PARECER JURÍDICO
PARECER JURÍDICO
Consulente: Imobiliária Gado Novo S/A (“Gado Novo”)
Processo: Procedimento Arbitral 00/22 CAMARB
Ementa: Contrato de parceria. Objeto. Pactuação de participação sobre os frutos superior ao previsto no art. 96, IV, “a”, do Estatuto da Terra. Pleito de redução da quota de participação. Impossibilidade. Natureza da relação entre as partes que permite a relativização do Estatuto da Terra. Prevalência da liberdade contratual. Ocorrência do venire contra factum proprium. Contrato de parceria que prevê a monocultura de eucalipto. Direito ao plantio de espécies não autorizadas. Impossibilidade. Violação do objeto do contrato. Desvirtuamento do objeto social da parceira-outorgada. Ausência de requisitos para caracterização da surrectio.
São Paulo, 30 de agosto de 2022
Xxxx, Xxxxx, Xxxxxxxx & Xxxxxxx Advogados
Xxx Xxxxx Xxxxxxxxxx, xx 000 – 00x Xxxxx Xxx Xxxxx/XX - CEP: 00000-000
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SUMÁRIO
II.1. Revisão ou nulidade da cláusula de participação 3
II.1.1. Relativização do artigo 96, inciso VI, do Estatuto da Terra– natureza da relação entre as Partes que a afasta a aplicação de normas protetivas 3
II.1.2. Como consequência da relativização do artigo 96, inciso VI, do Estatuto da Terra, deve prevalecer o acordado entre as Partes 6
II.1.3. Impossibilidade de revisão da cláusula pela vedação ao comportamento contraditório e supressio 8
II.2. Direito ao plantio de espécies não autorizadas pelo Contrato de Parceria 11
II.2.1. Vinculação aos limites do Contrato de Parceria 11
II.2.2. Impossibilidade da alegação de aceitação tácita ao cultivo de uvas viníferas 12
II.2.3. Vinculação ao objeto social definido no contrato social da sociedade 15
II.2.4. O cultivo de uvas viníferas como planta trepadeira limitam o crescimento do eucalipto 15
I. Síntese da consulta
1. Honra-nos a empresa Imobiliária Gado Novo S.A., por meio de seus ilustres advogados, formulando consulta acerca de relevantes questões de natureza de direito material, decorrentes dos autos do Procedimento Arbitral 00/22 CAMARB, que tramita perante a CAMARB – Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial – Brasil, no qual contende com a BACAMASO Agrícola Ltda. (“BACAMASO").
2. Após detida análise da documentação enviada pela Consulente, constata-se que houve a celebração de um contrato de parceria rural entre Xxxxx e Xxxx Xxxxxxx em 12 de janeiro de 2000, e posteriormente, as partes foram alteradas para BACAMASO e Cia de Celulose Mezenga e Xxxx (“Celulose M&M”), contendo como sócios das respectivas Sociedades, as mesmas pessoas físicas, respectivamente, com vistas à exploração da cultura de eucaliptos no imóvel rural denominado “Fazenda da Correnteza”, cuja propriedade pertence atualmente à Consulente por força da arrematação judicial do imóvel rural em 24 de agosto de 2021.
3. Há uma divergência de interpretações sobre as obrigações contratuais estabelecidas no aludido contrato de parceria rural, a qual resultou na instauração do Procedimento Arbitral 00/22 CAMARB.
4. O objeto da presente consulta limita-se especificamente ao contrato de parceria rual firmado para o plantio de eucalipto na “Fazenda da Correnteza”, sobretudo nos seguintes aspectos
(i) possibilidade de flexibilização e/ou validade da cláusula 3(a) do contrato de parceria rural, a qual estabelece a participação da parceira-outorgante nos frutos da fazenda à luz das disposições contidas no artigo 96 do Estatuto da Terra; (ii) a possibilidade de a parceira-outorgada cultivar uvas viníferas na Fazenda da Correnteza mesmo sem qualquer previsão contratual ou aceitação formal da Consulente.
II. Considerações teóricas
5. As questões de direito serão divididas em dois pontos: (i) possibilidade – ou não – de revisão da quota de participação e (ii) o direito de cultivo das uvas viníferas.
II.1. Revisão ou nulidade da cláusula de participação
6. O primeiro ponto apresentado pela Gado Novo para a presente consulta é a possibilidade
– ou não – de ser considerada nula a cláusula terceira do contrato de parceria rural e a possibilidade de revisão da participação da proprietária nos frutos da área objeto do aludido contrato. Nesta primeira seção, trataremos das razões pelas quais a aludida cláusula não é nula e não merece qualquer reparo em seu conteúdo.
7. Em primeiro lugar, a situação apresentada atrai a relativização da Lei nº 4.504/64 (“Estatuto da Terra”) e a aplicação de normas gerais de direito privado. Como consequência, há de prevalecer os termos livremente acordados pelas partes com a aplicação do princípio do pacta sunt servanda. Por fim, a revisão da participação dos frutos é obstada, também, pela vedação ao comportamento contraditório e pela suppressio.
II.1.1. Relativização do artigo 96, inciso VI, do Estatuto da Terra – natureza da relação entre as Partes que a afasta a aplicação de normas protetivas
8. O contrato parceria agrícola é uma modalidade de contrato agrário datada da segunda metade do século XIX e que se caracterizava pela dominação do proprietário da terra sobre o trabalhador rural e sua família1. Nas décadas que se seguiram, observou-se uma tendência de fragmentação do direito privado brasileiro em “microcódigos” (dentre os quais se encontra o Estatuto da Terra), cujo objetivo é equilibrar as relações privadas por meio de normas que protegiam, naquela época, o que se denominava a parte vulnerável da relação jurídica2.
9. No direito agrário, a preocupação com a proteção do hipossuficiente pode ser vista em dispositivos legais que limitam a liberdade e a autonomia entre as partes contratantes3. Era esse o pensamento que norteou o legislador quando da elaboração do Estatuto da Terra no ano de 1964. Esse pensamento se reflete, nos contratos de parceria, em normas protetivas que visam a salvaguardar os direitos do parceiro outorgado em relação ao parceiro outorgante, proprietário da terra4.
10. Um dos exemplos de norma protetiva encontrada no Estatuto da Terra é o comando do artigo 96, inciso VI, que fixa a quota de participação do proprietário da terra nos frutos do trabalho daquele que explora a propriedade (trabalhador rural). O objetivo dessa norma é reverter o cenário distante entre o conhecimento e a experiência das partes, que era observado no final do século XIX e no início do século XX, de modo a coibir a exploração do trabalhador rural pelo proprietário, garantindo àquele uma participação nos frutos de seu próprio trabalho.
11. O escopo de aplicação da Lei nº 4.504/64 é restrito àqueles casos em que se faz necessária a intervenção estatal para equilibrar a dinâmica de poder entre os polos da relação, quando nítida era a hipossuficiência de uma parte em relação à outra. Em outras palavras, aplica-se o Estatuto da Terra aos contratos firmados entre grandes proprietários de terra e pequenos agricultores (hipossuficientes) – hipótese na qual é inafastável o dirigismo estatal para evitar situações de exploração e privação dos trabalhadores do fruto de seu próprio trabalho.
12. Contudo, há de se reconhecer que a realidade enfrentada pelo legislador de 1964 foi fortemente afetada pelas mudanças sociais e econômicas das últimas décadas, sendo que o cultivo da terra hoje não necessariamente é feito somente por pequenos produtores rurais sem acesso à propriedade da terra:
“Assim, é de se reconhecer que há uma crise nos contratos agrários, sendo ela o descompasso entre as normas, no caso, o Estatuto da Terra em parte, e os fatos sociais [...] A doutrina aborda a evolução desde 1964 até os dias atuais, afirmando que ‘quem explora atualmente a terra não é mais, necessariamente, o vulnerável da relação comercial rural”5
14. É diante desse cenário que a doutrina vem defendendo – o que nos parece uma solução adequada e razoável – que os dispositivos dirigistas que tutelam os contratos agrários sejam
1 XXXXXXXX, Xxxxxxx. Direito do Agronegócio. – 4 ed – Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 371
2 XXXXXXX, Xxxxxxx. Contrato Agrário: novos paradigmas do arrendamento e da parceria rural. – Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2019, p. 32
3 ARAUJO, Telga de. Contrato Agrário II. In: FRANÇA, X. Xxxxxxx (xxxxx) Xxxxxxxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxx. X. 00. Xxx Xxxxx: Saraiva, 1977, pp. 176-177
4 XXXXXXX, Xxxxxxx. Contrato Agrário: novos paradigmas do arrendamento e da parceria rural. – Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2019, p. 79
5 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Aspectos atuais do arrendamento rural: uma análise crítica. Revista do Advogado, São Paulo, nº 134, p. 133
6 XXXXXXX, Xxxxxxx. Contrato Agrário: novos paradigmas do arrendamento e da parceria rural. – Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2019, p. 42
aplicados apenas nos contextos em que estiver caracterizado o total domínio negocial e econômico de uma parte em relação à outra7. Nesse sentido:
“O regulamento dos contratos agrários típicos estabelece esse tipo de limitação porque pressupõe a hipossuficiência econômica dos cultivadores diretos, cuja debilidade impõe a necessidade de criação de normas cogentes para evitar uma eventual injustiça contratual decorrente de sua falta de capacidade para a negociação de um preço ou uma participação justa para a utilização da terra. A tendência jurisprudencial, no entanto, é limitar a eficácia dessas cláusulas obrigatórias para que não sejam aplicadas aos contratos em que não haja hipossuficiência econômica dos contratantes a justificar uma interferência no equilíbrio econômico do contrato desejado pelas partes”8
15. Uma hipótese para a relativização dos dispositivos protecionistas do Estatuto da Terra já era prevista no Decreto 59.566/66 em seus artigos 8º e 38, inciso II, que restringem a aplicabilidade de suas normas protetivas àquele que explora a terra de forma direta e pessoal9 com seu núcleo familiar, enquanto reside no imóvel rural.
16. Ao aplicar esse dispositivo, o Superior Tribunal de Justiça vem reconhecendo que as normas protetivas do Estatuto da Terra se aplicam apenas ao trabalhador rural (“homem do campo”) que explora a terra de forma pessoal com seu núcleo familiar.
“RECURSOS ESPECIAIS. CIVIL. DIREITO AGRÁRIO. LOCAÇÃO DE PASTAGEM. CARACTERIZAÇÃO COMO ARRENDAMENTO RURAL. INVERSÃO DO JULGADO. ÓBICE DAS SÚMULAS 5 E 7/STJ. ALIENAÇÃO DO IMÓVEL A TERCEIROS. DIREITO DE PREFERÊNCIA. APLICAÇÃO DO ESTATUTO DA TERRA EM FAVOR DE EMPRESA RURAL DE GRANDE PORTE. DESCABIMENTO. LIMITAÇÃO PREVISTA NO ART. 38 DO DECRETO 59.566/66. HARMONIZAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E DA JUSTIÇA SOCIAL. SOBRELEVO DO PRINCÍPIO DA JUSTIÇA SOCIAL NO MICROSSISTEMA NORMATIVO DO ESTATUTO DA TERRA. APLICABILIDADE DAS NORMAS PROTETIVAS EXCLUSIVAMENTE AO HOMEM DO CAMPO. INAPLICABILIDADE A GRANDES EMPRESAS RURAIS. INEXISTÊNCIA DE PACTO DE PREFERÊNCIA. DIREITO DE PREFERÊNCIA INEXISTENTE.
[...]
5. Plena eficácia do enunciado normativo do art. 38 do Decreto 59.566/66, que restringiu a aplicabilidade das normas protetivas do Estatuto da Terra exclusivamente a quem explore a terra pessoal e diretamente, como típico homem do campo.
[...]” (REsp n. 1.447.082/TO, relator Ministro Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxxxxx, Terceira Turma, julgado em 10/5/2016, Dje de 13/5/2016.)
17. No caso apresentado pela Consulente, não se observa, em nenhum momento, a hipossuficiência ou vulnerabilidade que justificaria a aplicação das normas protetivas em favor do parceiro-outorgado em detrimento da parceira-outorgante. Vejamos.
18. O contrato de parceria tem como partes a Consulente e a BACAMASO, sociedade limitada de porte econômico-financeiro médio e cujos negócios são de alta rentabilidade. De acordo com as informações presentes nos autos, a Requerente BACAMASO atua no ramo de plantio de
7 XXXXXXX, Xxxxxxx. Contrato Agrário: novos paradigmas do arrendamento e da parceria rural. – Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2019, p. 79
8 XXXXX, Xxxxxxxxx xx X. Contratos Agrários Agroindustriais: Análise à Luz da Teoria dos Contratos Atípicos [e-book]: Grupo Almedina (Portugal), 2017, p. 149
9 Art 38. A exploração da terra, nas formas e tipos regulamentados por êste Decreto, somente é considerada como adequada a permitir ao arrendatário e ao parceiro-outorgado gozar dos benefícios aqui estabelecidos, quando fôr realizada de maneira:
[...]
II - Direta e pessoal, nos têrmos do art. 8º dêste Regulamento estendido o conceito ao parceiro-outorgado;
Art 8º Para os fins do disposto no art. 13, inciso V, da Lei nº 4.947-66, entende-se por cultivo direto e pessoal, a exploração direta na qual o proprietário, ou arrendatário ou o parceiro, e seu conjunto familiar, residindo no imóvel e vivendo em mútua dependência, utilizam assalariados em número que não ultrapassa o número de membros ativos daquele conjunto.
eucalipto há pelo menos 20 (vinte) anos e seus sócios possuem amplo conhecimento e formação na área do agronegócio, ou seja, são profissionais experientes e qualificados nas áreas em que atuam ininterruptamente por muitos anos.
19. A situação em análise diz respeito a duas empresas que estabeleceram entre si um contrato de parceria para regular uma relação mutuamente benéfica para ambas, sem que se observe uma preponderância de uma em relação à outra. Ausente a relação de hipossuficiência ou vulnerabilidade que historicamente marcou os contratos agrários (sobretudo dos contratos típicos, de arrendamento e parceria rural), não nos parece razoável a aplicação cogente e irrestrita das normas protetivas do Estatuto da Terra no caso concreto.
20. Veja-se que a exploração da terra não ocorre de forma pessoal pelo núcleo familiar de um pequeno agricultor sem acesso aos meios informacionais que lhe permitem negociar em igualdade de condições, mas sim por uma empresa formada por profissionais da área de agronomia que contam com o suporte de pessoas igualmente especializadas. Não há nenhum indício na relação entre as Partes que aponta para um cenário de hipossuficiência e exploração que justifique a aplicação, sem restrição, das normas protetivas do Estatuto da Terra, sobretudo aquela do artigo 96, inciso VI.
21. Veja-se o entendimento doutrinário e jurisprudencial sobre o assunto:
“Porém, quando o arrendatário é uma grande empresa, desenvolvendo o chamado agronegócio, o princípio da justiça social deixa de ter aplicabilidade, pois ausente a vulnerabilidade social que lhe é pressuposto” (REsp n. 1.447.082/TO, relator Ministro Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxxxxx, Terceira Turma, julgado em 10/5/2016, DJe de 13/5/2016)
III – O grande produtor rural é um empresário rural e, quando adquire sementes, insumos ou defensivos agrícolas para o implemento de sua atividade produtiva, não o faz como destinatário final, como acontece nos casos de agricultura de subsistência, em que a relação de consumo e a hipossuficiência ficam bem delineadas (Resp 914.384/MT. Relator Min Massami Uyeda, de 02/09/2010).
“A esse respeito, é preciso diferenciar e destacar a figura da agricultura familiar, onde o verdadeiro “homem do campo” explora a sua atividade mediante o trabalho familiar, devendo sim ser protegido pelo Estado. De outro modo, nota-se que quem explora atualmente a atividade, na sua maioria, não é mais o ‘vulnerável’, e sim, grandes empresários de soja, grandes frigoríficos de bovinos, ou mesmo poderosíssimas indústrias de açúcar de álcool. Conforme Xxxxxx, ‘esses players do agronegócio, quando arrendam terras rurais, não podem ser vistos como aquela força de trabalho que pegava na enxada. Não podem ser tratados como parte merecedora de proteção’ (SALLES, Xxxxx Xxxxxx. Aspectos atuais do arrendamento rural: uma análise crítica. Revista do Advogado, São Paulo, n. 134, p. 133)
22. Pelo acima exposto, smj, entendemos que deve ser flexibilizada a limitação prevista no artigo 96, inciso VI, do Estatuto da Terra ao caso sob consulta, à vista de uma evidente equivalência de porte, conhecimento técnico/jurídico e condições econômicas das partes contratantes (ambas versadas no mundo empresarial e no agronegócio), o que afasta qualquer grau mínimo de vulnerabilidade de uma em relação à outra. Deve prevalecer, pois, a cláusula terceira do contrato de parceria firmada entre as Partes, que não padece de nenhum vício passível de nulidade ou mesmo que comporte alguma revisão contratual.
II.1.2. Como consequência da relativização do artigo 96, inciso VI, do Estatuto da Terra, deve prevalecer o acordado entre as Partes
23. Afastada a possibilidade de revisão da cláusula terceira do contrato de parceria por aplicação do artigo 96 do Estatuto da Terra, deve-se ter especial atenção à aplicação dos princípios
basilares do direito privado ao caso em análise. Nesse ponto, é essencial que se prevaleça a regra máxima da autonomia das Partes e o princípio geral do pacta sunt servanda.
24. Nas palavras de Xxxxx Xxxxxx Xxxxx (2020):
“[...] o contrato, uma vez concluído livremente, incorpora-se ao ordenamento jurídico, constituindo uma verdadeira norma de direito, autorizando, portanto, o contratante a pedir a intervenção estatal para assegurar a execução da obrigação porventura não cumprida segundo a vontade que a constituiu.”10
25. Constatado que não se trata de situação de hipossuficiência que ensejaria, em caráter excepcional, a revisão dos termos livremente acordados entre as Partes, a solução a ser dada ao litígio é a vinculação estrita das partes aos termos do contrato, livremente pactuado. Essa solução privilegia não somente o princípio de que “os contratos devem ser cumpridos” (pacta sunt servanda) como também a própria liberdade e autonomia de vontade das partes contratantes.
26. A Constituição da República consagra a livre iniciativa como um dos princípios da ordem econômica brasileira, em seu artigo 17011. No mesmo sentido dispõe a Lei nº 13.874/2019, cuja observância é obrigatória na aplicação e na interpretação do direito civil, quando inibe a imposição de limites à livre formação de sociedades empresariais ou de atividades econômicas. 12
27. Aplicando-se os princípios acima citados ao caso concreto, parece-nos inafastável a necessidade de que seja prestigiada a autonomia da vontade e a liberdade das partes na regulação/contratação de suas relações. Se as partes são livres para acordarem os termos dos contratos como bem entenderem, tornam-se vinculadas àquilo que acordaram. Em outras palavras, quando a Lei dá amplo espaço para a autorregulação das partes, é o contrato que faz lei entre elas.
28. Da análise dos documentos que nos foram apresentados para a elaboração deste parecer, se extrai que o Contrato de Parceria previa originalmente uma quota menor de participação do proprietário da terra nos frutos, e que após as livres negociações ocorridas em 2020, essa quota foi majorada para um índice superior ao que dispõe o Estatuto da Terra. A opção, livremente negociada pelas partes, por se afastarem dos índices do artigo 96 inciso VI atrai como consequência a vinculação total das partes aos índices por elas pactuados.
29. Nesse sentido, nos parece perfeitamente possível (e adequado) que o Tribunal Arbitral que julgará a disputa declare a sujeição das Partes aos termos, cláusulas e condições por elas contratados, ainda que distintos do previsto no Estatuto da Terra. É o que entende também a doutrina especializada:
“[...] tanto no caso de arrendamento quanto da parceria rural deve ser observado o princípio da autonomia privada contida no art. 421 do Código Civil, pois, independentemente do Estatuto da Terra e do Decreto nº 56.566/1966, as partes são livres para acordar aquilo que quiserem no contrato relativamente à disciplina do imóvel”13
30. O Superior Tribunal de Justiça, em Recurso Especial que privilegiou a autonomia privada e a liberdade econômica, afastou a aplicação do Estatuto da Terra ao caso e declarou que as partes
10 XXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Curso de Direito Civil Brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. vol. 3. ed.36º.São paulo: Saraiva, 2020
11 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
12 Art. 4º É dever da administração pública e das demais entidades que se vinculam a esta Lei, no exercício de regulamentação de norma pública pertencente à legislação sobre a qual esta Lei versa, exceto se em estrito cumprimento a previsão explícita em lei, evitar o abuso do poder regulatório de maneira a, indevidamente: VII - introduzir limites à livre formação de sociedades empresariais ou de atividades econômicas; da Lei nº 13.874/2019
13 XXXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXX, Wellignton Xxxxxxx X. O uso do imóvel agrário na parceria rural. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxxxxxxx.xxx/x-xxx-xx-xxxxxx-xxxxxxx-xx-xxxxxxxx-xxxxx/. 2020. Acesso em 22/08/2022
são livres para se afastarem das disposições legais e acordarem as cláusulas que lhes sejam mais oportunas, mas tornam-se vinculadas àquilo que contrataram:
“No caso dos autos, a arrendatária é uma grande empresa do ramo pecuário. Logo, não lhe é aplicável o Estatuto da Terra, incidindo o Código Civil, que não prevê direito de preferência no contrato de locação de coisas, cabendo às partes pactuarem uma cláusula com esse teor, se assim entenderem
[...]
Sob outro ângulo, ao se afastar a aplicabilidade do Estatuto da Terra, prestigia-se o princípio da autonomia privada, que, embora mitigado pela expansão do dirigismo contratual, ainda é o princípio basilar do direito privado, não podendo ser desconsiderado pelo intérprete.
[...]
No caso dos autos, embora não se trate propriamente de um contrato empresarial, tem-se uma grande empresa pretendendo se valer de um microssistema protetivo para furtar-se à força obrigatória do contrato ao qual se obrigou [...] É perfeitamente cabível, portanto, a aplicação do princípio da autonomia privada ao caso na perspectiva do seu consectário lógico que a força obrigatória dos contratos (“pacta sunt servanda”).
(REsp n. 1.447.082/TO, relator Ministro Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxxxxx, Terceira Turma, julgado em 10/5/2016, DJe de 13/5/2016.)
31. Pelo exposto, parece-nos certo que a solução correta do litígio passa pela declaração de que as disposições do contrato de parceria fazem lei entre as partes, prestigiando-se a liberdade contratual, a livre iniciativa e o pacta sunt servanda.
II.1.3. Impossibilidade de revisão da cláusula pela vedação ao comportamento contraditório e supressio
32. Além das considerações trazidas nos subtópicos acima, é essencial pontuar que a exigência de revisão da cláusula de participação nos frutos esbarra na vedação ao comportamento contraditório (venire contra factum proprium) e na perda do direito ao exercício de uma faculdade pelo decurso do tempo, sem exercício (supressio).
33. Ambos os institutos são consequências do dever de boa-fé objetiva14, consignado no artigo 422 do Código Civil15. Isso porque tanto a adoção de um comportamento contraditório quanto o não exercício de um direito por extenso lapso temporal rompem com uma expectativa legitimamente gerada na outra parte.
34. Nos ensinamentos do Professor Xxxxxx Xxxx Junior:
“a locução ‘venire contra factum proprium’ traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente (Menezes Cordeiro, Boa-fé, p. 743). ‘Venire contra factum proprium’ postula dois comportamentos da mesma pessoa, lícitos em si e diferidos no tempo. O primeiro - factum proprium - é, porém, contrariado pelo segundo. Esta fórmula provoca, à partida, reações afectivas que devem ser evitadas (Menezes Cordeiro, Boa-fé, p. 745). A proibição de venire contra factum proprium traduz a vocação ética, psicológica e social da regra ‘pacta sunt servanda’ para a juspositividade (Menezes Cordeiro, Boa-fé, p. 751).”16
35. Por sua vez, a supressio se caracteriza pela paralisação, tolhimento, supressão ou mesmo extinção do exercício de um direito caso seu não exercício crie na contraparte a confiança de que a situação estava estabilizada, ou seja, de que o direito não seria mais exercido pelo outro
14 Enunciado 412 V Jornada de Direito Civil do CJF – Art. 187: As diversas hipóteses de exercício inadmissível de uma situação jurídica subjetiva, tais como supressio, tu quoque, surrectio e venire contra factum proprium, são concreções da boa-fé objetiva.
15 Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
16 XXXX XXXXXX, Xxxxxx; Xxxx, Xxxx Xxxxx xx Xxxxxxx. Código Civil Anotado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 236
36. O Superior Tribunal de Justiça assim se manifesta sobre o assunto:
"a supressio inibe o exercício de um direito, até então reconhecido, pelo seu não exercício. Por outro lado, e em direção oposta à supressio, mas com ela intimamente ligada, tem-se a teoria da surrectio, cujo desdobramento é a aquisição de um direito pelo decurso do tempo, pela expectativa legitimamente despertada por ação ou comportamento"18.
“A suppressio decorre do não exercício de determinado direito, por seu titular, no curso da relação contratual, gerando para a outra parte, em virtude do princípio da boa-fé objetiva, a legítima expectativa de que não mais se mostrava sujeita ao cumprimento da obrigação”19
“[a suppressio] implica a redução do conteúdo obrigacional pela inércia qualificada de uma das partes, ao longo da execução do contrato, em exercer determinado direito ou faculdade, criando para a outra a percepção válida e plausível – a ser apurada casuisticamente – de ter havido a renúncia àquela prerrogativa”20
37. A Professora Xxxxxx Xxxxxxx-Xxxxx00 elenca como requisitos para a caracterização da supressio a inatividade (que diz respeito ao longo período em que o titular de um direito, podendo exercê-lo, manteve-se inerte), a imputabilidade (que diz respeito à necessidade e o descumprimento o dever de exercer o direito poder ser imputável ao seu titular, sem que seja causada por outra pessoa ou decorrer de circunstância específica que afaste seu desconhecimento sobre aquele direito) e a protetividade (que faz referência à necessidade de o devedor ter justificadamente confiado na falta de exercício futuro do direito pelo seu titular).
38. Sobre a supressio, o doutrinador português Xxxxxxx Cordeiro registra que “o titular do direito, abstendo-se do exercício durante um certo lapso de tempo, criaria, na contraparte, a representação de que esse direito não mais seria actuado; quando, supervenientemente, viesse agir, entraria em contradição”22. Na doutrina alemã, pertinentes também são os ensinamentos de Xxxx Xxxxxx e Xxxxx Xxxx no sentido de que a supressio – Verwirkung – caracteriza-se pela frustração de uma legítima confiança criada pela não subsistência ou pelo não exercício de um direito por um longo período de tempo23.
39. No caso que nos foi apresentado para consulta, entendemos que a conduta da parceira- outorgada preenche todos os requisitos de caracterização da supressio. A inatividade se faz presente pela ausência de contestação prévia da BACAMASO em relação ao pagamento da participação à proprietária desde que foi acordada a taxa de 27,5% (vinte e sete vírgula cinco por cento) a 45% (quarenta e cinco por cento). Abra-se um parêntese para pontuar que a discordância da BACAMASO quanto a este ponto só foi trazida à tona após ter sido notificada pela Gado Novo para que cessasse o plantio de espécies não autorizadas na Fazenda da Correnteza.
40. Já a imputabilidade está caraterizada pela posição de parceira-outorgada que a BACAMASO ocupa na Fazenda da Correnteza desde 2000. Nessa qualidade, é inegável sua ciência em relação aos índices de participação que eram devidos e que haviam sido negociados livremente com a parceira-outorgante anterior. A BACAMASO possuía pleno conhecimento dos direitos e
17 XXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Curso de direito civil brasileiro, 2- volume: teoria geral obrigações / Xxxxx Xxxxxx Xxxxx. — 22. ed. rev. e atual, de 06-7136 acordo com a Reforma do CPC — São Paulo: Saraiva, 2007.
18 RECURSO ESPECIAL Nº 1.338.432 - SP (2012/0167417-3), Relator Ministro Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx – Quarta Turma, julgado em 24/10/2017
19 RECURSO ESPECIAL Nº 2.803.278 – PR (2019/0071035-1) Relator Ministro Xxxxxxx Xxxxxx Xxxx Xxxxx – Terceira Turma, julgado em 22/10/2019
20 RECURSO ESPECIAL 1.879.503 RJ (2019/0250531-6) Relatora Ministra Xxxxx Xxxxxxxx – Terceira Turma – julgado em 15/09/2020 21 XXXXXXX-XXXXX, Xxxxxx. A boa fé no direito privado: critérios para a sua aplicação – 2 ed – São Paulo: Saraiva Educação, 2018, pp. 714- 715
22 MENEZES CORDEIRO. Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx x. Da boa-fé no direito civil, 6ª Xxxxxxxxxxx,Xxxxxxx, Xxxxxxxx, 0000, p. 808/809.
23 Algemeiner Teil des bürgerlichen Rechts, 9ª ed., Munique: X.X.Xxxx, 2004, §16, n. 32, p. 289
deveres das partes do contrato de parceria, não sendo legítima qualquer alegação de ignorância ou desconhecimento de seu conteúdo e escopo.
41. Por fim, não resta dúvidas quanto à protetividade da confiança da Gado Novo na estabilidade e segurança jurídica do negócio. Ora, em se tratando de contrato vigente há mais de 20 (vinte) anos e cuja cláusula de participação havia sido alterada há mais de 2 (dois) anos, sem qualquer contestação ou insurgência por parte da XXXXXXXX, havia a legítima confiança da proprietária da terra de que a contraparte não se insurgiria contra esses valores.
42. Dito isso, é evidente que se operou a supressão do direito da parceira-outorgada de buscar a revisão da cláusula terceira do contrato de parceria, em especial para reduzir o valor devido à Consulente.
43. No contexto específico dos contratos agrários, a doutrina alerta para o perigo de comportamentos oportunistas das partes que concordam com certos dispositivos de forma consciente e em momento posterior evocam a proteção garantida aos pequenos agricultores pelo Estatuto da Terra para se eximirem das obrigações contraídas:
“É verdade que, em muitas situações, as cláusulas obrigatórias do Estatuto da Terra se mostram inapropriadas, especialmente porque podem colocar em risco a eficácia alocativa dos contratos agrários, dando azo a comportamentos oportunistas das partes que, num primeiro momento, concordaram conscientemente com determinadas condições contratuais, mas que, a posteriori, utilizam-se maliciosamente da proteção do Estatuto da Terra ao cultivador direto para escapar aos seus compromissos contratuais.”24
44. No caso que foi apresentado para consulta, há evidente contrariedade no comportamento da Requerente e quebra da expectativa legítima que foi gerada na contraparte, em relação à participação nos frutos.
46. Como informou a Consulente, a parceira-outorgada não contestou essa intenção nem discutiu os termos nos quais se seguiria a parceria entre as partes. A partir desse momento, gerou- se a expectativa de que a Gado Novo e a BACAMASO continuariam a seguir estritamente o que constava no contrato de parceria, sobretudo em relação à participação da proprietária nos frutos, ponto esse que a proprietária deixou claro ser o fator mais importante na aquisição da fazenda.
47. A propósito, não se pode olvidar que, nos meses que se seguiram, a parceira-outorgada não se insurgiu nem mostrou quaisquer sinais de contrariedade com a quota de participação devida à proprietária. A Consulente também não tem conhecimento de quaisquer insurgências da BACAMASO nesse sentido desde que foi firmado o aditivo que majorou a participação nos frutos para 45%.
48. Assim, a súbita contrariedade com os termos do Contrato após 22 (vinte e dois) anos de sua vigência e 2 (dois) anos após a assinatura do aditivo representa evidente comportamento contraditório, o que é vedado pelo ordenamento jurídico pátrio, em especial no artigo 187 do Código Civil.
24 XXXXX, Xxxxxxxxx xx X. Contratos Agrários Agroindustriais: Análise à Luz da Teoria dos Contratos Atípicos [e-book]: Grupo Almedina (Portugal), 2017, p. 150
25 Página 4 dos autos
49. Pontua-se, ainda, que o contrato de parceria original – antes do aditivo firmado em 2020 – já previa um índice de participação à proprietária da fazenda superior àquele do Estatuto da Terra.
50. A redação do artigo 96, inciso VI, vigente à época previa que a participação do proprietário que contribuía apenas com a terra nua não deveria ser superior a 20% (vinte por cento). Por sua vez, o contrato previa a participação de 27,5% (vinte e sete e meio por cento) à então parceira- outorgante. Não há registros de que a BACAMASO tenha contestado essa quota de participação quando a proprietária da fazenda era a empresa Celulose M&M.
51. Pelo exposto, não pode ser admitida a revisão quota de participação da Consulente nos frutos da Fazenda da Correnteza, em especial porque significaria validar o comportamento contraditório da contraparte e permitir o exercício de um suposto direito que há muito não foi exercido pela BACAMASO.
II.2. Direito ao plantio de espécies não autorizadas pelo Contrato de Parceria
52. O segundo ponto apresentado pela Consulente trata da inexistência do direito ao plantio de outras espécies por parte da BACAMASO na Fazenda da Correnteza, implicando desrespeito e descumprimento das obrigações assumidas no contrato de parceria.
53. Nesta linha, o cultivo de uvas viníferas configura uma violação do contrato de parceria, em razão da previsão de cultivo exclusivo de eucalipto. Em sequência, a BACAMASO também descumpre o objeto social do seu estatuto social, por extrapolar o objeto social que prevê cultivo exclusivo de eucalipto como atividade. Além disso, a Consulente, a partir da ciência dos contratos vinculados à alienação, mitigou todo e qualquer risco ao realizar uma análise prévia acerca do cultivo de uvas viníferas. Portanto, diante do exposto, não há requisitos legais para a configuração da surrectio.
II.2.1. Vinculação aos limites do Contrato de Parceria
54. As partes, no exercício de sua autonomia privada, estabeleceram as regras que iriam reger a relação jurídica, cabendo à BACAMASO respeitar o plantio exclusivo de eucalipto.
55. Xxxxx Xxxx00 ensina que princípio da autonomia privada corresponde à capacidade de os indivíduos serem livres para pactuar e modular negócios jurídicos. Nesse mesmo sentido os artigos 42127, 421-A28 e 42529 do nosso Código Civil trazem ao sistema jurídico brasileiro a possibilidade de as partes pactuarem um contrato específico à luz de uma jurisdição específica, a qual rege que a função social dos contratos deve condicionar à autonomia privada e a liberdade contratual30.
56. Ainda nesse sentido, Xxxxxx xx Xxxxx Venosa31 defende que o princípio do pacta sunt servanda determina que todos os contratos, quando confeccionados e baseados na liberdade contratual, deve ter suas vontades, obrigatoriamente, cumpridos.
26 XXXX, Xxxxx. Contratos. Coleção direito. vol 3. 6ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, p.67.
27 Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019) Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
28 Art. 421-A. Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) I - as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) II - a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) III - a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
29 Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código
30 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Tópicos propedêuticos sobre o contrato de arrendamento rural. In: XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx dos; XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxx (Xxxxxx.). Direito do agronegócio. Belo Horizonte: Fórum, 2005, p. 671.
31 XXXXXX, Xxxxxx xx Xxxxx. Direito civil: contratos. 20.ed. São Paulo: Atlas, 2020, pp. 53-54.
57. Não é diferente nos contratos de parceria rural que é caracterizado também pela cessão do uso específico e temporário de determinado imóvel rural. Desta forma, como leciona Xxxxxxxxxx Xxxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxxx:
“o art. 1.228 do Código Civil prevê que somente o proprietário possui os direitos de usar, fluir e dispor do imóvel agrário, sendo que o possuidor na qualidade de arrendatário pode usar e fruir da coisa, mas na parceria rural o parceiro-outorgado usa o bem de comum acordo com o proprietário (que detém a posse direta da coisa)”32
58. Complementa a doutrinadora Xxxxxx Xxxxxxxx X. Opitz:
“Quer dizer que o arrendatário ou parceiro-outorgado não pode tirar da coisa mais do que lhe permite o contrato, daí a razão de não poder cortar árvores, escavar o terreno etc. No contrato de uso, direito real, implícita está a fruição da utilidade da terra, de modo que o usuário pode tirar da coisa tudo aquilo que ela pode dar e exigir suas necessidades ou de seus familiares, levando-se em conta as condições sociais deles. O mesmo não ocorre, por força da natureza jurídica do arrendamento e da parceira, porque o uso aí não é direito real (CC, art. 1.225, V), mas obrigacional. O uso, direito real, está vinculado à propriedade e dela não se separa, enquanto o uso, como direito
obrigacional, é aquele que o proprietário cede ao locatário ou parceiro-outorgado” 33
59. Neste sentido, com o compulsar dos autos, a BACAMASO formalizou o contrato de parceria estipulando o exclusivo plantio de lavouras eucalipto34, bem como a partir do primeiro termo aditivo ao contrato de compra e venda de colheita futura35, expressou mais uma vez a sua vontade de utilizar 112,8 (cento e doze vírgula oito) hectares da Fazenda da Correnteza para plantio apenas de eucalipto, ou seja, total da área cultivável da área rural adquirida pela Consulente, conforme termo de arrematação36.
60. Conclui-se que a BACAMASO, por sua conta e risco, desde o princípio da relação contratual, assumiu o risco do seu descumprimento contratual ao cultivar uvas viníferas. A BACAMASO nada fez para regularizar ou sanar o seu inadimplemento contratual. Por exemplo:
(i) ela não efetuou aditivos contratuais modificando o objeto do contrato, única forma aceita entre as partes para alteração contratual, e (ii) alteração de seu contrato social para incluir o cultivo de uvas.
61. Portanto, a atividade desenvolvida na parceria rural deve respeitar as limitações do contrato relativamente à área e ao tipo de atividade de exploração desenvolvida, sob pena de se caracterizar infração contratual.
62. A infração contratual ocorreu no caso em comento, por parte da BACAMASO, por desrespeitar o contrato que prevê a atividade agrária exclusiva, plantio de eucalipto, na área específica da Fazenda Correnteza, apenas sobre ela é que se desenvolverá o uso pactuado no contrato.
II.2.2. Impossibilidade da alegação de aceitação tácita ao cultivo de uvas viníferas
63. A Consulente desde o seu ingresso na relação contratual foi diligente ao declarar a sua intolerância com o plantio de uvas viníferas, eis que tal plantio desrespeita o que foi livremente pactuado pelas partes tanto no contrato de parceria como no contrato de compra e venda futura.
32 QUERUBINI, Xxxxxxx; XXXXXX, Wellignton Xxxxxxx X. O uso do imóvel agrário na parceria rural. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxxxxxxx.xxx/x-xxx-xx-xxxxxx-xxxxxxx-xx-xxxxxxxx-xxxxx/. 2020. Acesso em 27/08/2022
33 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx X. Curso completo de direito agrário, 11ª edição: Editora Saraiva, 2019, pp. 278-279.
34 Página 10 dos autos – Anexo 3
35 Página 28 dos autos – Anexo 10
36 Página 32 dos autos – Anexo 13
64. Nessa senda, há necessidade de discutir a convergência do dever de informar, devendo este ser exercido por ambas as partes, sem presumir o suposto aceite pela Consulente ao cultivo de uvas viníferas.
65. Entende-se como prejuízo o dano ou perda, o que resulta na diminuição patrimonial, seja em dinheiro ou qualquer outro tipo de bem37. Visto isso, a partir do dever anexo de conduta que é o dever de informar, devem as partes evitar o prejuízo, construindo o questionamento da existência ou não o dever de mitigar o próprio prejuízo.
66. A figura do duty to mitigate the loss tem base jurídica no sistema do Common Law, em que, pautado na boa-fé, sustenta que o credor lesado por algum comportamento do devedor terá o dever legal de não agravar o seu prejuízo provocado pela contraparte38.
68. Dessa forma, como sustenta Xxxxxx Xxxxxxx “a doutrina brasileira tem se manifestado favoravelmente à recepção do duty to mitigate the loss”.40 Todavia, não há tratamento no nosso ordenamento41 mesmo sendo utilizado pelos tribunais brasileiros, como por exemplo, o REsp 758518/PR42.
69. Assim, para Xxxxxx X. X. Dias43, não basta simplesmente invocar a boa-fé contratual e/ou uma aceitação tácita para justificar o cultivo de uvas e sim o exclusivo plantio de eucalipto, cumprindo assim o pacta sunt servanda em respeitar a cláusula primeira do Contrato de Parceria e a cláusula primeira do primeiro aditivo ao Contrato de Colheita Futura. Portanto, além do cumprimento contratual, a Consulente usou como base o instituto do duty to mitigate the loss, visto que é a conduta de evitar danos a si.
70. Sendo assim, Xxxxxx X. X. Xxxx sustenta:
A aplicação do duty to mitigate sob o fundamento do venire contra factum proprium resta inviável: além de questionável a própria existência de contradição entre essas condutas, manifestamente não há como reconhecer na conduta da vítima de não evitar a produção ou o agravamento do próprio prejuízo, principalmente por omissão, a aptidão para gerar no ofensor a confiança de que ela não mais iria pleitear reparação pela integralidade dos danos sofridos44.
71. Assim, apesar dos aspectos contrários à aplicação do instituto, a jurisprudência pátria converge com a aceitação da sua aplicação a partir do cumprimento, obrigatoriamente, dos requisitos, devendo (i) ser clara a inércia e de forma ostensiva e voluntária, além de (ii) transcorrer
37 Segundo o dicionário online de Português: Significado de prejuízo. Substantivo masculino. Dano ou perda; o que pode causar perda de dinheiro ou qualquer outro tipo de perda: a enchente causou prejuízo ao município; seu esbanjamento me fez ter um grande prejuízo.
38 XXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx. Direito Civil Sistematizado. 2ª ed. Rio de Janeiro: Rio de Janeiro, 2011, p. 318.
39 XXXXXX, Xxxxxxx. Inadimplemento antecipado do contrato. Revista de Direito do Consumidor. vol. 12, p. 68-78, out./dez.1994, p. 74. São Paulo.
40 TARTUCE, Xxxxxx. Direito civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie. vol. ed. 5ª. São Paulo: Método, 2010.
41 FRADERA, Véra Xxxxx Xxxxx de. Pode o credor ser instado a diminuir o próprio prejuízo? Revista trimestral de direito civil. v. 19. jul./set. Rio de Janeiro: Padma, 2004, p.112
42 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 758.518. Proc. 2005/0096775-4. Recorrente: Muretama Edificações e Empreendimentos Ltda. Recorrido: Xxxxxxxx Xxxxxxx e outro. Relator: Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxx. Paraná, DJ 07 julho. 2010. Disponível em:
<xxxxx://xxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxxxx/00000000/xxxxxxx-xxxxxxxx-xxxx-000000-xx-0000-0000000-0/xxxxxxx-xxxx-00000000> Acesso em: 26 agosto. 2022.
43 DIAS, Xxxxxx Xxxxx Xxxxxx. O duty to mitigate the loss no Direito civil brasileiro e o encargo de evitar o próprio dano. Revista de Direito Privado, n. 45, jan./mar. 2011, p. 9. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais.
44 DIAS, Xxxxxx Xxxxx Novais. O duty to mitigate the loss no Direito civil brasileiro e o encargo de evitar o próprio dano. Revista de Direito Privado, n. 45, jan./mar. 2011, p. 33. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais.
72. Nessa linha de aceitação do duty to mitigate the loss, Xxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx, defende que a infringência tanto de deveres principais como de secundários de prestação, dos deveres laterais, anexos ou instrumentais de conduta, configura a violação positiva do contrato.
73. Nesse sentido, na III Jornada de Direito Civil do Conselho de Justiça Federal, Véra Xxxxxxx elaborou o Enunciado nº 169 que propõe uma interpretação do artigo 422 do Código Civil a respeito desse novo dever contratual que como redação: “o princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio prejuízo”.
74. Dessa forma, o duty to mitigate the loss consiste em um dever acessório, resultante da culminação do dever de cooperação e lealdade pautados na conduta das partes no contrato, advindos da boa-fé objetiva46. Nesta linha de raciocínio, a parte prejudicada não pode permanecer inerte enquanto o prejuízo aumenta gradativamente, visto que o risco da entrega da contraprestação é percebido na diminuição patrimonial47.
75. De forma, a afirmar o que entende a doutrina e a jurisprudência, a Fazenda da Correnteza foi adquirida em leilão judicial pela Consulente, momento que se inicia a relação contratual com a BACAMASO e o dever de diligência de ambas as partes. Todavia, apenas a Consulente, iniciou este dever, contratando uma equipe para se certificar da regularidade do contrato de parceria e do terreno48. Em vista disso, a fim de manter uma relação harmônica com a BACAMASO, as partes se reuniram com o intuito de convergir as vontades, todavia, não houve sucesso49.
76. Como resultado disso, a Consulente notificou50 a BACAMASO para sanar o ilícito contratual a partir do momento que tomou ciência do desrespeito às obrigações contratuais a fim de mitigar qualquer prejuízo que venha a existir, haja vista o alto risco do descumprimento da prestação devida, devendo este ser mitigado51.
77. Deve-se frisar, por fim, que o contrato de parceria apenas poderá ser alterado os seus termos e suas condições com a assinatura das partes a partir de documento escrito52, não cabendo outra hipótese para alteração contratual.
78. Perante tudo exposto, não há que se falar em aceitação tácita do plantio de uva vinífera, tampouco no instituto da surrectio - uma das consectárias da boa-fé objetiva e consiste no surgimento de um novo direito subjetivo diante da limitação imposta ao direito subjetivo da parte oposta, face a sua inatividade do seu exercício53 - visto que o contrato só poderá ser alterado de forma expressa e com assinatura das partes. Além disso, a Consulente, ao contrário da BACAMASO, a todo o momento foi diligente e cumpriu com o dever de mitigar os danos, haja vista que o intuito das partes é economicamente não ter danos e, portanto, o objetivo delas é a satisfação dos anseios contratuais a fim de obter as vantagens esperadas por ambas as partes.
45 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.202.514. Proc. 2010/0123990-7. Recorrente: Danilevicz Advogados Associados. Recorrido: Industria Micheletto S/A. Relatora: Xxxxx Xxxxxxxx. Rio Grande do Sul, DJ 30 junho. 2011. Disponível em: < xxxxx://xxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxxxx/00000000/xxxxxxx-xxxxxxxx-xxxx-0000000-xx-0000-0000000-0-xxx/xxxxxxx-xxxx-00000000> Acesso em: 26 agosto. 2022.
46 TARTUCE, Xxxxxx. A boa-fé objetiva e a mitigação do prejuízo pelo credor. Esboço do tema e primeira abordagem. p. 3, 2005. Disponível em: < xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/XxxxxxxXxxx/xxxxxxx_xxx_xxxxxxxx.xxx>. Acesso em: 03 mai. 2021.
47 XXXXXXX, Xxxx Xxxxx xx Xxxxx. Instituições de direito civil: contratos. vol. III. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 161.
48 Página 4 dos autos
49 Página 59 dos autos – Item 15
50 Página 33 dos autos – Anexo 14
51 XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. O inadimplemento na nova teoria contratual: O inadimplemento antecipado do contrato. 2015. folhas. Tese (mestrado em Direito). Orientador: Faculdade de Direito na Universidade de São Paulo, p. 157. Disponível em: < xxxxx://xxxxx.xxx.xx/xxxxx/xxxxxxxxxxx/0/0000/xxx-00000000-000000/xxxxxxx/Xxxxxxx_Xxxxxxx_Xxxxx_Xxxxxx_Xxxxxxxx.xxx> Acesso em: 15 mar. 2021.
52 Página 11 dos autos – Item 6.3
53 XXXXXXX-XXXXX, Xxxxxx. A boa-fé no direito privado: critérios para a sua aplicação. 2ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, pp. 473-475.
II.2.3. Vinculação ao objeto social definido no contrato social da sociedade
79. Para corroborar com o fundamento acima exposto, vale notar que XXXXXXXX é uma sociedade limitada e em seu contrato social optou por ter como objeto social somente o cultivo de eucaliptos (CNAE 210101), o qual deve ser respeitado pela sociedade, pelos administradores e pelos sócios. Se houvesse a intenção de desenvolver o cultivo de uvas viníferas, os sócios deveriam ter inserido tal atividade no objeto social da sociedade, de forma a dar publicidade também a terceiros.
80. De acordo com o doutrinador Xxxxx Xxxxx Xxxxxx00 o objeto social trata-se da atividade explorada economicamente por uma sociedade, visando a aferição de lucro, devendo ser declarada no contrato social de forma precisa e detalhada.
81. Adicionalmente e de forma mais precisa, por se tratar de uma sociedade limitada, Xxxxxx Xxxxxxxxx00 entende que:
"Nas sociedades limitadas em geral, os administradores, na estrutura que for definida pelo contrato social, têm poderes para gerir a sociedade, isto é, têm o poder de tomar as decisões necessárias à realização do objeto social que não sejam de competência privativa da assembleia ou reunião dos sócios."
82. Neste sentido, os atos que ensejam atividade econômica da sociedade devem seguir especificamente o que rege o seu objeto social. Desta forma, qualquer atividade empresarial que não esteja em consonância com o objeto social da sociedade, portanto, sem que seja dado publicidade a terceiros, será realizada por conta e risco de seus sócios e administradores, não podendo ser presumido que terceiros tenham conhecimento de outras atividades não informadas.
83. Não por acaso o artigo 1.080 do Código Civil estabelece expressamente que “as deliberações infringentes do contrato ou da lei tornam ilimitada a responsabilidade dos que expressamente as aprovaram.”
84. Portanto, a continuidade do cultivo de uvas viníferas é divergente ao objeto social, sendo mais um ilícito perpetrado pela BACAMASO, impossibilitando o cultivo de cultura divergente dos contratos vinculados à Consulente.
II.2.4. O cultivo de uvas viníferas como planta trepadeira limita o crescimento do eucalipto
85. A BACAMASO assume que o cultivo das plantas das parreiras era feito e ordenado com o método de planta trepadeira tendo com o base os eucaliptos, objeto dos contratos pactuados com a Consulente.
86. Para tanto, esta prática viola as diretrizes de Environmental, Social and Governance (“ESG”) adotadas pela Consulente, bem como pode gerar implicações maléficas à plantação de eucalipto, objeto do contrato que gera lucro para as Partes, aumento o risco do negócio.
54 XXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Manual de Direito Comercial: direito de empresa. Revista dos Tribunais. 33 ed. 2022. p. 96
55 XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de Direito Comercial. v. 3. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2017 p. 608
56 Página 34 dos autos – Anexo 15
88. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (“EMBRAPA”) produziu um estudo científico57 a respeito do cultivo de eucaliptos, feito por Engenheiros Agrônomos, Xxxxxxxxxx Xxxxxxxxx, Economistas e Biólogo. Neste material, os pesquisadores abordaram variados temas sobre o plantio, colheita, manejo e coeficientes técnicos do sistema de produção de eucalipto.
89. Dentre estes tópicos, está o controle de matocompetição, prática usual no plantio de eucalipto para preservação e saúde da planta.
90. De acordo com Xxxxxx Xxxxxxxxxxxx Xxxxxxx e outros58 essa prática de deixar livre de plantas daninhas ao redor da plantação de eucalipto é proporcional ao crescimento destes, visto que o povoamento das plantas faz com que se adense o suficiente para limitar o crescimento do mato sob os eucaliptos.
Fonte: Foto Xxxxxxxx Xxxx Xxxxxxxx (Sistemas de produção XXXX 0000-0000 Dezembro, 2015, 35 Cultivo do eucalipto para madeira em Rondônia)
92. Assim de forma a evitar o crescimento destas plantas, os métodos de controle subdividem em controle químico, controle mecânico e/ou seguir práticas de não cultivar estas plantas ao redor de eucaliptos.
94. As práticas de ESG não podem ser ignoradas no Agronegócio, principalmente pelas empresas de médio61 e grande porte. Estas são pautadas pelos ideais de sustentabilidade, que passam a ocupar um local importante na estratégia de crescimento, financeiro, e principalmente, com o objetivo de impactar positivamente o meio ambiente62.
95. Desta forma, o manejo adequado dos recursos naturais presentes em qualquer propriedade rural deve estar em conformidade com as normas ambientais e o princípio da sustentabilidade.
57 Cultivo do eucalipto para madeira em Rondônia / autores, Xxxxxxxx Xxxx Xxxxxxxx [et al.]. - Porto Velho, RO: Embrapa Rondônia, 2015. 85 p. – (Sistemas de Produção / Embrapa Rondônia, 0113-1668; 35)
58 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxxxxx et al. Períodos de interferência de plantas daninhas na fase inicial de crescimento do eucalipto. Pesquisa Agropecuária Brasileira, v. 44, p. 1131-1137, 2009.
59 XXXXXXXX, X. X. xx al. Cultivo do Eucalipto para madeira em Rondônia. Embrapa Rondônia-Sistema de Produção (INFOTECA-E), 2015.
60 Página 60 dos autos – Item 17
61 Página 57 dos autos – Item 3
62 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxx. Análise Econômica Do Direito E Eficiência Ambiental, Social E De Governança (Esg) nas Empresas.
Revista de Análise Econômica do Direito | vol. 3/2022 | Jan - Jun / 2022 | DTR\2022\9153.
96. Portanto, de forma a evitar a proliferação das uvas viníferas trepadeiras que resultam na limitação do crescimento e desenvolvimento da plantação de eucalipto, a BACAMASO deve, por mais este motivo, cessar com o cultivo de uvas viníferas.
III. Resposta aos quesitos
QUESITO 01: É devida a revisão da quota de participação da proprietária das terras sobre os frutos no “contrato de parceria” para os limites previstos no art. 96, inciso vi, alínea “a” do estatuto da terra?
Não é devida a revisão da quota de participação, visto que no caso concreto, deve ser afastada a limitação da participação nos frutos prevista no artigo 96, VI do Estatuto da Terra. A cláusula terceira do contrato de parceria firmado entre as Partes não é nula e não comporta revisão, pois as disposições dos termos, cláusulas e condições livremente pactuadas no contrato de parceria fazem lei entre as Partes, prestigiando-se a liberdade contratual, a livre iniciativa e o princípio do pacta sunt servanda. Adicionalmente, não pode ser admitida a revisão da participação da Consulente nos frutos da Fazenda da Correnteza, porque admitir tal revisão seria validar o comportamento contraditório da contraparte e permitir o exercício de direito que há muito foi suprimido
QUESITO 02: A BACAMASO tem o direito de seguir cultivando uvas viníferas na fazenda da correnteza?
A BACAMASO não tem o direito de seguir o cultivo de uvas viníferas, pois este ato é caracterizado por um inadimplemento contratual, por desrespeitar o contrato que prevê a atividade exclusiva de plantio de eucalipto, na área específica da Fazenda da Correnteza, sendo única e exclusivamente possível esta alteração no contrato a partir de um aditivo escrito e com a assinatura das partes. Neste sentido, não há que se falar em aceitação tácita do plantio de uva vinífera, tampouco no instituto da surrectio, visto que a Gado Novo a todo o momento foi diligente e cumpriu com o dever de mitigar os danos, haja vista que o intuito das partes é a obtenção de lucro. A BACAMASO, ao cultivar uvas viníferas, age de forma divergente ao seu próprio objeto social, assumindo mais um risco de ensejar nulidade dos contratos firmados. Por fim, e não menos importante, a BACAMASO deve cessar o cultivo de uvas viníferas trepadeiras para evitar essa proliferação e, assim, resultar na limitação do crescimento e desenvolvimento da plantação de eucalipto.
Esse é o nosso parecer, salvo melhor juízo.
São Paulo, 30 de agosto de 2022.
XXXX, XXXXX, XXXXXXXX & XXXXXXX ADVOGADOS
63 Art. 1º-A. Esta Lei estabelece normas gerais sobre a proteção da vegetação, áreas de Preservação Permanente e as áreas de Reserva Legal; a exploração florestal, o suprimento de matéria-prima florestal, o controle da origem dos produtos florestais e o controle e prevenção dos incêndios florestais, e prevê instrumentos econômicos e financeiros para o alcance de seus objetivos. (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012).