O PRAZO DE RENOVAÇÃO DE CONTRATOS DE ARRENDAMENTO URBANO PARA FINS HABITACIONAIS
Foro de Actualidad
Portugal
O PRAZO DE RENOVAÇÃO DE CONTRATOS DE ARRENDAMENTO URBANO PARA FINS HABITACIONAIS
Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx e Xxxxx Xxxxxx
Advogados da Área de Imobiliário e Urbanismo da Uría Menéndez-Proença de Carvalho (Lisboa)
O prazo de renovação de contratos de arrendamento urbano para fins habitacionais
O presente artigo analisa um acórdão proferido recentemente pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que interpreta a nova redação do artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil (conferida pela Lei 13/2019, de 12 de feverei- ro), atinente ao regime aplicável à renovação de contratos de arrendamento urbano para fins habitacionais. A referida norma legal tem sido objeto de interpretações divergentes pela jurisprudência portuguesa. Todavia, a nosso ver, esta decisão do STJ, ao invés de mitigar as dúvidas existentes, vem reforçar o estado de incerteza e insegurança jurídicas que vigora nesta matéria.
PALAvRAS ChAvE:
CONTRATO DE ARRENDAMENTO URBANO, ARRENDAMENTO PARA FiNS hABiTACiONAiS, PRAZO DE RENOVAÇÃO, RENOVAÇÃO AUTOMÁTiCA, ARTiGO 1096, N.º 1, DO CÓDiGO CiViL.
The renewal term of urban lease agreements for housing purposes
This article analyses a judgment recently issued by the Supreme Court of Justice (STJ) that interprets the new wording of article 1096.1 of the Civil Code (conferred by Law 13/2019, of 12 February), concerning the regime applicable to the renewal of urban lease agreements for housing purposes. This legal provision has been the subject of divergent interpretations in Portuguese case law. However, in our view, this decision issued by the STJ, rather than addressing the problem has increased the legal uncertainty in this matter.
Actualidad Xxxxxxxx Xxxx Xxxxxxxx, 61, marzo 2023, pp. 148-155
Keywords:
URBAN LEASE AGREEMENT, LEASE FOR hOUSiNG PURPOSES, TERM OF RENEWAL, AUTOMATiC RENEWAL, ARTiCLE 1096. 1 OF ThE CiViL CODE.
FECHA DE RECEPCIÓN: 15-1-2023
FECHA DE ACEPTACIÓN: 21- 1-2023
Xxxxxx xx Xxxxx, Xxxx; Xxxxxx, Xxxxx (2023). O prazo de renovação de contratos de arrendamento urbano para fins habitacionais. Actualidad Xxxxxxxx Xxxx Xxxxxxxx, 61, pp. 148-155 (ISSN: 1578-956X).
1. Interpretação do artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil
Nos termos da redação conferida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, o artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil estipulava que, salvo estipulação em contrário, o contrato de arrendamento ha- bitacional celebrado com prazo certo renovava-se automaticamente no seu termo por períodos sucessivos de igual duração.
A propósito desta norma, aplicável a contratos de arrendamento urbano para fins habitacionais com prazo certo, não existiam dúvidas de que, por um lado, às partes era permitido celebrar um contrato sem renovação automática, i.e. que previsse a caducidade do mesmo com o decurso do prazo estipulado. Por outro lado, não tendo as partes excluído o regime da renovação automática, podiam as mesmas estabelecer livremente os prazos aplicáveis a tais renovações (sem prejuízo do limite máximo de 30 anos previsto no artigo 1025.º do Código Civil).
A solução era clara e de compreensão uniforme, o que promovia a segurança jurídica da legis- lação arrendatícia. Tal contexto veio a ser profundamente alterado com a entrada em vigor da já conhecida Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, que tinha como desígnio introduzir “medidas desti- nadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fra- gilidade”. Entre outras alterações relevantes, a Lei 13/2019 atribuiu uma nova redação ao referido artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, que passou a dispor o seguinte:
Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
A referida alteração não veio afetar a possibilidade de as partes afastarem o regime da renovação automática do contrato de arrendamento, tal como já permitido ao abrigo da redação anterior. Porém, em relação ao regime aplicável ao prazo da renovação, rapidamente se instalou dissenso na doutrina quanto à real intenção do legislador. Essencialmente, a discussão centrou-se sobretu- do em determinar se o legislador pretendeu instituir, quanto ao prazo da renovação, um regime de caráter imperativo ou, ao invés, de caráter meramente supletivo. Em suma, se o prazo de três anos de renovação referido na norma deve valer como prazo mínimo a observar na ausência de estipulação das partes, ou se tal prazo mínimo de três anos é, na verdade, um prazo imperativo,
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que não pode ser afastado pela vontade das partes, quando estas não excluam expressamente a renovação automática do contrato. De acordo com este último entendimento, as partes têm o direito de estipular prazos de renovação diferentes do prazo inicial do contrato, desde que por prazo não inferior a três anos, que corresponde a um limiar mínimo obrigatório.
Desde a entrada em vigor da Lei 13/2019, a jurisprudência não tem sido uniforme quanto à inter- pretação desta norma, verificando-se uma polarização de posições, com acórdãos que se pronun- ciam a favor da supletividade da norma (ver, entre outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 17.03.2022 (Xxxx Xxxxx Xxxxxxx), Processo 8851/21.6T8LRS.L1-6, e de 10.01.2023 (Xxxx Xxxxxx Xxxxx), Processo 1278/22.4YLPRT.L1-7), enquanto outros advogam a sua imperativida- de (ver, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10.11.2022 (Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx), Processo 126/21.7T8ABF.E1; e Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães (Xxxxxxx Xxxxx), Processo 795/20.5T8VNF.G1).
2. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 17/01/2023
Perante o contexto de divergência entre tribunais portugueses, surge um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), proferido a 17 de janeiro de 2023 (Processo 7135/20.1T8LSB.L1.S1), que veio tomar posição sobre esta matéria. Todavia, o acórdão não esclarece a dúvida interpretativa, podendo, aliás, contribuir surpreendentemente para uma situação de (ainda) maior indefinição.
Elencam-se, muito sinteticamente, os factos sobre os quais o STJ foi chamado a pronunciar-se:
i. O autor da ação celebrou, a 7 de fevereiro de 2018, enquanto senhorio, um contrato de arrendamento para fins habitacionais com a sociedade ré, que era a arrendatária.
ii. O contrato foi celebrado pelo prazo de um ano, com início a 1 de fevereiro de 2018, reno- vando-se automaticamente por um período igual de um ano.
iii. A Lei 13/2019 entrou em vigor a 13 de fevereiro de 2019.
iv. A 5 de julho de 2019, o autor deduziu oposição à renovação do contrato nos termos do ar- tigo 1097.º, n.º 1, alínea b), do Código Civil, para produzir efeitos a 31 de janeiro de 2020.
v. O Tribunal de primeira instância entendeu que o senhorio não poderia ter exercido o dire- ito de oposição à renovação, uma vez que o contrato se tinha renovado pelo prazo mínimo (considerado) imperativo de três anos, em 13 de fevereiro de 2019, nos termos da nova redação do artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, pelo que o contrato teria de manter-se em vigor até pelo menos 31 de janeiro de 2022.
vi. Por sua vez, o acórdão recorrido entendeu que o prazo mínimo (imperativo) de 3 anos não seria aplicável à primeira renovação do contrato, uma vez que tal renovação se deu à luz do regime jurídico anterior à entrada em vigor da Lei 13/2019. Deste modo, a renovação do contrato por um ano teria sido válida e a oposição à segunda renovação do contrato teria validamente produzido os seus efeitos a 1 de fevereiro de 2020.
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Posto isto, a questão que o STJ teve de apreciar foi a de saber se a oposição à renovação do con- trato de arrendamento comunicada pelo senhorio à arrendatária, recebida a 8 de julho de 2019, foi válida e eficaz e determinou a cessação do contrato a 31 de janeiro de 2020, considerando o regime legal introduzido pela Lei 13/2019, em particular a nova redação dos artigos 1096.º, n.º 1, e 1097.º, n.º 3, do Código Civil.
3. Fundamentação do STJ
O STJ fundamenta a sua decisão recorrendo à doutrina e admite, de início, ser “entendimento dominante” que a lei permite às partes excluírem a renovação automática do contrato, mas que, de igual modo, impõe que “caso seja clausulada a renovação, esta tem como período mínimo uma renovação pelo período de 3 anos”.
Porém, o STJ sugere uma interpretação restritiva da norma, citando, nesta matéria, profusamente a posição do Conselheiro X. Pinto Furtado:
O Conselheiro Xxxxx Xxxxxxx (In Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, Almedina, 2021, pp. 651 a 653.) faz uma interpretação um pouco mais restritiva deste normativo [artigo 1096.º, n.º 1] e em conjunto com o artigo 1097.º, n.º 3 do Código Civil, ao considerar que esta renovação de três anos apenas ocorre na primeira renovação, permitindo a liberdade contratual outro clausulado. Posiciona-se assim este autor, “Se, pois, se tiver estabelecido, como duração contratual, um prazo inferior a três anos, por exemplo, um ou dois anos (o que é legítimo – arts. 1095-2 e 1096-1), o que resulta, quanto a nós, do disposto no art. 1097-3 — e insiste-se — é, tão-somente, que esses contratos serão necessariamente não renováveis (o que é legítimo – n.º 1 do presente artigo). [sublinhado nosso]
O mesmo autor continua:
Ora, já se viu que o n.º 1 do presente artigo [artigo 1096.º, n.º 1] só dispõe para o silêncio contra- tual e, como no art. 1097-3 também não se estabelece qualquer dimensão para o ulterior período de renovação, em si, daí se seguirá, se bem nos parece, que, quando pretenda estabelecer-se re- novação para um arrendamento habitacional de prazo certo terá de atribuir-se à própria duração desse contrato, pela aplicação conjugada dos dois preceitos, uma duração mínima de três anos.
Cremos, por conseguinte e em conclusão poder, pois, validamente estabelecer-se, ao celebrar-se um contrato, que este terá necessariamente, uma duração de três anos, prorrogando-se, no seu termo, por sucessivas renovações, de dois ou de um ano, quatro ou cinco — como, enfim, se pretender.”.
Contrariamente ao referido pelo Tribunal, o autor não parece defender um prazo de renovação mínimo imperativo de três anos, quer em relação à primeira renovação do contrato, quer a reno- vações posteriores. Diversamente, o referido autor (salvo erro, com uma posição isolada na dou- trina portuguesa a propósito deste assunto) parece considerar, atendendo a uma interpretação conjugada dos artigos 1096.º, n.º 1, e 1097.º, n.º 3, do Código Civil, que o legislador pretendeu
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estatuir um prazo inicial mínimo de 3 anos para contratos que prevejam o regime da renovação automática, sendo os prazos dessa renovação, por sua vez, livremente estipulados pelas partes, pois, segundo este autor, o prazo mínimo previsto no artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil é me- ramente supletivo.
Sem prejuízo, no parágrafo imediatamente seguinte do Acórdão, o STJ cita de novo o mesmo autor para avaliar a aplicação das normas da nova Lei 13/2019 a contratos de arrendamento cujo prazo de renovação já esteja em vigor (como acontece no caso sub judice):
“Sendo assim, quanto aos contratos de arrendamento habitacional existentes, que se submetiam ao disposto na Lei n.º 31/2012 e, não havendo estipulação contratual, estavam a renovar-se su- pletivamente, sem mais, segundo períodos de dimensão igual à duração contratual, interessará considerar os celebrados por um ou dois anos.
Estando estes contratos a renovar-se então, supletivamente, por períodos de um ano ou de dois, respetivamente, segundo a lei antiga, chegado o novo normativo agora imposto no art. 1097-3, uma de duas soluções parecerão, em princípio, aplicáveis.
Será a primeira que aqueles contratos habitacionais de durações menores, que já completaram a sua renovação ou renovações, à sombra da lei antiga, mas ainda não tenham atingido os três anos de duração contratual para haver uma primeira renovação pela lei nova, deverão submeter-se a esta, computando-se nesses três anos os períodos menores já cumpridos, preenchendo-se desse modo a bitola do art. 1097-3.
Outra será, antes, que a nova lei exige o pré-decurso trienal só para a primeira renovação: logo, os contratos que já então completaram uma primeira renovação, ainda que sem preenchimento dos três anos de duração prévia, não estão abrangidos por ela, visto o prazo renovatório menor a que obedeceram já se ter completado.
Cremos, pela nossa parte, que será esta segunda opção o entendimento a subscrever, pois como declara o art. 297-2, os prazos mais longos da lei nova só se inserem nos prazos mais curtos da lei anterior que ainda “estejam em curso”.
Assim, os contratos com duração de um ano que, findo o seu prazo de duração, se renovaram pelo mesmo período e o completaram antes de entrar em vigor a nova lei, continuam a renovar-se pelo mesmo período depois disso; mas aqueles que ainda não consumiram esse período de renovação terão de prosseguir no tempo já decorrido até perfazer o triénio de duração para que ocorra uma nova renovação (…).” [sublinhado nosso]
Referindo-se à posição do Conselheiro Xxxxx Xxxxxxx, o STJ reconhece logo de seguida: Ora, é, precisamente, a situação retratada nos nossos autos.
Aqui, o contrato de arrendamento urbano para habitação permanente, foi celebrado em 7/02/2018, com início em 1/02/2018, à luz da Lei n.º 30/2012, pelo prazo de um ano, renovável
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por igual período. A primeira renovação deste contrato, ocorreu em 1/02/2019, ainda no âmbito da referida Lei, porquanto a Lei n.º 13/2019 entrou em vigor em 13/02/2019.
O Autor, ora Recorrido, remeteu à Ré, ora Recorrente, em 5/07/2019, carta registada com aviso de receção, a comunicar a denúncia do contrato, solicitando a entrega do arrendado até 31/01/2020.
Daqui resulta, claramente, que a primeira renovação contrato, a renovação anual ocorreu em 1/02/2019, quando a Lei n.º 13/2019 ainda não estava em vigor, pelo se verificou a primeira re- novação do contrato.
Conclui, assim, o STJ, alegadamente respaldado na posição do Conselheiro Xxxxx Xxxxxxx, que não se aplica ao caso uma renovação por três anos em virtude de já se ter iniciado a primeira renovação do contrato aquando da dedução, pelo senhorio, da oposição à (seguinte) renovação.
Sucede, porém, que, salvo melhor opinião, o sentido da decisão do STJ diverge efetivamente da opinião do referido autor.
Com efeito, de acordo com a posição do referido autor, nos termos das disposições conjugadas da Lei 13/2019 aqui em causa, o contrato de arrendamento deverá cumprir um prazo mínimo inicial de três anos antes da sua primeira renovação.
E quanto à aplicação da lei no tempo, se, aquando da entrada em vigor da Lei 13/2019, a primeira renovação já estiver em curso (mas ainda não tiver decorrido na íntegra), a próxima renovação do contrato só poderá ocorrer quando a duração total do contrato, considerando o prazo inicial e a primeira renovação conjuntamente, tiver perfeito “o triénio de duração”. Porém, se o contrato já se tiver renovado por uma segunda vez, então essa limitação de três anos não seria aplicável. Tal parece ser, de facto, a interpretação do autor quando refere, por um lado, que “os contratos com duração de um ano que, findo o seu prazo de duração, se renovaram pelo mesmo período e o completaram antes de entrar em vigor a nova lei, continuam a renovar-se pelo mesmo período depois disso” e, por outro, que os contratos que “ainda não consumiram esse [primeiro] período de renovação terão de prosseguir no tempo já decorrido até perfazer o triénio de duração para que ocorra uma nova renovação” (sublinhado nosso).
Ora, no acórdão em análise, o STJ parece extrapolar desta posição para uma outra, segundo a qual o prazo de renovação de três anos não se aplica nos casos em que o prazo da primeira renovação ainda está em curso aquando da entrada em vigor da Lei 13/2019. Efetivamente, no caso sub judice, a primeira renovação do contrato já tinha ocorrido em 01/02/2019 e o prazo da mesma ainda estava em curso aquando da entrada em vigor da Lei 13/2019 (que, recorde-se, teve lugar em 13/02/2019) e da dedução, pelo senhorio, da oposição àquela que viria a ser a segunda renovação do contrato.
Neste sentido, se o acórdão se aplicasse ao caso sub judice aquela que nos parece ser a posição do autor citado, o senhorio só poderia terminar o contrato após decorridos três anos iniciais, i.e. a 1 de fevereiro de 2022.
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O STJ conclui, porém, da seguinte forma:
É já no âmbito da segunda renovação do contrato que o Autor pretende opor-se à sua renovação, pelo que, seguindo a posição assumida pelo Conselheiro Xxxxx Xxxxxxx e bem assim a que foi seguida no Acórdão recorrido, não tem aplicação neste contrato a renovação por três anos, porquanto se trata da segunda renovação contratual, sendo que as partes estipularam expressamente a renovação anual.
Conforme acentua o Acórdão recorrido, este contrato de arrendamento “escapou” à disciplina imperativa resultante do artigo 1097.º, n.º 3, do Código Civil, porquanto a primeira renovação que se verificou teve lugar ainda na anterior versão da Lei e não quando a Lei n.º 13/2019 já se encontrava em vigor.
Não se disputa a interpretação dada pelo Tribunal ao artigo 1097.º, n.º 3, que prevê que a oposi- ção à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo. De facto, estando em causa no presente caso a oposição à segunda renovação do contrato, aquele artigo não se aplica.
O cerne da questão está, de facto, na interpretação do artigo 1096.º, n.º 1, e o processo interpre- tativo do STJ parece ser o seguinte: (i) num primeiro momento, o STJ menciona o entendimento doutrinário dominante relativo à imperatividade do prazo de renovação de 3 anos previsto no ar- tigo 1096.º, n.º 1; (ii) de seguida sugere, todavia, uma “interpretação restritiva” da norma, citando a posição do Conselheiro Xxxxx Xxxxxxx, que, de acordo com o STJ, considera “que esta renovação de três anos apenas ocorre na primeira renovação”; (iii) porém, na verdade a tese do referido autor defende a supletividade do prazo de 3 anos do artigo 1096.º, 1, pugnando antes pela existência de um prazo inicial mínimo de três anos antes da primeira renovação do contrato no contexto da interpretação conjugada com o artigo 1097.º, n.º 3.
Parece assim que, apesar de partir de uma posição doutrinária supostamente dominante, à que sugere uma interpretação “restritiva” do Conselheiro Xxxxx Xxxxxxx, o acórdão acaba por se des- viar quer de uma, quer da outra, e seguir uma via diferente.
4. Nota final
Atualmente, os tribunais portugueses seguem, pelo menos, três interpretações diferentes em re- lação ao disposto no artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, a saber, que a norma consagra (i) um prazo de renovação mínimo imperativo de três anos; (ii) um prazo de renovação mínimo supletivo; ou que (iii) além de um prazo de renovação mínimo supletivo, a norma, quando interpretada em conjugação com o disposto no artigo 1097.º, n.º 3, obriga ao decurso prévio de três anos de du- ração inicial antes da primeira renovação automática do contrato, conforme se conclui da análise do acórdão do STJ acima descrito.
De facto, a nosso ver, o STJ acaba por sustentar, ainda que de forma pouco clara, que o prazo de renovação de três anos tem natureza supletiva. No final de contas, concordamos com essa conclu-
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são, que nos parece ser a interpretação mais apropriada da norma. No entanto, discordamos da fundamentação exarada pelo STJ, que não é clara e, na senda da posição do Conselheiro X. Xxxxx Xxxxxxx, associa a supletividade da norma à necessidade da decorrência prévia de um prazo inicial mínimo de três anos para a renovação do contrato ao abrigo do artigo 1096.º, n.º 1.
Salvo melhor opinião, a consagração de tal prazo inicial mínimo não tem correspondência na letra da lei, resultando da confusão de conceitos distintos. O facto de nos termos do disposto no artigo 1097.º, n.º 3, a oposição à primeira renovação do contrato, deduzida pelo senhorio, só produzir efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, não obriga a um prazo inicial mínimo de três anos. De outro modo, poder-se-ia dar o caso de o arrendatário não se poder opor à renova- ção de um contrato com renovação automática celebrado pelo prazo inicial de um ou dois anos, o que resultaria numa limitação dos direitos do arrendatário que, atendendo aos objetivos da Lei 13/2019, nos parece difícil de sustentar.
Em suma, esta decisão do STJ não elimina as dúvidas que pairam sobre o regime da renovação automática de contratos de arrendamento para fins habitacionais, antes evidencia as dificuldades interpretativas que a letra da lei coloca.