ACÓRDÃO
1ª CÂMARA DO CÍVEL, ADMINISTRATIVO, FISCAL E ADUANEIRO
ACÓRDÃO
PROC. N.º 1583/10
Os Juízes da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo, acordam em conferência, em nome do Povo:
1 - RELATÓRIO
Na Sala do Cível e Administrativo do Tribunal Provincial de Benguela,
, residente em Luanda, instaurou e fez seguir contra a Direcção Provincial da Habitação de Benguela, Ministério Público em representação do Governo da Província de Benguela, e
, residentes na Rua r, a presente Acção Declarativa de Condenação.
Para tal, aduziu os seguintes fundamentos:
1 - Aos 30.04.1984, celebrou um contrato de arrendamento com a Direcção Provincial da Habitação.
2 - Por ser militante da UNITA, em Janeiro de 2003, o Co-Réu
, encabeçando um grupo de homens armados, tomou de assalto a sua casa, alegando que escondia armamento de guerra em casa.
3 - Receoso da invasão, optou por fugir para fora da Província, mas, sempre reivindicando a sua casa. Contudo sem êxito.
5 - Este Co-Réu, para além de ocupar a sua casa, acabou por ocupar uma outra casa, no Compão, curiosamente ambas com a mesma data de celebração do contrato, alterando-se apenas o nome, isto é, numa delas em nome dele e a outra em nome da sua esposa. Ou seja, nelas mencionando o mesmo agregado familiar.
6 - Aos 27.01.1992, requereu a compra do imóvel ao Ministro das Finanças, sem resposta.
7 - Questionada a Direcção Provincial da Habitação, sobre o sucedido, esta alegou ter sido orientação emanada, em reunião datada de 18.08.1996, pelo Governo da Província. 8 - Facto é que o contrato de arrendamento foi celebrado aos 18.11.1994 e, em 1995,
o Réu já tinha adquirido por compra a casa de Compão, logo, era obrigação da D.P.H. rescindir o contrato consigo.
9- Em 1995, ao abrigo da Lei 19/91, de 25 de Março, o Réu acabou adquirindo, por compra ao Estado, a casa do Lobito e a sua esposa a casa de Benguela.
10 - Lei essa que prescreve que cada família, deverá adquirir um só imóvel. Logo, agiram de má-fé.
11 - A D.P.H. nunca rescindiu o contrato que celebraram, daí que devesse ter preferência na compra da casa.
Terminou pedindo a nulidade do contrato de arrendamento celebrado a favor da Sra.
, esposa do Xxx, devendo prevalecer o seu, por ser mais antigo, e condenados o Co-Réu e sua esposa, em multa de valor não inferior a USD 5.000,00, por litigância de má-fé.
Com o requerimento inicial juntou procuração, documentos e duplicados legais, folhas 2 a 25.
Regularmente citados, folhas 32 a 59, o Co-Réu contestou, referindo, em síntese: 1 - É inepta a petição inicial, por contradição entre pedido e a causa de pedir.
2 - O direito de que o Autor se arroga precludiu, ou seja, a acção deveria ter sido intentada no prazo de ano, contado do final do ano de 1992, logo, existe caducidade.
3 - O Autor não indica o tipo de acção declarativa que intentou.
4 - Tomou posse da casa por intermédio de um processo administrativo que correu trâmites junto da D.P.H., com a qual celebrou contrato definitivo, após recebimento da nota n.º770/08.04. 18.05.DEP.EST/GPB/96, de 3 de Agosto.
5 - A seu pedido, posteriormente, foi celebrado um contrato com a sua esposa, sendo inverdade o que o Autor alega quanto ao facto de, cada família dever adquirir um único imóvel.
6 - Tomaram posse dos imóveis de forma pacífica, titulada e de boa-fé.
7 - O Autor ao deixar de pagar as rendas a D.P.H., operou-se a rescisão do contrato de arrendamento entre eles celebrado.
Terminou pedindo que a acção fosse julgada improcedente por não provada, procedente a excepção dilatória, a condenação do Autor no pagamento de honorários de advogado no valor de USD 3.000,00 e custas processuais.
O Autor replicou, folhas 63 a 64, tecendo, em suma:
1 - Não existe contradição entre pedido e causa de pedir, pois expôs as razões e terminou com o pedido.
2 - Não existe caducidade, porquanto, sempre reivindicou o imóvel, quer de forma administrativa, em 1993, por intermédio de correspondências, quer por via judicial, através de acção instaurada na mesma Sala e Tribunal, sob o processo n.º 26/05.
3 - Não abandonou o imóvel de espontânea vontade mas, em resultado de perseguições contra si feitas por este Co-Réu, por ser militante da UNITA e pretendendo apoderar-se da casa.
4- Até 1996, a D.P.H. sempre referiu que a sua situação era especial e merecia tratamento diferenciado, não lhe sendo aplicável o contido no artigo 287.º do C.C.
Seguidamente, os Réus apresentaram réplica, folhas 67, nela expendendo, em síntese, que:
O Autor deveria formular pedido diferente do de nulidade do contrato de arrendamento, pois que ela deriva de um vício de forma ou fundo, este não citado pelo Autor. Por outro lado, se este refere ter intentado uma acção em 2005, por que razão não a prosseguiu, optando por intentar outra? Ou seja, passaram-se mais de cinco anos, logo, a excepção invocada deve ser julgada procedente.
O Ministério Público, em representação da Direcção Provincial de Habitação, veio apresentar a sua contestação, folhas 69 a 71, expondo, em síntese, o seguinte:
1 - É verdade que celebrou com o Autor um contrato de arrendamento para habitação, em 30.04.1984, do imóvel sito à Rua Silva Porto, n.o 12, R/C.
2 - Independentemente da situação de guerra a que o Autor faz alusão na sua petição inicial, ao abandonar o imóvel incumpriu com os seus deveres de inquilino, cuja sanção era o despejo sumário.
3 - O Autor regressou à área controlada pelo Governo em 1998, mas, apenas em 1999, subscreveu uma reivindicação ao Governo da Província de Benguela. Significa assim que, passaram 6 anos.
4 - Nessa altura o imóvel já tinha sido redistribuído à outra família, pois a própria Lei do inquilinato refere que a ausência do inquilino não poderá ser superior há dois anos,
5 - A Lei n.º 19/91, de 25 de Maio, permite a cada pessoa singular a compra de um imóvel unifamiliar e foi desse modo que os Réus adquiriram individualmente os imóveis de Benguela e Lobito, logo, não violando a lei.
Terminou pedindo a absolvição do pedido, que o tribunal declare inválido e sem efeito o contrato celebrado com o Autor, válida a venda efectuada pelo Estado à Ré, esta declarada única e exclusiva proprietária do imóvel, bem como a condenação do Autor por litigância de má-fé, devendo indemnizar o Estado pelos prejuízos causados e pagar pelas custas processuais.
O Autor apresentou resposta à contestação da Ré D.P.H. referindo que os documentos juntos por esta são prova mais que suficiente de que foi cometido um erro na venda do imóvel e que consta de um relatório elaborado pelo Governo da Província,
Terminou pedindo a junção de documentos, folhas 75 a 86,
Os Réus argumentaram que os documentos juntos pelo Autor nada trazem de novo aos autos, devendo o Juiz ordenar o seu desentranhamento, culminando nos mesmos moldes da contestação, folhas 92 a 95,
O Ministério Público, em representação da D.P.H., interveio afirmando que o Estado usou do seu direito de disposição e vendeu o imóvel à Ré,
e, que, o Autor indicou-a indevidamente como Ré, por agir apenas em representação dos interesses do Estado, folhas 98 e verso.
Acto contínuo o Juiz da causa realizou uma tentativa de conciliação, porém, sem êxito, folhas 117 e verso.
Seguidamente, o Juiz da causa proferiu Despacho Saneador, com Especificação e Questionário, folhas 118 a 122.
Dele resultou, da parte do Réus, reclamação quanto ao Questionário, folhas 127. O Autor requereu a junção do rol de testemunhas, folhas 132.
A Juíza da causa alterou o Questionário do Despacho Saneado, folhas 149 verso. Realizou-se uma Audiência para discussão e Julgamento, folhas 156, 173 a 177 e
verso.
O Autor veio juntar certidão de casamento dos Réus, folhas 156.
A Juíza da causa viria a proferir sentença, nela julgando procedente a excepção de caducidade e, em consequência, absolvidos os Réus do pedido, folhas 178 verso a 182 verso.
Notificados, por inconformação, o Autor interpôs recurso de apelação, admitido nessa espécie, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo, folhas 187,188 verso.
Em sede de alegações, o Autor, ora Apelante, expendeu, em suma, que a D.P.H. nunca rescindiu o seu contrato de arrendamento, por isso se mantém válido e, que, a compra do imóvel pela Ré, ora Apelada, é nula, podendo ser invocada a todo o tempo, por violação do artigo 1.º, da Lei 6/92, de 24 de Janeiro, os artigos 44.º, 45.º e 88.º, do Decreto 43525, de 7 de março de 1961, bem como, deve a sentença ser revogada por violar o contido nos artigos 158.º e 669.º, ambos do C.P.C, folhas 201 a 208.
Em contra-alegações, os Réus, ora Apelados, no essencial, vieram reafirmar que, o direito do Autor há muito precludiu, daí que tenha decidido bem o Tribunal a quo, folhas 213 a 216.
Remetidos os autos ao tribunal "ad quem", o recurso foi aceite como o próprio, interposto atempadamente e, com legitimidade.
À vista, o Digníssimo Magistrado do Ministério Público, junto desta Câmara, pugnou pelo recebimento do recurso folhas 227 verso a 228.
Aqui chegados, colhidos os vistos legais, importa delimitar o objecto do recurso.
2 - OBJECTO DO RECURSO
Sendo que o âmbito e o objecto do recurso se delimitam, para além das razões de direito e das questões de conhecimento oficioso, pelas conclusões formuladas pelo recorrente, artigos 660.º n.º 2, 664.º, 684.º n.º 3 e 690.º n.º1, todos do C.P.C., têm-se por questões à apreciar, as seguintes:
1. Saber se a excepção de caducidade procede ou não.
2. Saber se a sentença deve ou não ser revogada, por violação dos artigos 158.º e 688.º, n.º 1, alínea b), do C.P.C.;
3. Em caso negativo, saber se o contrato de compra de venda é ou não nulo.
4. Saber se o contrato de arrendamento celebrado entre a Apelante e a D.P.H., é ou não válido.
3 - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Da sentença recorrida depreendem-se provados os seguintes factos:
1.° Aos 05.03.2007, o Autor instaurou a presente acção declarativa de condenação. 2.° Aos 30.04.1984, o Autor celebrou com a Secretaria de Estado de Habitação,
contrato de arrendamento, do imóvel sito à Rua Silva Porto, n.º 12, R/C. Doc. de fls. 9.
3.° Até Dezembro de 1993, o Autor efectuou o pagamento das rendas. Doc. de fls.10. 4.° Aos 27.01.1992, o Autor requereu a compra do imóvel ao Ministro das Finanças.
Doc. de fls. 11.
5.° O Autor abandonou o imóvel no período entre 1992 e 1998, altura em que se apresentou às Autoridades Governamentais. Doc. de fls. 13 a 14.
6.° Aos 27.09.1999, o Autor endereçou uma carta ao Governador da Província de Benguela, reivindicando o imóvel. Doc. de fls. 13 a 14.
7.° Aos 31.08.2000, por ofício, n.º 915/DIGA/PESO/GPB/00, o Vice-Governador informou ao Autor que o imóvel foi redistribuído e, que, caso mantivesse o interesse em obter outro, o assunto seria tratado pela D.P.H., devendo deslocar-se a Benguela. Doc. de fls. 17.
8.° Aos 14.08.2003, por ofício, n.º 77/CPPVPSE/BENG/03, a Comissão Provincial para a Venda do Património Habitacional do Estado informou à Ré que, tendo sido o imóvel reivindicado pelo Autor, o processo de compra e venda ficaria suspenso até resolução por via judicial. Doc. de fls. 20.
9.° Aos 24.11.1993, , sobrinha do Autor, reivindicou o imóvel. Doc. de fls. 12.
10.° Aos 05.05.2005, o Autor instaurou uma acção, sob o n,º 26/05. 11.° Em 1998, o Autor regressou à Província de Benguela.
12.° As tentativas de resolução administrativa do litígio remontam ao ano de 1994. 13.° Aos 16.02.1993 e aos 18.11.1994, o Réu assinou um título de ocupação de
xxxxxxx, com a D.P.H., do imóvel sito no Compão, Rua da Praia, casa n.º 126, R/C. Doc. de fls 22 e verso, 39 e 40.
14.° Aos 18.11.1994, a Ré assinou um título de ocupação de moradia com a D.P.H., do imóvel em litígio. Doc. de fls. 24 e verso.
15.° Aos 14.03.1994, a Ré solicitou ao Ministro das Finanças a compra do imóvel em litígio. Doc. de fls. 52.
16.º Aos 03.03.1995, o Réu adquiriu à Comissão Nacional para Venda do Património Habitacional do Estado, o imóvel sito no Compão, Rua da Praia, casa nº 126, R/C. Dos. De fls. 23.
17.º Aos 04.04.1994, por ofício n.º 228/GJ/94, a Secretaria de Estado da Habitação endereçou carta ao Réu, informando que corria termos no seu Gabinete Jurídico, um processo por ele subscrito enquanto ocupante do imóvel objecto de litígio, candidatando- se à compra do mesmo. Entretanto, solicitou o envio de fotocópias do contrato de arrendamento e recibos das rendas. Doc. de fls. 37.
18.º Aos 30.08.1996, o Réu apresentou resposta à Secretaria de Estado da Habitação, intitulando-se "inquilino" do imóvel sito na Xxx Xxxxx Xxxxx, x.x 00, X/X. doc. de fls. 38.
19.º Aos 13.02.1997, a Ré celebrou um contrato de arrendamento com a Secretaria de Estado da Habitação. Doc. de fls. 50 e 51.
20.° Aos 29.04.1999, a D.P.H., por oficio, n.º 277/40/GJ/SEH/DPB/99, informou ao Réu que com base na reunião do Governo Provincial, se decidiu que o imóvel em litígio seria alienado à Ré., Doc. de fls. 49.
21.º Aos 01.07.1999, a Comissão Provincial para Venda do Património Habitacional do Estado, passou Termo de Quitação à Ré, pela compra do imóvel objecto do litígio.
4- O DIREITO
Sem mais, olhemos para a primeira questão objecto do recurso:
1 - Saber se a excepção de caducidade procede ou não.
A caducidade verifica-se quando o direito não é exercido dentro de um dado prazo fixado por lei ou convenção.
Segundo Xxx Xxxxx, in Dicionário Jurídico, 5ª edição, Vol l, página 220, entende-se por Caducidade “a extinção não retroactiva de efeitos jurídicos em virtude da verificação de
um facto jurídico stricto sensu, isto é, independentemente de qualquer manifestação de vontade”.
Aqui chegados, cumpre-nos analisar a caducidade aferida em sentença, enquanto excepção peremptória, arguida e invocada ao longo dos autos.
Ora, será a caducidade uma excepção de conhecimento oficioso? Primeiro que tudo vejamos o que dispõe o artigo 333.º, n.º 1, do C.C.:
“A caducidade é apreciada oficiosamente pelo tribunal e pode ser alegada em qualquer fase do processo, se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes.”
Interpretando, a caducidade apenas será do conhecimento oficioso, quando a matéria a apreciar não se inscreve na área dos direitos indisponíveis, o que não é o caso, pois, a matéria em apreço versa direitos disponíveis, logo, o conhecimento dela pelo tribunal a quo, apenas se mostrava possível mediante invocação pelas partes.
Foi invocada? Foi.
Por essa razão, bem andou o Meritíssimo Juiz ao aferi-la. Aqui chegados uma questão se coloca:
Aferiu bem? Vejamos:
Ao instaurar a acção, o Autor, ora Apelante, claramente veio pedir que fosse declarado nulo o contrato de arrendamento celebrado a favor da Ré, , tal como, o respectivo processo de compra da casa n.º
, em Benguela;
Como se vê, encontramo-nos em sede de nulidade, figura jurídica para a qual não se dispõe prazo algum para que seja invocada. Vide artigo 236.°, do C.C., segundo qual:
“A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente.”
Dele se infere que, na invocação da nulidade não há sujeição a qualquer prazo.
Lá está, o que se nos afigurou correcto, efectivamente não o é, pois, não havendo qualquer sujeição a prazos, o direito de acção do Autor, ora, Apelante, não caducou. Pelo que, não procede a excepção invocada.
Desta feita, não tendo caducado o direito à acção, cumpre-nos escalpelizar a segunda questão objecto do recurso.
2 - Saber se a sentença deve ou não ser revogada, por violação dos artigos 158.° e 688.°, n.º 1, alínea b), do C.P.C.;
São alegações do Autor, ora Apelante, que a sentença do Tribunal "a quo" não cita um único preceito legal, violando o previsto no artigo 158.º e 668.º, ambos do C.P.C., que impõem ao Juiz o dever de especificar os fundamentos de facto e de direito; ou seja, não contém a qualificação jurídica dos factos trazidos pelas partes, à aplicação e interpretação da lei. Isto é, falta a fundamentação de direito, pois, não é citado um único preceito legal.
Ora bem!
A sentença proferida pelo Tribunal "a quo" consta de folhas 107 a 108;
Nela, podemos constatar, de facto, que apresenta de forma expositiva os factos alegados pelas partes mas, não faz qualificação jurídica dos mesmos, ou seja, não houve subsunção destes à lei.
Face ao exposto, questionamos:
O Tribunal "a quo" proferiu a sentença, omitindo a fundamentação de direito? Vejamos:
A alínea b), do n.º 1, do artigo 668.º, do C.P.C., refere:
“1. É nula a sentença:
a) …
b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão;
c)…
d)…
e)… 2. ...
3. …“ (negritado nosso);
Para elucidar que, face à sentença proferida, afiguramos tratar-se de uma obrigação legal ao Juiz da causa, a fundamentação da mesma, uma vez que esta se traduz na concretização da vontade abstracta da lei ao caso particular, esse submetido à apreciação jurisdicional. Xxxxx, corolário disso mesmo é o que vem, também, reflectido no artigo 158.º do C.P.C., segundo o qual:
“1. As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.
2. A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição” (negritado nosso);
Ou seja, o dever de fundamentar decisões é um dado adquirido e incontornável. Não implica que o julgador aprecie todas as razões invocadas pelas partes mas que indique a razão jurídica que serve de fundamento à decisão, podendo esta indicação ser feita de forma sucinta;
Ademais, as partes precisam de saber a razão ou razões do decaimento nas suas pretensões, de modo a que possam ajuizar a viabilidade da utilização dos meios de impugnação previstos;
Ora, não se descortinando na decisão, a fundamentação de direito, assiste também aqui, razão ao Apelante, pois, a ausência acarreta a sua nulidade, em consequência do que dispõe a alínea b), do n.º1, do artigo 668.º, do C.P.C.
Com efeito, ao concluirmos que a sentença é nula, por força do que se contém na alínea b), do n.º 1, do artigo 668.º, do C.P.C., nada mais nos resta senão pacificamente admiti-lo e declará-lo.
Nesta senda, afastada, por nulidade, a sentença produzida nos autos, não deixaremos de conhecer do objecto da apelação, ao abrigo do contido no artigo 715.º, do C.P.C.;
Desta feita, importa saber:
Se são nulos os contratos de arrendamento e de compra e venda, celebrados entre a Ré e o Estado.
Ao abordarmos aquilo que se nos pede, afigura-se-nos útil tecer breves considerações acerca do instituto em causa.
Assim, importa expender que a nulidade é aquela característica de um negócio jurídico que, por enfermar de vício grave, não produz, ab initio, os efeitos jurídicos que lhe corresponderiam;
Ela se constitui num facto impeditivo da eficácia do negócio jurídico, o que implica a não produção dos efeitos jurídicos próprios do contrato, em razão da ausência dos requisitos, substanciais e formais, necessários à sua formação.
Ora, enfermando o negócio jurídico de eficácia, está comprometida a sua validade, essa na qual reside e se determina a qualidade do acto jurídico ao qual faltam os elementos internos essenciais, inquinando assim a susceptibilidade de fazer emergir os efeitos jurídicos apontados.
Posto isto, voltemos aos factos:
A Ré, ora Apelada, "celebrou um contrato de arrendamento" com a Secretaria de Estado da Habitação, em finais de 1994;
Porém, antes da celebração desse "novo" contrato, mantinha-se em vigor o contrato de arrendamento celebrado em 1984, entre o Autor, ora Apelante, e a Secretaria de Estado da Habitação, não tendo sido extinto seja porque forma fosse.
Assim sendo, questionamos:
Esse novo contrato é válido? Não é, senão vejamos:
O Contrato de arrendamento é o negócio jurídico pelo qual uma das partes concede à outra o gozo temporário de um prédio urbano, no todo ou em parte, mediante o pagamento de uma renda. Atente-se ao disposto no artigo 8º, do Decreto n.º 43525, de 7 de Março de 1961 (Lei do Inquilinato), segundo o qual, "o contrato de arrendamento será feito por escrito com a assinatura do senhorio e do inquilino".
Desta feita, sendo dado firme que entre o Autor e o Estado houve um contrato, nada mais resta que não, tratá-lo à luz do artigo 406.º, n.º 1, do C.C., que refere:
"O contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos por lei”.
Ora, da letra e espírito desta norma, inferimos que a Ré, ora Apelada, e o Estado, puseram em causa um dos princípios em que assenta a eficácia dos contratos,
designadamente: o da "Pontualidade de cumprimento do contrato", segundo o qual, os contratos devem ser pontualmente cumpridos.
Aliás, importa recordar que, este princípio está contido num outro mais amplo, mais vasto e basilar a todo o direito privado, qual seja, o princípio "Pacta sunt servanda", em cuja a ratio, se extrai que os negócios e os pactos devem ser rigorosa e fielmente cumpridos;
Com efeito, o incumprimento resultante do estatuído nas disposições combinadas dos artigos 44.º e 45.º, ambos do Decreto n,º 43525, de 7 de Março de 1961 (Lei do Inquilinato), que impõe que a resolução do contrato de arrendamento, deva sê-lo por documento de igual força e, que, em caso de não cumprimento pelo arrendatário, a rescisão é decretada pelo Tribunal, implica que, ao ter unilateralmente extinto um contrato legal e, livremente celebrado com o Autor, o Estado para além de ter violado um princípio fundamental e transversal à eficácia dos contratos, contundiu com o disposto no artigo 280.º, números 1 e 2, do C. C., segundo os quais:
1. "É nulo o negócio jurídico cujo objecto seja física ou legalmente impossível, ou contrário à lei ou indeterminável.
2. É nulo o negócio contrário à ordem pública ou ofensivo dos bons costumes.".
(negritado nosso).
Daqui ocorre e facilmente concluímos que, o contrato de arrendamento, celebrado entre a Apelada e o Estado, se afigura contrário à lei, à ordem pública e aos bons costumes, porque celebrado sem a extinção do anterior, logo, em violação das mais elementares e imperativas regras atinentes à eficácia dos contratos;
Outrossim, para lá disso, verifica-se uma clara e inequívoca violação ao contido no n.º 1, do artigo 7.º, da Lei 19/91, de 25 de Março, que estabelece, como requisito, a cada família, a compra de um único imóvel unifamiliar.
Nesta senda, convictos de que outro entendimento não seria possível, à luz do disposto no artigo 294.º, do C.C., do qual se retira que os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei, pugnamos pela nulidade deste negócio;
Destarte, atento ao que se contém no artigo 289.º, n.º 1, do C.C., segundo o qual:
“Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado, ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.”;
Tudo quanto resulte do negócio ora declarado nulo, não produzirá efeitos, porque de nenhuma validade.
Assim sendo, à questão, saber se são nulos os contratos de arrendamento e de compra e venda celebrados entre a Ré, ora Apelada, e o Estado, respondemos categoricamente, sim, são nulos.
Aqui chegados, importa então indagar se o contrato de arrendamento celebrado em 1984, entre o Autor e a D.P.H., permanece válido.
Lembramos que são alegações do Autor, ora Apelante, que o contrato de arrendamento por si celebrado com a Direcção da Habitação encontra-se válido, pois esta nunca o rescindiu. Ademais, acrescenta ele, ao considerá-lo extinto e ao celebrar novo contrato com a Ré, ora Apelada, a Direcção da Habitação violou o contido no artigo 1.º, da Lei n.º 6/92, de 24 de Janeiro e, artigos 44.º,45.º e 48.º, do Decreto n.º 43525, de 7 de Março de 1961 (Lei do Inquilinato).
Ora bem!
A matéria em questão atém-se ao contrato de arrendamento que, como já referido, consiste em uma das partes conceder à outra o gozo temporário de um prédio urbano, no todo ou em parte, mediante o pagamento de uma renda;
Dessa definição exaltamos dois momentos, quais sejam: 1° A cedência temporária de um prédio urbano;
2° O pagamento de uma renda.
Posto isto, porque se impõe, foquemo-nos à cronologia dos factos:
Aos 30.04.1984, o Autor e a Secretaria de Estado da Habitação, celebraram contrato de arrendamento, existindo recibos de rendas até Dezembro de 1993;
Aos 18.03.1994, a Ré solicitou ao Ministro das Finanças a compra do imóvel;
Aos 18.11.1994, a Direcção Provincial da Habitação, concedeu à Ré, título de ocupação do imóvel;
Aos 13.02.1997, a Ré e a D.P.H., celebraram contrato de arrendamento;
Aos 29.04.1999, o Governo Provincial informou ao Réu que o imóvel seria alienado a favor da Xx;
Aos 01.07.1999, a Comissão Nacional para Venda do Património Habitacional do Estado, passou Termo de Quitação para a venda do imóvel à Ré;
Aos 14.08.2003, esta Comissão informou à Ré, que, por existir reivindicação do imóvel pelo Autor, o processo ficaria suspenso até resolução por via judicial.
Com efeito, analisada a sequência dos factos, claramente descortinamos que a
D.P.H. celebrou dois contratos de arrendamento, um primeiro com o Autor e um segundo com a Ré.
Assim sendo, uma questão se levanta:
A D.P.H. podia ou não celebrar contrato de arrendamento com a Ré? Não nos parece, porquanto;
Compulsados os autos, nele não encontramos documento com força probatória bastante que indicasse ter havido extinção do contrato celebrado com o Autor, formalismo exigido, a depreender do que se retira do n.º1, do artigo 44.º do Decreto n.º 43525, de 7 de Março de 1961 (Lei do Inquilinato), segundo o qual:
"1. O arrendamento reduzido a escrito só pode ser revogado por documento, pelo menos, de igual força.
2…
3…
4.,," (negritado nosso).
Ademais, do artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 6/92, de 24 de Janeiro, que, dado o interesse o transcrevemos:
“Os litígios sobre a ocupação ilegal de imóveis urbanos e rústicos voltam a ser exclusivamente conhecidos e resolvidos, em primeira instância, pelas Salas do Cível e Administração dos Tribunais Populares Provinciais, de acordo com a legislação em vigor". (negritado nosso);
Infere-se que, sempre que ocorra litigio sobre a titularidade/propriedade de determinado imóvel, esse será dirimido pelos Tribunais;
Por essa razão, constituía-se numa conditio sine qua non, uma de duas situações, a extinção do contrato por via de acordo ou a extinção por via judicial.
Ora, não tendo assim procedido, ou seja, ao ter celebrado novo contrato sem a rescisão do anterior, a Direcção Provincial da Habitação, exacerbou as competências descritas no diploma legal acima indicado.
Destarte, em conclusão, somos a afirmar que, o contrato de arrendamento celebrado entre Autor e a D.P.H., permanece válido e em vigor.
Pelo que: