CUSTOS DE TRANSAÇÃO NO CONTRATO DE SEGURO: PROTEGER O SEGURADO É SOCIALMENTE DESEJÁVEL?1
CUSTOS DE TRANSAÇÃO NO CONTRATO DE SEGURO: PROTEGER O SEGURADO É SOCIALMENTE DESEJÁVEL?1
Xxxxxxx Xxxxxxx Timm∗ Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx∗
RESUMO
Este artigo tem como propósito a análise das questões que envolvem os custos de transação nos contratos privados de seguro, verificando, mediante uma perspectiva de Direito e Economia, quais as conseqüências imediatas e mediatas da intervenção judicial na operação securitária. Assim sendo são examinadas duas ferramentas da análise econômica do direito, Instituições e Custos de Transação, como premissas a serem usadas no estudo. São tratados, logo em seguida, os aspectos concernentes à justificativa e características principais dos contratos de seguro abordando, em especial, a estrutura econômica por detrás da operação contratual securitária, bem como a regulamentação estatal que é identificada neste instituto. Por derradeiro, busca-se compreender as conseqüências econômicas e o impacto à sociedade e ao contrato de seguro quando neste instrumento se intervém judicialmente, com enfoque nos custos de transação e o que eles determinam aos agentes atuantes no mercado.
PALAVRAS-CHAVE
DIREITO E ECONOMIA; CONTRATOS; SEGUROS; CUSTOS DE TRANSAÇÃO.
ABSTRACT
1 Uma versão mais ampla deste artigo, inclusive com o estudo comparativo do caso Xxxxxxx com a realidade judicial brasileira, encontra-se disponível na Revista de Direito Público da Economia, Vol. 19 (jul/set 2007), Editora Fórum. Agradecemos ao editor da RDPE, Prof. Xxxx X. Xxxxxxx, por disponibilizar a apresentação deste artigo no XVI Congresso Nacional do CONPEDI.
. Advogado. Pós doutorando da Universidade de Berkeley, Califórnia, no Departamento de Law, Economics and Business. Doutor em Direito dos Negócios e da Integração Regional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Master of Laws (LLM) em Direito Econômico Internacional pela University of Warwick. Membro da Associação Latino Americana e Caribenha de Direito e Economia (ALACDE). Professor da Universidade Luterana do Brasil (Canoas, Brasil), Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Porto Alegre, Brasil).
.∗ Bacharel em Direito na PUCRS. Integrante do Grupo de Pesquisa em Direito e Economia da PUCRS,
coordenado pelo Prof. Dr. Xxxxxxx Xxxx.
This article aims at analyzing the issues related to the transaction costs in private insurance contracts, verifying, through a perspective of Law and Economics, the consequences in short and long term of judicial intervention in the insurance operation. Thereby we examine two tools of the economics analysis of contract law, Institutions and Transaction Costs, as premises to be used in this study. After that, the aspects concerning the justification and main characteristics of the insurance contract are treated, especially the economic structure behind the contractual insurance operation, as well the state intervention and regulation in this matter. Lastly, we will try to understand the economic consequences and the social impact to society and to the insurance contract when judicial intervention occurs, with emphasis in the transaction costs and what they determine to the agents operating in the market.
KEY-WORDS
LAW AND ECONOMICS; CONTRACTS; INSURANCE; TRANSACTION COSTS.
INTRODUÇÃO
A sociedade contemporânea, como muito propriamente afirma Xxxxxx Xxxx, é marcada como a Sociedade do Risco2. Xxxxxxx Xxxxxxx destaca que desde o Iluminismo, origem da ciência social atual, acreditava-se que quanto mais viéssemos a conhecer o mundo, enquanto coletividade, mais poderíamos controlá-lo e direcioná-lo de acordo com nossos propósitos. Entretanto, hoje nos encontramos diante de “incertezas fabricadas”, fruto da industrialização e do desenvolvimento tecnológico, e tais riscos e incertezas atualmente são mais intensos, tendo abrangência global3. Mas não somente isso, o próprio sistema capitalista é marcado pelo risco de mercado (vejam- se as oscilações, crises etc.).
Nesse contexto, o contrato de seguro apresenta-se como um dos instrumentos mais adequados e justos para diluir os modernos efeitos dos riscos criados pela humanidade. Tem ele especial importância no desenvolvimento da sociedade, e um papel fundamental diante de um ambiente econômico de mercado globalizado, trazendo segurança e previsibilidade quanto aos riscos, desde que bem regulado e interpretado pelos tribunais dentro de sua verdadeira eficácia econômica. Isso porque o seguro é
2 XXXX, Xxxxxx in Modernização Reflexiva. São Paulo: UNESP, 1995.
3 XXXXXXX, Xxxxxxx in Modernização Reflexiva. São Paulo: UNESP, 1995.
baseado na estatística, que é a forma matemática de tratar com o risco (eis a característica da ciência atuarial). Os riscos passam a ser calculados e distribuídos entre o grupo que dele participa dentro das possibilidades de acontecimento futuro.
Não obstante, observa-se hoje cada vez mais, reflexo da tendência de justiça social distributiva presente no direito privado brasileiro, inúmeros julgados os quais colidem com aquela lógica quantitativa e atuarial do seguro, nos quais se responsabilizam seguradoras a cobrir sinistros não originariamente previstos em apólices de seguro (mesmo contra a letra clara do contrato)4. Ao se forçar seguradoras a pagar por hipóteses não provisionadas na formação dos contratos, o judiciário acaba por levar desequilíbrio à relação contratual, acarretando um custo que será pago por aqueles agentes que utilizam o seguro da forma correta, qual seja, aquela prevista contratualmente. Mas não só isso. Ao intervir desta forma o Judiciário pode gerar uma cadeia de danos que, além de lesar aqueles leais ao sistema e participantes do contrato, afeta também todo ambiente econômico, impactando empresas, agentes e o próprio mercado, criando incertezas e custos desnecessários.
O presente artigo é um convite à reflexão sobre o papel desempenhado pelo judiciário no desenvolvimento econômico da atividade securitária, a partir do estudo do que esta representa de acordo com Direito e Economia. Desta forma, os temas tratados terão a profundidade necessária para atingir um objetivo específico: tentar detectar quais as conseqüências imediatas e mediatas da intervenção judicial na operação securitária, partindo do pressuposto que há custos para se realizar transações no mercado.
DIREITO & ECONOMIA
1.1 Instituições e Custos de Transação
Fala-se das Instituições com base no estudo de Douglass North (1990) e de Custos de Transação com o primado do estudo de Xxxxxx Xxxxx (1960)5. Estes dois estudiosos foram responsáveis por grandes avanços e quebras de paradigmas que resultaram num melhor entendimento do ambiente econômico e das conseqüências que o universo jurídico, com toda sua dinâmica particular, traz a este ambiente.
4 Evidentemente que não se advoga aqui que não existam abusividades de cláusulas contratuais corrigíveis pelo Poder Judiciário. Xxxxx argumento é mais refinado e envolve casos em o julgamento se dá contra qualquer ilegalidade da letra do contrato.
5 Ambos ganhadores do Nobel de Economia. Xxxxxx Xxxxx em 1991, e Douglass North em 1993.
Xxxxx, historiador econômico, inova ao apreciar de forma coesa o papel das instituições, sua estrutura e funcionamento, no desenvolvimento histórico da performance econômica. Diz ele sobre as instituições:
Partindo dessa premissa, podemos concluir que o Direito é uma das instituições criadas pelo homem que mais relevância tem nesse processo, assim como o Judiciário, que também podemos considerar o árbitro do jogo. De fato, o modelo democrático de checks and balances relevou o Direito, e conseqüentemente o Judiciário, a uma posição de destaque enquanto Instituições. O Judiciário, apesar de vinculado às regras, define quais serão aplicadas, quando podem ou não ser violadas, abrindo exceções para a sua quebra por determinados agentes, e criando incentivos – tanto positivos quanto negativos – às pessoas seguirem ou não as determinações desse jogo.
Dessa forma o Direito, bem como o Judiciário, afetam de forma clara a performance econômica e são imprescindíveis na análise econômica do direito. Ademais, o judiciário cumpre sua função social de operacionalização das relações de mercado se estiver comprometido com aquelas instituições jurídicas que instrumentalizam o seu funcionamento, como livre iniciativa e autonomia privada7.
Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx vai ao encontro desse entendimento ao afirmar que: “o Judiciário é uma das instituições mais fundamentais para o sucesso do novo modelo de desenvolvimento que vem sendo adotado no Brasil [...] pelo seu papel em garantir direitos de propriedade e fazer cumprir os contratos8”. Com efeito, aduz Zylbersztajn:
A análise econômica deve, então, considerar o ambiente normativo no qual os agentes atuam, para não correr o risco de chegar a conclusões equivocadas
6 NORTH, Douglass C. Institutions, Institutional Change and Economic Performance. 1 ed. Cambridge: Cambridge University Press, 1990. p. 3 e 4, tradução nossa.
7 XXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx. Direito, mercado e função social. Revista da Ajuris, Porto Alegre, ano XXXIII, nº 103, set. 2006, p. 205.
8 PINHEIRO, Xxxxxxx Xxxxxxxx. Direito e economia num mundo globalizado: cooperação ou confronto? in TIMM (Org), Direito e Economia, p. 53.
O problema reside quando no processo de elaboração das regras – seja no plano legislativo, no plano das disputas judiciais ou mesmo nas regras sociais de convivência conhecidas como costume – são deixadas de lado as questões econômicas, devido à baixa qualidade e pouca afirmação das instituições, as quais não desenvolvem corretamente todo o procedimento necessário para determinar e fazer cumprir as regras do jogo de forma eficiente.
E é nesse momento que maiores distorções começam a aparecer, e, conseqüentemente, surgem os chamados Custos de Transação.
Alguns teóricos partem do pressuposto da concorrência perfeita, num ambiente em que não exista assimetria de informações, no qual os agentes atuem de forma a maximizar o bem-estar social com escolhas hiper-racionais baseadas no seu próprio interesse, mas respeitando as regras do jogo. Entretanto, essas hipóteses simplificadoras10 não condizem com a realidade das interações humanas, devido à racionalidade limitada dos agentes atuantes no mercado, de seu oportunismo ao negociar e do custo existente na alocação de recursos de uma atividade para outra.
Coase em 1937 foi o primeiro a alertar sobre a importância desses custos no estudo das transações econômicas11. Referia que o mercado corrigiria nas transações por ele operadas as distorções do ambiente econômico redistribuindo os direitos, e, com o tempo, traria eficiência alocativa aos recursos utilizados. Entretanto, tal redistribuição de direitos somente será realizada quando o aumento no valor de produção, conseqüente da redistribuição, for maior que os custos envolvidos em não realizar tal arranjo12.
Mas o que são custos de transação? Xxxxxxxx e Saddi muito propriamente afirmam:
9 ZYLBERSZTAJN, Xxxxx; XXXXXX, Xxxxxx. Direito e economia: análise econômica do direito e das organizações. 1 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. p. 74.
10 XXXXXXXX, Xxxxxxx X; XXXXX, Xxxxx. Direito, economia e mercados. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. p. 61.
11 Referimo-nos ao artigo “The nature of the firm”.
12 XXXXX, Xxxxxx X. The problem of social cost in Journal of Law and Economics, Chicago, 1960. p. 10.
Os custos de transação compreendem, portanto, os custos com a realização de cinco atividades que tendem a ser necessárias para viabilizar a concretização de uma transação. Primeiro, a atividade pela busca pela informação sobre regras de distribuição de preço e qualidade de mercadorias; sobre insumos de trabalho e a busca por potenciais compradores e vendedores, assim como de informação relevante sobre o comportamento desses agentes e a circunstância em que operam. Segundo, a atividade de negociação, que será necessária para determinar as verdadeiras intenções e os limites de compradores e vendedores na hipótese de a determinação dos preços ser endógena. Terceiro, a realização e a formalização dos contratos inclusive o registro nos órgãos competentes, de acordo com as normas legais, atividade fundamental do ponto de vista do direito privado, já que é o que reveste o ato das garantias legais. Quarto, o monitoramento dos parceiros contratuais com o intuito de verificar se aquelas formas contratuais estão sendo devidamente cumpridas, e a proteção dos direitos de propriedade contra a expropriação por particulares ou o próprio setor público. Finalmente, a correta aplicação do contrato, bem como a cobrança de indenização por prejuízos às partes faltantes ou que não estiverem seguindo corretamente suas obrigações contratuais, e os esforços para recuperar controle de direitos de propriedade que tenham sido parcial ou totalmente expropriados13.
Portanto “existem problemas futuros potenciais nos contratos, problemas esses que são antecipados pelos agentes que desenham os arranjos institucionais no presente14”. Dessa forma, o papel das instituições seria o de minimizar esses custos, permitindo a transação de direitos de propriedade e o arranjo organizacional ao menor custo possível.
Ocorre, todavia, que na realidade nacional deparamo-nos com uma ineficiência da Instituição Judiciário e da legislação que ela deve aplicar. Em outras palavras, percebe-se que os incentivos que advém da atividade jurisdicional são negativos para o ambiente econômico.
1.2 A importância dos Contratos
Segundo a dogmática jurídica clássica, contrato é um acordo de vontades para produzir efeitos jurídicos os mais diversos, a fim de adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direitos15. Porém, como o sistema econômico é um conjunto de relações entre pessoas, físicas e jurídicas, e seu desempenho depende muito do modo como se transcorrem essas relações, os contratos se apresentam como o arranjo institucional concebido pelo homem para concretizar essas relações.
13 XXXXXXXX; XXXXX, op. cit., p. 62, grifo nosso.
14 ZYLBERSZTAJN; XXXXXX, op. cit., p. 8.
15 XXXXX, Xxxxx. Curso de direito civil: Vol. 3. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 12.
Evidencia-se mais uma vez o papel que Xxxxxx Xxxxx teve para isso. No artigo “The nature of the firm” identificava Coase a firma16 como um conjunto de contratos, e uma vez compreendido isto se pensava nas firmas como a representação de arranjos institucionais concebidos de forma a governar as transações que concretizavam as promessas definidas pelos agentes. Tal fato influenciou os economistas que passaram a ver as transações como reguladas não exclusivamente pelo sistema de preços, mas também pelos mecanismos lastreados nos contratos17.
Tal raciocínio salienta que os contratos são muito mais que acordos de vontade modificativos ou extintivos de direitos. São eles formas de se incentivar os agentes de maneira positiva, visando uma maior eficiência alocativa dos recursos no ambiente econômico. Deveras entendermos que a partir do momento que nosso modo de produção atual, no entendimento da maioria dos economistas, se baseia nas firmas, o modo como se operacionaliza as relações de produção, o contrato, estabelece o padrão de comportamento dos agentes, atenuando, na medida em que lhe é permitido pelos próprios agentes e pelas outras instituições, os custos de transação. Vê-se que o contrato oferece garantias que os direitos poderão ser plenamente exercidos, reduzindo riscos futuros, gerando cooperação entre os contratantes.
Xxxxxxx Xxxxxxxx Druck destaca que a função social do contrato em uma economia de mercado seria a de “dar a segurança necessária à atividade empresarial e dar uma roupagem jurídica a uma operação econômica18”. Ainda, aduz Timm sobre as vantagens ao mercado, ou seja, ao ambiente econômico, ao se perceber contratos de acordo com Direito e Economia:
[...] o que o contrato pode oferecer ao mercado, nessa linha de pensamento?
Não podemos, contudo, sob a pena de omissão, deixar de salientar que os contratos, em alguns casos, não poderão corresponder às expectativas dos agentes,
16 Firma aqui apresentada como sinônimo de empresa.
17 XXXXX, Xxxxxx X. The nature of the firm. 1937. p. 3.
18 DRUCK, Xxxxxxx Xxxxxxxx. O novo direito obrigacional e os contratos in TIMM, Xxxxxxx Xxxxxxx (Org). Direito de empresa e contratos: Estudos dos impactos do Novo Código Civil. São Paulo: IOB Thomson, 2005. p. 65.
19 XXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx in A função social dos contratos em um sistema econômico de mercado.
2005.
devido a questões além do universo jurídico e econômico. Porém, apesar dos problemas que a realidade nos traz, a eficiência sempre será um dos principais objetivos a ser atingido20, influindo o contrato na acepção de risco, e sendo almejo dos agentes, por meio de seu uso, a diminuição dos custos nas transações econômicas, principalmente das diferidas no tempo.
CONTRATO DE SEGURO
1.3 Socialização do Risco e sua Distribuição por Meio do Mutualismo
Não se pode negar que viver significa estar exposto a riscos, à aleatoriedade. Ainda mais esta característica resta evidente no mundo dos negócios, no qual a insegurança se apresenta como um dos efeitos colaterais da industrialização e a necessidade de segurança é maior com relação ao patrimônio, ao que o sociólogo Xxxxxx Xxxx denomina de Sociedade do Risco, pois, segundo seu entendimento, vivemos num mundo fora de controle21.
Entende Beck que o conceito de risco é moderno e não existia em épocas mais remotas, estando ligado às decisões humanas, à modernização progressiva. E mais:
20 PINHEIRO; SADDI, op. cit., p. 121.
21 XXXX, Xxxxxx. Liberdade ou capitalismo? Xxxxxx Xxxx conversa com Xxxxxxxx Xxxxxx. São Paulo: UNESP, 2003. p. 113 – 117.
22 Idem, p. 115.
00 XXXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXXXXXX, Xxxxxx xx Xxxxxxx X.; XXXXXXXX, Xxxxxx. O contrato de seguro: de acordo com o novo código civil brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 37.
Há de se ter, conseqüentemente, um instrumento que garanta as pessoas e seu patrimônio frente aos riscos inerentes à vivência em sociedade – riscos estes que não podem ser totalmente afastados, por mais previdentes que as pessoas possam ser e viver
– reduzindo principalmente o “ônus imposto pelo risco à atividade econômica24”. E este é o papel do contrato de seguro, prevenção do risco de perda patrimonial (princípio indenitário). Xxxx inclusive afirma que o seguro privado é o “símbolo-chave da prevenção do risco25”. 26
Quando a sociedade entendeu a perda como risco, compreendeu este problema como coletivamente solúvel27. E foi através do mutualismo que se operacionalizou essa solução, mediante, principalmente, a justificativa econômica que “parte do pressuposto que é mais válido suportar coletivamente as conseqüências individuais danosas dos riscos comuns do que suportá-las isolada e individualmente28”.
Xxxxxxx Druck sobre o mutualismo assim assevera:
É fundamental deixar claro que as contratações securitárias só têm razão de ser quando o risco é atenuado por intermédio da mutualidade. Senão, inclusive, estaríamos diante de uma situação de jogo ou aposta, na qual em ocorrendo um sinistro, sairia ganhando o segurado, e na ausência do sinistro, ganharia a seguradora.
Xxxxxx sobre o mutualismo ainda assevera:
É indispensável destacar que mutualismo – além de implicar, no plano subjetivo, na idéia de solidariedade – induz, de pronto, sob o prisma objetivo, a concepção de um agrupamento sujeito aos mesmos riscos ou perigos, com as mesmas probabilidades de dano, razão da associação e formação de um
24 XXXXXXXX; SADDI, op. cit., p. 125.
26 Consoante Xxxxxxx Xxxxx (2005) ressalta-se que nem todos os riscos existentes são objetos das operações securitárias, mas sim aqueles que além de mensuráveis, são possíveis, definidos (para esclarecer e limitar o objeto de cobertura), incertos (do contrário estaríamos diante de fraude), futuros (não se segura risco já ocorrido), e que sejam viáveis economicamente. Sobre a viabilidade econômica do risco da operação de seguro levanta três exigências: a) que o risco seja “normal”, isto é, que não apresente alta sinistralidade, ou seja, fora do padrão esperado; b) que quanto ao conjunto da operação exista homogeneidade dos riscos agrupados; e c) que o bem tenha valor significativo, caso contrário o preço para segurá-lo não cobrirá o custo da operação. p. 36.
27 BECK, op. cit., p. 114.
28 DRUCK, Xxxxxxx Xxxxxxxx. O contrato de seguro e a fraude do segurado. Dissertação de Mestrado. Porto Alegre: Faculdade de Direito da UFRGS, 2003. x. 00.
00 Xxxxxx, x. 00.
colegiado aparelhado para o enfrentamento de eventuais prejuízos que possam sofrer30.
Salienta-se, nessa orientação, que, embora a operação securitária seja um negócio jurídico individual entre segurado e segurador, esta “não poderá ser assim tratada em função da cadeia da qual o mesmo faz parte e em decorrência dos efeitos econômicos decorrentes daquele pacto31”. Nas palavras de Xxxxx Xxxxx: “Há entre os segurados uma solidariedade implícita, não consciente32”.
Outro ponto essencial no seguro é a garantia, através de uma associação de pessoas com riscos semelhantes (administrada por uma companhia seguradora), de que na ocorrência de danos, se recomporá a situação econômica de antes do evento. Não se evita que o dano ocorra, isto é impossível, mas se garante a preservação do status quo patrimonial ou do ser humano (acidentes, vida)33.
Cabe, por conseguinte, à seguradora organizar o negócio, reunindo pessoas com riscos homogêneos e angariando provisões, ou seja, formando um fundo mutual, para que estas pessoas tenham seus riscos garantidos. A forma como se dá essa organização parte de uma análise estatística. Xxxxxxx Druck aborda com muita propriedade esta questão:
A operação econômica “pura” do seguro consiste, para a Seguradora, em agrupar pessoas/coisas/interesses sujeitos a riscos equivalentes entre si e homogêneos, dispostas a acautelarem-se mutuamente contras as conseqüências deste, e avaliar o perfil deste risco, ou seja, na análise dos grandes números, como se comporta tal risco. Significa questionar quais as probabilidades de ele ocorrer, qual o percentual de pessoas/coisas/interesses ele atinge, com que freqüência e intensidade ele aparece no curso normal da vida, entre outras questões, a fim de estabelecer uma probabilidade estatística de sinistros para o grupo. [...] Estabelecida, enfim, a chance (percentual “x”) de tal risco vir efetivamente a se concretizar, começa-se a calcular qual o valor necessário para fazer frente ao prejuízo médio que ocorrerá ao “x%” daquele grupo. [...] Tal probabilidade levará em conta a intensidade média dos sinistros. Esta avaliação é feita pela análise atuarial. Fixado então um valor médio para cobrir o prejuízo total, esse valor é dividido entre os participantes do grupo de risco. Então, na verdade, cada integrante do grupo de risco (100%) paga parte do prejuízo de um percentual menor de coisas ou pessoas vitimadas (para um exemplo didático, suposto em 60%)34.
00 XXXXXX, Xxxxxx. Os contratos de seguro e sua função social: Revisão Securitária no Novo Código Civil. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxx.xxx.xx>. Acesso em: 10 abr. 2007. p. 8.
31 XXXX, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx da. Validade ou invalidade da cláusula de exclusão de cobertura? Um exame dos contratos privados de assistência à saúde. Dissertação de especialização. Porto Alegre: Faculdade de Direito da UFRGS, 2005. p. 114.
33 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. 3ª ed. São Paulo: XX, 0000, vol. XLV. p. 275.
34 DRUCK, op. cit., p. 23, grifo no original.
O fundamental, enfim, nas palavras de Xxxxxxxx e Xxxxx, “é que o contrato pode ajudar os agentes econômicos a reduzir o ônus imposto pelo risco à atividade econômica, e, dessa forma, contribuir para que se chegue a uma situação mais eficiente35”, ao que acrescentamos estável e segura.
1.4 Características
Com o advento do Novo Código Civil Brasileiro em 2002, houve uma alteração no que é considerado objeto do contrato de seguro. No Código de 1916 vigia a idéia de que era objeto do contrato o pagamento da indenização ao segurado em caso de sinistro. Já dispõe o Código Civil de 2002, em seu art. 757, que este objeto seria o “garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados”.
Tal concepção trouxe significativa mudança na antiga idéia de que o seguro era, usualmente, um contrato aleatório, devido a incerteza (álea) gerada, consoante referem Tzirulnik, Cavalcanti e Xxxxxxxx ao citarem Xxxxx Xxxxxxx:
Não se pode falar, com efeito, da álea na perspectiva do segurador, pois, para este último, a ocorrência do sinistro, e a conseqüente obrigação de pagamento da indenização, constitui evento amplamente previsto e precisamente calculado com instrumentos atuariais. O que não se pode prever é ‘qual’ entre os riscos assegurados se realizará em sinistro a ser indenizado; mas a circunstância é absolutamente indiferente para o segurador. Não se pode falar em álea para o segurado, pois o eventual pagamento da indenização não significa uma vantagem, mas a simples reparação econômica de um dano inesperado36.
Este entendimento salienta que a prestação do segurado, o prêmio, apesar de ser desproporcional ao valor da possível indenização, corresponde, num entendimento moderno, à garantia da prestação da indenização, em caso de sinistro, pelo segurador. Xxxxxx, citando Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxx, afirma:
Essa segurança é mais importante para o segurado do que a própria indenização que eventualmente terá direito. Quem faz um seguro de vida, por exemplo, não fica torcendo para morrer logo só para que seus dependentes recebam a indenização. Ele quer viver o máximo possível (a menos que não esteja em são juízo), mas quer também a certeza de que se faltar os seus dependentes não ficarão no desamparo. [...] O mesmo ocorre com quem faz seguro de automóvel não fica torcendo para que seu veículo seja roubado só para ter a satisfação de receber um cheque da seguradora. Em todos esses
35 XXXXXXXX; XXXXX, op. cit., p. 125.
36 XXXXXXXXX; CAVALCANTI; XXXXXXXX, op. cit., p. 30.
Logo constatamos que, do ponto de vista da operação global do contrato de seguro, considerando que ele visa dar, conforme a lei e a doutrina afirmam, garantia38 contra riscos futuros predeterminados, este pode ser considerado como um contrato comutativo. Visto que no momento de sua celebração, as partes têm, com grande precisão, as conseqüências e o comprometimento que estão assumindo pelo contrato. A comutação ocorre entre prêmio (prestação) e garantia (contraprestação)39.
Já, do ponto de vista da indenização, podemos considerar o contrato de seguro como aleatório, porquanto, de início, é desconhecido das partes se o risco vai ou não se materializar em sinistro. Tal fato somente é apurado no caso individual concreto. Continua Borges:
Importante ressaltar, então, que há um equilíbrio muito preciso no que faz o segurado e no que deve fazer o segurador, sendo essas obrigações correspondentes e reciprocamente dependentes, evidenciando a interdependência e simultaneidade das obrigações, ou seja, o contrato é sinalagmático.
1.5 Regulamentação Estatal
O contrato de seguro estabelece uma prestação de serviço, e assim representa, muitas vezes, uma relação de consumo entre o segurado e o segurador41. Não bastasse a própria natureza do negócio, o art. 3º, §2º do CDC define: “Serviço é qualquer atividade
37 FILHO, Xxxxxx Xxxxxxxxx, 1998, p. 87 apud XXXXXX, 2004, p. 8.
38 Asseveram TZIRULNIK; CAVALCANTI; XXXXXXXX (2003, p. 32) que o interesse é o objeto da garantia, conforme art. 757, interesse este relativo à pessoa ou coisa.
39 TZIRULNIK; CAVALCANTI; XXXXXXXX, op. cit., p. 30.
41 Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx (2005, p. 202) alerta que, para o contrato de seguro ser considerado como de consumo, deve-se ter num pólo o fornecedor e noutro o consumidor, entendido este como o destinatário final do serviço prestado. Ou seja, se o contratante utilizar o serviço como insumo na produção de bem ou serviço, não haverá relação de consumo e não poderá ser aplicado o CDC ao contrato, mas sim as regras da legislação civil comum, restando este sobre a égide do direito comercial. Ver ainda nossa obra, TIMM, Xxxxxxx. “Da prestação de serviços”. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza [...]
securitária42”.
Porém Druck, consoante o que afirma Xxxxxxxxx, alerta os cuidados que se deve ter com relação à interpretação das cláusulas contratuais do contrato de seguro, asseverando:
As regras de interpretação das quais dependa a determinação da prestação a cargo do segurador, a seu turno, serão guiadas pelo princípio ‘in dúbio pro segurado’, segundo o qual as dúvidas devem solver-se em favor do segurado, princípio antiqüíssimo do direito obrigacional securitário, recentemente confirmado no direito positivo (CDC art. 47) e que deve ser articulado com a natureza e princípios próprios da modalidade obrigacional examinada, sob pena de sucumbimento dos fundamentos técnicos do seguro e a sotoposição dos interesses transindividuais a mero proselitismo consumerista44.
Xxxxxxxxxx Xxxxxxxxx pondera os interesses que deram origem a essa regulamentação:
O seguro privado desenvolveu-se como técnica de pulverização e fragmentação dos riscos econômicos que podem atingir determinados grupos, que em função deste fato, agregam-se a um esquema de mutualidade, obedecendo a regras atuariais. Tal atividade [...] passou a ser objeto de preocupações dos Poderes Públicos. A conseqüência desta preocupação é uma intervenção legislativa marcante45.
De fato o contrato de seguro não tem seu conteúdo livremente criado pelas partes. Obedece, necessariamente, às normatizações impostas pela SUSEP, sendo objeto de prévia estipulação de suas condições gerais, de diretrizes a serem obrigatoriamente
42 Apesar da proteção específica ao consumidor ter apenas surgido com o Código de Defesa do Consumidor em 1990, ao instituir a SUSEP e o Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), o Dec. Lei 73/66 já estabelecia em seu art. 2º que ‘o controle do Estado se exercerá pelos órgãos instituídos neste decreto lei, no interesse dos segurados e beneficiários dos contratos de seguros’.
44 Ibidem, p. 64, grifo nosso.
45 XXXXXXXXX, Xxxxxxxxxx. Estado moderno, sistema econômico e seguro: Aproximação da regulação pública sobre os seguros privados. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxx.xxx.xx>. Acesso em: 10 abr. 2007. p. 13 e 14, grifo nosso.
seguidas, e de referenciais que condicionam as normas contratuais integrais, prêmios e tarifas das apólices.
Destaca Druck que alguns autores, entre eles Xxxxxxx Xxxxx, diante de tamanho dirigismo estatal, classificam os contratos de seguro como sendo de adesão bilateral, ao passo que as partes não têm liberdade de se afastarem do regulamento que condiciona a vontade negocial46. O fato de o contrato ser por adesão não remonta a nenhuma abusividade, apenas que este sofre grande regulamentação e necessita de homogeneidade diante do mutualismo e do grupo econômico que se forma para, solidariamente, suportar os prejuízos decorrentes dos riscos heterogêneos que estão sujeitos. Deixando, assim, às partes, pouco espaço de “manobra”. Octaviani estrutura essa regulamentação em quatro dimensões especiais:
AS CONSEQÜÊNCIAS E O IMPACTO DAS DECISÕES JUDICIAIS
O debate tratado nesta pesquisa (ainda não concluída) centra-se, na sua ampla maioria, na comparação entre o judiciário brasileiro e o norte-americano no que tange à validade ou não das cláusulas de exclusão de cobertura e no caráter supostamente abusivo das mesmas (com ênfase em inundações por conta do caso Xxxxxxx em Mississippi nos Estados Unidos, que foi tomado como modelo).49
O primeiro questionamento que se faz diz respeito à discussão em si das cláusulas restritivas de cobertura. Os contratos de seguro no Brasil sofrem grande
47 OCTAVIANI, op. cit., p. 14.
48 DRUCK, op. cit., p. 51.
49 Para uma referência detalhada dos casos pesquisados ver artigo citado na nota de rodapé n. 01.
intervenção e regulamentação estatal, principalmente pela SUSEP50. As cláusulas gerais de adesão são previamente estipuladas e aprovadas, sendo que as seguradoras somente podem “lançar” um seguro no mercado mediante autorização anterior. Pois bem, sendo assim, por que haveria de ser que, após o aval do órgão fiscalizador (uma agência reguladora propriamente dita), confrontar-nos-íamos com uma situação de abusividade? A cláusula foi previamente aprovada, e assim parte-se da suposição que ela é legal e não abusiva, há presunção de boa-fé, não o contrário. Tal realidade é semelhante à norte- americana, a qual também perfaz, por meio de departamentos governamentais, um controle geral e abstrato das cláusulas contratuais da operação de seguro.
A diferença reside nas divergências das premissas usadas nos embasamentos jurídicos e teóricos do judiciário norte-americano e brasileiro. Além de no direito contratual norte-americano a liberdade contratual (pacta sunt servanda) ainda exercer papel largamente predominante, Xxxxxx Xxxxx já destacava, em 1960 no seu artigo The Problem of Social Cost, que os juízes americanos, diferentemente dos ingleses, ainda que muitas vezes implicitamente ou inconscientemente, reconheciam constantemente as implicações econômicas de suas decisões, levando-as em conta, juntamente com outros fatores, para chegar às suas decisões51.
Já o judiciário brasileiro, abarrotado de casos e defronte uma legislação com ampla margem interpretativa derivada do modelo solidarista, acaba se limitando ao caso individual e sem pensar nos efeitos de segunda ordem de seus julgados. Muitas vezes, com o anseio de alcançar a desejada celeridade do processo, os juízes obrigam-se a um exame superficial das circunstâncias individuais da ação, não apreciando detidamente todas as razões e fatos da causa. Há um forte comprometimento com metas – para se alcançar um grande número de processos julgados – não com procedimentos. E assim, num exame com pouca profundidade técnica e frente à necessidade, pessoal e legislativa, de aplicar justiça social àquele caso concreto, não são ponderados os efeitos mediatos e imediatos que a decisão trará para coletividade. O juízo, ao invés de técnico, é pessoal, olhando para trás, não para frente.
É claro que em diversos casos deparamo-nos com uma situação de abusividade em determinadas cláusulas, principalmente nas restritivas de direito, assim como na negativa das seguradoras em pagar determinadas indenizações. O sistema não está livre disso, pois está vinculado à racionalidade limitada dos agentes e seu oportunismo. Mas,
50 Lembre-se do que alguns autores falam do contrato de seguro ser por adesão bilateral.
51 COASE, The problem of social cost, 1960. p. 10.
da mesma forma que os segurados são estimulados a acionar o judiciário para obter indenizações que não tinham direito, as seguradoras, pela conivência e morosidade institucional, também o são52. Porém, a correção desse problema deve se dar por meio de um melhor controle dos contratos através de um aperfeiçoamento nos órgãos responsáveis pela regulação da atividade securitária, aos quais incumbe preventivamente aprovar os contratos e eventualmente mediante danos punitivos como no direito norte-americano em casos de má fé da seguradora.
Existem duas razões técnicas na operação securitária que levam as seguradoras a excluírem a garantia indenizatória. Até porque, não se pode pensar que a exclusão de cobertura de determinadas ocorrências nos contratos são imotivadas; muito antes pelo contrário, são fundadas na técnica probabilística atuarial, visando à manutenção e, principalmente, estabilidade do negócio. É a chamada dispersão dos riscos e a alta sinistralidade de determinado evento que, basicamente, restringem sua cobertura.
Xxxxx Xxxxx destaca:
A probabilidade estatística funciona com a desejada regularidade, quando houver dispersão dos riscos, de modo que o mesmo evento não afete todos os casos possíveis. De acordo com os padrões modernos de construção, jamais o mesmo incêndio alcançaria todos os prédios segurados de uma cidade, porque estão dispersos. Os riscos são isolados, segundo a linguagem do seguro [...] É o princípio da dispersão que induz o segurador a excluir do contrato determinados riscos, embora sejam da mesma natureza. Outros [que apresentam alta taxa de sinistralidade, ou seja, grande probabilidade se materializarem em sinistro] são aceitos sob condições mais onerosas [...] A seguradora tem de prevenir-se contra essa concentração de riscos anormais. Poderá provocar desvios perigosos para sua estabilidade53.
Deveria ser fácil, ou ao menos é desejável, pelo modo como se perfaz o contrato de seguro, visualizar que este não pode ser considerado na sua individualidade, restringindo-se apenas as partes litigantes.
Porém, o consumidor, no seu ponto de vista individual, está limitado ao seu caso, não lhe importando o fundamento técnico-jurídico que permitirá que seu risco seja garantido. A “estrutura econômica que viabiliza o seguro, porém, demonstra que este
52 O economista Xxxxxxx Xxxxxx, durante o XX Fórum da Liberdade, realizado entre os dias 16 e 17 de abril de 2007 na PUC/RS, asseverou que uma das funções do Estado, junto com a necessidade de promover desenvolvimento econômico e garantir e expandir os direitos e liberdades individuais, é de proteger os mais fracos. Entretanto alertou que isso não pode ser usado como política de estado equivocada, como no caso do judiciário brasileiro que, ao invés de respeitar as leis, toma decisões em desacordo com o objetivo delas, favorecendo a parte mais fraca naquele caso específico e, na maioria das vezes, banindo a capacidade de crescimento futuro, gerando menos empregos, investimentos e a crescente necessidade de um estado paternalista.
53 XXXXX, Xxxxx. O contrato de seguro. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 61, grifo nosso.
contrato impõe uma operação mutualista, portanto, global54”. É obrigação do juiz elucidar isso no exame do caso. Não se nega, é claro, que os magistrados, atualmente, encontram-se vinculados à função social do contrato. No entanto, não se pode confundir a função social do contrato com a justiça social a ser implementada pelo Estado através de políticas públicas.
Nessa orientação Pinheiro assevera:
A função social do contrato não significa simplesmente a anulação dos pactos, assim como não significa a literalidade na interpretação das cláusulas. Há de se ter coerência. Em outra ocasião já indagamos:
Concebido o contrato em sua totalidade ou sistematicidade complexa, é inerente admitir que isso possa acontecer. É, portanto, perfeitamente admissível que em um contrato de plano de saúde, conflitem a racionalidade econômica da empresa seguradora, no sentido de que o consumidor somente receba tratamento de saúde na exata proporção de sua contribuição; a racionalidade política de uma certa “justiça social” de que pessoas de menor condição econômica não morram a espera de um remédio ou tratamento, a despeito de eventual não-contribuição ao sistema securitário privado. O problema mais complexo a saber é qual destas racionalidades deve prevalecer na seara do contrato; ou seja, qual delas atende mais amplamente à função social do instituto?56
Não parece desejável, portanto, ficarmos, a cada litígio apreciado pelo judiciário, vinculados apenas à íntima convicção e bom senso do julgador. Abre-se ampla margem para o subjetivismo na análise do caso, e acabamos à mercê de um sentimento humanitário que leva a um posicionamento parcial por parte dos magistrados, os quais, comumente, não possuem formação multidisciplinar, desconhecendo fatores de cunho econômico, político e social. Deve-se ter cuidado no processo legislativo para que as leis não sejam maleáveis ao ponto de serem adaptadas conforme preferir o intérprete.
55 PINHEIRO in Direito e economia, p. 79.
56 TIMM in Direito e economia, p. 110.
Os reflexos econômicos da interferência judicial nos seguros são constatados em dois momentos: imediatamente após a sentença e mediatamente, ou seja, a curto e a longo prazo.
Quando a seguradora é condenada a pagar indenização não prevista deve ela despender quantia não provisionada. Cria-se um desequilíbrio na malha de contratos, pois o padrão é quebrado. Assim acaba a seguradora obrigada a aumentar o preço dos serviços por ela prestados e o valor dos prêmios pagos, também procedendo com a realocação de seus recursos no plano interno da firma57. O impacto imediato é verificado, portanto, no sistema de preços. A seguradora não arcará com os prejuízos oriundos das decisões judiciais, mas repassará estes custos “extras” a seus clientes, ou seja, aos outros segurados58. “As indenizações impostas judicialmente, quando possível, passam a integrar o processo produtivo e são transferidas para a sociedade o que é uma externalidade resultante de decisão judicial59”.
Tal foi ilustrado em reportagem vinculada no The Wall Street Journal de 17 de agosto de 2006. Ao noticiar sobre os aspectos legais do Furacão Katrina, o periódico afirmou que, se as seguradoras tivessem perdido a ação (criando precedente) e fossem obrigadas a pagar as indenizações não contratadas, as taxas cobradas dos segurados (insurance rates) seriam elevadas para cobrir os bilhões de dólares inesperados60.
Foge do escopo do contrato a garantia de todo e qualquer risco, não sendo essa a verdadeira eficácia econômica da operação. Esta se encontra na racionalidade que, diante da percepção da necessidade da socialização do risco, seus prejuízos são diluídos pelo mutualismo61. O que o seguro faz é transferir as conseqüências econômicas do risco caso ele venha se materializar em sinistro para a coletividade62.
57 Tal realocação de recursos pode ser no sentido de diminuir os valores percebidos pelos agentes internos da firma (salários) ou na diminuição dos investimentos realizados, por exemplo.
58 Xxxxxx Xxxxxxxx, apontado como o economista da 2ª metade do século XX pela revista The Economist, defendia a idéia que a responsabilidade social dos negócios é a de aumentar seus lucros. Segundo ele a obrigação primeira de qualquer empresa é com seus acionistas, indivíduos que são donos da corporação, cujo interesse reside na rentabilidade dos recursos aplicados no capital da empresa. Destaca que os recursos aplicados no social envolvem um processo político e assim devem ser distribuídos pela imposição de impostos. (XXXXXXXX in The social responsability of business is to increase its profits. The New York Times Magazine, 1970).
59 SZTAJN. Externalidades e custos de transação in ÁVILA. Fundamentos do estado de direito. 2005. p. 322.
60 Cf. reportagem de Xxxx Xxxxxx do jornal The Wall Street Journal publicada em 17 de agosto de 2006, um dia após a sentença proferida em Leonard vs Nationwide Mutual Insurance Company. Disponível em: <xxxx://xxx.xxx.xxx>. Acesso em: 15 mai. 2007.
61 DRUCK, op. cit, p. 18.
62 XXXXXX, op. cit., p. 8.
O judiciário ao invalidar cláusulas contratuais de exclusão de cobertura em situações flagrantemente não abusivas gera insegurança, pois a seguradora já não saberá os limites das indenizações que deverá arcar. Neste instrumento contratual, o qual depende e encontra sua origem na previsibilidade dos acontecimentos, tal ingerência atenta contra seus objetivos, gerando desestímulo para que os agentes atuem, fazendo o mercado operar ineficientemente.
O maior problema é encontrado, pois, mediatamente, ou seja, a longo prazo, com o aumento nos custos de transação dos contratos de seguro63. Douglass North pondera que a eficiência econômica institucional é alcançada através de um processo histórico evolutivo, não sendo um dado pronto, mas sim dependente da trajetória64. O contrário, a ineficiência econômica institucional, também é originada de um processo evolutivo, processo este que hoje observamos através dessas decisões modificativas. Esta ineficiência está diretamente ligada e é a maior responsável pela elevação dos custos de transação.
As seguradoras vêem-se obrigadas a manter um amplo aparato burocrático para o controle das cinco atividades necessárias para realizar a transação do seguro, as quais estão diretamente associadas a seu custo.
A primeira é a busca das informações, cuja instabilidade diante das seguidas alterações do ambiente social e econômico gera necessidade de constante atualização. A segunda, a negociação, infere o fato da barganha que deve ser feita junto aos órgãos regulamentadores, SUSEP neste caso, para determinação dos preços dos serviços e dos valores dos prêmios e também a maior restrição para que as pessoas acessem os contratos, criando-se novos impedimentos. A terceira reside na formalização dos instrumentos contratuais que, devido sua crescente e necessária complexidade, requerem um corpo de técnicos especialistas para apurar e redigir sua forma correta. A quarta diz respeito ao monitoramento dos contratos para ver se eles estão sendo cumpridos corretamente pelos contratantes. A quinta e última etapa, por sinal a mais impactada, é a correta aplicação do contrato, o que não acontece, pelo contrário: cobra- se das seguradoras além do estipulado.
Em outras palavras, é muito elevado o custo para se manter o negócio de seguros diante da maneira como são tutelados os litígios que o dizem respeito. Pinheiro pondera:
63 Efeitos mediatos das decisões judiciais também conhecidos como efeitos de segunda geração das sentenças.
64 NORTH, Institutions..., 1990. p. 6.
É importante que os juízes entendam melhor a repercussão econômica das suas decisões. Em particular, que quando eles buscam a justiça social estão mandando sinais e afetando expectativas e comportamentos dos agentes econômicos em geral, no Brasil e no exterior. Assim, precisam entender que aquela justiça que eles buscam pode, num segundo momento, não se verificar, pois os agentes econômicos adaptam-se à forma de decidir do magistrado. Uma justiça que busca privilegiar o trabalhador acaba diminuindo o número de empregos e aumentando a informalidade. O juiz que favorece os inquilinos diminui o número de imóveis disponíveis para aluguel. O magistrado que beneficia pequenos credores estará em um segundo momento aumentando os juros que lhes são cobrados ou mesmo alijando-os do mercado de crédito. Ainda que a capacidade de reação dos agentes possa ser pequena no curto prazo, ela é razoavelmente alta em prazos mais longos65.
Isto é exatamente o que Coase advoga quando fala no “Problema do Custo Social”. Alerta ele que muitas vezes, com o objetivo de se remover deficiências – como o fazem os juízes ao decidir em favor do segurado realizando justiça social – se diverge a atenção daquelas outras mudanças que estão inevitavelmente associadas com as medidas “correcionais”. Mudanças estas que podem produzir mais danos que a deficiência original.
A elevação dos custos de transação e conseqüente ineficiência operacional do mercado securitário levarão, no fim, à inviabilidade do negócio. Operando muitas vezes no prejuízo e diante da possibilidade de colapso do sistema, com a perspectiva de quebra das seguradoras, será mais vantajoso para os detentores de capital que investem nas Companhias Seguradoras alocar seus recursos onde eles irão produzir maiores ganhos. Os agentes se sentirão desestimulados para que operem nesse nicho do mercado.
Com os custos de transação elevados acontece também um “desperdício” de recursos, os quais poderiam ser aplicados em lugares mais apropriados, gerando mais bem-estar, do que quando são despendidos para dar suporte à atividade transacional. “É obviamente desejável reduzir a necessidade destas transações e assim reduzir o emprego de recursos para realizá-las66”, liberando-os para alocação nos locais onde serão mais eficientes.
O que deve ser decidido, no caso concreto individualmente considerado e na escolha dos arranjos sociais e jurídicos, é se o ganho obtido ao se indenizar um sinistro não previsto no contrato é maior que a perda que acarretará a coletividade de segurados
65 PINHEIRO in Direito e economia, p. 76, grifo nosso.
66 COASE, The problem of social cost, 1960. p. 8.
como resultado dessa decisão. Como repetidamente asseverado, não é isto o que ocorre. Segundo a perspectiva de Direito e Economia, é maior o ganho obtido ao se preservar aquelas disposições não abusivas que originariamente estão previstas no contrato, diminuindo o custo das transações no mercado e beneficiando a coletividade, do que a perda observada por aquele consumidor vítima de um infortúnio a que todas as pessoas estão sujeitas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A idéia de que a modificação dos instrumentos contratuais securitários se faz pelo bem da sociedade como resultado de um tratamento mais benéfico ao indivíduo que ingressou com uma ação na justiça contra uma seguradora mais forte não deve ser presumida, sendo que a literatura indica justamente uma presunção contrária a essa. O contrato de seguro, como de regra os demais tipos de contratos, é sensível aos estímulos externos, principalmente daqueles advindos das instituições. A ineficiência do ambiente institucional Judiciário, influenciado pela ótica solidarista em maximizar a resolução das demandas da sociedade por meio do direito privado, pode acarretar mais prejuízos do que benefícios.
É necessário ponderar o impacto das decisões judiciais, tanto no ambiente social quanto no ambiente econômico. Há de se preservar a idéia da função social do contrato, mas esta sendo a função do contrato em determinado ambiente coletivo e não individual avaliando o impacto no bem estar da coletividade de uma determinada revisão do contrato.
Existe, portanto, a necessidade de se buscar um equilíbrio nas visões e decisões, quebrando-se alguns paradigmas, tais qual a invalidade de toda cláusula de exclusão de cobertura em contratos de seguro ou de que as empresas que atuam no setor só visam o lucro e por isso devem ser penalizadas sem um sinal evidente de má fé.
Parece-nos que a verdadeira justiça social seria encontrada nos anseios da coletividade, disposta a aproveitar os benefícios da socialização do risco por meio dos contratos de seguro ao menor custo (o que não exclui a regulação do contrato, bem entendido por alguma autoridade governamental). Anseios estes que não se confundem com a realização de redistribuição de recursos no plano individual. Deve-se criar uma estrutura de incentivos positivos, não negativos, para que o mercado opere. Assim, nas palavras de Xxxxx, ao planejarmos e escolhermos entre os arranjos sociais, ao
decidirmos como deve ser feito o ajuste legal, e ao ponderarmos sobre a delimitação dos direitos, devemos levar em consideração o efeito total.
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