais face à atividade principal que deve ser direcionada à entidade adjudicante. De outra forma, seria um meio da empresa distorcer o princípio da concorrência e obter vantagem sobre as restantes empresas no mercado. O cálculo é feito com base nos 3
46 Xxxxxx, X. X. x Xxxxxxxx, C. F., “A state aid perspective on certain elements of Article 12 of the new Public Setor Directive on in-house provision”, Public Procurement Law Review, (1), 2015, 1-15
anos anteriores e caso se trate de uma empresa recente deve ser feito um cálculo com base em projeções credíveis.
3.2.2. O Abandono do critério qualitativo
Inicialmente para aplicarmos o regime de exceção da contratação in house, como já abordado, um dos requisitos necessários era verificar se a entidade contratada praticava o essencial da sua atividade em prol da entidade adjudicante, e nessa medida eram tidos em conta critérios quantitativos e qualitativos.
Nas conclusões do Ac. Xxxxxxxxxx, a Advogada Geral Xxxxxxxxx Xxxx-Xxxxx entendeu que o Juiz nacional devia ter em conta o contexto geral do caso em concreto, ou seja, todas as circunstâncias existentes, quer quantitativas quer qualitativas, afastando o entendimento de que apenas o critério quantitativo fosse suficiente para avaliar se a entidade praticava o essencial da sua atividade em prol da entidade adjudicante. Nessa medida, “no que respeita aos aspetos qualitativos, há que determinar como e para quem a entidade controlada em questão realiza as suas atividades.”47.
A pura análise quantitativa é uma análise demasiado rígida e inflexível indo, por vezes, contra a solução apropriada ao caso concreto. Os fatos qualitativos, como seja o número de atividades em concreto exercidas, e dentro das mesmas a favor de quem, pelos rendimentos ou resultados obtidos com o exercício dessas atividades, e a respetiva percentagem face à entidade adjudicante ou controladora, são tão ou mais relevantes que o número de atividades praticadas.
Contudo, a Diretiva 2014/24/UE no Considerando 3248 optou por cingir o critério da essencialidade ao aspeto quantitativo, determinando que o requisito verifica-se caso 80% da atividade for em benefício da entidade adjudicante. Em prol de maior segurança jurídica, descoramos o caso concreto.
47 Conclusões apresentadas em 12.01.2006 no Processo C-340/04 (Carbotermo).
48 “Os contratos públicos adjudicados a pessoas coletivas controladas não deverão ficar sujeitos à aplicação dos procedimentos previstos na presente Diretiva se a autoridade adjudicante exercer sobre a pessoa coletiva em causa um controlo semelhante ao que exerce sobre os seus próprios serviços, desde que a pessoa coletiva controlada realize mais de 80 % das suas atividades no cumprimento de funções que lhe tenham sido confiadas pela autoridade adjudicante controladora ou por outras pessoas coletivas controladas por essa autoridade adjudicante, independentemente do beneficiário da execução do contrato…”
Dentro dos 80% o legislador inclui todas as prestações realizadas “no desempenho de funções” que lhe foram atribuídas pela entidade adjudicante ou por outras controladas por esta. Será irrelevante saber se os proventos advindos da prestação exercida derivam da entidade adjudicante ou dos usuários, desde que a prestação tenha sido determinada no contexto de relação com a entidade adjudicante ou com entidades por ela controladas.
A nosso ver, a codificação deste requisito tem como ponto positivo garantir uma maior segurança jurídica na aplicabilidade da norma, porém, a negativo tem o facto de generalizarmos o conceito, abarcando situações e excluindo outras em que apenas a análise qualitativa nos deixaria certos da opção a tomar. Acreditamos que há entidades que podem falhar por valores mínimos o critério da percentagem e em termos qualitativos ser mais que evidente se tratar de um contrato fora do âmbito de mercado.
3.3. Exclusão da participação privada
A contratação in house, sendo uma exceção ao regime do direito da contratação pública, tem que garantir que na sua aplicação nenhum privado sai em vantagem. Nos casos em que existe participação privada na entidade adjudicada, terá que ser eliminada qualquer hipótese de vantagem competitiva sobre outras empresas. Essa vantagem passa por permitir que uma empresa privada pudesse aceder ao “mercado público” indiretamente através da sua participação numa empresa pública, em vantagem competitiva sobre os demais operadores. Xxxxxxxxxx será também garantir que os interesses privados não colidem com a missão de serviço público da entidade adjudicante.49 Foi com base nestas duas condicionantes que o Tribunal, no acórdão SUCH50 de 19 de Junho de 2014, excluiu a aplicação do regime da contratação in house pelo facto de existir participação direta de privados na entidade adjudicada.
No Considerando 32 da Diretiva 2014/24/UE, a contratação in house “não deve ser alargada a situações em que haja participação direta de um operador económico privado no capital da pessoa coletiva controlada, uma vez que, nessas circunstâncias, a adjudicação de um contrato público sem procedimento concorrencial ofereceria ao
49 . Cf. Durval Xxxxx Xxxxxxxx “o Regime da Contratação in house a luz das novas Diretivas de contratação pública – O tirunfo dos Estados sobre a jurisprudência do Tribunal de Justiça”
50 Processo C-574/12
operador económico privado com participação de capital na pessoa coletiva controlada uma vantagem indevida em relação aos seus concorrentes.” Para o efeito, o que releva é o capital dentro da entidade controlada e não nas entidades adjudicantes.
Quando foi feita a transposição para o direito nacional o CCP no seu art.º5-A nº1 al.c) foi autonomizado como critério da contratação in house a inexistência de participação direta de capital privado. Nessa medida, só é admitido nos casos em que seja despido de poderes de controlo e sem bloqueio eventualmente exigido por disposições especiais e que não exerçam influência decisiva na pessoa coletiva controlada. Surge assim o terceiro requisito da contratação in house que como aponta
o Professor Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx “a excepção é tão circunscrita que é lícito pensar, se, em Portugal pelo menos, existirá algum caso que preencha os seus pressupostos, já que para tal suceda exige-se que a participação privada seja obrigatória à luz do direito nacional em questão”51.
Compreendemos que o alcance da norma é mais uma vez evitar a vantagem que uma empresa privada possa adquirir no “mercado público” através da sua participação numa empresa pública sobre os demais operadores. No entanto, o critério deveria ser objeto de flexibilização, permitindo participações de entidades sem fins lucrativos e cuja participação seja residual, sob pena da inaplicabilidade do regime.
Em toda a jurisprudência que envolve a participação do capital privado em entidades que os Estados-Membros alegaram estarem integradas, o TJUE reiterou que permitir a participação desse capital privado seria contrário ao objetivo da concorrência livre e não falseada e ao princípio da igualdade de tratamento dos cidadãos. As concessões diretas a uma entidade semi-pública que inclua essa participação privada dariam à empresa privada uma vantagem sobre a concorrência. Foi esclarecido no acordão Acoset52 que, nos casos em que foi efectuada uma proposta para seleccionar o participante privado, a concorrência não é distorcida se a entidade semi-pública recebe subsequentemente contratos, diretamente pela entidade adjudicante que é parte na empresa semi-pública, mediante o cumprimento de certas condições. Em primeiro lugar, a proposta deve basear-se na capacidade técnica que a empresa privada tem para
51 Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, Uma Primeira análise das novas Diretivas, Revista dos Contratos Públicos, nº9, setembro/dezembro de 2013, p.9.
52 Processo C‑196/08, 15 de Outubro de 2009
cumprir os contratos subsequentes; e, segundo, o objeto social da entidade semi- pública resultante deve permanecer fixo durante a vigência dos contratos adjudicados. Caso contrário, como referido pela jurisprudência da Pressetext53 uma nova proposta deve ser objeto de processo concorrencial. Assim, é necessário submeter a novo processo competitivo quando o contrato está sujeito a alterações materiais. No acórdão Acoset, a concorrência não foi deturpada apesar da participação privada e da subsequente adjudicação direta dos contratos, uma vez que o concurso inicial oferecia a todos os proponentes interessados uma oportunidade de concurso para a participação no capital, com todas as vantagens de cooperar com o setor público, incluindo o benefício dos futuros contratos diretos em suas licitações.
O grau de vantagem que se acumula para os proprietários de capital privado em entidades semi-públicas não foi elaborado pelo TJUE. A vantagem ocorre quando uma empresa privada é privilegiada pela participação numa entidade semi-pública sem ter de competir com outras empresas nos termos dessa participação (de capital). Nestas condições, a participação em entidades semi-públicas, se lhes fossem adjudicados contratos diretamente, poderia distorcer a concorrência face às empresas privadas, porque o participante privado poderia obter condições vantajosas na cooperação: ou seja, seria capaz de gerar lucros desmedidos no investimento de capital (que pode ser um auxílio estatal). Além disso, poderia melhorar a sua reputação num possível mercado privado onde também opera e ter acesso a novas instalações ou tecnologias, às quais não teria (ainda) investido por si. Por último, poderia ter uma demanda pública estável que lhe permitiria escalar a curva de aprendizagem, e consequentemente alargar o benefício a atividades noutros mercados.
No art.º12 nº1, da nova Diretiva relativa ao setor público, afirma-se que a adjudicação de contratos não é abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva se os critérios Teckal estiverem preenchidos. No entanto, um terceiro critério foi adicionado ao critério de controlo e de essencialidade das atividades: "não existe participação direta no capital privado na pessoa colectiva controlada, com excepção das formas de participação dos capitais privados que não controlam e não bloqueiam, exigidas pelas
53 Cf. Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx, Acórdão Pressetext: modificação de contrato existente vs. adjudicação de novo contrato Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (Terceira Secção) de 19.6.2008,
P. C-454/06 disponível em xxxxx://xxx.xxxxx.xx/xxx/xxxxx/x0/Xxxxxxxxxxx/Xxxxxxx/000.xxx
disposições legislativas nacionais aplicáveis, em conformidade com os Tratados, que não exercem uma influência decisiva sobre pessoa jurídica controlada".
Do texto é claro que a regra geral baseada na jurisprudência que proíbe a participação do capital privado em entidades internas é mantida. Exceto nos casos de participação de capital não-controladora e não-bloqueadora que é exigida pela legislação nacional, e é também uma exigência que o detentor do capital privado não exerça uma influência decisiva sobre a entidade interna. No correspondente considerando 32, explica-se que a isenção em relação ao capital não controlado e não bloqueante é feita tendo em conta as características particulares dos organismos públicos com participação obrigatória nos casos em que a fixação do capital privado é prevista na legislação nacional e na condição de o capital não controlador e não bloqueador não conferir influência decisiva sobre a entidade semi-pública ao detentor do capital privado. No considerando 32, esclarece-se também que a eventual participação do capital privado na entidade que controla não exclui as adjudicações feitas diretamente à entidade jurídica controlada, porque, nesse caso, a concorrência entre operadores económicos privados não é afetada. Isso poderia ser questionado, pois o considerando não abrange a possibilidade de entidades controladas concederem contratos diretamente a entidades controladoras: pode-se prever que as entidades controladoras com participação de capital privado poderiam decidir que as entidades controladas deveriam outorgar contratos a montante para a entidade controladora, disponibilizando para os detentores de capital privado nas entidades controladoras as vantagens mencionadas acima.
Em primeiro lugar, parece que a disposição é especificamente adaptada à legislação nacional de alguns Estados-Membros. Em segundo lugar, parece não ter sido dada consideração à participação de empresas privadas no capital de entidades semi- públicas: para as empresas privadas, o único incentivo para investir nessas entidades é a maximização do lucro, ou seja, que de algum modo beneficiam mais da participação no capital na entidade semi-pública, do que de investimentos estritamente privados semelhantes. O benefício mais óbvio seria que o investimento é seguro, comparado a investimentos similares no mercado privado, devido à segurança da demanda e à ausência de um risco de falência da parte pública (que também é o principal cliente). Este benefício é uma vantagem que só pode ser diminuída submetendo a participação
do capital privado à concorrência, ou seja, um procedimento de contratação pública, como prescreve Acoset54.
A grande relevância neste tema foi a sua automatização como terceiro requisito em que apontamos como negativo a sua rigidez uma vez que dificilmente as entidades adjudicantes não terão participações de capitais privados, de maneira a que o requisito deveria ser aplicado com a devida benevolência.
3.4. Prevenção dos auxílios estatais nas relações internas
Os limites rigorosos estabelecidos pelo TJUE na sua abordagem à contratação in- house tinham por objetivo impedir a concessão de auxílios estatais e, por conseguinte, distorções da concorrência, tanto entre empresas privadas como por entidades internas em mercados competitivos. Este propósito não foi cumprido pelos negociadores ou foi ignorado. Agora que os Estados-Membros atingiram um enorme grau de flexibilidade, designadamente na construção de “contratos” in-house, devem assumir a responsabilidade de impedir graves distorções da concorrência nos mercados (locais).
No entanto, é interesse dos Estados-Membros ter como prioridade esta responsabilidade, uma vez que, no futuro, as empresas privadas que concorrem com entidades internas no mercado terão as regras em matéria de auxílios estatais como alternativa ou como complemento da contratação pública. Estas regras são uma mai valia no caso de contestação de contratos internos, uma vez que contrariamente às soluções pouco vinculativas em matéria de contratos públicos, as regras em matéria de auxílios estatais exigem o reembolso da vantagens concedidas. Assim como, nos casos em que o auxílio estatal for declarado compatível, o beneficiário pode ter de pagar juros de ilegalidade por qualquer auxílio não notificado.
Apontamos três ferramentas que podem reduzir significativamente o risco de concessão de auxílios estatais quando as autoridades adjudicantes optam por fazer em vez de comprar do mercado. Primeiro, caso seja necessário capital privado, uma licitação deve ser conduzida à Acoset, na medida em que se a competição apropriada ocorrer, eliminará qualquer vantagem para a entidade privada. Em segundo lugar, os
54 Xxxxxx, X. X. x Xxxxxxxx, C. F., “A state aid perspective on certain elements of Article 12 of the new
Public Setor Directive on in-house provision”, Public Procurement Law Review, (1), 2015, 1-15
termos dos contratos com entidades internas devem ser comparados com termos de mercado, isso aplica-se em diferentes formas, independentemente de a tarefa relevante ser um Serviço de Interesse Econômico Geral (SIEG) ou "apenas" uma atividade económica normal. Em algumas situações, a tarefa fornecida internamente será um SIEG, por exemplo, transporte público e banda larga, distribuição de água ou eletricidade.
O caso Altmark55 dizia respeito à adjudicação direta de um contrato para a prestação de serviços de transporte público e obrigações de serviço público (OSP), com esta relacionadas, que também podem ser considerados requisitos de qualidade estabelecidos para a prestação do serviço em causa. Embora não esteja claramente definido no acórdão, que não menciona o SIEG, a relação entre o SIEG e a OSP decorre do texto do art.º106 nº2 do TFUE56: "As empresas encarregadas da gestão de serviços de interesse económico geral […] ficam submetidas ao disposto nos Tratados, [...] na medida em que a aplicação destas regras não constitua obstáculo ao cumprimento, de direito ou de facto, da missão particular que lhes foi confiada[...]"
A "missão particular que lhes foi confiada" refere-se às OSPs. Esta relação foi confirmada pela Comissão no caso Altmark, que se refere ao art.º106 nº2 do TFUE. A questão central da Altmark era a de saber se o preço pago como remuneração pela prestação de OSP continha um auxílio estatal. O TJUE constatou que não era esse o caso, uma vez que foram cumpridas as chamadas "condições de Altmark": em primeiro lugar, a OSP deve ser imposta e claramente definida; segundo, os parâmetros para o cálculo da compensação estabelecidos antecipadamente de maneira transparente e objetiva; terceiro, nenhuma supercompensação pode ocorrer, mas um lucro razoável é permitido; e, em quarto lugar, se um procedimento de contratação pública não tiver sido realizado, a compensação deve ser calculada não com base nos custos reais incorridos, mas comparando com uma empresa média, bem administrada e equipada com os meios necessários para fornecer o OSP. Isso também é conhecido como "requisito de eficiência". Situações em que um procedimento de contratação pública não tenha sido realizado podem ser situações internas. Por conseguinte, em situações internas em que a atividade em causa é um SIEG, as condições Altmark devem ser
55 Proc. C-280/00, de 24 de Julho de 2003
56 Tratado sobre Funcionamento da União Europeia.
seguidas para garantir que o auxílio estatal não seja concedido. A flexibilidade nas condições Altmark, em comparação com a aplicação dos artigos 107.º e 108.º do TFUE, é que exclui a compensação do âmbito de aplicação destas disposições, o que implica que a Comissão não precisa de ser previamente notificada. Em muitas circunstâncias, a tarefa fornecida internamente não será um SIEG, como por exemplo, serviços de limpeza, manutenção e catering. Nestas situações, aplica-se o valor de referência geral utilizado na legislação em matéria de auxílios estatais para medir a participação no mercado pelos Estados, o princípio do investidor em economia de mercado (PIEM). O PIEM exige que a transacção realizada pelo Estado se assemelhe a uma transacção que um hipotético investidor privado do mesmo tamanho e com a mesma força económica teria realizado nos mesmos termos. Se for esse o caso, prevalecem as condições de mercado, pelo que não será concedida nenhuma vantagem na aceção do art.º10 nº1, do TFUE, pelo que não existe qualquer auxílio estatal. O PIEM também pode ser usado quando o Estado atua como vendedor ou comprador. Esta última situação está presente em situações internas, e aqui o PIEM sujeitaria as entidades adjudicantes a comparar as suas compras com um agente de mercado hipotético quanto à necessidade da compra, bem como em relação ao preço. O PIEM poderia, portanto, ser usado para avaliar os termos e o preço da transação entre a entidade interna e a entidade controladora. Um exemplo de como a Comissão avalia a eventual presença de auxílio estatal em transações internas, em que o serviço prestado não é (alegou ser) um SIEG, é a “Decisão de Clusterfonds Seed GmbH”57. Na presente decisão, a tarefa de gerir um sistema de capital de risco (o fundo) foi adjudicada por um banco público (integrado na Administração do Estado e, portanto, indubitavelmente, uma entidade adjudicante) à sua filial a 100%. Um aspeto do caso era decidir se esta concessão "contratual" interna continha um elemento de auxílio estatal. A Comissão aplicou o PIEM e aceitou a documentação da Alemanha (um relatório de perito) como prova de que a remuneração das atividades de gestão se encontrava ao nível do mercado. A Comissão sublinhou igualmente que o fundo estava proibido de diversificar as suas atividades para outras áreas para além do objetivo declarado do regime de capital de risco, e que a separação de contas entre a gestão do fundo e as outras atividades da entidade interna era prevista
57 N406/2009 Germany: Risk Capital Scheme ‘Clusterfonds Seed GmbH & Co. KG’.
pelas autoridades alemãs. A condição que limita a diversificação em outras atividades também tem sido central em outra jurisprudência interna, e pode ser vista como uma salvaguarda contra a distorção da concorrência em mercados competitivos relacionados. A condição da separação de contas é uma salvaguarda contra as subvenções cruzadas.
Assim, a terceira “ferramenta” que pode ser utilizada pelas entidades adjudicantes que em simultâneo atuam no mercado competitivo e realizam atividades in-house, é a separação de contas, de forma a garantir a não supressão do auxílio estatal. Nessa medida, são obrigadas a manter contas separadas e a alocar custos apropriados para atividades internas e de mercado, a fim de aumentar a transparência e evitar subsídios cruzados que distorçam a concorrência no mercado competitivo.
Neste âmbito, releva para o exposto acima a análise da Diretiva 2013/50/UE58, cujo objetivo é a garantia da transparência no processo de modo a facilitar a aplicação das regras relativas aos auxílios estatais. Por conseguinte, a transparência deve ser assegurada em benefício da Comissão. A Diretiva relativa à transparência trabalha com dois grupos de empresas: primeiro, empresas públicas; e, em segundo lugar, todas as empresas (públicas ou privadas) a quem são concedidos direitos especiais ou exclusivos ou que foram confiadas a prestação de SIEG, e que, primeiro, recebem alguma forma de compensação do Estado e, em segundo lugar, também outras atividades.
No que diz respeito à primeira categoria, SEIG, os Estados-Membros devem garantir que todas as relações financeiras entre as autoridades públicas e essas empresas sejam transparentes, o que implica transparência quanto aos fundos públicos disponibilizados e à utilização a que se destinam. Por conseguinte, em situações em que a entidade interna constitui uma empresa na aceção do direito da concorrência da UE, deve existir transparência no que diz respeito às relações financeiras entre as autoridades públicas e as suas entidades internas. A obrigação de transparência estende-se a praticamente todas as transferências financeiras. Existem várias
58 Diretiva 2013/50/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2013 , que “altera a Diretiva 2004/109/CE do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à harmonização dos requisitos de transparência no que se refere às informações respeitantes aos emitentes cujos valores mobiliários estão admitidos à negociação num mercado regulamentado, a Diretiva 2003/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao prospeto a publicar em caso de oferta pública de valores mobiliários ou da sua admissão à negociação e a Diretiva 2007/14/CE da Comissão que estabelece as normas de execução de determinadas disposições da Diretiva 2004/109/CE”
derrogações a esta obrigação, que são relevantes para as situações internas, nomeadamente a prestação de serviços que não são susceptíveis de afetar as trocas comerciais entre os Estados-Membros de forma significativa e de os fundos transferidos serem inferiores ao valor legal permitido.
Num contexto de contratos públicos, um efeito positivo sobre o comércio estará provavelmente presente quando for possível prever um interesse transfronteiriço. Esta análise sobre o comércio no direito da concorrência é feita com base na avaliação desse mesmo interesse, uma análise jurisdicional que tem sido tradicionalmente interpretada de forma ampla.
Nos casos em que os serviços não sejam de interesse económico geral, os Estados-Membros devem assegurar a manutenção de contas separadas que reflitam as receitas e os custos associados às diferentes atividades realizadas. Nesse contexto, o método usado para alocar receitas e custos para diferentes atividades deve emergir claramente. No contexto das entidades internas, o requisito de manter contas separadas decorre diretamente da Diretiva de Transparência nas situações em que a disposição diz respeito a SIEG, ou quando à entidade interna foi concedido um direito especial ou exclusivo. O efeito negativo sobre a exclusão comercial também se aplica e a transparência não é necessária quando o volume de negócios anual da empresa por um período de dois anos for inferior a 40 milhões de euros. Além disso, a isenção da obrigação de manter contas separadas é concedida quando o SIEG tiver sido confiado na sequência de um procedimento aberto, transparente e não discriminatório. Este último, no entanto, não é relevante no contexto interno.
Embora o requisito da Diretiva de Transparência para manter contas separadas se aplique a entidades internas em várias situações, existem lacunas importantes devido à falta de exigência de manter contas separadas para todas as empresas públicas e devido às isenções. Assim, em situações em que não são concedidos direitos especiais ou exclusivos, e quando o serviço prestado internamente não é um SIEG, a separação de contas para garantir que a concorrência em mercados competitivos não seja distorcida cabe aos Estados-Membros e/ou às suas entidades adjudicantes. Além disso, deve notar-se que nenhum método específico de atribuição de custos é prescrito na Diretiva de Transparência. A escolha específica de métodos de alocação de custos para prevenção de subsídios cruzados indesejáveis é amplamente discutida.
No contexto de entidades internas que operam em mercados competitivos e com um foco de prevenção de auxílios estatais, a escolha do método de imputação de custos é fundamental, uma vez que enquadra a fixação de preços da entidade interna em mercados competitivos. Embora as condições Altmark e o PIEM garantam que a entidade adjudicante não indemnize em excesso o fornecedor interno, é necessária uma maior qualificação do tamanho da compensação. A razão é que os custos comuns das atividades internas e das atividades competitivas em princípio poderiam ser totalmente cobertos pela compensação das atividades internas de ambos os instrumentos, a menos que sejam feitas especificações adicionais sobre a alocação de custos. Constituiria uma sobrecompensação, se a compensação pelas atividades internas cobrisse todos os custos comuns, uma vez que as atividades de mercado do fornecedor interno deveriam contribuir para cobrir os custos que são comuns para o fornecimento de atividades internas e de mercado. Os custos comuns podem incluir o custo de Administração, a manutenção dos custos dos equipamentos e o custo do próprio equipamento, em particular se for necessário sobrecapacidades para garantir a segurança do fornecimento em relação às tarefas internas.
Poder-se-á argumentar que o PIEM exige que as entidades adjudicantes tomem em consideração os custos que devem ser atribuídos às atividades competitivas, uma vez que um hipotético comprador privado não aceitaria ter de cobrir todos os custos comuns no preço das atividades internas. Este requisito é facilitado pelo fácil acesso à informação económica da entidade interna, que é controlada pela entidade adjudicante. Por conseguinte, o que resta é a atribuição de custos entre a oferta de OSPs (SIEG) e as atividades competitivas. Como já referido, a Comissão abordou esta questão na sua decisão Altmark, relativa à aplicação das condições Altmark em determinadas circunstâncias e para serviços específicos, e o “Altmark Framework”, que diz respeito à compatibilidade da compensação para as OSP/SIEG em todas as outras circunstâncias. Estas medidas abordam especificamente a situação em que um fornecedor de OSP/SIEG também opera em mercados competitivos e estipula que os custos associados a quaisquer atividades fora do âmbito do SIEG devem incluir todos os custos diretos (isto é, custos fixos e variáveis) e contribuição adequada para os custos comuns. Por outras palavras, a fim de garantir a ausência de sobrecompensação e de auxílios estatais em relação às atividades internas, e, por conseguinte, o risco de subvenção cruzada das
atividades da concorrência, o preço nos mercados concorrenciais deve cobrir tanto os custos diretamente atribuíveis como uma parte adequada dos custos comuns.59
59 Xxxxxx, X. X. x Xxxxxxxx, C. F., “A state aid perspective on certain elements of Article 12 of the new
Public Setor Directive on in-house provision”, Public Procurement Law Review, (1), 2015, 1-15
IV. CONTRATOS DE COOPERAÇÃO INTERADMINISTRATIVA
Os contratos de cooperação interadministrativa tiveram origem no acórdão Comissão vs. Alemanha60, que mais tarde deu origem à chamada jurisprudência de Hamburgo, tendo este sido o primeiro a defender uma nova exceção com base no direito europeu. No acórdão referido, o Tribunal considerou que “uma autoridade pública pode desempenhar as suas funções, as missões de interesse público que lhe incumbem, através dos seus próprios meios, ou em colaboração com outras entidades públicas, sem ser obrigada a recorrer a entidades externas que não pertençam aos seus serviços.” Posteriormente, com as Diretivas Europeias de 2014, procedeu-se a uma codificação da isenção para a cooperação horizontal não institucionalizada das regras de contratos públicos, um passo na direcção certa para uma maior segurança jurídica.61
Conforme defendido por Jorge Pação62, a cooperação interadministrativa “assenta numa relação paritária entre dois ou mais entes públicos, que, por sua vontade, atuam conjuntamente na prossecução de um fim público”, comum (acrescento nosso).
Os contratos de cooperação, ao contrário da contratação in house, são materialmente contratos entre duas entidades distintas com vontades próprias. No entanto, a sua colaboração é regida por interesses públicos e nessa medida são excluídos da aplicação das regras europeias da contratação pública. O juiz europeu demonstrou ser necessário criar uma nova exceção aos procedimentos concorrenciais para situações em que as entidades públicas partilham interesses comuns na prossecução de tarefas públicas e carecem de uma contratualização para o seu desempenho conjunto ou coordenado. Estamos a referir-nos a uma coordenação de esforços.
O acórdão supra citado defende que o tipo de acordos de cooperação entre entidades públicas poderiam ficar excluídos da aplicação das Diretivas da contratação
60 C-480/06, de 9 de Junho de 2009
61 Xxxxxx, X., “Directive 2014/24/UE: the new provision on co-operation in the public setor”, Public
Procurement Law Review, (3), 2014, 83-93
62 Cf. Xxxxx Xxxxx Os contratos de cooperação entre entidades adjudicantes / Xxxxx Xxxxx
In: Comentários à revisão do Código dos Contratos Públicos / coordenação de Xxxxx Xxxxx Xxxxx.. [et al.] ; [apresentação] Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx, Xxx Xxxxxxxx ; [autores] Xxxxxx Xxxxxxxx.. [et al.] . - 1ª ed. - Lisboa : AAFDL Editora, 2017. - p. 727-767
pública mesmo que não estivessem reunidos os requisitos da contratação in house, nomeadamente, mesmo que entre as mesmas não existisse uma relação de controlo análogo, como exigido pela jurisprudência Teckal. A jurisprudência de Hamburgo (proveniente do referido acórdão) defende que não estão abrangidos pelas regras da contratação pública os contratos que são instrumentos de cooperação entre entidades públicas com vista à realização de missões de interesse público. Apesar de não se tratar de uma relação in house, é possível a exclusão da aplicação das regras da contratação pública quando em causa estão verdadeiras formas de cooperação interadministrativa. No presente acórdão é evidente a natureza externa da relação estabelecida e a inexistência de qualquer tipo de controlo análogo. Nesta decisão o TJUE destaca que “O Direito Comunitário de maneira nenhuma impõe às autoridades públicas, para assegurar conjuntamente as suas missões de serviço público, que recorram a uma forma jurídica especial” e que essa cooperação não põe em causa as disposições comunitárias em matéria de contratos públicos “…desde que a realização desta cooperação seja regida unicamente por considerações e exigências próprias à prossecução dos objetivos de interesse público.” O acórdão da Comissão vs. Alemanha tornou o tema da cooperação interadministrativa num tema autónomo e multifacetado. No acórdão, foi excluída a aplicação das Diretivas não por se falar em ausência de contrato ou falta de personalidade jurídica das entidades envolvidas, mas por existência de uma relação de pura cooperação e entreajuda, uma vez que não se verificava nenhuma vantagem económica de um agente sobre os demais. Neste acórdão abandonámos o conceito da contratação in house para nos focarmos num conceito de cooperação interadministrativa.
XXXXXXX XXXXX sustenta que o TJUE neste acórdão “privilegiou uma conceção funcional63 e material das entidades públicas”64. Neste caso, estamos perante um exemplo de um contrato de cooperação, não se tratava de um real contrato de prestação de serviços, mas de uma forma de cooperação interadministrativa, “o culminar de um processo de cooperação intermunicipal”.
63 Na mesma linha Durval Xxxxx Xxxxxxxx “o Regime da Contratação in house a luz das novas Diretivas de contratação pública – O tirunfo dos Estados sobre a jurisprudência do Tribunal de Justiça” Também o defendeu considerando que neste caso o tribunal teve em conta “a relação de dependência ou de vinculação existente entre os sujeitos que intervêm naquele determinado negócio jurídico.” Pág 775
64 VIANA, A influência do "mercado relevante" na contratação in house, 2013, p. 81.
Para podermos distinguir entre um contrato de cooperação interadministrativa e um contrato de prestação de serviços, o TJUE adiantou-nos dois critérios essenciais, designadamente o tipo de prestações pactuadas entre as partes e a circunstância de o contrato controvertido visar a realização de uma missão de interesse público comum. O tipo de prestação de natureza infungível afasta a suscetibilidade da sujeição à concorrência do mercado, assim como a sua natureza intuitu personae. Tendencialmente, os contratos de cooperação interadministrativa são paritários65, o que permitiria diferenciá-los dos contratos de prestação de serviços com a Administração que se caracterizam, via de regra, por haver uma relação de sujeição entre o cocontratante e o contraente público. Caso a cooperação seja imposta por lei, o contrato assumirá, em princípio, natureza cooperativa.
No entanto, para falarmos de cooperação interadministrativa é necessária a existência de um contrato à luz da Diretiva. Assim, é possível prever três formas de cooperação que podem levar-nos ao âmbito do conceito de contrato na aceção da Diretiva. Em primeiro lugar, tal pode suceder em casos de cooperação para o desempenho conjunto de tarefas públicas que, em conformidade com a natureza dos compromissos contratuais, devem ser de natureza administrativa e não comercial. Em segundo lugar, a existência de motivos para limitar o alcance do conceito de contrato, na aceção da Diretiva, à exclusão de casos relativos à atribuição de poderes de execução ou a responsabilidades pela realização de tarefas específicas de forma contínua e independente. Em terceiro lugar, o âmbito do conceito de contrato na aceção da Diretiva deve ser delimitado nos casos em que o prestador de serviços exerce os seus serviços diretamente com base em disposições estatutárias ou administrativas.
Uma característica comum dos tipos de casos mencionados acima é que a cooperação em questão foi firmemente baseada em escolhas económicas e políticas relacionadas à organização do setor público. Em vez de se referir à exposição dos serviços públicos à concorrência, os casos dizem respeito aos resultados da distribuição interna e à cooperação prática relativa às tarefas do setor público. Os “prestadores de serviços” podem ser vistos como realizando tarefas públicas, não porque estão
65 Xxxxxx, Xxxxxxxxx, "Contratos entre entidades adjudicantes (Ac. no proc. n.º C-480/06 do TJUE)",Revista de Contratos Públicos, (2), 2011, pág. 130.
exercendo a liberdade de ação, mas porque essas tarefas são lhes impostas como parte da estrutura da Administração pública. Além disso, nos acórdãos DCC66, Tragsa / Asemfo67 e Comissão / Alemanha68, as transacções financeiras entre as partes referiam- se exclusivamente à cobertura de custos. Por conseguinte, estas disposições diferiram significativamente das situações contratuais habituais em termos de mercado. Como resultado, é possível afirmar que estes acordos para todos os efeitos e finalidades careciam de relevância de mercado, de maneira similar àqueles nos casos relativos à “quase” exceção interna. Nestes casos, os critérios de controlo e de atividade não parecem, em todos os aspetos, parâmetros de avaliação adequados (ou suficientes) para equilibrar a liberdade dos Estados-Membros de organizarem os seus setores públicos. Por um lado, com considerações relativas ao “mercado”. Por outro, a prática judicial discutida acima mostra que pode, no entanto, ser necessário olhar além de uma simples avaliação sobre se os critérios internos são ou não cumpridos, ao avaliar os acordos de cooperação no setor público em relação às regras de contratação pública. Nesse sentido, o mecanismo real em que se baseia a cooperação e os conteúdos mais detalhados da cooperação podem aparentemente ser importantes. Por conseguinte, a prática do Tribunal permite equilibrar as considerações supramencionadas ao interpretar o alcance do conceito de contrato na aceção da Diretiva, complementando assim a doutrina interna.
A delimitação do âmbito do conceito de contrato, na aceção da Diretiva, nos casos que não impliquem uma provisão interna, será provavelmente mais relevante no futuro. A questão da delimitação do âmbito do conceito de contrato em relação a estes tipos de situações é, portanto, suscetível de conduzir a novos processos perante os tribunais europeus, em que as fronteiras terão de ser fixadas em conformidade com as avaliações dos fatos em casos específicos, de modo similar à questão da “quase” provisão interna que tem sido objeto de debate há quase 15 anos.69
A cooperação interadministrativa é um modo de assegurar a autarcia funcional da Administração Pública, assegurando a utilização de sinergias entre entidades
66 Processo C-532/03, Acórdão do TJUE de 18 de Dezembro de 2007
67 Processo C-295/05, Xxxxxxx do TJUE de 19 de Abril de 2007
68 Processo C-480/06, Acórdão do TJUE de 9 de Junho de 2009
69 Xxxxxx, X., “Public procurement rules and cooperation between public setor entities: the limits of the in-house doctrine under EU procurement law”, Public Procurement Law Review, (5), 2011, 157-172
administrativas e evitando duplicação de despesas, de equipamentos e pessoal. As Diretivas não podem constituir um entrave ao estabelecimento de formas de cooperação interadministrativa. Um contrato é qualificado como cooperação interadministrativa quando o tipo de prestações pactuadas entre as partes apenas envolva o reembolso de encargos e esteja presente uma missão de interesse público, verificando-se uma assistência mútua e não uma obrigação. A celebração destes contratos resulta de uma lógica cooperativa e não de mercado.
Os contratos de cooperação interadministrativa, citando ALEXANDRA LEITÃO70, são “aqueles cujo objeto imediato é a prestação de auxílio entre as partes para o desenvolvimento de tarefas legalmente cometidas a uma delas ou para o exercício coordenado de uma missão comum”. Nestes contratos os elementos essenciais são o fundamento cooperativo e a prossecução de interesses públicos. As entidades públicas podem valer-se dos seus próprios meios e/ou em colaboração com outras autoridades públicas suprir as suas necessidades71. Para falarmos de cooperação contratual, é necessário que em causa estejam duas ou mais entidades adjudicantes, ambas com o objetivo de prosseguir missões de serviço público e com um limite máximo de 20% das suas atividades no mercado livre, não abrangidas pela cooperação.
O processo Datenlotsen é o último de um trio de casos em que o Tribunal de Justiça clarificou a jurisprudência das exceções à contratação pública (designadamente as exceções de Teckal e dos Resíduos de Hamburgo) e recordou-nos que ambas as isenções devem ser interpretadas de forma restritiva. É agora evidente que o caso de Hamburgo sugere uma exceção única e independente da obrigação de realizar um concurso público. No entanto, levantam-se um conjunto de questões que ainda precisam ser desenvolvidas. Uma das mais importantes é entender o que significa “cooperar com o objetivo de assegurar que uma tarefa pública que todas as autoridades tenham que executar seja executada”. Esta clarificação é essencial para garantir que esta exceção à contratação pública não se torne uma porta aberta para as autoridades contratarem entre si o fornecimento de bens, obras ou serviços em condições que se pareçam com contratos públicos. Este esclarecimento é também crucial para estados membros como
70 Xxxxxx, Xxxxxxxxx, "Contratos entre entidades adjudicantes (Ac. no proc. n.º C-480/06 do TJUE)",Revista de Contratos Públicos, (2), 2011, pág. 132.
71 C-324/07, de 13 de Novembro de 2008
o Reino Unido, onde as autoridades são cada vez mais encorajadas a desenvolver um foco comercial e a considerar o uso de um conjunto de modelos de serviços partilhados (“shared services”) visando a redução de custos ou criação de receita.
Também devemos recordar que simplesmente a prossecução de objetivos de interesse público é um dos critérios essenciais desenvolvidos em casos anteriores no âmbito da exceção de Hamburgo. No acórdão Datenlotsen, o Tribunal de Justiça não considerou se o acordo era de facto apenas regulado por considerações relativas à prossecução de objetivos de interesse geral. Isto não nos surpreende, uma vez que o órgão jurisdicional não levantou essa questão e isso não era necessário para o desfecho do caso. No entanto, resta verificar em que medida a cooperação pode ser considerada como regida unicamente por considerações de interesse público em que o serviço pode ser obtido no mercado em condições de concorrência aberta. Não é inevitável que a ausência de lucro por parte do fornecedor seja suficiente para demonstrar que o critério de interesse público está satisfeito. Por exemplo, pode haver economia de custos devido a economias de escala e isso pode ser visto mais como uma consideração comercial do que uma consideração de interesse público.72
4.1. Tipo de tarefas
O CCP optou pela utilização do conceito tarefas públicas em vez de “serviços públicos”, conforme consta na Diretiva. A nosso ver, o direito comunitário, ao utilizar o conceito de serviços públicos, não quis limitar o âmbito de aplicação do regime. Se tivermos em conta o Considerando 3373, onde se refere que a colaboração “poderá
72 Xxxxx, X., “Hamburg again: shared services and public setor cooperation in the case of Technische Universitat Hamburg-Harburg v Datenlotsen Informationssysteme GmbH”, Public Procurement Law Review, (5), 2014, NA123-132
73 Diretiva 2014/24/UE de 26 de Fevereiro, Considerando 33:” As autoridades adjudicantes deverão poder optar por prestar conjuntamente os seus serviços públicos por meio de cooperação, sem serem obrigadas a utilizar qualquer forma jurídica especial. Essa cooperação poderá abranger todos os tipos de atividades relacionados com o desempenho de serviços e responsabilidades atribuídos às autoridades participantes ou por elas assumidos, como por exemplo missões obrigatórias ou voluntárias das autoridades locais ou regionais ou serviços confiados por Direto público a organismos específicos. Os serviços prestados pelas diferentes autoridades participantes não têm de ser necessariamente idênticos, podendo ser também complementares. Os contratos de prestação conjunta de serviços públicos não deverão ficar sujeitos à aplicação das regras estabelecidas na presente Diretiva se forem celebrados exclusivamente entre autoridades adjudicantes, se a implementação dessa cooperação se pautar unicamente por considerações relativas ao interesse público e se nenhum prestador de serviços privado ficar em posição de vantagem em relação aos seus concorrentes. Para preencher essas condições, a cooperação deverá basear-se num
abranger todos os tipos de atividades relacionadas com o desempenho de serviços e responsabilidades atribuídos às autoridades participantes, ou por elas assumidos…”, a isenção é aplicável a todas as entidades públicas e não apenas às autoridades locais. Embora isto já tenha sido assumido após o acórdão Comissão vs. Alemanha, esta clarificação é sempre oportuna.
Quando se refere no CCP que as atividades têm que ter uma conexão relevante entre si, entende-se que não têm que ser idênticas, assim como já referia o art.º12 nº4 da Diretiva 2014/24/UE, bastando que os objetivos de interesse público prosseguidos sejam comuns74. O Considerando 33 admite que as tarefas desempenhadas pelas diversas entidades possam ser meramente “complementares”75. No caso de atividades de carácter infungível, não existe dificuldade na análise, uma vez que a tarefa só pode ser realizada por um único fornecedor.
As tarefas devem ser realizadas primeiramente com recursos internos, segundo a dependência da entidade adjudicante. A entidade adjudicante terá que ter um poder de influência decisiva sobre os objetivos da entidade adjudicada. Devemos interpretar no sentido em que mesmo que as tarefas desenvolvidas não sejam iguais, no mínimo devem se sobrepor no que toca às suas funções estatutárias ou primárias. Os serviços têm que estar indissociavelmente ligados, formando assim um todo invisível. A este respeito, como demonstra o acórdão Comissão vs. Alemanha, a jurisprudência deixa aberta a porta da isenção para novas configurações dos tipos de relação jurídica e formas de cooperação a serem estabelecidas no futuro entre as partes contratantes / autoridades públicas para a prestação dos seus serviços de interesse público, desde que essas configurações não prejudiquem o objetivo principal.
conceito de cooperação. Tal cooperação não requer que todas as autoridades participantes assumam a execução das principais obrigações contratuais, conquanto sejam assumidos compromissos de contribuir para a execução de cooperação do serviço público em causa. Além disso, a implementação da cooperação, incluindo as eventuais transferências financeiras entre as autoridades adjudicantes participantes, deverá pautar-se unicamente por considerações relativas ao interesse público.”
74 Uma missão de serviço público que lhes é comum. Cf. Durval Xxxxx Xxxxxxxx “o Regime da Contratação in house a luz das novas Diretivas de contratação pública – O tirunfo dos Estados sobre a jurisprudência do Tribunal de Justiça”
75 Cf. Xxxx Xxxxx,”Contratação interadministrativa na revisão do CCP/2016 – Os contratos de transferência ou delegação de poderes públicos e os contratos de cooperação no âmbito de tarefas públicas” in Estudos de Homenagem a Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx coord. Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx, Xxxx Xxxxxx – Almedina 2017, p 521 a 547
No acórdão Azienda76, o raciocínio do Tribunal induziu que a tarefa pública assegurada pelo desempenho da cooperação não precisa ser comum a ambas as entidades envolvidas. Em vez disso, talvez fosse suficiente que o acordo de cooperação se enquadrasse na competência primária, de preferência legal (embora isso não seja uma exigência absoluta) de cada autoridade.
Suponhamos que o desempenho do acordo de cooperação tenha efetivamente caído no âmbito da competência primária da Universidade, ou seja, que os serviços poderiam ter sido classificados como pesquisa académica. Isso não significa necessariamente que o contrato de cooperação regulava uma tarefa pública comum à Azienda e à Universidade. De facto, a tarefa pública de Azienda seria estudar e avaliar a atividade sísmica, enquanto a tarefa da Universidade seria conduzir as pesquisas académicas. Embora ambas as tarefas sejam realizadas dentro do escopo da cooperação, elas não seriam necessariamente consideradas comuns no sentido de que são uma e a mesma coisa. Como o Tribunal formulou o critério, a cooperação seria permitida enquanto a cooperação fosse da competência principal de cada entidade, permitindo assim a cooperação mesmo que as tarefas a serem executadas não fossem comuns às entidades. Uma entidade entraria na cooperação para o desempenho de certa tarefa pública enquanto a outra entraria na cooperação para o desempenho de uma tarefa pública diferente. Isto submete-se, é lógico, pelo menos onde as tarefas públicas a serem realizadas por cada entidade estão em parte sobrepostas, por exemplo onde a realização do estudo de atividade sísmica pode ser interpretada como envolvendo o exercício de pesquisa académica. No entanto, a questão permanece sobre o que acontece quando as duas tarefas públicas não são de todo sobrepostas, mas onde as entidades podem usar as competências de cada uma.
A título de exemplo, se uma entidade pública necessitar de mão-de-obra para executar os seus serviços de eliminação de resíduos e, simultaneamente, uma entidade de tratamento correcional tenha mão-de-obra disponível, uma vez que procura emprego sem risco de fuga para os seus prisioneiros, essas duas entidades poderiam firmar um contrato no qual a segunda entidade assume a tarefa de fornecer mão-de- obra à primeira, garantindo dessa forma o cumprimento das tarefas públicas.
76 Processo C‑159/11 - Azienda Sanitaria Locale di Lecce et Università del Salento vs. Ordine degli Ingegneri della Provincia di Lecce.
Contudo, em nossa opinião, não está claro se tal contrato deveria ser coberto pela isenção. Caso o contrato fosse permitido, poderia levar a uma tendência escorregadia para que as entidades públicas trocassem serviços entre si, contornando assim de forma eficaz a legislação em matéria de contratos públicos. Face ao julgamento da corte realizado, podemos defender que mesmo que as tarefas executadas não precisem ser uma tarefa pública comum (a mesma), as tarefas executadas devem pelo menos estar sobrepostas, de modo a que não haja uma troca de serviços, mas sim uma verdadeira cooperação no desempenho dos mesmos.
No que respeita às tarefas propriamente ditas, resta-nos questionar se os contratos de cooperação devem incluir apenas missões de serviço público, como é o caso do ensino, investigação, abastecimento de água e tratamento de resíduos, ou poderão também alargar-se a tarefas que geralmente são prestadas por entidades privadas, tais como serviços de consultoria, limpeza e desenvolvimento de software77. Outra questão de particular relevância é o facto de saber se as tarefas podem cingir-se a prestações financeiras. O tema começou por debater-se no Documento de Trabalho de 201178 no seu ponto 3.3.2, sendo evidente que para estarmos perante uma cooperação genuína, e não um contrato público normal, todos os contraentes terão que realizar uma tarefa material, tarefa essa, comum a todas as entidades envolvidas na cooperação.
No acórdão de Pienpenbrock79, a prestação de uma das partes do contrato resumia-se a uma contrapartida financeira, o que muitos autores acreditam ter sido uma das causas para o Tribunal pôr o contrato à margem da cooperação real. Da mesma forma, no acórdão de Datenlotsen80, o Tribunal rejeitou a aplicação da isenção dos contratos de cooperação, com base em preconceitos relacionados com a existência de uma remuneração e com a natureza intrínseca comercial da prestação de uma das partes. Poderíamos concluir, numa primeira abordagem, que caso estivéssemos perante
77 Cf. Xxxx Xxxxx,”Contratação interadministrativa na revisão do CCP/2016 – Os contratos de transferência ou delegação de poderes públicos e os contratos de cooperação no âmbito de tarefas públicas” in Estudos de Homenagem a Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx coord. Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx, Xxxx Xxxxxx – Almedina 2017, p 521 a 547
78 Documento SEC 2011 1169 final, de 4.10.2014
79 Processo C‑386/11, acórdão do TJUE de 13 de junho de 2013.
80 Processo C‑15/13, acórdão do TJUE de 8 de maio de 2014.
serviços que o mercado está preparado para assegurar, as entidades públicas têm que ir ao mercado em vez de aproveitarem os seus próprios recursos.
Porém, o instituto assenta no princípio base de que as entidades públicas não devem ser obrigadas a recorrer a entidades privadas para realizar as missões públicas quando conseguem alcançar esse resultado em colaboração ou recorrendo às capacidades de outras entidades públicas. Assim, não é razoável exigir que uma prestação tenha impreterivelmente que ser material para que haja cooperação, dado que a cooperação assenta no facto de ambas as entidades unirem esforços para a prossecução da missão de interesse público que lhe está primordialmente incumbida. A limitação apenas deve ocorrer nos casos em que a cooperação é um meio de distorção da concorrência, tal como ocorre quando um operador privado, com a celebração de tal contrato, fica em posição de vantagem face aos outros operadores no mercado, ou nos casos em que as entidades públicas exerçam uma parte substancial das atividades subjacentes à cooperação no mercado livre. O importante no instituto é perceber se as prestações assumidas pelas partes estão funcionalizadas à realização das suas atribuições, ou seja, avaliar se a execução das tarefas está de acordo com o previsto na lei. Por fim, analisar se tais tarefas contribuem, de igual forma, para a realização de tarefas públicas que incumbem à contraparte. Deste modo, para estarmos perante uma cooperação real ou genuína, o que temos de apurar é se as tarefas realizadas prosseguem missões de serviço público, e se se enquadram nas missões primárias de ambas as entidades partes da cooperação.
Retornando ao tema da existência ou não de prestações financeiras para que se verifiquem os contratos de cooperação, e tendo em conta o fundamento do instituto, é importante realçar que estas foram admitidas no Acórdão Comissão vs. Alemanha. No acórdão referido, os LandKreise pagavam anualmente os serviços de limpeza e de tratamento de resíduos de Hamburgo.
No caso de ainda haver alguma relutância quanto a este tema, o facto de ter sido rejeitada parte da proposta inicial da Diretiva, nomeadamente onde constava que as partes tinham de se limitar ao necessário para assegurar a cobertura dos custos, fica claro que a Diretiva aceita casos em que o contrato de cooperação envolva prestações pecuniárias. É considerado imprescindível que o pagamento se traduza num ato de realização das atribuições ou missões públicas de quem o efetua. Devemos também
afastar a ideia de que tarefas de carácter marcadamente comercial não são objeto de contratos de cooperação, uma vez que a Diretiva, ao partir do pressuposto que a entidade contratada não pode exercer mais de 20% das atividades abrangidas na cooperação em mercado livre, já está a assumir que a cooperação poderá traduzir-se em atividades comerciais. Importa salientar que a criação de entidades públicas, por parte dos estados Membros, para prover outras entidades públicas de bens ou serviços que necessitam, trata-se de uma demonstração do princípio do autoaprovisionamento ou da liberdade dele81. A autonomia dos Estados-Membros é concretizada no Tratado e nas Diretivas da contratação pública, onde se prevê a possibilidade de os Estados criarem entidades e inscreverem nas suas missões a prestação de serviços a outras entidades públicas.
Ainda dentro do âmbito das tarefas, é importante esclarecer algumas dúvidas que possam surgir relativamente ao tipo contratual: “Será o tipo contratual condição sine qua non para considerarmos o contrato ao abrigo da concorrência? Uma tarefa típica, de um tipo de contrato é por sua vez impeditiva de cooperação?”
Uma leitura rápida do art.º16 nº2 do CCP82 poderá suscitar-nos algumas dúvidas, dado que parece evidente que as prestações elencadas no artigo são as prestações típicas sujeitas à concorrência e que, por sua vez, todos os contratos que as envolvam estão sujeitos a ela. Desse modo, poderíamos concluir que todo o tipo de tarefas que envolvessem prestações típicas estariam excluídas dos contratos de cooperação. Porém, apenas ao analisar as prestações, a razão da sua natureza, características e posição
81 Hipóteses de cooperação real quando os Estados criam entidades públicas especificamente para prover outras entidades públicas de bens ou serviços de que necessitam para a realização do seu fim, tal como sucedeu no Acórdão Datenlotsen, tese defendida por Cf. Xxxx Xxxxx,”Contratação interadministrativa na revisão do CCP/2016 – Os contratos de transferência ou delegação de poderes públicos e os contratos de cooperação no âmbito de tarefas públicas” in Estudos de Homenagem a Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx coord. Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx, Xxxx Xxxxxx – Almedina 2017, p 521 a 547
82 Artigo 16.º CCP
Procedimentos para a formação de contratos
2 - Para os efeitos do disposto no número anterior, consideram-se submetidas à concorrência de mercado, designadamente, as prestações típicas abrangidas pelo objeto dos seguintes contratos, independentemente da sua designação ou natureza:
a) Empreitada de obras públicas;
b) Concessão de obras públicas;
c) Concessão de serviços públicos;
d) Locação ou aquisição de bens móveis;
e) Aquisição de serviços;
f) Sociedade.
relativa das partes no contrato ou no contexto da sua formação é que podemos afirmar com certeza a sua sujeição ou não à concorrência. Todos os contratos estipulados no art.º16 nº2 do CCP têm prestações típicas de concorrência, o que os torna, à partida, sujeitos à aplicação da parte II do Código. Assim, entender-se-ia que abrangidos pela parte II estariam os contratos previstos no art.º16 nº2 do CCP e todos que tivessem prestações típicas desses contratos, chegando-se à conclusão que o critério de seleção seria o tipo contratual.
Porém, o direito da contratação pública tem vindo a evoluir de um modelo de cláusula geral da sujeição à concorrência, acompanhada de enumeração taxativa dos contratos sujeitos à mesma, para um modelo mais permissivo, de liberdade de escolha do cocontratante, acompanhado de enumeração exemplificativa de contratos abrangidos pelas exigências de publicidade e concorrência.
Nos contratos administrativos da época de 1934-40 aplicava-se a cláusula geral art.º9 do ETAF/8483. Hoje é necessário fazer um balanceamento entre a característica da injuntividade e a autonomia contratual das entidades públicas para prosseguirem as suas atribuições. A cláusula geral da prestação típica foi criada para evitar a fraude à lei, por força da manipulação da autonomia contratual e dos tipos contratuais. Contudo, começou a não ser suficiente por si só, criando-se a necessidade de partir de uma perspectiva estrutural, funcional e global sobre o objeto do contrato para verificarmos se este estava ou não ao abrigo do mercado. Devemos avaliar todo o conteúdo contratual, o que poderá levar a que contratos típicos do art.º16 nº2 sejam excluídos da concorrência. O contrato é analisado enquanto complexo de comunicação que resulta sobretudo da relação entre direitos e deveres criados pelo próprio. A mera análise das suas prestações não nos permite concluir se o mesmo está sujeito à concorrência, sendo fundamental avaliarmos a estrutura do contrato em todas as suas relações para podemos concluir de tal modo. Somente a articulação dos diferentes direitos criados
83“ARTIGO 9.º (Contratos administrativos)
1 – Para efeitos de competência contenciosa, considera-se como contrato administrativo o acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica de direito administrativo.
2 – São designadamente contratos administrativos os contratos de empreitada de obras públicas, de concessão de obras públicas, de concessão de serviços públicos, de concessão de uso privativo do domínio público e de exploração de jogos de fortuna ou de azar e os de fornecimento contínuo e de prestação de serviços celebrados pela Administração para fins de imediata utilidade pública.
3 – O disposto na alínea g) do n.º 1 do art.º51 não exclui o recurso contencioso de atos administrativos destacáveis respeitantes à formação e à execução dos contratos administrativos.”
pelo contrato e as respetivas ligações e relações, oferecem um panorama completo sobre esse contrato. Ora vejamos, a transmissão da propriedade acontece em vários tipos de contratos (compra e venda, doação, contrato de sociedade) com funções diferentes (troca, liberalidade, cooperação). Em todos, o efeito é a transmissão da propriedade, porém, o contexto e a função de direito na economia global do contrato são diferentes em cada caso.
Segundo a lógica do art.º16 do CCP, poderíamos concluir que um contrato através do qual uma entidade pública paga a outra entidade, pública ou privada, pela prestação de um serviço estaria sujeito à concorrência. No entanto, em causa tanto pode estar um contrato submetido à concorrência como um contrato de atribuição de um subsídio não submetido à concorrência. Tudo depende da forma como estes elementos se posicionam e relacionam no contexto do contrato. O contrato é mais do que uma soma de obrigações e prestações. É, sobretudo, “a estrutura das relações que ligam estas obrigações e prestações no quadro o contrato”84. O art.º5 nº1 do CCP vem no mesmo sentido apelar à relevância da globalidade do contrato, que em nada tem a ver com a simples análise da prestação.
Segundo Xxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx, o contrato divide-se entre partes, objeto, função e circunstâncias. O mesmo pode ficar excluído do mercado concorrencial por qualquer um destes fatores. Se, inicialmente, o maior receio era a manipulação do contrato por parte das entidades adjudicantes, hoje, tendo em conta os limites genéricos que a autonomia pública contratual enfrenta, dificilmente a tentativa de manipulação atinge a eficácia.
O real objeto da concorrência não deverá incidir em típicas prestações contratuais taxativamente elencadas, mas no contrato no seu todo, e principalmente, nas relações que este estabelece.
Em suma, decorre do exposto acima que para definir o tipo de tarefas admitidas na cooperação é obrigatório analisar a missão pública de cada entidade. Foi adotado um conceito abrangente de tarefa pública de forma a evitar que o mesmo fosse objeto de restrição do âmbito de aplicação do instituto. Neste âmbito, incluem-se tarefas que façam parte das funções primárias de cada entidade e que sejam equivalentes, não
84 L.Xxxxxx, L’unite p. 404
necessariamente iguais, mas sobrepostas de forma a evitar uma troca de serviços. Nessa medida, poderemos admitir a prestação pecuniária, apesar de ser um tema controverso na jurisprudência.
Adicionalmente, verificámos também que o tipo de contrato não é um fator determinante para avaliar se estamos perante um caso de cooperação, dado que não é o tipo de tarefas típicas de determinado contrato que vai restringir ou determinar o conceito.
Por fim, consideramos incluídas no âmbito do instituto, todas as tarefas públicas que se insiram na competência primária das entidades envolvidas na cooperação. O contrato de cooperação será aquele em que duas entidades unem esforços para a realização das suas competências primárias, independentemente do tipo contratual ou do tipo de prestação, desde que as atribuições de ambas se sobreponham no cumprimento da função pública.
4.2. Participação privada e possibilidade de remuneração
Um dos aspetos muito discutido no âmbito dos contratos de cooperação refere- se à possibilidade de participação privada nas “autoridades adjudicantes envolvidas”85. Tendo em conta a Proposta de Diretiva, era incontestável como requisito dos contratos de cooperação a ausência de participação privada. Todavia, a doutrina não reunia um consenso. Alguns autores concordavam que para a isenção da aplicação das regras da UE em matéria de contratos públicos, qualquer cooperação interadministrativa deveria permanecer puramente pública, ou seja, a participação do capital privado numa das entidades envolvidas impediria que a cooperação ficasse isenta das regras de contratação pública86. Em oposição, outros autores acreditavam que tal proposta teria sido baseada numa compreensão errada do definido pelo Tribunal de Justiça no acórdão de Hamburgo, ao assumir que a declaração do Tribunal87 de que o «contrato apenas foi celebrado por autoridades públicas, sem a participação de
85 Artigo 11 nº 4 alínea e), da Proposta de Diretiva Do Parlamento Europeu e do Conselho relativa aos Contratos Públicos, 2011/0438 (COD)
86 Xxxxxxxx, X., “Public-public cooperation – Teckal in practice”, Public Procurement Law Review, (1), 2012, NA1-10
87 Ponto n.º 44 do acórdão Hamburgo
privados», significava a ausência de participação privada para aplicar a referida isenção. No entanto, ao referir “apenas”, e colocando uma vírgula entre as expressões “autoridades públicas” e “sem participação de privados”, o requisito expresso diz respeito à não participação de privados como partes contratuais88 e não à proibição de participações privadas nas entidades públicas que celebram o contrato89.
Caso tivesse sido consagrada este tipo de restrição, seria um erro de interpretação do acórdão e levaria à inaplicabilidade do regime a um grande número de contratos. Uma vez que, sendo uma das partes um organismo de Direito público com participação de privados, seria imediatamente excluída a hipótese de cooperação.
Em suma, pode haver participação privada desde que a cooperação seja um meio de ambas as entidades prosseguirem a sua finalidade comum de interesse público, onde os interesses privados não são favorecidos. Excluímos, no entanto, que as partes contratuais sejam entidades privadas. Caso contrário, ficariam em posição privilegiada no mercado e nunca estaríamos no âmbito de uma real cooperação, uma vez que as tarefas não seriam conexas.
Em linha com o exposto acima, o Comité das Regiões considerou que a proposta de Xxxxxxxx tinha estabelecido condições de uma «forma demasiado rígida»90. Resultou que na Diretiva 2014/24/UE foi excluído do elenco taxativo de requisitos para a verificação dos contratos de cooperação. A nosso ver, importa salientar que o CCP, ao referir que “a cooperação é regida exclusivamente por considerações de interesse público”91, reflete a conclusão supracitada da não obrigatoriedade de exclusão da participação privada.
88 O mesmo consta na versão espanhola («Dicho contrato se celebró exclusivamente entre autoridades públicas, sin la participación de ninguna parte privada»), inglesa («That contract was concluded solely by public authorities, without the participation of any private party»), francesa («Ledit contrat n’a été
conclu que par des autorités publiques, sans la participation d’une partie privée») e alemã («Der Vertag wurde ausschlieBlich zwischen öffentlichen Stellen ohne Beteiligung Privater geschlossen») do ponto 44 do acórdão de Hamburgo.
89 Cf. Xxxxx Xxxxx Os contratos de cooperação entre entidades adjudicantes / Xxxxx Xxxxx in: Comentários à revisão do Código dos Contratos Públicos / coordenação de Xxxxx Xxxxx Xxxxx.. [et al.] ; [apresentação] Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx, Xxx Xxxxxxxx ; [autores] Xxxxxx Xxxxxxxx.. [et al.] . - 1ª ed. - Lisboa
: AAFDL Editora, 2017. - p. 727-767
90 Parecer do Comité das Regiões sobre o pacote «Contratos Públicos» (2012/C 391/09), ponto 11.
91 Artigo 5.º-A, nº 5, alínea b) do CCP 2017
Um segundo aspeto vastamente discutido é o tipo de retribuição que pode estar associada à cooperação interadministrativa. Tendo em conta parte da jurisprudência92, o entendimento era de que a retribuição deveria corresponder unicamente para suportar os custos reais. No entanto, o facto da nova Diretiva ter excluído este requisito torna questionável até que ponto seria admitida uma remuneração além dos custos do serviço contratado ao abrigo da cooperação interadministrativa, o que nos levaria a concluir ser permitido aplicar preços de mercado.
Numa perspetiva oposta, há doutrina que considere a eliminação de qualquer tipo de remuneração uma visão demasiado radical. Uma vez que, dificilmente o adjudicado aceitaria assumir tarefas públicas sem receber o mínimo de verbas orçamentais para o efeito. Segundo Xxxx Xxxxx a inexistência de uma retribuição é um requisito de qualificação do contrato e não um requisito de validade.
Em nosso entendimento, não deveria ser admitida a hipótese de remuneração além dos custos, na medida em que isso significaria obter um benefício pelo desenvolvimento das atividades, em contraste com o escopo cooperativo para a prossecução do interesse comum do instituto de exceção.
Perfilhando do entendimento de parte da doutrina93, este requisito deveria ter sido transposto na Diretiva atual, de modo a não serem admitidas contrapartidas financeiras que resultassem em lucros, coibindo o potencial interesse comercial do negócio.
4.3. Não orientação de mercado
Por fim, é cumprido o requisito da parte privada (última alínea do n.º 4 do art.º12 do CCP) se as entidades adjudicantes realizarem no mercado livre menos de 20% das atividades abrangidas pelo contrato de cooperação.
Nessa medida, procura-se evitar que, tendo em conta o volume total de negócios da entidade adjudicante, esta tenha uma posição relevante no mercado quanto à atividade realizada ao abrigo do contrato de cooperação. Entenda-se assim que a
92 Processo C-480/06, acórdão do TJUE de 9 de Junho de 2009 e Processo C‑159/11, acórdão do TJUE de 19 de dezembro de 2012
93 Cf. Durval Xxxxx Xxxxxxxx “o Regime da Contratação in house a luz das novas Diretivas de contratação pública – O triunfo dos Estados sobre a jurisprudência do Tribunal de Justiça”
atividade praticada deve ter um caráter marginal no contexto da atuação da pessoa coletiva em mercado livre. Qualquer atividade realizada no mercado (ou seja, para terceiros) deve permanecer incidental a essas atividades principais.
É condição de verificação que a atividade não esteja orientada para o mercado, sendo o nível de orientação avaliado com base na atividade geral da entidade94. Com base na legislação, entende-se por atividade o volume médio de total de negócios, ou uma medida alternativa adequada. Contudo, acreditamos que além do volume de negócios, o cálculo da percentagem deve ainda considerar o tipo abrangido pela cooperação tendo em linha de conta todas as autoridades que colaboram com as entidades objeto do contrato.
Indiscutivelmente, este critério serve para assegurar a distinção entre funções primárias e auxiliares de uma entidade pública, garantindo que uma entidade ativa no mercado aberto não use a cooperação com outras entidades públicas como forma de obter uma posição de vantagem, distorcendo assim a cooperação que ocorreria naturalmente no mercado.
Este aditamento não é, evidentemente, contrário aos fins da isenção estabelecida pelo Tribunal. No entanto, levanta algumas dúvidas em relação aos diferentes conceitos introduzidos no critério. Por exemplo, a disposição não oferece nenhuma orientação sobre como um mercado aberto é definido. É definido pela presença de fornecedores concorrentes (privados) dos serviços relevantes? Em caso afirmativo, é suficiente que existam potenciais fornecedores concorrentes ou que já exista tal presença no momento do acordo? Um mercado pode ser considerado aberto mesmo quando a entrada no mercado está sujeita a alguma forma de direito exclusivo concedida ao fornecedor?
Acreditamos, em sentido afirmativo face às duas primeiras questões, que o mercado aberto deve ser entendido como o conjunto das atividades disponíveis para transação em igualdade de oportunidades face a todos os agentes económicos excluindo direito exclusivos.
Em jeito de conclusão, esta condição pretende excluir atividades que, estando direcionadas para o mercado, seriam internamente contratualizadas em concorrência
V. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A realização desta dissertação teve como âmbito esclarecer os regimes de exceção, nomeadamente a contratação in house e os contratos de cooperação interadministrativa, de modo a tornar a sua aplicação ao caso concreto clara, sem invalidar o princípio da concorrência.
A compreensão que temos hoje dos regimes de exceção em nada põe em causa a concorrência no mercado, porque nestes casos nem sequer existe mercado. Os regimes de exceção são de aplicar nos casos, em que por meio da verificação dos requisitos necessários, a Administração contrata fora do âmbito de mercado. Nessa medida, são situações em que as necessidades são supridas pela sua própria organização interna ou em cooperação com outras entidades administrativas sem visualizar o lucro.
O regime assenta no princípio da auto-organização administrativa e na garantia da eficiência na sua atuação. Regra geral, o procedimento competitivo permitirá selecionar a proposta que melhor satisfaça as necessidades de interesse geral visadas com a decisão de contratar, maximizando as possibilidades de encontrar um bom contratante e as condições contratuais mais adequadas. Contudo, nas situações em que a Administração consegue fora do mercado satisfazer as necessidades públicas seria uma duplicação de recursos recorrer ao procedimento competitivo.
As instâncias europeias submetem os Estado-Membros a programas agressivos de controlo orçamental e da redução “estrutural” da despesa pública, como condição do funcionamento do mercado interno e do sistema monetário europeu. O que nos leva a presumir que o direito comunitário caminha para uma tendência para a contratação interadministrativa, sendo que ao aproveitar as capacidades infraestruturais, técnicas e humanas instaladas noutras entidades públicas, a Administração rentabilizaria custos diminuindo assim a dívida pública. A verba orçamental despendida entre entidades adjudicantes dentro do perímetro das entidades públicas seria menos um custo a agravar na despesa pública, ideia que tem levado os Estados-Membros a consolidar um princípio de autoaprovisionamento. Princípio segundo o qual o setor público autonomizará as suas funções através dos meios de que dispõe. Quando estes não
forem suficientes recorrerá ao setor público administrativo e só em último caso ao mercado.
Importa salientar que os casos em que a Administração decide contratar “dentro de casa” ou em cooperação traduzem uma faculdade da Administração e não uma imposição legal. A Administração face à necessidade que precisa suprir é que entenderá se recorre a essa faculdade, aplicando regimes de exceção, ou se recorre ao mercado.
No entanto, o TJUE tem apresentado requisitos muito restritos para as exceções à aplicação das normas comunitárias, o que revela um certo xxxxxxxx das afirmações liberais das instâncias europeias, que, se de um lado exigem contenção orçamental, do outro sacrificam recursos públicos “no altar” da concorrência.
Na nossa opinião, não devem existir entraves à autoadministração nos casos em que se verifica que a contratação por meio do procedimento concorrencial apenas iria gerar duplicação de recursos e gastos, quando de facto, sozinha, a Administração Pública teria meios suficientes para satisfazer as suas necessidades.
Como pudemos referir ao longo da dissertação, vários autores defenderam a auto- organização da Administração sem necessidade de justificativa, sendo que o poder de autoadministração apenas deve admitir limites no direito interno, pelo princípio da razoabilidade e pelo princípio da proporcionalidade, princípios, estes, norteadores de qualquer escolha discricionária da Administração Pública. O poder de a Administração suprir as suas necessidades através dos seus próprios meios tem assim, entre os autores95, natureza discricionária.
Pudemos verificar que a contratação pública tem caminhado de uma preferência originária pelo outsourcing, para outra mais mitigada de balanceamento entre vantagens e desvantagens associadas à gestão da Administração Pública por entidades que lhe sejam exteriores, tendo em conta uma prévia análise de custo-benefício. O procedimento concorrencial não deve acarretar um custo marginal excessivo, tendo em conta a qualidade de serviço prestado, face às expetativas e necessidades dos utentes do serviço.
Posto isto, a Administração Pública terá sempre o poder de optar por recorrer ao procedimento concorrencial ou prover ela própria as suas necessidades. As Diretivas
95 RICCARDDO URSI, Le società per la gestione dei servizi pubblico locali a rilevanza económica tra
outsourcing e in house providing, (DA), 1, 2005, p. 193, 208 e 209.
Xxxxxxxxx vieram de encontro a esse princípio, ao codificarem regimes de exceção que antes apenas tinham assento jurisprudencial, conferindo assim maior segurança jurídica ao tema.
O que importa reter é que nos casos em que a Administração opta por atuar com as suas próprias unidades organizativas não existe mercado, recorrendo a Administração aos seus próprios meios para produzir as prestações de que necessita. A auto-produção administrativa não se opõe assim ao mercado.
O princípio da concorrência consagrado desde o Tratado de Roma, em 1957, onde a concorrência foi reconhecida como sendo “um elemento ordenador e regulador da economia, visando a criação de um mercado comum”, apenas se tem em conta quando estamos numa lógica de mercado.
O princípio da concorrência tem vindo a ser aprimorado pelos tratados subsequentes. Assim, em 1986, o Ato Único Europeu (AUE) reviu o Tratado de Roma com o objetivo de relançar a integração europeia e transformar o mercado comum em mercado interno. Para assegurar o objetivo do mercado interno não podia haver acordos de índole privada que afetassem as trocas entre Estados-membros e criassem divisões num mercado que se quer único, pelo que a Política de Concorrência desempenha aqui um papel central, nomeadamente através do princípio da proibição de acordos. Neste contexto, os auxílios regionais podiam existir, mas não podiam pôr em causa a concorrência, o que confere uma importância acrescida à Política de Concorrência, através da sua vertente de apreciação e exame dos regimes de auxílio existentes.
Em 1992, é assinado o Tratado de Maastricht, que instituiu a União Europeia, como uma união económica e monetária. Neste tratado mantém-se a referência à concorrência como um dos pilares da união económica e monetária, afirmando-se que a política económica da Comunidade, baseada na coordenação da política dos Estados- membros, com uma política monetária e cambial única que estabilize os preços e onde toda a ação dos Estados-membros e da Comunidade terão subjacente “o princípio de uma economia de mercado aberto e de livre concorrência”.
Em 1997, é assinado o Tratado de Amesterdão, o qual introduz algumas alterações ao texto do Tratado de Maastricht, reforçando ainda mais o papel da Política de Concorrência.
Por fim, em 2007, é assinado o Tratado de Lisboa, o qual entrou em vigor em 1 de Dezembro de 2009, depois de ter sido ratificado por todos os Estados-membros. Neste tratado reformador da UE, a concorrência é promovida a um dos objetivos da UE, afirmando-se que “a União proporciona aos seus cidadãos um espaço de liberdade, segurança e justiça sem fronteiras internas e um mercado único em que a concorrência é livre e não falseada”.
Por outro lado, as regras de concorrência necessárias ao funcionamento do mercado interno fazem parte das competências exclusivas da UE, ou seja, é um domínio em que apenas a UE pode legislar e adotar atos juridicamente vinculativos e os próprios Estados-membros só podem fazê-lo se habilitados pela UE ou a fim de dar execução aos atos por esta adotados.
Como podemos verificar, o princípio de livre concorrência sempre fez parte da ideia de comunidade, e a cada momento que a comunidade se tornava maior, e, por sua vez o mercado comum também, ganhava cada vez mais importância. A evolução da UE passa pela afirmação do princípio da livre concorrência, de outra forma o mercado não teria conseguido se expandir. Assim, tendo em conta os Tratados, também as Diretivas de contratação pública seguiram a mesma linha de garantia do princípio da livre concorrência.
Nesta medida, tendo por base a evolução histórica do princípio podemos com certeza afirmar que nenhuma contratação pública pode ocorrer de maneira a suprimir ou até mesmo negar o princípio da concorrência. O sistema europeu é um sistema virado para abertura de mercados em detrimento das preferências diretas ou indiretas em razão da nacionalidade.
No entanto, a celebração de um contrato público entre duas entidades adjudicantes não é, por si só, impeditivo de concorrência. Não podemos esquecer da Administração Pública como gestora das suas próprias necessidades, nem devemos de todo incentivar uma privatização da mesma. Não queremos uma Administração ineficiente e vazia de poder. Pelo contrário, a União Europeia reconhece o poder de organização da Administração Pública dos Estados Membros. Não existe uma
derrogação do princípio de liberdade económica tutelada no mercado comum, mas antes a definição do que não é mercado96.
Assim, se é verdade que evoluímos para um mercado comum onde reina o princípio da livre concorrência e onde o objetivo é garantir a todos o acesso às propostas, de forma a contratar a proposta mais vantajosa e ter um mercado cada vez mais eficiente, também é verdade que tal só se verifica quando existe materialmente um mercado comum.
A Administração Pública pode sempre decidir não recorrer ao mercado, mantendo certos setores na sua auto produção. O fato da Administração Pública se integrar no mercado comunitário foi mais uma das formas de garantir prossecução do interesse público, garantir as melhores ofertas e mais eficientes possíveis. É nesse juízo que a Administração decide recorrer ou não ao mercado. Havendo um mercado público, a União Europeia vem como auxiliar da Administração Pública garantir os princípios de livre concorrência e transparência, que no final, ambos, visam a prossecução do interesse público.
Quanto aos regimes de exceção, estes dividem-se entre a contratação in house, onde é dada a Administração Pública o poder de se auto organizar, e os contratos de cooperação interadministrativa, onde é facultado à Administração a capacidade de se organizar com outras entidades públicas97. Nessa medida, ao longo da dissertação fomos desenvolvendo ambos os regimes e esclarecendo também conceitos conexos.
Para podermos entender a contratação pública, temos que entender conceitos específicos da mesma, nomeadamente o que seria uma entidade adjudicante. O tema não nos levanta grandes problemáticas. Relativamente ao conceito de organismo público, conceito esse integrante do conceito abrangente de entidade adjudicante, a conclusão que releva é a possibilidade do organismo ser desenvolvido por entidades privadas desde que não prossiga atividades que visam satisfazer necessidades de natureza industrial ou comercial, requisito que apenas podemos analisar em face do caso concreto.
96 R. PERIN/ D. XXXXXXXX, L’in house providing: un’impresa dimezzata, DA, 1, 2006, p.59 a 61.
97 . Cf. Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx “o Regime da Contratação in house a luz das novas Diretivas de contratação pública – O tirunfo dos Estados sobre a jurisprudência do Tribunal de Justiça” pág. 773
Abordamos também, dentro dos conceitos gerais, as empresas públicas e associadas. Neste subtítulo, importa ter em conta que nas situações em que a empresa pública se constitua na forma privada, o controlo terá que ser mais apertado por parte da entidade adjudicante de forma a garantir a prossecução do interesse comum e não um objetivo comercial tendente ao lucro.
Após a análise de conceitos gerais, partimos para os regimes de exceção, começando pelo regime da contratação in house e seguindo para o regime dos contratos de cooperação interadministrativa.
Na contratação in house, pudemos verificar que o princípio da concorrência não era posto em causa, uma vez que não existe sequer duas entidades distintas no plano formal. É uma relação de controlo muito idêntica ao poder de delegação de poderes, sendo que na maioria das vezes são entidades criadas pela Administração de forma a descentralizar um determinado tipo de tarefas. A Administração tem neste regime a opção de se organizar por meio de outra entidade despida de vontade própria, mas onde o controlo parte da Administração. No que respeita o requisito de controlo análogo, surge uma inovação. Inicialmente, compreendíamos o conceito dentro de uma relação de hierarquia, onde por via dessa hierarquia a entidade adjudicante exercia um controlo sobre a entidade adjudicada. Esse controlo poderia ser exercido de forma isolada ou conjunta, sendo que o importante para que a concorrência não seja posta em causa é que o mesmo seja efetivo, de forma a impedir que a entidade adjudicada possa tomar decisões de gestão sozinha.
Hoje, nos contratos in house, é possível a contratação partir de ordem inversa, resultando no abandono da noção de contratação vertical no que diz respeito à contratação in house. Assim, os contratos não são necessariamente realizados pela entidade controladora (leia-se, tida como hierarquicamente superior) à entidade controlada, podendo sê-lo feitos inversamente. No entanto, na criação dessa entidade controlada deve verificar-se na sua ordem de trabalhos precisamente a contratação de serviços à entidade controladora e dessa forma o regime de exceção mantém a sua razão de ser. Assim, a contratação in house passa a ser entendida como multidirecional na medida que os contratos tanto podem ser entre empresa filha vs empresa mãe, empresa mãe vs empresa filha ou entre empresas irmãs. Acreditamos que este desenvolvimento em nada abala o conceito de controlo análogo, uma vez que a criação
dessas mesmas entidades é feita na sua maioria pela entidade adjudicante, funcionando como uma “central de compras” que não tem autonomia para decidir entre contratar ou não com a entidade mãe. Assim, o controlo é garantido na sua formação.
Em relação ao requisito da essencialidade, foi abandonado o critério qualitativo, sublinhando-se o facto positivo de se atingir uma maior segurança jurídica. Porém, perde-se alguma precisão na análise. Ainda no que diz respeito a este critério, cumpre salientar que, para garantia da concorrência, as restantes atividades realizadas fora da contratação in house, devem ser tidas como marginais, resultante de uma análise do volume de negócios da entidade adjudicada. A definição de um valor percentual para a verificação do requisito da essencialidade foi, assim, mais uma forma de garantir que a concorrência não seria posta em causa. A certeza jurídica que se ganhou na aplicação dos requisitos perdeu-se na avaliação qualitativa do caso concreto. Contudo, foi restringida a ambiguidade do requisito da essencialidade de modo a que podemos constatar esta inovação como elemento facilitador da aplicação do regime. A essencialidade não é um fim em si mesmo. O requisito existe para que, por meio do mesmo, se garanta o princípio da concorrência e das liberdades fundamentais, consagradas no tratado da União Europeia. Nessa medida, apenas se verifica essencialidade quando a sociedade não desenvolver uma atividade no mercado em concorrência com outras, ou seja, não tiver liberdade de ação, ou seja esta meramente residual, constituindo um prolongamento da atividade adjudicante.
Partimos para a grande novidade do regime que foi a autonomização do requisito de exclusão de participação privada. Acreditamos não se tratar de uma criação nova mas apenas da sua codificação. Na verdade, já por nós reiterado, para estarmos perante um regime de exceção o seu fundamento terá que ser a prossecução do interesse público, ou não estaríamos nós no âmbito do direito administrativo. Não acreditamos que esta positivação tenha trazido, ou não o deveria ter sido feito, uma restrição desmedida do regime da contratação in house. Por conseguinte, acreditamos que a sua aplicação deve ser feita de forma restrita. Partilhamos da opinião de que a exclusão apenas incide sobre as partes contratuais e não no que toca ao capital total da entidade. Caso assim fosse, os organismos de direito público na sua maioria estariam impedidos de contratar in house. O que se pretende é garantir a não prossecução de interesses privados e apenas isso.
Tendo por base o objetivo do regime, não nos choca a eventual remuneração além dos custos do serviço, pois acreditamos que a entidade adjudicada dificilmente aceitaria realizar serviços sem receber o mínimo de verbas orçamentais. Assim, a exclusão deste requisito na Diretiva conferiu uma maior flexibilidade ao tema que nos parece razoável. A remuneração é por nós admitida, assim como a participação de capital privado, desde que não seja um meio de garantir interesses privados, de modo a incentivar a prossecução de objetivos de natureza diferente do interesse público. Releva verificar se há uma dependência económica-jurídica. Na contratação in house, a exclusão nada tem a ver com as prestações do contrato.
Ainda, no título correspondente à contratação in house, abordamos o tema dos benefícios estatais e apontamos medidas para evitar a distorção da concorrência, nomeadamente no que se refere ao capital privado, ao tipo de contratos, que devem ter em conta os contratos de mercado, e à separação das contas nos casos das entidades que atuam simultaneamente no mercado e através de relações in house.
Concluímos que para que se verifique um caso de contratação in house há que avaliar a natureza das instituições envolvidas na celebração do contrato, a natureza das entidades que, como associados participem na entidade adjudicada, assim como a concreta dimensão e complexidade da entidade adjudicada. Por fim, os efetivos poderes de gestão estratégica e corrente da entidade adjudicada que se centram no seu órgão executivo, conselho de administração devem ter cunho administrativo, assento da entidade adjudicante.
Na segunda parte desta dissertação, abordamos o regime de exceção dos contratos de cooperação interadministrativa. Diferentemente da contratação in house, na cooperação interadministrativa estamos perante um contrato entre duas entidades autónomas que prosseguem o mesmo fim público, e, nessa medida, cooperam para a realização de uma tarefa coincidente. Este é um regime de exceção que permite à Administração evitar o desperdício de verbas orçamentais em contratos externos quando é possível cumprir as tarefas de interesse público em cooperação com outra entidade administrativa. É assim uma relação de pura cooperação e entreajuda, uma vez que não se verifica nenhuma vantagem económica de um agente económico sobre os demais.
O contrato de cooperação contratual não invalida a concorrência, na medida em que entendemos estarem presentes alguns pressupostos: falamos de duas ou mais entidades adjudicantes, sendo que ambas têm como objetivo a prossecução de missões de serviço público onde a sua atuação no mercado livre, face às atividades objeto da cooperação, não ultrapassa os 20%.
Neste título, o que mereceu a nossa maior concentração foi a análise do tipo de tarefas que estavam compreendidas, ao ter por base a expressão do CCP “conexão relevante”. Questionávamo-nos em que medida essa conexão se verificava e se o mesmo podia fazer com que algumas tarefas, por si só, tivessem excluídas da cooperação. Após essa análise, pudemos concluir que não é o tipo de atividades que irá incluir ou excluir uma atividade da cooperação e por isso a lei ter usado o conceito abrangente de tarefas públicas. O indicador da cooperação é, na realidade, se estamos ao abrigo de uma real cooperação na medida em que o fim visado é o mesmo. Assim sendo, as atividades não têm que ser iguais mas sobrepostas, uma vez que se fossem meramente complementares estaríamos perante uma troca de serviços entre entidades, serviços esses presentes no mercado contrariando totalmente o princípio da concorrência.
Cumpre salientar que neste regime excluímos a hipótese de remuneração para além dos custos. Diversamente da contratação in house, onde temos garantias de controlo e onde não há autonomia da vontade, nos contratos de cooperação temos duas entidades autónomas paritárias entre si. Acreditamos que a remuneração para além dos custos poderia ser uma tendência escorregadia para que, em vez de se prosseguir o interesse público, o foco fosse no potencial interesse comercial do negócio. Se a base destes contratos é a junção de esforços para cumprir uma tarefa pública coincidente não vemos o porquê de remunerar acima dos custos.
Relativamente às percentagens que devem ser tidas em conta no volume de negócios das entidades contratadas, o cálculo é o mesmo que positivado na contratação in house, mas agora estipulado de forma inversa. No que se refere à análise do mercado aberto, acreditamos que o mesmo deve ser analisado tendo em conta as atividades disponíveis à data do contrato em igualdade de oportunidades face a todos os agentes económicos.
Em suma, esta dissertação acrescentou clarividência na aplicação dos regimes de exceção com base na jurisprudência e doutrina analisada, que nos permitiu em certos pontos dúbios marcar uma posição.
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CÓDIGOS E DIRETIVAS
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