PGM - INFORMAÇÃO RAJ-PGM Nº 2539 / 2024
Procuradoria-Geral do Município Rede de Apoio Jurídico - PGM
PGM - INFORMAÇÃO RAJ-PGM Nº 2539 / 2024
PROCESSO SEI N° | 23.0.000076708-5 |
INFORMAÇÃO N° | 2539 / 2024 |
INTERESSADO | Secretaria Municipal de Educação |
ASSUNTO | Contratos administrativos. Prestação de serviços. Comprovação de escolaridade dos funcionários. Análise jurídica. |
À RAJ-PGM:
I - RELATÓRIO
Trata-se de expediente encaminhado para análise desta Procuradoria, que requer orientação acerca dos procedimentos a serem adotados para a comprovação de escolaridade de novos funcionários de empresas contratadas pelo Município de Porto Alegre, uma vez que a dificuldade reside no fato de que alguns candidatos não conseguem obter os referidos comprovantes devido à destruição total ou parcial das escolas, ocasionada por inundações, resultando na perda da documentação escolar e sem previsão de retorno às atividades escolares.
A consulta foi assim redigida pela ULC-SMED ( 28991661):
Solicitamos Orientação de como proceder, no caso da comprovação de escolaridade de novos funcionários de empresas Terceirizadas, que possuem contratos ativos com a Prefeitura. Nos contratos de Terceirizados consta obrigatoriedade da comprovação de escolaridade.
Este questionamento vem de empresas que estão por admitir funcionários, e estes informam que não conseguem este comprovantes, pois as escolas em que estudaram foram totalmente inundas em que a documentação dos alunos não foi possível ser recuperada, outros em escolas que foram inundadas parcialmente, com perdas de documentação , sem uma previsão de retorno as atividades.
Diante deste situação, solicito parecer quanto a como proceder nesta situação? O que informar às empresas?
Com as informações acima, passa-se à análise.
II - FUNDAMENTOS JURÍDICOS
1. DELIMITAÇÃO DA INFORMAÇÃO JURÍDICA
A Procuradoria-Geral do Município, órgão central do sistema de juridicidade da Administração Pública, desempenha funções de consultoria e assessoramento jurídicos, além de representar judicial e extrajudicialmente a Administração Direta e Autárquica do Município, conforme estabelecido em lei.
É importante frisar que, na manifestação jurídica, o Procurador Municipal aprecia apenas os documentos presentes no expediente em análise, competindo à área consulente instruí-lo previamente com as informações necessárias. Não lhe é exigido adentrar no mérito administrativo (juízo de conveniência e oportunidade) ou analisar aspectos de natureza política, técnica, científica ou mercadológica, tanto por ausência de expertise quanto de competência funcional.
Além disso, considerando que a prática de atos administrativos em cumprimento de obrigações legais é dever de todo agente público, a Procuradoria deve ser instada a se manifestar somente quando houver previsão legal ou necessidade de orientação jurídica diante de um contexto relevante, visando assegurar a juridicidade das condutas administrativas.
É também crucial destacar que não compete à Procuradoria a fiscalização do cumprimento das condicionantes elencadas em manifestações jurídicas anteriores, incumbindo às áreas técnicas verificar o atendimento ou responsabilizar-se pelo não acolhimento destas. Assim sendo, a orientação jurídica restringe-se apenas ao pedido atual, que não chancela a regularidade das condutas anteriores ou alheias ao caso analisado.
Finalmente, a manifestação da Procuradoria, de caráter opinativo, não vincula o titular da Pasta, que, no legítimo exercício de sua competência administrativa e conhecedor das especificidades de sua área, deve avaliar as vantagens e desvantagens de suas decisões, especialmente diante de eventuais questionamentos pelos órgãos de controle interno e externo. Incumbe-lhe, portanto, a responsabilidade por qualquer conduta adotada que não siga a orientação jurídica.
2. DA ANÁLISE JURÍDICA SOLICITADA
Como relatado, é requerida análise jurídica sobre as formas de comprovação de escolaridade dos funcionários a serem contratados pelas empresas que mantêm contratos administrativos com o Município, considerando que os candidatos não conseguem obter os comprovantes devido à destruição das escolas por inundações.
Inicialmente, cumpre destacar que a situação de calamidade pública decretada pelo Município em função dos alagamentos ocasionados por eventos climáticos excepcionais configura uma circunstância extraordinária e de força maior, conforme preceitua o Decreto Municipal nº 22.647/2024. A calamidade pública, na verdade, impõe um contexto excepcional que afeta diretamente diversos setores, inclusive a prestação de serviços contratados.
O Estado do Rio Grande do Sul, de forma geral, vem sofrendo com danos expressivos, contabilizando mortes, desaparecidos, pessoas desabrigadas, interrupção ou prejuízo em serviços públicos e privados, danos em imóveis e rodovias, levado à edição do Decreto Estadual nº 57.596/2024, que declara estado de calamidade pública no território do Estado do Rio Grande do Sul afetado pelos eventos climáticos de chuvas intensas, COBRADE 1.3.2.1.4, ocorridos no período de 24 de abril a 1º de maio de 2024.
A situação dramática vivenciada, inclusive, foi objeto do Decreto Legislativo nº 36, de 7 de maio de 2024, o qual reconhece, para os fins do disposto no art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), a ocorrência do estado de calamidade pública em parte do território nacional, para atendimento às consequências derivadas de eventos climáticos no Estado do Rio Grande do Sul.
O Tribunal de Contas do Estado, em cartilha que orienta os entes públicos em razão do desastre que atingiu todo o Estado, define o estado de calamidade como a "situação anormal, provocada por desastres, causando danos e prejuízos que impliquem o comprometimento substancial da capacidade de resposta do poder público do ente atingido" (disponível em xxxxx://xxxxx.xx.xx/xx-xxxxxxx/xxxxxxx/0000/00/XXXXX-XXXX-0000-Xxxxxxxx- Atualizada-1.pdf, acesso em 10/06/2024).
Dito isso, não se deve esquecer que as funções do Poder Público são exercidas no cumprimento do dever de alcançar o interesse público, visando à satisfação - e, na calamidade pública, à recuperação - dos direitos fundamentais, mediante o uso dos poderes instrumentalmente necessários conferidos pela ordem jurídica.
Discorrendo a esse respeito, o professor Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx
ensina que:
58. A indisponibilidade dos interesses públicos significa que, sendo interesses qualificados como próprios da coletividade – internos ao setor público –, não se encontram à livre disposição de quem quer que seja, por inapropriáveis. O próprio órgão administrativo que os representa não tem disponibilidade sobre eles, no sentido de que lhe incumbe apenas curá-los – o que é também um dever – na estrita conformidade do que predispuser a intentio legis.
(...)
O interesse público que à Administração incumbe zelar encontra-se acima de quaisquer outros e, para ela, tem o sentido de dever, de obrigação. Também por isso não podem as pessoas administrativas deixar de cumprir o próprio escopo, noção muito encarecida pelos autores. São obrigadas a desenvolver atividade contínua, compelidas a perseguir suas finalidades públicas.
(...)
Ora, a Administração Pública está, por lei, adstrita ao cumprimento de certas finalidades, sendo-lhe obrigatório objetivá-las para colimar interesse de outrem: o da coletividade. É em nome do interesse público – o do corpo social – que tem de agir, fazendo-o na conformidade da intentio legis. Portanto, exerce "função", instituto – como visto – que se traduz na ideia de indeclinável atrelamento a um fim preestabelecido e que deve ser atendido para o benefício de um terceiro.
(Xxxxx, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx de. Curso de direito administrativo. -- 37. ed. --. Belo Horizonte: Fórum, 2024.)
Aplicando estes preceitos ao momento atual, é imperativo que a atividade administrativa não reste prejudicada no momento em que as demandas em face do Município se avolumam, justamente para recuperar as perdas e os prejuízos causados pela catástrofe climática. Por certo, situações excepcionais demandam soluções excepcionais, inclusive de ordem jurídica.
Pois bem.
A consulta formulada pela Secretaria Municipal de Educação não indica os contratos administrativos nos quais as empresas apresentam dificuldade para comprovar a escolaridade dos novos funcionários, limitando-se a informar que são empresas terceirizadas. De todo modo, a pré-compreensão indica que se tratam de contratos de prestação de serviços, com ou sem dedicação exclusiva de mão de obra, afinal é nestes contratos que costumeiramente se trata como terceirização. Também não é dito quais são as bases jurídicas das contratações envolvidas, de modo que a análise é efetuada em tese.
Sabe-se que a Lei nº 14.133/2021 revogou a Lei nº 8.666/1993. Contudo, as contratações públicas com fundamento na legislação anterior continuam a ser regidas por essa lei. Por sua vez, o parágrafo único do art. 2º da Lei nº 8.666/1993 dizia que contrato
administrativo é todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada. A nova Lei, embora não traga conceito de contrato administrativo, não destoa desta concepção, de modo contrato segue sendo o ajuste para a compra de bens, fornecimento de serviços ou a realização de obras.
Nesta linha de raciocínio, o professor Xxxxx Xxxxx apresenta o conceito de contrato administrativo:
Assim, define-se contrato administrativo como acordo de duas vontades, em que pelo menos uma das partes seja a Administração Pública (agindo nessa qualidade) ou faça as suas vezes, precedido de licitação, destinado a criar, modificar ou extinguir direitos e obrigações, no qual se forma uma relação jurídica que visa atender aos interesses públicos por meio da satisfação, de modo direito, das necessidades da Administração Pública ou delegando a particular o exercício de competência pública.
Pode-se depreender desse conceito seus elementos essenciais, quais sejam:
(i) acordo de duas vontades, em que pelo menos uma das partes seja a Administração Pública (agindo nessa qualidade) ou quem faça as vezes (negócio jurídico bilateral);
ii) precedido de licitação;
(iii) destinado a criar, modificar ou extinguir direitos e obrigações;
(iv) constitui uma relação jurídica;
(v) atendendo aos interesses públicos; e
(vi) satisfazendo, de modo direito, as necessidades da Administração Pública ou delegando a particular o exercício de competência pública.
(Xxxxx, Xxxxx. Curso de direito administrativo brasileiro: volume 3/Xxxxx Xxxxx. 3. ed. rev., ampl. e atual. – Rio de Janeiro: CEEJ. 2024. p. 923-924)
Como se observa, o contrato administrativo visa à satisfação direta e imediata das necessidades da Administração Pública. Este instrumento jurídico materializa a satisfação do interesse público, atribuindo a um particular a obrigação de realizar prestações específicas destinadas a atender às demandas coletivas, não sendo um fim em si mesmo. Note-se: o contrato instrumentaliza a prestação de atividades de incumbência do Estado.
É possível perceber que, a depender da natureza da contratação, em especial as que envolvem a prestação de serviços, exigirão maior ou menor grau de escolaridade dos indivíduos que irão realizar as atividades. Estas definições estarão nos documentos técnicos que orientam as contratações públicas, tais como o termo de referência ou o projeto básico, seguindo as definições, via de regra, da Classificação Brasileira de Ocupações - CBO, que identifica as ocupações no mercado de trabalho.
A questão posta, todavia, desafia a situação de normalidade, pois candidatos que estão buscando ocupar as vagas abertas em decorrência das contratações efetuadas pelo Município não estão conseguindo reunir a documentação necessária à comprovação da respectiva escolaridade. Assim, o estado de calamidade traz complicações adicionais à Secretaria consulente. Muitas regiões da cidade foram severamente impactadas, ficando totalmente submersas e alagadas, o que resultou em inúmeras perdas, inclusive para as escolas públicas e privadas, que deveriam fornecer os comprovantes de escolaridade.
Ocorre que eventual interrupção das atividades escolares, mesmo que temporária e forçada por circunstâncias excepcionais decorrentes dos alagamentos, não pode impedir que as contratações administrativas sejam prejudicadas. Já foi dito, casos excepcionais demandam soluções excepcionais. Por isso, é essencial pensar em medidas compensatórias para a ausência de comprovação de escolaridade, que sejam capazes de garantir a segurança jurídica e, ao final, a adequada prestação dos serviços.
Em outro momento, a situação da escolaridade já teve análise pela Procuradoria, extraindo-se a seguinte conclusão da PGM - Informação nº 9121/2022 (21530920), homologada pelo Procurador-Geral do Município ( 21545137):
À vista dessas considerações, este Procurador entende:
a ) Pelo princípio de vinculação ao instrumento convocatório, o edital se torna lei no certame ao qual regulamente, portanto, as cláusulas de exigência do ensino fundamental completo devem ser seguidas por qualquer uma das partes, seja a Administração, sejam qualquer das empresas contratadas;
b) Caso comprovado que a empresa não consegue contratar profissional com ensino fundamental completo. É possível, com fundamento art. 23 da LINDB, estabelecer um regime de transição. Aceitando profissionais antes contratados sem a escolaridade exigida no edital, até que a situação seja normalizada. Portanto, a Administração no seu dever de fiscalizar deverá levar em consideração esse regime de transição. Podendo, até mesmo admitir um determinado período para que as trabalhadoras concluam o curso referido.
Para assegurar a juridicidade, neste momento, recomenda-se que sejam utilizadas outras formas de comprovação da escolaridade, especialmente se forem um indicativo fiel de que o interessado já ocupou emprego com escolaridade igual ou superior ao exigido para o posto. Por exemplo, pode-se fazer a verificação dos dados constantes na Carteira de Trabalho, dados fornecidos por ex-empregadores, cópia de registros públicos ou privados que possam, ao menos, referenciar a informação da escolaridade.
Ainda, é possível utilizar certificados provisórios emitidos pelas Secretarias Municipal ou Estadual de Educação ou por outros órgãos competentes que atestem a conclusão
dos estudos pelos interessados. Esses certificados poderiam ser baseados em registros eletrônicos, declarações de professores ou de diretores escolares, e em quaisquer outros documentos disponíveis que possam substituir temporariamente os comprovantes formais destruídos pelas inundações.
Outrossim, poderão ser aceitos documentos que apenas referenciem indiretamente a escolaridade, tais como declarações fornecidas por terceiros, agências de recursos humanos, cursos particulares etc. Outra medida seria implementar um procedimento de auto-declaração, onde o candidato declara sob as penas da lei a sua escolaridade, acompanhada de um compromisso de apresentação dos documentos comprobatórios originais assim que possível.
Em último caso, diante da imprescindibilidade dos serviços, pode ser aceito o funcionário sem comprovação da escolaridade, desde que a empresa ateste que, no seu processo de admissão, pode constatar que o interessado reunia as condições e capacidades técnicas necessárias ao desempenho daquela atividade.
Por fim, uma vez passado o momento da calamidade pública, seja fixado um prazo razoável para que a comprovação específica referente a escolaridade seja apresentada, conforme exige a contratação feita junto ao Município, na medida em que as unidades de ensino forem retomando suas atividades e recuperando seus registros administrativos.
Essas medidas permitirão que as empresas contratadas pelo Município componham seus quadros de funcionários adequadamente para cumprir os contratos administrativos, enquanto Secretaria acompanhará e fiscalizará a implementação dessas estratégias, assegurando que os serviços sejam prestados sem prejuízo neste momento tão delicado.
III - CONCLUSÃO
Diante da situação excepcional de calamidade pública decorrente das inundações que resultaram na perda de documentos escolares dos candidatos a serem contratados por empresas terceirizadas que mantêm contratos administrativos com o Município, propõe-se a adoção das seguintes opções viáveis ao gestor:
a) Utilização de outras formas de comprovação de escolaridade, como a verificação dos dados constantes na Carteira de Trabalho, informações fornecidas por ex- empregadores, cópias de registros públicos ou privados, ou certificados provisórios emitidos pelas Secretarias Municipal ou Estadual de Educação, baseados em registros eletrônicos, declarações de professores ou diretores escolares.
b) Aceitação de documentos que referenciem indiretamente a escolaridade, tais como declarações fornecidas por terceiros, ou a implementação de um procedimento de auto- declaração, onde o candidato declara sob as penas da lei a sua escolaridade, acompanhado de um compromisso de apresentação dos documentos comprobatórios originais assim que possível.
c) Em casos de imprescindibilidade dos serviços, aceitação temporária do funcionário sem comprovação imediata de escolaridade, desde que a empresa ateste que o interessado reúne as condições e capacidades técnicas necessárias para o desempenho da atividade.
d) Por fim, uma vez passado o momento da calamidade pública, seja fixado um prazo razoável para que a comprovação específica referente a escolaridade seja apresentada, conforme exige a contratação feita junto ao Município, na medida em que as unidades de ensino forem retomando suas atividades e recuperando seus registros administrativos.
São estas as considerações. Encaminho a presente manifestação para, caso assim entenda, seja determinado que se proceda conforme indicado.
É o parecer.
Porto Alegre, 14 de junho de 2024.
Xxxxxx Xxxxxx Procurador Municipal OAB/RS nº 89.148
Mat. nº 1521977
Documento elaborado nos termos da IN 0042022- PGM
Documento assinado eletronicamente por Xxxxxx Xxxxxx, Procurador(a) Municipal, em 17/06/2024, às 08:59, conforme o art. 1º, III, "b", da Lei 11.419/2006, e o Decreto Municipal 18.916/2015.
A autenticidade do documento pode ser conferida no site xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxxx/xxxxxxx informando o código verificador 29007227 e o código CRC AE38A430.
23.0.000076708-5 29007227v47