Os Contratos dos Caminhos de Ouro SOFIA LORENA V. ANTEZANA
Os Contratos dos Caminhos de Ouro XXXXX XXXXXX X. ANTEZANA
A prática da arrematação dos contratos a terceiros está presente desde os primórdios do Estado Absolutista. Esses contratos são caracterizados por acordos temporários entre a Coroa portuguesa e particulares. Eles tinham prazo determinado para seu início e fim, bem como a fixação prévia de seus valores. Em sua maioria, os contratadores eram homens de negócio que diversificavam seus investimentos articulando diferentes classes mercantis da praça de Lisboa com negociantes das praças de Florença, de Gênova ou mesmo de Flandres.1 Por meio desse mecanismo, a Coroa não apenas repassava a terceiros o ônus da implantação do aparato colonial, mas também permitia aos comerciantes portugueses associarem seus capitais e lançarem - se nos lucrativos empreendimentos ultramarinos.2 Na América Portuguesa, o primeiro contrato arrematado, tendo à frente do consórcio o cristão novo Fernão de Noronha3, foi o da extração do pau brasil. Na região mineradora, os contratos dos diamantes, das Entradas e dos dízimos reais foram avidamente disputados, ocorrendo, em alguns casos, litígios, envolvendo os contratadores Xxxxxx xx Xxxx Xxxxx e Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxxx,4 ambos arrematadores dos Caminhos Velho, Novo e da Bahia. A atuação dos contratadores dos respectivos caminhos para o período compreendido entre 1718 a 1750 será analisada dentro dos quadros do Antigo Regime. A sociedade colonial e a formação de sua elite,
1 Sobre o assunto, ver: XXXXX, Xxxxxx. Comerciantes e contratadores do passado colonial. São Paulo, Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, USP, 1982.
2 Idem.
3 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Homens de Negócio: A Interiorização da Metrópole e do Comércio nas Minas Setencetistas. São Paulo: Hucitec, 1999.
4 AHU- MG - documentos avulsos.
entre eles os homens de negócio, fazem parte das alianças políticas cuidadosamente tecidas.
Os Caminhos para as Minas Setecentistas5
Durante o século XVIII, foram várias as tentativas dos governadores e autoridades de proibirem e restringirem as vias de acesso para as Minas Gerais, porém, a abertura de picadas e de trilhas clandestinas sempre coexistiu com os caminhos oficiais. São três os caminhos de acesso e de escoamento do ouro, diamantes, mercadorias, gado e escravos para a capitania de Minas Gerais: o Caminho Velho ou de São Paulo, o Caminho Novo do Rio de Janeiro e o da Bahia, também chamado Currais do Sertão. Portanto, são esses os Caminhos ou Entradas que passam a ser arrematados. Anterior a esta data, cabia às Câmaras Municipais e aos moradores, estabelecidos ao longo dos caminhos ou estradas, a manutenção, o plantio de roças e a criação de estalagens, pousos para os viandantes. Segundo Xxxxxx Xxxxxxxxx, as atividades agro-pastoris desenvolvidas pelos moradores dos caminhos exerceram dupla função, fonte de renda para os roceiros e sesmeiros, uma vez que estes comercializavam seus produtos ao mesmo tempo que fomentavam o mercado interno.6
Entre as maneiras encontradas pelas autoridades a fim de aumentar sua
arrecadação e exercer um maior controle sobre a circulação de mercadoria, temos a criação dos registros. O Bando do Governador, Xxx Xxxx xx Xxxxxxxx xx Xxxxxxxx, datado em julho de 1714, ordena o levantamento dos
5 CHAVES, Xxxxxxx Xxxxx das Graças. Perfeitos Negociantes: Mercadores das Minas Setecentistas. São Paulo: Annablume, 1999.
6 XXXXXXXXX, Xxxxxx X, e XXXX, Xxxxx X. Agricultura e escravidão em Minas Gerais. Revista do Departamento de História – FAFICH/UFMG, Belo Horizonte, nº 2, 1986.
registros, tanto no Caminho Novo como no Caminho Velho.7 Localizados nas principais vias de acesso da capitania mineira, os registro da Mantiqueira e o da Paraibuna são responsáveis pela fiscalização e tributação das mercadorias. Por tanto, são designados os fiéis dos registros; no caso do registro do Paraibuna, segundo a documentação consultada, estes são pagos pela Fazenda Real. Os ofícios de provedor dos registros e de escrivão são arrematados na Junta da Fazenda Real. No registro da Mantiqueira, o fiel do registro é pago pela intendência das Minas. Para o período estudado, o registro da Mantiqueira é o registro de maior rendimento, seguido pelo registro de Xxxxxx Xxxxxxx, situado no caminho da Bahia8.
Os Contratos das Entradas
Os contratos das Entradas incidiam sobre toda e qualquer circulação de mercadorias e de pessoas que passassem pelos registros, tanto os terrestres como os fluviais, com destino às Minas Gerais. Entre os anos de 1700 e 1713, a arrecadação dos quintos apresentou valores inexpressivos, levando a coroa portuguesa a sucessivas mudanças nos preços e nas formas de cobrança dos quintos.9
Os contratos das Entradas para as Minas Gerais tiveram origem no ano de 1714 pela junta que fizeram os povos de São Paulo e Minas Gerais por ordem do Governador D. Xxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxxx para completar as trinta arrobas de ouro dos reais quintos de Sua Majestade10. Estipulou–se que cada carga de secos, molhados e cabeças de gado vacum ao passarem
7 Ordens Reais, in: Revista do Arquivo Municipal de São Paulo.vol. VI, São Paulo, 1934, p. 87.
8 Documentos Diversos. Revista do Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte, ano 2, 1897, p. 500-514. 9 XXXXXXX, Xxxxxxxx. A tributação em Minas Gerais no Século 18, in: Estudos Econômicos, ano 13 (2),1983, p. 365-391.
10CC APM códice: 2001.
pelos registros pagariam uma oitava ½ de ouro pelos secos, ½ oitava tanto para os produtos molhados como o do gado. Estes tributos foram administrados pelas Câmaras Municipais até o ano de 1717. A partir desse ano, os contratos das Entradas passaram a ser administrados pela Fazenda Real. Em 23 de agosto de 1718, por ordem do Governador Conde de Assumar, foram postos em praça pública os direitos régios sobre a circulação das mercadorias.11
O primeiro contrato das Entradas foi arrematado em 1º de outubro de 1718 e findado no último dia do mês de setembro de 1721, pelo Brigadeiro Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx, natural do Bispado do Porto, Lisboa. Esse contrato envolveu os direitos de entradas de todas as mercadorias que passaram pelos Caminhos Novo do Rio de Janeiro e o Velho de São Paulo. Ao final do triênio, o contrato rendeu à Fazenda Real a somatória em dinheiro de 70:656$00012 (setenta contos, seiscentos e cinqüenta e seis mil réis) - valor bem menor, se comparado ao subseqüente contrato arrendado para o triênio de 1722 a 1725, estes renderam o valor de 276:672$000 (duzentos e setenta e seis contos, seiscentos e setenta e seis mil réis)13.
Os contratadores das Entradas tinham total liberdade na execução dos seus contratos: podiam abrir e fechar registros, nomear funcionários e caixas respectivos, ou, ainda, podiam repassá-los, por meio de consórcios. Como forma de privilegiar os contratadores e distingui-los socialmente, foram nomeados juízes privativos, para eventuais ações civis e criminais14, se assim se fizesse necessário. Em contrapartida, ao fim do triênio, eles
11 Idem.
12 Ibidem.
13 Fonte: Arquivo Histórico Ultramarino. Cód.: 218 – cx:3- doc: 7.
14 XXXXXX, Xxxx. Silva Contratos e Tributos nas Minas Setecentistas: O estudo de um caso – Xxxx xx Xxxxx Xxxxxx ( 1745 - 1765). Tese de Mestrado do Instituto de Ciências Humanas e Filosofia da Universidade Federal Fluminense, 2002.
seriam responsáveis pelo pagamento total do contrato, sob pena de terem seus bens seqüestrados, além de arcarem com todas as dispesas do contrato e o pagamento dos administradores e caixas dos contratos.
Entre os anos de 1718 e 1727, os contratos eram arrematados na Provedoria da Capitania de Minas Gerais, e as suas arrematações eram feitas separadamente. A partir dessa data, os contratos dos caminhos passam a ser arrematados em Lisboa.
Os Contratadores e Suas Relações Informais
Os trabalhos de Júnia Ferreira Furtado15 e os de João Luis Ribeiro Fragoso16 vêm demonstrando a atuação das complexas redes de negócio e das diversas rotas comercias que envolviam comerciantes e seus agentes nos dois lados do Atlântico. Para esses autores, as atividades mercantis foram mobilizadoras de amplas redes comerciais, que se estabeleceram entre a capitania de Minas com as demais regiões da América Portuguesa e, conseqüentemente, com o Império, criando laços de submissão entre os agentes envolvidos. Segundo Xxxxxxx,17 os homens de negócio que para as Minas dirigiram-se trouxeram consigo sua visão de mundo, concomitantemente seus códigos culturais; logo, as relações forjadas por esses negociantes não foram relações desinteressadas, mas relações pautadas nos preceitos da amizade, caridade, honestidade, gratidão e serviço, valores presentes na Economia do Dom18. Esses valores não apenas permitiram a subordinação dos agentes envolvidos, mas também
15 Op cit.
16 XXXXXXX, Xxxx Xxxx. Homens de Grossa Aventura: Acumulação e Hierarquia na Praça Mercantil do Rio de Janeiro (1790-1830). Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1998.
17 Furtado, op.cit, especialmente o capítulo 1. Fidalgos e Lacaios.
18 Sobre o assunto, ver: HESPANHA, A. M. e XXXXXX, A.B. A Representação da Sociedade e do Poder e As Redes Clientelares, in MATTOSO, Xxxx (dir.). História de Portugal. O Antigo Regime (1620-1807), vol. 4, Lisboa, Editorial Estampa, 1993.
foram mecanismos de reprodução do poder nas Minas. Portanto, o quadro apresentado permitiu aos homens de negócio a compra de cargos públicos para seus representantes comerciais, permitindo a estes últimos uma participação nas decisões administrativas e, conseqüentemente, a defesa e a representação dos interesses comerciais. Por meio dos valores vultuosos desses contratos, arrematados entre 1718 e 175019, podemos afirmar que os envolvidos eram homens de negócio de grandes cabedais. Para adentrar no lucrativo universo desses contratos, exigia-se destes homens participação e inclusão nas redes clientelares. Tal foi o caso de Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx, contratador dos Caminhos da Bahia e do Caminho Novo do Rio de Janeiro para as Minas nos anos de 1722 a 172520. Segundo a documentação dos anais da Biblioteca Nacional21, este foi nomeado superintendente das Casas de Fundição de Vila Rica. Uma vez empossado no cargo e à frente das obras da Casa de Fundição e Moeda, o antigo contratador encaminhou, em 2 de janeiro de 1725, certidão para se comprarem na loja do também contratador Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxxx sessenta e dois arráteis de ferro meio largo e mais dois mil pregos, entre outras coisas. No caso de Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx, talvez os lucros obtidos com os contratos converteram-se em capital simbólico. Porém, a ordem de comprar matérias de construção na loja de Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxxx era um indicador dos laços de amizade que uniam negociantes, ou simplesmente indicava a ausência de lojas, em Vila Rica, que comercializassem esse tipo de mercadoria.
19 Documentos pertencentes ao AHU. Foram consultados vários documentos que serão especificados.
20 AHU – cód.: 218 - cx: 3; doc: 7.
21 Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, ano 1943, vol 65, p. 265.
O caso do contratador dos Caminhos Novo e Velho para as Minas, iniciado em 1747 por Manoel Rodrigues da Costa22, é o mais representativo das cadeias informais de poder nas quais estavam inseridos os contratadores/negociantes. Natural de Braga, faleceu aos oitenta anos na Freguesia de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto. Teve quatro filhos legítimos com Xxxxx Xxxxxx xx Xxxxx. Para padrinhos de batismo de uma de suas filhas, escolheu o contratador e rico homem de negócio João de Souza Lisboa23 - este atuava como rentista em Vila Rica, era proprietário de casas de aluguel em Mariana e Vila Rica e envolvido também nas atividades minerais. Outro padrinho, escolhido por Xxxxxx Xxxxxxxxx, foi o negociante/contratador dos dízimos em Vila Rica, Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxxxx.24 Xxxxxxx aparece na relação dos homens de negócio mais ricos de Minas Gerais. As relações de compadrio estabelecidas entre estes contratadores acabavam por inserir os mesmos em uma ampla rede de solidariedade, amizade, proteção e troca de favores. Os laços de compadrio não apenas uniam os indivíduos de uma mesma condição social, mas também reforçava os laços de subserviência entre senhores e escravos, condutas que obedecem à lógica das relações clientelares.
O contratador Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx, responsável pela arrematação dos
três caminhos para as Minas Gerais nos anos de 1732 a 173525, apadrinhou quatro escravos, todos moradores da Freguesia de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto. O mesmo ocorreu com Xxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx, morador da Freguesia supra citada.
22 AHU – cód.: 4711- cx: 49; doc: 17.
23 ID de Batismo 43388, banco de dados das séries paroquiais da Freguesia de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto.
24 ID de Batismo 4518, idem.
25 AHU- códice 1696; cx: 21; doc: 93.
Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx, morador da Freguesia do Pilar, em Ouro Preto, contratador das Entradas para as Minas e dos dízimos reais nas comarcas dos Rios das Mortes, de Vila Rica e da Comarca de Sabará, em sociedade com Xxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxxxx, o velho, e Xxxxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx, formou o consórcio do primeiro contrato de extração dos diamantes, iniciado no triênio de 174126, três anos antes de iniciar o contrato dos caminhos27. A diversidade de seus negócios, as redes clientelares e os laços de solidariedade, amizade e confiança em que este estava inserido refletem-se na nomeação de seu testamenteiro, Xxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx, rico homem de negócio. Xxxx Xxxxxxxx passou a ser o responsável pela cobrança dos empréstimos e das dívidas deixadas por Xxxxx Xxxxx 28. A soma das arrematações dos contratos perfez o total de 1.296:624$885 ( Um mil duzentos e noventa e seis contos, seiscentos e vinte quatro mil, oitocentos e oitenta e cinco réis) - sem dúvida, um valor estrondoso para a época, algo que tornaria Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx um dos homens mais ricos do Império. Estamos diante de um grande homem de negócio, que, assim como Xxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx, souberam converter suas redes de sociabilidade em benefícios próprios. Portanto, a atuação desses homens de negócio, representantes dos interesses metropolitanos e de seus próprios interesses, por meio de suas práticas cotidianas, atuando como rentista, apadrinhando os filhos de seus pares ou mesmo os filhos de seus escravos, ocupando cargos administrativos e abrindo lojas, acabaram por reproduzir e interiorizar o poder metropolitano na sociedade mineira.
26 Ver: XXXXXX, Xxxx. Contratos e tributos. Op cit.
27 AUH- cód.: 3502; cx: 44; doc: 44.
28 Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Ano 1924,vol. 46.