Administrative Contract
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Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx
Contrato administrativo
Do Regime Clássico às Alterações Mais Recentes, em especial a Modificação Objetiva do Contrato
Dissertação no âmbito do 2.º Ciclo de Estudos em Direito, na Área de Ciências Jurídico-Políticas com Menção em Direito Administrativo orientada pelo Professor Doutor Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx e apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Outubro de 2021
Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx
Contrato Administrativo
Do Regime Clássico às Alterações Mais Recentes, em especial a Modificação Objetiva do Contrato
***
Administrative Contract
From the Classic Regime to the Most Recent Changes, in particular the Objetive Modification of the Contract
Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra no âmbito do 2º Ciclo de Estudos em Direito (conducente ao grau de Mestre), na Área de Especialização em Ciências Jurídico-Políticas com Menção em Direito Administrativo.
Orientador: Senhor Professor Doutor Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx.
Coimbra, 2021
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais e irmã que me acompanharam e ajudaram ao longo de todos estes anos. Pela paciência que tiveram comigo, pelo apoio que sempre me deram e pelos valores que me transmitiram. Os pilares da minha vida.
Ao meu namorado que me apoiou e ajudou. Por todas as palavras de força e ânimo, por estar sempre ao meu lado, por acreditar em mim e por toda a compreensão e respeito.
Ao Exmo. Senhor Professor Doutor Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx que aceitou ser orientador desta Dissertação de Mestrado. Agradeço a sua disponibilidade e orientações e também por sempre me transmitir segurança e confiança. Foi um privilégio tê-lo como orientador.
A todos os meus amigos e amigas que me apoiaram e me proporcionaram momentos inesquecíveis, que preservo na minha memória.
Ao Xxxxx Xxxxxxxxx, uma pessoa muito especial para mim que sempre me apoiou e me viu crescer e que infelizmente já partiu. Deixaste-nos de forma precoce e inesperada, mas sei que estás a olhar por mim. Onde quer que te encontres, espero que estejas orgulhoso.
A Coimbra e à prestigiada Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra!
À memória de Xxxxx Xxxxxxxxx
“It is a wicked thing to be neutral between right and wrong. Impartiality does not mean neutrality. Impartial justice consists not in being neutral between right and wrong, but in finding out the right and upholding it, wherever found, against the wrong.”
Xxxxxxxx Xxxxxxxxx
RESUMO
O contrato administrativo é uma forma de exercício do poder administrativo que, ao longo dos tempos, tem conquistado uma maior importância e, por isso, com a presente dissertação tencionamos, primeiramente, tornar mais evidente a diferença entre contrato público e contrato administrativo, desde o conceito primitivo deste último à previsão atual de fatores de administratividade. Veremos que o contrato administrativo é uma figura autónoma que assegura a prossecução do interesse público.
Analisaremos, em termos gerais, o regime clássico do contrato administrativo, no tangente aos poderes exorbitantes detidos pelo contraente público, que permitem garantir a realização do interesse público visado pelo contrato. Estes demonstram a desigualdade entre as partes. Neste leque de poderes, iremos aprofundar o poder de modificação. Este é o poder que mais frontalmente coloca em causa a estabilidade contratual.
Depois explicaremos o regime atual, relativamente aos poderes do contraente público e sua previsão legal (artigo 302.º do CCP). Neste âmbito, é sobretudo relevante o poder de modificação unilateral e todo o regime da modificação objetiva do contrato administrativo, quanto às fontes, fundamentos, limites e consequências da modificação (artigos 311.º-315.º do CCP).
No final pretendemos fazer uma clara contraposição entre o regime anterior e regime atual, quanto à modificação objetiva do contrato e propor soluções e alterações ao regime vigente, por forma a torná-lo mais claro e eficaz.
Palavras-chave: contrato administrativo; poderes do contraente público; modificação objetiva; ato administrativo; regime substantivo.
ABSTRACT
The administrative contract is a form of exercising administrative power that, over time, has gained greater importance. With this dissertation we intend, firstly, to differentiate public contracts from administrative contracts, starting with the initial understanding of the latter concept, and on to the current forecast of factors of administration. We will see that the administrative contract is an autonomous figure that ensures the pursuit of the public interest.
We will analyse the administrative contract´s classical regime, focusing on the exorbitant powers held by the public contracting party, which ensures the fulfilment of the public interest covered by the contract. These underline the inequality between the parties. In this array of powers, we will focus on the power of modification.
Thereafter, we will explain the current regime, namely the public contracting party’s power and its legal provision (article 302.º of the Portuguese Public Contracts Code). In this context, the power of unilateral modification and the entire regime of objective modification of the administrative contracts are especially relevant, particularly in as to the sources, foundations, limits, and consequences of modification (articles 311.º to 315.º of the Portuguese Public Contracts Code).
Finally, we intend to highlight contrast between the previous and current regime, regarding the power to modify the contracts, as well as to and propose solutions to the prevailing legislation, as to make it clearer and more effective.
Keywords: administrative contract; public contractor´s power; objective modification; administrative act; substantive regime.
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
AAFDL – Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa AEDREL - Associação de Estudos de Direito Regional e Local
CCP – Anexo ao Código dos Contratos Públicos CCiv. – Código Civil
CEDIPRE – Centro de Estudos de Direito Público e Regulação (Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra)
CEDOUA – Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente (Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra)
CEJUR – Centro de Estudos Jurídicos do Minho Cf. – Confrontar
CPA – Código do Procedimento Administrativo (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, com as alterações operadas pela Lei n.º 72/2020, de 16 de novembro).
CPTA – Código de Processo nos Tribunais Administrativos ETAF – Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais FDUC – Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra IGAT – Inspeção Geral da Administração do Território
nº – número
pp./ p. – páginas/ página
RJEOP – Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas (aprovado pelo Decreto- Lei n.º 59/99, de 2 de março) – revogado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro TCA-N – Tribunal Central Administrativo Norte
TCA-S – Tribunal Central Administrativo Sul STA – Supremo Tribunal Administrativo
ÍNDICE
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS 6
CAPÍTULO I – CONSIDERAÇÕES GERAIS RESPEITANTES AO CONCEITO DE CONTRATO ADMINISTRATIVO 13
2.1. Contrato Administrativo e Contrato Público 18
2.2. Critérios legais de administratividade: o artigo 280.º do CCP 20
CAPÍTULO II – REGIME CLÁSSICO: Considerações Gerais 26
1.1. Os Elementos Essenciais do Contrato Administrativo 27
1.2. Os Poderes Exorbitantes do Contraente Público 30
1.2.2. Poder de Fiscalização 31
1.2.4. Poder de Resolução Unilateral 33
1.2.5. Em especial, o Poder de Modificação 34
1.2.5.1. Pressupostos da Modificação 34
i. O Caso de Força Maior e o Caso Imprevisível 37
1.2.5.2. Limites à Modificação 38
ii. Equilíbrio Económico-financeiro do Contrato 43
iii.Direito à Resolução do Contrato? 47
CAPÍTULO III – REGIME ATUAL: As Alterações Mais Recentes, Em Especial, A Modificação Objetiva do Contrato Administrativo 48
1. A Influência do Direito Europeu 48
2. Regime do Contrato Administrativo no CCP: Breves Notas 51
2.1. Os Poderes do Contraente Público (Poderes de Conformação) 53
iii.Poder de Aplicação de Sanções Contratuais 60
iv. Poder de Resolução Unilateral do Contrato 62
v. Poder de Ordenar a Cessão da Posição Contratual 65
2.2. O Direito à Partilha Equitativa de Benefícios 69
2.3. A Natureza dos Poderes do Contraente Público 69
2.4. Princípio da Autonomia Contratual Pública 75
3. Em especial, a Modificação Objetiva 78
3.2. Fundamentos da Modificação 81
i. Modificação Prevista nas Cláusulas Contratuais 83
ii. Modificação por Alteração Anormal e Imprevisível das Circunstâncias 85
iii.Modificação por Razões de Interesse Público 87
3.3. Modificação Unilateral vs. Fait du Prince 89
3.4. Limites da Modificação 91
i. Artigo 313.º, nº1 do CCP – Limite Substantivo 92
ii. Artigo 313.º, nº2 do CCP – Limite Substancial e Limite Concorrencial 96
iii. Artigo 313.º, nº2, alínea a) do CCP – Limite Procedimental 98
iv. Artigo 313.º, nº2, alínea b) do CCP – Limite Económico 99
v. Artigo 313.º, nº2, alínea c) do CCP – Limite Quantitativo 99
vi. O revogado artigo 313.º, nº1, alínea d) do CCP – Limite Quantitativo 100
3.5. Não Aplicação dos Referidos Limites (artigo 313.º, nº3 e nº4 do CCP) 101
3.6. Síntese dos Limites da Modificação 104
3.7. O Confronto entre a Modificação Geral e a Modificação Especial 105
3.8. Celebração de um Novo Contrato: Quando? 106
3.9. Consequências da Modificação: A Reposição do Equilíbrio Financeiro do Contrato ou Compensação Financeira? 107
i. No Caso de Modificação com Fundamento nas Cláusulas Contratuais: .108
ii. Nos Casos de Modificação com Fundamento na Alteração Anormal e Imprevisível das Circunstâncias e com Fundamento em Razões de Interesse Público: 108
3.9.1. O revogado nº 3 do artigo 314.º do CCP 115
3.9.2. Como se Operacionaliza a Reposição do Equilíbrio Financeiro do Contrato? (artigo 282.º do CCP) 115
3.9.3. O Valor da Indemnização 120
3.10. Publicidade da Modificação 122
CONCLUSÃO 124
BIBLIOGRAFIA 128
JURISPRUDÊNCIA 134
Modo de Citação:
Ao longo da presente dissertação citamos as obras consultadas com exclusiva referência ao(s) autor(es), título, edição, local da edição, editora, ano de publicação e página(s) consultada(s). Nas obras citadas mais do que uma vez, após a primeira citação, abreviamos o título e omitimos o local da edição, editora e ano de publicação. Quando o título e o autor da obra são os mesmos e muda a edição e o ano, após a primeira citação, abreviamos o título, colocamos o ano da obra e omitimos o local da edição e editora.
Se a obra citada anteriormente for do mesmo autor e sendo a mesma obra, a citação é feita através de “Ibidem”. Já se for do mesmo autor, mas obra diferente, a citação é feita através de “Idem”.
Todas as demais indicações relevantes podem ser encontradas na lista bibliográfica organizada alfabeticamente no final desta dissertação.
INTRODUÇÃO
Na presente investigação iremos fazer uma contraposição entre o regime clássico e o regime atual do contrato administrativo, particularmente, no que diz respeito à modificação objetiva do contrato administrativo.
Primo, veremos, em termos muito sistemáticos, o conceito de contrato administrativo ao longo dos tempos e, por fim, o conceito atual, de modo a consolidarmos a noção de contrato administrativo. Examinaremos também quais os fatores de administratividade, que permitem identificar um contrato como administrativo (artigo 280.º do CCP).
Secundo, examinaremos o regime clássico, referindo quais eram os elementos essenciais e os poderes exorbitantes que assistiam ao contraente público, em especial, o poder de modificação unilateral. Este é, sem dúvida, o poder que mais frontalmente coloca em causa a estabilidade contratual.
Tertio, iremos compreender o regime substantivo do contrato administrativo no atual CCP (Parte III), designadamente, os poderes de conformação do contraente público, a natureza destes poderes e desenvolveremos especialmente o ponto respeitante à modificação objetiva do contrato (artigos 311.º a 315.º). Atentaremos ao facto de que este regime atual do contrato administrativo é maioritariamente influenciado pelo Direito da União Europeia. Efetivamente o contrato administrativo tem uma história relativamente curta e impressionante, uma vez que se inicia com a sua negação, depois há uma aceitação limitada, excecional e legalmente tipificada e atualmente é considerado uma figura de utilização geral no exercício da função administrativa. Embora existam limites ao uso do contrato
administrativo no âmbito do direito público – artigo 278.º do CCP.
Consequentemente, e observando a evolução do contrato administrativo, pode-se afirmar que este adquiriu uma importância crescente ao longo dos tempos. Sendo que, ao longo das últimas décadas tem havido um processo de afirmação e de generalização da aplicação do contrato, passando este a assumir um papel fulcral na moderna administração, que procura estratégicas mais flexíveis e a colaboração dos particulares para a concretização dos objetivos a prosseguir com vista à satisfação dos interesses públicos em questão.
O Ordenamento Jurídico Português, no quadro europeu, é um dos mais ligados ao contrato administrativo. Anteriormente, nos países europeus, a admissibilidade do contrato administrativo foi alvo de discussão, ou seja, havia autores que o admitiam e outros que não. Atualmente não se discute sobre a legitimidade e as vantagens da possibilidade do
Estado e demais entes públicos celebrarem contratos, uma vez que estes não deixam de garantir certos poderes de supremacia aos entes públicos, embora representem em parte uma limitação da sua soberania. De facto, os contratos são importantes fontes de obrigações, apesar de haver limitações ao princípio da autonomia da vontade.
De referir que antes do CPA de 1991, ou seja, antes da consagração expressa do contrato administrativo, havia controvérsia acerca da autonomia do mesmo. Com o CPA de 1991, os contratos administrativos são reconhecidos legalmente, ao lado dos atos administrativos e dos regulamentos, como uma forma de exercício do poder administrativo, não havendo quaisquer dúvidas sobre da sua autonomia (stricto e lato sensu). Por conseguinte, o contrato administrativo é convertido numa forma de exercício de poder administrativo, ao lado do ato e do regulamento – e, por isso, em determinados casos não se podem cumular.
De notar que o contrato administrativo tem uma nota muito peculiar em relação aos restantes contratos, porque tem como características a autoridade administrativa e a inerente obrigação de prossecução do interesse público, sendo este um princípio constitucional, consagrado no artigo 266.º da CRP. Por conseguinte, a Administração Pública pode impor, licitamente, alterações contratuais ou desvincular-se da relação contratual. A Administração não perde, portanto, o “jus imperii”. Mas, como veremos, o cocontratante não está “desprotegido” perante esta autoridade do contraente público.
No que toca à modificação do contrato administrativo tem de se ter em atenção que pode haver dois tipos de modificação: modificação objetiva e modificação subjetiva. Ora, a primeira tem que ver com o objeto e conteúdo (artigos 311.º a 315.º do CCP), já a segunda diz respeito às partes (artigos 316.º a 324.º do CCP). Na presente tese, iremos essencialmente referir-nos à modificação objetiva.
Um exemplo típico da modificação subjetiva é a cessão da posição contratual (artigos 316.º e seguintes do CCP). Muito embora a subcontratação e as alterações societárias estejam juntamente com a cessão (artigos 316.º-324.º do CCP), não são verdadeiramente modificações subjetivas do contrato administrativo.
Já a modificação objetiva pode ter como fontes aquelas previstas no artigo 311.º do CCP (acordo das partes, decisão judicial ou arbitral e ato administrativo do contraente público) e os fundamentos estipulados no artigo 312.º do CCP. Esquematizando desta forma parece que a modificação objetiva é algo simples e de fácil aplicação. Todavia, há muitos aspetos que “limitam” a modificação e acarretam consequências para o contraente público (artigo 313.º e 314.º do CCP, respetivamente). Sendo certo que tem de haver uma correta ponderação, caso a caso, para aplicar esta figura.
Não nos podemos esquecer que as modificações ainda têm de ser publicitadas no Portal dos Contratos Públicos (artigo 315.º do CCP), garantindo, desta forma, o cumprimento dos princípios da concorrência e da transparência.
O regime da modificação objetiva do contrato administrativo já faz, na presente tese, de acordo com a nova redação, operada pela Lei n.º 30/2021, de 21 de maio, que procedeu à última alteração ao CCP. Esta lei veio trazer importantes alterações em diversas partes do CCP, nomeadamente, no que diz respeito aos limites da modificação do contrato, aplicando-os a todos os contratos públicos, sejam estes administrativos ou não (artigo 280.º, nº3 do CCP). De facto, esta lei veio corrigir grande parte dos equívocos incorridos pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto.
Assim, veremos que o contrato administrativo é sem dúvida, nos dias de hoje, uma forma de atuação relevante. É, nas palavras de XXXXX XXXXXXXXX, “uma instituição do direito administrativo do nosso tempo”1. Sendo certo que, mesmo apesar das recentes alterações, detém uma autonomia substantiva, tornando-se num importante mecanismo para a prossecução do interesse público.
No final da presente tese, esperemos conseguir fazer uma contraposição entre o regime anterior e o regime vigente da modificação objetiva e, consequentemente, propor soluções/alterações ao atual regime, por forma a que se torne mais eficaz.
1 XXXXXXXXX, Xxxxx, O Contrato Administrativo: Uma Instituição do Direito Administrativo do Nosso Tempo, Coimbra, Almedina, 2002; Idem, Direito dos Contratos Públicos, 5ª edição, Xxxxxxx, Xxxxxxxx, 0000, pp. 69-70.
CAPÍTULO I – CONSIDERAÇÕES GERAIS RESPEITANTES AO CONCEITO DE CONTRATO ADMINISTRATIVO
1. Conceitos Anteriores
O contrato administrativo é uma forma de ação administrativa que ganhou cada vez mais importância. É essencial, portanto, fazer uma síntese do conceito do contrato desde o século passado.
Primo, o contrato administrativo foi definido por XXXXXXXX XXXXXXX como
o “contrato celebrado entre a Administração e outra pessoa com o objeto de associar esta por certo período ao desempenho regular de alguma atribuição administrativa, mediante prestação de coisas ou de serviços, a retribuir pela forma que for estipulada, e ficando reservado aos tribunais administrativos o conhecimento das contestações, entre as partes, relativas à validade, interpretação e execução das suas cláusulas” (itálico nosso)2/3; sendo que tinha como traço peculiar “a associação duradoura e especial do particular à realização do fim administrativo de tal modo que a sua actividade fique vinculada à regularidade e à continuidade do serviço”4. Simplificando, era o acordo, assente em duas ou mais declarações de vontade, contrapostas mas perfeitamente harmonizáveis entre si, que vise criar, modificar ou extinguir relações jurídicas administrativas5. Por sua vez, XXXX XXXXXXX defendia que o conceito de contrato administrativo era idêntico ao conceito de contrato público6, pelo que o contrato de direito público se manifestava em dois atos administrativos: “um impõe uma prestação e o outro concede, em troca, uma indemnização”
2 Este é um conceito meramente doutrinal, uma vez que na lei ainda não estava previsto. Cf. XXXXXXX, Xxxxxxxx, Manual de Direito Administrativo, Tomo I, 10ª Edição (9ªReimpressão), Xxxxxxx, Xxxxxxxx, 0000,
p. 588. Sendo que foi o Código Administrativo de 1940 (Decreto-Lei n.º 31 095) que veio enumerar uma lista taxativa de contratos administrativos (§ 2.º do artigo 815.º).
3 O contrato administrativo distingue-se do ato administrativo por causa da sua bilateralidade, ou seja, pela “conjugação indispensável de pelo menos duas vontades dotadas de igual valor”. Cf. XXXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, Reimpressão da edição de 0000, Xxxxxxx, Xxxxxxxx, 0000, p. 347.
4 XXXXXXX, Xxxxxxxx, Manual…, p. 561.
5 Para mais desenvolvimentos sobre o contrato administrativo, cf. XXXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx,
Legalidade…, p. 344 e pp. 773-775.
6 XXXXXXX, Xxxx xx Xxxx, Teoria Jurídica do Contrato Administrativo, Coimbra, Coimbra Editora, 1937, p. 104.
– defendia esta posição, porque tinha receio que a Administração perdesse a sua autoridade7/8.
De referir que no início século XX havia uma divergência relativamente à admissibilidade do contrato administrativo. Alguns autores, maioritariamente alemães (Xxxx Xxxxx, Xxxxxxx, Xxxxxx e Xxxxxxxx) e italianos (Xxxxxxxxxx e Xxxxxx) não admitiam a figura do contrato no direito público por diversas razões9. Já outros admitiam, como é o caso da doutrina portuguesa, espanhola e francesa10/11. Tal discussão já não se coloca atualmente, uma vez que o contrato administrativo é uma figura imprescindível no direito administrativo europeu.
Secundo, antes do CCP (que iria ser aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro) o ETAF (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de abril) e o CPA (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de novembro), nos artigos 9.º, nº1 e 178.º, nº1, respetivamente, estabeleciam uma definição de contrato administrativo como o “acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa” (itálico nosso)12. Esta conceção de contrato administrativo remetia para
7 Ibidem, p. 245.
8 Quanto ao conceito clássico de contrato administrativo VILHENA DE FREITAS faz uma ótima síntese, que nos permite consolidar a evolução deste conceito. Cf. XXXXXXX, Xxxxxxxx X. Xxxxxx xx Xxxxxxx de, O Poder de Modificação Unilateral do Contrato Administrativo pela Administração (E as Garantias Contenciosas do seu Co-contratante perante este Exercício), Lisboa, AAFDL, 2007, pp. 19-46.
9 XXXXXXXXX, Xxxxx, O Contrato Administrativo:…, pp. 12-14; XXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxx, Requiem pelo Contrato Administrativo, Xxxxxxx, Xxxxxxxx, 0000, pp. 48-53; AMARAL, Xxxxx Xxxxxxx do, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, Reimpressão, Xxxxxxx, Xxxxxxxx, 0000, pp. 504-509.
10 XXXXXXXXX, Xxxxx, O Contrato Administrativo:…, pp. 16-19; XXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxx, Requiem…, pp. 53-63.
11 Para um maior desenvolvimento desta divergência sobre os vários sistemas tradicionais europeus, cf. XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx do, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 4ª edição, Xxxxxxx, Xxxxxxxx, 0000 (reimpressão), pp. 453-456; XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx, Os Poderes do Contraente Público no Código dos Contratos Públicos, Coimbra, Coimbra Editora, 2011; XXXXXXX, Xxxxx Xxxxx de, O Problema do Contrato Administrativo: No Quadro Normativo Decorrente do Código dos Contratos Públicos Revisto, Reimpressão, Xxxxxxx, Xxxxxxxx, 0000, pp. 9-31; XXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxx, Requiem…, pp. 41-67; XXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxx, Direito Europeu dos Contratos Públicos: Um Olhar Português, Xxxxxxx, Xxxxxxxx, 0000, pp. 125-277.
12 Foi apenas em 1991, com o CPA, que foram consagrados um leque de artigos respeitantes ao contrato administrativo. Para um melhor entendimento sobre o regime do antigo CPA, cf. XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx de/ XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxx/ AMORIM, Xxxx Xxxxxxx de, Código do Procedimento Administrativo: comentado, 2ª Edição (8ª Reimpressão da edição de 1997), Xxxxxxx, Xxxxxxxx, 0000, pp. 808-816; XXXXXXX, Xxxxxxxx X. Xxxxxx xx Xxxxxxx de, O Poder de Modificação…, pp. 46-56.
Todo o Capítulo III (artigos 178.º-189.º) do CPA iria ser revogado pelo artigo 14.º, alínea c) do Decreto-Lei nº 18/2008, de 29 de janeiro. Cf. XXXXXXXX-XXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx, Código Procedimento Administrativo: anotado e com a jurisprudência do STA desde o ano de 2000, Lisboa, Livraria Petrony, 2011,
p. 379; XXXXXXX, Xxxxx Xxxxx de, Teoria Geral do Direito Administrativo, 7ª Edição - atualizada e ampliada, Xxxxxxx, Xxxxxxxx, 0000, pp. 509-510.
distinção entre direito administrativo e direito privado, admitindo um critério estatutário13, associado ao objeto, com base em diversos tópicos doutrinais. Mas, efetivamente, a “administratividade” do contrato decorria de os sujeitos serem públicos14, haver uma relação de supremacia, a finalidade ser de interesse público ou de o contrato se desenvolver em uma “ambiência” de direito público15.
A lei adotava, portanto, um conceito material e aberto/genérico do contrato administrativo. Todavia, XXXXX XXXXXXXXX aprofundou este conceito, com base nas disposições legais existentes, definindo o contrato administrativo como um “acordo juridicamente vinculativo celebrado entre dois ou mais sujeitos de direito com vista à constituição, modificação ou extinção de uma relação regulada pelo direito administrativo e que, por isso mesmo, fica submetido a um regime substantivo de direito público” (itálico nosso)16.
Tertio, o CCP, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, na sua redação inicial, adotava uma conceção diferente, uma vez que, para efeitos de demarcação do respetivo campo de aplicação, abrangia a contratação administrativa (formação do contrato), de um lado, e o regime substantivo da relação contratual (execução do contrato), de outro. Por conseguinte, previa um conceito amplo e um conceito restritivo de contrato17.
O conceito amplo circunscrevia os sujeitos outorgantes, para efeitos da utilização de um dado regime procedimental de formação de contratos (regulado na Parte II do CCP). Este conceito compreendia, supostamente, todos os contratos celebrados no âmbito da função administrativa, independentemente da sua natureza e da sua designação (ou seja, mesmo aqueles que eram de direito privado) – artigo 1.º, nº2 do CCP –, mas desde que fossem outorgados pelas entidades adjudicantes mencionadas no artigo 2.º e no artigo 7.º (no âmbito dos setores especiais - água, energia, transportes e serviços postais) do CCP. Todavia, este regime não se aplicava a todos os contratos celebrados pelas entidades adjudicantes,
13 Segundo este critério, relativo às relações jurídicas administrativas, podia dizer-se que eram administrativos os contratos regulados pelo direito administrativo, que era um direito estatutário, ou seja, era um direito especial privativo da Administração Pública. Cf. XXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx /XXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx, Noções Fundamentais de Direito Administrativo, 5ª Edição - Reimpressão, Xxxxxxx, Xxxxxxxx, 0000, p. 290; e DIAS, Xxxxxxx Xxxxxxxxxx/ XXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx, Direito Administrativo, Coimbra, Centro de Estudos e Formação Autárquica, 2001, p. 245; XXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxx, Requiem…, pp. 103-110.
14 XXXXXXXXX, Xxxxx, O Contrato Administrativo:…, pp. 79-84.
15 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxx xx, Lições de Direito Administrativo, 2ª Edição, Coimbra, Imprensa da Universidade, 2011, p. 200; XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx, Os Poderes do Contraente Público…, p. 31; XXXXXXXXX, Xxxxx, O Contrato Administrativo:…, p. 27.
16 XXXXXXXXX, Xxxxx, O Contrato Administrativo:…, p. 27.
17 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxx xx, Lições…., 2011, pp. 200-204.
porque aplicava-se apenas aos contratos cujas prestações suscitavam a concorrência no mercado (artigos 5.º, nº1 e 16.º, nº2 do CCP) – Inseriam-se, aqui, os contratos públicos, fossem estes administrativos ou não18.
Por sua vez, o conceito restrito dizia respeito aos contraentes públicos, para efeitos de aplicação do regime substantivo de execução, modificação e extinção das relações jurídicas administrativas (regulado na Parte III) – artigo 1.º, nº5 do CCP. Aqui, podia-se fazer a distinção entre um plano subjetivo (para ser um contrato administrativo, pelo menos uma das partes, tinha de ser um contraente público19) e um plano substancial (os contratos administrativos eram identificados pelos “fatores de administratividade”20) – Inseriam-se, neste caso, somente os contratos administrativos21.
XXXXXX XX XXXXXXX revelava os vários problemas que estes critérios provocavam na prática22 e concluía que os conceitos legais (de contrato administrativo e de contrato público) não coincidiam inteiramente, uma vez que existiam contratos públicos que não eram contratos administrativos e existiam contratos administrativos que não eram contratos públicos23. Sendo certo que aos contratos administrativos se aplicaria um regime próprio.
Efetivamente, “a experiência de mais de um século permitiu concluir, mercê da impossibilidade de identificar um critério que permita apreender numa categoria pretendidamente unitária o universo das relações contratuais que se justifica submeter a regimes específicos de direito público, que, mais do que de uma categoria unitária ou monolítica de contrato administrativo, do que hoje faz sentido é falar de espécies diferenciadas de contratos administrativos, com objectos diversificados, celebrados para a prossecução de fins distintos entre si e, portanto, cuja submissão a regimes específicos de direito público é determinada, consoante os casos, pela necessidade de dar resposta a exigências muito heterógenas”24. Por conseguinte, no artigo 1.º, nº6 do CCP previa-se
18 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx, Os Poderes do Contraente Público…, pp. 27-28.
19 Remissão para o artigo 3.º do CCP.
20 Remissão para o artigo 1.º, nº6 do CCP de 2008. Em síntese, este preceito estabelecia um regime substantivo de direito público, por determinação legal ou escolha das partes, pela natureza do seu objeto, pelo seu regime ou pela sua finalidade imediata. Cf. XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx de/ MATOS, Xxxxx Xxxxxxx de, Contratos Públicos: Direito Administrativo Geral - Tomo III, Lisboa, Dom Quixote, 2008, pp. 23-31.
21 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx, Os Poderes do Contraente Público…, pp. 28-34.
22 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxx xx, Lições…, 2011, pp. 203-211.
23 Ibidem, pp. 203-204.
24 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxx de, “Contratos administrativos e poderes de conformação do contraente público no Código dos Contratos Públicos”, in: Cadernos de Justiça Administrativa, nº 66, Braga, CEJUR, novembro/dezembro 2007, p. 5.
critérios que permitiam identificar e qualificar um contrato como administrativo (os intitulados “fatores de administratividade”)25.
2. Conceito Atual
Atualmente a legislação em vigor não apresenta, e muito bem, uma definição de contrato administrativo.
Primeiramente temos de ter em atenção que com o (novo) CPA, aprovado pelo Decreto-Lei nº 4/2015, de 7 de janeiro, passou-se novamente a prever um conjunto de artigos referentes aos contratos da Administração Pública (artigos 200.º a 202.º) – Parte IV, Capítulo III do CPA26.
Deste modo, o artigo 200.º, nº1 do CPA estabelece que a Administração Pública pode celebrar contratos administrativos, sujeitos quer ao regime substantivo de direito administrativo quer ao regime de direito privado. Sendo que o nº2 deste preceito determina o contrato administrativo como aquele que, como tal, é classificado no CCP ou em legislação especial, ou seja, o conceito de contrato administrativo dado pelo CPA, remete apenas para a definição aclamada no CCP (artigo 280.º, nº1), que se limita a enunciar fatores de administratividade27.
Logo, nem o CPA nem o CCP apresentam uma definição geral de contrato administrativo. Contudo, pode definir-se o contrato administrativo como um contrato28 que envolve a participação de, pelo menos, um contraente público (artigo 3.º do CCP) e que se insira numa das categorias previstas no artigo 280.º, nº1 do CCP.
É importante referir que “[N]a prossecução das suas atribuições ou dos seus fins, os órgãos da Administração Pública podem celebrar quaisquer contratos administrativos,
25 Isto é, segundo XXXXX XXXXXX XXXXXXX, uma “opção de continuidade em relação ao art. 4.º, n.º 1, al.
f) do ETAF”. Cf. XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx, Os Poderes do Contraente Público…, p. 32.
26 O CPA, no que respeita aos contratos celebrados pela Administração Pública, apenas sintetiza o sistema das fontes disciplinadoras dos aspetos principais dos regimes aplicáveis, tanto no plano procedimental, como no plano substantivo. Já o CCP pormenoriza o regime dos procedimentos administrativos de formação das principais categorias de contratos públicos e o regime substantivo comum dos contratos administrativos. Cf. XXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx/ XXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx, Noções Fundamentais…, pp. 288-289.
27 São fatores de administratividade as peculiaridades que conferem a um dado contrato a natureza de contrato administrativo. Assim, o CCP colidiu com a filosofia do CPA, uma vez que a relação jurídica administrativa surge como um resultado ou efeito da administratividade de um contrato e não como uma fonte de qualificação da natureza do mesmo. Para mais desenvolvimentos, cf. XXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx/ XXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx, Noções Fundamentais…, pp. 290-291.
28 Ou seja, negócio jurídico bilateral, constituído por duas ou mais declarações de vontade, que visa a produção de certos efeitos jurídicos.
salvo se outra coisa resultar da lei ou da natureza das relações a estabelecer” (artigo 200.º, nº3 do CPA29 e artigo 278º do CCP). Todavia, os órgãos da Administração Pública estão vinculados às regras gerais do CPA, que efetivam normas constitucionais e princípios gerais da atividade administrativa (artigos 2.º, nº3 e 202.º, nº2 do CPA)30/31.
Adiante-se já que o regime do CCP não é aplicável à formação de todos os contratos administrativos e, por isso, o artigo 200.º, nº3 do CPA refere que “[N]a ausência de lei própria, aplica-se (…) o regime geral do procedimento administrativo estatuído pelo presente Código, com as necessárias adaptações”.
2.1. Contrato Administrativo e Contrato Público
Em termos muito simplistas, o CCP, na sua redação atual, parte de um dualismo interno entre o conceito de contrato público e contrato administrativo32. Efetivamente, o CCP tem uma estrutura de aplicação objetiva bipartida33.
Por um lado, as normas relativas ao procedimento de formação dos contratos são aplicáveis aos contratos públicos, que são aqueles que, independentemente da sua designação ou natureza, sejam celebrados por entidades adjudicantes mencionadas no CCP (artigos 2.º e 7.º do CCP) e não sejam excluídos do seu âmbito de aplicação (artigo 1.º, nº2 do CCP) – aplica-se, aqui, a Parte II do Código.
Por outro lado, as normas relativas ao regime substantivo da execução, modificação
e extinção do contrato serão apenas aplicáveis aos contratos qualificados como contratos
29 Corresponde, sem alterações significativas, à revogada norma do artigo 179.º, nº1 do CPA de 1991. Há, portanto, aqui uma linha de continuidade, que ultrapassava a tese negativista do contrato administrativo. Cf. XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx de/ XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxx/ AMORIM, Xxxx Xxxxxxx de, Código…, pp. 816- 820; XXXXX, Xxxxx Xxxxx, “A conformação da relação contratual no Código dos Contratos Públicos”, in: Estudos da Contratação Pública, Vol. I, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, p. 520.
30 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx/ XXXXX, Xxxxxx Xxxx/ XXXXXX, Xxxxx/ XXXXXXXXX, Xxx Xxxxxx/ XXXXXXX, Xxxxx/ XXXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx, Novo Código do Procedimento Administrativo: Anotado e Comentado, 3ª Edição, Xxxxxxx, Xxxxxxxx, 0000, p. 255.
31 Já o artigo 189.º do CPA de 1991 remetia subsidiariamente para os princípios gerais do direito administrativo. Cf. XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx de/ XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxx/ AMORIM, Xxxx Xxxxxxx de, Código…, pp. 857-860.
32 Deste modo, pode afirmar-se que nos dias de hoje se prossegue um caminho diferente do que foi acolhido no CPA de 1991 (artigo 178.º). Portanto, o CPA de 2015 remete para o CCP; Já o de 1991, no artigo 178.º definia o contrato administrativo como “o acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa”.
33 XXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx /XXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx, Noções Fundamentais…, p. 291; XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx da, Código dos Contratos Públicos: Anotado e Comentado, 8ª Edição - Revista e Atualizada, Xxxxxxx, Xxxxxxxx, 0000, pp. 33-45; XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxx, Direito dos Contratos Públicos, 5ª edição, Xxxxxxx, Xxxxxxxx, 0000, pp. 59-61; XXXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxx de, “A Propósito do Regime do Contrato Administrativo no “Código dos Contratos Públicos”, in: Estudos de Contratação Pública, Vol. II, Coimbra, Coimbra Editora, 2010, pp. 8-14.
administrativos34 (artigo 1.º, nº5 do CCP), sendo que estes são identificados como tal, por um lado, se uma das partes for um contraente público (nos termos do artigo 3.º e 8.º do CCP) e, por outro lado, se se integrar numa das categorias (“fatores de administratividade”) enumeradas no artigo 280.º – aplica-se, aqui, a Parte III do CCP. Mas não esqueçamos o que refere o nº3 do artigo 280.º do CCP.
Já no Direito da União Europeia, na Diretiva 2014/24/UE, artigo 2.º, nº5, o contrato público é o “contrato, a título oneroso, celebrado por escrito entre um ou mais operadores económicos e uma ou mais autoridades adjudicantes, que tenha por objeto a execução de obras, o fornecimento de produtos e a prestação de serviços” (itálico nosso)35/36.
Importa expor que os contratos públicos não se esgotam nos contratos administrativos, porque o contrato público tem uma noção bastante vasta, abrangendo o contrato administrativo e outros contratos de natureza jurídica privada37.
FREITAS DO AMARAL chega a uma conclusão: “[Q]uase todos os contratos administrativos são contratos públicos38; Nem todos os contratos públicos são contratos administrativos, pois também cabem na noção dada alguns contratos de direito privado celebrados pela Administração Pública” (itálico nosso)39. Por conseguinte, este autor faz uma expressa distinção entre contrato administrativo e contrato público, dizendo que:
- “São contratos administrativos todos os contratos que, à luz do direito administrativo, criem, modifiquem ou extingam relações jurídico-administrativas;
34 Anteriormente a 2021, em vez de “contratos administrativos, nos termos do 280.º”, estava “relações jurídicas administrativas”. Na prática, estas duas expressões vão dar ao mesmo.
35 Este é um conceito que nada diz acerca da natureza jurídica privada ou administrativa do contrato. O legislador português apenas transpôs este conceito. Cf. XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx do, Curso…, 2020, pp. 448- 449.
Segundo XXXXX XXXXX XXXXXXXXX, este é um conceito funcional, delimitado por preocupações substanciais, não sendo concebido para corresponder ao conceito formal de contrato dos ordenamentos dos Estados Membros. Assim, pode haver contratos públicos segundo o direito nacional, que o não sejam para efeitos das diretivas (exemplos: contratos de doação produtos; contratos de alienação bens móveis pela Administração Pública) ou pode haver contratos para efeitos de aplicação das diretivas que podem não corresponder a contratos em sentido formal segundo o direito nacional dos Estados Membros. Cf. XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxx, Direito dos Contratos Públicos, Vol.1, 2ª Edição, Xxxxxxx, Xxxxxxxx, 0000, p. 25.
36 Para mais desenvolvimento acerca do conceito europeu de contrato público, cf. XXXXXXXX, Xxxxxx,
Direito da Contratação Pública, Porto, Universidade Católica Editora, 2019, pp. 28-32.
37 XXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx/ XXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx, Noções Fundamentais…, pp. 291-292; XXXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxx xx, Lições de Direito Administrativo, 5ª edição, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2017, p. 258; XXXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxx de, “A propósito do regime do contrato administrativo…”, p. 9.
38 De facto, este autor menciona “quase”, uma vez que entende que há contratos administrativos entre sujeitos de direito privado, sem haver uma entidade adjudicante.
39 AMARAL, Xxxxx Xxxxxxx do, Curso…, 2020, p. 449.
- São contratos públicos os contratos celebrados pela Administração Pública (entidades adjudicantes referidas no CCP, artigo 2.º) que, sendo regulados pelo direito administrativo ou pelo direito privado, sejam submetidos por lei a um especial procedimento de formação, regulado por normas decorrentes do Direito Europeu”40.
Concluindo, o contrato administrativo é atualmente uma figura autónoma, dotado de uma autonomia substantiva e assinalado pela desigualdade das partes e está sujeito a um regime mais rigoroso que os demais contratos de direito privado41. De facto, o CCP estabelece um conceito muito amplo de contrato público (que inclui os contratos administrativos), pelo que os conceitos legais operativos não coincidem integralmente no que respeita à aplicação dos regimes da Parte II e da Parte III.
2.2. Critérios legais de administratividade: o artigo 280.º do CCP
Como não se consegue estabelecer um conceito unitário de contrato administrativo, devido às diversas espécies contratuais, o legislador consagrou um método tipológico, que conseguisse garantir o mínimo de segurança, quanto à aplicação do regime substantivo da contratação pública42.
Ora, o artigo 280.º, nº1 do CCP delimita o campo de aplicação do regime substantivo dos contratos administrativos, considerando que são administrativos os contratos em que uma das partes é um contraente público (artigo 3.º do CCP) e que se integrem numa das categorias indicadas nas suas alíneas.
De referir que este artigo foi alvo de importantes alterações, e muito bem, efetuadas pela Lei n.º 30/2021, de 21 de maio43/44. Sendo certo que, com a nova redação do artigo 280.º
40 Ibidem.
41 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx, Os Poderes do Contraente Público…, pp. 38-52.
42 XXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx/ XXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx, Noções Fundamentais…, pp. 292-294; XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx, Comentário ao Código dos Contratos Públicos, Coimbra, Almedina, 2019, p. 647.
43 Antes desta revisão havia alguma controvérsia acerca deste artigo, devido à sua má redação e consequente impacto. Para mais desenvolvimentos, cf. XXXXXXX, Xxxxx Xxxxx de, O Problema do Contrato Administrativo:…, pp. 43-84; XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxx, Direito…, 2018, pp. 37-40; XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxxx, A Revisão de 2021 do Código dos Contratos Públicos, Reimpressão, Lisboa, AAFDL, 2021, pp. 61-66; XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxx, “Institutos Jurídico-contratuais convocados pela pandemia da Covid-19”, in: Questões Atuais de Direito Local”, nº 26, Braga, AEDREL, abril/junho de 2020, pp. 107-108.
44 Em 2008, o CCP previa no artigo 1.º, nº6, “contratos administrativos” e, em 2017, o referido artigo foi revogado e deslocado para o artigo 280.º, passando este a referir “relações jurídicas contratuais administrativas”. Em 2021, o legislador voltou novamente para “contratos administrativos” e muito bem. Efetivamente, a alteração operada em 2017 era desnecessária, porque não alterava em nada as posições jurídicas do cocontratante e do contraente público. Sendo que se aplicava a Parte III somente aqueles contratos submetidos à Parte II que configuravam relações jurídicas contratuais administrativas (agora já não é assim).
do CCP, é irrelevante conhecer as vicissitudes que surgiram no procedimento pré- contratual45. Destarte, o atual artigo 280.º, nº1 do CCP refere que “[A] parte III aplica-se aos contratos administrativos, entendendo-se como tal aqueles em que pelo menos uma das partes seja um contraente público e que se integrem em qualquer uma das seguintes categorias:
a) Contratos que, por força do presente Código, da lei ou da vontade das partes, sejam qualificados como contratos administrativos ou submetidos a um regime substantivo de direito público;
b) Contratos com objeto passível de ato administrativo e demais contratos sobre o exercício de poderes públicos;
c) Contratos que confiram ao cocontratante direitos especiais sobre coisas públicas ou o exercício de funções dos órgãos do contraente público;
d) Contratos que a lei submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento de formação regulado por normas de direito público e em que a prestação do cocontratante possa condicionar ou substituir, de forma relevante, a realização das atribuições do contraente público” (itálico nosso)46.
Por conseguinte, o supracitado preceito normativo indica critérios de qualificação de um contrato como um contrato administrativo. Estes critérios são alternativos, ou seja, basta que um contrato se integre num deles, para ser considerado um contrato administrativo, ou seja, o legislador optou pela enumeração das várias categorias de contratos administrativos47. Os critérios são os seguintes:
i. Qualificação legal: são contratos administrativos os contratos que, por força da lei, sejam qualificados como tal. São contratos administrativos por natureza. Exemplos: os contratos disciplinados no Título I da Parte III do CCP, que tem maior relevância –
45 Apesar da alteração, o CCP ainda continua a distinguir contratos públicos e contratos administrativos.
46 Este é um critério residual, ambíguo e desnecessário.
47 Em contraposição ao critério de cláusula geral utilizado no antigo CPA, em que só eram contratos administrativos aqueles que, como tal, eram qualificados na lei.
No CCP de 2008, o Código já tinha previsto, no seu artigo 1.º, nº6, alíneas a) e d), o critério da enumeração. Sendo que depois, em 2017, este artigo passou para o artigo 280.º, nº1 do CCP – aqui o legislador restruturou o âmbito de aplicação da Parte III do CCP. Mas como disse anteriormente, o legislador não redigiu o novo artigo 280.º de forma correta e, por isso, foi alvo de imensas críticas. Cf. XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx do, Curso…, 2020, pp. 456-463.
Com as revisões em 2021, o artigo foi melhorado, e corretamente, porque não faz sentido verificarmos se a formação de determinado contrato administrativo foi ou não sujeito à Parte II.
empreitada de obras públicas, concessão de obras públicas e de serviços públicos, locação e aquisição de bens móveis e de serviços.
ii. Submissão legal do contrato a um regime substantivo de direito público: são contratos administrativos os contratos que, por força de opção legal ou da vontade das partes, estejam submetidos a um regime substantivo de direito público. É um contrato administrativo por força da lei. Exemplo: contrato de investimento.
iii. Vontade das partes: as partes contratuais podem qualificar um contrato como contrato administrativo, mas só nos casos em que a Administração Pública tenha margem de livre decisão na escolha entre um contrato administrativo e um contrato de direito privado.
iv. Caráter público do objeto: são contratos administrativos os contratos com objeto passível de ato administrativo e demais contratos sobre o exercício de poderes públicos e os contratos que conferem ao cocontratante direitos sobre coisas públicas ou no exercício de funções públicas.
v. Regime pré-contratual específico (regulado por normas de direito público) e na natureza da prestação do cocontratante: são contratos administrativos, aqueles contratos que a lei submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento de formação regulado por normas de direito público e, cumulativamente, em que a prestação do cocontratante possa condicionar ou substituir, de forma relevante, a realização das atribuições do contraente público.
Estes são os critérios de administratividade que permitem identificar um contrato como contrato administrativo, sendo que basta que um contrato se integre numa destas categorias48 e que pelo menos uma das partes seja um contraente público, nos termos do artigo 3.º do CCP.
XXXXX XX XXXXXXX reduz estes cinco critérios, em três grandes grupos: contratos administrativos por natureza, por determinação da lei ou por qualificação das partes49. E ainda elenca as categorias de contratos que se inserem nestes grupos50.
XXXXXX XX XXXXXXX critica o artigo 280.º, afirmando que “os tipos definidos neste preceito legal, para além de alguma obscuridade, seriam porventura dispensáveis, nada acrescentando à antiga formulação do CPA, pois que os critérios materiais subjacentes à
48 A título de referência, acerca das várias classificações dos contratos administrativos, cf. XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx do, Curso…, 2020, pp. 464-479.
49 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxx de, O Problema do Contrato Administrativo:…, pp. 69-84.
50 Ibidem, pp. 84-109.
enumeração estabelecida reconduzem-se, de uma maneira ou de outra, à ideia de um regime substantivo de direito público, seja por determinação legal ou escolha das partes, seja pela natureza do seu objeto, seja pelo seu regime exorbitante do direito privado, seja pela sua finalidade imediata”. Acrescenta ainda que “esta série de critérios, para além de complicada, suscita, na sua concretização, vários problemas”, sendo que a qualificação não pode ser arbitrária, uma vez que tem de haver um controlo substancial para verificar as características (objeto ou finalidade da prestação, por exemplo) que justificaram a sujeição de um determinado contrato ao regime de direito administrativo51. Exemplificando, um contrato administrativo de locação ou aquisição de bens móveis só está sujeito à Parte III do CCP se estiver em causa fornecimentos contínuos.
De facto, o legislador português optou por preservar a realidade do conceito do contrato administrativo, aumentando a sua regulamentação (sendo que tal não foi imposto pelo direito europeu). Afastou-se, portanto, a corrente doutrinária que defendia o fim da autonomia do contrato administrativo, face ao contrato público.
Posto isto, e devido à nova redação do nº1 do artigo 280.º, o nº2 deste artigo apenas precisa, agora, de ressalvar os seguintes casos: “(…) as disposições do presente título só se aplicam quando o tipo contratual em questão não afaste, pela sua natureza, as razões justificativas da disciplina em causa” (itálico nosso). Inserem-se, nesta norma, por exemplo, os contratos interadministrativos (artigo 338.º) e os contratos sobre o exercício de poderes públicos (artigos 336.º e 337.º do CCP), em que não se aplica a Parte III do CCP52.
É importante referir que o artigo 280.º, nº 3 do CCP, devido à revisão operada em 2021, prevê que as disposições gerais do regime substantivo dos contratos administrativos “(…) relativas à invalidade, limites à modificação objetiva, cessão da posição contratual e subcontratação são aplicáveis, com as devidas adaptações e sem prejuízo do disposto em lei especial, a todos os contratos públicos, independentemente da sua qualificação como contratos administrativos nos termos do n.º 1” (itálico nosso). Ou seja, as disposições gerais sobre a invalidade, limites à modificação objetiva, cessão da posição contratual e subcontratação são aplicáveis a todos os contratos públicos. A ratio legis desta norma é a seguinte: se um contrato foi submetido à concorrência na fase pré-contratual não pode ser
51 Para mais desenvolvimentos, cf. XXXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxx de, Lições …, 2017, pp. 257-258.
52 Acerca destes tipos contratuais e do problema dos regimes aplicáveis, cf. XXXXXXX, Xxxxx Xxxxx de, “Apreciação geral da revisão do Código dos Contratos Públicos”, in: Comentários à Revisão do Código dos Contratos Públicos, 3ª edição, Lisboa, AAFDL, Editora, 2019, p. 32; Xxxx, O Problema do Contrato Administrativo:…, pp. 119-138.
agora afetado por atos praticados durante a sua execução que perturbem a competição previamente realizada. Este nº3 amplia, sem dúvidas, a aplicação do regime substantivo dos contratos administrativos aos contratos públicos, sejam administrativos ou não – abrange, por exemplo, contratos públicos de direito privado.
Já o nº4 do supracitado artigo prevê que “em tudo quanto não estiver regulado no presente Código ou em lei especial, ou não resultar da aplicação dos princípios gerais de direito administrativo, é subsidiariamente aplicável à execução dos contratos administrativos, com as necessárias adaptações, o direito civil” (itálico nosso). Aqui prevê- se que o direito civil é uma fonte subsidiária de regulação dos contratos administrativos.
Destarte, esta norma quer dizer que, antes de se proceder ao preenchimento das lacunas do CCP através de outras normas de direito administrativo e de direito civil, deve- se preencher as lacunas através dos princípios gerais de direito administrativo53. Estes princípios sempre foram, e vão continuar a ser, uma fonte fundamental no sistema da contratação pública54.
Efetivamente, o artigo 280.º, n.º4 do CCP estabelece a ordem de aplicação dos regimes jurídicos que regulam o conteúdo das relações jurídicas administrativas que advêm dos contratos. vejamos
De referir ainda que, como expõe XXXXXXX XXXXXXX XX XXXXXXXX, o contrato administrativo deve muito ao contrato de direito privado, “(…) quer em aspectos fundamentais (sentido e consequências básicas da consensualidade, por exemplo), quer em aspectos ligados ao próprio desenrolar (normal ou patológico) da relação constituída, lançando-se mão, no que não estiver regulado de outra forma, do regime geral do direito civil (ou do direito comercial). Mas isso também não pode fazer esquecer que há, no contrato administrativo, especificidades directamente decorrentes do facto de ele, além de definir, em obediência à lógica do pacto, os direitos e obrigações das partes, se traduzir simultaneamente num instrumento ou mecanismo votado à prossecução de interesses públicos, ou seja, por
53 Observemos, quanto a estes princípios os artigos 3.º a 19.º do CPA. E ainda o artigo 1.º-A do CCP. Para mais desenvolvimentos relativamente a estes princípios, cf. XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxx, Direito…, 2021, pp. 133-154; XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxxx, Direito da Contratação Pública, Vol. I, Lisboa, AAFDL, 2020, pp. 51-117.
54 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx de, “Os princípios gerais da contratação pública”, in: Estudos da Contratação Pública, Vol. I, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, pp. 51-113; XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxx, Manual de Direito Administrativo, Vol. 0, Xxxxxxx, Xxxxxxxx, 0000, pp. 364-424; XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx da, Código dos Contratos Públicos: anotado e comentado, 9ª edição, Revista e Atualizada, Xxxxxxx, Xxxxxxxx, 0000, pp. 718- 720.
nele estar também presente a lógica da função”55. É por isso que a Administração dispõe de certos poderes de conformação que permitem prosseguir eficazmente o interesse público.
Em síntese, temos de ter presente que podem materializar-se as duas situações subsequentes.
Por um lado, no âmbito do CCP há contratos públicos que não são contratos administrativos: Os contratos outorgados por contraentes públicos e que sejam qualificados pela lei ou, desde que a lei o não proíba, pelas partes, como contratos de direito privado; Os contratos celebrados por contraentes públicos e que sejam subjugados a um regime de direito privado; Os contratos públicos outorgados pelos “organismos de direito público” que não sejam celebrados no “exercício de funções materialmente administrativas”, nem subordinados pela vontade das partes a um regime substantivo de direito público.
Por outro lado, há contratos administrativos que não são contratos públicos, porque não se lhes aplica a Parte III, uma vez que não envolvem prestações sujeitas à concorrência de mercado.
55 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx de, “O Ato Administrativo Contratual”, in: Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 63, maio/junho 2007, pp. 3-5.
CAPÍTULO II – REGIME CLÁSSICO: Considerações Gerais
1. Regime Substantivo
Desde o início do século XX que contrato administrativo, na generalidade dos países europeus, é visto como uma figura autónoma e essencial do direito administrativo.
O contrato administrativo era dotado de uma autonomia substantiva56/57, ou seja, o contrato estava sujeito a um regime substantivo específico, diferente dos outros contratos. Todavia, os contratos em apreço não tinham autonomia procedimental nem autonomia processual58.
O regime jurídico dos contratos administrativos, delineado fundamentalmente por normas de direito público, era integrado por normas que concedem poderes especiais de autoridade à Administração Pública e por normas que impunham peculiares deveres ao cocontratante. Não havia uma igualdade jurídica entre as partes. Não sendo, portanto, exequível uma comparação com o regime jurídico dos contratos de direito privado.
Ao celebrar um contrato administrativo, o contraente particular, mediante uma retribuição, submetia-se ao interesse público. Sendo certo que tinha de haver uma relação direta entre as prestações do particular e o cumprimento das atribuições da pessoa coletiva pública que está a contratar. Ou seja, tinha de haver obrigatoriamente a prossecução de fins públicos para haver contrato administrativo. Vigorava, no contrato administrativo, o princípio da prevalência do interesse público, colocando o interesse público acima do respeito pelo pacta sunt servanda59.
A denominada “cláusula de sujeição” queria dizer, na prática, que o cocontratante se comprometia a respeitar, como se fosse a Administração Pública, as leis, regulamentos e atos administrativos que, durante a execução do contrato, exprimiam as exigências do interesse público fornecido, quanto ao objeto nele estipulado e desde que se mantivesse o princípio da colaboração livre e remunerada. De facto, havia uma interdependência dos interesses das partes, isto é, o interesse que a Administração prosseguia ficava vinculado ao interesse do particular contraente. No entanto, quando fosse necessário alterar o clausulado
56 Esta autonomia é condição necessária e suficiente para afirmar a autonomia do contrato administrativo. Cf. XXXXXXXXX, Xxxxx, O Contrato Administrativo:…, p. 28 e pp. 30-36.
57 Mas nem todos os autores tinham a mesma opinião, uma vez que não defendiam a autonomia do contrato administrativo. Cf., a este respeito, ESTORNINHO, Xxxxx Xxxx, Requiem….
58 XXXXXXXXX, Xxxxx, O Contrato Administrativo:…, pp. 28-30.
59 Este princípio ainda vigora atualmente.
do contrato (devido aos interesses públicos), de maneira a aumentar os encargos dos particulares, a Administração tinha de o indemnizar ou remunerá-lo equitativamente (“cláusula de remuneração”)60.
Por conseguinte, e sintetizando, os contratos administrativos, ao estarem sujeitos ao regime do direito público, refletiam evidentemente os poderes autoritários da Administração. Este regime era caracterizado essencialmente pelas seguintes notas61:
i. Princípio da adaptação ou adequação ao interesse público, ou seja, cláusula de sujeição;
ii. Princípio da reposição do equilíbrio financeiro do contrato, ou seja, cláusula de remuneração.
1.1. Os Elementos Essenciais do Contrato Administrativo
Para haver um contrato administrativo este tinha de reunir não só os “elementos essenciais” de qualquer contrato, nomeadamente, a capacidade dos contraentes, mútuo consenso e objeto possível, como também outros elementos exclusivos do contrato administrativo, designadamente, o fim de interesse público e o elemento formal composto pela observância das formalidades do processo de formação do contrato e pela forma externa exigida por lei62. XXXXXXXX XXXXXXX afirmava que em “todos os elementos do contrato se revela a influência do Direito Público”63.
M. J. ESTORNINHO, acerca destes elementos, sistematizava-os em dois critérios: critérios substantivos (sujeitos, fim e objeto) e critérios formais (regime jurídico e garantia)64.
De qualquer das formas, os elementos essenciais (ou requisitos fundamentais) do contrato administrativo eram, em geral, os seguintes:
60 XXXXXXX, Xxxxxxxx, Manual…, pp. 588-591; XXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxx, Requiem…, pp. 91-93.
61 Para mais desenvolvimentos acerca dos princípios e traços principais do regime do contrato administrativo, cf. XXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxx, Requiem…, pp. 115-122.
62 Com o CPA de 1991, o legislador definiu o contrato administrativo e elencou os contratos administrativos (artigo 178.º). Todavia, continuou a haver dúvidas em qualificar um contrato numa das categorias previstas neste artigo. Sendo que o ETAF, em 2002, também estipulou alguns fatores (artigo 4.º, nº 1, alínea f). Cf. XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx de/ XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxx/ AMORIM, Xxxx Xxxxxxx de, Código…, pp. 808- 816; XXXXXXXXX, Xxxxx, O Contrato Administrativo:…, pp. 57-61.
63 XXXXXXX, Xxxxxxxx, Manual…, pp. 591-592.
64 XXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxx, Requiem…, pp. 73-76.
i. Capacidade dos contraentes65: tanto os entes públicos como os privados tinham de ter capacidade estabelecida nos termos da lei, sendo que para haver contrato administrativo, um dos sujeitos contratantes tinha de ser uma pessoa coletiva de direito público, seja de natureza territorial, seja de natureza funcional. A competência pertencia ao Estado, às Regiões Autónomas, às Autarquias Locais e aos Institutos Públicos66.
XXXXXXX XX XXXX e XXXXX XXXXXXX referiam que a capacidade contratual, no domínio do direito administrativo, podia não coincidir com a capacidade contratual jurídico-privada, uma vez que a primeira é mais restrita e mais exigente que a segunda. Por conseguinte, além da capacidade jurídica geral, o cocontratante público disponha de capacidade técnica e de idoneidade moral e financeira67.
Todavia, quanto a este elemento essencial, é importante mencionar que o Princípio da Especialidade da capacidade dos entes públicos, isto é, o cocontratante apenas possuía determinados poderes, atribuídos por lei, de modo a prosseguir os seus fins ou interesses.
ii. Mútuo consenso68: era o acordo de vontades, uma transação entre as partes, que se formava através de um processo administrativo (muitas vezes longo e demorado), de maneira a que os interesses públicos não fossem prejudicados. Por isso, havia muitas formalidades e regras especiais a cumprir para a formação do mútuo acordo69. Sendo certo que, apesar do mútuo consenso, havia uma sujeição do cocontratante ao interesse público.
iii. Objeto70: este devia ser lícito, fisicamente possível e determinado quanto à sua natureza e ainda tinha de prosseguir uma utilidade pública.
Podiam ser objeto destes contratos os fornecimentos contínuos, a concessão de obras ou serviços públicos e outras prestações expressamente indicadas na lei.
65 XXXXXXX, Xxxxxxxx, Manual…, pp. 593-595; XXXX, Xxxxxxx de/ XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx, Contrato Administrativo, Coimbra, Serviço de Documentação do CEFA, 1984, p. 21 e pp. 23-24; XXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxx, Requiem…, pp. 81-83.
66 Xxxxxxx Xxxxxxx defendia que, além das pessoas coletivas públicas, ainda se integravam “as associações, fundações, e sociedades, nascidas da iniciativa dos particulares e cuja personalidade colectiva é reconhecida nos termos do direito privado, mas sujeitas na sua actividade a normas de Direito administrativo que lhes conferem o poder de praticar actos administrativos definitivos e executórios”. Cf. XXXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx, Contrato Administrativo, Coimbra, Atlântida Editora, 1972, pp. 30-31 e p. 35.
67 XXXX, Xxxxxxx de/ XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx, Contrato Administrativo, p. 23.
68 XXXXXXX, Xxxxxxxx, Manual…, p. 592; XXXX, Xxxxxxx de/ CORREIA, Xxxxxxxx Xxxxx, Contrato Administrativo, p. 25.
69 XXXXXXX, Xxxxxxxx, Manual…, pp. 595-598.
70 XXXXXXX, Xxxxxxxx, Manual…, p. 592; XXXX, Xxxxxxx de/ CORREIA, Xxxxxxxx Xxxxx, Contrato Administrativo, p. 24; XXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxx, Requiem…, pp. 88-91.
O objeto do contrato tinha de ser explícito, no que toca à sua natureza, de modo a que os contraentes percebessem as suas obrigações (os seus direitos e deveres), sendo que tinha de respeitar os requisitos fundamentais do tipo de contrato em causa.
Sintetizando, o objeto contratual constituía as prestações relativas ao cumprimento das atribuições da pessoa coletiva de direito público, sendo que o elemento finalista que dominava a causa-função caracterizava também o objeto do contrato. Esta causa-função eram os poderes-deveres criados pelo mesmo contrato71.
iv. Forma72: em regra, o contrato devia ser reduzido a escrito, com determinadas solenidades. Isto constava no artigo 8.º, nº1 do Decreto-Lei n.º 211/79, de 12 de julho73. Neste ponto, importa referir o artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 41375, de 19 de novembro de 1957: “[O]s contratos em que seja outorgante o Estado ou serviço público autónomo, quando devam ser reduzidos a escrito, constarão de documento autêntico oficial exarado ou registado em livros próprios do Ministério ou do serviço interessado e no qual servirá de oficial público o funcionário designado nas leis orgânicas ou, no silencio destas, por despacho ministerial” (itálico nosso). Isto não significava a exigibilidade de escritura notarial. Todavia, estava previsto no § único do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 41375 que “[Q]uando, pela complexidade das estipulações contratuais, seja julgado conveniente, poderá o Ministro autorizar que a minuta do contrato seja elaborada por notário, ao qual serão pagos os emolumentos correspondentes à prestação do serviço” (itálico nosso).
Contudo, admitia-se o ajuste verbal nas situações expressamente previstas na lei – artigo 8.º, nº2 do supracitado diploma. Mesmo nestes casos, SÉRVULO CORREIA mencionava que “do ajuste algumas provas documentais ficarão constituídas, nem que não seja para efeitos de cumprimento das regras de gestão financeira”74.
Também havia diplomas que autorizavam a conclusão do contrato administrativo com dispensa de formalidades, pelo que não seria necessário o visto do Tribunal de Contas.
v. Fim de interesse público: era, e ainda é, imprescindível que um contrato administrativo prosseguisse fins de interesse público75.
71 Para mais desenvolvimentos, cf. XXXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx, Contrato Administrativo, p. 28.
72 XXXXXXX, Xxxxxxxx, Manual…, p. 592 e pp. 605-307; XXXX, Xxxxxxx de/ XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx, Contrato Administrativo, pp. 25-26; XXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxx, Requiem…, pp. 79-81; XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx do, Xxxxx…, 2002, pp. 602-603.
73 Ver ainda os artigos 12.º (“Cláusulas Contratuais”) e 13.º (“Formalidades dos Contratos”).
74 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx, Contrato Administrativo, p. 35.
75 XXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxx, Requiem…, pp. 83-88.
O interesse público era o interesse de uma determinada comunidade, num dado momento; era os “direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos” (vejamos, a este respeito, o artigo 266.º, nº1 da CRP). Deste modo, o interesse público era definido legalmente, consoante a sociedade em questão – conceito variável que tinha de ser prosseguido através de uma boa administração76.
Estes elementos essenciais, enunciados anteriormente, induziam a ideia de que os contratos administrativos eram uma figura excecional, mas tal não podemos aceitar, porque estes eram, e ainda são, uma das formas de atuação do contraente público, ao lado do administrativo e do regulamento administrativo77.
1.2. Os Poderes Exorbitantes do Contraente Público
A Administração Pública/contraente público, para prosseguir o interesse público, detinha de certos poderes de autoridade (as denominadas prerrogativas exorbitantes) que os contraentes privados não tinham. Garantia-se, assim, uma posição privilegiada da Administração em relação à outra parte, competindo à Administração, na execução do contrato, a delimitação das exigências do interesse público. Sendo que o contraente privado ficava sujeito igualmente aos imperativos do interesse público78.
Os intitulados poderes exorbitantes que a Administração possuía eram são os subsequentes: poder de direção, poder de fiscalização, poder de resolução unilateral, o poder sancionatório e poder de modificação unilateral79.
Estes poderes de autoridade podiam ser estipulados por lei ou por contrato80/81.
1.2.1. Poder de Direção
Este poder permitia ao ente público emitir ordens, instruções, avisos e notificações, proceder a verificações e medições e outros atos necessários para haver uma correta
76 Para mais desenvolvimentos, cf. XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx do, Xxxxx…, 2002, pp. 35-38.
77 XXXXXXXXX, Xxxxx, O Contrato Administrativo:…, pp. 60-61.
78 Sobre a natureza da teoria dos “poderes exorbitantes”, Cf. XXXXX, Xxxxx Xxxxx, “A conformação…”, p. 525-526; XXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxx, Requiem…, pp. 93-100 e pp. 120-122.
79 O legislador elencou estes poderes no CPA de 1991, no artigo 180.º. Atualmente estão previstos no artigo 302.º do CCP, sendo que apenas se acrescentou a estes, o poder de ordenar a cessão da posição contratual do cocontratante para terceiro.
80 Havia uma divisão doutrinal (entre França e Alemanha) na aceitação da estipulação contratual dos poderes de autoridade. Cf. XXXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx, Contrato Administrativo, pp. 720-723;
81 Para mais desenvolvimentos acerca da fonte dos poderes de autoridade, cf. XXXXXXXXX, Xxxxx, O Contrato Administrativo:…, pp. 105-107.
execução do contrato. O poder de direção extraía-se do artigo 157.º, nº1 do Decreto-Lei n.º 48 871, de 00-00-000000.
Assim, havia uma estabilização do contrato, mantendo-o dentro dos critérios em que foi celebrado83. Sendo, portanto, um poder de integração. De facto, existia uma subordinação do contraente particular ao ente público devido ao interesse público que tinha de ser devidamente prosseguido84.
Em síntese, o exercício do poder de direção compreendia a emanação de ordens dirigidas ao contraente particular, para que este executasse corretamente as prestações contratuais85.
1.2.2. Poder de Fiscalização
Este poder significava que a Administração Pública podia fiscalizar o modo como o particular estava a executar o contrato, através de inspeções, vistorias, medições, pedidos de esclarecimentos, entre outros. Isto porque a Administração não podia deixar que o interesse privado do cocontratante se sobrepusesse ao interesse público86.
Ora este poder encontrava-se minuciosamente regulado pela lei, nomeadamente nos artigos 154.º a 159.º do Decreto-Lei n.º 48 871, de 19-02-1969, para os contratos de empreitada de obras públicas87. Este supracitado diploma, no seu artigo 155.º, mencionava que “[À] fiscalização incumbe vigiar e verificar o exacto cumprimento do projecto e suas alterações, do contrato, do caderno de encargos e do plano de trabalhos em vigor (…)”. Também havia casos em que era o próprio contrato que fixava os termos em que deveria ter lugar a fiscalização.
No entanto, e segundo XXXXXXXX XXXXXXX, quando as leis, regulamentos e contratos eram omissos, este poder de fiscalização nunca poderia ser negado ao contraente público88.
82 Mais tarde, o CPA de 1991 previu este poder no artigo 180.º, alínea b). Cf. XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx de/ XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxx/ AMORIM, Xxxx Xxxxxxx de, Código…, pp. 825-826.
83 XXXX, Xxxxxxx de/ CORREIA, Xxxxxxxx Xxxxx, Contrato Administrativo, p. 36.
84 XXXXXXX, Xxxxxxxx, Manual…, pp. 617-618; XXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxx, Requiem…, pp. 126-127.
85 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx de, Direito Administrativo, Vol. I, Coimbra, Almedina, 1980, p. 695.
86 XXXXXXX, Xxxxxxxx, Manual…, pp. 616-618; XXXX, Xxxxxxx de/ XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx, Contrato Administrativo, p. 36; XXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxx, Requiem…, pp. 124-126.
87 Poder este que o CPA de 1991 passou a prever expressamente no artigo 180.º, alínea d). Cf. XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx de/ XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxx/ AMORIM, Xxxx Xxxxxxx de, Código…, pp. 826-827.
88 XXXXXXX, Xxxxxxxx, Manual…, p. 617.
Note-se que existiam limites ao poder de fiscalização e ao poder de direção.
Estes limites eram os seguintes89:
i. O próprio contrato, nomeadamente as suas cláusulas e o seu objeto – a Administração não podia afastar o objeto do contrato, porque era este que individualizava o contrato, de tal maneira que, caso se procedesse à sua substituição, haveria a extinção de uma relação contratual e à formação de outra;
ii. O dever de não onerar, dificultar ou impedir o cumprimento do contrato sem fundamento adequado – artigo 157.º do Decreto-Lei n.º 48 871.
Nas palavras de XXXXXXXX XXXXXXX, “o particular tem o dever de, procurando embora realizar o seu legítimo interesse, prosseguir o interesse público, concretizado no objeto do contrato, com o mesmo espírito que deve animar a Administração; mas esta, por sua vez, além de cumprir exata e pontualmente aquilo a que se obrigou, deve facilitar ao outro contraente o cumprimento das suas obrigações evitando embaraçá-lo mais do que as exigências normais da fiscalização inevitavelmente imponham”90.
Posto isto, ainda é importante referir que os poderes de fiscalização e direção eram exercidos através do uso de prerrogativas de autoridade pela Administração, por intermédio de atos administrativos definitivos ou de atos preparatórios que se impunham executoriamente à outra parte91.
1.2.3. Poder Sancionatório
Este poder permitia ao ente público impor licitamente ao cocontratante o cumprimento daquilo a que se comprometera, sem colocar em causa a regularidade e continuidade do uso dos bens e dos serviços públicos.
89 Ibidem, pp. 617-618.
90 Ibidem.
91 No entendimento de XXXXXXX XX XXXXXXXX, apesar dos poderes de direção e fiscalização serem apreciados judicialmente mediante ação administrativa e não de recurso contencioso de anulação, não deixavam de ter natureza de atos administrativos. Referia, pois, que era o entendimento mais correto para o artigo 218.º, nº1 do Decreto-Lei nº 48 871. De facto, se os atos da Administração não revestissem a natureza de ato administrativo, prejudicava-se a satisfação dos interesses públicos.
Acrescentava ainda que a admissão de ação administrativa, neste âmbito, era uma garantia dada ao cocontratante, uma vez que era desta forma que se reconhecia o direito a uma sentença de plena jurisdição e não somente a anulação do ato ferido por violação do contrato. Todavia, esta garantia era demasiado demorada, podendo resultar em prejuízo para o cocontratante. Cf. XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx de, Direito Administrativo, pp. 695-696.
As sanções contratuais, no âmbito do contrato administrativo, reprimiam as violações contratuais e tinham como objetivo a satisfação do interesse público, no qual o cocontratante foi designado a colaborar ativa e diretamente. Por isso é que estas sanções eram diferentes, no que tocava ao conteúdo e natureza, das sanções contratuais privadas92.
É importante indicar que as sanções podiam estar previstas na lei (exemplo: artigos 174.º e 175.º do Decreto-Lei nº 48 87193) ou nos próprios contratos (exemplo: quando havia uma cláusula no contrato a referir que a Administração poderia apropriar-se da caução prestada pelo cocontratante caso houvesse violação do contrato).
Note-se que a aplicação unilateral das sanções contratuais não era livre e incondicionada, uma vez que a Administração só podia sancionar o cocontratante depois de o “constituir em mora”, ou seja, depois de o ter avisado de que o seu comportamento violava as cláusulas contratuais94/95.
1.2.4. Poder de Resolução Unilateral
Este poder permitia que a Administração rescindisse licitamente o contrato, de maneira a não afetar a regularidade e continuidade do uso dos bens e dos serviços públicos administrativos96/97.
XXXXXXX XX XXXXXXXX mencionava que, quando a rescisão do contrato aparecesse imposta pela Administração, considerava-se uma sanção pelas faltas contratuais da outra parte, englobando-a, consequentemente, no poder sancionatório98. Acrescentava ainda que apenas podia ocorrer em caso de falta grave, salvo se a lei ou o contrato aplicassem a resolução a algum facto menos importante – como, por exemplo, aplicação de multas no contrato de empreitada99.
92 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx de, Direito Administrativo, p. 697; XXXXXXXXX, Xxxxx de/ VENEZIA, Xxxx- Xxxxxx/ XXXXXXXX, Xxxx, Traité de Droit Administratif, Tome I, 12ª edição, Paris, Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, 1992, pp. 683-684; XXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxx, Requiem…, pp. 127-130.
93 Em 1991, o CPA passou a prever este poder expressamente no artigo 180.º, alínea e). Cf. XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx de/ XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxx/ AMORIM, Xxxx Xxxxxxx de, Código…, p. 827.
94 Ressalve-se, aqui, os casos previstos contratualmente ou casos excecionais e de urgência.
95 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx de, Direito Administrativo, p. 698.
96 Poder este que passou a estar expressamente previsto no artigo 180.º, alínea e) do CPA. Cf. XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx de/ XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxx/ AMORIM, Xxxx Xxxxxxx de, Código…, p. 826.
97 Este poder distinguia-se da rescisão nos contratos privados, porque podia ser utilizado pela Administração sem previsão legal ou contratual. XXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxx, Requiem…, pp. 138-140.
98 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx de, Direito Administrativo, p. 697 e pp. 720-721.
99 Ibidem, p. 698.
Note-se que a Administração tinha de ouvir o cocontratante antes de impor a rescisão do contrato (artigo 209.º, nº1 do Decreto-Lei n.º 48 871).
Por fim, é importante referir, acerca deste poder, que a rescisão por mera conveniência administrativa constituía um princípio geral aplicável aos contratos de colaboração subordinada, embora, nestes casos, fosse devida ao cocontratante uma indemnização pelos danos emergentes e pelos lucros cessantes provenientes da rescisão (artigo 208.º, nº1 do Decreto-Lei n.º 48 871).
1.2.5. Em especial, o Poder de Modificação
1.2.5.1. Pressupostos da Modificação
A Administração Pública tinha o poder de unilateralmente introduzir modificações estritamente necessárias no conteúdo do contrato, sempre que o interesse público o impusesse, e desde que respeitasse o objeto do contrato, ficando o cocontratante subjugado a essas alterações100. A aceitação deste poder era a corrente dominante na doutrina jurídico- administrativa101. Era intitulado pela doutrina de jus variandi ou fait du prince, porque é, de facto, o poder que mais colocava em causa a lógica do pactum.
O fundamento do poder de modificação consistia no facto de o cocontratante ficar diretamente ligado à satisfação do interesse público, estando, assim, subordinado a uma cláusula de sujeição, implícita ou explicitamente em qualquer contrato administrativo, “segundo a qual a Administração pode intervir nas condições jurídicas ou mesmo somente nas condições de facto que constituem o ambiente em que o cocontratante da Administração executa o contrato”102.
Este poder encontrava-se previsto na lei, quanto às empreitadas de obras públicas, nos artigos 22.º, 23.º, 40.º e 135.º do Decreto-Lei n.º 48 871, de 00-00-0000000. Também podia estar previsto no próprio contrato, desde que as partes o indicassem expressamente,
100 XXXXXXX, Xxxxxxxx, Manual…, pp. 618-623; XXXX, Xxxxxxx xx/ XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx, Contrato Administrativo, p. 37; XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx de, Direito Administrativo, pp. 698-703.
101 De referir que os principais ordenamentos jurídicos europeus, excluindo o alemão, aceitavam, em geral, os poderes unilaterais do contrato (embora com algumas diferenças entre eles); já o alemão negava completamente estes poderes. Em Portugal, primeiramente negava-se estes poderes, mas logo depois vieram as teses afirmativas. Cf. XXXXXXX, Xxxxxxxx X. Xxxxxx xx Xxxxxxx, O Poder de Modificação…, pp. 85-96.
102 XXXX, Xxxxxxx de/ CORREIA, Xxxxxxxx Xxxxx, Contrato Administrativo, p. 37.
103 O CPA de 1991 veio prever este poder, no artigo 180.º, alínea a). Cf. XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx de/ XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxx/ AMORIM, Xxxx Xxxxxxx de, Código…, p. 825.
sendo que a modificação tinha de ser “fundada na circunstância de o contrato administrativo gerar um vínculo de colaboração e sujeição entre a Administração e um particular, em ordem à prossecução de um determinado aspecto do interesse público por que aquela é responsável”104.
Por conseguinte, o contraente público podia, a qualquer momento, adaptar as prestações do cocontratante105 às evoluções do interesse público em causa, sendo que não constituiria uma violação contratual, mas apenas um ato de autoridade, incluído, obviamente, nos seus poderes de supremacia106.
A doutrina francesa intitulava genericamente o poder de modificação das prestações contratuais de “fait du prince”, distinguindo o fait du prince em sentido amplo (qualquer modificação, seja qual for a sua fonte) e o fait du prince em sentido estrito (modificação efetuada pelo contraente público)107. XXXXXXXX XXXXXXX também entendia que eram noções semelhantes108. Mas tal não pode ser aceite atualmente como veremos no capítulo III da presente tese109.
Podia acontecer, eventualmente, que a modificação fosse imposta por outra pessoa coletiva de direito público. Exemplificando, num contrato celebrado por uma Autarquia Local, podia o Estado ter o poder de regulamentar e fiscalizar o contrato.
XXXXXXXX XXXXXXX resumia a doutrina acerca desta matéria da seguinte
forma:
a) “A Administração pode, nos contratos administrativos em que seja parte, impor ao outro contraente modificações nas prestações convencionais ou
104 XXXXXXX, Xxxxxxx de, “Para a Teoria do Contrato Administrativo: Limites e Efeitos do Exercício do poder de Modificação Unilateral pela Administração”, in: Estudes de Direito Público em Honra do Professor Xxxxxxxx Xxxxxxx, Lisboa, Edições Ática, 1973, p. 76.
105 Relembre-se que estes são uma ferramenta de realização do interesse público.
106 Claramente, a Administração, para prosseguir o interesse público, devia procurar sempre os melhores processos técnicos e os meios materiais e jurídicos de realizá-lo.
107 LAUBADÈRE, Xxxxx xx, Traité Theórique et Pratique des Contrats Administratifs, Tome III, Paris, Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, 1956, pp. 23-69.
108 XXXXXXX, Xxxxxxxx, Manual…, p. 620; XXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxx, Requiem…, pp. 130-131.
109 De facto, e deixando aqui as bases atuais da sua diferença, o poder (“jus variandi”) não se confunde com o denominado, pela doutrina francesa, “fait du prince”, uma vez que o poder de modificação pressupõe um ato administrativo no exercício do poder administrativo, ou seja, é um ato de autoridade do ente público que celebrou o contrato, que produz diretamente efeitos no contrato; já o “fait du prince” pode resultar de um ato genérico (geral e abstrato), praticado por outro ente público, externo ao contrato administrativo, mas que teve efeitos indiretos no contrato. Cf. XXXXXXX, Xxxxxxxx X. Xxxxxx xx Xxxxxxx, O Poder de Modificação…, pp. 115-116.
alterar por sua autoridade as condições jurídicas e técnicas de execução do contrato;
b) Estas modificações e alterações são feitas no exercício do Poder público, por via de regulamentos ou atos administrativos definitivos e executórios e obrigam em virtude da cláusula especial de sujeição do contraente particular;
c) Mas como é da essência do contrato administrativo que a sujeição do particular seja voluntária e remunerada, ao ato do Poder que autoritariamente afete o equilíbrio financeiro inicial deve em princípio corresponder a revisão das cláusulas de remuneração para procurar restabelecer as condições normais de risco”110.
No que toca ao poder de modificação, mencionava SÉRVULO CORREIA que tanto podia pertencer ao órgão administrativo contratante como ao cocontratante privado e que “(…) materializa a ideia de colaboração, nuclear do contrato administrativo. Na maioria das vezes, na vida social como nas figuras de Direito, a colaboração não traduz uma rigorosa igualdade de situações entre quem a recebe e quem a presta, mas sim uma adstrição a alguém que permanece numa posição dominante. É precisamente o que ocorre através dos contratos administrativos”111.
Acrescentava ainda que este era um poder discricionário, sendo “delimitado pelo fim a que a lei o concede: a necessidade de adaptar o contrato a novas circunstâncias para salvaguarda dos interesses públicos. Só este motivo determinante legítima a modificação que, além disso, conhece outros limites objectivos postos pela própria estrutura do instituto em que se insere a decisão administrativa. Um deles (…) é a interdependência de interesses, que impõe em tal caso a revisão das cláusulas de remuneração. Outro, directamente relacionado com o fim legal do poder discricionário de introduzir modificações, é posto pela causa-função do contrato. Esta não poderá ser alterada, transformando-se o contrato noutro de tipo distinto porque, em tal eventualidade, já não se estaria apenas a adaptar uma certa relação obrigacional a novas exigências do interesse público, mas sim a optar por um meio radicalmente distinto de ir ao encontro de tais necessidades. Assim, por exemplo, a Administração nunca poderia decidir unilateralmente a mutação de um contrato de fornecimento contínuo em contrato de empreitada de obras públicas”112.
110 XXXXXXX, Xxxxxxxx, Manual…, pp. 622-623.
111 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx, Contrato Administrativo, p. 32.
112 Ibidem, pp. 32-33.
i. O Caso de Força Maior e o Caso Imprevisível
É ainda importante alertar que podia haver modificação dos contratos independentes da vontade dos contraentes, ou seja, por factos alheios à vontade das partes, como sucedia no caso de força maior e o caso imprevisto – estes casos eram involuntários e imprevisíveis no momento da celebração do contrato administrativo, muito embora fossem uma possibilidade (e se ocorresse não se sabia que influência teriam no contrato), sendo que podiam ter impactos bastante consideráveis113.
Por um lado, podia ocorrer o caso de força maior, ou seja, era o “facto imprevisível e estranho à vontade dos contraentes que impossibilita absolutamente de cumprir as obrigações contratuais” (itálico nosso)114. Deste modo, tinha como requisitos: a imprevisibilidade e a impossibilidade. Aqui o cocontratante ficava exonerado da obrigação de cumprir as suas obrigações, não havendo lugar a qualquer tipo de responsabilidade. Todavia, se estivesse estipulado no contrato, poderia o eventual risco ser suportado pela Administração. Exemplos: tremor de terra, incêndio, greves, atos de guerra, entre outros115. Quanto aos casos de força maior vejamos o artigo 170.º (“Caso de força maior”) do Decreto- Lei n.º 48 871116.
Por outro lado, podia ocorrer o caso imprevisto, isto é, “facto estranho à vontade dos contraentes que, determinando a modificação das circunstâncias económicas gerais, torna a execução do contrato muito mais onerosa para uma das partes do que caberia no risco normalmente considerado” (itálico nosso)117. Neste caso, o cocontratante não ficava exonerado da obrigação de cumprir, apenas podia rescindir o contrato, pedir a revisão das cláusulas de remuneração ou ser indemnizado. Aqui, estávamos perante a teoria da
113 Atualmente estas situações estão previstas legalmente.
114 XXXXXXX, Xxxxxxxx, Manual…, pp. 623-624; XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx de, Direito Administrativo, pp. 718-719.
115 MELO, Xxxxxxx de/ CORREIA, Xxxxxxxx Xxxxx, Contrato Administrativo, p. 38; XXXXXXX, Xxxxxxxx,
Manual…, pp. 623-624.
116 O ARTIGO 170.º (“Caso de força maior”) previa que: “1. Cessa a responsabilidade do empreiteiro por falta, deficiência ou atraso na execução do contrato quando se verifique caso de força maior devidamente comprovado. 2. Os danos causados nos trabalhos de uma empreitada por caso de força maior devidamente comprovado serão suportados pelo dono da obra quando não correspondam a riscos que devam ser seguros pelo empreiteiro nos termos do contrato. 3. Consideram-se, para os efeitos deste diploma, casos de força maior ùnicamente os que resultem de acontecimentos imprevistos e irresistíveis cujos efeitos se produzam independentemente da vontade ou das circunstâncias pessoais do empreiteiro, nomeadamente actos de guerra ou subversão, epidemias, radiações atómicas, fogo, raio, graves inundações, ciclones, tremores de terra e outros cataclismos naturais que directamente afectem os trabalhos da empreitada” (itálico nosso).
117 XXXXXXX, Xxxxxxxx, Manual…, p. 625.
imprevisão, “cujo fundamento jurídico no contrato administrativo devia ir buscar-se ao próprio fundamento do princípio do “pacta sunt servanda”: sempre que o equilíbrio de interesses fosse alterado profundamente por factos imprevisíveis e alheios às pessoas dos contraentes, os princípios da equidade e da boa-fé, que vinculavam as partes ao cumprimento do estipulado, impunham também que se equacionassem de novo os termos do contrato”118. Quanto aos efeitos da teoria da imprevisão observemos o artigo 173.º (“Revisão por alteração das circunstâncias) do Decreto-Lei n.º 48 871 (com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 232/80, de 16 de julho)119. Em relação aos requisitos da teoria da imprevisão, era necessário um facto imprevisto e imprevisível; estranhos às pessoas dos contraentes; anormais; situação contratual deficitária; e não interrupção do cumprimento das prestações120.
A jurisprudência francesa referia que o caso imprevisto é um “bouleversement du contrat”, ou seja, era uma perturbação profunda, absolutamente anormal, que as partes não podiam prever no momento da celebração do contrato121.
1.2.5.2. Limites à Modificação
O poder de modificação unilateral do contrato estava sujeito a severos limites e impunha contrapartidas, porque, caso contrário, este poderia levar a uma “desnaturação do
118MELO, Barbosa de/ CORREIA, Xxxxxxxx Xxxxx, Contrato Administrativo, pp. 39-41; XXXXXXX, Xxxxxxxx, Manual…, pp. 625-634; XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx de, Direito Administrativo, p. 712; XXXXXXXXX, Xxxxx de/ VENEZIA, Xxxx-Xxxxxx/ XXXXXXXX, Xxxx, Traité de Droit…, pp. 698-703.
119 ARTIGO 173.º (Revisão por alteração das circunstâncias): “1 - Quando as circunstâncias em que as partes hajam fundado a decisão de contratar sofram alteração anormal e imprevisível, segundo as regras da prudência e da boa-fé, de que resulte grave aumento de encargos na execução da obra que não caiba nos riscos normais, o empreiteiro terá direito à revisão do contrato para o efeito de, conforme a equidade, ser compensado do aumento dos encargos efectivamente sofridos ou se proceder à actualização dos preços. 2 - O preço das empreitadas e fornecimentos de obras públicas será revisto nos termos das cláusulas insertas nos contratos, as quais, todavia, deverão subordinar-se aos princípios fundamentais previstos na lei especial aplicável. 3 - Se na data da ordem do pagamento da situação de trabalhos não forem conhecidos os valores finais dos índices, o dono da obra deve proceder ao pagamento provisório com base no valor inicial previsto no contrato ou com base no valor inicial revisto em função da última situação económica conhecida. 4 - Logo que os elementos necessários sejam determinados, o dono da obra procederá integralmente à revisão. 5 - O acerto da revisão referido no número anterior pode, contudo, desde que o contrato o estipule, ser efectuado no fim da empreitada ou no fim de cada ano para as empreitadas cuja execução se prolongue por vários anos” (itálico nosso). A lei especial aplicável, referida no nº2 do supracitado artigo, era o Decreto-Lei n.º 273-B/75, de 3 de junho. Para mais desenvolvimentos, cf. XXXX, Xxxxxxx de/ XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx, Contrato Administrativo, pp. 40-41; XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx de, Direito Administrativo, pp. 715-716.
120 Para um maior aprofundamento dos requisitos da teoria da imprevisão, cf. XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx de, Direito Administrativo, pp. 713-714; e quanto ao seu funcionamento, ibidem, pp. 714-715. Cf. ainda CORREIA, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx, Contrato Administrativo, pp. 36-38.
121 Cf. XXXXXXXXX, Xxxxx xx, Traité Théorique…, Tomo III, pp. 15-19, mais concretamente acerca do
“bouleversement du contrat”, pp. 17-18.
próprio conceito de contrato, quando se admitisse que o seu exercício fosse livre e incondicionado”122/123.
i. Objeto do Contrato
Como anteriormente mencionámos, a modificação apenas era possível se se respeitasse o objeto contratual, que se encontrava especificado nas cláusulas contratuais124, uma vez que se a Administração alterasse as prestações a que o cocontratante estava obrigado pelo contrato, não lhe podia exigir outras que não estivessem no seu objeto125. O objeto do contrato administrativo correspondia aos poderes e deveres relativos às prestações. Esta era a visão adotada por XXXXXXXX XXXXXXX, que consagrava, assim, o princípio da intangibilidade do objeto na modificação contratual. Exemplificando, a Administração não podia alterar o objeto contratual de uma reconstrução de um edifício para a construção de um novo edifício, porque já iria alterar o objeto contratual.
Todavia, havia autores que não adotavam o princípio da intangibilidade do objeto do contrato administrativo, ou seja, defendiam a suscetibilidade de alteração unilateral do objeto do contrato:
• XXXX XX XXXX XXXXXXX defendia que a Administração, ao exercer o poder de modificação unilateral, alteraria obrigatoriamente o próprio objeto do contrato administrativo. Acrescentava ainda que havia uma predominância da Administração na relação contratual e, por isso, existia juridicamente um “elevado grau de indeterminação do objecto da referida obrigação”126. Este grau de indeterminação seria superior ao que era permitido no Direito Privado (verificava-se aqui um ponto de distinção entre os contratos administrativos e contratos privados)127.
122 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx de, Direito Administrativo, p. 699.
123 XXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxx, Requiem…, pp. 133-135.
124 A indicação do objeto no contrato era exigida por lei. Exemplos: artigos 6.º, 15.º, 103.º e 113.º do Decreto- lei n.º 48 871.
125 Esta ideia era unânime da doutrina portuguesa e estrangeira. Vejamos, a título de exemplo, LAUBADÈRE, Xxxxx xx, Traité Théorique…, Tomo II, p. 339.
126 XXXXXXX, Xxxx xx Xxxx, Teoria Jurídica…, p. 275.
127 XXXXXXX XX XXXXXXX criticava esta posição, referindo que “a determinação ou indeterminação do objecto, contrariamente ao que sustentou Xxxx Xxxxxxx, é um problema que se prende com a própria essência do contrato e que, portanto, se põe nos mesmos termos quanto aos contratos de Direito privado e quando aos de Direito público. Mas a intangibilidade do objecto não é prejudicada pela modificação meramente quantitativa ou formal das prestações, desde que estas subsistam com a caracterização fundamental assumida no momento da celebração do contrato”. Cf. XXXXXXX, Xxxxxxx de, “Para a Teoria do Contrato Administrativo:…”, pp. 78-79.
• XXXX XXXXXX XXXXXXX XXXXXXX defendia que a Administração podia unilateralmente alterar o objeto do contrato ou ordenar apenas modificações quantitativas das prestações e nas circunstâncias da sua realização. Portanto, este autor recuperou a tese da livre modificabilidade do objeto do contrato administrativo, uma vez que considerava que o objeto do contrato eram as próprias prestações sobre que incidiam os direitos e obrigações por ele constituídas e, assim sendo, o poder de modificação exercido pela Administração envolvia inevitavelmente a modificação do objeto do contrato (e não somente as prestações contratuais).
O último autor referia ainda que, tanto na visão dele como na de XXXXXXXX XXXXXXX, “(…) nas hipóteses em que as coisas ou serviços a que respeitam as prestações foram precisamente determinadas no contrato (fornecimento de bens de um certo padrão; exploração de uma certa linha de caminho de ferro) não parece de considerar que o objecto do contrato seja apenas a actividade em abstracto – ou apenas os poderes e deveres relativos a uma actividade em abstracto – (fornecimento de coisas, exploração de linhas de caminho de ferro). Antes se afigura objecto a actividade pessoal do devedor concreta e individualmente considerada. O direito à prestação e o dever de prestar não se reportam a uma forma abstracta mas a uma acção objectivada através de certa coisa ou certo serviço. Só assim se explica que a obrigação se extinga quando a prestação debitória se torne impossível por causa imputável ao devedor, mesmo que este pudesse fornecer outras coisas ou prestar serviço diferentes. Fora pois dos casos em que as prestações estipuladas são indeterminadas (embora sempre determináveis), o poder da Administração de ordenar unilateralmente a sua alteração parece resolver a faculdade de modificar o objecto”128.
Mas estas duas posições referidas não nos parecem corretas (nem antigamente, nem atualmente), porque o objeto do contrato tem de ser obrigatoriamente definido no que diz respeito à sua natureza e tem de ser explícito quanto às obrigações do cocontratante e contraente público, de maneira a não haver, portanto, indeterminação do objeto. Assim, poderá haver modificação das prestações contratuais (e não do objeto), dentro dos limites delimitados pelo próprio objeto do contrato (que tem de ser suficientemente determinado).
XXXXXXX XX XXXXXXX menciona que “o contrato, como livre acordo de vontade para a auto-regulamentação de interesses das partes, só pode existir desde que se identifiquem os interesses a regular e fiquem claros os termos em que se estabelece a sua
128 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx, Contrato Administrativo, p. 32.
regulamentação. Esta corresponde à definição do complexo de direitos e deveres que ele faz nascer entre as partes. É o objecto desses direitos e deveres que constitui o objecto do contrato, cujo grau de indeterminação não pode depender da circunstância de a relação constituída estar submetida a um regime de Direito público ou de Direito privado. O grau de indeterminação do objecto para além do qual não há contrato é o mesmo em Direito Público ou em Direito privado. Que o contrato administrativo se caracterize essencialmente por uma indeterminação do objecto maior do que a do contrato de Direito privado não nos parece assim aceitável. Os direitos e deveres que nascem do contrato administrativo incidem sobre o objecto do contrato, ou seja, as prestações a que o particular se obriga, a actividade através da qual colaborará na satisfação de certa necessidade pública. A natureza dessa actividade não poderá ser alterada unilateralmente pela Administração. Apenas à medida que a necessidade se for modificando a Administração tentará adaptar a actividade à sua satisfação, sem, todavia, poder ir até ao ponto em que essa actividade «deixe de ser o que é» passe a ser algo de diverso do que se convencionou. É a própria lógica do contrato que não o permite” (itálico nosso)129.
De facto, o poder de modificação unilateral do contrato administrativo tinha de respeitar a intangibilidade do objeto contratual, incidindo apenas estas modificações sobre as condições das prestações contratuais.
Neste âmbito é necessário distinguir o objeto contratual e as prestações contratuais, que era realizado pela doutrina e jurisprudência130, uma vez que só se podia modificar as últimas. Por conseguinte, o contraente público só podia alterar as obrigações contratuais, no que toca à sua quantidade, qualidade, modelo, condições técnicas e jurídicas de execução. Não podia obviamente ordenar ao cocontratante a prestação de uma atividade diferente daquela que foi estipulada131.
XXXXXXX XX XXXXXXXX referia alguns exemplos acerca desta matéria, nomeadamente132/133:
129 ATHAYDE, Xxxxxxx de, “Para a Teoria do Contrato Administrativo:…”, p. 79.
130 Os tribunais administrativos defendiam a intangibilidade do objeto do contrato administrativo, como se poderá ver no Acórdão da 1ª Secção do STA, de 23 de abril de 1937; no Acórdão da 1ª Secção do STA, de 24 de julho de 1959; e no Acórdão da 1ª Secção do STA, de 22 de junho de 1962. Para mais desenvolvimentos, cf. XXXXXXX, Xxxxxxx de, “Para a Teoria do Contrato Administrativo:…”, pp. 80-81.
131 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx de, Direito Administrativo, p. 699.
132 Ibidem, pp. 699-700.
133 XXXXXXX XX XXXXXXX também menciona alguns exemplos de modificações que ofendem e que não ofendem o objeto do contrato. Cf. XXXXXXX, Xxxxxxx de, “Para a Teoria do Contrato Administrativo:…”, pp. 81-85.
a. Primeiro, o contraente público podia impor ao empreiteiro de obras públicas que prolongasse a estrada cuja construção lhe foi adjudicada por mais uns quilómetros; ou que em vez de a contornar pela montanha, podia fazer-se um túnel sob a montanha e a estrada passava por baixo dela;
b. Segundo, o contraente público podia obrigar também que o cocontratante/fornecedor mudasse a qualidade do papel fornecido.
c. Terceiro, podia alterar-se os prazos de execução de uma obra ou prestação de serviços.
Logo, podia haver modificação unilateral dos contratos em vários aspetos, mas nunca se poderia modificar o objeto dos mesmos. A modificação incidia, portanto, apenas sobre as prestações contratuais.
Deste modo, não podia o contraente público exigir a realização de uma obra nova ou diferente como, por exemplo, em vez da construção de uma estrada, havia uma construção de aqueduto de água134. Tal já não era possível, porque se mudaria o objeto do contrato, ou seja, era uma atividade qualitativamente diferente daquela que constava no contrato135.
É importante referir que os autores não conseguiram formular mais escrupulosamente o critério das modificações que ofendem e que não ofendem o objeto do contrato administrativo. Assim, tinha de se ver, caso a caso, se a modificação unilateral extravasa ou não o objeto contratual.
Revela-se agora importantíssimo fazer a seguinte questão: será que, além das cláusulas que definiam o objeto, havia outras insuscetíveis de modificação unilateral pelo contraente público? Ou seja, será que havia cláusulas modificáveis e cláusulas imodificáveis, independentemente da sua qualificação como regulamentares e contratuais? Por um lado, XXXXXXX XX XXXXXXX respondia negativamente à pergunta, rejeitando a distinção entre cláusulas contratuais (que definiam os direitos e deveres recíprocos dos cocontratantes, não interferindo com o modo da realização do interesse público) e cláusulas regulamentares (eram incluídas no contrato, mas diziam respeito à exploração e utilização dos bens, obras ou serviços públicos, controlando a forma como eles deviam ser organizados e prestados aos seus utentes), tradicional em França136. Este autor
134 De igual forma, não se podia pedir ao fornecedor de papel que passe a fornecer doravante candeeiros ou cadernos.
135 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx de, Direito Administrativo, p. 700.
136 XXXXXXX, Xxxxxxx de, “Para a Teoria do Contrato Administrativo:…”, pp. 85-90; XXXXXXXXX, Xxxxx xx, Traité Théorique…, Tomo II, p. 339.
referia também que eram modificáveis as cláusulas respeitantes ao serviço a efetuar, que determinavam as prestações que o cocontratante teria de fazer no interesse do serviço; e já serão imodificáveis as cláusulas que determinavam as vantagens e garantias económicas que levaram o cocontratante a celebrar o contrato, ou seja, são cláusulas que não mexiam com a organização e funcionamento do contrato137/138.
Por outro lado, XXXXXXX XX XXXXXXXX defendia que não era correta a distinção entre cláusulas modificáveis e imodificáveis unilateralmente, uma vez que não considerava que “esteja subjacente à distinção tradicional a ideia de que as cláusulas de incidência económica e financeira nas relações entre os contraentes são cláusulas «contratuais» e, portanto, imodificáveis”. Acrescentava ainda que a distinção era adequada para as cláusulas de incidência económica, quando estas não se repercutiam diretamente na exploração do serviço, obra ou bem público. Caso contrário a cláusula seria considerada regulamentar e, consequentemente, modificável139.
Concluindo, o objeto do contrato administrativo era intocável, pelo que era este que individualizava o contrato, de tal maneira que a sua modificação/substituição corresponderia à extinção de uma relação contratual e à formação de outra nova.
ii. Equilíbrio Económico-financeiro do Contrato
A modificação unilateral do contrato, na visão de XXXXXXXX XXXXXXX, além de não permitir a alteração objeto contratual, também não podia passar os limites da capacidade económico-financeira do cocontratante140.
Deste modo, era necessário haver um equilíbrio financeiro do contrato, porque caso a Administração o infringisse, esta era obrigada a estabelecer o equilíbrio do contrato, nos termos do qual o cocontratante firmou as suas previsões quando o celebrou. Tinha de se
137 ATHAYDE, Xxxxxxx de, “Para a Teoria do Contrato Administrativo:…”, pp. 85-86.
138 De referir que a suprema jurisprudência portuguesa acolhia a distinção entre cláusulas modificáveis e imodificáveis. Observemos, por exemplo, o Acórdão da 1ª Secção, de 5 de março de 1937; o Acórdão da 1ª Secção, de 24 de março de 1939; Acórdão da 1ª Secção, de 7 de novembro de 1941; e Xxxxxxx da 1ª Secção, de 2 de julho de 1946. Para mais desenvolvimentos, cf., ATHAYDE, Xxxxxxx de, “Para a Teoria do Contrato Administrativo:…”, pp. 86-88.
139 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx de, Direito Administrativo, p. 701.
140 Diferentemente, SÉRVULO CORREIA defendia a possibilidade de alteração do objeto do contrato, mas, para tal ser possível, tinha de haver o equilíbrio das prestações. Cf. XXXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx, Contrato Administrativo, p. 33.
manter o equilíbrio financeiro inicialmente previsto, apesar das posteriores alterações impostas pela Administração141.
Este fundamento de dever da Administração em compensar/indemnizar o cocontratante era intitulado pela doutrina, nacional e estrangeira, como a “teoria tradicional do equilíbrio financeiro do contrato administrativo”, que se se resumia da seguinte forma: “as obrigações das partes foram calculados de tal maneira que se equilibram sob o ponto de vista financeiro e o juiz do contrato deverá esforçar-se por manter, custe o que custar, esse equilíbrio. As prestações das partes estão em correlação umas com as outras e, se as de uma delas aumentam ou diminuem, é conforme com a equidade e o fim do contrato (e com a intenção comum das partes) que as da outra variem no mesmo sentido”142.
Apesar de o ato de modificação unilateral do contrato administrativo pela Administração ser lícito e iníquo, esta tinha o dever de indemnizar o cocontratante.
SÉRVULO CORREIA referia que era “um mecanismo corretor destinado a assegurar ao particular co-contratante que a relação obrigacional alterada sem o seu consentimento lhe continuará a proporcionar satisfações de intensidade idêntica. Este mecanismo é o chamado princípio da reciprocidade dos interesses, ou do equilíbrio financeiro ou ainda da equação financeira do contrato, pela primeira vez exposto fundamentadamente pelo comissário do Governo Blum perante o «Conseil d’État», em 1910, no caso «Compagnie Française des Tramways” (itálico nosso)143/144.
Este autor acrescentava ainda que era “um mecanismo próprio dos contratos administrativos, porque se destina a contrabalançar dentro de um esquema que se pretende continue contratual, o «fait du prince», isto é, o poder, que também só nestes contratos existe, de uma das partes alterar sem carecer do consentimento da outra, as prestações ou as respectivas circunstâncias. Trata-se, assim: duma garantia da «álea administrativa», inconfundível com a garantia da «álea económica», comum a todos os contratos, constituída pelo princípio da imprevisão. Através do princípio do equilíbrio financeiro não se indemnizam prejuízos causados por circunstâncias excepcionais e imprevisíveis alheias à
141 Sobre a modificação objetiva do contrato e o equilíbrio financeiro antes do CCP, cf. Acórdão do TCA-S, de 12-09-2013, processo n.º 05723/09, 2º Juízo do Contencioso Administrativo.
142 ATHAYDE, Xxxxxxx de, “Para a Teoria do Contrato Administrativo:…”, p. 91.
143 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx, Contrato Administrativo, pp. 33-34.
144 Acerca do modelo francês, cf. XXXXXXXXX, Xxxxx xx, Traité Théorique…, Tomo II, p. 33; XXXXXXX, Xxxxxxxx X. Xxxxxx xx Xxxxxxx, O Poder de Modificação…, pp. 69-73.
vontade das partes: mantém-se um equilíbrio que, por respeito ao significado do contrato, a administração não pode romper”145.
XXXXXXXX XXXXXXX entendia que a reposição do equilíbrio financeiro era sempre da responsabilidade do contraente público, pelo que se aplicava indistintamente, desde que as condições respeitantes à execução das obrigações do particular fossem alteradas por lei, regulamento ou ato administrativo. Ou seja, não distinguia os casos de modificação do contrato provenientes de ato administrativo do contraente público ou provenientes de outro órgão da Administração146.
Posto isto, o equilíbrio económico-financeiro do contrato podia estar previsto na lei (como, por exemplo, se encontrava nos artigos 27.º e 40.º do Decreto-Lei n.º 48 871) ou no contrato (quando as partes fixavam o valor máximo dentro do qual o contraente público podia modificar a quantidade das prestações contratuais). Também podia acontecer que a lei não estabelecesse um valor máximo, permitindo ao cocontratante a demonstração que não detinha do equipamento ou organização imprescindíveis para a realização das modificações determinadas pelo contraente público147.
Quando não havia disposições legais ou contratuais aplicáveis respeitantes à indemnização, XXXXXXX XX XXXXXXX entendia “que não tem de ser reparado o prejuízo sofrido pelo contraente que vê a Administração intervir para limitar os seus lucros excessivos. Na verdade estamos perante um acto lícito e que, (…), se não pode considerar iníquo: não é contrário ao princípio da interdependência dos interesses que a Administração intervenha para impedir o sobrelucro de um à custa da coletividade”148.
O supracitado autor defendia que, em termos globais, tanto os danos emergentes como os lucros cessantes (lucrum cessans) tinham de ser revestidos por uma indemnização. Por um lado, quanto aos danos emergentes, se a Administração impusesse aumentos quantitativos no contrato administrativo, devia esta pagar uma indemnização ao cocontratante. Aqui incluíam-se diferentes tipos de danos, sendo que todos eles tinham de ser indemnizados, desde que se verificasse a existência de um nexo de causalidade. Exemplos: quando o contraente público renunciava a alguma prestação contratual e consequentemente gerasse encargos para o cocontratante; quando havia despesas
145 CORREIA, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx, Contrato Administrativo, p. 34.
146 XXXXXXX, Xxxxxxxx, Manual…, pp. 620-623.
147 Neste caso existia, em regra, a possibilidade da execução das prestações modificadas serem realizadas pelo cocontratante, sendo que este ou as aceitava ou tinha direito à rescisão do contrato.
148 ATHAYDE, Xxxxxxx de, “Para a Teoria do Contrato Administrativo:…”, p. 101.
complementares, em geral, devido à modificação; entre outros149. Por outro lado, tinha também de haver indemnização dos lucros cessantes, uma vez que se houvesse prejuízos “decorrente de acto lícito iníquo, a regra da igualdade perante os encargos justifica a reparação de todo o prejuízo iniquamente causado”150. Neste caso, tinha de se verificar, caso a caso, quais os lucros que foram efetivamente prejudicados (e consequentemente não foram colhidos pelo cocontratante) com a modificação unilateral. Sendo certo que o valor da indemnização não devia ser nem superior nem inferior ao prejuízo efetivamente sofrido151.
Deste modo, podia afirmar-se que os danos emergentes eram de determinação mais ao menos segura e os lucros cessantes já ostentavam um maior grau de incerteza.
É ainda importante expor que o poder de modificação unilateral envolvia sempre a alteração proporcional das contrapartidas económicas previstas no contrato a favor daquele que tinha que suportar as consequências desse exercício152.
De facto a teoria do equilíbrio financeiro significava que o contraente público, quando impunha um acréscimo das prestações ao seu cocontratante, obrigava-se a compensá-lo na medida proporcional. Contudo, quando impunha uma diminuição das prestações inicialmente estipuladas, havia uma diminuição das correspondentes contrapartidas económicas153.
Não existia uma fórmula rigorosa para estabelecer o equilíbrio económico- financeiro e, por isso, tinha de haver uma correta ponderação dos encargos ou prejuízos causados pela Administração ao cocontratante.
Em suma, o cocontratante tinha direito a ser indemnizado, caso a modificação unilateral de qualquer cláusula, presente no contrato, lhe causasse um encargo ou prejuízo com que ele não contara inicialmente, aquando da celebração do contrato. XXXX XXXXXXX mencionava que “rigorosamente a administração não indemniza; restabelece um equilíbrio determinado que se obrigara a manter”154.
149 Ibidem, pp. 101-102.
150 Ibidem, p. 101.
151 Ibidem, p. 102.
152 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx de, Direito Administrativo, p. 702.
153 Para mais desenvolvimentos acerca da teoria do equilíbrio financeiro, cf. XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx de, Direito Administrativo, pp. 706-711; ATHAYDE, Xxxxxxx de, “Para a Teoria do Contrato Administrativo:…”, pp. 91-99.
154 XXXXXXX, Xxxx xx Xxxx, Teoria Jurídica…, p. 270.
iii. Direito à Resolução do Contrato?
O cocontratante podia ainda pedir a rescisão do contrato quando entendesse que as modificações exigidas ultrapassavam, devido à sua importância ou à sua natureza, a sua capacidade técnico-financeira. Assim, se a modificação fosse lícita155, a Administração não devia obrigar o cocontratante a continuar a execução, uma vez que, e apesar da eventual indemnização, o mais provável era o cocontratante não cumprir o contrato e depois seria necessário contabilizar a sua responsabilidade contratual. Isto dava muito mais trabalho e seria mais demorado, comparativamente à rescisão contratual.
A possibilidade de rescisão por parte do cocontratante estava prevista e regulada, quanto às empreitadas de obras públicas, no artigo 27.º a 30.º do Decreto-Lei n.º 48 871, de
19 de fevereiro de 1969. Quanto aos restantes contratos administrativos, poderia eventualmente o cocontratante ter direito à rescisão do contrato, mas tinha de se ver, caso a caso, se poderia ou não haver esta possibilidade. A impossibilidade do cocontratante em executar a modificação podia revelar-se em qualquer um dos aspetos da sua atividade, mas é dela que dependia a existência do direito à rescisão do contrato156.
Concluindo, quando havia modificação do contrato, o cocontratante podia ter direito a uma indemnização ou rescisão do contrato.
155 Se fosse ilícita bastava pedir a anulação da modificação.
156 Para mais desenvolvimentos acerca deste ponto, cf. XXXXXXX, Xxxxxxx de, “Para a Teoria do Contrato Administrativo:…”, pp. 103-106.
CAPÍTULO III – REGIME ATUAL: As Alterações Mais Recentes, Em Especial, A Modificação Objetiva do Contrato Administrativo
1. A Influência do Direito Europeu
O direito dos contratos públicos tem diversas fontes, não se circunscrevendo exclusivamente ao direito nacional. Atualmente tem como fontes principais o Direito da União Europeia e o direito internacional.
De facto, “existe um extenso leque de normas convencionais e de soft law que operam no plano internacional”157. Destaca-se, sobretudo, a influência do direito europeu, uma vez que há uma harmonização e aproximação de legislações entre todos os Estados- Membros da União Europeia, vigorando o Princípio do Primado do Direito União Europeia158. Efetivamente, o “[D]ireito Administrativo dos Estados-Membros é, cada vez mais, Direito Europeu concretizado”159.
A publicação do CCP em 2008 (aprovado no âmbito da transposição das diretivas europeias da contratação pública de 2004 do Parlamento Europeu e do Conselho160), e posteriores alterações ao mesmo, foi faseadamente determinada, em grande parte, pela necessidade de adaptar a legislação nacional às diretrizes europeias, de modo a haver uma uniformização dos procedimentos na contratação pública.
Note-se que o CCP de 2008, por um lado, dotou o contrato administrativo de uma maior administratividade que até aqui este não tinha, porque o CPA de 1991 disciplinava o contrato insuficientemente e, por outro lado, compilou toda a matéria dos contratos públicos num único diploma, porque até aqui havia uma dispersão, em diplomas avulsos, da regulamentação normativa dos contratos.
As diretivas de 2004 comportaram inovações relevantes no âmbito da regulamentação dos procedimentos de adjudicação dos contratos públicos, no uso de mecanismos de contratação eletrónica e de desmaterialização de procedimentos, por
157 XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxx, Manual…, pp. 295-296; Idem, Direito…, 2021, pp. 44-45. Para mais desenvolvimentos quanto às fontes de regulamentação do direito dos contratos públicos, vejamos as pp. 44-68 da obra referida. Cf. ainda SÁNCHES, Xxxxx Xxxxxxxxx, Direito…, pp. 37-41.
158 XXXXX, Xxxxx, Manual de Direito Administrativo, Vol. I, Coimbra, Coimbra Editora, 2013, pp. 518-527.
159 Ibidem, p. 525.
160 Diretiva 2004/17/CE, relativa à coordenação dos processos de adjudicação nos setores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais; e a Diretiva 2004/18/CE relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços.
exemplo161. Todavia, apesar das alterações operadas em virtude do direito europeu, manteve- se o conceito de contrato administrativo e afastou-se o conceito de contrato privado da Administração Pública para um campo secundário, especialmente, quando esteja em causa uma entidade que integre a Administração, mas não esteja no exercício da função administrativa.
Em 2017 houve uma profunda alteração ao CCP, efetuada pelo Decreto-Lei n.º 111- B/2017, de 31 de agosto, devido à transposição das Diretivas de 2014 do Parlamento Europeu e do Conselho162. Estas diretivas revelam, na sequência das anteriores, a renovação do esforço das autoridades europeias para assegurar a efetiva liberdade de contratação no espaço europeu.
Por conseguinte, e relativamente ao regime da modificação, o artigo 72.º da Diretiva 2014/24/UE163 determinou uma “reformulação global do regime de modificação de contratos públicos no sentido da sua considerável flexibilização, atribuindo às Administrações Públicas dos Estados-Membros importantíssimos meios de gestão e adaptação dos seus contratos em resposta às necessidades de interesse público que surgem durante a execução. Sem esquecer que o exercício do poder de modificação contratual se mostra muito sensível em vista da possível defraudação da concorrência que tenha sido realizada no procedimento pré-contratual, o legislador europeu revelou uma meritória razoabilidade quanto ao equilíbrio a adoptar nesta matéria164, sobretudo ao admitir que a necessidade de flexibilização contratual será tanto maior quanto mais duradouros ou mais complexos forem os negócios celebrados pela Administração Pública”165.
161 Para mais desenvolvimentos, cf. CEDOUA/ FDUC/IGAT, Contratação Pública Autárquica, Coxxxxx, Xxxxxxxx, 0000, pp. 33-41; XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx, Os Poderes do Contraente Público…, pp. 20- 24.
162 Diretiva 2014/23/UE, relativa à adjudicação dos contratos de concessão; Diretiva 2014/24/UE, relativa aos contratos públicos, que revogou e substituiu a Diretiva 2004/18/CE; Diretiva 2014/25/UE, relativa aos contratos públicos celebrados pelas entidades que operam nos setores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais e que revogou e substituiu a Diretiva 2004/17/CE. De referir que anteriormente à transposição das Diretivas de 2004 vigoravam os seguintes regimes: Regime Jurídico Realização Despesas Públicas e da Contratação Pública (Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de junho); e o Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas (Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de março).
163 FONTOURA, Xxxx Xxxx da, “Modificação objetiva do contrato: uma leitura dos artigos 312.º e 313.º do Código dos Contratos Públicos à luz do artigo 72.º da Diretiva 2014/24/UE", in: Comentários à Revisão do Código dos Contratos Públicos, 3ª edição, Lisboa, AAFDL, 2019, pp. 1131-1151.
164 Esta razoabilidade advém das diversas possibilidades de modificação dos contratos que os Estados- Membros poderiam adotar. Assim, os Estados-Membros possuíam uma agilidade, que antes não tinham, para proteger os seus meios de gestão.
165 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxxx, A Revisão de 2021…, pp. 107-108.
Porém, foi “verdadeiramente surpreendente que o legislador português de 2017 tivesse repudiado a oferta que o Direito Europeu lhe assegurou, procedendo unicamente a alterações do regime da modificação contratual no sentido da sua rigidificação, e não da sua flexibilização, dificultando ainda mais o exercício da actividade contratual pública”166. Obviamente que esta opção legislativa portuguesa foi alvo de duríssimas críticas doutrinárias167.
Consequentemente, o CCP foi alvo de alterações pela Lei n.º 30/2021, de 21 de maio168, que, a nosso ver, corrigiu alguns equívocos cometidos em 2017. Esta lei está relacionada com a revisão do CCP de 2017, por um lado, e com a pandemia internacional da Covid-19, por outro.
Note-se que a Lei 30/2021, de 21 de maio, entrou em vigor a 20 de junho de 2021, sendo que “as alterações à parte III do Código dos Contratos Públicos relativas a modificação de contratos e respetivas consequências aprovadas pela presente lei aplicam-se aos contratos que: a) Venham a resultar dos procedimentos de formação que se iniciem após a data da sua entrada em vigor; b) Se encontrem em execução à data da sua entrada em vigor, desde que o fundamento da modificação decorra de facto ocorrido após essa data” (itálico nosso) – artigos 28.º e 27.º da Lei n.º 30/2021, de 21 de maio.
No presente capítulo, iremos abordar com pormenor as alterações efetuadas à modificação objetiva contratual. De facto, todos os artigos referentes à modificação (artigos 311.º-315.º do CCP) foram alterados. Houve, portanto, uma “substancial reformulação das disposições do Código nesta matéria. Simultaneamente, aproveitou-se a oportunidade para proceder também a uma simplificação adicional de algumas disposições já oriundas da versão inicial de 2008 e cuja complexidade vinha dificultando a sua correcta interpretação”169/170.
166 Ibidem, p. 108.
167 Acerca deste ponto, cf. XXXXXXX, Xxxxx Xxxxx de, Teoria Geral do Direito Administrativo, 5ª Edição - Atualizada e Refundida, Coxxxxx, Xxxxxxxx, 0000, pp. 502-503.
168 Esta lei, além de efetuar importantíssimas alterações no CCP, aprovou medidas especiais de contratação pública, permitindo uma verdadeira “simplificação, desburocratização, flexibilização” dos procedimentos pré- concursais”. Para mais desenvolvimentos, cf. XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxx, “A revisão da revisão de 2017 do Código dos Contratos Públicos”, in: Questões Atuais de Direito Local, nº 30, Braga, AEDREL, abril/junho de 2021, pp. 39-41; XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxxx, A Revisão de 2021…, pp. 47-59.
169 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxxx, A Revisão de 2021…, p. 108.
170 Tenha-mos presente, aqui, o CCP de 2008.
Atualmente, por um lado, pode dizer-se que há uma “europeização do direito administrativo”171, que se verifica também nos ordenamentos internos de outros Estados- Membros da União Europeia e, por outro, há também uma internacionalização/globalização do direito administrativo172.
2. Regime do Contrato Administrativo no CCP: Breves Notas
O regime jurídico dos contratos administrativos é delimitado especialmente pelo Direito Administrativo (mais concretamente pelo CPA e CCP), por leis especiais, pelo Direito da União Europeia e pelo Direito Internacional.
Primo, o CPA, quanto ao regime substantivo do contrato administrativo, no artigo 202.º, nº1, refere que “[A]s relações contratuais administrativas são regidas pelo Código dos Contratos Públicos ou por lei especial, sem prejuízo da aplicação subsidiária daquele quando os tipos de contratos não afastem as razões justificativas da disciplina em causa”. Por sua vez, o nº2 deste preceito menciona que, estando em causa “contratos sujeitos a um regime de direito privado”, são aplicáveis aos órgãos da Administração Pública as disposições do presente Código que concretizam preceitos constitucionais e os princípios gerais da atividade administrativa173/174.
171 Para mais desenvolvimentos, cf. XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxx, Direito…, 2021, pp. 53-58 e pp. 89-93; XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx, Os Poderes do Contraente Público…, pp. 19-24; XXXXX, Xxxxx, Manual…, pp. 522-525; XXXXXXXX, Xxxxxx, Direito…, pp. 16-27.
172 Inicialmente, a globalização identificava-se com o conceito de compras públicas. Mas atualmente já não é assim. Para mais desenvolvimentos relativamente à internacionalização do direito administrativo, cf. XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxx, Direito…, 2021, pp. 45-53; XXXXX, Xxxxx, Manual…, pp. 513-518 e pp. 527- 530; VIANA, Cláudia, “A Globalização da Contratação Pública e o Quadro Jurídico Internacional”, in: Estudos de Contratação Pública, Vol. I, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, pp. 23-49; XXXXXXXX, Xxxxxx, Direito…, pp. 14-16; XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxxx, Direito…, Vol. I, Lisboa, AAFDL, 2020, pp. 37-41.
173 Por exemplo: compra e venda, doação, permuta, arrendamento de bens imóveis ou contratos similares - artigo 4.º, nº 2, alínea c) do CCP. Embora, como se trata da atividade de entes públicos, tenham sempre de ser respeitados os princípios fundamentais que regem todas as atuações administrativas (artigo 2.º, nº 5 do CPA).
174 Este artigo regula o regime substantivo e, como se vê, tem uma estrutura simplificada, porque o CCP estabelece com algum rigor e cuidado o regime dos procedimentos administrativos de formação das principais espécies de contratos públicos e o regime substantivo comum dos contratos administrativos. Por isso, o legislador optou por sintetizar, mediante remissão, o sistema das fontes disciplinadoras e os aspetos estruturais relativos aos regimes aplicáveis. O legislador fê-lo na vertente substantiva, mas também na vertente procedimental, relativamente a todos os contratos celebrados pela Administração Pública.
De notar, que o CCP não se aplica à formação de todos os contratos administrativos, vem estatuir-se que na ausência de lei própria se aplica, à formação destes, o regime geral do procedimento administrativo (artigo 201.º, nº3 do CPA). Cf. XXXXXXXXX, Xxxxxxxx/ XXXXX, Xxxxxx Xxxx/ XXXXXX, Xxxxx/ XXXXXXXXX, Xxx Xxxxxx/ XXXXXXX, Xxxxx/ XXXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx, Novo Código…, p. 256.
Secundo, o CCP determina, no Título I da Parte III175, o regime geral aplicável à generalidade dos contratos administrativos e, no Título II176, os regimes de diversos contratos administrativos em especial: empreitada de obras públicas, concessões de obras públicas e de serviços públicos, locação de bens móveis, aquisição de bens móveis e aquisição de serviços177.
Posto isto, a autonomização de um regime substantivo aplicável somente aos contratos administrativos pretende assegurar a prossecução do interesse público, que prevalece sobre o próprio contrato administrativo. O interesse público prevalece, portanto, sobre o princípio do pacta sunt servanda, visto que se existisse uma sujeição total a este princípio “seria subvertida toda a lógica do direito público”178.
O regime do contrato administrativo, na visão de XXXXXXXX XXXXX XXXXXXXX e XXXXXXXXXX XXXX, “caracteriza-se genericamente por conferir à entidade pública uma posição de supremacia jurídica sobre o cocontratante, na medida em que determina a sua investidura em poderes públicos de autoridade, que tornam desiguais as posições jurídicas das partes no contrato: a relação contratual não é de pura paridade”179. Embora, claro, estejam garantidos os direitos e interesses dos cocontratantes privados.
Não obstante, esta disparidade relacional entre as partes não é totalmente incompatível com o princípio do pacta sunt servanda, uma vez que existem legalmente formas de garantia dos interesses do cocontratante em face daqueles poderes, que modelam e imperam sobre o estipulado entre as partes, particularmente na obrigação do contraente público indemnizar o contraente privado.
É importante referir que, quando o CCP revogou os artigos 178.º a 189.º do CPA de 1991, inseriu uma maior preocupação em fortalecer a autonomia contratual das partes, para responsabilizar todos os intervenientes nas relações contratuais, bem como uma repartição de riscos na execução dos contratos180.
Tendo em conta o exposto, o regime substantivo corresponde a uma ponderação equilibrada entre o princípio do interesse público (que fundamenta os preceitos
175 Artigos 278º-342º do CCP.
176 Artigos 343º-454º do CCP.
177 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxx de, Lições…, 2017, p. 271; XXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx/ XXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx, Noções Fundamentais…, p. 318.
178 XXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx/ XXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx, Noções Fundamentais…, p. 318.
179 Ibidem.
180 Ibidem, pp. 318-319.
determinantes da prevalência do contraente público181) e a garantia dos interesses do cocontratante (para proteção da confiança e defesa dos seus interesses, nomeadamente em razão dessa prevalência182)183.
Atente-se que a aplicação do regime substantivo determinado no CCP é somente para os contratos celebrados pelos contraentes públicos (indicados no CCP) no âmbito da respetiva gestão pública (isto é, quando exercem “funções materialmente administrativas”), não se incluindo aqui os contratos que os contraentes públicos celebram em torno da gestão privada184.
De referir ainda que a pandemia causada pela Covid-19 “colocou em crise a normal e regular execução dos contratos públicos (e administrativos), de forma não imputável à vontade dos cocontratantes, como, por exemplo, com aqueles ligados ao normal e regular funcionamento das atividades letivas (…)”185.
2.1. Os Poderes do Contraente Público (Poderes de Conformação)
Ora, o contrato, ao ser qualificado como administrativo, pressupõe que, por norma, e a menos que outra coisa resulte de lei especial ou da natureza do próprio contrato (por exemplo, contratos de atribuição), são reconhecidos à Administração os poderes expostos no artigo 302.º do CCP. Sendo que, para além destes poderes, podem haver nos contratos administrativos outros poderes ou deveres especiais, de supra ou infra ordenação jurídica, entre contraente público e particular186.
Por conseguinte, o artigo 302.º do CCP187 prevê um conjunto de “poderes do contraente público” no âmbito e nos termos do contrato, “salvo quando outra coisa resultar da natureza do contrato188 ou da lei189” (itálico nosso). Estes poderes são os seguintes: “a)
181 Ligada, em regra, à mutabilidade e adaptação do conteúdo contratual.
182 Relacionada, em regra, à garantia da estabilidade e do equilíbrio das prestações contratuais.
183 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxx de, Lições…, 2017, pp. 273-274.
184 Vejamos, aqui, o artigo 3.º do CCX.
000 XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxx, “Institutos Jurídico-contratuais…”, pp. 109-110.
186 AMARAL, Xxxxx Xxxxxxx do, Curso…, 2020, pp. 520-521.
187 Corresponde ao que constava anteriormente no artigo 180.º do CPA, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de novembro. Cf. XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx de/ XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxx/ AMORIM, Xxxx Xxxxxxx de, Código…, pp. 821-829. Ao manter-se este elenco de poderes de autoridade manifesta-se “uma sedimentação doutrinal e jurisprudencial nesta sede. É a dimensão da legalidade a prevalecer sobre a dimensão da autonomia, ainda que com a estrita tutela dos princípios da prossecução do interesse público, da igualdade e da proporcionalidade”. Cf. XXXXX, Xxxxx Xxxxx, “A conformação…”, p. 522.
188 Ou seja, se o contrato administrativo for de cooperação paritária.
189Isto é, lei especial que estabeleça um regime diferente.
Dirigir o modo de execução das prestações; b) Fiscalizar o modo de execução do contrato;
c) Modificar unilateralmente as cláusulas respeitantes ao conteúdo e ao modo de execução das prestações previstas no contrato por razões de interesse público, com os limites previstos no presente Código; d) Aplicar as sanções previstas para a inexecução do contrato; e) Resolver unilateralmente o contrato; f) Ordenar a cessão da posição contratual do cocontratante para terceiro” (itálico nosso)190.
Estes são os poderes legalmente previstos, todavia há autores que admitem existir mais poderes, nos contratos administrativos, diretamente resultantes de lei como, por exemplo, o poder de apreensão de garantias ou o poder de denúncia191.
Nas palavras de XXXXXX XX XXXXXXX, “ressalvadas estas exceções, o contraente público detém destes poderes contratuais por força da lei, independentemente de estarem ou não previstos expressamente nas espécies contratuais concretas”(itálico nosso)192. Sendo que estes poderes permitem garantir “a funcionalidade da execução do contrato quanto à realização do interesse público visado – exprimem um princípio ou cláusula de sujeição ao fim contratual ou da reserva do contraente público (…)” (itálico nosso)193.
Os poderes do contraente público na execução do contrato – exceto o poder de aplicação de sanções contratuais e o poder de ordenar a cessão da posição contratual do cocontratante, que têm que estar claramente previstos e consagrados no mesmo ou na lei – são poderes intrínsecos à função do contrato, isto é, “são poderes-deveres, dos quais a Administração não pode abrir mão, uma vez que estão funcionalizados à prossecução do interesse público. Constituem poderes conaturais ao contrato administrativo, pelo que
190 Efetivamente, o artigo 302.º do CCP, “recuperando o regime, nos seus aspetos fundamentais, os princípios do contrato administrativo de matriz jurisprudencial francesa, já evidenciados no CPA, mas que agora, com o novo diploma, ganham uma dimensão renovada”. Cf. XXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx/ XXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx, Noções Fundamentais…, p. 319.
Eu concordo com os autores supracitados, porque faz todo o sentido os poderes da Administração estarem consagradas num código onde se estabelece a disciplina aplicável à contratação pública e o regime substantivo dos contratos públicos que revistam a natureza de contrato administrativo.
De facto, não há grandes alterações do anterior para o atual regime, porque olhando para o artigo 180.º do CPA de 1991, o CCP de 2017 acrescentou apenas um poder: poder de ordenar a cessão da posição contratual do cocontratante para terceiro.
191 Para alguns exemplos nesse sentido, cf. XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx de/ XXXXXXXXX, Xxxxx/ XXXXXX, Xxxx Xxxxxxx de, Código…, pp. 827-828.
192ANDRADE, Xxxx Xxxxxx Xxxxxx de, Lições…, 2017, p. 274.
193 Ibidem.
existem apesar da ausência de previsão contratual e impõem-se contra a (eventual) exclusão prevista no contrato”194/195.
Efetivamente os contratos administrativos são marcados pela desigualdade entre as partes, uma vez que a Administração pode, autoritariamente, modificar o contrato, fiscalizar, ou até mesmo determinar a resolução do mesmo, por exemplo.
Todavia, a gestão dos contratos públicos, segundo XXXXX XXXXXXXXX, “não deve limitar-se a referenciar a dimensão de autoridade e de desigualdade presentes no regime de certos contratos públicos. O conceito abrange outras facetas ou momentos do dever ser da intervenção do contraente público, destacando-se desde logo o acompanhamento da relação contratual, orientado numa perspectiva profilática ou preventiva, no sentido de evitar ou prevenir eventos de incumprimento por parte do contraente privado196.
É importante referir que os poderes de conformação da relação contratual não têm obrigatoriamente de existir sempre nos contratos administrativos, uma vez que estes podem ser afastados por lei especial ou pela própria natureza do contrato (isto é, quando a função que o contrato desempenha é incompatível com o exercício dos poderes públicos, apesar de ser uma função que visa um fim de interesse público – contratos interadministrativos, contratos com objeto passível de ato administrativo e contratos sobre o exercício de poderes públicos). De facto, uma lei que retire os poderes de conformação, terá de ser uma lei especial, determinada pela natureza dos interesses a realizar e as circunstâncias que reduzem e presidem à contratação. Sendo que podem ser excluídos todos ou alguns poderes de conformação. Se forem retirados todos os poderes de autoridade do cocontratante, será um “contrato administrativo paritário”197.
Densificando o artigo 302.º do CCP, os poderes de conformação da relação contratual são os subsequentes198:
194 XXXXX, Xxxxx Xxxxx, “A conformação…”, p. 526.
195 Cf. ainda XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx, Os Poderes do Contraente Público…, pp. 60-61; XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx, Comentário…, p. 713; XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx de/ MATOS, Xxxxx Xxxxxxx de, Contratos Públicos:…, pp. 140-141.
196 XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxx, “Gestão de contratos públicos em tempo de crise”, in: Estudos de Contratação Pública, Vol. III, Coimbra Editora, 2010, p. 19.
197 XXXXXXXXX, Xxxxx, O Contrato Administrativo:…, pp. 112-113.
198 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxx de, Lições…, 2017, pp. 274-275; XXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx/ XXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx, Noções Fundamentais…, pp. 319-324; XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx, Comentário…, pp. 714-717; AMARAL, Xxxxx Xxxxxxx do, Curso…, 2020, pp. 522-554; XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx de/ MATOS, Xxxxx Xxxxxxx de, Direito Administrativo Geral, Xxxx XXX (Atividade Administrativa), 2ª Edição, Lisboa, Dom Quixote, 2009, pp. 405-419; XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx da, Código dos Contratos Públicos:…, 2019, pp. 637-654; XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx de/ XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx de, Contratos Públicos:…, pp. 140-150; XXXXX, Xxxxx Xxxxx, “A conformação…”, pp. 524-557.
i. Poder de Direção
Traduz-se na eventualidade de o contraente público dirigir ordens, diretivas e instruções escritas (ou reduzidas a escrito) vinculativas ao cocontratante particular sobre a maneira de execução técnica, financeira ou jurídica199 das prestações contratuais (artigo 304.º, nº2 e nº3 do CCP).
Deste modo, e na esteira do nº3 do referido artigo, é o contraente público que decide discricionariamente em que circunstância é necessário recorrer às ordens verbais. Sendo que estas serão escritas e notificadas ao cocontratante no prazo de 5 dias, salvo justo impedimento. Muito embora a ordem não esteja escrita, se o justo impedimento for invocado reconhece-se que a ordem foi dada200. Caso contrário, terá o cocontratante de confirmar por escrito que a ordem foi dada, pelo que procedeu/irá proceder ao seu cumprimento, notificando o contraente público201. Assim, e tendo em consideração o princípio da boa-fé e o princípio da colaboração recíproca202, as ordens verbais têm de ser cumpridas, ainda que a ordem escrita garanta ao cocontratante explicitamente o que pretende o contraente público. Este poder é sobre o modo de execução (modus faciendi) das prestações e pretende assegurar a funcionalidade da execução do interesse público (artigos 303.º, nº1 e 286.º do CCP). Por isso, está sujeito a limites, devendo limitar-se ao estritamente necessário para a prossecução do interesse público e de modo a não perturbar a execução do contrato, com a observância das regras legais ou contratuais aplicáveis e sem diminuir a iniciativa e responsabilidade do cocontratante (artigo 303.º, nº2 do CCP e ainda o artigo 304.º, nº1, que prevê a “(…) reserva de autonomia técnica ou de gestão do cocontratante que se encontre
199 Há um controlo sobre o cumprimento das obrigações contratuais de natureza técnica em geral (fiscalização técnica), incidindo sobre a gestão económica do contrato por parte do cocontratante (fiscalização financeira) e também sobre o cumprimento das obrigações/deveres do cocontratante (fiscalização jurídica). Cf. XXXXXXXXX, Xxxxx, A Concessão de Serviços Públicos, Xxxxxxx, Xxxxxxxx, 0000, p. 248; Idem, Contrato administrativo:…, p. 110.
200 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx da, Código dos Contratos Públicos:…, 2019, p. 647.
201 Já o artigo 182.º do RJEOP (“Modos de actuação da fiscalização”) estabelecia algo semelhante: “1 - Para realização das suas atribuições, a fiscalização dará ordens ao empreiteiro, far-lhe-á avisos e notificações, procederá às verificações e medições e praticará todos os demais actos necessários. 2 - Os actos referidos no número anterior só poderão provar-se, contra ou a favor do empreiteiro, mediante documento escrito. 3 - A fiscalização deverá processar-se sempre de modo a não perturbar o andamento normal dos trabalhos e sem diminuir a iniciativa e correlativa responsabilidade do empreiteiro” (itálico nosso). – Este preceito foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro.
202 Artigos 286.º e 289.º do CCP respetivamente.
assegurada no contrato ou que decorra do tipo contratual aplicável ou, ainda dos usos sociais.”)203.
Assim sendo, e sintetizando, o poder de direção está sujeito a três princípios limitativos204:
i. Princípio de otimização do fim de interesse público prosseguido pelo contrato administrativo (artigos 303.º, nº1 e 304.º, n.º1);
ii. Princípio de respeito pela autonomia da contraparte, pois este poder limita- se ao estritamente necessário (artigos 303.º, nº2 e 304.º, nº1);
iii. Princípio de não diminuição da responsabilidade da contraparte (artigo 303.º, nº3).
Pode dizer-se que este poder é natural nos contratos de prestação de serviços, sendo que existe também na empreitada de obras públicas e em determinadas concessões – “apesar de, pelo papel de substituto da Administração que assume, se deve reconhecer, por via de regra, uma maior autonomia funcional do concessionário em relação a outros tipos de cocontratantes da Administração”205.
A Administração, através deste poder, não impõe novas obrigações (não exerce, portanto, o seu poder de modificação unilateral do contrato), desenvolve apenas as obrigações contratuais, impondo ao cocontratante o cumprimento das obrigações que este assumiu.
Ora, o poder de direção é um “poder de integração do que o contrato já estabelece”206, visto que algumas das obrigações que o cocontratante assume podem estar definidas através de conceitos vagos ou indeterminados (por exemplo, obrigação de agir com a “máxima segurança para os utentes”, em “condições de operacionalidade”, de “eficiência”, de “segurança”)207. Visa preencher as lacunas e os conceitos genéricos, no âmbito da
203 Este poder de direção, segundo XXXXX XXXXXX, tem “(i) a finalidade positiva de assegurar que o contrato seja executado de forma a prosseguir o interesse público visado na decisão de contratar (art. 303.º, n.º 1), e (ii) a finalidade negativa de impedir que o contrato seja executado de modo inconveniente ou inoportuno para o interesse público (art. 304.º, n.º1)”. Cf. XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx, Os Poderes do Contraente Público…,
p. 73. Também nesta esteira, cf. XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx de/ XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx de, Contratos Públicos:…, p. 142.
204 Sobre estes limites e suas vantagens, cf. XXXXX, Xxxxx Xxxxx, “A conformação…”, pp. 527-528.
205 AMARAL, Xxxxx Xxxxxxx do, Curso…, 2020, p. 523; XXXXXXXXX, Xxxxx, A Concessão…, pp. 243-246. 206 XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxx/ XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx de/ AMORIM, Xxxx Xxxxxxx de, Código…, pp. 825-826; XXXXXXXXX, Xxxxx, O Contrato Administrativo:…, p. 110; XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx, Os Poderes do Contraente Público…, p. 74; XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx de/ XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx de, Contratos Públicos:…, pp. 142-143.
207 AMARAL, Xxxxx Xxxxxxx do, Curso…, 2020, pp. 523-524.
execução das prestações contratuais “carentes de regulamentação ou insuficientemente reguladas de forma a impedir que o contrato seja executado de modo inconveniente ou inoportuno para o interesse público (…) – artigo 304.º, nº1 do CCP –, ou seja, é um poder integrativo que abrange a possibilidade de realização do modus faciendi do cocontratante na execução das prestações contratuais208.
Note-se, no entanto, se uma ordem, diretiva ou instrução do contraente público não for cumprida, aquele não a pode impor coercivamente. Isto é, o contraente público não dispõe do privilégio da execução prévia (regime constante no artigo 309.º do CCP)209.
Acrescente-se ainda que se o cocontratante entender que as ordens dadas contêm algum tipo de erro ou vício deve dizê-lo ao contraente público. Se este mantiver a ordem, o cocontratante não é responsável por eventuais danos que poderão surgir.
ii. Poder de Fiscalização
Constitui a possibilidade do contraente público vigiar e controlar, ou seja, fiscalizar técnica, financeira e juridicamente a execução do contrato, de maneira a poder delimitar as necessárias correções e aplicar as devidas sanções (artigo 305.º, nº1 do CCP).
Este poder “constitui penhor da realização do concreto interesse público que subjaz ao contrato”210. Sendo que se realiza através de pedidos (ao contraente privado) de informações e esclarecimentos, vistorias, inspeções de locais, equipamentos, documentação, registos informáticos e contabilidade, corretamente documentados e reduzidos ao que se prenda imediatamente com o modo de execução do contrato e que não representem segredos profissionais ou comerciais (artigo 305.º, nº2 do CCP).
Deste modo, a entidade pública acompanha a execução do contrato, vigiando ou controlando essa execução, verificando eventuais insuficiências ou deficiências e, deste modo, evitando surpresas prejudiciais ao interesse público; podendo ainda sancionar o cocontratante pelos erros na execução do contrato211.
208 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx, Os Poderes do Contraente Público…, p. 73; XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx de/ XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx de, Contratos Públicos:…, pp. 142-143; XXXXX, Xxxxx Xxxxx, “A conformação…”, p. 527.
209 Anteriormente, estava previsto no artigo 187.º do CPA de 1991. Este artigo foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, que aprovou o CCP. Cf. XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx de/ XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxx/ AMORIM, Xxxx Xxxxxxx de, Código…, pp. 852-855.
210 XXXXX, Xxxxx Xxxxx, “A conformação…”, p. 529.
211 AMARAL, Xxxxx Xxxxxxx do, Curso…, 2020, p. 524; XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx, Os Poderes do Contraente Público…, p. 75.
O exercício do poder de fiscalização deve ainda ficar documentado em autos, relatórios ou livros próprios (artigo 305.º, nº3 do CCP).
A fiscalização não atenua nem elimina as responsabilidades técnicas e os encargos próprios do cocontratante, mas deve limitar-se ao estritamente necessário (artigo 303.º, nº2 e nº3 do CCP).
Note-se que este poder não se confunde com o anterior, uma vez que o poder de fiscalização é um poder passivo e preventivo, que simplesmente admite ao contraente público acompanhar a execução do contrato e evitar situações de incumprimento, sendo, portanto, instrumental ao poder de direção e ao poder de aplicar sanções contratuais – as ordens, diretivas ou instruções somente serão emitidas em consonância do que for apurado pela fiscalização à execução do contrato e do que constar dos autos ou relatórios devidamente documentados. Por isso, o contraente público primeiro fiscaliza e depois atua212.
Em conformidade com alguma doutrina, XXXXXXXX XXXXX XXXXXXXX e XXXXXXXXXX XXXX referem que “o poder regulado no nº2 do artigo 325.º do CCP pode ser reconduzido aos poderes anteriormente referidos. Este poder permite que, mantendo-se a situação de incumprimento, após notificação do cocontratante e decorrido o prazo tido como razoável, o contraente público pode optar pela efetivação das prestações de natureza fungível em falta, diretamente ou por intermédio de terceiro, mediante notificação para o cumprimento, ou por resolver o contrato com fundamento em incumprimento definitivo. Em todo o caso, parece-nos que este poder é, do ponto de vista material, mais intenso, assumindo-se mesmo como uma execução coativa, razão pela qual se poderá porventura enquadrar melhor no poder de aplicação de sanções administrativas”213.
Este poder pode ser delegado em comissões paritárias de acompanhamento ou entidades públicas ou privadas especializadas (artigo 305.º, nº 4 e 5 do CCP).
Conclui-se, quanto ao poder fiscalização, que existe um conjunto de regras que definem e restringem este poder e que determinam os deveres e sujeições que impendem, consequentemente, sobre o cocontratante, sendo que este não pode opor-se ou recusar-se à
212 XXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx/ XXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx, Noções Fundamentais…, p. 319; XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx do, Curso…, 2020, p. 524; XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx, Os Poderes do Contraente Público…, p. 76; XXXXX, Xxxxx Xxxxx, “A conformação…”, p. 529; XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx de/ XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx de, Contratos Públicos:…, p. 141.
213 XXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx/ XXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx, Noções Fundamentais…, p. 320.
realização das diligências impostas pela Administração, uma vez que esta tem poder legítimo e justificado para o impor.
iii. Poder de Aplicação de Sanções Contratuais
Permite que o contraente público possa aplicar sanções previstas expressamente na lei ou estipuladas contratualmente (artigo 329.º, nº1 do CCP). Todavia, é “suficiente a mera autorização legal para a previsão, no contrato, de sanções contratuais, dispensando-se uma indicação legal taxativa do elenco de sanções aplicáveis"214.
Este poder assenta (tem como fundamento) no incumprimento contratual por parte do cocontratante, sendo que é aplicado nas situações de mora, de cumprimento defeituoso ou de incumprimento do contrato (quer seja total ou quer seja parcial) e ainda pela não execução pessoal do contrato sem prévia autorização do contraente público. O mencionado poder tem, além de uma função punitiva, uma função coerciva, impondo ao cocontratante o cumprimento das obrigações contratuais assumidas ou, até mesmo, acabar com o contrato (através da resolução sancionatória - artigo 333.º)215.
Enfatize-se que só podem ser previstas sanções para a “inexecução do contrato”, ou seja, para a inexecução das obrigações contratuais. Deste modo, fora do âmbito do poder sancionatório fica a inexecução de obrigações impostas por lei ou por ato administrativo216. As modalidades típicas de sanções utilizadas neste âmbito são as subsequentes217: aplicação de multas contratuais218, a resolução sancionatória219 e o sequestro220 do contrato.
214 XXXXXXXXX, Xxxxx, “Cumprimento e Incumprimento do contrato administrativo”, in: Estudos da Contratação Pública, Vol. I, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, p. 601.
215 TAVARES, Xxxxxxx Xxxxxx, Comentário…, p. 716; e XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx do, Curso…, 2020, p. 536.
216 XXXXXXXXX, Xxxxx, “Cumprimento e incumprimento…”, p. 602.
217 XXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx/ XXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx, Noções Fundamentais…, pp. 322-323; XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx, Comentário…, pp. 716-717; AMARAL, Xxxxx Xxxxxxx do, Curso…, 2020, pp. 536-537.
218 As multas contratuais ou sanções pecuniárias podem consistir numa pena ou numa medida compulsória (caso da sanção pecuniária compulsória prevista no artigo 403.º do CCP), sendo que estão previstas especificamente para as empreitadas de obras públicas.
De referir que estas multas não estão sujeitas ao princípio da taxatividade e, apesar de a lei não se referir expressamente quanto ao momento temporal até ao qual as multas contratuais podem ser aplicadas, refere GUERRA TAVARES que só se aplicam, por factos ou situações anteriores, “até à recepção provisória, quando a mesma se encontre prevista, ou, por maioria de razão, até à recepção definitiva, quando a mesma ocorrer desde logo”. Cf. XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx, Comentário…, p. 791.
219 A resolução sancionatória consiste na extinção do contrato por decisão unilateral, sendo que está prevista nos artigos 330.º, alínea c) e no 333.º do CCP.
220 O sequestro, previsto nos artigos 420.º, alínea a) e 421.º do CCP, é o poder em que o contraente público se substitui ao contraente privado, ou seja, poder de o contraente público recuperar a gestão do serviço em substituição do concessionário e à custa dele, sempre que se haja uma situação de incumprimento grave, efetivo ou eminente, das obrigações previstas. É, portanto, específico das concessões de serviço público. Contudo, a
Estes são exemplos de previsão legal do poder sancionatório, não sendo, por isso, necessária previsão expressa no contrato.
Já nos casos em que não há previsão legal, só pode haver sanções por incumprimento se as mesmas estiverem expressamente previstas no contrato administrativo. Acontece, por exemplo, nos casos de aquisição de bens e de serviços.
Por conseguinte, e como refere XXXXX XXXXXXXXX, nesta matéria não há um numerus clausus, uma vez que “o contrato pode desenhar medidas sancionatórias que se afastem dos tipos a que a lei alude: será o caso, por exemplo, da advertência. O que, em todo o caso, se deve considerar excluída é a previsão de sanções com consequências extracontratuais, dotada de uma repercussão fora da relação contratual (exemplo: proibição de contratar ou de participar em procedimentos de adjudicação)”221.
As sanções pecuniárias têm como limite global 20% do preço contratual, ou de 30%, se não houver lugar à resolução do contrato – artigo 329.º, nº 2 e 3 do CCP222. O contraente público não tem, aqui, uma discricionariedade total.
Nos casos em que o contrato prevê prorrogações expressas ou tácitas do prazo contratual, o valor das sanções, para efeito dos limites previstos no artigo 329.º, nº2 e nº3 do CCP, tem por referência o preço referente ao período de vigência inicial – artigo 329.º, nº4 do CCP223.
lei não o qualifica expressamente como tal. Este aplica-se nas concessões de obras públicas e de serviços públicos.
Este é uma medida temporária, porque acaba quando se regularizar a situação de inexecução ou de incumprimento ou no caso de impossibilidade da manutenção do contrato, através da resolução deste.
O sequestro pode ocorrer nas seguintes casos: no caso de cessação ou interrupção do desenvolvimento das atividades e da exploração dos serviços objeto da concessão; no caso de existência de deficiências graves no regular desenvolvimento das atividades e serviços objeto da concessão e situações de insegurança de pessoas e bens; ou no caso de haver deficiências no estado geral das instalações e equipamentos da rede postal pública que comprometam a continuidade e/ou qualidade da prestação dos serviços objeto da concessão.
Por fim, o concessionário suportará todos os encargos resultantes da manutenção dos serviços e despesas extraordinárias necessárias ao restabelecimento da normalidade da exploração do serviço público (artigo 421.º, nº5 do CCP).
221 XXXXXXXXX, Xxxxx, “Cumprimento e incumprimento…”, p. 604.
222 Este limite é semelhante ao que se estabelecia no domínio do anterior regime das empreitadas de obras públicas previsto no artigo 201.º, nº1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de março. Este diploma foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, que aprovou o CCP.
Atente-se que a norma do 329.º, nº 2 do CCP não impede que o contrato estabeleça limites inferiores a esse. Nesta esteira, menciona GUERRA TAVARES que “se para todos os contratos administrativos – com excepção da empreitada de obras públicas – a aplicação de multas contratuais depende da sua previsão expressa no texto contratual, parece-nos evidente, por maioria de razão, que pode também ser estabelecido no contrato um limite inferior ao referido na norma”. Cf. XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx, Comentário…, p. 792.
223 Norma aditada pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 agosto.
iv. Poder de Resolução Unilateral do Contrato
O contraente público pode resolver o contrato administrativo unilateralmente, sem necessidade de utilizar a via judicial ou arbitral (artigos 302.º, alínea e); 330.º, alínea c); 333.º-335.º do CCP)224.
De notar que se trata de um poder excecional, uma vez que só pode ser utilizado caso ocorra uma violação grave das obrigações assumidas pelo cocontratante especialmente consagradas no contrato225 e, por isso, este poder tem um caráter de ultima ratio, sob pena de violação do princípio da proporcionalidade226. Aplica-se a todos os contratos, não sendo, portanto, exclusivo dos contratos administrativos.
Pode suceder em três situações distintas:
a) resolução sancionatória (rescisão) por incumprimento do cocontratante (artigos 329.º, nº1 e 333.º do CCP) – pode ser imposta quando se verifiquem as situações previstas expressamente na lei (artigo 331.º, nº1), de incumprimento ou violação grave das obrigações assumidas pelo cocontratante, ou outras situações especificamente previstas nas cláusulas contratuais como causas de resolução do contrato;
b) resolução por razões de interesse público (artigo 334.º do CCP) – pode ser imposta quando o interesse público deixou de ser realizável através de contrato, pelo que tem de ser devidamente justificada pelo contraente público e respeitando sempre diversos princípios como, por exemplo, o princípio da proporcionalidade;
c) resolução do contrato por alteração anormal ou imprevisível das circunstâncias227 (artigo 335.º do CCP)228.
Note-se que o contratante particular tem direito a uma justa indemnização, que deverá abranger os danos emergentes229 e os lucros cessantes230. Exceto quando a resolução
224 Esta é uma das causas de extinção do contrato administrativo.
225 No caso de violações menos graves poderá haver multas contratuais.
226 XXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx/ XXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx, Noções Fundamentais…, p. 323; XXXXXXXXX, Xxxxx, A Concessão…, p. 340.
227 Alteração esta que pode resultar de circunstâncias objetivas, mas também pode ser imputável ao exercício de poderes não contratuais pelo contraente público (artigo 335.º, nº 1 e nº 2 do CCP).
228 Para mais desenvolvimentos acerca dos fundamentos da resolução unilateral do contraente público, cf. XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx do, Curso…, 2020, pp. 551-554; TAVARES, Xxxxxxx Xxxxxx, Comentário…, pp. 799-808; XXXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxx xx, Lições…, 2017, pp. 286-287; XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx da, Código dos Contratos Públicos:…, 2019, pp. 725-729; XXXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxx de, “A propósito do regime do contrato administrativo…”, pp. 35-38.
229 O contraente público tem de colocar o cocontratante na situação em que se encontraria se não tivesse havido resolução.
230 O contraente público tem de colocar o cocontratante na situação em que estaria se o contrato fosse pontualmente cumprido.
assenta em razões de violação grave das obrigações contratuais (resolução sancionatória) – neste caso, o contraente público é que tem o direito a uma indemnização, devido aos prejuízos decorrentes da adoção do novo procedimento de formação do contrato231.
No caso de resolução sancionatória, XXXXXX XX XXXXXXX alerta para a seguinte divergência: deve-se incluir na indemnização do lesado (cocontratante ou contraente público) o interesse contratual negativo (denominado por “dano de confiança”)
– sustentado tradicionalmente pela maioria da doutrina civilística e jurisprudência, baseando-se na lógica retroativa, análoga à da anulação do contrato – ou o interesse contratual positivo – apoiado por alguma doutrina e jurisprudência suprema232, sendo que este se fundamenta principalmente nos contratos administrativos quando a sua resolução produza efeitos somente para o futuro, nos casos de contrato de longa duração233.
XXXXXX XX XXXXXXX, quanto ao artigo 334.º, nº2, ou seja, quando esteja em causa uma resolução unilateral por motivos de interesse público, afirma que o preceito legal evidencia uma indemnização pelo interesse contratual positivo, nomeadamente, porque o artigo 334.º, nº2, in fine, menciona a dedução do “benefício que resulte da antecipação dos ganhos previstos”. De facto, esta é uma expressão da Teoria da Diferença, pelo que se tem de calcular todos os benefícios afastados da antecipação. Inclui-se, aqui, o “ganho de chance” derivado da possibilidade de utilização alternativa do tempo, materiais e capitais em outro projeto e a eliminação dos variados riscos que pudessem correr por conta do cocontratante (em caso de períodos de antecipação longos).
Este autor expõe ainda que, em alguns casos, era mais oportuno uma indemnização pelo interesse contratual negativo, que visasse colocar o cocontratante na situação em que se encontraria caso não tivesse celebrado o negócio. Sendo que exemplifica com o seguinte caso: “quando a resolução determine a destruição retroactiva do contrato (nesses casos, seria equiparada de facto às situações de anulação), e, mesmo nos contratos de longa duração, quando a resolução aconteça logo no início, em termos próximos de uma revogação da adjudicação – sendo que, em qualquer das situações, para além dos danos emergentes, poderia haver lugar à indemnização de lucros cessantes, relativos a uma comprovada “perda de chance” de negócios alternativos por parte do co-contratante”234.
231 XXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx/ XXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx, Noções Fundamentais…, p. 324.
232 Xxxxxxx, a este respeito, o Acórdão do STJ, de 14-06-2011, processo nº 4883/05.04TVLSB.L1.S1, 1ª Secção.
233 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxx de, Lições…, 2017, p. 289.
234 Ibidem, p. 288.
É importantíssimo mencionar que não se pode confundir a resolução por motivo de interesse público (que diz respeito ao exercício de um poder contratual) e o “fait du prince” (que advém de um poder extracontratual do contraente público, ou de uma terceira entidade pública, quando determine a resolução do contrato – artigo 335.º, nº2 do CCP).
Quanto à resolução do contrato por alteração anormal e imprevisível das circunstâncias, normalmente, não há indemnização para nenhuma das partes, porquanto “a exigência do cumprimento das obrigações assumidas pela parte lesada afecte gravemente os princípios da boa-fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato”235. Todavia, se a alteração decorrer do exercício de poderes extracontratuais (factum principis), há lugar a indemnização, nos termos estabelecidos para a resolução por motivo de interesse público (artigo 335.º, nº2 do CCP) – através do princípio de atração ou absorção da responsabilidade extracontratual pela responsabilidade contratual ou através da “responsabilidade semi- contratual”236.
De referir também que o resgate (previsto no artigo 422.º do CCP) é o caso mais comum de resolução não sancionatória, pelo que pode definir-se como o ato administrativo pelo qual o contraente público, antes do fim do prazo do contrato (de concessão), decide recuperar as funções administrativas que estavam entregues ao cocontratante, por razões de interesse público e mediante, obviamente, uma justa indemnização.
A título de referência, o poder de resolução do contrato está também à disposição do cocontratante privado, nas situações previstas no CCP, sendo que tem de ser exercido por via judicial ou mediante arbitragem (vejamos o artigo 332.º do CCP sobre a “resolução do contrato por iniciativa do cocontratante”)237.
235 Ibidem, p. 289.
236 Atente-se que esta solução só tem cabimento quando a alteração se produz diretamente sobre o contrato e quando há identidade entre o autor do ato e o contraente público. Exemplificando, quando o contraente público é o Estado ou integre a Administração Indireta e a alteração das circunstâncias aconteçam devido a medidas político-legislativas ou administrativa do Governo (ou Assembleia da República) que produza diretamente efeitos específicos relevantes sobre o conteúdo do contrato. Destarte, nos casos em que o contraente público constitua uma administração autónoma relativamente ao autor do ato de poder, o cocontratante poderá ter direito a uma “indemnização pelo sacrifício”, ao encargo do Estado, o que implica uma compensação pelos prejuízos no âmbito da responsabilidade extracontratual (e não uma indemnização por responsabilidade contratual), que desfavorece os cocontratantes comparativamente com as hipóteses de identidade ou identificabilidade organizativa. Cf. XXXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxx de, Lições…, 2017, p. 290.
237 Para mais desenvolvimentos, cf. XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx do, Curso…, 2020, pp. 549-550; XXXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxx de, Lições…, 2017, p. 287.
Por fim, a resolução dos contratos administrativos não tem efeitos retroativos (ao contrário do que acontece na invalidade dos contratos administrativos). Já no Direito Civil, a resolução tem efeito retroativo – artigos 433.º e 434.º, nº1 do CCiv.
v. Poder de Ordenar a Cessão da Posição Contratual
O contrato pode prever que, em caso de incumprimento, o cocontratante ceda a sua posição contratual ao concorrente, isto é, o contraente público pode determinar unilateralmente a substituição do cocontratante, cedendo a sua posição contratual para terceiro, nos termos e condições do artigo 318.º-A, nº1 do CCP238.
Isto evita todos os inconvenientes relacionados com a instauração de um novo procedimento adjudicatário em caso de incumprimento do cocontratante e a conservação de relações jurídicas que o cocontratante estabelecesse com terceiros para a execução do contrato, protegendo-os239.
A cessão da posição contratual apenas tem lugar quando verificados os requisitos subsequentes: i) a sua previsão expressa no contrato; ii) a ocorrência de uma situação de incumprimento por parte do cocontratante que reúna os pressupostos para o contraente público poder declarar a resolução (rescisão-sanção) do contrato nos termos do artigo 333.º do CCP; e iii) que o contrato tenha sido adjudicado em procedimento concorrencial no qual tenham participado e sido ordenados outros concorrentes240.
Diferentemente, pode o contraente público exercer este mesmo direito, assumindo a posição do cocontratante (step in), nos casos de incumprimento grave das obrigações
238 Poder acrescentado no CCP, pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto. Sendo que tem por base o artigo 72.º, nº1, alíneas a) e d) da Diretiva 2014/24/UE e artigo 43.º, nº1, alíneas a) e d) da Diretiva 2014/23/UE. Isto implicou alterações em outros artigos 302.º e 307.º, nº2 do CCP. Este é um poder que se “aproveita”, digamos assim, dos princípios da transparência, da concorrência e da igualdade.
239 Neste sentido vai também o artigo 321.º-A do CCP (“Pagamento direto ao subcontratado”). Acerca deste preceito legal, cf. XXXXX, Xxxxx Xxxxx, “Alguns problemas em sede de execução e (in)cumprimento do contrato – os artigos 318.º-A e 321.º-A do CCP”, in: Comentários ao Código dos Contratos Públicos, Vol. II, 4ª edição, Lisboa, AAFDL, 2021, pp. 712-723; XXXX, Xxxxx, “Subcontratação e pagamento directo aos subcontratados”, in: Comentários ao Código dos Contratos Públicos, Vol. II, 4ª edição, Lisboa, AAFDL, 2021, pp. 551-570.
240 Isto vai de encontro com o Considerando 110 da Diretiva 2014/24/UE e o Considerando 77 da Diretiva 2014/23/UE que referem em termos semelhantes o seguinte: “Em conformidade com os princípios da igualdade de tratamento e da transparência, o adjudicatário não deverá, por exemplo quando um contrato seja rescindido devido a deficiências na execução, ser substituído por outro operador económico sem abrir novo concurso relativo ao contrato (…)” (itálico nosso).
contratuais que justifica a resolução sancionatória e nos casos que este incumprimento seja
iminente (artigo 322.º, nº2 do CCP)241.
Destarte, o vencedor do procedimento pré-contratual é substituído de forma gradual e sequencial por outro concorrente que participou no procedimento original, de modo a concluir um (novo) contrato para a (adjudicação da) conclusão dos trabalhos (artigo 318.º- A, nº2 do CCP). Colocamos entre parênteses estas palavras, porque não fazem sentido estarem aqui. De facto, este preceito legal devia ter sido alterado pela Lei n.º 30/2021, mas não o foi, infelizmente.
Note-se que deve ser respeitada a ordem de classificação das respetivas propostas do procedimento, não havendo, obviamente, espaço para uma negociação com os concorrentes.
Todavia, os concorrentes não estão obrigados a aceitar a cessão da posição contratual, devendo esta ocorrer nas mesmas condições propostas pelo cedente, e não em conformidade com a proposta que o cessionário havia apresentado no procedimento anterior (artigo 318.º-A, nº3 do CCP)242. Na verdade, este preceito quer dizer que os concorrentes estão obrigados a manter as propostas apresentadas como, por exemplo, o prazo de manutenção da proposta (artigo 65.º do CCP). Caso nenhum dos concorrentes aceitar a cessão da posição contratual, há resolução sancionatória, de acordo com o artigo 333.º do CCP.
Permite-se, assim, aproveitar o resultado do procedimento pré-contratual, no âmbito do qual se procedeu à adjudicação da proposta apresentada pelo cocontratante, para aí encontrar, em obediência ao resultado desse procedimento e, como tal, à ordenação das propostas243, o respetivo cessionário, que assumirá o lugar do cocontratante por “mero efeito de ato do contraente público, sendo eficaz a partir da data por este indicada” (artigo 318.º- A, nº4 do CCP)244. Mas, como referimos anteriormente, para haver cessão da posição contratual o cessionário tem de aceitar primeiro.
241SILVA, Xxxxx Xxxxxxx da, Código dos Contratos Públicos:…, 2019, pp. 698-700; XXXXX, Xxxxx Xxxxx, “Alguns problemas…”, pp. 700-701.
242 Esta norma também devia ter sido, no presente ano, reformulada e não foi.
243 Assim respeita-se os princípios da contratação pública, respetivamente o da transparência e concorrência. 244 Xxxxx haver aqui também uma reformulação na norma, porque não é necessário apenas um ato do contraente público/ato administrativo executório; é necessário também o consentimento do cessionário. Mas, uma vez mais, o legislador de 2021 nada mudou.
Por conseguinte, este poder assegura a subsistência das relações jurídicas contratuais administrativas e também os contratos delas dependentes ou com elas relacionados nos casos em que as mesmas se tenham desenrolado de maneira tão problemática que, sem a cessão da posição contratual, não sobraria outra alternativa senão proceder à resolução sancionatória do contrato com o cocontratante inicial.
É importante referir que todos os direitos e obrigações do cocontratante (incluindo os subcontratos) constituídos antes da notificação da aceitação do cessionário, se transmitem automaticamente para o cessionário na data da produção de efeitos desse ato, sem que este se possa opor (artigo 318.º-A, nº 5 do CCP). Diversamente, todas as obrigações assumidas pelo cocontratante, depois de ser notificado da cessão, só vinculam o cessionário se este as aceitar, declarando-o (artigo 318.º-A, nº6 do CCP).
As garantias e a caução serão reduzidas na proporção do valor das prestações efetivamente executadas e liberadas seis meses após a cessão se não houver obrigações de garantia (artigo 318.º-A, nº7 do CCP). No caso de haver, essa liberação processar-se-á nos prazos previstos nos nºs 4, 5 e 7 do artigo 295.º do CCP245.
O artigo 318.º-A, nº8 do CCP prevê a possibilidade de recusa expressa da posição contratual de subcontratante nos subcontratos por parte do cessionário246.
Assim sendo, o poder de ordenar a cessão da posição contratual faz face a situações em que a resolução sancionatória teria o efeito de deixar ao abandono uma obra já iniciada ou a paralisação de uma prestação de serviços até que um novo procedimento pré-contratual seja concluído247. É, portanto, uma medida alternativa à resolução do contrato, sendo que esta seria mais prejudicial para a prossecução do interesse público. Todavia, este poder suscita algumas dúvidas no que toca à sua operacionalidade prática e, por isso, o contraente público segue este caminho poucas vezes.
Por conseguinte, FREITAS DO AMARAL refere que as expressões “concluir novo contrato” e “adjudicação”, previstas no artigo 318.º-A, nº2 do CCP, deixam dúvidas
245 TAVARES, Xxxxxxx Xxxxxx, Comentário…, p. 769.
246 Acerca deste preceito legal, XXXXXX XXXXXXX refere que a norma não esclarece o momento em que o cessionário deverá recusar esses subcontratos e cita XXXXX XXXXX XXXXX que menciona que é “(…) uma omissão incompreensível e que abre a possibilidade de a consulta e/ou a decisão serem posteriores à efectivação da cessão”. Os supracitados autores afirmam ainda que são muito gravosos os dois fundamentos essenciais da cessão, devido ao facto de estarem sujeitos ao direito de veto do cessionário. Pelo que o contraente público pode não conseguir prosseguir o interesse público devido a isso. Em alguns casos poderá haver até lesão do interesse público. Cf. XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx, Comentário…, p. 769; XXXXX, Xxxxx Xxxxx, “Alguns problemas…”, pp. 706-708.
247 XXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx/ XXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx, Noções Fundamentais…, p. 324.
interpretativas, porque não se sabe, neste tipo de situações, se há uma verdadeira “cessão da posição contratual” do contrato inicial ou, diversamente, se há uma nova adjudicação e atribuição de um novo contrato248. Contudo, o supracitado autor acrescenta que existem outros pormenores que deixam claro que há uma verdadeira cessão da posição contratual como, por exemplo249:
i. A epígrafe do artigo 318.º-A, bem como o artigo 302.º, alínea f), ambos do CCP, utilizam “cessão da posição contratual por incumprimento do cocontratante”, pelo foi mesmo intenção do legislador qualificá-lo juridicamente assim.
ii. O artigo 318.º-A, nº3 do CCP estabelece que “a execução do contrato ocorre nas mesmas condições já propostas pelo cedente no procedimento pré-contratual original”, ou seja, executa-se o mesmo contrato com um cocontratante privado diferente.
iii. O artigo 318.º-A, nº4 do CCP que determina os termos em que se processa a alteração subjetiva em causa.
iv. O artigo 318.º-A, nº5 do CCP enfatiza a ideia de um mesmo contrato, mas com novo cocontratante, porquanto os direitos e obrigações do cedente, constituído à data anterior à cessão, transmitem-se para o novo cocontratante.
De facto, o legislador devia utilizar outras expressões mais corretas, de modo a não haver qualquer confusão quanto à cessão da posição contratual250. Apesar da revisão operada em 2021, o legislador não corrigiu alguns erros técnicos neste artigo. No fundo, este normativo legal resulta de uma escolha política e não de uma técnica legislativa251.
Torna-se imperial referir que o CCP nada refere quanto à conjugação de uma modificação subjetiva do contrato administrativo, ordenada pelo contraente público ao abrigo deste poder, com a modificação objetiva (como, por exemplo, sob o poder de modificação unilateral). Quanto a esta questão, FREITAS DO AMARAL expõe que “desde que se encontrem cumulativamente preenchidos os respetivos pressupostos, parece-nos, em princípio, que não deve considerar-se vedada esta possibilidade” (itálico nosso)252.
248 No mesmo sentido, cf. XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx, Comentário…, pp. 767-768; XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx da, Código dos Contratos Públicos:…, 2019, p. 692.
249 AMARAL, Xxxxx Xxxxxxx do, Curso…, 2020, pp. 538-539.
250 Nesta senda, cf. XXXXX, Xxxxx Xxxxx, “Alguns problemas…”, p. 703.
251 Ibidem, pp. 697-724.
252 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx do, Xxxxx…, 2020, p. 539.
Em suma, e diferentemente do que acontece nos contratos de direito privado253, os contratos administrativos têm sempre como fundamento-base a primazia pela satisfação do interesse público, em detrimento do interesse particular.
Verificadas algumas condições, e claro dentro de determinados limites, a Administração pode praticar atos administrativos relativos à execução do contrato, introduzir unilateralmente alterações ao conteúdo obrigacional do contrato e ainda rescindir o contrato independentemente do incumprimento da outra parte. A Administração, no âmbito do contrato administrativo, tem sempre um poder público de supremacia, pelo que a coloca em posição de superior desigualdade em relação ao cocontratante. Esta detém claramente prerrogativas do poder público, que se exprimem nos poderes supramencionados.
2.2. O Direito à Partilha Equitativa de Benefícios
Para além dos poderes do contraente público, o CCP estabelece o direito do contraente público à partilha equitativa de benefícios quando ocorra um acréscimo anormal e imprevisível dos benefícios financeiros previstos para o cocontratante que não resulte da sua eficiente gestão e das oportunidades criadas pelo mesmo (artigo 341.º, nº1 do CCP)254. Esta partilha de benefícios efetua-se “através da revisão de preços ou assunção, por parte do cocontratante, do dever de prestar ao contraente público o valor correspondente ao acréscimo das receitas ou ao decréscimo dos encargos previstos com a execução do contrato” (artigo 341.º, nº2 e artigo 420.º, alínea d) do CCP)255.
Esta é uma figura própria dos contratos administrativos.
2.3. A Natureza dos Poderes do Contraente Público
De acordo com o artigo 307.º, nº1 do CCP “as declarações do contraente público sobre interpretação e validade do contrato ou sobre a sua execução são meras declarações
253 Em que o contrato deve ser pontualmente cumprido e só pode modificar-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos por lei (nº1 do artigo 406.º do CCiv.), sendo que as partes estão em posição de igualdade.
254 O CCP de 2017 estabelece esta novidade, em geral, para as parcerias públicas-privadas e, em especial, relativamente a concessões de obras e serviços públicos.
255 Neste âmbito, XXXXXX XX XXXXXXX questiona se isto “implica, como a letra da norma sugere, que o benefício reverta integralmente para o contraente público”. Embora esta solução se justifique em alguns casos, “de algum modo contraria a ideia de partilha equitativa”. Cf. XXXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxx de, Lições…, 2017, p. 278.
negociais, pelo que, na falta de acordo do cocontratante, o contraente público apenas pode obter os efeitos pretendidos através do recurso à ação administrativa” (itálico nosso)256. Neste sentido, estabelece-se no artigo 37.º, nº1, alínea l) do CPTA que seguem a forma de ação administrativa os processos que tenham por objeto litígios relativos a “interpretação, validade ou execução de contratos”, sendo que a ação pode ser intentada a todo o tempo (artigo 41.º, nº1, 2ª parte do CPA)257/258.
De facto, este preceito legal, bem como os seguintes (artigos 308.º, 309.º, 310.º259 do CCP), correspondem ao “critério de sujeição ou subordinação”, que permite distinguir os contratos administrativos dos contratos de direito privado260. Mas atente-se que esta subordinação tem limites.
Assim sendo, a regra é que todas as declarações negociais do contraente público sobre a interpretação, validade e execução do contrato são considerados atos negociais, à exceção dos atos praticados no exercício de poderes de autoridade sobre a execução do contrato que, nos termos e condições previstos na lei, são atos administrativos.
256 Este também era, de forma geral, o regime que já constava do artigo 186.° do CPA (revogado pelo Decreto- Lei n.º 18/2008, que aprovou o CCP), onde, numa diferente formulação terminológica, se prescrevia que “os atos administrativos que interpretem cláusulas contratuais ou que se pronunciem sobre a respetiva validade não são definitivos e executórios, pelo que na falta de acordo do cocontratante a Administração só pode obter os efeitos pretendidos através de ação a propor no tribunal competente.” Cf. XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx de/ XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxx/ AMORIM, Xxxx Xxxxxxx de, Código…, pp. 849-852.
Também o artigo 254.º, nº1 do RJEOP previa algo semelhante: “1 - Revestirão a forma de acção as questões submetidas ao julgamento dos tribunais administrativos sobre interpretação, validade ou execução do contrato”(itálico nosso). Este diploma foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro.
257 Mas tem de se ter em atenção à primeira parte do artigo 41.º, nº1 do CPA (“sem prejuízo do disposto na lei substantiva e no capítulo seguinte”), devendo ver os prazos de prescrição e caducidade dos direitos em causa (exemplo: artigo 482.º do CCiv.) e os prazos especiais para a instauração de determinadas ações sobre contratos previstos no artigo 77.º-B do CPA.
258 Evidentemente que não se exclui a eventualidade de recurso à arbitragem, nos termos expressamente admitidos no artigo 180.°, nº1, alínea a) do CPTA e no artigo 476.° do CCP. Este referido artigo do CCP sofreu alterações com a revisão de 2017. Quanto à arbitragem, cf. XXXXXX, Xxxxx, “A arbitragem no CCP”, in: Comentários ao Código dos Contratos Públicos, Vol. II, 4ª edição, Lisboa, AAFDL, 2021, pp. 837-871. E, no tangente aos outros meios de resolução alternativa de litígios no CCP, cf. CALADO, Diogo, “Os (outros) meios alternativos de resolução de litígios no CCP: uma primeira análise”, in: Comentários ao Código dos Contratos Públicos, Vol. II, 4ª edição, Lisboa, AAFDL, 2021, pp. 873-893.
259 Neste artigo 310.º do CCP, prevê-se que as partes podem substituir os atos administrativos por “acordos endocontratuais”. Sendo que os acordos sobre a modificação dependem dos pressupostos e estão sujeitos aos limites da modificação objetiva. Cf. XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx, Os Poderes do Contraente Público…, pp. 113-115; XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx da, Código dos Contratos Públicos:…, 2019, pp. 661-664.
260 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx da, Código dos Contratos Públicos:…, 2019, p. 307.
Nesta senda, o artigo 307º, nº2 do CCP refere que “revestem a natureza de ato administrativo (itálico nosso) as declarações do contraente público sobre a execução do contrato que se traduzam em261:
a) Ordens, diretivas ou instruções no exercício dos poderes de direção e de fiscalização;
b) Modificação unilateral das cláusulas respeitantes ao conteúdo e ao modo de execução das prestações previstas no contrato por razões de interesse público;
c) Aplicação das sanções previstas para a inexecução do contrato;
d) Resolução unilateral do contrato262;
e) Cessão da posição contratual do cocontratante para terceiro”263.
Logo, os atos incluídos no nº 2 são atos de autoridade e os atos não incluídos no nº 2 são atos negociais.
De referir que, no âmbito do direito anterior, ou seja, antes da publicação do CCP, constituía uma vaexata questio, particularmente na jurisprudência administrativa, a relativa à qualificação das declarações emitidas pelas entidades públicas contratantes ao abrigo dos poderes previstos no artigo 180.º do CPA, isto é, a questão de saber se os poderes de conformação possuíam a natureza de atos administrativos ou de declarações negociais264. A questão colocava-se especialmente a propósito dos atos de aplicação de multas contratuais e dos atos de rescisão do contrato. Podiam identificar-se três posições na jurisprudência portuguesa nesta matéria265:
• Uma corrente, dita tradicional, que considerava que estes atos eram atos administrativos266;
261 Xxxxxxx XXXXXX XX XXXXXXX, no âmbito do CCP, esta qualificação expressa é uma enumeração meramente taxativa. Cf. XXXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxx de, Lições…, 2017, p. 276.
262 Acerca desta alínea há alguma controvérsia. Para mais desenvolvimentos, cf. TAVARES, Xxxxxxx Xxxxxx,
Comentário…, p. 727.
263 No exercício do poder acrescentado pela revisão de 2017.
264 XXXXXXXXX, Xxxxx, O Contrato Administrativo:…, pp. 113-119.
265 Para mais desenvolvimentos, cf. XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx, Comentário…, pp. 725-726; XXXXXXXXX, Xxxxx, O Contrato Administrativo:…, p. 114; XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx, Os Poderes do Contraente Público…, pp. 95-98.
266 Vejamos, por exemplo, o Acórdão do STA, de 14-02-2002, processo nº 047543, 1ª Subsecção do Contencioso Administrativo.
• Uma corrente, revolucionária, que considerava estes atos, mesmo os de aplicação de multas e os de rescisão, como meras declarações negociais267;
• Uma corrente, intermédia, dita indecisa, em que estes atos tanto podiam ser atos administrativos como meras declarações negociais268.
Note-se que a distinção entre atos administrativos e declarações negociais tem relevo formal e procedimental, importando principalmente no âmbito do regime substantivo. Efetivamente, há diferenças importantíssimas no regime de ambas as configurações269, no que diz respeita à força jurídica da pronúncia enquanto ato administrativo270:
i) Quanto à obrigatoriedade da decisão, embora anulável, quanto à força executiva ou executória (artigo 309.º do CCP);
ii) No que respeita ao ónus de impugnação dos interessados (no curto prazo de três meses – artigo 58º CPTA)271;
iii) Quanto ao poder da declaração de nulidade ou de anulação unilateral (artigo 162.º, nº2 e 163.º, nº4 do CPA)272.
É importante reforçar que “existem situações em que, para além de força executiva, os atos administrativos conformadores da relação contratual adquirem também força executória, isto é, são atos que, pela natureza dos interesses em causa, podem ser executados coativamente pela própria Administração, sem necessidade de recurso aos tribunais. É o caso dos atos que determinem, em geral, a resolução do contrato ou, em especial, o sequestro ou o resgate de concessões” (itálico nosso)273. Estes atos administrativos gozam, portanto, do “privilégio de execução prévia”274.
Deste modo, e sintetizando, podem ocorrer três situações275:
267Observemos, por exemplo, o Acórdão do STA, de 29-01-1998, processo nº 042633, 1ª Subsecção do Contencioso Administrativo.
268Examinemos, por exemplo, o Acórdão do STA, de 20-12-2000, processo nº 046372, 3ª Subsecção do Contencioso Administrativo.
269 Embora estejam em causa, em ambas as figuras, poderes funcionais que se impõem ao cocontratante privado.
270 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxx de, Lições…, 2017, p. 276.
271 Neste caso, cabe ao cocontratante o ónus de impugnar judicialmente o ato administrativo, quando considere tais atos ilícitos. Caso contrário, o ato manter-se-á plenamente eficaz, vinculativo e autoritário.
272 Estas são características exclusivas dos atos administrativos. Como decorre do artigo 307.º, nº1, 2ª parte do CCP, em caso de declaração negocial, e na falta de acordo do cocontratante, o contraente público tem de recorrer ao tribunal para obter os efeitos pretendidos com a declaração.
273 XXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx/ XXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx, Noções Fundamentais…, p. 325.
274 Para mais desenvolvimentos acerca da executividade e executoriedade, cf. XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx,
Os Poderes do Contraente Público…, pp. 112-113.
275 XXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx/ XXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx, Noções Fundamentais…, p. 325.
a) As emanações do contratante público qualificadas como declarações negociais não têm nem força executiva nem força executória: este é o caso das declarações quanto à interpretação e validade do contrato ou sobre a sua execução – atos negociais;
b) Se se tratar de atos administrativos contratuais relativos a ordens e instruções, ou de uma decisão de modificação unilateral, os atos administrativos têm força executiva, ou seja, são diretamente executáveis pela via da ação executiva, não carecendo de prévia declaração pelos tribunais quanto à conformação do seu conteúdo – artigo 309.º, nº1 e nº2, 1ª parte do CCP – atos administrativos em geral;
c) No caso de se tratar de atos que determinem a resolução unilateral do contrato, o sequestro ou o resgate de concessões276, ou os que a lei assim o determine, os mesmos são diretamente executados pelo contraente público, dispensando da exequibilidade promovida pela via judicial; gozam, portanto, do “privilégio de execução prévia”, ao contrário dos casos da alínea anterior que gozam “apenas” de executividade – artigo 309.º, nº2, 2ª parte do CCP – determinados atos administrativos.
Esta opção legislativa tem suscitado algumas críticas por parte da doutrina, porque sustenta a disparidade relacional entre as partes, conferindo à Administração poderes de autotutela pouco compatíveis com uma verdadeira relação jurídica contratual. Efetivamente, a maioria das decisões277 tem força executiva, pelo que a resolução de conflitos nelas originados terá que ser efetuada por via do contencioso de impugnação. Ainda assim, os referidos autores acreditam que o legislador ponderou o reconhecimento de que, por imperativos de interesse público, “é necessário assegurar uma posição de supremacia jurídica do contraente público, devendo admitir-se que ele disponha de instrumentos de defesa urgentes para compelir o particular ao cumprimento do contrato ou à resolução do mesmo”278.
Posto isto, é importante mencionar que os atos administrativos contratuais indicam algumas especificidades quanto ao regime típico dos atos administrativos (artigo 308.º do CCP). Por exemplo, não estão sujeitos, quanto à sua formação, ao regime do procedimento estabelecido pelo CPA (artigo 308.º, nº1 do CCP), exceto no caso da aplicação de sanções contratuais através de ato administrativo, que se rege, em regra, pelas normas relativas à
276 Acerca da resolução do contrato, resgate e sequestro, cf. XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx da, Código dos Contratos Públicos:…, 2019, pp. 660-661.
277 Principalmente aquelas que são suscetíveis de gerar mais controvérsia entre as partes.
278 XXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx/ XXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx, Noções Fundamentais…, p. 325. Na mesma esteira, cf. XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx de, “O Ato Administrativo Contratual”, pp. 5-7.
audiência prévia (artigo 308.º, nº2 do CCP)279. Todavia, o contraente público pode dispensar a audiência prévia quando se verificam cumulativamente três condições: a) a sanção a aplicar tem de ter natureza pecuniária; b) ter sido prestada garantia bancária à primeira solicitação ou por instrumento equivalente; c) haver fundado receio de que a execução da audiência prévia fruste a execução da caução (artigo 308.º, nº3 do CCP).
Acerca desta opção legislativa, há autores que criticam esta opção e outros que são
a favor.
Por um lado, na visão de XXXXXX XX XXXXXXX, “esta opção legislativa
reivindica, em face das dúvidas anteriores quanto à natureza dos actos de exercício dos poderes contratuais, a vantagem e consequente segurança do regime jurídico substantivo aplicável, mas apresenta o perigo de uma rigidificação e de um autoritarismo administrativo que, em determinadas situações e tipos de contratos, se poderá revelar inadequado, desnecessário ou excessivo em função da finalidade da garantia da realização do interesse público visado pela decisão de contratar”280.
Por outro lado, XXXXX XXXXXXXXX refere que se afigura “boa opção a de configurar como actos administrativos os actos praticados no exercício dos poderes do contraente público. Na verdade, o acto administrativo é o modo mais típico e mais formalizado lizado do agir administrativo, encontrando-se coberto por um regime consolidado e conhecido em todas as suas dimensões e que se mostra especialmente idóneo e eficaz como instrumento ao serviço da «lógica da função»”281.
XXXXXX XX XXXXXXX acrescenta que “não parece razoável que a lei, de forma global e indiferente, qualifique como ato administrativo a resolução unilateral de quaisquer contratos, incluindo, para além dos casos de resolução por imperativo de interesse público, quer também a resolução por incumprimento [que tradicionalmente é vista no direito administrativo, contra o nosso entendimento, como sanção contratual], quer ainda a resolução por alteração anormal e imprevisível das circunstâncias aos tribunais – e a razoabilidade é ainda menor quando se atribui a todos esses atos de resolução, para além de força a título executivo, força executória, permitindo a sua execução coativa pelos meios administrativos sem recurso aos tribunais”282.
279 Artigos 121.º a 125.º do CPA (“Da Audiência dos Interessados”).
280 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxx de, Lições…, 2017, p. 277.
281 XXXXXXXXX, Xxxxx, “A relação jurídica fundada em contrato administrativo”, in: Cadernos de Justiça Administrativa, nº 64, julho/agosto 2007, p. 42.
282 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxx de, Lições…, 2017, p. 277.
Para este autor é mais apropriada a ideia de que, e exemplificando com o Acórdão do STA, de 16-10-2003, processo n.º 047543, do Pleno da secção do Contencioso Administrativo: “em regra, a Administração, ao intervir unilateralmente na execução dos contratos administrativos, o faz através de declarações negociais que, caso configurem poderes, correspondem ao exercício de direitos potestativos de génese contratual. Regra essa que só deveria ser afastada nos casos expressamente previstos na lei (ou devidamente justificados no contrato) ou naquelas situações em que, com base em critérios materiais, se devesse concluir que se tratava de verdadeiros actos administrativos, por envolverem necessariamente o exercício unilateral de poderes de autoridade”283/284.
XXXXX XX XXXXXXX vai de encontro com esta perspetiva, uma vez que: os poderes de autoridade da Administração devem circunscrever-se ao verdadeiramente indispensável, sendo que “(…) o contrato administrativo não deve ser prioritariamente encarado como um instrumento de subjugação dos particulares ao poder da Administração, mas como uma fonte de relações jurídicas eminentemente paritárias”285.
Assim, o CCP, no seu artigo 307.º, adota a corrente jurisprudencial tradicional, desviando-se das correntes mais recentes que privilegiam as situações de paridade das partes e só excecionalmente é que havia lugar ao exercício de poderes de autoridade. Consagra-se, deste modo, a posição doutrinal defendida por XXXXXXXX XXXXXXX e pela generalidade dos administrativistas286.
Concluindo, “o interesse público, mesmo quando prosseguido através de um contrato administrativo (…) não deixa, naturalmente, de exigir que esteja ao seu dispor o instrumento jurídico fundamental da actividade administrativa – o acto administrativo”287.
2.4. Princípio da Autonomia Contratual Pública
O CPA e o CCP consagram o denominado princípio da autonomia contratual pública ou princípio geral da livre utilização do contrato administrativo pelas entidades públicas administrativas.
283 Ibidem, pp. 277-278.
284 Sobre alguns desses critérios, cf. XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx de, “O Ato Administrativo Contratual”, pp. 5-7.
285 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxx de, “Contratos administrativos e poderes de conformação…”, p. 12.
286 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx de, Direito Administrativo, p. 692.
287 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx, Os Poderes do Contraente Público…, p. 116.
Deste modo, os artigos 200.º, nº3 do CPA e 278.º do CCP referem que “[N]a prossecução das suas atribuições ou dos seus fins, os órgãos da Administração Pública podem celebrar quaisquer contratos administrativos, salvo se outra coisa resultar da lei ou da natureza das relações a estabelecer”288.
Este princípio traduz-se, assim, na hipótese de qualquer entidade pública recorrer a contratos administrativos para executar as suas atribuições, apesar de os seus regimes e efeitos não estarem especificamente previstos na lei289.
Não obstante, a utilização do contrato administrativo está subordinada a limites como, por exemplo, existência de uma proibição legal expressa e a incompatibilidade entre o instituto contratual e a natureza das relações a estabelecer. Logo, na aplicação alternativa entre o ato e o contrato, a Administração está inevitavelmente obrigada a optar pela forma de atuação que se revele mais eficiente e adequada à prossecução do fim de interesse público290.
Ora, tanto a norma do CPA como a do CCP consagram o contrato administrativo como uma “figura de utilização geral”291, isto é, como uma das “formas típicas gerais do agir administrativo, forma esta de que as entidades públicas administrativas se podem socorrer na prossecução das suas atribuições ou dos seus fins em paridade e alternativa a outras formas, também elas de atribuição geral, da atividade administrativa – o ato e o contrato de direito privado da Administração” (itálico nosso)292.
Por conseguinte, cabe às entidades públicas administrativas somente a escolha pelo modelo de atuação, ou seja, a escolha entre o contrato administrativo e o ato administrativo, por um lado, e entre o contrato administrativo e o contrato de direito privado da Administração, por outro293. Há, portanto, uma liberdade de escolha consentida por esta norma quanto à forma do contrato administrativo, mas já não quanto ao conteúdo do contrato administrativo294.
288 Estas normas podem ser designadas como de habilitação genérica que permite a livre utilização do contrato administrativo pelas entidades públicas administrativas.
289 XXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx/ XXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx, Noções Fundamentais…, p. 294.
290 Ibidem.
291 À semelhança do artigo 179.º do antigo CPA.
292 TAVARES, Xxxxxxx Xxxxxx, Comentário…, p. 639.
293 Ibidem, p. 640.
294 XXXXXXXXX, Xxxxx, O Contrato Administrativo:…, p. 37.
Posto isto, segundo o artigo 278.º do CCP e o artigo 200.º, nº3 do CPA, a liberdade de utilização do contrato administrativo tem limites, “(…) salvo se outra coisa resultar da lei ou da natureza das relações a estabelecer”295.
Primeiro, se a impossibilidade de utilizar o contrato administrativo resultar da lei, esta impossibilidade tem de ser clara, não podendo haver quaisquer dúvidas, de maneira a que não seja necessário apurar em específico, no silêncio da lei, se o legislador quis ou não, tácita ou implicitamente, afastar a hipótese da utilização do contrato administrativo296.
Segundo, se resultar da natureza das relações a estabelecer, torna-se necessário fazer uma interpretação da lei, visto que esta impossibilidade não é clara, sendo que pode decorrer de a natureza das relações a estabelecer não permitir qualquer nota de colaboração ou consenso (como, por exemplo, as decisões de reclamações ou de recursos que são necessariamente objeto de ato administrativo) ou pode resultar de a natureza das relações a estabelecer não permitir qualquer sinal de autoridade (casos em que só se admite a investidura em termos de direito privado como, por exemplo, uma fiança dada pela Administração a favor de um particular)297.
Terceiro, a Administração Pública tem sempre de “prosseguir o interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos” – artigo 4.º do CPA.
Efetivamente, a Administração tem de respeitar diversos princípios como, por exemplo, o princípio do interesse público e o princípio da legalidade (artigo 3.º do CPA), não havendo, portanto, uma total autonomia pública contratual da Administração Pública.
295 TAVARES, Xxxxxxx Xxxxxx, Comentário…, pp. 641-642; XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx da, Código dos Contratos Públicos:…, 2019, p. 576.
296 Nas palavras de GUERRA TAVARES “(…) só não há liberdade de escolha da utilização do contrato administrativo em dois casos: i) se a lei expressamente afastar a possibilidade de utilização em concreto do contrato administrativo, quer porque diz expressamente quer porque atribui exclusividade a outra forma de atuação administrativa; ou ii) se a lei expressamente impuser a utilização do contrato administrativo para a produção de determinados efeitos jurídicos – pois neste caso, a utilização do contrato administrativo, sendo legalmente imposta, não resulta da atuação do princípio ínsito neste artigo 278.º do Código, mas de norma legal expressa nesse sentido” (itálico nosso). Cf. XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx, Comentário…, p. 641.
297 TAVARES, Xxxxxxx Xxxxxx, Comentário…, pp. 641-642.
3. Em especial, a Modificação Objetiva
O Capítulo V do Título I da Parte III do CCP, nos artigos 311.º a 315.º do CCP, prevê o regime geral de modificação objetiva dos contratos administrativos sujeitos à Parte III do CCP298.
Esta é uma modificação objetiva, porque diz respeito ao objeto e conteúdo do contrato administrativo. Diferentemente, a modificação subjetiva tem que ver com as partes do contrato299.
O poder de modificação permite ao contraente público modificar unilateralmente as cláusulas relativas ao conteúdo ou ao modo de execução das prestações previstas no contrato, tanto qualitativa como quantitativamente. Este poder ajusta as cláusulas contratuais ao interesse público (instável por natureza)300. É um poder que não tem de estar previsto contratualmente e não é renunciável pelo seu titular.
A respeito deste poder XXXXXXXX XXXXXXX menciona que “o poder de modificação unilateral consubstancia um poder, ou seja, uma situação jurídica activa, que é unilateral, ou seja, que se salda num poder potestativo e trata-se de um poder de modificação, ou seja, de um poder que implica uma alteração do objecto de regulação. Trata-se, ainda, de um poder de modificação que implica, consequentemente, uma alteração do objecto de regulação contratual, contrato que, como foi referido, é administrativo” (itálico nosso)301.
Nas palavras de XXXXXXX XX XXXXX, a modificação “traduz uma das mais salientes particularidades dos contratos administrativos cuja execução se prolonga por um período de tempo mais ao menos longo” (itálico nosso)302.
Deste modo, o contraente pode alterar o conteúdo obrigacional do contrato, adequando-o à evolução do interesse público que pretende satisfazer e à melhor forma de o alcançar. Mas, obviamente, este poder não é absoluto, tem limites, previstos no artigo 302.º, alínea c) do CCP e no artigo 313.º do CCP. Assim sendo, este poder não pode ser utilizado de qualquer maneira e em todas as circunstâncias. Exemplificando, a alteração imposta tem
298 Para uma síntese da evolução relativamente ao poder de modificação, Cf. XXXXXXX, Xxxxxxxx X. Xxxxxx xx Xxxxxxx de, O Poder de Modificação….
299 Sobre a modificação subjetiva no CCP, cf. XXXXX, Xxxxxx Xxxxxx, “Modificação subjectiva do contrato no CCP”, in: Comentários ao Código dos Contratos Públicos, Vol. II, 4ª edição, Lisboa, AAFDL, 2021, pp. 491- 530.
300 LAUBADÈRE, Xxxxx de/ VENEZIA, Xxxx-Xxxxxx/ XXXXXXXX, Xxxx, Traité de Droit…, pp. 686-687.
000 XXXXXXX, Xxxxxxxx X. Xxxxxx xx Xxxxxxx de, O Poder de Modificação…, p. 99.
302 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx da, Código dos Contratos Públicos:…, 2019, p. 640.
de ser determinada e fundamentada pela melhor forma de prossecução do interesse público implícito ao contrato; e terá que limitar-se a ser uma alteração da prestação contratual e não a imposição de uma nova prestação, porque, caso contrário, haveria um novo e diferente contrato.
Consequentemente, o poder de modificação unilateral do contrato não se reconduz à Teoria da Imprevisão, sendo uma atuação do contraente público.
Este poder é, sem dúvida, “de entre todos os poderes administrativos na execução dos contratos administrativos, aquele que mais frontalmente põe em causa a estabilidade contratual”303. Por isso, este poder apenas é utilizado de acordo com as fontes, os fundamentos, os limites e as consequências previstos nos artigos 311.º a 314.º.
No que toca aos regimes específicos, e devido às alterações efetuadas pelo legislador em 2021, a modificação nos contratos de empreitada de obras públicas está prevista nos artigos 370.º a 382.º do CCP e nos contratos de concessão de obras públicas e nos contratos de concessão de serviços públicos está prevista no artigo 420.º-A do CCP, que remete para os artigos supra indicados. O legislador reduziu, assim, a complexidade que era articular o regime geral e especial da modificação da concessão304.
Em suma, os poderes de resolução unilateral (artigo 334.º do CCP) e de modificação unilateral contrariam o princípio da estabilidade do objeto do contrato. Todavia, o legislador faz uma ponderação entre o princípio da estabilidade dos contratos administrativos celebrados (“pacta sund servanda”) e o princípio da prossecução do interesse público, que deve prevalecer em certas situações, em detrimento dos interesses privados.
3.1. Fontes da Modificação
Como decorre do artigo 311.º, nº 1 do CCP, os contratos administrativos podem ser modificados por um dos subsequentes modos/fontes:
303 XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx de/ MATOS, Xxxxx Xxxxxxx de, Contratos Públicos:…, pp. 143-144.
000 XXXXXX, Xxxx, “As concessões”, in: Comentários ao Código dos Contratos Públicos, Vol. II, 4ªedição, Lisboa, AAFDL, 2021, pp. 669-696.
a) Acordo das partes, que não pode revestir forma menos solene do que a do contrato. Engloba-se, aqui, o acordo modificativo entre as partes e ainda as cláusulas modificativas constantes no contrato305.
b) Decisão judicial ou arbitral, exceto nos casos em que a modificação interfira com o resultado do exercício da margem de livre decisão administrativa subjacente ao mesmo ou implique a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa. Ou seja, este preceito legal admite que as decisões judiciais/arbitrais podem ser fontes modificativas do contrato, mas, diferentemente do que acontecia antes da revisão de 2021, exclui expressamente esta possibilidade para as modificações que “pressuponham o exercício de um poder discricionário, privativo da Administração (contraente público), como sucede quando estão em causa juízos sobre a pertinência ou a oportunidade de alterar o conteúdo ou o modo de execução de prestações contratuais; além deste, importa notar que as modificações por decisão judicial ou arbitral estão sujeitas aos limites gerais, aplicáveis às modificações por acordo das partes ou ato administrativo”306. Xxxxxxxxxxx-se, então, o princípio da separação de poderes. Isto já era reconhecido unanimemente pela doutrina e jurisprudência307.
c) Ato administrativo do contraente público, nos casos de modificação com fundamento em razões de interesse público, decorrentes de necessidades novas ou de uma ponderação das circunstâncias existentes (falamos, aqui, da modificação unilateral)308.
Este artigo foi alvo de alterações pela Lei n.º 30/2021, de 21 de maio, pelo que agora está mais explícito, tornando a sua aplicação e leitura mais inteligível309. De facto, desde a aprovação do CCP, pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro que existiam estas três possíveis fontes da modificação objetiva. Mas estavam previstas, de forma desigual, em dois números diferentes no artigo 311.º do CCP. Não fazia sentido as fontes estarem em diferentes números, porque qualquer uma delas podiam ser fontes de modificação. Houve,
305 XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxx, “A reforma de 2021 do CCP em matéria de contratos reservados e de modificações objetivas de contratos”, in: Comentários ao Código dos Contratos Públicos, Vol. I, 4ª Edição, Lisboa, AAFDL, 2021, p. 51.
306 Ibidem, p. 52.
307 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx da, Código dos Contratos Públicos:…, 2021, p. 822.
308 Isto já resulta dos artigos 302.º, alínea c) e 307.º, nº2, alínea b) do CCP.
309 A redação anterior do artigo dizia o seguinte: 1 - “O contrato pode ser modificado com os fundamentos previstos no artigo seguinte: a) Por acordo entre as partes, que não pode revestir forma menos solene do que a do contrato; b) Por decisão judicial ou arbitral. 2 - O contrato pode ainda ser modificado por ato administrativo do contraente público quando o fundamento invocado sejam razões de interesse público” (itálico nosso).
portanto, uma simplificação da redação do artigo, enumerando as três fontes da modificação objetiva de forma sistemática.
De referir que o disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 311.º coincide com o que se passa nos contratos de direito privado. Já na alínea c) há uma imposição do contraente público, específica dos contratos administrativos.
Concluindo, quer a modificação seja feita por ato bilateral (acordo das partes), por ato unilateral do contraente público no exercício de poderes públicos (modificação unilateral) ou por decisão judicial/arbitral (modificação judicial ou arbitral) estará sujeita aos fundamentos, limites e consequências, previstos legalmente nos artigos 312.º a 314.º do CCP.
3.2. Fundamentos da Modificação
Enquanto as fontes referidas anteriormente dizem respeito ao ato jurídico (contrato, decisão judicial/arbitral e ato administrativo) que originou a modificação contratual, os fundamentos tem que ver com as razões que legitimam a modificação.
Como veremos de seguida, a modificação do contrato opera de forma distinta, consoante os fundamentos para a modificação e as partes contratantes que a determinam ou solicitam.
Ora, o artigo 312.º do CCP elenca os três fundamentos da modificação contratual310:
a) Cláusulas contratuais que indiquem de forma clara, precisa e inequívoca o âmbito e a natureza das eventuais modificações, bem como as condições em que podem ser aplicadas311;
b) A alteração anormal e imprevisível das circunstâncias em que as partes tenham fundado a decisão de contratar, desde que a exigência das obrigações por si assumidas afete gravemente os princípios da boa-fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato312;
310 Elenco taxativo dos fundamentos da modificação. Cf. XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxx, “A reforma de 2021 do CCP…”, pp. 57-58.
311 Este fundamento de modificação contratual foi introduzido pelo Decreto-Lei nº 111-B/2017, de 31 de agosto.
312 Remissão para o artigo 198.º do RJEOP, que tinha algo parecido com o artigo 312.º, alínea b) do CCP: “Quando as circunstâncias em que as partes hajam fundado a decisão de contratar sofram alteração anormal e imprevisível, de que resulte grave aumento de encargos na execução da obra que não caiba nos riscos normais, o empreiteiro terá direito à revisão do contrato para o efeito de, conforme a equidade, ser compensado do aumento dos encargos efectivamente sofridos ou se proceder à actualização dos preços” (itálico nosso).
c) Razões de interesse público decorrentes de necessidades novas ou de uma nova ponderação das circunstâncias existentes.
Este artigo foi alterado pela Lei n.º 30/2021, de 21 de maio, pelo que incluiu na alínea a) o que já constava no proémio do artigo, acrescentando que este fundamento de modificação tem agora de indicar de forma clara, precisa e inequívoca o âmbito, a natureza e as condições das eventuais modificações que poderão ser aplicadas.
Relativamente a este artigo, XXXXX XXXXXXX refere que aqui “se identifica a primeira das mais graves omissões do legislador de 2017, que entendeu manter intacta a redação de 2008, apesar de o Direito Europeu atribuir expressamente aos Estados-Membros a autorização para um novo fundamento modificativo313 – que o legislador de 2008 não poderia ter previsto por não ser ainda conhecido no Direito Europeu –, mas que a Revisão de 2017 desperdiçou”314. Este novo fundamento é a atual alínea a) do artigo 312.º do CCP, introduzida pela Lei n.º 30/2021, de 21 de maio, que acresce aos tradicionais (digamos assim) fundamentos da modificação objetiva – alíneas b) e c) do supracitado artigo.
Assim sendo, a modificação objetiva do contrato pode derivar de diversas situações, nomeadamente, das cláusulas previstas contratualmente, de erros ou omissões nas peças do procedimento, alteração por razões de interesse público, limitação da capacidade previsão, fenómenos da natureza. Englobam-se aqui também os atos jurídicos externos às partes contratantes, mas com influência na execução do contrato (o denominado pela doutrina francesa de fait du prince).
O poder de modificação é, certamente, aquele que mais coloca em causa a lógica do pactum e, por isso, é aquele que tem mais limitações no seu exercício, de modo a proteger o princípio da livre concorrência e da igualdade entre os operadores económicos. É o poder que mais conflitua com o princípio da estabilidade do contrato.
313 Observemos, neste ponto, o artigo 72.º, n.º 1, alínea a) do CCP da Diretiva 2014/24/UE: “Se as modificações, independentemente do seu valor monetário, estiverem previstas nos documentos iniciais do concurso em cláusulas de revisão (podendo incluir cláusulas de revisão dos preços) ou opção claras, precisas e inequívocas. Essas cláusulas devem indicar o âmbito e a natureza das eventuais modificações ou opções, bem como as condições em que podem ser aplicadas. Não podem prever modificações ou opções que alterem a natureza global do contrato ou do acordo-quadro” (itálico nosso).
314 XXXXXXX, Xxxxx, A Revisão de 2021…, p. 109.
i. Modificação Prevista nas Cláusulas Contratuais
Neste fundamento de modificação, as cláusulas contratuais têm obrigatoriamente que indicar de forma clara, precisa e inequívoca o âmbito e a natureza das eventuais modificações, bem como as condições em que podem ser aplicadas – artigo 312.º, alínea a) do CCP.
No presente ano, com alteração realizada pela Lei n.º 30/2021, de 21 de maio, foi introduzido este “novo” fundamento de alteração do contrato, em que o próprio contrato pode regular antecipadamente as condições da sua modificabilidade. Desde que estas modificações não alterem a natureza global do contrato. Exemplo: o contrato pode prever uma cláusula modificativa de revisão ordinária de preços (artigo 300.º e 382.º do CCP e Decreto-Lei n.º 6/2004, de 6 de janeiro)315.
Houve, assim, uma notável evolução, em que se reconhece “(…) progressivamente a justificação de uma superior flexibilidade da Administração Pública na gestão e adaptação da sua actividade contratual: trata-se da mera execução de cláusulas modificativas prévias que já tinham sido clara, expressa e inequivocamente plasmadas nas peças do procedimento que levou à formação do contrato e que tenham sido divulgadas de modo transparente perante o mercado”316/317. Isto advém do artigo 72.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva 2014/24/UE.
Relativamente a este fundamento de modificação “(…) a entidade adjudicante já terá informado inicialmente o mercado de que o procedimento em curso pretende dar origem a um contrato que é suscetível de ser objecto de modificações do conteúdo ou da quantidade das suas prestações, das suas condições financeiras ou do seu modo de execução. E terá também informado o mercado sobre as condições exactas e precisas em que essa eventual modificação pode ocorrer. Garantida esta informação transparente, tal fundamento modificativo não constitui já qualquer ameaça à concorrência realizada no procedimento pré-contratual: todos os benefícios económicos e todas as condições jurídicas, técnicas ou financeiras decorrentes do contrato são imediata e previamente submetidos à concorrência,
315 Diferentemente, a revisão extraordinária pode ocorrer para se proceder ao equilíbrio financeiro derivado de uma modificação por razões de interesse público – artigos 314.º, nº1, alínea b) e 282.º, nº3 do CCP.
316 XXXXXXX, Xxxxx, A Revisão de 2021…, p. 112.
317 Vejamos, neste âmbito, o artigo 96.º, nº1, alínea j) do CCP, que torna claro o seguinte: “As eventuais condições de modificação do contrato expressamente previstas no caderno de encargos, incluindo cláusulas de revisão ou opção, claras, precisas e inequívocas”.
tendo cada operador de mercado o perfeito conhecimento do alcance desse procedimento”318.
Assim, “com a previsão no caderno de encargos das condições de que dependerá uma eventual futura modificação objetiva do contrato e dos respetivos termos, garante-se que (todos) os interessados têm, logo em sede de procedimento de formação de contrato, conhecimento da possibilidade de variação contratual e dos respetivos âmbito e pressupostos, formulando a sua proposta (ou optando por não tomar parte no procedimento) tendo-o em conta”319.
Ora, obviamente, que tem de haver uma análise casuística da clareza, precisão e inequivocidade, por um lado, e das condições de aplicação, por outro.
Note-se que este fundamento não contraria os princípios da concorrência, transparência e igualdade, porque se baseia numa hipótese prévia, clara, precisa e inequívoca de modificação perante todo o mercado320.
De referir ainda que este fundamento de modificação não tem qualquer limite quantitativo ao valor dele resultante, desde que se respeite a natureza global do contrato, ou seja, desde que não se altere o objeto do contrato321/322.
Este fundamento pode ter como fonte o acordo das partes (nos termos do artigo 311.º, nº1, alínea a) do CCP) ou, na falta deste, a decisão judicial ou arbitral (nos termos do artigo 311.º, nº1, alínea b) do CCP). Não se pode aqui incluir a fonte indicada no artigo 311.º,
318 XXXXXXX, Xxxxx, A Revisão de 2021…, p. 113.
319 FONTOURA, Xxxx Xxxx xx/ XXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx, “Modificação objetiva do contrato: um (des)equilíbrio complexo?”, in: Comentários ao Código dos Contratos Públicos, Vol. II, 4ª edição, Lisboa, AAFDL, 2021, p. 444.
320 XXXXXXX, Xxxxx, A Revisão de 2021…, pp. 113-114.
321 Deve-se respeitar obviamente o objeto do contrato e, além disso, obedecer aos requisitos previstos no artigo 96.º, nº1, alínea f) do CCP (as condições de modificação do contrato devem ser claras, precisas e inequívocas). 322 Examinemos, aqui, o Acórdão do Tribunal de Justiça (Xxxxxxx Xxxx) de 7 de setembro de 2016, processo C-549/14, que menciona o seguinte: “embora o respeito pelo princípio da igualdade de tratamento e pela obrigação de transparência deva ser assegurado relativamente aos concursos públicos específicos, tal não impede que se tomem em consideração as suas especificidades. A conciliação daquele imperativo jurídico e desta necessidade concreta passa, por um lado, pelo respeito estrito das condições de um contrato, tal como foram fixadas na respetiva documentação, até ao termo da fase de execução desse contrato, mas também, por outro, pela possibilidade de prever expressamente nesses documentos a faculdade de adaptação, pela entidade adjudicante, de certas condições do referido contrato, inclusivamente importantes, após a sua adjudicação. Ao prever expressamente esta faculdade e ao fixar as modalidades da sua aplicação na referida documentação, a entidade adjudicante garante que todos os operadores económicos interessados em participar no referido concurso tiveram disso conhecimento desde o início e estão assim em pé de igualdade no momento de formular a sua proposta (v., por analogia, acórdão de 29 de abril de 2004, Comissão/CAS Succhi di Frutta, C‑496/99 P, EU:C:2004:236, n.os 112, 115, 117 e 118)” (itálico nosso).
nº1, alínea c) do CCP (ato administrativo do contraente público), uma vez que está expressamente prevista para a modificação com fundamento em interesse público.
Com esta nova alínea, e nas palavras de XXXXX XXXXXXX, a “Administração Pública fica, pois, dotada de uma renovada flexibilidade na prossecução da sua actividade pública contratual”323.
ii. Modificação por Alteração Anormal e Imprevisível das Circunstâncias
A modificação pode ainda derivar de uma “alteração anormal e imprevisível das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, desde que a exigência das obrigações por si assumidas afete gravemente os princípios da boa-fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato” (itálico nosso) – artigo 312.º, alínea b) do CCP.
Este fundamento de modificação deriva de um facto exterior ao contrato e à vontade das partes (os intitulados Acts of God) que provoca um desequilíbrio no contrato. E, por isso, distingue-se claramente dos outros fundamentos de modificação, uma vez que não são uma consequência de um facto exterior e alheios à vontade das partes, mas sim a consequência da vontade (de uma ou de ambas as partes do contrato) em modificar o contrato.
Este fundamento engloba duas modalidades de alteração das circunstâncias e, consequentemente, terá dois tipos de consequências, como veremos mais à frente:
• Alteração anormal e imprevisível imputável ao contraente público fora do exercício dos seus poderes de conformação – aqui o cocontratante tem direito à reposição do equilíbrio financeiro (artigo 314.º, nº1, alínea a) do CCP);
• Alteração anormal e imprevisível não imputável ao contraente público – aqui o cocontratante tem direito a uma compensação financeira (artigo 314.º, nº2 do CCP).
Na segunda modalidade (ou seja, alterações estranhas a ambas as partes e que não decorreram de atuações suas) vem “à tona”, digamos assim, o aclamado caso imprevisto (Teoria da Imprevisão)324. Neste ponto, pode fazer-se uma remissão para os contratos de
323 XXXXXXX, Xxxxx, A Revisão de 2021…, p. 114.
324 Para mais desenvolvimentos acerca do Caso Imprevisto/Teoria da Imprevisão, cf. XXXXXXX, Xxxxxxxx, Manual…, pp. 625-634; SÁNCHES, Xxxxx Xxxxxxxxx, Estudos sobre Contratos Públicos, Lisboa, AAFDL, 2019, pp. 247-255; XXXXXXX, Xxx Xxxxxxx “A modificação e os trabalhos a mais nos contratos de empreitada de obras públicas”, in: Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Xxxxxxx Xxxxxxx, Vol. II, Coimbra Editora, 2010, pp. 79-88.
direito privado, em que a parte afetada por uma modificação das circunstâncias pode, ao abrigo do artigo 437.º do CCiv., requerer a resolução ou a modificação do contrato segundo critérios de equidade325. Muito embora o CCP, em 2008, se tenha baseado neste artigo do direito civil, no tangente à teoria da imprevisão, estas duas normas não são iguais (e poderiam ser), uma vez que o CCP exige a anormalidade e a imprevisibilidade das circunstâncias. Ora não poderia haver nunca uma similaridade, neste caso, entre os contratos privados e os contratos administrativos (na generalidade), porque nos últimos estão em causa interesses públicos e, por isso, o cocontratante não pode desvincular-se. Todavia, e como iremos ver, reparte-se as perdas contratuais para ambos os contraentes (Administração e cocontratante)326. De qualquer modo, salvaguarda-se o interesse público em detrimento do interesse privado.
XXXXX XXXXXXXXX refere que “o poder de modificação distingue-se do “direito à modificação do contrato” nos termos do artigo 437.º do CCiv., já que aquele poder existe e pode ser exercido em casos em que não há qualquer modificação objectiva da base negocial, mas apenas uma nova ponderação administrativa sobre as exigências de interesse público”327. Ou seja, o poder de modificação “(…) não assiste ao concedente apenas nos termos da cláusula rebus sic stantibus, que exige uma modificação objectiva da base negocial. Se o poder de modificação só pode ser exercido quando exista um interesse público real que o justifique, esse interesse não tem de ser determinado por circunstâncias ou factos supervenientes, podendo resultar antes de uma nova ponderação que a Administração concedente faz de circunstâncias já existentes ao momento da celebração do contrato”328.
Note-se que a expressão “alteração anormal e imprevisível das circunstâncias”, no seu conceito tradicional, abrange as situações de jus variandi e as de fait du prince329.
325 O artigo 437.º do CCiv. (Condições de admissibilidade) diz o seguinte: “1. Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato. 2. Requerida a resolução, a parte contrária pode opor-se ao pedido, declarando aceitar a modificação do contrato nos termos do número anterior” (itálico nosso). Cf., relativamente a este artigo, XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx/ XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx/ XXXXXXX, Xxxxx Xxxxx, Código Civil Comentado, Vol. II, Xxxxxxx, Xxxxxxxx, 0000, pp. 270-284; XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx da, Código dos Contratos Públicos:…, 2019, p. 669.
326 XXXXXXX, Xxxxxxxx, Manual…, p. 626.
327 XXXXXXXXX, Xxxxx, O Contrato Administrativo:…, p. 109.
328Idem, A Concessão…, pp. 260-261.
329 Este é, de facto, um ponto de conexão entre a modificação por alteração anormal e imprevisível e a modificação por razões de interesse público. Veremos com mais pormenor este assunto no ponto seguinte da presente tese.
Este fundamento de modificação objetiva do contrato aplica-se se às obrigações assumidas pelas partes afetar gravemente o princípio da boa-fé. Sendo que, aqui, “(…) devem ponderar-se os valores fundamentais do Direito relevantes em face das situações consideradas e, em especial, a confiança suscitada na contraparte pela atuação em causa e o objetivo a alcançar com a atuação empreendida” – artigo 10.º do CPA.
Quanto à determinação do conceito indeterminado “gravemente”, tem de haver “(…) uma ponderação cuidada, razoável, proporcionada e justa, parecendo que terá de verificar-se sempre que a exigência do cumprimento das prestações contratuais implique um tal aumento de encargos que não seja justo nem razoável fazer suportar pelo cocontratante e antes resulte num injustificado enriquecimento do contraente público à custa daquele”330. Por outro lado, aplica-se se não estiver coberta pelos riscos próprios do contrato.
Exemplificando, em determinadas situações, a pandemia Covid-19 e as restrições adstritas às medidas de combate a esta, poderia causar um agravamento de custos contratuais. Neste caso, é pertinente o momento em que o contrato foi celebrado, porque “a imprevisibilidade poderá ser mais evidente quanto maior for a antecedência da celebração do contrato em relação aos momentos-chave da pandemia (nomeadamente, à declaração de pandemia pela OMS em 11 de março de 2020, ou à declaração do estado de emergência em Portugal em 18 de Março de 2020)”331.
Em princípio, este fundamento da modificação só pode ter lugar por acordo das partes ou decisão judicial ou arbitral (artigo 311.º, nº1, alíneas a) e b) do CCP, respetivamente).
iii. Modificação por Razões de Interesse Público
Por fim, pode haver modificação por “razões de interesse público decorrentes de necessidades novas e de uma ponderação das circunstâncias existentes” – artigo 312.º, alínea c) do CCP.
Este é “(…) “o” fundamento por excelência da modificação de contratos administrativos”332. Isto porque é uma modificação que resulta da lei e que permite ao contraente público, através de ato administrativo, modificar unilateralmente as cláusulas
330 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx da, Código dos Contratos Públicos:…, 2019, p. 669.
331 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxx, “Impacto da pandemia Covid-19 na execução dos contratos administrativos”, in:
Revista dos Contratos Públicos, nº 24, Coimbra, CEDIPRE, agosto 2020, p. 265.
332 XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxx, “A reforma de 2021 do CCP…”, pp. 56-57.
contratuais por razões de interesse público. Este poder de modificação unilateral é tradicionalmente intitulado na doutrina como jus variandi.
Quanto às necessidades novas, estas não eram previsíveis no momento da formação e celebração do contrato administrativo, por ocorrerem ou serem previsíveis após o contrato, porque, de outro modo, não eram novas, mas sim imprevistas.
Já a nova ponderação das circunstâncias existentes subsiste unicamente quando as circunstâncias não existiam nem eram previsíveis na altura da formação e da celebração do contrato333.
Por conseguinte, “não pode haver lugar a essa alteração por causas imprevistas, mas que eram previsíveis e, por isso mesmo, deveriam ter sido previstas, e só o não foram por negligência ou dolo. Se o contraente público, na preparação do contrato, não atuou com a diligência normalmente exigível, não pode suprir a sua deficiente atuação com recurso ao exercício de um poder excecional, que assim seria posto ao serviço da falta de diligência do contraente”334.
Acerca deste fundamento da modificação, refere XXXXX XXXXX XXXXX que “[A]s mudanças radicam em causas subjetivas, emergentes da perceção que o adjudicante tem relativamente à melhor forma de prosseguir as necessidades públicas que determinam a celebração do contrato”335. Já XXX XXXXXXX XXXXXXX enfatiza o facto de que “é imprescindível que a decisão seja fundamentada e que se demonstre o preenchimento do pressuposto legal da existência de interesse público na modificação pretendida. Constituindo este o fundamento, consubstancia naturalmente também o limite do poder de modificação unilateral. O que significa que se os motivos determinantes desse poder não se conformarem com as exigências ditadas pelo interesse público, o acto estará viciado por desvio de poder ou, na medida em que permite uma fiscalização mais objetiva e rigorosa, por violação do princípio da imparcialidade, na vertente de ponderação de interesses estranhos e relevantes à luz do fim legal a prosseguir (ex: modificação de um contrato para permitir ao cocontratante a obtenção de lucros face a uma deficiente ponderação dos riscos de exploração inerentes ao contrato). Acresce que as modificações do contrato que impliquem
333 Vejamos, neste sentido, o Acórdão do TCA-N, de 05-03-2021, processo n.º 01340/20.8BEPRT, da 1ª Secção
- Contencioso Administrativo.
334 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx da, Código dos Contratos Públicos:…, 2019, p. 671.
335 XXXXX, Xxxxx Xxxxx, “A conformação…”, p. 535.
a atribuição injustificada de uma vantagem patrimonial em benefício do co-contratante podem configurar um auxílio estatal ilegal, para efeitos do Direito Comunitário”336.
Este fundamento de modificação pode ter como fonte, diferentemente do que acontece nas modificações anteriores, um ato administrativo do contraente público ou um acordo entre as partes (artigo 311.º, nº 1, alíneas c) e a) do CCP respetivamente)337.
De facto, esta modificação acontece muitas vezes nos contratos de longa duração (como, por exemplo, contratos de concessão) – quando as condições em que o contrato foi celebrado se alteram no decorrer da sua execução, de tal maneira que o conteúdo do contrato pode já não representar a melhor forma de prosseguir o interesse público –, mas também pode acontecer nos contratos de curta duração (como, por exemplo, nas empreitadas de obras públicas ou de fornecimento contínuo quando é necessário “trabalhos completares”338)
– quando as prestações dos cocontratantes estipuladas no contrato sejam em número inferior ou superior às posteriormente exigidas pelo interesse público339.
A dinâmica e a mutabilidade do interesse público justifica que o contraente público tenha, ao seu dispor, o poder de alterar as cláusulas respeitantes apenas ao conteúdo e ao modo de execução das prestações previstas no contrato. Sendo que os particulares cocontratantes ficam submetidos às variações do conteúdo do contrato impostos pelo contraente público – cláusula de sujeição340.
3.3. Modificação Unilateral vs. Fait du Prince
Atualmente a modificação unilateral e o denominado fait du prince não se confundem341.
Por um lado, a modificação unilateral, como referimos anteriormente, exige sempre que a “(..) alteração da técnica que o concessionário vinha usado e que foi considerada no
336 XXXXXXX, Xxx Xxxxxxx “A modificação e os trabalhos a mais…”, p. 67.
337 Neste sentido, cf. XXXXXXXX, Xxxx Xxxx xx/ XXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx, “Modificação objetiva do contrato:…”, pp. 448-449.
338 Relativamente aos “trabalhos complementares” e seus limites, cf. os artigos 370.º a 375.º do CCP.
339 AMARAL, Xxxxx Xxxxxxx do, Xxxxx…, 2020, p. 525; XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx, Comentário…, p. 716 e pp. 855-869.
340 SÁNCHES, Xxxxx Xxxxxxxxx, Estudos…, pp. 243-245.
341 Todavia, anteriormente XXXXXXXX XXXXXXX entendia que eram noções semelhantes, cf. XXXXXXX XXXXXXXX, Manual…, p. 620. Já a doutrina francesa distinguia o fait du prince em sentido amplo (qualquer modificação, seja qual for a sua fonte) e o fait du prince em sentido estrito (modificação efetuada pelo contraente público). Cf. LAUBADÈRE, Xxxxx xx, Traité Theórique…, Tome III, pp. 23-69.
momento da celebração do contrato”342. Envolve, pois, “a prática de um ato administrativo que tem o contrato por objeto”343.
Por outro lado, apesar de provocar efeitos semelhantes daqueles que decorrem da modificação unilateral, o fait du prince ou factum principis, é, segundo XXXXX XXXXXXXXX, um “(…) conceito que designa uma atuação exterior ao contrato da Administração concedente, de outra entidade administrativa ou até do legislador, que determina uma perturbação significativa na equação económico-financeira do contrato. Ao contrário do poder de modificação, estão aqui em causa medidas gerais, que têm efeitos sobre o contrato, embora não o tenham por objecto (v.g., redução da área de uma concessão municipal por força de uma medida legal criadora de um novo município onde ficam integradas freguesias abrangidas pela concessão)”344. Ou seja,“(…) onde o que está, ou pode estar, em causa é uma alteração do contrato por força de actuações públicas de carácter geral, que têm efeitos sobre o contrato, mas não o têm por objecto”345/346.
Relativamente aos efeitos do fait du prince, XXXXX XXXXXXXX distingue duas situações “(…) em que o bouleversement347 do contrato resulta de medidas gerais adoptadas pela Administração concedente, que fica constituída no dever de indemnizar não só o dano emergente como o lucro cessante que essas medidas provocam. Se as medidas gerais são adoptadas por outras entidades administrativas ou pelo legislador, o concessionário terá então direito à modificação do contrato nos termos do artigo 437.º do Código Civil (Teoria da Imprevisão), via qual acabará por se verificar a reposição do equilíbrio do contrato”348/349.
342 XXXXXXXXX, Xxxxx, A Concessão…, p. 260.
343 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxx de, Teoria Geral…, 2018, p. 487.
344 Ibidem.
345 XXXXXXXXX, Xxxxx, O Contrato Administrativo:…, p. 109.
346 Ver ainda, no tangente a este ponto, AMARAL, Freitas do, Xxxxx…, 2002, pp. 626-630; XXXXX, Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, O Facto do Príncipe e os Contratos Administrativos, Coimbra, Almedina, 2012; XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx de/ MATOS, Xxxxx Xxxxxxx de, Contratos Públicos:…, pp. 155-157; XXXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxx de, “A Propósito do Regime do Contrato Administrativo…”, pp. 32-33; XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx do, Curso…, 2020, pp. 541-545 e p. 750; XXXXX, Xxxxx Xxxxx, “A conformação…”, pp. 533-537; XXXXXXX, Xxxxx Xxxxx de, Teoria Geral…, 2018, pp. 505-510.
347 Isto é, agravamento anormal para o cocontratante das prestações do contrato. Só há fait du prince se houver bouleversement. Cf. LAUBADÈRE, Xxxxx xx, Traité Theórique…, Tome III, pp. 17-18; XXXXXXXXX, Xxxxx de/ VENEZIA, Xxxx-Xxxxxx/ XXXXXXXX, Xxxx, Traité de Droit…, pp. 696-698.
348 XXXXXXXXX, Xxxxx, A Concessão…, p. 260.
349 Para mais desenvolvimentos acerca da Teoria do Fait du Prince, cf. XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxxx, A Revisão de 2021…, pp. 119-121; Idem, Estudos…, pp. 255-263.
Assim sendo, podemos identificar, no CCP, duas situações subsumíveis a situações de fait du prince. Estas encontram-se no artigo 314.º, nº1, alínea a) e no artigo 335.º, nº2 (sobre a resolução do contrato pelo contraente público).
Concluindo, o fait du prince é indicado para modificações derivadas de atos de caráter geral, lei ou regulamento, não sendo especificamente para alterações contratuais efetuadas por ato administrativo (poder de modificação unilateral), ou seja, deriva de uma atuação exterior ao contrato administrativo e que se repercuta no mesmo; sendo que materializa o risco político ou o caso imprevisto.
3.4. Limites da Modificação
O poder de modificação não pode ser exercido de qualquer modo e em quaisquer circunstâncias - não é, portanto, um poder absoluto350. Os limites, por força do artigo 280.º, nº 3 do CCP, são aplicados a todos os contratos públicos.
A revisão do CCP, operada pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto, foi a que introduziu expressamente limitações à modificação objetiva do contrato administrativo, pelo que densificou o artigo 313.º do CCP351. De facto, “a Revisão de 2017 foi mais longe nos erros cometidos por acção e por omissão, quer desaproveitando em absoluto a flexibilidade que o Direito Europeu reconheceu aos Estados-Membros para o correcto exercício da sua actividade contratual, quer confundindo-se nos próprios termos em que redigiu as disposições relevantes para a limitação das modificações contratuais”352. De facto, o legislador de 2017 estabeleceu um regime mais restritivo do que aquele que constava nas Diretivas353. Deste modo, este artigo não podia deixar de sofrer profundas alterações, efetuadas pela Lei n.º 30/2021, de 21 de maio, sendo que o legislador veio corrigir importantes aspetos que não teve em atenção em 2017.
Por conseguinte, a modificação unilateral do contrato deve cumprir os limites
previstos no artigo 313.º do CCP354:
350 LAUBADÈRE, Xxxxx de/ VENEZIA, Xxxx-Xxxxxx/ XXXXXXXX, Xxxx, Traité de Droit…, p. 687-688. 351 Já desde 2008 que o CCP estabelecia limites. Tal não acontecia nas diretivas europeias de 2004. Só em 2014 é que as diretivas fixaram normativamente este limites. Cf. XXXXXXX, Xxxxx Xxxxx de, Teoria Geral…, 2021, pp. 585-586.
352 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxxx, A Revisão de 2021…, p. 122.
353 Por isso, este artigo foi amplamente criticado. Cf., por exemplo, XXXXXXX, Xxxxx Xxxxx de, Teoria Geral…, 2021, pp. 588-590.
354 De referir que, além destes limites, há limites específicos, quanto à modificação, para as empreitadas de obras públicas (artigo 370.º do CCP) e concessões de obras e serviços (artigo 420.º-A do CCP, que remete para o 370.º do CCP).
“1 - A modificação não pode nunca traduzir-se na alteração da natureza global do contrato, considerando as prestações principais que constituem o seu objeto.
2 - A modificação fundada em razões de interesse público não pode ter lugar quando implicar uma modificação substancial do contrato ou configurar uma forma de impedir, restringir ou falsear a concorrência, designadamente por:
a) Introduzir alterações que, se inicialmente previstas no caderno de encargos, teriam ocasionado no procedimento pré-contratual, de forma objetivamente demonstrável, a alteração da qualificação dos candidatos, a alteração da ordenação das propostas avaliadas, a não exclusão ou a apresentação de outras candidaturas ou propostas;
b) Alterar o equilíbrio económico do contrato a favor do cocontratante de modo a que este seja colocado numa situação mais favorável do que a resultante do equilíbrio inicialmente estabelecido;
c) Alargar consideravelmente o âmbito do contrato” (itálico nosso).
É importante referir que o limite do nº1 do artigo 313.º aplica-se à modificação contratual seja qual for o fundamento previsto no artigo 312.º do CCP.
A ratio legis deste artigo é a seguinte: “(…) assim como se exige que a celebração de certos contratos pela Administração (e entidades equiparadas) seja precedida da realização de procedimentos transparentes de seleção do cocontratante, também se devem impor limites quanto aos poderes de disposição de que gozam as partes nos contratos que venham a ser celebrados na sequência desses procedimentos, de modo a impedir que, durante a vigência dos contratos, as partes os modifiquem no sentido de defraudar as regras de contratação que impõem às entidades adjudicantes a adopção de procedimentos concorrenciais na seleção daqueles com quem contratam”355.
i. Artigo 313.º, nº1 do CCP – Limite Substantivo
A respeito do limite quanto ao objeto do contrato tem de ser relembrado o seguinte:
• O CPA de 1991 já consagrava, no artigo 180.º, alínea a), o poder de a Administração Pública “modificar unilateralmente o conteúdo das
355 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxx de, Teoria Geral…, 2021, p. 585.
prestações, desde que seja respeitado o objecto do contrato e o seu equilíbrio financeiro”.
• Também o CCP, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, previa que a “modificação não pode conduzir à alteração das prestações principais abrangidas pelo objecto do contrato (…)”.
• Já o CCP com a revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto referia que a modificação “não pode conduzir à alteração substancial do objeto do contrato”.
Deste modo, apesar das diferentes redações e alterações, sempre se aclamou o designado princípio da intangibilidade do objeto, porque fazia-se, e ainda se faz, a contraposição entre objeto do contrato e o conteúdo das prestações principais356.
Nesta senda, FREITAS DO AMARAL menciona que o objeto do contrato constitui um limite à modificação objetiva do contrato, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 313.º, nº1 do CCP, sendo que corresponde “às prestações típicas do contrato – nomeadamente aquelas que identificam um determinado tipo contratual –, concretamente acordadas entre as partes nos termos da lei ou, noutros termos, as atividades típicas mediante as quais o cocontratante colabora na satisfação de uma dada necessidade pública”. Estas, no que releva do seu caráter típico, não podem ser modificadas unilateralmente no exercício dos poderes de conformação da relação contratual. Já os modos peculiares, técnicos ou jurídicos, da execução dessas prestações – e, nessa medida, também o seu conteúdo – podem ser objeto do potestas variandi com vista à prossecução do interesse público”357/358.
Este preceito legal, ao consagrar o referido princípio, quer dizer que o contraente público, no uso do jus variandi, não pode alterar a natureza global do contrato
356 Isto advém do artigo 72.º, nº1, alínea a), parte final da Diretiva 2014/24/UE, que menciona que as modificações não podem alterar “a natureza global do contrato”. Já o nº4 da supracitada Diretiva considera a alteração substancial do contrato aquela que o torne “(…) materialmente diferente do contrato (…) celebrado inicialmente” (itálico nosso). Nesta norma europeia é claramente visível o princípio da intangibilidade do objeto do contrato administrativo.
Tem de se ter também presente o Considerando 109 da supracitada Diretiva que entende como “mudança global” pelo contraente público: substituição de obras, fornecimentos ou serviços a adjudicar por algo diferente ou alteração profunda do tipo de contrato, uma vez que, em tal situação, é previsível que o resultado final seja influenciado.
357 AMARAL, Xxxxx Xxxxxxx do, Curso…, 2020, pp. 529-530.
358 Este entendimento já era defendido antes do CCP e do CPA de 1991. Cf. XXXXXXX, Xxxxxxx de, “Para a Teoria do Contrato Administrativo:…”, pp. 79-80; XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx de, Direito Administrativo, p. 699; XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx do, Xxxxx…, 2002, pp. 621-622.
administrativo, tendo em consideração as prestações principais que constituem o seu objeto. Ou seja, não se pode alterar substancialmente o objeto do contrato, delimitado nas peças procedimentais, transformando o contrato em causa num contrato de natureza diferente359. Assim, e nas palavras de FREITAS DO AMARAL, “a Administração pode mudar o contrato, mas não pode mudar de contrato360/361.
Como já referiam XXXXX XXXXXXX XX XXXXXXXX/ XXXXX XXXXXXXXX/
XXXXXXX XX XXXXXX, acerca da norma similar da alínea a) do artigo 180.º do CPA, a expressão conteúdo das prestações “não pode ser entendida em termos demasiado rigorosos ou termos convencionados perante as prestações, de modificação muito mais frequente, de resto, que o seu conteúdo (stricto sensu)”. Os supracitados autores, acrescentavam ainda que o poder de modificação unilateral podia dizer respeito, por exemplo, “(…) à modificação do projeto da obra contratada (ou aos materiais a empregar nela), aos preços a praticar junto dos utentes pelo concessionário de serviço ou obra pública, às exigências estéticas ou funcionais dos acessórios que se coloquem num espaço dominial ocupado privativamente, aos espetáculos turísticos ou de variedades a apresentar nos casinos de jogo, etc., etc.”362.
O CCP de 2017 manteve o princípio da intangibilidade do objeto, em termos similares, no seu artigo 313.º, nº1, alínea a). Muito embora este artigo não explicitasse muito bem, havia uma ligação entre o objeto e as prestações principais do contrato. Atualmente, com as revisões operadas pela Lei n.º 30/2021, de 21 de maio, o CCP continua a estabelecer
359 Vejamos o artigo 72.º, n.º 1, alínea a), in fine e alínea c), ponto ii; alínea e); e nº 4, que referem que a modificação não pode alterar a natureza global do contrato e diz em que situações é que a modificação é considerada substancial.
360 AMARAL, Xxxxx Xxxxxxx do, Xxxxx…, 2002, p. 620.
361 A título de curiosidade, temos de referir que houve anteriormente uma discussão acerca da existência do supramencionado princípio:
De um lado, para os autores que defendem a existência do princípio da intangibilidade do objeto do contrato administrativo, o objeto do contrato corresponde à atividade essencial nele implicada, ou seja, o objeto é que individualiza o contrato. Deste modo, a Administração pode alterar as prestações contratuais a que o cocontratante estava obrigado, desde que não se altere o objeto do contrato. Assim, protege-se os interesses do cocontratante e os interesses públicos da transparência, da objetividade e da neutralidade que regem o contrato administrativo. Cf. XXXXXXX, Xxxxxxxx, Manual…, p. 618; XXXXXXXXX, Xxxxx, A concessão…, p. 258; Xxxx, O Contrato Administrativo:…, p. 108; XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx do, Curso…, 2020, p. 528; XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx, Os Poderes do Contraente Público…, p. 63; XXXXXXX, Xxx Xxxxxxx “A modificação e os trabalhos a mais…”, pp. 71-72.
De outro lado, para os autores que negam a existência do princípio da intangibilidade do objeto do contrato administrativo, as prestações a que o cocontratante se obriga é que são, elas próprias, o objeto do contrato. Sendo que este era composto pelas prestações a que as partes se vinculavam – “o elemento finalista que domina a causa-função caracteriza também o objecto do contrato”. Neste caso, a modificação unilateral das prestações do contrato envolvia consequentemente o poder de alterar o objeto do contrato. Cf. XXXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx, Contrato Administrativo, p. 28 e p. 33; XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx do, Curso…, 2020, p. 528.
362 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx de/ XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxx/ AMORIM, Xxxx Xxxxxxx de, Xxxxxx…, x. 000.
(xx forma mais evidente) este princípio como limite à modificação objetiva do contrato, no seu artigo 313.º, nº1, pelo que a “modificação não pode nunca traduzir-se na alteração da natureza global do contrato, considerando as prestações principais que constituem o seu objeto”.
Por um lado, o CCP menciona que há “prestações que constituem o objeto do contrato” (observemos, aqui, os artigos 297.º e 298.º do CCP), ou seja, o objeto inclui as prestações principais que as partes mutuamente se obrigaram a cumprir. Por outro, o poder de modificação tem de respeitar o conteúdo e o modo de execução das prestações estipuladas no contrato (artigo 302.º, alínea c)). Portanto, as prestações contratuais que estão abrangidas por esta alínea são apenas aquelas que podem ser modificadas por razões de interesse público relacionado à prossecução das prerrogativas do contraente público e que justificaram a opção pela via contratual. Assim, protege-se o núcleo essencial do contrato, pelo que não está sujeito, de maneira alguma, ao poder de modificação.
Acerca desta questão XXXXXXX XXXXXX XX XXXXX e XXXXX XXXXXXX XXXXX referem o seguinte exemplo: “a administração pode, por exemplo, num contrato de concessão de uma auto-estrada, impor supervenientemente ao concessionário a construção de quatro faixas de rodagem em cada sentido de circulação em vez das duas que estavam previstas no contrato. Mas em caso algum pode validamente, no mesmo contrato, alterar radicalmente a identidade da obra (de uma auto-estrada para um prédio), o seu local de execução (do Algarve para Trás-os-Montes) ou o tipo contratual (de concessão de obras públicas para empreitada de obras públicas), pois tais modificações violariam o núcleo essencial do contrato”363.
É importante referir que caso o contraente público alterasse a natureza global do contrato, haveria uma imposição de prestações não contratuais ou a celebração de um contrato novo, com ofensa de princípios que regulamentavam a respetiva adjudicação. Isto implicaria a invalidade própria do contrato nos termos do artigo 284.º, nº1 do CCP.
Note-se que este limite aplica-se a todos os fundamentos de modificações, pelo que as modificações, independentemente do seu fundamento, não podem nunca traduzir-se na alteração da natureza global do contrato, em consonância com as prestações principais que constituem o seu objeto364.
000 XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx xx/ XXXXX, Xxxxx Salgado de, Contratos Públicos:…, p. 145.
364 XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxx, “A reforma de 2021 do CCP…”, pp. 58-59.
Deste modo, e enfatizando, mesmo que o contraente público antecipe previamente a modificação nas cláusulas contratuais, nos termos anteriormente referidos/permitidos, esta modificação não pode, mesmo com advertência prévia do mercado, alterar o objeto contratual, modificando as prestações principais, o tipo e a natureza contratual365.
Em suma, tem de ser respeitado o objeto do contrato, como limite absoluto, sendo que não pode ser modificado nem por acordo das partes.
ii. Artigo 313.º, nº2 do CCP – Limite Substancial e Limite Concorrencial
Este artigo estabelece duas balizas fundamentais para a modificação, pelo que prevê que a modificação do contrato administrativo por razões de interesse público não pode implicar uma alteração substancial do contrato, nem configurar numa forma de impedir, restringir ou falsear a concorrência366 (esta é garantida pelo regime da formação do contrato), nomeadamente pelas razões enunciadas nas várias alíneas do artigo 313.º, nº2 do CCP367:
a) “Introduzir alterações que, se inicialmente previstas no caderno de encargos, teriam ocasionado no procedimento pré-contratual, de forma objetivamente demonstrável, a alteração da qualificação dos candidatos, a alteração da ordenação das propostas avaliadas, a não exclusão ou a apresentação de outras candidaturas ou propostas368;
b) Alterar o equilíbrio económico do contrato a favor do cocontratante de modo a que este seja colocado numa situação mais favorável do que a resultante do equilíbrio inicialmente estabelecido369;
c) Alargar consideravelmente o âmbito do contrato.”
Note-se que estas são razões meramente exemplificativas que ultrapassam aqueles dois limites, pelo que poderão haver outras modificações substanciais.
XXXXX XXXXXXXXX, sobre o limite concorrencial, afirma que “a protecção da concorrência surge, assim, como um novo e autónomo critério de limitação da modificação
365Para mais desenvolvimentos acerca deste ponto, cf. XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxxx, A Revisão de 2021…, p. 122.
366 Anterior alínea b) do nº1 do artigo 313.º do CCP.
367 Este preceito concretiza as balizadas previstas no artigo 72.º, nº 4 da Diretiva 2014/24/UE. Cf. XXXXXXXX, Xxxx Xxxx, “Modificação objetiva do contrato:…”, pp. 1145-1147; FONTOURA, Xxxx Xxxx xx/ XXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx, “Modificação objetiva do contrato:…”, pp. 473-481.
368 Anterior alínea c) do nº1 do artigo 313.º do CCP.
369 Anterior alínea e) do nº1 do artigo 313.º do CCP.
dos contratos e introduz, como uma dimensão renovada do problema, um princípio de identidade entre âmbito de modificação e âmbito do poder unilateral de modificação”. Mais acrescenta que este limite “acentua o novo enfoque da protecção da concorrência (desde logo, a proteção dos operadores económicos que concorreram ou que poderiam ter concorrido à adjudicação do contrato inicial, bem como dos potenciais concorrentes a uma nova adjudicação)”370. Em todos estes casos ilustrativos, há uma probabilidade de que a modificação, se realizada no procedimento pré-contratual, resultaria num adjudicatário diferente. Isto iria, claramente, defraudar o objetivo do procedimento inicial.
De notar que este limite evita situações de manipulação do poder de modificação por parte do contraente público em conluio com o cocontratante (no caso de modificação por acordo das partes)371 e assegura, igualmente, a transparência e igualdade de tratamento nos procedimentos de contratação pública, prevenindo possíveis distorções no mercado. Esta transparência também é visível no artigo 315.º do CCP que impõe a publicidade das modificações.
Com as alterações operadas pela Lei n.º 30/2021, de 21 de maio, este limite aplica- se apenas às modificações fundadas em razões de interesse público372, como estipulado no artigo 313.º, nº2. Sendo certo que a modificação por razões de interesse público “pode efetuar-se (ao que parece, independentemente do valor), desde que não configure uma forma de impedir, restringir ou falsear a concorrência, o que, nos termos da lei, se pode concluir que: a) as alterações introduzidas, na hipótese de terem sido inicialmente previstas no caderno de encargos, conduziam, de forma objetivamente demonstrável, à qualificação dos mesmos candidatos, à mesma ordenação das propostas avaliadas, à exclusão ou à apresentação das mesmas candidaturas ou propostas; b) o equilíbrio económico do contrato se mantém nos termos iniciais, permanecendo, pois, a situação do cocontratante nas condições definidas no equilíbrio inicialmente estabelecido; c) não se alargar consideravelmente o âmbito do contrato. Só a verificação cumulativa destas três condições conduzirá à conclusão de que o contrato modificado não se apresenta materialmente
370 XXXXXXXXX, Xxxxx, “Acórdão Pressetext: modificação de contrato existente vs. adjudicação de novo contrato: Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (Terceira Secção) de 19.6.2008, X.X- 000/00”, xx: Cadernos de Justiça Administrativa, nº 73, janeiro/fevereiro, 2009, p. 17.
371 XXXXX, Xxxxx Xxxxx, “A conformação…”, p. 542.
372 Todavia, o legislador europeu, na Diretiva 2014/24/UE, aplicou o limite substancial a qualquer um dos fundamentos – artigo 72.º, nº1, alínea e) da referida Diretiva.